2021 AlexBezerraLeitão
2021 AlexBezerraLeitão
2021 AlexBezerraLeitão
Instituto de Letras
Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas
Programa de Pós-graduação em Linguística
Brasília
2021
Universidade de Brasília
Instituto de Letras
Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas
Programa de Pós-graduação em Linguística
Brasília
2021
ALEX BEZERRA LEITÃO
Banca examinadora:
________________________________________________________
Prof. Doutor Rodrigo Albuquerque Pereira (Orientador/Presidente)
Programa de Pós-Graduação em Linguística (PPGL/UnB)
________________________________________________________
Prof.ª. Doutora Janaína de Aquino Ferraz (Coorientadora)
Programa de Pós-Graduação em Linguística (PPGL/UnB)
________________________________________________________
Prof. Doutor Luiz Henrique Magnani (Membro Externo)
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM)
________________________________________________________
Prof.ª. Doutora Natalia Elvira Sperandio (Membra Externa)
Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ)
________________________________________________________
Prof.ª. Doutora Francisca Cordelia Oliveira da Silva (Membra Interna)
Programa de Pós-Graduação em Linguística (PPGL/UnB)
________________________________________________________
Prof.ª. Doutora Rosineide Magalhães de Sousa (Membra Interna)
Programa de Pós-Graduação em Linguística (PPGL/UnB)
________________________________________________________
Prof.ª. Doutora Maria Luisa Ortíz Alvarez (Membra Suplente)
Programa de Pós-Graduação em Linguística (PPGL/UnB)
Ao meu irmão ‘Rubio’, porque nossa interação importa.
À ‘Eliz’, à ‘Rosa’, ao ‘Locke’, à ‘Catarina’, à ‘Ângela’, ao
‘Frederico’, ao ‘Cristiano’, ao ‘Jenival’, ao ‘Antônio’ e à
‘Jéssica’, nada sobre vocês sem vocês!
AGRADECIMENTOS
À energia do sol, das águas, da terra e do fogo, que impulsionam o meu viver.
À mãe Rita e ao pai Francisco, pelo amor, pela simplicidade e pelo aprendizado
humanista e como ativistas pelos direitos das pessoas com deficiência.
Ao irmão Rubio, pela interação do nosso modo, pelo sorriso escancarado e por me
possibilitar ser e estar com você do nosso jeito.
À irmã Ana Paula, por me apoiar, pelo acolhimento, pelo cuidado, pela força, por
acreditar em minhas elucubrações e por vibrar tanto comigo diariamente.
À filha Sofia, pela energia do seu viver que habita em mim, pela garra por aprender,
por tantas alegrias, pela paciência e por me fazer acreditar em um mundo melhor.
Ao parceiro Sérgio Ricardo, pela paciência em ouvir meus devaneios, por celebrar
tanto a vida comigo e por me incentivar a continuar com esta jornada.
Ao professor Rodrigo Albuquerque, por acreditar em meus projetos, pelo cuidado com
minha saúde mental, por me impulsionar para o mundo e por não medir esforços em me ouvir,
em me ajudar, e em perspectivar comigo.
À professora Janaína Ferraz, por me fazer entender que, antes de qualquer coisa, é
preciso ser feliz, por me lançar para o mundo e por estar sempre atenta às minhas demandas e
aos meus projetos.
Aos/às professores/as Rodrigo Albuquerque, Janaína Ferraz, Ana Adelina, Isabel
Magalhães, Mariney Conceição, Rosineide Magalhães, Renato Rezende, Cordelia Oliveira,
Viviane Vieira, Edna Muniz, Maria Luiza Coroa, Enrique Huelva, Augusto Luitgards, Almeida
Filho, Yuki Mukai, Kleber Aparecido da Silva, Maria Luisa Ortiz, pelas reflexões, pelas
provocações e por me possibilitarem crescer por e com vocês.
Às professoras Natalia Sperandio, Cordelia Oliveira e Rosineide Magalhães, pelas
sugestões e ponderações tão valiosas e pertinentes em meu Exame de Qualificação.
Às/aos professoras/es Luiz Henrique Magnani, Natalia Sperandio, Cordelia Oliveira,
Rosineide Magalhães e Maria Luisa Ortíz, por terem aceitado o convite para participar da banca
de Defesa de Tesa e pelas contribuições tão assertivas.
Ao grupo de pesquisa Análise e Produção de Materiais Didáticos Multimodais para o
Ensino de Línguas, da Universidade de Brasília, pelo ensinamento de que é pela diversidade
que devemos preparar nossas ações.
Ao grupo de pesquisa Traduzir-se: autismo em primeira pessoa na prática acadêmica,
da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, pela engajamento decolonial
em construção conjunta.
Aos/às amigos/as do Programa de Pós-graduação em Linguística da Universidade de
Brasília, em especial à Daniele Souza, pelo compartilhamento de tantos saberes.
À Eliz, à Rosa, ao Locke, à Catarina, à Ângela, ao Frederico, ao Cristiano, ao Jenival,
ao Antônio e à Jéssica, por compartilharem comigo parte de suas histórias, ações, modos de ser
e de viver.
Às mães, aos pais, aos/às responsáveis pelos/as estudantes autistas e pelos/as
estudantes menores de 18 anos, pela confiança e pela disponibilidade para a realização desta
pesquisa.
À Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas (Abraça), por ser
minha universidade para os direitos humanos.
Às pessoas do ativismo brasileiro a favor da neurodiversidade, pelo aprendizado
contínuo e por me fazerem entender o real sentido da palavra espectro.
Ao Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais de Educação do Distrito Federal,
pelo incentivo para que profissionais da educação tenham condições de dar continuidade à sua
formação.
À instituição de ensino pública do Distrito Federal, pelo acolhimento da minha
pesquisa e por acreditar que juntos/as construímos uma educação de qualidade.
Aos/às amigos/as de tantas vidas e farras, por me desopilarem da minha densidade
humana.
Às amigas e professoras Alessandra Valéria, Ana Rosa Marvel, Ângela Costa,
Luzinete Fernandes, Cibele Chaves, Silvânia Monteiro, Cíntia Camarão, Daniela Machado e
Ione Midon, pelo incentivo, pelo apoio e por acreditarem tanto nesta pesquisa e em mim.
Aos/às professores/as da instituição de ensino na qual realizei esta pesquisa, pela
preocupação contínua com o meu projeto de pesquisa e pelo apoio contínuo.
À Universidade de Brasília, ao Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada
e ao Programa de Pós-graduação em Linguística, por me terem acolhido e possibilitado que eu
continuasse com minha formação acadêmica, profissional e pessoal.
Aos/às colaboradores/as do Programa de Pós-graduação e Linguística da Universidade
de Brasília, por prontamente antederem às minhas solicitações.
A todas as humanidades que passaram e que passam por mim, iluminando minha
caminhada.
“Não se pode julgar uma pessoa pela
aparência. Mas, a partir do momento em que
você entende o que acontece dentro do outro,
vocês dois podem se tornar bem mais
próximos. Do seu ponto de vista, o mundo do
autismo deve parecer um lugar extremamente
misterioso. Portanto, por favor, pare um
pouco e ouça o que tenho a dizer”.
O autismo é uma deficiência e uma condição humana neurodiversa que se caracteriza por
diferenças em demandas sociointeracionais, por hiperfocos e por stims. Ao destoarem da
previsibilidade interacional e sensorial da tipicidade humana, pessoas autistas vêm sendo
silenciadas e excluídas devido a barreiras que limitam ou impedem sua participação na
sociedade e devido ao capacitismo, discriminação que advém da diferenciação, da exclusão ou
da restrição baseada no fato de serem pessoas com deficiência. Tendo em vista essa
invisibilidade, esta tese discute a (co)construção metafórico-multimodal em duas perspectivas:
i) mobilização de dimensões discursivas, por meio de metáforas multimodais, catalizadoras da
análise social, em pontos de intersecção entre autismo, linguagem e sociedade; e ii) eclosão de
metáforas multimodais, que advém da partilha de sentidos, focalizando os modos do olhar, dos
gestos e do toque, no âmbito da educação inclusiva com estudantes atípicos e típicos. Sobre a
primeira perspectiva, amparado por Charteris-Black (2004, 2006), em relação à metáfora
discursiva crítica, por Forceville (1988, 1996, 2009, 2016) e por Sperandio (2015), acerca da
metáfora multimodal, por Thompson (2011 [1990]), no que diz respeito a modos de
operacionalização da ideologia, e por Goffman (1998 [1979]) e por Tannen e Wallat (2002
[1987]), sobre frames e alinhamentos interacionais, problematizamos e analisamos relações
transparentes ou veladas de capacitismo, de poder e de controle. Sobre a segunda perspectiva,
por meio de encaminhamentos teórico-metodológicos interdisciplinares e transdisciplinares
entre a Sociolinguística Interacional e a Análise de Discurso Crítica, discutimos e analisamos
metáforas multimodais que advêm do contato face a face, entre estudantes de espanhol como
língua adicional de uma instituição pública de ensino, em uma aproximação entre a metáfora
discursiva socioculturalmente situada, proposta por Vereza (2010, 2017), a multimodalidade
interacional, orientada por Norris (2004, 2006, 2011 [2009], 2013, 2016, 2019), além de
práticas sociais, em conformidade com Fairclough (2003, 2006). Para tanto,
metodologicamente, adotamos a abordagem qualitativa na modalidade etnográfica, amparando-
nos em duas perspectivas: i) netnográfica, a partir de discussões em um grupo no aplicativo
para smartphones WhatsApp, sobre textos multimodais divulgados em páginas web de revistas,
de organizações e de espaços de pesquisa, todas de domínio público, a respeito do autismo; e
ii) microetnográfica, realizada com estudantes neurodiversos/as e neurotípicos/as de espanhol
como língua adicional, no âmbito da educação inclusiva. Os resultados da pesquisa netnográfica
realizada com pessoas autistas do ativismo neurodiverso apontam o partilhamento de
metáforas-multimodais que, por meio de discussões sobre textos de veículos midiáticos acerca
do autismo, contribuem para a manutenção de estruturas sociais não apenas capacitistas, mas
também machistas, racistas e classistas. Em relação à investigação microetnográfica, os
resultados de ações mediadas entre estudantes autistas e típicos revelam que os modos do olhar,
do gesto e do toque, em articulação com outros modos de expressão da linguagem, constroem
sentidos, permitindo-nos romper com a tríade leitura-fala-escrita no âmbito da educação
inclusiva.
Keywords: autism. Multimodal metaphors. Ableism. Gaze, gesture and touch modes. Inclusive
education.
RESUMEN
El autismo es una discapacidad y una condición humana neurodiversa que se caracteriza por
diferencias en demandas sociointeracionales, por hiperenfoques y por stims. Por no estar de
acuerdo con la predictibilidad interaccional y sensorial de la tipicidad humana, personas autistas
han sido silenciadas y excluidas debido a barreras que limitan o impiden su participación en la
sociedad y al capacitismo, discriminación que surge de la diferenciación, exclusión o restricción
basada en el hecho de que son personas con discapacidad. Ante esa invisibilidad, esta tesis
discute la (co)construcción metafórico-multimodal en dos perspectivas: i) movilización de
dimensiones discursivas, por el intermedio de metáforas multimodales, catalizadores del
análisis social, en puntos de intersección entre autismo, lenguaje y sociedad; y ii) aparición de
metáforas multimodales que surgen del intercambio de sentidos, enfocándose en los modos de
la mirada, de los gestos y del tacto en el ámbito de la educación inclusiva con estudiantes
atípicos y típicos. Sobre la primera perspectiva, amparada por Charteris-Black (2004, 2006), en
relación a la metáfora discursiva crítica, por Forceville (1988, 1996, 2009, 2016) y por
Sperandio (2015), sobre la metáfora multimodal, por Thompson (2011 [1990]), con respecto a
las formas de operacionalización de la ideología, y por Goffman (1998 [1979]) y por Tannen y
Wallat (2002 [1987]), sobre marcos y alineamientos interaccionales, problematizamos y
analizamos relaciones transparentes o veladas de capacitismo, poder y control. Acerca de la
segunda perspectiva, por medio de enfoques teórico-metodológicos interdisciplinarios y
transdisciplinarios entre la Sociolinguística Interaccional y el Análisis de Discurso Crítico,
discutimos y analizamos metáforas multimodales procedentes del contacto cara a cara entre
estudiantes de español como lengua adicional de una institución educativa pública, en una
aproximación entre la metáfora socioculturalmente discursiva situada, propuesta por Vereza
(2010, 2017), la multimodalidad interaccional, guiada por Norris (2004, 2006, 2011 [2009],
2013, 2016, 2019), además de prácticas sociales, de acuerdo con Fairclough (2003, 2006). Para
ello, metodológicamente, adoptamos el enfoque cualitativo en la modalidad etnográfica,
apoyándonos en dos perspectivas: i) netnográfica, a partir de discusiones en grupo en la
aplicación para smartphones WhatsApp, sobre textos multimodales publicados en páginas web
de revistas, organizaciones y espacios de investigación, todos de dominio público, sobre el
autismo; y ii) microetnográfica, realizada con estudiantes neurodiversos/as y neurotípicos/as de
español como lengua adicional, en el ámbito de la educación inclusiva. Los resultados de la
investigación netnográfica realizada con personas autistas del activismo neurodiverso señalan
el intercambio de metáforas multimodales que, por medio de discusiones sobre textos de
vehículos mediáticos sobre el autismo, contribuyen al mantenimiento de estructuras sociales no
solo capacitistas, sino también sexistas, racistas y clasistas. En relación a la investigación
microetnográfica, los resultados de acciones mediadas entre estudiantes autistas y típicos
revelan que los modos de la mirada, del gesto y del toque, en articulación con otros modos,
construyen sentidos, permitiéndonos romper con la tríada lectura-habla-escritura en el ámbito
de la educación inclusiva.
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 265
Apêndice A ............................................................................................................................. 286
Apêndice B ............................................................................................................................. 292
Apêndice C ............................................................................................................................. 298
Abraça (Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas)
ADC (Análise de Discurso Crítica)
ATA (Escala de Traços Autísticos)
CEP/CHS (Comitê de Ética em Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais)
CID (Classificação Internacional de Doenças)
CDPD (Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência)
DSM (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais)
EAPE (Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais de Educação do Distrito Federal)
LBI (Lei Brasileira de Inclusão)
M-CHAT (Modified-Checklist Autism in Toddlers)
ONU (Organização das Nações Unidas)
SI (Sociolinguística Interacional)
TMC (Teoria da Metáfora Conceptual)
TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido)
TDAH (Transtorno de Atenção com Hiperatividade)
TEA (Transtorno do Espectro Autista)
TGD (Transtorno Global do Desenvolvimento)
TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo)
LISTA DE QUADROS
1
Para propor esse termo, inicialmente, parti de um rótulo cognitivo-semântico, que entende que metáforas são
acionadas, fazendo parte da nossa estrutura conceptual. Sob a orientação do professor Rodrigo Albuquerque, em
torno da emergência da ‘interação face a face’ e da ‘interação mediada on-line’, encaminhamos o entendimento
de que metáforas multimodais são (co)construídas, haja vista a partilha linguístico-discursiva, sociocognitiva e
sociointeracional que permeia nossas práticas sociais.
20
uma relação metafórica conceptual do tipo AMOR É CAMINHADA2. Por discurso, alinho-me
a Fairclough (2006, p. 26), que o entende como práticas sociais; ou seja, como “formas
particulares de se representar parte do mundo 3”. Essas práticas sociais referem-se a ordens de
discurso (FOUCAULT, 1996 [1971], p. 37), que são “certas exigências” relativamente estáveis
de (inter)ação, de representação e de identificação do/pelo mundo, pelas quais transitam
metáforas. Por interação, compartilho do pensamento de Rampton (2017), que a concebe como
“processos semióticos intimamente relacionados às contingências [sociointeracionais] situadas
no aqui-agora”. Como esses processos linguístico-discursivos são ritualísticos e dinâmicos,
parto do princípio de que sentidos de ações metafórico-multimodais de linguagem são
compartilhados, impactando na maneira como práticas sociais são (co)construídas.
Assim sendo, em relação à primeira perspectiva para a investigação da (co)construção
metafórico-multimodal, eventos sociais e práticas sociais são analisados como força motriz de
estruturas sociais (FAIRCLOUGH, 2003, 2006), operacionalizadas pela ideologia
(THOMPSON, 2011 [1990]). A mobilização desse aparato linguístico-discursivo tem como
objetivo discutir relações transparentes ou veladas de discriminação, de poder e de controle,
manifestas no discurso metafórico (CHARTERIS-BLACK, 2004, 2006; FAUCONNIER;
TURNER, 2002, 2003, 2008; VEREZA, 2010, 2017) e metafórico-multimodal
(FORCEVILLE, 1988, 2008; SPERANDIO, 2015), negociadas em frames e em alinhamentos
interacionais (TANNEN; WALLAT, 2002 [1987]; GOFFMAN, 1998 [1979]), à luz da Análise
de Discurso Crítica (ADC) e da Sociolinguística Interacional (SI).
Sobre a segunda perspectiva, como a SI prevê encaminhamentos teórico-
metodológicos interdisciplinares (RAMPTON, 2017), e a ADC, encaminhamentos
transdisciplinares (FAIRCLOUGH, 2008 [1992]), são apresentadas e analisadas metáforas
multimodais interacionais e críticas que advêm do contato face a face, entre estudantes de
espanhol como língua adicional4. Para esse empreendimento analítico, apoio-me em estudos da
SI e da ADC, em uma aproximação entre a metáfora discursiva socioculturalmente situada
(VEREZA, 2010, 2017), a multimodalidade interacional (NORRIS, 2004, 2006, 2011 [2009],
2013, 2016, 2019), instâncias linguístico-discursivas (inter)acionais, representacionais e
2
Como convencionado por Lakoff e Johnson (2003 [1980]), a metáfora conceptual é representada, graficamente,
com letras maiúsculas, ao passo que as expressões metafórico-linguísticas, com letras em itálico.
3
As traduções desta tese, feitas por mim, são de minha inteira responsabilidade.
4
Segundo Leffa e Irala (2014, p. 33), a língua adicional pressupõe a existência da língua falada do aprendiz, “sobre
a qual constrói uma relação que envolve aspectos sistêmicos, de prática social e de constituição de sujeito”, gerando
implicações teóricas e práticas.
21
é uma categoria que define a forma como as pessoas com deficiência são tratadas de
modo generalizado como incapazes (incapazes de produzir, de trabalhar, de aprender,
de amar, de cuidar, de sentir desejo, de ter relações sexuais), aproximando as demandas
dos movimentos das pessoas com deficiência a outras discriminações sociais como o
racismo, o sexismo e a homofobia.
5
Apesar de estudos em ADC no Brasil privilegiarem análises de ‘significados’ (inter)acionais, representacionais
e identificacionais, que constituem as práticas sociais, optei pela investigação de instâncias linguístico-discursivas
que são negociadas por meio de (inter)ações, de representações e de identificações, haja vista o enfoque
sociocognitivo, sociointeracional e crítico de atores e de atrizes sociais em perspectiva dialógica assumido nesta
tese.
22
6
Entendo que há uma violência à existência de pessoas autistas quando incapacidades são presumidas a partir do
estatuto interacional da tipicidade humana. Por conseguinte, a ordem de discurso (FOUCAULT, 1996 [1971],
FAIRCLOUGH, 2003, 2006) opressora da não legitimação do lugar de fala de pessoas autistas não apenas coage
e constrange a atipicidade, mas, principalmente, viola sua existência.
23
valorizem outras semioses – com destaque nesta tese para os modos do olhar, dos gestos e do
toque –, em relação a ações, a densidades e a configurações modais, durante a mediação face a
face de confecção de narrativas multimodais (definidas na seção 1.3) entre estudantes autistas
e típicos. Esse processo de construção de sentidos, amparado por metáforas multimodais
interacionais (NORRIS, 2004, 2006, 2011 [2009], 2013, 2016, 2019), visa a combater duas
posturas pedagógicas que estão na contramão do mundo pós-moderno7 (EAGLETON, 1996):
a ditadura da monomodalidade e a supremacia do verbal em relação ao não verbal. Essas
posturas corroboram, consequentemente, com práticas sociais (FAIRCLOUGH, 2003, 2006)
arraigadas na tradição grafocêntrica (ROCHA, 2013) e falacêntrica (LOCKMANN, 2012) no
que tange ao ensino de línguas. Posto isso, esta tese se justifica por quatro motivos.
Em primeiro lugar, o autismo carece de investigações na área da Linguística que
combatam o capacitismo estrutural8 velado e transparente, descortinando projetos ideológicos
e hegemônicos de poder que visam ao silenciamento e ao encaixe da condição neuroatípica,
com o intuito de construirmos uma sociedade mais inclusiva e equânime. Friso que, ao utilizar
a pessoa do discurso “nós” nesta tese, tenho uma das seguintes intenções: i) convidar o/a leitor/a
a engajar-se comigo nesta tese; ii) marcar pensamentos construídos entre mim, meu orientador
e minha coorientadora; iii) ou comungar com as ideias de autores/as ou dos/as meus/minhas
colaboradores/as de pesquisa.
Em segundo lugar, é imprescindível sairmos da visão biomédica e capacitista, que
entende o autismo como um problema que precisa ser curado, e endereçarmos investigações
que discutam a atipicidade a partir do modelo social de deficiência. Com esse empreendimento,
temos condições de contrapor à ideia capacitista que considera que a deficiência é um “rótulo”,
e avançarmos no entendimento de que há barreiras excludentes e opressoras impostas pela
sociedade em relação às pessoas com deficiência. Assumindo uma postura anticapacitista ao
reconhecermos barreiras que constituem a deficiência, portanto, temos mais condições de
combater mitos, silenciamentos e representações opressoras da atipicidade humana, além de
propormos adaptações e suportes para a inclusão de pessoas autistas em diversos âmbitos, entre
eles o educacional.
7
Por pós-modernidade, compartilho da ideia de Eagleton (1996, p. 7), que a entende como “linha de pensamento
que questiona as noções clássicas de verdade, razão, identidade e objetividade, a idéia de progresso ou
emancipação universal, os sistemas únicos, as grandes narrativas ou os fundamentos definitivos de explicação”.
8
Entendo o capacitismo estrutural no autismo como a reprodução de processo histórico, político e cultural em que
pessoas autistas são consideradas inferiores em decorrência de sua deficiência.
24
antes desta, como se, assim, já estivessem prontos”. A propósito, em uma disciplina de
orientação com o professor Albuquerque, expliquei que eu entendia que o termo “geração”
estava em conformidade com a construção processual da pesquisa, mas que o termo “dados”
ainda me incomodava, tendo em vista que, em certa medida, esse termo objetificava o sujeito.
Nessa discussão, o professor sugeriu que talvez o termo “geração de perspectivas” fosse mais
interessante, o que eu também concordo. No entanto, admitimos que, tendo em vista a tradição
do uso relativamente recente do termo “geração de dados” em pesquisas qualitativas, ainda não
seria o momento de incitarmos novos encaminhamentos nesse sentido.
Os demais capítulos desta tese estão divididos entre as Partes II e III. Nelas, em um
tom ensaístico, há a tentativa de que encaminhamentos teóricos sejam discutidos, tensionados,
ampliados e dialogados em um contínuo, sendo que a Parte III amplia a Parte II. Ambas as
partes foram construídas dessa maneira haja vista que a experiência ontológica dos capítulos
subsequentes de cada parte apontou reflexões epistêmicas de forma indissociável, colaborando
com o tom híbrido assumido nesta investigação em relação aos estudos da linguagem.
Por conseguinte, na Parte II, intitulada Conhecendo o território da jornada,
apresentamos encaminhamentos teóricos em relação à ADC e à SI, tecendo discussões sobre a
metáfora multimodal, a ideologia e os frames interacionais, além da noção de footing, a fim
discutir, nos capítulos 2, 3 e 4, a interface entre autismo, linguagem e sociedade, e analisarmos
a (co)construção metafórico-multimodal crítica e interacional em práticas e em estruturas
sociais, amparado por pressupostos metodológicos da netnografia. Desse modo, no segundo
capítulo, analisamos o impacto discursivo entre ações e concepções do autismo, bem como
desdobramentos discursivos acerca da perspectiva da neurodiversidade, da subdiagnosticação
do espectro no gênero feminino e da masculinização do cérebro atípico. No terceiro capítulo,
discutimos sobre a construção identitária autista e sobre atos violentos de grande repercussão
social, decorrentes de um (não) lugar de fala, no que tange à escolha de cores e de símbolos que
representam o autismo. Por fim, no quarto capítulo, investigamos a comunidade discursiva
neurodiversa como verbo, além de demandas dessas comunidades, inclusive em relação ao
ensino de língua adicional.
Na Parte III, intitulada (Re)construindo a paisagem do terreno, provocamos o
encontro entre a metáfora discursiva interacional e crítica, e a perspectiva da abordagem
multimodal interacional, amparado pelo rigor metodológico da microetnografia, com o intuito
de analisarmos, nos capítulos 5, 6 e 7, a construção de sentidos no contato face a face no âmbito
da educação inclusiva, sob a égide de estudos da SI e da ADC. Dessa forma, os capítulos quinto,
sexto e sétimo se constituíram a partir do trabalho realizado com estudantes de três turmas,
27
Por encontros e desencontros, com o outro e comigo mesmo, fui desafiado a colocar
os pés na estrada. De um lado, estudantes com deficiência e professoras/es da educação
inclusiva, e de outro, minha família e minhas vozes internas me incentivavam a continuar com
lentes em direção à inclusão. Dentre inúmeras possibilidades de se olhar por lentes, o campo de
pesquisa foi apontando-me caminhos que eu não esperava. Em decorrência de olhares à
ontologia (conjunto de leis que moldam a realidade) de um mundo social como um sistema
aberto (BLAIKIE, 2000), ações, identificações, representações discursivas, relações sociais,
valores, crenças e, principalmente, o compartilhamento de conhecimentos com os/as
colaboradores/as desta pesquisa, atravessaram-me de tal forma que eu considero que as lentes
que utilizei mudaram, consideravelmente, a constituição do meu ser.
Assim que coloquei os pés na estrada, confesso que me senti, em certa medida,
desterritorializado pelo fato de não ser pessoa autista. Sempre me vinha aquela pergunta:
como eu posso realizar uma pesquisa sobre o autismo sem experienciar essa condição e essa
deficiência de forma plena? Ao mesmo tempo que essa pergunta pairava sobre mim em sessões
de terapia e em noites mal dormidas, vinha-me um desejo súbito de que, como irmão de uma
pessoa autista, não mais ouvíssemos violências do tipo: “Você é irmão do doidinho?”, “Seu
irmão é retardado, né?”, “Ele é um anjo que veio para salvar você e sua família”, “Ele precisa
de um tratamento de choque para aprender a se comportar”. Com esse tipo de repúdio ao
capacitismo, as lentes da minha identidade de irmão de uma pessoa com deficiência, de
professor da educação inclusiva e de pesquisador fizeram com que, juntamente com
meus/minhas colaboradores/as de pesquisa, ações, discussões e análises fossem empreendidas.
Como pesquisador em sala de aula, ressalto que eu sentia que a elaboração de textos
escritos, orais e não verbais com minhas turmas era um caminho possível para investigar a
ontologia desse mundo social que me era apresentado, o que me fez reconhecer que aquele
sentimento de desterritorialização estava em um processo de ressignificação, sendo, portanto,
reterritorializado. Afinal, eu havia entendido que eu precisava, de alguma forma, colaborar
com a possibilidade da reexistência (ACOSTA, 2019) de meus/minhas estudantes com
deficiência.
Somando-se à minha entrada nessa jornada no âmbito da educação inclusiva, comecei
a fazer parte de movimentos sociais que entendem o respeito pelas diferenças e pela aceitação
29
9
Apesar de entender que símbolos são temporários, tendo em vista que seu uso está relacionado à ratificação de
grupos, de entidades, de associações, inseri, no início de cada parte e de cada capítulo desta tese, o símbolo da
neurodiversidade (infinito colorido na horizontal com múltiplas cores). A inserção desse símbolo refere-se à
marcação ideológica contextualmente situada de pessoas autistas do ativismo neurodiverso.
30
lugar de fala desterritorializado foi reterritorializado para uma espécie de lugar de prática social,
no qual eu me reconheci como sujeito responsivo por um mundo mais simétrico.
Sobre a terceira dimensão, participar de movimentos sociais, bem como trabalhar
como professor da educação inclusiva, me fizeram refletir sobre rotulações impostas por ordens
de discurso (FOUCAULT, 1996 [1971]) que desencadeiam performances. Como (inter)agir,
representar e identificar no/pelo mundo sem ser rotulado/a? Essas performances são impostas
não apenas institucionalmente, mas também por relações construídas intersubjetivamente, que
se encoram em estruturas sociais capacitistas. Por perceber que a forma como pessoas autistas
atuam ainda é perseguida por práticas sociais que coagem a maneira como elas são, a minha
vivência de campo me mostrou que carecemos de posturas anticapacitistas que se alinhem à
construção de sentidos que transcendam performances hegemônicas. Desse modo, meu trabalho
de campo me permitiu reterritorializar, inclusive, minha compreensão sobre performances que
atravessam minhas experiências com a diversidade humana.
Tendo em vista essas três dimensões, por meio desses movimentos sociais, além de
minhas ações como professor-pesquisador, entendi que eu precisava lançar lentes para uma
conjuntura social mais ampla na qual textos (inter)agiam, representavam e identificavam o
outro de forma capacitista. Afinal, passei a entender que a exclusão de pessoas autistas advinha
de um processo estrutural, em que práticas sociais mantinham silenciamentos vis. Nesse
entremeio, veio-me outro dilema: como eu poderia iniciar essa entrada em campo sem que
minha voz e os recursos tecnológicos epistêmicos (método científico) se sobrepusessem sobre
o conhecimento da experiência vivida por pessoas autistas?
Com essa hesitação, além de contar com uma lupa epistêmica linguístico-discursiva
sobre práticas sociais que emergem da interação, em especial em relação à (co)construção
metafórico-multimodal, precisei de um arcabouço metodológico que tivesse condições de
encaminhar uma pesquisa com o outro, de forma colaborativa. Na modalidade etnográfica da
pesquisa qualitativa, encontrei espaço para investigar parte da complexidade da atipicidade
humana com pessoas autistas. Por conseguinte, com uma bússola em minhas mãos, como
sugerem Moscheta e Ferreira (2020, p. 31), a direção desta pesquisa foi encaminhada, exigindo
que o trajeto fosse “atento, negociado, criado e multiplicado na interação dinâmica que o(a)
caminhante faz com seu entorno”.
Cabe salientar que, como defende Favret-Saada (2005 [1990]), o entorno etnográfico
não consiste apenas em observação. Para a autora (2005 [1990]), é preciso permitir que a
trajetória do campo nos afete como investigadores/as, de tal forma que os saberes que emergem
da pesquisa colaborativa apontem os encaminhamentos que devemos adotar em nossas
31
pesquisas. Dito de outra forma, a ontologia do trabalho de campo constrói epistemes, tornando
possível, nesta tese, que conhecimentos e vivências com pessoas autistas me afetassem e
impusessem o percurso desta pesquisa. As minhas lentes para a construção conjunta de sentidos
por meio de textos multimodais foram afetadas, portanto, pelo trabalho realizado em campo.
Por oportuno, em que consistem textos multimodais?
Centrando-se em imagens, de acordo com Van Leeuwen (2005, p. 3), textos
multimodais são um “conjunto de ações e de artefatos” mobilizados com fins interacionais,
podendo ser produzidos fisiologicamente (gestos, olhar, altura da voz, toque, caminhar) ou por
ferramentas tecnológicas (caneta, papel, fonte, cores, hardware e software do computador). Ao
transcendermos dimensões materiais de textos como imagens, cabe salientar que há domínios
intersemióticos que transitam por instâncias discursivas e que também se configuram como
multimodais. Essas instâncias discursivas, em conformidade com a metáfora de Goffman (2002
[1959]) em relação a posicionamentos que assumimos diante de palcos, de plateias e de
bastidores, regula, de forma relativa, a tessitura de textos multi(modais) com os/pelos quais
agimos, identificamos, representamos e somos.
Nesse sentido, como textos são materializados por imagens, pelo modo verbal e por
instâncias sociointeracionais (gestos, olhar, toque, alinhamentos, polidez etc.), no
entrecruzamento de construções de sentidos entre realizações textuais e potencialidades
intersemióticas, podemos afirmar que todo texto é multimodal, o que gera um efeito pleonástico
em relação ao termo ‘texto multimodal’. Mas se todo texto é multimodal, por que ainda trazer
essa marcação nesta tese?
O empreendimento em denominar textos como multimodais está em conformidade
com a agenda da virada linguístico-pragmática que, de acordo com Belmiro (2000), teve início
no final da década de 1990 no Brasil. Assumir essa marcação, portanto, faz parte de uma agenda
político-linguística que visa a combater o privilégio da monomodalidade escrita e padronizada
no ensino, por exemplo. Se não tivermos retrocessos em documentos oficiais que pautem a
volta do ensino estrutural, espero que, em breve, possamos nos referir a ‘textos multimodais’
apenas como ‘textos’, o que seria mais coerente, inclusive, com o princípio de que todo signo
linguístico (verbal ou não verbal) é socioculturalmente motivado.
Assim não farei a marcação de ‘texto multimodal’ ao longo de toda esta tese, por
entender que qualquer texto é, essencialmente, multimodal. Ao assumir esse posicionamento,
reitero que o termo ‘texto’ engloba todas as instâncias multimodais que compõem a construção
de sentidos. Apesar desse entendimento, algumas vezes também farei, intencionalmente, a
marcação de ‘texto multimodal’ como forma de engajamento na agenda linguístico-pragmática,
32
a fim de combater qualquer tentativa de retrocesso que privilegie apenas a modalidade escrita
em estudos linguístico-discursivos.
Voltando à discussão sobre o dialogismo da construção do texto com o outro, não
impera nesta tese o savoir faire hegemônico e ocidental epistêmico que objetifica e explora o
conhecimento ontológico por meio de categorias linguísticas. Pelo contrário, busco
compreender parte da ontologia complexa que me foi apresentada por meio de lentes
linguístico-discursivas, o que insere esta tese na agenda da linguística aplicada. Nesse processo
de lançar olhares por múltiplas lentes, além de reconhecer meu lugar de privilégio como
neurotípico, o conhecimento ontológico construído colaborativamente dita o empreendimento
analítico desta pesquisa.
Nesse sentido, cabe demarcar, nesta Parte I, intitulada Com os pés na estrada,
direcionamentos metodológicos impulsionados pela ontologia desta investigação, com o
objetivo de realçar perspectivas e olhares com o outro. Inspirado no grau de delicadeza analítica
de Norris (2013) em relação ao modo olfativo, apresento, no capítulo 1, além de uma tessitura
detalhada e artesanal da metodologia assumida, parte da identidade dos/as colaboradores/as de
pesquisa que, conjuntamente, construíram a ontologia e mobilizaram encaminhamentos
epistêmicos nesta tese.
33
CAPÍTULO 1
Sou completamente apaixonada pela diversidade humana. Quando entro num lugar,
qualquer lugar, eu já observo se as pessoas são muito parecidas ou se elas são bem
“diferentonas”. Quanto mais diferentes, melhor!
Rita Louzeiro10
(2019, p. 8)
10
As epígrafes desta tese foram transcritas da primeira Mesa composta por pessoas autistas da sociedade civil
organizada, em Audiência Pública na Câmara Federal, para discutir direitos e celebrar o Dia do Orgulho Autista
ao lado de Deputados/as Federais. A reunião, ocorrida na Comissão de Direitos Humanos e Minorias no dia 18 de
junho de 2019, foi um momento marcante para a comunidade ativista autista brasileira. Tive o privilégio de
participar como espectador dessa reunião, o que me fez decidir trazer como epígrafes para esta tese trechos de
vozes do ativismo de pessoas autistas brasileiras que considero impactantes e emocionantes.
34
De acordo com Rampton (2017, p.9), pesquisas em SI vêm sendo marcadas, neste
início do século XXI, pelo interesse “explícito em conectar a análise intensiva de episódios
interacionais específicos ao trabalho de grandes teóricos nas ciências humanas e sociais como
Bakhtin, Bourdieu, Foucault e Williams”. Esse interesse, segundo o autor (2017), reivindica
por investigações interdisciplinares que discutam novos direcionamentos teórico-
metodológicos, tendo em vista preocupações da SI com a agenda de mudanças sociais
contemporâneas.
Assim sendo, como o modelo transdisciplinar proposto por Fairclough (2006) inclui a
perspectiva interacional para a análise social e estudos contemporâneos da SI reivindicam por
investigações interdisciplinares, parto do pressuposto de que sentidos partilhados são insumos
para a pesquisa entre a ADC e a SI. Posto isso, para analisar a (co)construção metafórico-
multimodal, entendo que a interação cumpre papel basilar para que sentidos sejam desvelados
nesta pesquisa, auxiliando em discussões acerca de relações transparentes ou veladas de
discriminação, de poder e de controle, além do modo como sentidos são partilhados.
Esse hibridismo metodológico, de acordo com Denzin e Lincoln (2006 [2003], p. 18),
está relacionado à postura do bricoleur em pesquisas qualitativas, que é “um indivíduo que
confecciona colchas, ou, como na produção de filmes, uma pessoa que reúne imagens
transformando-as em montagens”. Por assumir a postura metafórica do colecionador de
colchas, durante o processo de bricolagem linguístico-discursiva em pesquisa qualitativa,
disponho-me, como investigador, a tentar encaminhar uma perspectivação metodológica que
aproxime interesses dos estudos da ADC com os da SI, tendo em vista que “a bricolagem rejeita
as diretrizes e roteiros preexistentes, para criar processos de investigação ao passo em que
surgem as demandas” (NEIRA; LIPPI, 2012) do trabalho de campo.
Cabe ainda destacar que a abordagem teórico-metodológica da ADC assumida nesta
tese advém da perspectiva proposta por Chouliaraki e Fairclough (1999) e Fairclough (2003,
2006, 2010 [1995]) para a análise social, inspirada na crítica explanatória de Bhaskar (1986),
que busca mapear adversidades relacionadas a práticas sociais e possíveis soluções para que
sejam superadas, apontando cinco etapas que devem ser contempladas por pesquisas em ADC:
i) ênfase em uma questão de injustiça social que tenha um aspecto semiótico; ii) identificação
de obstáculos para uma possível superação da injustiça social investigada; iii) análise
sociossemiótica da ordem social pesquisada; iv) possíveis maneiras para superar obstáculos; v)
e reflexão sobre as práticas sociais analisadas. A contemplação dessas cinco etapas, no meu
entendimento como pesquisador bricoleur, advêm do modo como o conhecimento é
(co)construído, por meio de footings interacionais (GOFFMAN, 1998 [1979]) e de
36
configurações modais (NORRIS, 2011 [2009]), à luz dos estudos da SI, tomando como base
múltiplas vozes, gestos, olhares e ações de pessoas autistas.
Como resultado desse encontro teórico-metodológico híbrido, ancorado no guarda-
chuva da pesquisa qualitativa (FLICK, 2009a), ao qual esta tese se articula, neste capítulo são
apresentados: fundamentos da pesquisa qualitativa, na modalidade etnográfica, amparando-se
na netnografia e na microetnografia; questões relacionadas à conduta ética; e apresentação do
campo de pesquisa e dos/as colaboradores/as do estudo. Além disso, são também discutidos os
procedimentos e os encaminhamentos para a geração de dados, e sistematizado o
direcionamento da triangulação e da análise de dados.
Pesquisa Qualitativa
Etnografia
Netnografia Microetnografia
Em grupo de Em sala de aula com
WhatsApp com estudantes autistas
pessoas autistas e típicos/as
A pesquisa qualitativa, de acordo com Denzin e Lincoln (2006 [2003], p. 15), “nasceu
da preocupação de entender o outro”. Conforme os autores (2006 [2003]), esse “outro” era
considerado exótico, uma pessoa primitiva, que não era branca e que pertencia a uma cultura
estrangeira que era menos civilizada do que a do/a investigador/a. No diário de Malinowski
37
(1997, p. 140), por exemplo, esse “outro” era considerado menos civilizado, como podemos
observar a seguir:
Em Port Moresby fui falar com Strong; o safado não me convidou para me hospedar
em sua casa (...) Strong não escondia sua irritação com o fato de eu estar hospedado
na casa dele. De modo geral, desagradável e tapado. [Boag] muito mais amável, mas
também pervertido. Reflexões sobre a vida vazia daqueles dois homens, sua atitude
com relação à guerra, às mulheres, seu objetivo na vida. Tem uma tremenda
quantidade de material disponível, e nada fazem com ele; complicam a vida normal e
não tiram vantagem das oportunidades extraordinárias.
Fases Características
Tradicional (1900-1950) Relatos de pesquisas de campo dos/as positivistas. Pesquisados/as são tidos
como exóticos/as, primitivos/as e estrangeiros/as.
Modernismo ou a era Privilégio da escuta de classes de baixa renda pelas novas teorias
dourada (1950-1970) interpretativistas, como a etnometodologia, a fenomenologia, a teoria crítica
e o feminismo.
Gêneros obscuros (1970- Interesse pela pesquisa aplicada, pela política e pela ética qualitativa. O
1986) estudo de caso e a pesquisa-ação ganham espaço.
A crise da representação Dúvidas em relação a questões de gênero social, de classe e de etnia.
(1986-1990) Epistemologias críticas, feministas e não brancas brigam por espaço.
O pós-moderno (1990-1995) Período de etnografias novas e experimentais, em que teorias passam a ser
interpretadas como narrativas de campo.
Pós-experimental (1995-2000) Produção acadêmica vinculada às necessidades de uma democracia e de uma
sociedade livre e justa.
A atualidade (2000 – os dias Discurso moral frente às críticas da democracia, do gênero social, da etnia,
atuais) da classe, da globalização, da liberdade, entre outras.
Fonte: Elaborado por mim, baseado em Denzin e Lincoln (2006 [2003], p. 26-32).
De forma genérica e sem impor limites temporais, Chizzotti (2003) também apresenta
marcos que se aproximam das fases da pesquisa qualitativa propostas por Denzin e Lincoln
(2006 [2003]). Sobre investigações que fazem parte do início do século XXI, cabe destacar que
Chizzotti (2003) aponta para uma agenda na qual pesquisadores/as questionam de forma
epistêmica, metodológica e ético-política encaminhamentos de suas pesquisas, colaborando
com outras formas de lançar olhares para a experiência humana.
38
Sobre as fases mencionadas por Denzin e Lincoln (2006 [2003], p. 33), os autores
advertem que elas ainda estão “em ação nos dias de hoje”. Essas práticas vão ao encontro do
processo dinâmico, complexo, flexível e multicultural da pesquisa qualitativa. Dessa forma, o
fato de os autores (2006 [2003]) terem colocado cada fase dentro de um tempo histórico não
impede que pesquisadores/as sejam adeptos a qualquer das fases ou que comunguem com
características de outras fases.
Assim sendo, localizo o estudo apresentado nesta tese entre as fases da pesquisa
qualitativa pós-moderna, pós experimental e atual, uma vez que, além de experimentar
intersecções e tensionamentos teórico-analíticos para analisar a (co)construção metafórico-
multimodal, lanço este estudo em direção a uma sociedade mais equânime e justa, propondo
apontamentos para o trabalho realizado em salas de aula de educação inclusiva com estudantes
típicos/as e atípicos/as.
Ainda a respeito da divisão das fases da pesquisa qualitativa proposta por Denzin e
Lincoln (2006 [2003]), cabe ressaltar que os autores se pautam em investigações norte-
americanas, tendo como objetivo traçar panorama e didatizar nosso olhar em direção à pesquisa
qualitativa. No entanto, ao refletirem sobre a agenda de pesquisas qualitativas, Magalhães,
Martins e Resende (2017, p. 111) recomendam desenvolvimento de “estudos que tenham como
contexto sociedades do hemisfério sul”.
Para Magalhães (2010), em estudos latino-americanos, a agenda de pesquisas
relacionadas à pobreza, ao racismo, ao narcotráfico, à corrupção, ao gênero, aos processos
migratórios e às identidades nacionais e pessoais estão cada vez mais presentes em pesquisas
de caráter qualitativo, especialmente em investigações da linguagem que adotam a perspectiva
crítica, política e pós-estruturalista de análise discursiva. Afinal, como sustenta Boaventura
Santos (2010, p. 42), o pensamento pós-abissal, que entende a ecologia dos saberes como uma
construção híbrida entre os hemisférios sul e norte, precisa continuar sendo reivindicado por
meio da resistência política, que “deve ter como postulado a resistência epistemológica”, a fim
de combatermos o paradigma do controle e da regulação do conhecimento que advém do cone
norte.
A esse rol de temas de resistência da América Latina, portanto, acrescento a
necessidade de darmos visibilidade a pesquisas que tenham como agenda política ontológica e
epistemológica a atipicidade humana, tendo em vista que essas pessoas ainda passam por
processos contínuos de capacitismo, de invisibilidade e de silenciamento por serem pessoas
com deficiência.
39
11
Considero o termo sujeito como sinônimo do ser humano constituído a partir de processos de subjetivação, que
ocorre por meio do contato com outros sujeitos em contextos diversificados, como nos movimentos sociais, nas
instituições religiosas, nas práticas educativas, no convívio familiar, entre outros (SPINK, 2011).
40
“partilha densa com pessoas, fatos, locais que constituem objetos de pesquisa, para extrair desse
convívio significados visíveis e latentes que somente são perceptíveis em uma atenção
sensível”. Essa partilha densa com sujeitos atípicos, tanto por meio da minha participação em
movimentos a favor da neurodiversidade quanto pelo convívio com meu irmão autista e pelo
trabalho que realizo com meus/minhas estudantes neuroatípicos/as, permite-me “extrair” do
convívio de práticas sociais a serem interpretadas, respeitando o princípio etnográfico da
triangulação de dados inscrito na gnoseologia da pesquisa qualitativa.
De acordo com Chizzotti (2003, p. 231), a atividade pesquisadora tende a se expandir
como forma de ensino e de aprendizagem, “nas quais as novas gerações serão formadas e, com
isso, a pesquisa, como prática social relevante, tenderá cada vez mais a trazer novas questões
teórico-metodológicas nos anos vindouros”. Desse modo, a investigação qualitativa apresenta
um vínculo constante e dinâmico de interdependência entre a teoria, a metodologia e a prática,
advindo dos dados gerados de cada pesquisa, e propõe novos encaminhamentos que dão ênfase
às especificidades e à complexidade das relações estabelecidas entre os sujeitos e suas ações.
Essas relações, nesta tese, ocorrem de forma parcial e limitada dentro de nossas práticas, uma
vez que, como explica González Rey (2005, p. 5), “é impossível pensar que temos um acesso
ilimitado e direto ao sistema do real”. Afinal, em consonância com o pensamento de Demo
(2008, p. 25), “nadar na superfície para todos os lados não leva a conhecer o mar”.
Chizzotti (2000) ainda advoga que tanto o/a pesquisador/a quanto seus/as
colaboradores/as podem identificar criticamente seus obstáculos e suas necessidades, encontrar
alternativas e propor estratégias de ação. Consequentemente, ambos/as podem se engajar
deliberadamente em “confrontos ideológicos e políticos da sociedade e [com] o compromisso
manifesto com as frações de classes subalternas” (CHIZZOTTI, 2000, p. 83). No que tange a
esta pesquisa, discuto como relações de poder favorecem à estigmatização e à exclusão de
pessoas autistas, além de propor encaminhamento teórico e metodológico, (co)construído com
meus/minhas colaboradores/as de pesquisa, a favor da neurodiversidade e de práticas
pedagógicas que combatam o capacitismo, favorecendo a emergência de mudança de práticas
sociais no âmbito da educação inclusiva.
Segundo Silverman (1998), a pesquisa qualitativa tem como foco a prática real in situ,
à qual prefiro entender como prática sociocultural in situ, devido a influência de questões
históricas, sociais, culturais e intersubjetivas durante o processo de observação e de análise de
como sujeitos se organizam e são representados em pesquisas qualitativas. Assim sendo, é
interesse da pesquisa qualitativa observar e analisar como pessoas “fazem as coisas”, ao invés
apenas de como elas “veem as coisas”, dando-nos condições de refletir sobre a forma como se
41
organizam social e culturalmente. Corroborando com essa ideia, Mason (2002, p. 24) explica
que “a pesquisa qualitativa é caracteristicamente exploratória, fluida e flexível, orientada para
os dados e sensível ao contexto”, sendo que um dos pontos fortes desse tipo de pesquisa é o
fato de que “ela não pode ser perfeitamente perfurada e reduzida a um conjunto simples e
prescritivo de princípios” (MASON, 2002, p. 3).
Por ser fluida, complexa, dinâmica e flexível, a pesquisa qualitativa, como explica
Flick (2009a, p. 21), “muitas vezes não se restringe à produção de conhecimento ou a
descobertas com propósitos científicos. Com frequência, a intenção é mudar a questão em
estudo ou produzir conhecimento relevante em termos práticos”. Nesta pesquisa qualitativa,
cujo conhecimento filosófico é orientado, principalmente, pela fenomenologia e pela dialética
(PESCE; ABREU, 2013), tensionamos a relação entre metáforas e multimodalidade, além de
propormos encaminhamentos metodológicos e epistemológicos que são governados
ontologicamente.
Cabe destacar, no entanto, que os dados gerados me encaminham, ontologicamente, a
ações em termos práticos de engajar-me em um mundo menos capacitista e inclusivo, além de
vislumbrar outras semioses que se articulam com o plano verbal e que constroem sentidos
experienciados na vida cotidiana por meio de metáforas, partindo do pressuposto de que a
interação é (co)construída entre todos os sujeitos (atípicos/as e típicos/as). Dentre as
modalidades da pesquisa qualitativa, como explicam Gerhardt e Silveira (2009), destacam-se a
etnografia, a pesquisa-ação, o estudo de caso e as pesquisas bibliográfica, documental,
etnometodológica, para citar alguns. No trabalho apresentado nesta pesquisa qualitativa, recorro
à modalidade etnográfica.
O termo etnografia, proveniente dos morfemas etno (povo) e graph (escrita), segundo
Fetterman (1998), surgiu no século XIX, dando origem à necessidade de registro de um
determinado povo. Segundo o autor (1998, p. 11), o termo etnografia é “a arte e a ciência de
descrever um grupo ou uma cultura” em determinado momento, e remonta à herança de estudos
antropológicos que consideravam o “outro” como estranho e selvagem. Nesses estudos, que se
referem à fase tradicional da pesquisa qualitativa, conforme Denzin e Lincoln (2006 [2003]),
pesquisadores/as passavam muito tempo em campo, como ocorreu no trabalho de Heath (1983),
que esteve 10 anos no sul dos Estados Unidos para analisar tradições de comunidades rurais
tidas como exóticas e primitivas.
De acordo com Heath e Street (2008), o trabalho de etnógrafos/as pode ser comparado
ao de malabaristas, uma vez que ambos/as precisam fazer observações, comparações, reflexões
e inferências, além de lidar com diversas variantes, trabalhar questões de operacionalização e
42
De acordo com o autor (2017 [2008], p. 177), como a dimensão contextual micro
emerge do processo em curso, a emergência está relacionada à estrutura de relações temporais,
transformadas na passagem da situação (co-presença intersubjetiva) para o cenário (co-
engajamento cognitivo), e deste para os campos demonstrativo (postura, gestos, olhar, sons da
voz dos/as interagentes) e simbólico (dêitico). Segundo o autor (2017 [2008]), há uma
progressão hierárquica, que vai desde a situação, passando pelo cenário e chegando aos campos
demonstrativo e simbólico; ou seja, de um nível relativamente primitivo da esfera da
consciência perceptual a outro semioticamente complexo.
Assim sendo, para que façamos análise micro do contexto etnográfico, Hanks (2017
[2008]) sugere que comecemos pela observação de três condições fundamentais para o
estabelecimento da situação:
Após a definição da situação, o autor (2017 [2008]) propõe que o cenário e que os
campos demonstrativo e simbólico sejam investigados, com o intuito de analisarmos a
implicação ordenada da dimensão da emergência (micro), e de avançarmos em direção à análise
social da dimensão contextual da incorporação (macro).
Sobre a dimensão macro, Hanks (2017 [2008]) explica que a incorporação de práticas
discursivas, experienciada cultural e historicamente por atores e por atrizes sociais, está
relacionada a enquadres interativos (competitivo, colaborativo, estratégico) e a esquemas de
conhecimento12 em discurso de larga escala, encaixada em diversos campos sociais. Esses
campos sociais são entendidos como espaços delimitados de posições e de tomadas de posições
por meio do qual circulam valores (poderes, capital econômico e simbólico, ideologia), nos
quais agentes (organizações profissionais, classes, corpo departamental) ocupam coletividades,
colocando restrições e permissões aos papéis dos/as interagentes (não) previstos/as.
Na dimensão do encaixamento social (macro), sistemas linguísticos podem ser
estudados por meio de diferentes semioses no processo de construção e de constituição da
12
Enquadres interativos (sentidos percebidos a partir da maneira como os/as participantes se comportam na
interação) e esquemas de conhecimento (decorrentes de nossas experiências anteriores no mundo) são termos
preconizados por Tannen e Wallat (2002 [1987]).
44
linguagem. Por conseguinte, regularidades formais e funcionais costumam possibilitar que o/a
etnógrafo/a preveja enquadramentos, por meio de esquemas de conhecimento, em diversas
dimensões contextuais de emergência. Cabe destacar, no entanto, que, durante o processo de
constituição de frames interacionais (TANNEN; WALLAT, 2002 [1987]), eventos inesperados
podem surgir, tanto com pessoas típicas como com atípicas, uma vez que a interpretação da
linguagem mediada por textos escritos, falados ou gestualmente marcados no corpo podem não
ser compreendidos, tornando-se, como ocorre nesta pesquisa, um desafio etnográfico.
Assim sendo, esta tese, além de se inscrever na perspectiva intersubjetiva proposta por
Van Dijk (2012 [2011]), assume que as dimensões micro e macro do contexto em pesquisa
etnográfica (HANKS, 2017 [2008]) nos possibilita transitar entre processos sociocognitivos
intersubjetivos co-articulados e o campo social, resultado da implicação ordenada entre
situação, cenário e campos demonstrativo e simbólico, atravessados pela
incorporação/encaixamento, como podemos observar na figura 1.
Emergência
Situação
Cenário
Campos demonstrativo
e simbólico
Incorporação/Encaixamento
Fonte: Elaborado por mim, baseado em Hanks (2017 [2008]).
padrões variam de acordo com a língua, com o grupo estudado e com questões intersubjetivas,
históricas e sociais, a concepção de cultura em estudos etnográficos tem assumido princípios
axiomáticos relacionados à grande variabilidade e inconstância linguística, social e
intersubjetiva, que advêm das dimensões micro e macro do contexto (HANKS, 2017 [2008]).
Essa variabilidade axiomática sociocultural, nesta tese, está diretamente relacionada à
diversidade proveniente da noção de espectro do autismo, dado que práticas sociais da
atipicidade autista são dinâmicas, fluidas, variáveis e estão em construção, sendo influenciadas
pela intensidade de barreiras sociais e pelo capacitismo, que impedem ou que dificultam o
estabelecimento de sua autonomia.
Ao se dirigir ao campo, etnógrafos/as devem “rastrear, descrever e enumerar
multimodalidades como recursos semióticos e suas combinações – linguística, gestual,
cinestésica e visual” (HEATH; STREET, 2008, p. 21), a fim de observar e de analisar como
diferentes modos se articulam para construir sentidos e formar identidades intersubjetivas,
coletivas e institucionais. Para que isso aconteça, Van Lier (1998) argumenta que a pesquisa
etnográfica deve privilegiar dois pressupostos básicos da pesquisa qualitativa: o holístico e o
êmico. O princípio holístico permite que o/a investigador/a vincule dados de sua pesquisa a
observações e interpretações contextualizadas, propiciando-lhe visão abrangente sobre práticas
sociais, culturais e linguísticas de determinada comunidade. O princípio êmico consiste na
postura de o/a pesquisador/a observar o fato por meio da cultura e do olhar do “outro”, a fim de
diminuir julgamentos e visões estereotipadas, e, como explica Duranti (1997, p. 85), “alcançar
suficiente identificação ou empatia com os/as membros/as do grupo”.
Fetterman (1998) explica que, além de o/a investigador/a assumir postura holística e
êmica, etnógrafos/as costumam utilizar a técnica da observação participante em suas
pesquisas. Esse tipo de observação, como alertam Araújo, Oliveira e Rossato (2016, p. 5),
permite que o/a pesquisador/a se reconheça “como parte da realidade investigada e sujeito em
desenvolvimento”, o que inviabiliza qualquer tentativa de imparcialidade, ponto forte da
pesquisa qualitativa, tendo em vista que lidamos com contextos (HANKS, 2017 [2008]; VAN
DIJK, 2012 [2011]) dinâmicos e fluidos, com subjetividades e com o “eu” pesquisador/a em
construção. Ainda sobre a observação participante, Heath e Street (2008, p. 31) advogam que
ela “é a chave [para a geração] de dados do/a etnógrafo/a”. No entanto, alertam os autores
(2008, p. 34), ao entrar em campo, o/a etnógrafo/a deve estar aberto/a para aprender, não
podendo se esquecer de que há limitações que impedem sua total participação como “outro”,
tais como “características físicas (idade, gênero, tamanho e fenótipo), bem como suas
identidades culturais e experiências de vida”.
46
Em relação a esta tese, destaco que, em meu projeto de pesquisa, eu tinha a intenção
de realizar trabalho com estudantes autistas no âmbito da educação inclusiva, além de promover
rodas de conversa, em ‘interação face a face’, com pessoas autistas do Distrito Federal, para
discutirmos o impacto da divulgação de textos multimodais sobre o autismo. No entanto, apesar
de eu conseguir gerar dados em ‘interação face a face’ com estudantes autistas entre 2018 e
2019, as rodas de conversa tiveram de ser redimensionadas pelo fato de esta pesquisa haver
sido atravessada pela pandemia do novo coronavírus Covid-19, entre 2020 e 2021, o que me
levou a entrar em contato com pessoas autistas do ativismo neurodiverso brasileiro e a criar um
grupo de WhatsApp para a geração de dados por meio de uma ‘interação mediada on-line’,
colocando-me em contato com a complexidade de diferentes formas de relações e de
intensidades de interações (THOMPSON, 2018). Voltando às perspectivas netnográfica e
microetnográfica desta tese, a seguir são abordados alguns pressupostos de ambas.
A netnografia em pesquisas qualitativas, de acordo com Kozinets (2014 [2010]),
baseia-se em trabalho de campo on-line e, por ser uma abordagem da etnografia, o/a
pesquisador/a também deve assumir a postura da observação participante, em consonância com
pressupostos da triangulação de dados, que, segundo Flick (2009c), considera pelo menos dois
pontos para a análise de dados. Esse tipo de pesquisa, que utiliza interações “mediadas por
computador como fonte de dados para chegar à compreensão e à representação etnográfica de
um fenômeno cultural ou comunal” (KOZINETS 2014 [2010], p. 62), alinhada à observação
participante, deve atentar-se a seis passos da etnografia: planejamento do estudo, entrada em
campo, geração de dados, interpretação, garantia de padrões éticos e representação da pesquisa.
Apesar de reconhecer que a interação mediada por computadores apresente algumas
limitações, como a análise holística de sujeitos que interagem em tempos, em espaços e em
condições diversas, Kozinets (2014 [2010]) entende que a tecnologia digital permeia nossas
práticas sociais diárias, advogando que pesquisas etnográficas devem acompanhar o avanço
desses novos modos de interação, cada dia mais presentes em nossas vidas.
Nesse sentido, o fazer netnográfico, de acordo com o autor (2014 [2010]), tem ganhado
espaço em outras áreas das ciências sociais, saindo do eixo originário de perfis de consumo em
pesquisas de marketing. Constituem exemplos de como a netnografia tem contribuído para a
área da linguística aplicada pesquisas como a de Oliveira (2016), que analisou ações de
letramento de participantes do Exame Nacional do Ensino Médio; a de Lima Neto (2018), que
investigou duas variedades linguísticas do Distrito Federal, e narrativas sobre o ser candango e
o ser brasiliense quase sessenta anos após a fundação da capital federal; e a de Rodrigues (2020),
48
que analisou a interação entre as variedades da escrita digital e oral usadas por docentes em
uma sala de aula de Especialização lato sensu na Universidade de Brasília.
Segundo Kozinets (2014 [2010]), há, basicamente, três formas de se realizar pesquisa
netnográfica: i) pesquisa de comunidades on-line, que investiga questões relacionadas ao
comportamento, a um padrão sociolinguístico e/ou a ciberculturas on-line digitais; ii) pesquisa
on-line em comunidades, que analisa o engajamento interacional sobre temas de interesse de
determinada comunidade ou cultura de forma digital; e iii) pesquisas que mesclam a etnografia
“tradicional” e a netnografia, conduzida usando dados gerados de interações por computadores
e de interações face a face, por meio de entrevistas e de observações participantes presenciais.
Nesta tese, adoto a pesquisa on-line em comunidades, tendo em vista que, após
convidar algumas pessoas autistas ativistas pela neurodiversidade para fazerem parte desta
investigação, criei um grupo no aplicativo para smartphones WhatsApp, a fim de discutirmos
sobre textos multimodais divulgados em páginas web, de revistas, de organizações e de espaços
de pesquisa, todas de domínio público, a respeito do autismo. Esses textos foram, previamente,
selecionados por mim, com o intuito de motivar a geração de dados que compõem o corpus
netnográfico desta pesquisa.
Em relação à abordagem microetnográfica da pesquisa qualitativa, cabe ressaltar sua
inscrição em estudos etnográficos realizados em instituições educacionais. Desse modo, antes
de adentrarmos no fazer microetnográfico, destaco o modo como pesquisas etnográficas têm
sido realizadas no âmbito educacional, em especial em relação ao processo de ensino e de
aprendizagem de línguas.
Heath e Street (2008, p. 16) ressaltam que estudos etnográficos em instituições
educacionais, como ocorre nesta investigação, têm ganhado bastante força e espaço a partir da
década de 1990, tendo salas de aula como foco de pesquisa, nas quais “aprendizes se reúnem
não por objetivos de especialização auto-escolhidos ou por identidades de pequenos grupos,
mas por designação externa”. Portanto, há uma demanda exterior tanto da família quanto do
poder público e social que leva estudantes para a sala de aula, a fim de que possam desenvolver
habilidades cognitivas em diversas áreas do conhecimento, desafiando etnógrafos/as, portanto,
a buscarem compreender como sistemas simbólicos atuam no tempo e no espaço entre esses/as
aprendizes. Corroborando com a discussão sobre a modalidade etnográfica de investigação em
sala de aula, Cançado (1994) defende a instauração de um relacionamento de confiança entre
o/a pesquisador/a e seus/suas colaboradores/as, alertando acerca da necessidade de
encaminhamento analítico sob a perspectiva dos/as estudantes que colaboram com a pesquisa.
49
O debate sobre a ética na pesquisa teve início, de acordo com Schüklenk (2005), após
atrocidades cometidas com experiências realizadas com pessoas que estavam em campos de
concentração durante o Terceiro Reich. Na área médica, por exemplo, Stake (2011, p. 224)
explica que “muitos estudos prejudicaram a saúde e o bem-estar das pessoas”, e alerta que, em
pesquisas sociais, o perigo costuma não ser físico, mas mental, tendo em vista que a exposição,
a humilhação, o constrangimento, a perda do respeito e do auto respeito, e a exclusão são fatores
que ameaçam a privacidade alheia e causam adoecimento psíquico.
Os trabalhos dos comitês de ética passam a ter, a partir dessas constatações, relevância
e atuação em pesquisas, dado ser estabelecido o elo entre a legislação vigente e os marcos legais
de cada profissão, de cada país ou, até mesmo, das diretrizes nacionais e internacionais. Dessa
forma, os documentos éticos adquirem força legal, pois são discutidos, elaborados e
estabelecidos por lei. Fetterman (1998) ainda explica que, em pesquisas etnográficas, o/a
investigador/a deve ter cuidado para não ofender os/as colaboradores/as de pesquisa ou
desvalorizar práticas sociais da comunidade estudada. Corroborando com essa ideia, Magalhães
(2000, p. 46) explica que “a preocupação com a ética na pesquisa afeta especialmente os
pesquisadores que adotam a metodologia etnográfica”, uma vez que a relação com seus/suas
colaboradores/as deve assumir o compromisso de que o conhecimento é construído de forma
coletiva e de que suas identidades precisam ser respeitadas.
Como esta pesquisa está dividida em dois momentos (netnográfico e
microetnográfico), o rigor ético está relacionado tanto à autorização do comitê de ética quanto
ao compromisso em convidar colaboradores/as para participarem desta investigação,
preservando seus nomes, suas imagens e o som de suas vozes, bem como o direito de se
retirarem da pesquisa a qualquer momento. A seguir, dedico-me ao detalhamento e ao rigor
ético desta pesquisa etnográfica.
De acordo com Flick (2009b), a pesquisa realizada com humanos não pode prescindir
do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O autor (2009b) ainda ressalta
que, em pesquisas com menores ou com pessoas com deficiência, cuja curatela, tutela ou guarda
esteja sob domínio de outra pessoa, o/a pesquisador/a deve solicitar a esse/a responsável que,
53
“como um substituto, dê o consentimento em nome da pessoa que de fato está sendo estudada”
(FLICK, 2009b, p. 55), o que não descarta, para mim, a necessidade da autorização desses/as
menores ou dessas pessoas com deficiência também. Ressalto, ainda, que tanto o modelo do
TCLE quanto desdobramentos e especificidades de investigação devem passar por análise para
aprovação por comitês de ética em pesquisa, exigência que faz parte do regulamento do
Programa de Pós-graduação em Linguística da Universidade de Brasília, e que considero de
extrema relevância, tendo em vista que não podemos compactuar com pesquisas que não
respeitem a dignidade humana.
Assim sendo, para realizar esta pesquisa, tive aprovação do Comitê de Ética em
Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais (CEP/CHS) da Universidade de Brasília, no dia 13
de novembro de 2018, de acordo com anexo A. Apesar de haver realizado pesquisa etnográfica
em sala de aula entre 2018 e 2019, tive de redimensionar parte desta pesquisa em decorrência
da pandemia Covid-19, em relação à pesquisa netnográfica, sugerida pela minha banca de
qualificação, em 2020.
Destaco que esse redimensionamento não infringiu o que eu havia previsto no TCLE,
assinado por pessoas autistas e ativistas brasileiros/as a favor da neurodiversidade com as quais
entrei em contato por meio de mídias sociais com o intuito de convidá-las para fazerem parte
desta pesquisa em 2020. O acesso a esses/as colaboradores/as de pesquisa não foi difícil para
mim, uma vez que faço parte de movimentos sociais a favor dos direitos e da inclusão de
pessoas autistas e com outras deficiências em nossa sociedade. Após entrar em contato com
elas, criei um grupo no aplicativo WhatsApp, a fim de discutirmos textos multimodais sobre o
autismo divulgados em páginas web de revistas, de organizações e de espaços de pesquisa, todas
de domínio público.
Em relação à microetnografia em sala de aula, além da necessidade da aprovação do
CEP/CHS, tive autorização do Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais de Educação do
Distrito Federal (EAPE), órgão responsável pela autorização ética de pesquisas da SEDF, que
me encaminhou à escola onde a pesquisa foi realizada. Após aprovação desse órgão e da equipe
gestora da escola, convoquei, na semana subsequente à aprovação do CEP/CHS, reunião com
os/as responsáveis dos/as estudantes menores, dado que eu já estava atuando como professor
regente na turma do segundo semestre de 2018, na qual eu gostaria de realizar a pesquisa.
Após explicar o objetivo de minha pesquisa, todos/as os/as responsáveis assinaram o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), cujo modelo pode ser consultado no
anexo B, além do Termo de Autorização de Imagem e Som de Voz para Fins de Pesquisa para
os/as responsáveis de estudantes menores de 18 anos, de acordo com modelo do anexo C. Em
54
distribuídos/as por níveis em três turmas: 1 estudante no oitavo nível no 2º semestre de 2018; 2
estudantes no segundo nível no 1º semestre de 2019; e 2 estudantes no sétimo nível no 2º
semestre de 2019. A idade dos/as estudantes dessas turmas varia de 15 a 71 anos, sendo que
os/as estudantes autistas têm entre 16 e 20 anos de idade.
No segundo semestre de 2018, a escola atendeu a 145 estudantes com Necessidades
Educacionais Específicas – NEEs. No primeiro semestre de 2019, foram 156 aprendizes e, no
segundo de 2019, 137 alunos/as. Parte desses/as estudantes, além de frequentarem aulas em
uma perspectiva de educação inclusiva, receberam atendimento especializado, em horário
extraclasse, da Sala de Recursos Generalista – SRG13. Não obstante, estimamos que o número
de estudantes com NEEs seja muito maior nessa instituição de ensino, uma vez que há omissão
ou não aceitação de deficiências por parte de famílias, que não enviam diagnóstico médico para
a escola ou que não procuram atendimento especializado, além da dificuldade de acesso ao
diagnóstico médico por parte de pessoas com deficiência e de seus familiares, dificultando que
a SRG realize atendimento personalizado com esses/as aprendizes.
Cabe destacar que a inclusão de estudantes com deficiência não deveria estar
condicionada à apresentação de diagnósticos médicos, até mesmo porque não são documentos
que direcionam o trabalho docente. Do mesmo modo, o atendimento pela SRG também não
deveria pressupor a necessidade de apresentação desse diagnóstico para realizar suas atividades.
No entanto, como a educação brasileira ainda está à mercê da apresentação do diagnóstico
médico para resguardar direitos às adaptações e ao suporte de pessoas com deficiência, defendo
que essa política seja mudada e que as escolas passem a aceitar, inclusive, o autodiagnóstico.
Em relação aos espaços das salas de aula onde esta pesquisa foi realizada, limito-me
apenas a descrevê-los, a fim preservar possível identificação da unidade de ensino e,
indiretamente, dos/as colaboradores/as de pesquisa, infringindo o previsto no TCLE. As salas
de aula eram equipadas com data show, ventilador giratório na parede, quadro branco, aparelho
de som e equipamento para a reprodução de CD e de DVD.
No segundo semestre de 2018, havia nas paredes da sala de aula vários quadros que
representam atividades culturais do mundo hispano, como uma mulher dançando flamenco, um
prato típico cubano que se chama arroz a la cubana, um mapa da América Latina e outro da
13
A SRG do CIL deste estudo realiza atendimento aos/às alunos/as que apresentam diagnóstico médico de alguma
deficiência, Transtorno Global do Desenvolvimento ou superdotação. Além disso, essa sala é responsável pela
produção de materiais lúdicos, pela orientação de avaliações adaptadas, pela mediação de projetos desses/as
estudantes, pelo atendimento às solicitações de responsáveis e pelo acompanhamento das adequações curriculares
promovidas pelo corpo docente (LEITÃO, 2017). No primeiro semestre de 2018, a sala especializada atendeu 21
estudantes com diagnóstico médico de autismo. Já no primeiro semestre de 2019, também foram atendidos/as 21
aprendizes e, no segundo semestre de 2019, 19 estudantes.
56
península Ibérica, e uma imagem com uma boca de uma mulher com uma vinheta à direita
dizendo Hola, além de um mural de avisos institucionais.
A sala de aula do primeiro semestre de 2019 possuía, em suas paredes, um quadro com
coqueiros de Cartagena da Índias, um convite para o turismo na Venezuela, um mapa Ibero-
americano, um quadro com uma pirâmide maia de El Salvador, um quadro com mulheres
indígenas panamenhas e um mural de avisos institucionais.
A sala de aula do primeiro semestre de 2019 também possuía diversos quadros, com a
imagem de um mapa latino-americano, de um mapa da península Ibérica, de uma praia
caribenha venezuelana, de alguns pontos turísticos da cidade de Santa Cruz na Bolívia, de
dançarinos/as (bailaores/as) de flamenco, de três indígenas panamenhas, de um museu no País
Vasco (Guggenheim), de campesinos/as na região andina da Argentina, de um calendário com
os dias da semana em língua espanhola e de um quadro com as cores e suas respectivas grafias.
Nas três salas de aula, decidi colocar a mesa e a cadeira do/a professor/a ao fundo da
sala, para que os/as aprendizes pudessem se sentar em formato de círculo comigo. Dessa forma,
tanto a mesa grande e a cadeira acolchoada (e mais alta) do/a professor/a quanto outros artefatos
culturais que invocam poder foram deixados no fundo da sala de aula, a fim de diminuírem
parte de seu valor simbólico nesses cenários de salas de aula de educação inclusiva.
No âmbito da educação inclusiva, além dos/as estudantes autistas, considero como
colaboradores/as de pesquisa alunos/as com os quais aqueles/as aprendizes interagiram de
forma mais intensa em salas de aula mediadas por mim, como professor. Também é colaborador
desta pesquisa o professor-pesquisador (subseção 1.2.5), que, neste caso, sou eu, por ter atuado
no processo de ensino, de preparação de atividades e de geração de dados.
Em relação à pesquisa netnográfica, todas as pessoas autistas que participaram do
grupo do WhatsApp foram ratificadas por mim. Para traçar o perfil sociolinguístico desses/as
colaboradores/as (subseção 1.2.1), apoiei-me em Bortoni-Ricardo (2004), e fiz o levantamento
do grupo etário, do gênero, do grau de escolarização, do status econômico e do mercado de
trabalho. Nessa abordagem de pesquisa, descartei o componente rede social para o
levantamento desse perfil sociolinguístico, tendo em vista limitações da pesquisa digital
netnográfica para a tessitura dessas redes. Incluí, no entanto, aspectos idiossincráticos desses
sujeitos (razões por fazerem parte do ativismo neurodiverso, atividades de interesse,
perspectivas em relação ao ativismo), influenciado por Albuquerque (2015).
Para traçar o perfil sociolinguístico desses/as colaboradores/as de pesquisa no âmbito
da educação inclusiva (subseções 1.2.1, 1.2.2 e 1.2.3), também me apoiei em Bortoni-Ricardo
(2004) e fiz o levantamento apenas dos componentes que impactaram diretamente no processo
57
de ensino e de aprendizagem de língua adicional. Desse modo, ainda que a autora (2004) sugira
que façamos o levantamento do grupo etário, do gênero, do grau de escolarização, do status
econômico, do mercado de trabalho e da rede social de nossos/as colaboradores/as de pesquisa,
exclui o status econômico, pelo fato de este ser um componente que considerei invasivo e que,
para esta pesquisa, não parecia representar impacto considerável em relação à geração dos
dados, assim como do componente rede social, uma vez que este estudo não tem interesse em
analisar a influência do modo de falar a partir de redes de tessitura miúda14.
Apesar de não inscrever esta tese nos estudos de redes de tessitura miúda propostos
por Bortoni-Ricardo (2014), proponho o componente formação de redes temporais esparsas
como fator de ratificação e de não ratificação de sujeitos, em contexto educacional
microetnográfico. Entendo redes temporais esparsas como o contato dinâmico, fluido e
passageiro que ocorre por afinidades com outras pessoas e que, no caso deste estudo, ratifica
colaboradores/as que mais se aproximam interacionalmente dos/das estudantes autistas.
Adicionalmente, incluo aspectos idiossincráticos dos sujeitos (condição humana típica ou
atípica, razões pelas quais estudam espanhol como língua adicional, atividades de interesse,
perspectivas como estudantes para o mercado de trabalho), inspirado em Albuquerque (2015),
a fim de traçar o perfil sociolinguístico de meus/minhas colaboradores/as de pesquisa. Como
explicitado anteriormente, o trabalho de campo em sala de aula desta tese compreendeu o
período de três semestres, em três turmas e em níveis diferentes.
Sobre a quantidade de colaboradores/as ratificados/as nesta tese, ressalto que, como
explica González Rey (2005, p. 112), “o número de pessoas a ser considerado em pesquisa
qualitativa deixa (...) de ser um critério quantitativo, passando a se definir pelas próprias
demandas qualitativas do processo de construção de informação intrínseco à pesquisa”. Desse
modo, como a netnografia foi inserida nesta tese após minha qualificação de doutorado,
outros/as colaboradores/as assinaram o TCLE, passaram a fazer parte deste estudo, sendo
definidos pelas demandas desta pesquisa qualitativa.
Com o objetivo de apresentar os/as colaboradores/as que fizeram parte da geração de
dados desta investigação, explicito, de forma breve, o perfil sociolinguístico dos/as 5
colaboradores/as que fizeram parte do estudo netnográfico desta tese. Em seguida, apresento o
perfil sociolinguístico de cinco estudantes de cada uma dessas turmas pesquisadas, que foram
ratificados/as por mim como aqueles/as que apresentaram maior intensidade no componente
14
As redes de tessitura miúda, também denominadas como redes de densidade mais alta ou como redes multiplex,
de acordo com Bortoni-Ricardo (2014, p. 132), “criam uma resistência a valores dominantes, preservando a cultura
e os falares locais”, o que impacta na formação identitária do grupo e de cada sujeito inserido em seu contexto.
58
• Eliz, 29 anos, cantora. Suas atividades prediletas eram ler e cantar. Ela explicou
que escolheu esse pseudônimo por se lembrar de uma professora que assinava e-mails com esse
nome, apesar de seu nome ser outro. Eliz é natural de Campo Mourão, município do estado do
Paraná. Ela possui o Ensino Médio completo e só teve seu diagnóstico médico de autismo aos
27 anos. A demora em receber seu diagnóstico, segundo Eliz, estava relacionada ao fato de ela
ser cega, uma vez que a pessoa com deficiência visual congênita também apresenta alguns
movimentos repetitivos e certa rejeição a alimentos. No entanto, para Eliz, existiam coisas que
não poderiam ser explicadas apenas pela cegueira. Para ela, o autismo fazia com que sua vida
fosse mais interessante, pois seus dias eram pintados com cores mais bonitas. Ela explicou que
o autismo tinha questões muito subjetivas, o que tornava algumas vivências difíceis de serem
compreendidas e, consequentemente, de serem explicadas. Eliz tinha hiperfoco em pessoas, de
modo que ela desenvolvia apego por algumas delas. Eliz participava de uma associação
brasileira a favor da neurodiversidade e produzia materiais para redes sociais sobre sua
experiência no mundo, sobre música, sobre política e sobre inclusão.
• Rosa, 37 anos, morava e era natural de Teresina, capital do estado do Piauí. Ela
possui curso superior em Psicologia e é especialista em Saúde Mental, mas decidiu não
trabalhar nessa área por causa de experiências traumatizantes. Rosa trabalhava como assistente
administrativa, mas não se identificava com o trabalho burocrático. Como ela possuía cursos
em fotografia e em edição fotográfica, além de adorar escrever, gostaria de poder trabalhar
como fotógrafa ou como escritora. Rosa só conseguiu seu diagnóstico aos 30 anos, e atribuía
essa demora à falta de entendimento da multiplicidade de vivências e de falas do e sobre o
autismo em sua cidade natal. Ela se orgulhava de ser autista e explicou que essa condição fazia
59
parte da sua identidade. Em seu tempo livre, Rosa gostava de assistir a doramas (dramas em
língua japonesa), além de fotografar. Segundo ela, doramas e fotografias eram seus hiperfocos.
Rosa integrava duas associações pelos direitos das pessoas autistas e já participou de diversas
lives e de palestras sobre o autismo. Um dos seus sonhos era que pessoas autistas tivessem mais
oportunidades para adquirirem autonomia financeira atuando em áreas que respeitassem suas
habilidades e seus hiperfocos.
• Luna é aluna típica de 22 anos e natural do Distrito Federal. Ela fazia o curso de
Ciências Biológicas em um Instituto Federal do DF e era engajada com o movimento feminista
negro. Luna já havia feito o curso básico de inglês, e relatou na turma que, apesar de reconhecer
a importância da língua inglesa para as ciências, não simpatizava muito com esse idioma, por
questões de dominação e de globalização. Luna veio transferida, no segundo semestre de 2018,
para esta turma, e prontamente buscou se aproximar de Frederico. Ao perceber que Frederico
tinha interesse por química, Luna levou-lhe de presente alguns tubos de ensaio para que ele
pudesse, futuramente, armazenar seus elementos químicos, conquistando, rapidamente, a
simpatia e a amizade de Frederico.
• Mário, estudante típico do segundo ano do Ensino Médio de uma escola privada
do Distrito Federal, tinha 16 anos de idade, sendo natural de Brasília. Mário também era
estudante do nível avançado de um curso de inglês em instituição privada no DF. O aluno
decidiu estudar espanhol porque tinha interesse em ser diplomata e porque gostava muito de
15
Segundo Nolan (2015), ao adotarmos o termo stim ou stimming, vamos contra a visão patologista do autismo
que visa a impedir a manifestação de movimentos rítmicos e repetitivos (abanar as mãos, balançar o corpo, girar
objetos etc), que têm a finalidade de autorregulação, expressão, comunicação e interação, fazendo parte da
identidade de pessoas autistas.
62
estudar línguas. Durante as aulas, Mário falava em espanhol e, quando não sabia dizer algo,
completava suas frases com palavras em inglês. O estudante gostava de jogos on-line e, às
vezes, conversava sobre desafios de videogames e sobre novos recursos eletrônicos com
Frederico.
turma e comigo, o aluno usava pouco o modo verbal, manifestando desejos e preferências por
gestos, pelo olhar, pelo balbuciamento silábico e por frases curtas.
• Mara, 52 anos de idade, é típica natural do estado da Bahia. Mara fazia o curso
superior de pedagogia em uma universidade do Distrito Federal e estudava francês, Libras e
Braille, pois possuía baixa visão. Ela já havia terminado o curso completo de inglês e decidiu
estudar espanhol porque gostava de estar em contato com diferentes línguas em seu dia a dia e
porque queria se tornar poliglota. A estudante tinha baixa visão e todo o seu material visual
precisava ser ampliado. Ela considerava a educação inclusiva como um direito e que a
instituição de ensino público em que estudava lhe fornecia o suporte necessário para que ela
desenvolvesse autonomia em relação à sua aprendizagem de línguas. A aluna se mostrava
independente em sala de aula e procurava se sentar ao lado da minha carteira, para que eu
pudesse lhe direcionar atividades e adaptar aquelas que trabalhavam principalmente com cores
16
A escolha do pseudônimo Jenival, por exemplo, foi justificada pelo estudante pelo fato de ele já ter feito duas
viagens com um motorista do aplicativo Uber que também se chamava Jenival, um nome que ele achou estanho,
mas que acabou gostando depois, por se tratar de um profissional que conduzia automóveis.
64
e com detalhes de imagens. Em sala de aula, Mara manifestava sua opinião em relação às
atividades realizadas por seus/suas colegas, que tinham interesse em saber como seriam
algumas palavras ou dizeres em outras línguas. Jenival costumava testar a memória de Mara
em relação ao inglês, perguntando-lhe algumas palavras nessa língua e promovendo um
ambiente de descontração em sala de aula.
• Evita, típica, 71 anos, natural do estado de Goiás. Ela possui o Ensino Médio
completo e fez um curso técnico de enfermagem. Aposentada como enfermeira do Hospital de
Base do Distrito Federal, a aluna decidiu estudar espanhol para exercitar sua memória, aprender
outra língua e sentir-se feliz. Evita se considerava uma estudante que precisava de um contexto
de educação inclusiva, uma vez que sua audição e sua visão, além de sua memória, precisavam
de suporte e de paciência dos/as colegas de turma e do/a docente. Evita, constantemente,
explicava à turma que se sentia feliz em poder estar entre tantos/as jovens e que parecia ter
menos idade quando estava em sala de aula. Apoiado pelos/as estudantes, Jenival definiu Evita
como a mãe de toda a turma. Evita assumiu essa identidade e passou a levar para a turma bolos
com refrigerante, explicando que a mãe gostava de seus filhos/as bem alimentados/as. Toda a
turma tinha um carinho especial por Evita e respeitava a opinião dela.
Dos/as 8 estudantes que fizeram parte desta turma do sétimo nível no 2º semestre de
2019, ratifiquei cinco, em conformidade com redes temporais esparsas. A esses/as aprendizes
também foram atribuídos pseudônimos, escolhidos pelos/as próprios/as colaboradores/as deste
estudo.
• Kalebe tem 38 anos, é estudante típico, natural de Belo Horizonte, e tem curso
superior completo em Direito. O estudante era servidor público de um órgão do judiciário.
Ativista pelos direitos humanos, Kalebe defendia mais igualdade de oportunidades entre
homens e mulheres e advogava que devíamos combater fortemente o feminicídio no DF e no
Brasil. O estudante também gostava de ler mangás e costumava emprestar livros e revistas para
66
1.2.5 Do professor-pesquisador
Eu, Alex Leitão, sou professor da SEDF desde 2005, com atuação em escolas públicas
do Distrito Federal, tenho um irmão que é autista e sou ativista pela educação inclusiva. Essas
identidades influenciaram minha vida como professor-pesquisador em dois sentidos:
profissional e pessoal. No âmbito profissional, desde o início da minha trajetória,
semestralmente atendi estudantes com NEEs, entre os/as quais destaco aprendizes com algum
tipo de deficiência física, auditiva, visual, intelectual e sensorial e/ou algum transtorno
psicológico (de ansiedade, de humor, de personalidade, psicossocial ou alimentar). Assim que
comecei a lecionar, tive de buscar, imediatamente, ajuda de meus/minhas colegas de trabalho e
da SRG, além de cursos de capacitação na área da educação inclusiva, tendo em vista que,
durante meu curso de licenciatura em Letras, não tive acesso a disciplinas aplicadas que
direcionassem meu trabalho como docente no âmbito da educação inclusiva.
Em meio a cursos de capacitação, o âmbito pessoal me desafiava a compreender o
modo como meu irmão interagia com as pessoas e com o mundo, e a perceber o excesso de
barreiras que existiam em nossa sociedade e que visavam ao silenciamento de sua existência.
Incomodado com o capacitismo e com a escassez de direcionamentos para a educação inclusiva
com estudantes neurodiversos/as adolescentes e adultos/as, interessei-me pelos estudos na área
do autismo, o que me levou a realizar mestrado em linguística aplicada pela UnB, no qual
analisei o acionamento de metáforas conceptuais que adivinham de textos verbais e escritos de
um estudante autista de espanhol como língua adicional. O período do mestrado foi de grande
aprendizado, mas eu sentia a necessidade de dar continuidade aos meus estudos, de capacitar-
me mais para lutar contra o capacitismo estrutural, com o intuito de encaminhar práticas para a
67
diminuição de barreiras que impedem que estudantes com deficiência sejam incluídos/as de
forma ampla na educação. Dessa inquietação, apresentei-me como professor-pesquisador ao
curso de doutorado em Linguística da Universidade de Brasília, que me fortaleceu no sentido
de dar continuidade à luta por uma sociedade mais equânime e por um ensino menos assimétrico
em relação à forma como estudantes autistas são, aprendem e interagem.
Orientação Encaminhamentos
Características
teórico-metodológica analíticos
Resulta do encontro dos espaços inputs. É por meio da
Mesclagem mesclagem metafórica que os espaços inputs
metafórica convergem para a projeção seletiva da construção de
sentidos.
Consiste em relações apresentadas como justas e
dignas de apoio, fundamentando-se em bases racionais
(legalidade de regras), tradicionais (inviolabilidade de
tradições) ou carismáticas (característica excepcional
de uma pessoa ou de uma autoridade particular).
Estratégias: racionalização (construção de uma cadeia
Legitimação
de raciocínio que justifica um conjunto de relações ou
instituições), universalização (interesses particulares
representados como interesses de todos/as) e
narrativização (reivindicações se inserem em histórias
que recontam passado, narram o presente, construindo
tradição para criar sensação de pertença).
Representa a maneira como uma pessoa mantém o
poder por meio de manifestações implícitas,
desviando a atenção de seu público. Estratégias:
(Dis)simulação
substituição (de termos e suas conotações positivas ou
OPERACIONALIZAÇÃO negativas), eufemismo (termos que geram valoração
DA IDEOLOGIA positiva) e tropo (uso figurado da linguagem).
Refere-se à identidade coletiva, às relações de
(THOMPSON, 2011 [1990]) dominação que unificam pessoas. Estratégias:
Unificação padronização (adaptação a um marco de referência
padrão) e simbolização (construção de símbolos de
unidade coletiva).
Baseia-se em relações de dominação que se mantêm
separando pessoas. Estratégias: diferenciação e
Fragmentação expurgo do/a outro/a, sobre as quais diferenças e
divisões de grupos são utilizadas para impedir o acesso
ao poder ou para estigmatizar os sujeitos.
Respalda-se em representação de histórias e em fatos
como permanentes, naturais, atemporais, associais, a-
históricos. Estratégias: naturalização (criações sociais
e históricas como naturais e inevitáveis), eternalização
Reificação
(fenômenos sócio-históricos reafirmados e repetidos
como permanentes), nominalização e apassivação
(supressão de atores/atrizes, de agentes, e de cenários
temporais e espaciais).
Refere-se aos enquadres que advém do engajamento
(verbal e/ou não verbal) de interagentes, que
Frames interacionais
constroem sentidos a partir da maneira como outros/as
participantes atuam, se projetam e se comportam.
SI
Representa o alinhamento, a postura, a posição, a
projeção do ‘eu’ de um/a participante na sua relação
(TANNEN; WALLAT,
com o/a outro/a, consigo mesmo/a e com o discurso
2002 [1987];
em construção. O footing caracteriza o aspecto
GOFFMAN, 1998 [1979]) Footing
dinâmico dos frames e, sobretudo, a sua natureza
discursiva. Footings são introduzidos, negociados,
ratificados (ou não), co-sustentados e modificados na
interação.
Fonte: Elaborado por mim, baseado em Fairclough (2003, 2006), Forceville (1996, 2008), Sperandio
(2015), Thompson (2011 [1990]), Tannen e Wallat (2002 [1987]), e Goffman (1998 [1979]).
69
do trabalho em campo; e iii) avaliação da aula, cujo principal objetivo era relatar eventos
marcantes, refletir sobre minha prática docente, projetar-me em relação à preparação da aula
seguinte e encaminhar outras ações pedagógicas.
As entrevistas semiestruturadas, segundo Poupart (2008, p. 217), tem como objetivo
“apreender a experiência dos outros, mas, igualmente, como instrumento que permite elucidar
suas condutas, na medida em que estas só podem ser interpretadas considerando-se a própria
perspectiva dos atores, ou seja, o sentido que eles mesmos conferem às suas ações”. Por
apresentarem sequência flexível de perguntas (ROSA; ARNOLDI, 2006), tendo em vista a
dinamicidade do discurso, Flick (2009b) explica ser essencial que pesquisadores/as selecionem
tópico(s) a serem abordados durante essas entrevistas. Desse modo, além de preparar algumas
perguntas de forma topicalizada para as entrevistas, sinto que, com essa recomendação, me
coloco em uma posição de constante atenção, a fim de mediar entrevistas com profundidade,
evitando que novos encontros sejam necessários para se abordarem as mesmas temáticas.
Destaco, ainda, que, apesar de preparar uma sequência de perguntas flexíveis, a
realização das entrevistas ocorreu de forma diversificada. Desse modo, em relação às turmas,
foram feitas entrevistas em grupo em sala de aula, em língua materna, após a realização de cada
bloco de aula, ao passo que, com os/as estudantes autistas, às vezes tive de marcar encontros
individualizados para realizá-las. Sobre os/as estudantes autistas, além de direcionar-lhes
perguntas durante a entrevista em grupo em sala de aula, tínhamos encontros uma vez por mês,
às sextas-feiras, em um horário que eu tinha disponível para atendimento individualizado, nos
quais eu retornava algumas perguntas que havia feito em grupo, adaptando condições
ambientais e situacionais para que eles/as também pudessem respondê-las.
O uso de gravações de áudio e de vídeo, de acordo com Flick (2009b), é um
instrumento que permite o registro de eventos de forma mais naturalista. Cabe destacar que o
termo naturalista, como explica Rajagopalan (2016, p. 198), parte do pressuposto idealizado de
que eventos existem na natureza como algo pronto e acabado, desconsiderando dimensões
culturais e políticas contextuais. Em razão desse contraponto, alinho-me à ideia de Rajagopalan
(2016, p. 199) de que eventos, como gravações de áudio e de vídeo, ocorrem de forma
cultural(ista), dado que “estamos lidando com algo construído, e não achado tal e qual na
natureza”. Em pesquisas etnográficas, sob as lentes do Comitê de Ética em Pesquisa em
Ciências Humanas e Sociais da Universidade de Brasília, por exemplo, esses aparelhos
eletrônicos costumam inibir a participação de nossos/as colaboradores/as. O manuseio deles,
portanto, requer habilidade do/a pesquisador/a, a fim de minimizar sua presença, e isso ocorre
de forma culturalista, sendo negociada com os/as colaboradores/as de pesquisa. A propósito,
71
Erickson (1992) recomenda, inclusive, que, além de o/a pesquisador/a descartar as primeiras
gravações, na tentativa de diminuir a timidez dos/as interagentes, este/a deve garantir, sempre
que for necessário à pesquisa, que não haverá divulgação de imagem ou de som de voz por
qualquer meio de comunicação, e que o visionamento reflexivo deve estar vinculado apenas
aos/às colaboradores/as do estudo e ao/à pesquisador/a – prática que ratifica a construção
negociada de forma culturalista.
Para a realização deste estudo, adoto gravações de vídeo de minhas aulas e das
entrevistas individualizadas com os/as estudantes autistas e em grupo com os/as
colaboradores/as de pesquisa, a fim de corroborarem com a articulação interacional de
diferentes modos durante a tessitura da geração dos dados. Para realizar as filmagens deste
estudo, utilizei a câmera de vídeo de um aparelho Iphone 8 plus, que ficou localizado na
cabeceira de uma cadeira em contato com uma parede ao fundo da sala de aula. Após a
filmagem de cada aula, transferi, imediatamente, a aula para um HD externo, que possui senha,
garantindo sigilo no armazenamento de informações utilizadas apenas para fins de pesquisa.
Descartei, ainda, as duas primeiras gravações de cada turma, com o intuito de amenizar
a inibição diante das câmeras, e fiz um trabalho de sensibilização com a turma em relação às
gravações, no sentido de explicar-lhes, diversas vezes, que as imagens seriam visualizadas
apenas por mim e por eles/as, caso fosse necessário, com o intuito de sanar alguma dúvida
minha. As gravações de voz em áudio também foram feitas com o dispositivo do gravador do
mesmo aparelho Iphone 8 plus, sendo armazenadas no mesmo HD externo. Para realizar as
gravações de áudio das entrevistas semiestruturadas, ligava o gravador antes de entrar na
dinamicidade das perguntas e o deixava em cima da mesa, no modo avião, para não ser
perturbado com ligações ou com mensagens de redes sociais. Após conversas triviais sobre a
rotina do dia a dia ou sobre o clima, por exemplo, dávamos início a uma conversa na qual eu
introduzia perguntas que havia preparado anteriormente.
Após realizar entrevistas e gravações de vídeo, segundo Vieira-Abrahão (2006), o/a
etnógrafo/a pode voltar ao campo, a fim de promover discussão e reflexão crítica dos/as
entrevistados/as acerca de suas ações, concepções, crenças e processos concernentes à gravação
do vídeo ou da entrevista realizada anteriormente. Em sessões de visionamento reflexivo,
Tannen (1984) explica que comportamentos, relacionamentos e interações verbais e não verbais
podem, portanto, ser ratificadas ou retificadas pelo/a pesquisador/a. Desse modo, esse tipo de
visionamento reflexivo permite que possamos confrontar nossa interpretação de dados com a
dos/as nossos/as colaboradores/as. Belei et al. (2008) explicam que o uso de gravações de vídeo
tem permitido que pesquisadores/as, além de confirmarem ou de refutarem suas análises
72
anteriores, avaliem e reflitam sobre práticas de sala de aula, impactando em reflexões teórico-
metodológicas. Essas sessões reflexivas de visionamento estiveram presentes durante todo o
meu trabalho de campo. Após ouvir ou ver a gravação tanto de áudio quanto de vídeo, precisei
me dirigir, individual ou coletivamente, a alguns/mas colaboradores/as de pesquisa, com o
objetivo de comprovar ou de ressignificar conjuntamente dados em análise, impactando em
novas reflexões, redimensionando a continuidade da geração de dados.
Segundo Melo-Pfeifer (2015, p. 2), a análise de narrativas multimodais permite que
“cores usadas, distribuição de elementos e objetos no papel, presença de adultos, de outros
estudantes e de outras línguas” sejam representadas, revelando sentimentos e autopercepções
dos/as aprendizes sobre suas experiências em contextos discursivos marcados pela língua e pela
cultura, levando-se em consideração textos verbais e não verbais. Ainda de acordo com a autora
(2015, p. 4), “a análise de desenhos é um método relativamente recente na linguística aplicada,
mas já é uma possibilidade heurística promissora no campo do ensino de línguas”, haja vista
que narrativas multimodais estão baseadas em experiências mediadas pela imaginação, pela
fantasia, pela memória, por artefatos culturais e por discursos sociais, formadores de nossas
identidades. Alanen, Kalaja e Dufva (2013) alertam que o trabalho com narrativas multimodais
para o ensino de línguas oferece possibilidades para que estudantes observem, reflitam e
analisem de forma crítica seu processo de aprendizagem, bem como sua responsabilidade
cidadã no mundo em que vivemos. Para gerar os dados do estudo apresentado nesta tese,
portanto, assumo essa identidade do professor que provoca a criticidade de seus/suas estudantes,
preparando aulas temáticas, em conformidade com eixos transversais do Currículo em
Movimento da SEDF (DISTRITO FEDERAL, 2018), a fim de provocar reflexões e
encaminhamentos em direção a uma sociedade mais justa, solidária e inclusiva.
Por compartilhar da ideia de Paiva (2008) de que textos multimodais devem ser
entendidos não apenas como ilustração de textos escritos, uma vez que eles compõem uma rede
ampla de sentidos, utilizo narrativas multimodais em uma perspectiva crítica, a partir de
pressupostos da abordagem sociointeracional (VIGOTSKI, 1998; TOMASELLO, 2003;
LÔPO-RAMOS, 2014), cujo conhecimento é construído durante a interação. Assim sendo, para
gerar dados para este estudo, preparei aulas com as seguintes temáticas:
p. 132) ainda alerta que devemos buscar direcionar nosso olhar às atividades relevantes que vão
ao encontro de nossos objetivos específicos de pesquisa, “dando nomes e classificações” aos
eventos analisados, com vistas a refletirmos sobre os limites de nossos dados, evitando, desse
modo, supergeneralizações analíticas.
Por oportuno, como sinaliza Bicudo (2011), os dados de uma pesquisa qualitativa não
podem ser generalizados e transferidos para outros contextos. O autor (2011, p. 21) defende
que investigações qualitativas “admitem apenas tecerem-se generalidades sustentadas por
articulações efetuadas sucessivamente com os sentidos do que está sendo expresso”. Desse
modo, generalidades permitem que interpretemos características apenas do fenômeno
pesquisado, de modo que contextos diferentes daquele que foi investigado apenas apresente
possibilidades de compreensão.
Em relação à triangulação de dados da pesquisa netnográfica, além da minha
observação participante, princípio desse tipo de pesquisa, como expliquei na seção 1.1, analiso
o modo como pessoas autistas, em um grupo do aplicativo WhatsApp, leem textos multimodais
divulgados em revistas, em organizações e em espaços de pesquisa, acerca do autismo. Sobre a
utilização de textos disponíveis na Internet para fins de pesquisa, Whiteman (2012) destaca que
a relação entre o domínio público e o privado deve ser respeitada pelo/a pesquisador/a, devido
às privacidades que, às vezes, são impostas por essas redes. Por conseguinte, a sistematização
desses textos escolhidos para a análise desta tese foi realizada por meio de publicações em
páginas disponíveis para visita apenas como domínio público.
A fim de sistematizar a geração desses textos para a pesquisa netnográfica, realizada
no período de 2020 a 2021, apresento, no quadro 6, os títulos dos documentos, com seus
respectivos endereços virtuais, datas de publicações dos textos, de acesso e da realização das
atividades, além das perguntas realizadas para a geração de dados.
Quadro 6 – Títulos, endereço virtual do texto multimodal, datas de publicação e de acesso ao texto e perguntas realizadas ao grupo por WhatsApp
Data de Data
Data de Perguntas realizadas por WhatsApp
Títulos Endereço virtual do texto multimodal publicação realização
acesso para a geração de dados
do texto da atividade
i) Quais são as representações do autismo
O que é autismo, das causas https://saude.abril.com.br/mente-saudavel/o-que-
28/11/2019 02/01/2020 14/09/2020 nessa imagem? ii) O que você acha dessa
aos sinais e o tratamento e-autismo-das-causas-aos-sinais-e-o-tratamento/
imagem para representar o autismo?
i) Como o autismo é representado nessa
Terapias ajudam mães a
https://revistaeducacao.com.br/ 30/07/2019 05/01/2020 15/09/2020 imagem? Qual é a sua opinião sobre o uso
enfrentar o autismo
dessa imagem para representar o autismo?
Estudo: A exposição a https://www.coletividade-
i) Qual é a relação dessa imagem com o
pesticidas durante a gravidez evolutiva.com.br/2019/07/estudo-exposicao-
30/07/2019 08/01/2020 16/09/2020 autismo? ii) O que você acha desse tipo de
aumenta o risco de autismo na pesticidas-durante-a-gravidez-aumenta-o-risco-
imagem em relação ao autismo?
criança de-autismo-na-crianca.html
i) Como o autismo é representado nessas
Autismo não é uma https://www.elo7.com.br/autismo-nao-e-uma-
04/12/2019 12/01/2020 17/09/2020 camisetas? ii) Qual é a sua opinião sobre
deficiência/camiseta deficiencia-camiseta/dp/1113634
elas?
Um novo olhar sobre o mundo http://revistaepoca.globo.com/edicoes-
11/06/2007 01/09/2020 18/09/2020
oculto do autismo anteriores/p/26/#
95 perguntas e respostas com i) Quais são as implicações dessas capas
http://costumeiratrasladada.blogspot.com/2015/1
consultorias de especialistas 15/12/2015 01/09/2020 18/09/2020 de revista para representar o autismo? ii)
2/a-revista-ler-saber-da-editora-alto.html
na área O que você pensa sobre essas capas de
O novo olhar do autismo https://veja.abril.com.br/edicoes-veja/2540/ 21/07/2017 01/09/2020 18/09/2020 revistas?
http://www.nuvemdojornaleiro.com.br/Revista/1
Leve, moderado ou grave? 11/01/2020 01/09/2020 18/09/2020
087/leituraeconhecimento/13842861
i) O que você acha da proposta do
https://tudobemserdiferente.wordpress.com/2018/
Dia da aceitação do autismo 02/04/2018 03/09/2020 19/09/2020 cartoon? ii) Que símbolo você prefere
04/02/dia-da-aceitacao-do-autismo/
para representar o autismo e por quê?
i) Que tipo de relação é estabelecida nessa
imagem entre o autismo e o mundo do
https://epocanegocios.globo.com/Carreira/noticia
Dê uma chance aos autistas 13/06/2017 05/09/2020 21/09/2020 trabalho? ii) Qual é a sua opinião sobre se
/2017/06/de-uma-chance-aos-autistas.html
colocar o cérebro como o centro para
representar o autismo?
Sobre a Carteira de
https://www.portalarcos.com.br/noticia/28955/so i) Como o autismo é representado nessa
Identificação da Pessoa com
bre-a-carteira-de-identificacao-da-pessoa-com- 06/02/2020 07/09/2020 23/09/2020 carteira de identificação? ii) O que você
Transtorno do Espectro
transtorno-do-espectro-autista acha dessa carteira?
Autista
Fonte: Elaborado por mim.
77
Visualização de Identificação de
todo o vídeo como Identificação de aspectos
um evento partes do evento organizacionais de
partes do evento
Análise
comparativa de Foco nas ações
instâncias do compartilhadas
corpus da pesquisa entre sujeitos
Erickson (1992) sugere que, no primeiro estágio, o/a pesquisador/a veja todo o vídeo
como um único evento, sem interrupções, comparando a descrição de suas notas de campo à
localização aproximada de onde se encontram ações que lhe despertaram interesse. Em seguida,
o autor (1992) sugere a segunda visualização do vídeo, durante a qual o/a estudioso/a pode
interromper a gravação e voltar a uma parte do evento, a fim de observar com maior precisão a
postura, o direcionamento do olhar, as distâncias entre os/as colaboradores/as do evento, além
de padrões e desvios da organização social. No terceiro estágio, o autor (1992) explica que,
após o/a pesquisador/a identificar e observar partes de um evento, segmentos interacionais de
interesse devem ser analisados, especificando a contribuição relativa de outros sujeitos para a
constituição do evento. Nessa fase, a ênfase deve ser sobre a relação ecológica de influência
mútua de um sujeito em relação ao outro, e não sobre ações isoladas de sujeitos que participam
da mesma cena interacional. O quarto estágio envolve a transcrição da ação verbal e não verbal
que um sujeito exerce sobre o outro, revelando diferenças culturais que podem causar
estranhamentos, subjugamentos, ressignificações ou compartilhamentos de ações interacionais.
Por fim, no quinto estágio, a regularidade de ações interacionais permite que o/a investigador/a
faça comparações analíticas ao longo de sua pesquisa, identificando instâncias típicas e atípicas
da dimensão interacional situada.
Além da análise sociointeracional, multimodal e metafórica que advém de vídeos
gravados de minhas aulas, conto, para a triangulação dos dados deste estudo etnográfico, com
instrumentos típicos da modalidade etnográfica, especificados na seção 1.3 deste capítulo.
Desse modo, foram realizadas, além das gravações em vídeo de minhas aulas e das notas de
campo em observação participante: i) quatro sessões reflexivas de visionamento com as turmas
(duração de 56 minutos); ii) uma sessão reflexiva de visionamento apenas com estudantes
autistas (duração de 42 minutos); e iii) três entrevistas em grupo com as turmas (duração de 91
minutos).
Esta Parte II: Conhecendo o território da jornada tem o objetivo de oferecer suporte
teórico inicial aos capítulos 2, 3 e 4, para que haja a continuação de reflexões, de
problematizações e de análises acerca da interface entre autismo, linguagem e sociedade,
especialmente no que concerne à (co)construção metafórico-multimodal que impacta na
manutenção e na tentativa de desestabilização de estruturas sociais. Cabe salientar que não
tenho a pretensão de esgotar o debate sobre os três eixos mencionados, mas sim de refletir em
relação a pontos de intersecção dessa tríade, tendo como suporte teórico a ADC
(FAIRCLOUGH, 2003, 2006; CHARTERIS-BLACK, 2004, 2006), a metáfora multimodal
(FORCEVILLE, 1988, 1996, 2006, 2009, 2016; SPERANDIO, 2015), a mesclagem metafórica
(FAUCONNIER; TURNER, 2002, 2003, 2008), a SI (TANNEN; WALLAT, 2002 [1987];
GOFFMAN, 1998 [1979]; GUMPERZ, 1998 [1982]), além do corte sociológico sobre os
modos de operacionalização da ideologia (THOMPSON, 2011 [1990]). Assim sendo,
refletimos sobre pontos em que ocorre o possível cruzamento desse referencial teórico proposto.
A ADC17, segundo Resende (2020, p. 571), “não constitui uma teoria ou um método
para o estudo crítico da linguagem na sociedade, mas um corpo heterogêneo de abordagens”,
que, em pesquisas na América Latina, tem se comprometido com o debate de relações entre
discurso e abuso de poder. Inscrita nessa agenda latino-americana, esta tese, ao adotar a
perspectiva faircloughiana de 2006, visa a analisar o modo como instâncias discursivas
(anti)capacitistas impactam na constituição de estruturas sociais que demarcam fronteiras entre
a tipicidade e a atipicidade humana, colaborando para a desestabilização ou para a manutenção
de abuso de poder em um mundo globalizado. Cabe ressaltar que, no modelo de ADC para a
análise social apresentado por Fairclough (2006), há três níveis de abstração que devemos
considerar: eventos sociais, práticas sociais e estruturas sociais. De acordo com o autor (2006),
cada um desses níveis de abstração “tem um momento semiótico que está dialeticamente
relacionado a outros momentos [também semióticos]”. Nesse sentido, “os textos constituem o
17
Magalhães (2005) explica que a tradição de estudos do discurso é forte no Brasil, sendo consolidada por Orlandi
(1999) com a expressão ‘Análise de Discurso’. Por conseguinte, Magalhães (2005) ressalta que prefere adotar o
termo ‘Análise de Discurso Crítica’ ao invés de “Análise Crítica do Discurso’, como tradução do termo em
inglês ‘Critical Discourse Analysis’, em conformidade com a tradição da área de estudos em ‘Análise de Discurso’
em pesquisas brasileiras. Por compartilhar do pensamento de Magalhães (2005), adoto o termo ‘Análise de
Discurso Crítica’ nesta tese, além de entender que meu empreendimento não é realizar análise de forma crítica de
uma vertente de estudos do Discurso, mas sim de analisar discursos de forma crítica.
82
força, contêiner, conhecimento, jogo, construção etc.) podem ser acionados para
conceptualizarmos o mesmo domínio alvo (vida) (LEITÃO et al., 2016). Nos estudos da
metáfora, cabe mencionar que existem agendas e diferentes encaminhamentos teóricos,
metodológicos e analíticos. Nesse sentido, a que movimento metafórico esta tese se inscreve?
Antes de responder a essa pergunta, faço algumas considerações e críticas sobre a
Teoria da Metáfora Conceptual (TMC), que tem contribuído para a realização de estudos que
analisam tanto a dimensão corporificada da linguagem, mediante experiências sensório-
motoras e afetivo-cognitivas (LAKOFF; JOHNSON, 1999), quanto a dimensão e a
variabilidade cultural (KÖVECSES, 2005, 2010), além de “aspectos sociais, culturais e
históricos da experiência coletiva” (SOARES DA SILVA; LEITE, 2016, p. 5). Os estudos da
“primeira geração” da metáfora, de acordo com Deignan (2010, p. 45), normalmente utilizam,
para comprovar a existência de metáforas conceptuais, “dados de entradas de dicionários que,
necessariamente, evitam ambiguidades entre diferentes significados” ou frases
descontextualizadas de determinada cultura. Portanto, a não utilização de corpora autênticos é
criticada por Deignan (2010) e por Schröder (2011), que problematizam acerca da rigidez
teórica e da opacidade analítica dos estudos iniciais da TMC, cujos aspectos dinâmicos e
contextuais da metáfora não são contemplados.
No entanto, com a “segunda geração” dos estudos da metáfora, há uma mudança de
perspectiva da cognição apenas corporizada para a “cognição socialmente situada ou cognição
coletiva, sinérgica ou ainda cognição social ou, por outras palavras, a mudança da noção-chave
de corporização (‘embodiment’) para a noção chave de situacionalidade (‘situatedness’)”
(SOARES DA SILVA; LEITE, 2016, p. 10), o que implica conceber que a metáfora é
constituída de forma cognitiva, cultural e social. Moura, Vereza e Espíndola (2013) explicam
que, a partir dessas inquietações da “segunda geração” dos estudos da metáfora e da
multidimensionalidade do uso da linguagem como prática social, surgem, basicamente, quatro
movimentos que endereçam uma “virada cognitivo-discursiva nos estudos da metáfora”,
explicitados a seguir.
O primeiro movimento, desenvolvido por Deignan (2005) e conhecido como
Linguística de Corpus da Metáfora, tem como objetivo o mapeamento de metáforas empíricas
de textos verbais oral ou escrito, entendidos como discursos autênticos de determinada língua.
No entanto, como explicam Moura, Vereza e Espíndola (2013), esse movimento não leva em
conta o funcionamento discursivo de metáforas linguísticas e nem as possíveis formações de
metáforas conceptuais, dedicando-se mais à identificação e ao mapeamento de metáforas em
uso em determinados contextos socioculturais.
85
18
Por entender que metáforas situadas são construídas pela língua/cultura, adoto o temo ‘socioculturalmente’ a
esse tipo de metáforas.
19
As metáforas superordenadas, de acordo com Lakoff e Johnson (2003 [1980]), estruturam e motivam a
ocorrência de metáforas linguísticas que reproduzem e determinam uma forma específica de se conceptuar o
mundo.
20
Frames são enquadres aos quais nos inscrevemos e resultam da nossa interação com o ambiente ou com o outro.
Esse tema será tratado no capítulo 3.
86
Cabe enfatizar que, como explica Sperandio (2015), apesar de os estudos de Forceville,
em geral, terem impulsionado pesquisas que visem a análises metafóricas presentes em textos
multimodais, a maioria dos trabalhos que têm como objetivo estudar a TMC ainda preferem
investigações textuais nas quais expressões metafóricas se realizam no plano verbal. Desse
modo, Forceville inova ao propor investigações que analisem outros modos que transcendem o
verbal. No entanto, Sperandio (2015) argumenta que, embora a maioria dos trabalhos de
Forceville inove ao vislumbrar pesquisas que transcendem a análise metafórica verbal, os
estudos do autor focalizam apenas metáforas multimodais visuais ou verbo-visuais, dado que o
autor ainda não apresentou interesse em investigar outros domínios metafóricos, “ficando preso
apenas nas ocorrências metafóricas multimodais que possuem cada domínio construído por um
modo semiótico diferente” (SPERANDIO, 2015, p. 5). Diante disso, a autora (2015) propõe o
estudo acerca da sobreposição modal na constituição de cada domínio metafórico, analisando,
dessa forma, não apenas diferentes domínios metafóricos que transcendem o plano textual
verbo-visual, mas também o processo “resultante da sobreposição dos modos verbal, imagético
e da cor na construção de domínios fonte e alvo dessas metáforas” (SPERANDIO, 2015, p. 5).
Além de assumir para esta tese a noção de que a sobreposição modal proposta por
Sperandio (2015) nos auxilia na interpretação de um modo em relação ao outro, também
pressupomos que há uma convergência modal, conjunto de metáforas que se realizam em
planos textuais modais verbais e/ou não verbais para a construção de sentidos, haja vista a
densidade (NORRIS, 2011 [2009], 2013, 2016, 2019) e a dinamicidade de metáforas. Essa
convergência modal, em nosso entendimento, é (co)construída em nichos metafóricos
socioculturalmente situados, impactando, consequentemente, tanto na partilha de metáforas
conceptuais, que estruturam nossas ações em práticas sociais, quanto no desencadeamento de
metáforas conceptuais criativas (GIBBS, 1994), haja vista engajamentos metafóricos
partilhados intersubjetivamente.
Essa densidade, ademais de convergir modalmente, varia de acordo com o contexto
(HANKS, 2017 [2008]; KÖVECSES, 2015; VAN DIJK, 2012 [2011]) no qual o/a ator/atriz
social interage, permitindo-nos fazer interface nesta pesquisa com a proposta de Fauconnier e
Turner (2002, 2003, 2008) em relação à Teoria da Integração Conceptual, entendida como uma
expansão da TMC. Segundo Fauconnier e Turner (2002, 2003, 2008), a integração, mesclagem
ou blending conceptual é uma operação cognitiva em que dois ou mais espaços mentais
(inputs) distintos, que se perspectivam socioculturalmente, partilham de um mesmo frame.
Dito de outra forma, Fauconnier e Turner (2002, 2003, 2008) consideram a partilha de
um mesmo frame como um espaço genérico. Esse espaço está relacionado a valores, a
89
intenções e a emoções que são partilhadas por sujeitos de uma mesma comunidade. Em
contrapartida, os espaços inputs se referem a inscrições discursivas que se articulam
intersubjetivamente. Por fim, como resultado do encontro desses espaços inputs, há a
convergência, em um espaço de mesclagem metafórico, que desencadeia a construção de
sentidos. Assim, o domínio fonte X, usado para compreender o domínio alvo Y na
conceptualização metafórica, junta-se ao domínio Y para gerar algo novo, como podemos
observar na representação a seguir:
socioculturalmente, permitem que novas entradas (inputs) surjam, tendo em vista projeções do
contexto intersubjetivo (VAN DIJK, 2011 [2012]) de produzir e de processar outros domínios
metafóricos em função da convergência modal.
Cabe destacar que, apesar de espaços inputs tradicionalmente lançarem projeções para
a interioridade conceptual da linguagem, ao assumirmos que a metáfora deve incluir critérios
linguísticos, pragmáticos, sociocognitivos e críticos, em conformidade com Resende (2020),
além de sociointeracionais, como advogamos anteriormente, concentramos esforços para
perspectivações metafóricas em direção à análise social (uma espécie de espaço output).
Consequentemente, entendemos que espaços genéricos, espaços inputs e espaços de mesclagem
colaboram para a análise de espaços outputs, que são desdobramentos de demandas
socioculturais. Dito de outra forma, a mesclagem metafórica, em uma perspectiva linguístico-
discursiva sociointeracional e crítica, precisa avançar em relação ao que está sendo mobilizado
no/pelo campo social, a fim de extrapolarmos a visão interiorizada da relação entre corpo e
pensamento.
Ainda de acordo com Fauconnier e Turner (2002), os espaços inputs ativam uma
espécie de compressão, com o intuito de facilitar nosso processamento do espaço genérico e de
não sobrecarregar nossa memória em relação ao tempo, ao espaço, à relação entre causa e efeito,
à intencionalidade, à analogia, à relação metonímica parte-todo etc., desencadeando uma
espécie de espaço sociocultural de integração (mesclagem, blending). Adicionalmente,
Fauconnier e Turner (2008) ampliam a teoria da integração auxiliando-nos no entendimento
metafórico de que existem algumas relações emergentes/periféricas que transcendem a relação
de apenas dois domínios (alvo e fonte). Dessa noção, deriva um processo de composição de
espaços inputs metafóricos, com projeções socioculturais, que coincide com a ideia de Vereza
(2010, 2017) acerca da metáfora socioculturalmente situada, uma vez que tanto espaços inputs
metafóricos (ou com potenciais metafóricos) quanto metáforas situadas convergem em direção
a um processo de integração metafórica.
Desse modo, esta tese visa a articular a análise da sobreposição modal proposta por
Sperandio (2015) com a perspectiva da mesclagem metafórica (FAUCONNIER; TURNER,
2002, 2003, 2008), com o intuito de compreender como diferentes modos se articulam, em
diferentes planos textuais verbais e não verbais, em direção a uma convergência modal
potencialmente capaz de construir sentidos. Portanto, inspirado no trabalho de Fauconnier e
Turner (2002, 2003, 2008) sobre redes de integração, assim como Schröder (2010), entendo ser
necessária a ampliação dessa perspectiva teórica, a fim de sugerirmos análises que interliguem
mesclagens com (co)construções metafóricas da vida cotidiana, como proponho nesta pesquisa
91
por meio da relação entre metáforas situadas (VEREZA, 2010, 2017) socioculturalmente
constituídas como espaços inputs de um espaço genérico que se projeta para um espaço de
mesclagem.
Por oportuno, ressalto que, como preceitua Vereza (2010), nem toda relação entre
domínios alvo e fonte constitui uma metáfora conceptual. Ainda de acordo com a autora (2010),
as metáforas socioculturalmente situadas mantêm uma relação entre domínios alvo e fonte que
subjazem metáforas conceptuais, sustentando que pesquisadores/as precisam estar atentos/as
para não fazerem proposições conceptuais no lugar da situacionalidade metafórica, criando
mapeamentos metafóricos onde a relação é meramente situacional, episódica, deliberada. Por
exemplo, quando dizemos que ‘inclusão é acolhimento’, não podemos apenas estabelecer
relação metafórica na qual inclusão seria o domínio alvo; e acolhimento, o fonte: ambos ligados
pelo verbo ‘ser’. Nessa frase, precisamos entender que inclusão está mais relacionada a
domínios conceptuais da relação entre estar ‘dentro’, da ‘intimidade’ e da ‘proximidade’,
subjacentes ao nicho metafórico que advém da relação entre ‘inclusão’ e ‘acolhimento’.
Por essa razão, tive o cuidado de consultar o MetaNet Metaphor Wiki21, projeto de
repositório que valida metáforas conceptuais e que permite que pesquisadores/as de diversas
partes do mundo proponham novas inserções a serem avaliadas de acordo com novos
mapeamentos, respeitando a variabilidade (inter)cultural, e o Master Metaphor List, de Lakoff,
Espenson e Schwartz (1991), compilação de metáforas a partir de obras acadêmicas e de
eventos científicos. Assim sendo, não descarto que metáforas conceptuais criativas (GIBBS,
1994) surjam ao longo da análise metafórico-multimodal nesta tese, até mesmo porque
desconheço estudos na área da metáfora que investiguem conceptualizações que advêm do
espaço genérico socioculturalmente situado em relação ao autismo.
Entretanto, em consonância com a ideia de Lakoff e Johnson (2003 [1980], p. 114) de
que a metáfora é compreendida na relação entre um domínio que costuma ser mais abstrato
(alvo) e um domínio que tende a ser mais concreto ou físico (fonte) e “que está diretamente
relacionado às nossas experiências”, compartilho da ideia de Vereza (2010) de que devemos
zelar pela emergência deliberada e descuidada da metáfora conceptual, a fim de não cairmos
em armadilhas de conceptualizações que não passam apenas de metáforas socioculturalmente
situadas. De acordo com Vereza (2017, p. 568), a distinção entre metáforas conceptuais e
metáforas socioculturalmente situadas é relevante porque “implica questões sobre a
convencionalidade, a disseminação sociocognitiva e discursiva e o grau de deliberalidade e/ou
21
Disponível em https://metaphor.icsi.berkeley.edu/pub/en/index.php/MetaNet_Metaphor_Wiki. Acesso em: 20
jan. 2020.
92
É nesse sentido que, na Parte II desta tese, além de investigar domínios da metáfora
multimodal (FORCEVILLE, 1988, 1996, 2006; SPERANDIO, 2015) à luz da ADC
(CHARTERIS-BLACK, 2004, 2006; FAIRCLOUGH, 2006), analiso como modos são
mesclados (FAUCONNIER; TURNER, 2002, 2003, 2008) e convergem para a manutenção,
sentido negativo, ou para a desestabilização, sentido crítico, da ideologia (THOMPSON, 2011
[1990]). Para tanto, com o intuito de analisar textos multimodais divulgados em páginas web
de revistas, de organizações e de espaços de pesquisa, todas de domínio público que versam
sobre o autismo, conto com a leitura de pessoas autistas sobre esses textos. Os desdobramentos
da leitura desses textos por pessoas autistas são investigados, a partir de frames e de footings
que emergem na interação, apoiando-me em estudos da SI, em consonância com a inclusão da
perspectiva interacional para a análise social sugerida por Fairclough (2003, 2006). Mas quais
são os pressupostos para a análise interacional que assumimos nesta investigação?
93
A noção de frame foi concebida por Bateson (1998 [1972]) para representar enquadres
nos quais os sujeitos acionavam durante a interação, com o objetivo de alinhamento
interacional. Convém salientar que, apesar de Fillmore (1977) reconhecer esse tipo de frame,
no qual a intenção dos/as interagentes e as rotinas dos eventos de fala compreendem a ação
interacional, esse autor (1977) decide debruçar seus estudos sobre modelos semânticos da
compreensão de sentidos. Ao aprofundar aspectos pragmáticos e interacionais, Gumperz (1998
[1982]) assinala que frames são conceitos relacionais dependentes do contexto (VAN DIJK
2012 [2011]) dos sujeitos interagentes, e não mera sequência de eventos. A ideia de Gumperz
(1998 [1982]) não é negar a existência de frames conceptuais/semânticos, mas de assumir que
o sentido, em frames interacionais, é ampliado, tendo em vista atributos oriundos da interação.
Esse posicionamento em relação a frames interacionais é expandido por Tannen e
Wallat (2002 [1987], p. 122), que compartilham da ideia de que colaboradores/as “não são
emissores e receptores isolados de mensagens”, mas sim agentes cujas “ações e intenções de
significado podem ser entendidas somente com relação ao contexto imediato, incluindo o que
acontece e o que pode sucedê-lo”. Assim, o que acontece no frame interacional nos fornece
pistas sobre quem são os sujeitos interagentes, sobre como se estabelece o estatuto da interação
(simétrica ou assimétrica) e sobre a que pressupostos essa interação se ancora.
Por entendermos que a referenciação que advém do frame cognitivo-semântico
privilegia apenas o acionamento da estrutura do enquadre conceptual, advogamos pela
articulação de diferentes metáforas que emergem, também, por meio da (co)construção de
frames interacionais. Desse modo, defendemos que os estudos sociointeracionais são
compatíveis com o caráter sociocognitivo apresentado por Vereza (2010, 2017), uma vez que
é, em cenas interacionais, que sujeitos constroem sentidos em gêneros discursivos relativamente
estáveis (BAKHTIN, 2010 [1992]), por meio de convenções de contextualização, que são
“pistas de natureza sociolinguística que utilizamos para sinalizar as nossas intenções
comunicativas ou para inferir as intenções conversacionais do interlocutor” (GUMPERZ, 1998
[1982], p. 98).
As pistas de contextualização, de acordo com Gumperz (1998 [1982]), são
constituídas de vários (sub)sistemas de sinais culturalmente estabelecidos, podendo ser
entendidas como: i) pistas linguísticas: alternância de código, de variedade linguística (dialeto)
ou de estilo; ii) pistas paralinguísticas: pausas, tempos de fala, hesitações, influenciados pelas
convenções culturais; iii) pistas prosódicas: entonação, acento, tom, em conformidade com a
convenções culturais; iv) pistas não linguísticas/não vocais: direcionamento do olhar,
distanciamento de interlocutores/as e suas posturas, presença de gestos, proxêmica
94
CAPÍTULO 2
Nós autistas levamos choques por termos nossas características. Nós somos vítimas
de charlatães, que tentam colocar substâncias perigosas no nosso corpo. Nós somos
privados de comida ou somos “adestrados” em terapias para não sermos autistas. Nós
sofremos bullying nas escolas e assédio moral no trabalho. Somos negados à educação
formal, por presunções que as pessoas têm. Nós somos negados em entrevistas de
emprego por causa das nossas características.
Amanda Paschoal
(2019, p. 7)
Belisário Filho e Cunha (2010). De acordo com esses autores (2010), foi somente com os
psiquiatras austríacos Leo Kanner (1943) e Hans Asperger (1944) que a comunidade científica
começou a diferenciar o autismo da esquizofrenia, considerando-se o primeiro grupo como
transtorno que afeta o desenvolvimento global humano e, o segundo grupo, como perturbação,
distúrbio, caracterizado pela perda do contato com a realidade e pela dificuldade de distinção
entre o real e o não real.
Apesar de as investigações sobre o autismo terem começado com os estudos e com as
discussões de Bleuler (1960 [1911]), de Kanner (1943) e de Asperger (1991 [1944]), ressalto
que, evidentemente, pessoas autistas já existiam antes em nossa sociedade. Por serem pessoas
com deficiência, como explica Tilio (2007), eram rotuladas e/ou diagnosticadas como loucas,
incapazes, anormais, bandidas, dementes, retardadas, doentes mentais e endemoninhadas, para
não usar outros termos ainda mais perversos, visando envergonhar “um grupo outsider, por ele
não ficar à altura das normas do grupo superior, por ser anônimo em termos dessas normas”
(ELIAS; SCOTSON, 2000 [1994], p. 27).
Em consequência dessa rotulação nefasta, assim como de minha intenção de discutir,
neste estudo, a interface entre autismo, linguagem e sociedade, à luz da ADC e da SI, apresento
nesta seção reflexões tanto sobre o impacto discursivo das concepções veiculadas pelo Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5, DSM 5 (APA, 2014), e pela Classificação
Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde 11 (CID 11) (OMS,
2018), no que diz respeito ao autismo, além de analisar, por meio de texto multimodal, a
(co)construção metafórico-multimodal que mantém o status quo hegemônico e ideológico em
relação a concepções do autismo.
O DSM 5 (APA, 2014) explica que o autismo “é caracterizado por déficits em dois
domínios centrais: 1) déficits na comunicação social e na interação social e 2) padrões
repetitivos e restritos de comportamento, interesses e atividades” (APA, 2014, p. 809). Ainda
de acordo com o DSM 5, esses domínios permitem que o diagnóstico seja classificado de acordo
com a necessidade de suporte: apoio significativo, apoio muito significativo e apoio quase que
total (APA, 2014). Diferentemente do DSM 4 (APA, 1994), que dividia o Transtorno Global
do Desenvolvimento (TGD) em cinco grupos (Autismo, Síndrome de Rett, Síndrome de
Asperger, Transtorno Desintegrativo da Infância e TGD sem outra especificação), o DSM 5
avança no sentido de eliminar o termo TGD e de conceber o autismo como espectro, que
engloba uma grande variabilidade dessa condição neurodiversa e humana (APA, 2014).
Apesar de o DSM 5 (APA, 2014) nos indicar encaminhamento conceptual em direção
à variabilidade humana da condição autista, a visão de que essas pessoas seguem determinado
97
22
Apesar de entendermos que posts acessíveis têm o intuito de promover a inclusão, cabe ressaltar que sua
descrição possibilita acessibilidade parcial, tendo em vista a complexidade de textos multimodais e o caráter
subjetivo da construção de sentidos.
98
desse frame interacional instigado por Rosa, Eliz o ampliou, em mensagem de áudio, ao
afirmar:
Acrescentando que... é... algumas coisas que a Rosa falou e que eu não tinha me dado
conta, né?, como a parte do azul e de que o menino tá encurvado, MAS também a
parte de que ele não tá prestando atenção o que passa do lado dele é..., DÁ a impressão,
né?... de que o autista é uma pessoa muito no mundo dele, como eles dizem.
Alinhada (GOFFMAN, 1998 [1979]) a Rosa e a Eliz, Catarina explicou que também
percebia “alguns estereótipos na imagem: o azul como cor preponderante, a expressão do garoto
que parece triste”, acrescentando o footing de ele “estar alheio à estrela cadente e sozinho”, ao
qual Locke se alinhou e explicou que “representa a geração índigo, que são tidas, para quem
acredita em temas espirituais, como “pessoas especiais”, o que se associa muito com a analogia
de ‘anjo azul’, mas que são meramente exemplificações da validação pessoal”. Ainda nesse
frame interacional (TANNEN; WALLAT, 2002 [1987]), Locke acrescentou que outro ponto
que lhe chamava a atenção era “sobre o menino, uma figura infantil que representa, de acordo
com uma mensagem que visa dominação por parte dos neurotípicos, um senso comum do que
poderia ser o autista, como se a pessoa autista não crescesse e não vivesse em sociedade”. Esse
footing alertado por Locke foi ratificado por Catarina: “É, lendo agora eu concordo que o fato
de ser uma criança e não um adulto é parte dos estereótipos (...) Como se a gente não ‘crescesse’
e continuássemos sempre crianças, sempre dependentes”.
De acordo com a ratificação e com o acréscimo de footings (GOFFMAN, 1998 [1979])
ao frame interacional (TANNEN; WALLAT, 2002 [1987]) analisado, cabe destacar que a
dimensão contextual da emergência (HANKS, 2017 [2008]) é estabelecida tanto pela situação
(co-presença intersubjetiva dos/as colaboradores/as de pesquisa, ainda que, de forma
assíncrona, em um grupo de WhatsApp), quanto pelo cenário (co-engajamento dos/as
interagentes pelo frame interacional analisado) e pelo campos demonstrativo e simbólico
(análise do texto da figura 4 posto no aqui-agora, como podemos observar na localização
estabelecida por Catarina com o dêitico ‘agora’, quando ela diz “É, lendo agora eu concordo
que...”). Essa dimensão da emergência (nível micro) atravessa a incorporação contextual
(HANKS, 2017 [2008]) de campos sociais (nível macro), haja vista que posições (‘parece
inferir tristeza’, ‘eu não tinha me dado conta’, ‘para quem acredita em temas espirituais’, ‘eu
concordo que o fato de ser uma criança...’) e valores (‘forte referência à visão masculina do
autismo’, ‘o azul como cor preponderante’, ‘pessoas especiais’, ‘anjo azul’, ‘figura infantil’)
são encaixados em diversos footings. Por meio dessa dimensão do encaixe, viabilizada pela
99
23
As metáforas socioculturalmente situadas desta tese, que subjazem as metáforas conceptuais grafadas em caixa
alta, estão com aspas angulares, seguindo convenções de estudos na área da metáfora.
24
Partindo da premissa de que os signos linguísticos são, em nossa concepção, sempre arbitrários e de que se
integram semioticamente com a iconicidade totalmente motivada e com outros signos, e por entender que as
metáforas advêm de nossa experienciação, considero que toda semiose é motivada de forma icônica e
experienciada metaforicamente, assim como toda metáfora é, de forma arbitrária, motivada iconicamente pela
semiose. Por conseguinte, ao atribuirmos sentidos da linguagem em uso (pragmática), toda semiose é metafórica,
bem como toda metáfora é uma semiose que, articulando-se com outras metáforas-multimodais, constroem
sentidos, formando uma rede complexa e simbiótica na partilha entre diversas metáforas e outras semioses.
100
representado na figura do garoto sozinho, há um contorno da cor azul ao redor do seu corpo,
que se harmoniza com o azul escuro da noite e com o planeta azul claro no qual o garoto vive
triste e sozinho, como consequência do domínio fonte ‘estar fora’. Esse tipo de harmonização,
no entanto, tende a atribuir a concepção do autismo a uma condição infantil do gênero
masculino, consolidando pesquisas que indicam haver maior prevalência do autismo sobre esse
gênero, como discutiremos na seção 2.4 deste capítulo. Esse encaminhamento discursivo omite
ou silencia a manifestação do espectro em outras configurações (autismo feminino, transgênero
ou adulto, por exemplo), coincidindo com uma configuração modal que conduz a estereótipos
capacitistas em relação ao gênero e à idade da pessoa autista.
Ao conceber o autismo dessa forma, percebemos que esse texto multimodal da
reportagem Revista Saúde, que tem como objetivo promover informações sobre saúde e bem-
estar, não se alinhou à variabilidade que prevê a noção do espectro autista e preferiu manter a
visão estereotipada de que pessoas autistas vivem em outro planeta e não interagem. Além de
usar da estratégia de padronização da condição autista, operacionalizada pela unificação da
ideologia, determinando como são as pessoas autistas, esse tipo de texto (figura 4) usa a
estratégia de diferenciação do outro, operacionalizada pela fragmentação, em conformidade
com pressupostos de Thompson (2011 [1990]), uma vez que estabelece a divisão entre pessoas
neurotípicas e neuroatípicas. As mobilizações dessas estratégias ideológicas estabelecem e
sustentam relações de dominação, e contribuem para a produção, a reprodução, a distribuição e
o consumo da padronização da condição humana do outro, orientando nossa atuação no campo
social e ratificando a relação patologizante entre autismo e transtorno, como ocorre no DSM 5
(APA, 2014).
Por conseguinte, textos midiáticos, como pudemos analisar por meio da figura 4, ainda
não contemplam essa nova perspectiva (a do espectro) apresentada no DSM 5 (APA, 2014). A
propósito, a CID 11 (OMS, 2018) também sofreu alterações em relação à classificação da CID
10 (OMS, 1997), em consonância com a noção de amplitude que advém do termo espectro.
Entendendo a variabilidade da condição autista, a CID 11 (OMS, 2018) apresentou subdivisões
do autismo, relacionando-o à ausência ou à presença de i) prejuízos na linguagem funcional; e
ii) de deficiência intelectual.
Esse tipo de classificação, preferida por médicos/as no Brasil, tem a intenção de
facilitar o diagnóstico e de simplificar o acesso a serviços de saúde. Certamente, essa
classificação ampliou o modelo da CID 10 (OMS, 1997), que apresentava especificidades
101
25
A CID 10 (OMS, 1997) subdividia os transtornos globais do desenvolvimento em autismo infantil, autismo
atípico, síndrome de Rett, outro transtorno desintegrativo da infância, transtorno com hipercinesia associada a
retardo mental e a movimentos estereotipados, síndrome de Asperger, outros transtornos globais do
desenvolvimento e transtornos globais não especificados do desenvolvimento.
26
TEA é a sigla para Transtorno do Espectro Autista, utilizada pelo modelo médico e adotada pela legislação
brasileira. Nesta tese, decidi não utilizar a sigla devido ao efeito patológico que a palavra ‘transtorno’ carrega, uma
vez que entendo o autismo como parte da identidade de pessoas autistas.
27
As escalas ATA e M-CHAT foram validadas e traduzidas ao português brasileiro. Esta por Losapio e Pondé
(2008), e aquela por Assumpção et al. (1999).
102
educacionais para que não fiquem à mercê de recomendações de diagnósticos médicos para
fazerem adaptações curriculares, pedagógicas e de suporte necessárias.
O fato de a CID 11 classificar o autismo como sendo com ou sem deficiência
intelectual e com ou sem manifestação de linguagem funcional (OMS, 2018) é um avanço
porque concebe o autismo como espectro e simplifica a CID. No entanto, como linguista,
considero problemática a concepção de linguagem funcional para o diagnóstico adotada pela
CID 11 (OMS, 2018). Ao analisarmos as escalas de triagem ATA e M-CHAT, por exemplo,
percebemos que o item XVI da ATA, e o item 21 do M-CHAT, afasta qualquer forma de
comunicação alternativa ou aumentativa e enquadra pessoas autistas que apresentam mutismo,
stims vocais, entonação variante, ecolalia ou dificuldade de compreensão do que outras pessoas
dizem, como ausência ou prejuízo de linguagem funcional, não considerando,
consequentemente, a linguagem funcional que se estabelece por outras instâncias semióticas
que transcendem o plano verbal da fala, como os gestos, o olhar, o toque, a interação por textos
verbais e não verbais, além de outros recursos tecnológicos.
Essas escalas, ao invés de privilegiarem questões interacionais, têm como meta a
comunicação ancorada na transmissão e na recepção da mensagem verbal, não concebendo
outras formas de se construírem textos que transcendam o plano verbal. Como questões
interacionais ficam marginalizadas pelo misto de incômodo da inadequação do processo
comunicacional, de carência na formação profissional e até mesmo de capacitismo, outras
formas de comunicação alternativa e aumentativa, bem como semioses advindas dos gestos, da
intensidade dos movimentos, dos stims, da projeção do olhar, dos barulhos vocálicos, da
respiração, entre outras, também não são consideradas durante o processo de construção
conjunta de sentidos.
2.2 Culpabiliza é a mãe, então se você tomar isso, fizer isso, você vai ter filho autista
28
De acordo com Roudinesco e Plon (1998, p. 46), o termo foi proposto por Sigmund Freud para “designar um
comportamento sexual de tipo infantil, em virtude do qual o sujeito encontra prazer unicamente com seu próprio
corpo, sem recorrer a qualquer objeto externo”.
104
autistas possam se machucar e/ou agredir fisicamente a outras pessoas, ou ainda para que
desenvolvam habilidades que promovam autonomia.
Não obstante, como ativista, linguista e irmão de pessoa autista, refuto o uso de
medicamentos entorpecedores e os paralisadores de stims, bem como o uso abusivo de terapias
condicionadoras do comportamento, que buscam adequar a condição humana autista à
neurotípica (não autista), que não procuram saber como a pessoa autista se sente em relação à
ingestão de medicamentos ou à proposta terapêutica e que não oportunizam a manifestação de
diferentes semioses que se articulam no processo interacional de construção de sentidos.
Ainda em relação às causas do autismo, convém ressaltar que constantemente surgem
estudos que alertam sobre o aumento do risco do que consideram como epidemia de um
transtorno, como alerta Werner (2012). Para citar alguns exemplos, destaco os seguintes
estudos: Black, Prempeh e Baxter (1998), que argumentam ser a vacina Tríplice-viral a causa
do autismo; Christie et al. (2007), que defendem que morar perto de uma rodovia pode
contribuir para o risco de autismo; Celestino-Soper et al. (2011), que sugerem a prevenção do
autismo pelo uso de vitaminas pré-natais; Megremi (2013), que associa febres durante a
gestação a autismo; Cheslack-Postava et al. (2014), que correlacionam o aumento de casos do
autismo a uma gravidez imediatamente após a outra ou a uma gravidez muito distante da outra;
Li et al. (2016), que argumentam estarem a obesidade e a diabetes de mães relacionadas ao
nascimento de crianças autistas; e Oliveira (2017), que propõe relação entre o autismo e a
ingestão de alimentos geneticamente modificados por mães durante a gravidez. Mas qual é o
impacto desse tipo de divulgação de pesquisa em nossa sociedade de acordo com pessoas
autistas?
Para responder a essa pergunta, apresento, na figura 5, texto multimodal da revista on-
line Coletiva Evolutiva, publicada em agosto de 2019, que traz como título A exposição a
pesticidas durante a gravidez aumenta o risco de autismo na criança, para que analisemos,
juntamente com pessoas autistas, a (co)construção metafórico-multimodal, além do
engendramento desse tipo de texto para a manutenção de espaços de expurgo do autismo.
105
Fonte: https://www.coletividade-evolutiva.com.br/2019/07/estudo-exposicao-pesticidas-durante-a-
gravidez-aumenta-o-risco-de-autismo-na-crianca.html, de 30/07/2019. Acesso em: 08 jan. 2020.
#Postacessível da figura 5. Imagem com três perspectivas, em uma espécie de montagem. Na primeira,
aparece um avião amarelo soltando fumaça branca sobre uma plantação. Na segunda, aparecem frutas, verduras e
legumes em um contêiner, além de um homem despejando frutas com um balde nesse contêiner. Na terceira, à
esquerda do contêiner, há a metade de uma placa grande de fundo amarelo com uma caveira de crânio negra e dois
ossos longos também negros, intercruzando-se por detrás dela e, à direita do contêiner, aparece essa mesma placa
de caveira, porém seu fundo é cinza e o desenho do crânio e dos ossos longos estão na cor branca.
Como alertou a colaboradora de pesquisa Catarina sobre matérias de sites como green
med info, essas pesquisas, que têm como objetivo fazer mapeamento sobre possíveis causas do
autismo, costumam se basear em registros médicos para buscarem algo em comum entre
crianças autistas e poderem lançar suas hipóteses relacionando, por exemplo, a ingestão de
agrotóxicos por mulheres durante a gestação e a consequência do nascimento de filhos/as
autistas. Com esse exemplo, não estou defendendo o consumo de produtos com pesticidas, já
que o ideal seria que todas as pessoas tivessem condições de consumir produtos orgânicos, mas
sim alertando sobre o impacto social dessa prática na maternidade, uma vez que a culpa da
concepção de crianças autistas recai sobre mães que não evitaram comer alimentos
geneticamente modificados, ou, como explicitei anteriormente, que moravam perto de uma
rodovia, que tiveram uma gravidez muito próxima ou bastante distante da outra, que não
tomaram certas vitaminas, que tiveram febre durante o período pré-natal e tomaram
paracetamol, que tomaram ou deixaram de tomar vacinas.
Assim sendo, as práticas sociais desses estudos nutrem estruturas sociais
(FAIRCLOUGH, 2003, 2006) de que é responsabilidade de mulheres o bem-estar, o cuidado e
a saúde de seus/suas filhos/as, operacionalizando, inclusive, a estratégia de padronização da
unificação da tipicidade humana (THOMPSON, 2011 [1990]). Tal estratégia visa a incorporar
grupos subordinados (nesse caso, pessoas autistas), eliminando sua condição desde a gravidez,
entendida como perigosa, de acordo com a análise do frame interacional (TANNEN;
WALLAT, 2002 [1987]) em relação ao texto da figura 5. Desse modo, a forma como essas
pesquisas são conduzidas precisa ser repensada, pois culpabilizam mães pela geração de um/a
filho/a que não é desejado/a pela sociedade, além de fortalecerem o capacitismo, que privilegia
a tipicidade de corpos biopsicossociais, e a manutenção da cultura machista, misógina e, mais
ainda, de uma masculinidade tóxica estrutural. Investigações que considerem o fator
hereditário, bem como estudos que analisam o impacto social em relação à condição autista,
sob o qual se alinha esta tese, precisam ser mais divulgadas na academia e em veículos
midiáticos, a fim de se promover a aceitação do autismo, e diminuir, consequentemente, a
desigualdade social e o capacitismo estrutural.
Portanto, não apoio abordagens que visem à cura do autismo, por tratá-lo como
enfermidade. Da mesma forma, não compactuo com o uso de fármacos a todos os casos de
autismo (por inviabilizarem a manifestação de sua condição humana), nem com pesquisas que
culpabilizam a condição pré-natal da mulher, tampouco com terapias que buscam condicionar
e enquadrar autistas em uma sociedade injuntivamante não autista, contribuindo para a
marginalização desses sujeitos. Para mim, não são autistas que precisam ser curados/as e
109
2.3 Eu me sinto ofendida com essa coisa de que autismo não é deficiência
Nesse ponto, cabe-nos fazer algumas perguntas: Onde estão localizadas, em pessoas
autistas, suas regiões cerebrais diferenciadas?; Como essas regiões afetam a organização e o
funcionamento de múltiplas semioses advindas da linguagem verbal e não verbal?; e Que lugar
pessoas autistas ocupam socioculturalmente frente à neurodiversidade?.
De acordo com Lent (2010), há duas áreas cerebrais que estão relacionadas à fala: o
hemisfério esquerdo, ocupando uma face lateral do lobo frontal, e a região cortical posterior,
localizada também no lado esquerdo do cérebro. Essas regiões cerebrais estão relativamente
próximas e são responsáveis por diferentes funções. Segundo o autor (2010), quando uma
pessoa sofre acidente vascular cerebral e apresenta dificuldades de falar ou restrição de seu
plano verbal a poucas sílabas ou a palavras curtas (afasia de Broca), a lesão ocorre sobre a
região lateral inferior do lobo frontal esquerdo. No entanto, quando atinge a região posterior do
lado esquerdo do cérebro, ocorre a afasia de compreensão (afasia de Wernicke), na qual o
sujeito “não parece compreender bem o que lhe é dito. Não só emite respostas verbais sem
sentido, como também falha em indicar com gestos que possa ter compreendido o que lhe foi
dito” (LENT, 2010, p. 696).
Além das afasias de Broca e de Wernicke, Bear, Connors e Paradiso (2008, p. 626)
ressaltam que “Wernicke mostrou que seu modelo de processamento de linguagem podia
predizer que uma [outra] forma de afasia resultaria de uma lesão que desconectasse a área de
Wernicke da área de Broca, mantendo ambas as áreas intactas”, recebendo o nome de afasia de
condução. Nessa afasia, a compreensão e a fala são preservadas, porém há a dificuldade em
repetir palavras. Muszkat e Mello (2009) também ressaltam outras manifestações de distúrbios
da linguagem localizados no hemisfério esquerdo do cérebro: a afasia transcortical, que
dificulta a elaboração e a organização de respostas longas; a afasia anômica, na qual a pessoa
apresenta dificuldade para nomear objetos, pessoas, locais ou acontecimentos; e a afasia mista,
em que a ecolalia (repetição de palavras) é a única habilidade preservada da linguagem verbal.
Conhecer essas afasias que afetam a linguagem verbal e a não verbal nos ajudam a
compreender o processo cerebral pelo qual pessoas autistas podem passar, já que, como afirma
111
Luria (1987), nosso sistema cognitivo, além de ser organizado por práticas sociais e por fatores
ambientais, às quais incluo questões (inter)subjetivas, também é influenciado por conexões
neuronais. Desse modo, há pessoas autistas que falam, que entendem figuras de linguagem, que
contam piadas e que são ativistas. Por outro lado, há pessoas que parecem não entender o que
lhes dizemos, que têm dificuldades de fazer nomeações, de expressar-se verbalmente ou por
meio de expressões faciais, ou que apresentam ecolalia.
Em outras palavras, há pessoas autistas que podem ter tais áreas cerebrais afetadas
(afasias de Broca, de Wernicke, de condução, transcortical, anômica e mista) como condição
adversa, o que significa que não há um padrão estereotipado da pessoa autista, mas sim uma
diversidade que tem início em questões neurobiológicas e que são intensificadas devido a
desdobramentos socioculturais e intersubjetivos. Em suma, pessoas autistas, assim como outras
neurodivergências, assumem distintos lugares no escopo da neurodiversidade.
Conforme mencionado anteriormente, estudiosos/as acreditam que a intervenção
precoce tem ajudado na reconstituição da plasticidade neuronal de crianças autistas. No entanto,
quando essa intervenção não ocorre de forma prévia, a atuação de equipe multiprofissional
(médicos/as, fonoaudiólogos/as, terapeutas ocupacionais, psicopedagogos/as, entre outros/as
profissionais), assim como o engajamento de pessoas autistas em comunidades que se
autodenominam neurodiversas, assume papel relevante para o desenvolvimento cognitivo,
afetivo e social desses sujeitos. Mas o que significa ser neurodiverso/a?
O termo neurodiversidade foi usado pela primeira vez pela socióloga autista Judy
Singer (1999), com o objetivo de destacar que uma “conexão neurológica atípica” não é uma
enfermidade, mas sim uma diferença neurológica de neuroatípicos/as. Por conseguinte,
procurar uma cura para o autismo seria concebê-lo como doença e não como “nova categoria
de diferença humana” (SINGER, 1999, p. 63). De acordo com Ortega (2008), a
neurodiversidade trata-se de uma diferença humana que deve ser respeitada da mesma forma
que outras condições que também nos diferem como seres humanos, tais como sexo, orientação
sexual, questões étnico-raciais, entre outras. Nas palavras do autor,
29
Para citar alguns grupos, destaco o trabalho realizado pela Associação Brasileira para Ação por Direitos das
Pessoas Autistas (Abraça), pela Liga dos Autistas, pelo Autísticos, pela Consciência Autista, pela Primavera
Autista e pelo Espectro Autista Brasil.
30
Essa reportagem foi acessada na íntegra em 28 de dezembro de 2019, no seguinte endereço virtual:
http://pioneiro.clicrbs.com.br/rs/geral/cidades/noticia/2018/09/o-futuro-do-autismo-e-o-fim-do-autismo-projeta-
neurocientista-10585090.html.
113
dezembro de 2006 e promulgada pelo Brasil em 25 de agosto de 2009, com a Lei n. 12.764
(BRASIL, 2012), sancionada em 27 de dezembro de 2012, que institui a política nacional de
proteção dos direitos da pessoa com TEA, e com a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) (BRASIL,
2015a), sancionada em 6 de julho de 2015. De acordo com o item e do Preâmbulo da CDPD
(BRASIL, 2009 [2007]),
A Lei n. 12.764 (BRASIL, 2012), em seu artigo primeiro, inciso II, parágrafo 2, afirma
que “A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para
todos os efeitos legais”. Ressalto que, como analista de discurso e linguista, meu alinhamento
em relação à CDPD (BRASIL, 2009 [2007]) e às leis não definem meu posicionamento apenas
por serem legislações, mas por terem sido construídas juntamente com o movimento social de
pessoas com deficiência e por trazerem à sociedade o debate sobre barreiras que, como explica
o inciso IV do artigo 3º da LBI (BRASIL, 2015a), consiste em
Essas barreiras, ainda de acordo com a LBI (BRASIL, 2015a), podem ser do tipo
urbanísticas, arquitetônicas, atitudinais, tecnológicas, nos transportes, na comunicação e na
informação. Desse modo, pessoas autistas são deficientes porque existem barreiras que
impedem sua plena e efetiva participação na sociedade, necessitando, em maior ou menor
medida, de apoio e de adaptações para poderem ter uma vida mais independente e autônoma.
Embora movimentos alinhados com a perspectiva do autismo à luz da neurodiversidade
costumem fazer trabalhos de conscientização e de aceitação da pessoa autista, bem como de sua
deficiência, existem manifestações contrárias a essa noção de deficiência.
No texto multimodal da figura 6, publicado na página web de venda e compra elo7,
em dezembro de 2019, há a comercialização de camisetas nas cores preta e azul que não
entendem o autismo como uma deficiência, mas sim como uma habilidade diferente. Ao grupo
de WhatsApp formado por pessoas autistas do estudo netnográfico desta tese, levei o texto da
figura 6 para entender o impacto da comercialização desse evento social (FAIRCLOUGH,
2003, 2006), como podemos observar a seguir.
114
#Postacessível da figura 6. Imagens de camisetas nas cores preta e azul. No meio da imagem, aparece
o corpo de quatro caveiras na horizontal. Entre as duas primeiras caveiras e a quarta, que são brancas, aparece uma
caveira nas cores vermelho, amarelo, azul e verde (com o tronco e com as pernas para baixo, estendendo seus
braços em direção à diagonal direita). As caveiras brancas estão de pé, e se posicionam de forma ereta e olhando
para frente. Acima dessa imagem, aparece a frase ‘Autismo não é uma deficiência’ e, abaixo, a complementação
da frase anterior: ‘É uma habilidade diferente’.
Rosa: O autismo está representado como algo colorido, alegre, com uma postura
diferenciada do convencional. Não creio que representar autistas como figuras extra
excepcionais também seja o caminho para acabar com os estereótipos que giram em
torno do autismo. Autistas são humanos como quaisquer outros. Todo mundo é
passível de qualidades e defeitos.
Eu: Essa habilidade diferente expressa na camiseta parece ser algo extraordinário
mesmo...
Rosa: Colocaram cores e uma postura diferente, mais alegre, somente no esqueleto
autista.
Eu: Como se pessoas típicas não fossem diferentes também, né?
Rosa: Sim. Ou como se pessoas em geral não pudessem ser legais também. Acho
muito complicado colocar um seguimento social como melhor ou pior que outros.
115
No evento social apresentado por meio do diálogo entre mim e Rosa, é possível
perceber nosso co-engajamento nesse cenário contextual, com o intuito de discutirmos sobre o
campo social (HANKS, 2017 [2008]) pelo qual valores circulam e se encaixam, mediado por
alinhamentos interacionais (GOFFMAN, 1998 [1979]). Quando eu me alinhei (“Essa
habilidade diferente expressa na camiseta parece ser algo extraordinário mesmo...”) ao que
Rosa estava falando em relação ao entendimento de que o autismo é representado como ‘uma
postura diferenciada do convencional’, como ‘extra excepcional’, por exemplo, ela associou as
cores e a postura diferentes do esqueleto autista a uma dimensão do campo simbólico (HANKS,
2017 [2008]) de ações de agentes (‘Colocaram cores...’) que legitimam representações
(FAIRCLOUGH, 2003, 2006) de que pessoas autistas são alegres, como se fossem melhores
do que outras humanidades.
Alinhada (GOFFMAN, 1998 [1979]) ao frame interacional (TANNEN; WALLAT,
2002 [1987]) de que o autismo é representado como algo alegre, Eliz relatou em mensagem de
áudio: “É, é como a Rosa disse, né? Ele é representado de uma forma alegre...”. Em seguida,
modificando o alinhamento desse frame interacional, Eliz projetou o seu “eu” na relação do
discurso em construção, e confessou: “Agora, ai gente, eu tenho..., agora vocês imaginam... o
que que seria eu ouvir isso... É muito horrível, não é uma deficiência (pausa emocionada) ... Ai
gente, eu sinto muito mal estar, eu me sinto ofendida com essa coisa de que autismo não é
deficiência...”. Nesse relato de Eliz, além do campo simbólico do dêitico “eu” (‘eu tenho’, ‘eu
ouvir isso’, ‘eu sinto muito mal’, ‘eu me sinto ofendida’), que é atravessado pela prática social
(FAIRCLOUGH, 2003, 2006) do modo como discursos são representados e identificados, há
atuação da dimensão do campo demonstrativo (HANKS, 2017 [2008]), haja vista as pistas
paralinguísticas (GUMPERZ, 1998 [1982]) que advêm de pausas e de hesitações emocionadas
(‘não é uma deficiência...’).
Após esse depoimento de Eliz, solidário ao mal estar que ela sentia, respondi: “Eliz,
querida! Dizer que autismo não é uma deficiência causa mal estar mesmo ”. Em seguida,
acrescentei: “Tem um pessoal que diz que o termo deficiência é pejorativo, que traz a ideia de
inferioridade, de deficit, de menos, vocês já viram isso?”. A essa pergunta, Rosa alinhou-se de
forma colaborativa e comentou: “Eu já vi. Há pessoas que até evitam falar a palavra”.
Ratificando o alinhamento (GOFFMAN, 1998 [1979]) de Rosa, Eliz disse: “Sim. Em geral, são
as pessoas que gostam de usar o termo especial. Às vezes encontro e brigo com elas pela
internet”.
116
31
Agradeço imensamente a iluminação deste pensamento ao meu orientador Rodrigo Albuquerque, que não mediu
esforços para me ajudar no processo de análise de toda esta tese.
117
2010, 2017) tanto no plano verbal – Autismo não é uma deficiência, Autismo é uma habilidade
diferente –, quanto no não verbal – Autismo é comportamento diferenciado do convencional,
Autismo é alegria.
Essas metáforas situadas, entendidas por mim como espaços inputs do espaço genérico
(FAUCONNIER; TURNER, 2002, 2003, 2008) ‘autismo’, sobrepostas modalmente
(SPERANDIO, 2015) pelo tipo de fonte e por suas cores, convergem para o espaço mesclagem
que subjaz a metáfora conceptual CONDIÇÃO HUMANA É ESPAÇO AMPLO DIVERSO.
Nesse domínio fonte do ‘espaço amplo diverso’, no entanto, o autismo é considerado como
condição “extra excepcional” ou como estado de “alegria” que não reconhece a humanidade de
pessoas passíveis de “qualidades e defeitos”, como explicou Rosa. Esse estado “extra
excepcional” e de “alegria” da pessoa diferente, em oposição ao entendimento de que o autismo
é uma deficiência, perspectiva a noção metafórica socioculturalmente situada de que
‘Deficiência é menos’, que subjaz a metáfora MENOS É PARA BAIXO32, indo de encontro à
noção do modelo social de deficiência, em conformidade com a CDPD (BRASIL, 2009 [2007]).
A metáfora para o termo deficiência em relação ao autismo, de acordo com o modelo
social de deficiência, ao qual esta pesquisa se alinha, estaria em conformidade com a metáfora
conceptual criativa (GIBBS, 1994) DEFICIÊNCIA É BARREIRAS. No mapeamento desse
domínio fonte ‘barreiras’, estão os obstáculos urbanísticos, os empecilhos arquitetônicos e
tecnológicos, os bloqueios atitudinais e as adversidades nos transportes, na comunicação e na
informação. Destaco que esse encaminhamento metafórico discursivo de que deficiência são
barreiras não descarta que pessoas autistas possuam habilidades diferentes. Portanto, o modelo
social de deficiência vai contra a ideia de que ser deficiente seria algo negativo ou inferior pelo
fato de pessoas com deficiência precisarem de apoio e de suporte de forma contínua.
Em conformidade com a representação do esqueleto autista, que se movimenta de
forma diferente dos esqueletos brancos, há uma pressuposição de que ele não é deficiente,
possuindo uma habilidade diferente, desencadeando as metáforas socioculturalmente situadas
citadas anteriormente (Autismo não é uma deficiência, Autismo é uma habilidade diferente,
Autismo é comportamento diferenciado do convencional, Autismo é alegria). Cabe destacar a
existência de uma vagueza nessas metáforas socioculturalmente situadas, pois sinalizam que
pessoas autistas possuem habilidades diferentes e que não são pessoas com deficiência. Afinal,
que habilidade diferente é essa? Qual é o problema em se ter uma habilidade diferente? Por que
negar a deficiência da pessoa autista?
32
Tradução da metáfora LESS IS DOWN, disponível no repositório do MetaNet Metaphor Wiki (on-line).
118
À vista disso, é como se fosse um tabu, um problema, o fato de se ter uma habilidade
diferente e, consequentemente, de ser uma pessoa autista. Além disso, essas metáforas
socioculturalmente situadas desconsideram que pessoas autistas são deficientes porque não
concebem a existência de barreiras que impossibilitam sua plena e efetiva participação na
sociedade, focalizando apenas a diferença. A propósito, é pela diferença que nos tornamos
humanos tão parecidos/as e tão singulares ao mesmo tempo, haja vista que nossas experiências
contextuais intersubjetivas (VAN DIJK, 2012 [2011]) (co)constroem os textos que somos ao
longo de nossas vidas.
Esse tipo de propagação do autismo, estampada em uma camiseta, com base na
metáfora conceptual MENOS É PARA BAIXO, operacionaliza a estratégia de substituição da
categoria dissimulação (THOMPSON, 2011 [1990]), desviando nossa atenção em relação a
processos de luta e de engajamento de movimentos sociais a favor de pessoas com deficiência
em conformidade com o modelo social de deficiência. Logo, o consumo e a distribuição de
textos que preveem que pessoas autistas não são deficientes visa à invisibilidade de barreiras,
de dificuldades e de limitações de acessibilidade em diversos âmbitos (arquitetônicos,
tecnológicos, mercado de trabalho, cotas para ingressar em universidades e em serviços
públicos, entre outras), aumentando, consequentemente, processos de assimetria e de exclusão
(sócio)interacional e impactando, por sua vez, na manutenção de estruturas sociais
(FAIRCLOUGH, 2003, 2006) capacitistas.
Vale ainda lembrar que não entender o autismo como deficiência e considerá-lo apenas
como habilidade diferente, além de negar barreiras, encaminha pessoas autistas ao modo
operandis de pessoas neurotípicas, haja vista que todos/as nós, de certo modo, possuímos
habilidades diferentes e somos diversos/as uns/mas dos/as outros/as. A obsessão pela
neurotipicidade, como explica a socióloga Singer (1999), é intolerante, conformista,
dominadora e enfermiça.
Precisamos, nesse sentido, combater relações assimétricas de poder que disseminam e
perpetuam a superioridade da neurotipicidade frente à neurodiversidade. É exatamente essa
hegemonia de dominação que busco problematizar neste estudo, com vistas a alertar a
comunidade acadêmica sobre processos de naturalização da neurotipicidade, e a fortalecer
movimentos nacionais e internacionais para que, juntos/as, lutemos contra o capacitismo e
advoguemos pelo respeito à atipicidade e, inclusive, pela equiparação diagnóstica do espectro
em relação ao gênero, tema discutido na próxima seção.
119
2.4 Parece que ser branco e menino é um pré-requisito pra ser autista
maior. Por outro lado, o cérebro das mulheres tem mais habilidades para lidar com questões
relacionadas à emoção, à empatia e aos sentimentos de forma geral, já que o cérebro feminino
não mecaniza tanto seu/sua interagente como ocorre com o cérebro masculinizado. Nesse
sentido, Nobili et al. (2018) concluíram que homens transgêneros tinham mais traços autistas
clinicamente significativos se comparados com outros grupos transgêneros, corroborando com
a hipótese de Baron-Cohen (2002, 2006) da masculinização do cérebro feminino autista.
Cabe destacar que estudos ancorados nessa perspectiva do cérebro autista
masculinizado se baseiam em explicações biológicas que tentam definir o gênero pelo
funcionamento do tamanho da massa cerebral. Em contraposição a essa visão do gênero
naturalizado e “biologizado”, cabe destacar que, conforme explica a pesquisadora Lauretis
(1994, p. 212),
Figura 7 – Capas das revistas Época, Ler e Saber, Veja e Leitura e Conhecimento
#Postacessível da figura 7. Imagens de quatro capas de revistas. A primeira é a capa da revista Época,
publicada em 11 de junho de 2007, que expõe a imagem de uma criança branca de cabelos lisos e negros e de olhos
escuros, sorrindo e olhando para o leitor da imagem. Abaixo dessa imagem, aparece a chamada da revista: Um
novo olhar sobre o mundo oculto do autismo. A segunda capa, publicada em 15 de dezembro de 2015, é da revista
Ler & Saber, na qual aparece um garoto branco com cabelo loiro e liso, apoiado sobre uma espécie de banco e
olhando para o horizonte. Entre outras chamadas para a revista, aparece a seguinte pergunta: Eles vivem em um
mundo paralelo? A terceira capa, publicada em 21 de julho de 2017, é da revista Veja, que também apresenta uma
criança branca de cabelos lisos e de olhos escuros, olhando para o leitor sem sorrir, com os lábios entreabertos.
Abaixo da terceira revista, a chamada é O novo mundo do autismo. A quarta capa é da revista Leitura e
Conhecimento, publicada em 11 de janeiro de 2020, que apresenta a imagem de um garoto branco de olhos verdes
e de cabelo liso e loiro. Com as mãos juntas ao queixo, o garoto está sério e olha para o horizonte por uma janela.
Ao lado da imagem, aparece a seguinte chamada: Desafios cotidianos: como lidar com comportamentos que geram
desgaste na convivência.
que lança olhar para o horizonte), Locke ressaltou que o plano verbal apresentado nelas também
é problemático:
CENTRO33. Essa metáfora dedica a centralização do poder ao sexo masculino, à cor da pele
branca e à classe social privilegiada, que ocupam o interesse de revistas e de pesquisas que
visam a explorar o “mundo oculto”, o “mundo paralelo”, “os comportamentos desgastantes” do
autismo (termos mencionados no modo verbal escrito nas capas das revistas) e que colaboram
para a (co)construção metafórico-multimodal AUTISMO É ESTAR FORA, em conformidade
com a análise da figura 4 da seção 2.1 deste capítulo.
Cabe ainda salientar que tanto o sexo masculino quanto a cor da pele branca se
sobrepõem modalmente nas capas das revistas (SPERANDIO, 2015) e, ao depositarem atenção
apenas a crianças autistas do sexo masculino, brancas e de classe social privilegiada, silenciam
concepções que não lançam olhar sobre o autismo feminino, transgênero, em pessoas adultas,
negras ou até mesmo sobre o autismo de pessoas que vivem em regiões da periferia brasileira.
Desse modo, em consonância com a análise da ativista pela neurodiversidade Louzeiro (on-
line, 2017) sobre as capas das revistas Época (2007) e Veja (2017), não há diferenças em relação
ao sujeito que representa a pessoa autista, e a escolha de crianças do sexo masculino reforça o
autismo no masculino, fortalecendo o capacitismo em relação ao autismo no espectro feminino,
adulto e/ou da periferia.
Por oportuno, o simples fato de haver uma pessoa na capa das revistas não configura
o estabelecimento de uma metáfora multimodal. No entanto, a escolha desses atores e dessas
atrizes sociais para representarem o autismo se articula com modos relacionados à centralidade
de interesse de pesquisas em relação ao gênero masculino e à cor da pele branca, encadeando
metáforas multimodais críticas (CHARTERIS-BLACK, 2004, 2006) que contribuem para a
construção de sistemas de conhecimentos e de crenças em estruturas sociais (FAIRCLOUGH,
2008 [1992]) silenciadoras do autismo feminino, adulto, negro, periférico.
Esse capacitismo estrutural é operacionalizado ideologicamente pela categoria da
reificação (THOMPSON, 2011 [1990]), que utiliza a estratégia de eternalização, reafirmando e
repetindo um tipo de sujeito autista (infantil, do sexo masculino, de cor branca e de classe social
abastarda). Além disso, há a operacionalização da estratégia de apassivação, que suprime, de
forma consciente ou inconsciente, atores e atrizes sociais marginalizados/as no espectro,
contribuindo para o controle e para a manutenção do capacitismo silenciador de outras
configurações de corpos autistas.
33
Tradução da metáfora POWER IS CENTRALITY, disponível no repositório do MetaNet Metaphor Wiki (on-
line).
127
SUBSTÂNCIA, cujo elemento alvo (saúde) atua como uma entidade movediça que, com a
ingestão do domínio fonte (substância tóxica), pode ocasionar o autismo, devendo ser evitada.
Tendo em vista o impacto contextual dos frames interacionais (TANNEN; WALLAT,
2002 [1987]) analisados, a (co)construção metafórico-multimodal relacionada a causas do
autismo foi operacionalizada pela estratégia da naturalização (THOMPSON, 2011 [1990]),
mobilizando um aparato social discursivo que identifica mulheres como as responsáveis pela
(não) geração de uma criança autista, uma vez que são detentoras do poder de (não) alimentarem
seus/suas bebês durante a gravidez com alimentos contaminados com pesticidas.
Após abordar encaminhamentos em relação à plasticidade cerebral, à neurodiversidade
e ao modelo social de deficiência, discuti com pessoas autistas sobre práticas sociais que não
representam e que não identificam (FAIRCLOUGH, 2003, 2006) o autismo como deficiência,
mas apenas como diferença. Por footings interacionais (GOFFMAN, 1998 [1979]), houve a
convergência modal de que essas práticas discursivas mobilizam metáforas socioculturalmente
situadas (VEREZA, 2010, 2017) do tipo: ‘Autismo não é uma deficiência’, ‘Autismo é uma
habilidade diferente’, ‘Autismo é comportamento diferenciado do convencional’ e ‘Autismo é
alegria’. Essas metáforas, entendidas por mim como espaços inputs do espaço genérico
(FAUCONNIER; TURNER, 2002, 2003, 2008) do termo ‘autismo’, subjazem o espaço
mesclagem da metáfora conceptual CONDIÇÃO HUMANA É ESPAÇO AMPLO DIVERSO.
Nesse domínio fonte do ‘espaço amplo diverso’, identificações e representações dessa prática
linguístico-discursiva consideram o autismo como extraordinário, não reconhecendo a
humanidade de pessoas com qualidades e defeitos.
Esse entendimento, operacionalizado pela estratégia de substituição (THOMPSON,
2011 [1990]), desvia nossa atenção em relação a processos de luta e de engajamento de
movimentos sociais a favor de pessoas com deficiência, em consonância com o modelo social
de deficiência, aumentando, consequentemente, processos de assimetria e de exclusão
(sócio)interacional, além de colaborar para a manutenção de estruturas sociais
(FAIRCLOUGH, 2003, 2006) capacitistas.
Por fim, ao apresentar uma conjuntura social que privilegia o autismo masculinizado,
discuti sobre representações do autismo em capas de revista com pessoas autistas. Por meio de
frames interacionais (TANNEN; WALLAT, 2002 [1987]) e da análise de dimensões
contextuais (HANKS, 2017 [2008]), houve a ocorrência das seguintes metáforas
socioculturalmente situadas (VEREZA, 2010, 2017): ‘Autismo é do sexo masculino’, ‘Autismo
não é do sexo feminino’, ‘Autismo são crianças’, ‘Autismo é cor de pele branca’, ‘Autismo é
classe social privilegiada’. Essas metáforas mobilizaram instâncias de um espaço genérico que
129
CAPÍTULO 3
É importante ver o autismo como identidade social, não só como uma condição
médica, tanto para os próprios autistas, porque isso é bom, porque eles podem se
identificar com outras pessoas, quanto para a sociedade, para esta perceber que os
autistas são um grupo social que é marginalizado e estigmatizado, e que esse grupo
necessita ser incluído.
Miguel Souza
(2019, p. 4)
A noção de identidade que adoto neste estudo está baseada na concepção de Hall (2003
[1992]), que a concebe não como fenômeno inato, mas sim construído e transformado ao longo
do tempo e do espaço por processos inconscientes de sociabilização. De acordo com o autor
(2003 [1992]), no atual contexto da globalização e de crescente assimetria social, há uma maior
integração entre países e culturas, o que resulta em novas combinações temporais e espaciais
que atuam na formação de nossas identidades. Com o advento da Internet, assim como com as
rápidas e dinâmicas mudanças sociais decorrentes do avanço da ciência e da tecnologia da
informação, o contato com outras partes do mundo é facilitado e, como explica o autor (2003
[1992]), países, culturas e línguas estão tão próximos quanto os/as vizinhos/as do bairro.
Hall (2003 [1992]) destaca haver 3 sujeitos/concepções de identidade que coexistem
nos dias atuais. O primeiro é o sujeito do Iluminismo, que se baseia na concepção do indivíduo
131
totalmente centrado, unificado e consciente de sua razão e ação, cuja identidade é explicada por
características biológicas idênticas e imutáveis, partilhadas pelos membros de um mesmo
grupo.
O segundo, por sua vez, é o sujeito Sociológico, que defende a ideia de que a
identidade reflete a complexidade do mundo moderno, na qual o sujeito não é autônomo ou
autossuficiente, mas é formado a partir de sua relação com outras pessoas, sendo marcado pelos
sistemas simbólicos que estão relacionados aos contextos históricos, sociais e materiais
específicos que os tornam assujeitados ao discurso. Há, nesse sentido, uma tendência a fixar e
a estabilizar a identidade do sujeito Sociológico ao discurso ao qual este é influenciado, uma
vez que, como explica Pêcheux (2011 [1982], p. 119), há um “campo de forças” em que
processos ideológicos são constituídos e que levam à exclusão do que é particular em
detrimento do estabelecimento do universal indeterminado.
O terceiro, por fim, é o sujeito Pós-moderno, que apresenta uma noção de identidades
que se constroem de forma histórica e social, e não por fatores biológicos. Essa noção de sujeito
coincide com a perspectiva de Bakhtin (2010 [1992]) de que, apesar de o sujeito trazer em si
vozes que o antecedem, a linguagem é inacabada, está em movimento e é suscetível de
constituir singularidade, haja vista que a intersubjetividade é anterior à subjetividade, e que a
relação entre interlocutores/as é responsável pela construção de sentidos. Por conseguinte, de
acordo com Bakhtin (2010 [1992], p. 290), “a compreensão de uma fala viva, de um enunciado
vivo, é sempre acompanhada de uma atitude responsiva ativa (...) (que) forçosamente a produz,
concorda ou discorda (total ou parcialmente), completa, adapta, apronta-se para executar”.
Nessa última concepção de sujeito, segundo Hall (2003 [1992]), nossa constituição identitária
é contraditória, móvel, instável, fragmentada, inacabada, cambiante, pluralizada e em
construção, apresentando diferentes configurações de acordo com diversos contextos (VAN
DIJK, 2012 [2011]; HANKS, 2017 [2008]).
Em relação ao autismo, essas 3 concepções (co)existem para a construção identitária
do espectro. Em primeiro lugar, percebemos que há um grupo de sujeitos, principalmente de
pesquisadores/as atípicos/as e de associações de pais/mães de pessoas autistas, que definem o
autismo como síndrome ou como doença. Para esse grupo, como explica Ortega (2008), pessoas
não são autistas; elas têm autismo, elas estão com autismo. Nesse sentido, a marca identitária
da pessoa com autismo passa a ser a incapacidade, a doença, a síndrome, que precisa ser tratada
e, se possível, curada. A identidade autista, na concepção do sujeito do Iluminismo, é marcada
por características biológicas, por doença e por concepções epistemológicas que se ancoram em
132
pesquisas que buscam viabilizar a cura do que entendem como síndrome, além de trazerem uma
visão unificada, monolítica e estereotipada do autismo.
Em segundo lugar, há outro grupo que considera o autismo como transtorno complexo
e multifatorial, pois, em geral, como explicam Rapin e Tuchman (2009, p. 22), “sofre forte
influência genética e ambiental, mas também inclui causas ocasionais totalmente não
genéticas”. Para esses/as pesquisadores/as, alinhados/as à concepção do sujeito Sociológico, a
identidade de pessoas autistas é influenciada e, de certa forma, fixada pelo discurso dos sujeitos
com as quais elas interagem. Nesse sentido, pesquisas e intervenções terapêuticas baseadas no
condicionamento do comportamento humano, que buscam encaixar pessoas autistas no modo
operacional neurotípico, socioculturalmente aceito e recomendado, apresentam propostas de
estabilização do espectro autista por meio de discursos e de práticas interventivas
potencializadoras da constituição de uma identidade mais previsível, ainda que complexa, do
sujeito autista no mundo moderno. O foco dessa noção de identidade reside, portanto, na
intervenção, no tratamento e na melhora de pessoas autistas, além de partirem do princípio de
que elas que não teriam capacidade de falar sobre si, de fazer suas escolhas, já que, nessa
concepção de identidade, o sujeito não é autônomo ou autossuficiente.
Em terceiro lugar, organizações constituídas majoritariamente por pessoas autistas,
juntamente com familiares e pesquisadores/as, refletem sobre o autismo como uma
“diversidade do cérebro humano, que não pode ser tratada na polaridade normal/patológico ou
doença/cura” (ORTEGA, 2008, p. 484). De acordo com esses grupos apoiadores dos
movimentos da neurodiversidade, além de o autismo ser uma deficiência, é poligênico e
constitui apenas uma das identidades de seus sujeitos, contribuindo com o pensamento de
Bauman (2005 [2004], p. 19) de que “poucos de nós, se é que alguém, são capazes de evitar a
passagem por mais de uma ‘comunidade de ideias e de princípios’, sejam genuínas ou supostas,
bem integradas ou efêmeras”. Dado seu caráter inacabado, as identidades do sujeito Pós-
moderno são diversas, plurais, móveis e em construção (HALL, 2003 [1992]), e, como explica
Bauman (2005 [2004]), em uma época líquido-moderna, são fatiadas e fragmentadas, e flutuam
em uma sucessão de episódios fragilmente conectados.
Segundo Oterga (2008), essas organizações, às quais considero como dentro da
concepção identitária do sujeito Pós-moderno (HALL, 2003 [1992]), preferem aceitar
explicações neurológicas para o autismo, distanciando-se do paradigma psicológico que visa à
cura, uma vez que não veem no autismo um problema de trauma ou de conflito, mas sim de
conexão cerebral (wiring) diferente que precisa de espaços e de políticas públicas que
promovam o fortalecimento da expressão e da manifestação de identidades autistas. Para esses
133
movimentos neurodiversos, o autismo não é doença mental, mas sim conexão atípica cerebral,
atipicidade que influencia na formação de marcas neuroidentitárias, fragmentadas, móveis e em
constante construção dentro da dinamicidade do espectro. Advogando que o ativismo autista
ou neurodiverso deve estar presente em qualquer discussão sobre o autismo, pessoas autistas
exigem que seu lugar de fala seja respeitado. Esse lugar de fala que, como explica Ribeiro
(2017, p. 64), “não se restringe ao ato de emitir palavras, mas de poder existir”, está relacionado
tanto ao direito à existência digna e ao locus social (localização social) imposto quanto à
necessidade de romper com a hierarquização social e de saberes.
Cabe destacar que, quando Ribeiro (2017, p. 64) explica que o locus social precisa ser
desestabilizado, “absolutamente não tem a ver com uma visão essencialista de que somente o
negro pode falar sobre racismo, por exemplo”, mas que somente sujeitos que ocupam a mesma
localização social compartilham experiências sobre opressões em relação à sua humanidade.
Desse modo, segundo a autora (2017, p. 68), “por mais que pessoas pertencentes a grupos
privilegiados sejam conscientes e combatam arduamente as opressões, elas não deixarão de ser
beneficiadas, estruturalmente falando, pelas opressões que infligem a outros grupos”, ainda que
esse lugar social não determine uma consciência discursiva sobre esse lugar, já que sujeitos
reacionários autistas podem dizer, por exemplo, que nunca sofreram com a opressão capacitista.
Apesar de Ribeiro (2017) defender que devemos ouvir experiências compartilhadas de
pessoas engajadas, silenciadas historicamente e tidas como subalternas34, a autora (2017, p. 86)
explica ser fundamental entendermos que “todas as pessoas possuem lugares de fala, pois
estamos falando de localização social”, e que sujeitos privilegiados em termos de locus social
“consigam perceber hierarquias produzidas desse lugar e como esse lugar impacta diretamente
na constituição dos lugares de grupos subalternizados”. De fato, lugares de fala hegemônicos
precisam também ser ouvidos para que esses sujeitos pensem hierarquias, questões de
desigualdade, racismo e sexismo, de tal modo que resulta importante que pesquisadores/as
neurotípicos/as estudem o impacto de seus discursos capacitistas, mesmo não sendo pessoas
com deficiência.
Em relação ao autismo, cabe salientar que a problemática do lugar de fala reside,
principalmente, sobre discursos de concepções identitárias tanto do sujeito do Iluminismo
quanto do sujeito Sociológico (HALL, 2003 [1992]), haja vista que mães, pais,
pesquisadores/as (sujeitos inscritos nessas concepções) costumam assumir que representam a
34
Compreendo ‘pessoas subalternas’ no sentido explicado por Elias e Scotson (2000 [1994], p. 23), que as entende
como um grupo estigmatizado por outro “com eficácia quando está bem instalado em posições de poder das quais
o grupo estigmatizado é excluído”.
134
voz de pessoas autistas, que falam por elas, respaldando-se na impossibilidade desse lugar de
fala pela deficiência, como problematizado na seção 4.2, em relação à carteira nacional de
identificação da pessoa autista.
O não lugar de fala de pessoas autistas, em organizações identitárias do sujeito Pós-
moderno (HALL, 2003 [1992]), faz parte da agenda do ativismo neurodiverso e vem sendo
combatido com frequência. A concepção do sujeito Pós-moderno autista, por exemplo, entende
que, em qualquer discussão que impacte sobre direitos, sobre saúde, sobre educação, sobre
espaços públicos etc., deve-se ouvir o ativismo autista, respeitando-se o lema das pessoas com
deficiência ‘Nada sobre nós sem nós’. Assim sendo, o lugar de fala da maternidade atípica
precisa ser ouvido, assim como o lugar de fala de psicólogos/as que atendem pessoas
neurodiversas ou da docência com estudantes autistas, para citar alguns exemplos, pois esses
grupos compartilham do mesmo locus social (RIBEIRO, 2017). No entanto, para a
implementação de direitos, para qualquer intervenção terapêutica, para adaptações e suportes
no âmbito da educação inclusiva ou para discussões sobre identidades autistas é imprescindível
que o locus social autista seja respeitado.
Na esteira das discussões sobre identidades e lugar de fala, apresento texto multimodal,
publicado na revista Educação, em fevereiro de 2020. Essa revista possui periodicidade mensal
e se dedica, principalmente, à veiculação de temas voltados para a formação docente, para
políticas públicas aplicadas à educação, para projetos pedagógicos inspiradores e para a gestão
escolar. O texto da figura 8, a seguir, foi publicado junto a uma matéria com o seguinte título:
“Terapias ajudam mães a enfrentar o espectro autista”.
#Postacessível da figura 8. Imagem de uma pessoa com um guarda-chuva preto aberto sobre sua cabeça,
sobre o qual caem gotas de chuva nas cores vermelho, azul, roxo, branco e amarelo. O guarda-chuva está sendo
usado para impedir que as gotas de chuva caiam sobre a cabeça dessa pessoa. As gotas de chuva têm tamanhos
diferentes e apresentam formato retangular. A pessoa tem uma cor de pele cinza, veste um casaco amarelo, tem
cabelo chanel preto e curto, e está de batom vermelho. Os olhos dessa pessoa estão escondidos atrás do guarda-
chuva.
A mulher pode representar uma “mãe geladeira”, termo pejorativo que se dá,
principalmente há alguns anos, de mães de autistas; essa mãe está usando um guarda
chuva para repelir tudo que tem relação com o autismo do filho, mas também pode
ser a representação de uma mulher que está fugindo do estereótipo do que seja o
autismo (...); a imagem é triste, pois não mostra o olho da pessoa, o sorriso, não há
uma expressão de alegria, estando mais para seriedade, junto com a cor da pele dela
acinzentada e o fundo com a chamada cor fria, bastante usada para dar sentido de
tristeza; o amarelo da roupa dela indica que ela está triste, pois amarelo é uma cor
quente, só que, no conjunto dos outros elementos, muda o sentido, sendo uma tentativa
de reanimar a pessoa; lembrando que a chuva é um recurso narrativo para demonstrar
tristeza de alguém, o que reforça a mensagem de tristeza.
1. Cabe a mães de pele branca, com “cabelo e ‘traços’ finos”, como salientou Ângela
– sobre quem recai a identidade de serem frias, como geladeiras, e causadoras de
uma enfermidade –, enfrentarem o autismo, em uma relação metafórica
socioculturalmente situada (VEREZA, 2010, 2017) do tipo Autismo é guerra de
mães de pele clara; e
2. o autismo precisa ser combatido, dado o tom melancólico e triste promovido pelas
cores do texto da figura 8, como ressaltou Locke, em uma relação metafórica
socioculturalmente situada do tipo Autismo é ruim, Autismo é para baixo.
Tais análises colaboram para que o texto em questão não promova representações
(FAIRCLOUGH, 2003, 2006) de um campo social do qual pessoas autistas possam se sentir
orgulhosas de serem quem elas são. No texto da figura 8, como salientou a professora Natália
Sperandio em meu exame de qualificação, apesar de gotas de chuva de vários tamanhos e cores
(vermelho, branco, amarelo e azul) caírem sobre o guarda-chuva, há um tom pejorativo na
representação desse texto que comunga com a ideia de que o autismo é triste, em conformidade
com a interpretação dos/as colaboradores/as do estudo netnográfico desta tese. De fato, essas
cores de gotas de chuva, como explicou Locke, fazem alusão “ao quebra cabeça colorido, um
dos símbolos do autismo”, que será problematizado nas seções 3.2 e 3.3 deste capítulo, não
impactando na determinação do estado emocional da pessoa que se protege.
Posto isso, a variabilidade do espectro, sobreposta modalmente (SPERANDIO, 2015)
por tamanhos e por gotas de chuva diversas, não chega a tocar o corpo da mulher que aparece
na imagem; pelo contrário, ela se protege de ter contato com essas gotas de chuva. Dito de outra
forma, os espaços inputs, que poderiam convergir para o espaço mesclagem (FAUCONNIER;
TURNER, 2002, 2003, 2008) da diversidade, não caem sobre a cabeça da pessoa que aparece
137
no texto analisado, mas sobre um guarda-chuva que funciona como um escudo, como se ela
estivesse se protegendo das gotas de chuva.
Apesar de as gotas de chuva de tamanhos e de cores diferentes se articularem com a
noção de amplitude da diversidade no espectro do autismo, há uma relação de proteção entre
domínios que advém da abóbada aberta do guarda-chuva e do sujeito que se encontra sob ela.
Dessa forma, tanto o espaço input ‘guarda-chuva aberto’ quanto o input ‘pessoa que se protege
da chuva’ e que ‘tampa parte de seu rosto com o guarda-chuva’, por meio de metáforas
socioculturalmente situadas (VEREZA, 2010, 2017) do tipo Guarda-chuva é proteção,
Guarda-chuva é escudo contra autismo, Autismo é frio, destoam da representação de uma
prática social (FAIRCLOUGH, 2003, 2006) a favor da diversidade do espectro, encapsulando
um espaço mesclagem (FAUCONNIER; TURNER, 2002, 2003, 2008) que enfrenta o autismo,
em uma convergência modal do tipo AUTISMO É GUERRA.
Por conseguinte, o espaço genérico do ‘espectro do autismo’, apesar de não acionar o
domínio da diversidade humana pelo fato de as gotas de chuva não interagirem com a pessoa
que está com o guarda-chuva aberto, mobiliza o domínio da proteção dessa mesma diversidade.
Dessa forma, os espaços inputs ‘guarda-chuva aberto’ e ‘gotas de chuva’ implicam a proteção
de algo que é inconveniente: a chuva, que representa a diversidade do espectro autista. Logo, o
sujeito da figura 8 estaria se protegendo do contato com esse amplo espaço diverso da condição
humana.
A adversidade da chuva do espectro autista é tida, portanto, como algo negativo, em
uma relação conceptual do tipo ADVERSIDADE É MAU TEMPO 35. Nesse sentido, a
convergência modal do espaço mesclagem AUTISMO É GUERRA, aparentemente, mobiliza
conceptualizações adversas de uma forma relativamente estável de ser (diversidade humana e
proteção da condição neurodiversa), inscritas em práticas sociais (FAIRCLOUGH, 2003, 2006)
que concebem o autismo como algo a ser combatido e sanado, em conformidade com as
concepções identitárias dos sujeitos do Iluminismo e Sociológico.
Cabe ainda frisar que, com a incursão do guarda-chuva aberto para proteger da chuva
neurodiversa, o texto da figura 8 tende a negar a aceitação de pessoas autistas em nossa
sociedade. Desse modo, utilizando-se a estratégia de padronização, operacionalizada pela
unificação ideológica (THOMPSON, 2011 [1990]), o texto constrói um raciocínio que marca o
lugar dos sujeitos do Iluminismo e Sociológico. Esse raciocínio favorece a manutenção de
35
Tradução da metáfora ADVERSITY IS BAD WEATHER, disponível no Master Metaphor List, compilado
por Lakoff, Espenson e Schwartz (1991).
138
A Organização das Nações Unidas (ONU) decretou, em 2008, o dia 2 de abril como o
dia Mundial da Conscientização do Autismo. Por essa razão, movimentos de familiares e de
apoiadores/as do autismo no Brasil36 lançaram a campanha Abril Azul. Ancorando-se em dados
de pesquisas como Amy (2011), que afirma haver uma relação de 4 meninos para 1 menina
autista, esses grupos escolheram a cor azul, tendo em vista o simbolismo que, culturalmente, é
atribuído ao gênero masculino, para promover a conscientização em relação ao autismo.
Essa campanha Abril Azul, que teve como precursora a Autism Speaks of America,
organização estadunidense, ganhou repercussão internacional, a tal ponto de a ONU sugerir a
iluminação da cor azul em órgãos públicos e em empresas para a promoção da conscientização
São alguns exemplos de movimentos de familiares e de apoiadores/as do autismo no Brasil: ‘Anjo Azul’, ‘Mães
36
do autismo no ano de 2008. O Cristo Redentor e o Congresso Nacional brasileiros, por exemplo,
foram iluminados de azul pela primeira vez em abril de 2011, seguindo tal recomendação, como
podemos observar na figura 9.
Fontes: https://migalhas.uol.com.br/quentes/130157/hoje-e-o--dia-mundial-da-conscientizacao-de-
autismo, de 02/04/2011. Acesso em: 20 nov. 2020; e http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2012/04/cristo-
fica-azul-para-o-dia-mundial-da-conscientizacao-do-autismo.html, de 02/04/2012. Acesso em: 20 nov. 2020.
Entendo que esse movimento de reflexão e de alerta pelo uso da cor é importante para
o fortalecimento da identidade autista por meio de uma concepção, principalmente, do Sujeito
do Iluminismo (HALL, 2003 [1992]), que se baseia no indivíduo centrado e unificado. Cabe-
nos, no entanto, fazer as seguintes perguntas: Quem é esse indivíduo centrado?; e Quem são as
pessoas que estão definindo a cor azul para representar o autismo?.
Tanto a ONU quanto esses movimentos que instituem e divulgam o azul para
representar e definir o autismo são formados, basicamente, por pessoas neurotípicas. Dessa
forma, é a voz institucional política da ONU e a voz de familiares e apoiadores/as de grupos
azuis não autistas, em seus loci sociais (RIBEIRO, 2017) de privilégios, que buscam definir
uma identidade do/a outro/a centrada na cor azul como representação do que consideram como
masculino, o que significa haver uma tendência à unificação do espectro a uma identidade azul,
masculinizada, em processo de manutenção colonial da representação do/a outro/a, haja vista
que a representação do autismo na cor azul é um modelo importado do eixo anglo-europeu.
Conforme discutido na seção 2.2, o gênero feminino vem sendo subdiagnosticado em
relação ao autismo. Desse modo, definir o azul como a cor que representa o espectro hospeda
três problemáticas:
140
Como explica Butler (2018 [1990], p. 36), artefatos culturais, históricos e sociais de
representação, como é o caso da cor azul em relação ao autismo, associam “mente e
masculinidade, por um lado, e corpo e feminilidade, por outro”. Essa associação entre mente e
masculinidade tem atravessado a história da ciência acerca do autismo, como explicitado nas
seções 2.2 e 2.3 do capítulo 2. Em outras palavras, a prevalência de pesquisas sobre a relação
entre mente e masculinidade na história da humanidade contribui para que “as mulheres
representem o sexo que não pode ser pensado, uma ausência e opacidade linguísticas”
(BUTLER, 2018 [1990] p. 31), de modo que o corpo da feminilidade assuma maior importância
do que sua mente, contribuindo para a construção social baseada em uma economia em que
estudos da mente masculina constituam o círculo fechado da condição humana.
O movimento pró-sexualidade, ainda segundo Butler (2018 [1990], p. 65), no âmbito
da teoria e da prática feminista, “tem efetivamente argumentado que a sexualidade sempre é
construída nos termos do discurso e do poder, sendo o poder em parte entendido em termos das
convenções culturais heterossexuais e fálicas”. Nesse sentido, a adoção da cor azul para
representar o autismo impõe “crenças, valores, normas, discursos, comportamentos que
sustentam a colonialidade do poder, do saber e do ser” (VIEIRA, 2019, p. 86) por meio de
ideologias e de convenções compartilhadas em relação ao gênero social e à sexualidade
ancoradas no modelo euro-norte-americano capitalista e patriarcal.
Em meio às discussões sobre representações da cor azul no autismo sobre a figura 4,
na seção 2.1 do capítulo 2, o colaborador de pesquisa Locke, do estudo netnográfico
apresentado nesta tese, explicou: “Quando se usa muito o azul e seus tons, há uma mensagem
implícita de que o autismo se dá mais em meninos do que meninas (...), o que se associa muito
com a analogia de ‘anjo azul’, mas que são meramente exemplificações da validação social”.
De acordo com essa explicação de Locke, cabe ratificar que, além de o azul representar
convenções de masculinidade, essa cor desencadeia uma prática social (FAIRCLOUGH, 2003,
2006) que identifica pessoas autistas como anjos, seres espiritualmente puros, especiais, que
141
vieram ao mundo, em uma visão cristã, judaica e islã, com o intuito de serem mensageiros entre
Deus e a humanidade.
Assim, ao adotar a cor azul para representar o autismo no Brasil, “grupos azuis”
fortalecem a identidade autista do Sujeito do Iluminismo (HALL, 2003 [1992]) centrado e
unificado, por meio de convenções estabelecidas pelo “mito norte-americano e eurocêntrico”
proposto pela organização estadunidense Autism Speaks of America e recomendado pela ONU,
além de contribuir tanto com a manutenção de saberes, quanto com os modos de ser e com
poderes que sustentam o patriarcado e a visão dogmática e religiosa de que pessoas autistas são
anjos e especiais.
Partindo dessas discussões, a cor azul mobilizou metáforas críticas e
socioculturalmente situadas, em consonância com Charteris-Black (2004, 2006) e com Vereza
(2010, 2017), respectivamente, de que o ‘Autismo é do sexo masculino’, de que o ‘Autismo é
resultado de saberes do patriarcado norte-americano e eurocêntrico’ e de que ‘Pessoa autista é
anjo azul’. Esses espaços inputs, advindos do espaço genérico (FAUCONNIER; TURNER,
2002, 2003, 2008) ‘autismo azul’, convergem em um espaço de mesclagem metafórico
conceptual do tipo CONTROLE É PODER, no qual a masculinidade assume um domínio, em
consonância com o Sujeito do Iluminismo (HALL, 2003 [1992]), que detém a colonialidade de
saberes em relação a mentes e a corpos fálicos, sustentando práticas e estruturas socias
(FAIRCLOUGH, 2003, 2006) machistas, colonizadoras e capacitistas em relação a corpos que
habitam a feminilidade.
Com essa concepção fixa de gênero social e de sexo, como explica Butler (2018
[1990], p. 30), os limites da análise discursiva pressupõem configurações realizáveis na cultura,
o que sugere, no caso da adoção da cor azul para representar o autismo brasileiro, “limites de
uma experiência discursivamente condicionada” pelo patriarcado colonizador eurocêntrico e
norte-americano. Cabe destacar que, apesar de a sexualidade e o gênero serem construídos
culturalmente no interior de relações de poder colonizadoras, pessoas a favor da
neurodiversidade, em uma perspectiva identitária do sujeito Pós-moderno (HALL, 2003
[1992]), têm proposto outras representações para o autismo, transcendendo, inclusive,
dimensões contingentes de cores e da corporeidade, no que tange às noções de “sexo anatômico,
identidade de gênero e performance de gênero” (BUTLER, 2018 [1990]).
Assim sendo, para ilustrar, a colaboradora Rosa, durante as discussões sobre as cores
para representar o autismo, realizadas pelo grupo de WhatsApp para estudo netnográfico desta
tese, enviou-me uma fotografia de sua própria autoria, como podemos observar na figura 10,
142
na qual, segundo ela, a representação de pessoas autistas na foto é realizada com “bonecos de
madeira, para enfatizar que não dá para diferenciá-los de neurotípicos”.
#Postacessível da figura 10. Imagem com fundo preto de dois bonecos de madeira que estão trabalhando
em uma espécie de máquina artesã, que possui engrenagens circulares grandes e pequenas. Por essas engrenagens,
passa uma linha de lã que possui os seguintes tons e sobretons de cores: rosa, vermelho, amarelo, verde, azul e
alaranjado. Um dos bonecos está sentado na lateral esquerda com as pernas estiradas e recebe uma iluminação
mais forte. O outro boneco está de pé, do lado direito da máquina artesã. Ambos os bonecos estão com os braços
estirados, tocando na máquina artesã.
A proposta de Rosa, como podemos observar na figura 10, não se fixa em cores típicas
que foram atribuídas a gêneros sociais nem a performances do sexo anatômico ou de gênero,
como uma proposta de reexistência, entendida por Acosta (2019, p. 150) como sendo realizada
por um “conjunto de práticas contraideológicas – na medida em que questionam o estado de
coisas e lutam pela sua superação, pela resistência por um projeto de sociedade, pela igualdade
e pela solidariedade”.
Essa estética da reexistência, em consonância com a ideia de Freire (2015 [1974]) de
que a liberdade só é possível se todos/as formos livres, implica o não assujeitamento do sujeito
a violações e a violências que a definição da cor azul pode suscitar, decolonizando os modos
relativamente estáveis do saber, do ser e do poder em práticas sociais (VIEIRA, 2019) que
refutam o binarismo utilitário do patriarcado.
143
Sobre a cor azul para representar o autismo, Rosa argumentou: “Acho uma pena essa
referência tão gritante à masculinidade. (...) Acho que já passou da hora de desconstruir essa
correlação azul-masculino-autismo”. Assim sendo, não comungando com a estratégia da
eternalização da reificação ideológica (THOMPSON, 2011 [1990]), cujos fenômenos sócio-
históricos são reafirmados e repetidos como permanentes, Rosa reexistiu por meio de uma
representação para o autismo que contemple outra realidade (a de que não existe uma diferença
de corpos típicos e atípicos), saindo do paradoxo do que Butler (2018 [1990], p. 37) entende
como “economia masculinista monolítica e também monológica que atravessa toda a coleção
de contextos culturais e históricos em que ocorre a diferença sexual” e as opressões de gênero.
Ainda em relação às cores, cabe destacar que a postura do ativismo a favor da
neurodiversidade converge para a adoção de multicores para representar o símbolo do espectro,
inspirados/as no Movimento do Orgulho LGBTQIA+, que luta pela diversidade de gênero e
adota as cores do arco-íris para representá-los, como podemos observar na escolha das cores
para representar o símbolo do autismo, tema da próxima seção.
A escolha do símbolo para representar o autismo tem passado por disputas de espaços
de narrativas e de poder, trazendo debates em relação ao (não) lugar de fala (RIBEIRO, 2017)
de pessoas autistas. Antes de discutirmos e de analisarmos o modo como esse símbolo tem sido
construído e seu impacto em grupos a favor da neurodiversidade, apresentamos propostas para
a representação do autismo.
#Postacessivel das figuras 11, 12 e 13. Na figura 11, imagem de um quebra-cabeça com quatro peças
montadas. As peças desse quebra-cabeça têm as seguintes cores: amarelo, vermelho, azul escuro e azul claro. Na
figura 12, imagem com fundo branco do símbolo do infinito na horizontal. Da esquerda para a direita, em degradê,
aparecem as seguintes cores: vermelho, alaranjado, amarelo, verde, azul e roxo. Na figura 13, imagem com fundo
branco do símbolo do infinito na horizontal, na cor amarela.
144
O quebra-cabeça da figura 11 foi sugerido por Gerald Gasson, pai de uma criança
autista, em 1963, e se tornou marca registrada, em 1999, da Autism Society of America
(organização não governamental estadunidense fundada em 1965 pelos médicos Bernard
Rimland e Ruth Sullivanda, juntamente com familiares de crianças autistas). Essa organização
permitiu que outras instituições ou comunidades usassem esse símbolo, sem objetivos
financeiros, a fim de promover a conscientização sobre o autismo. De acordo com a Autism
Society of America, o quebra-cabeça representa o mistério e a complexidade do autismo, em
razão de não se conhecer todas as causas do que consideram como transtorno, além do fato de
que uma pessoa autista nunca é igual a outra.
O maior desafio da Autism Society of America, sob o lema “Improving the lives of all
affected by autism”, é divulgar terapias que busquem encaixar cada pessoa autista e seus
familiares no grande quebra-cabeça da vida. De acordo com a organização, as cores frias azul
claro e azul escuro (que fazem referência à prevalência do espectro no gênero masculino, além
de estimular a calma, o equilíbrio e a comunicação verbal de autistas) e as cores vibrantes
vermelho e amarelo (que alertam sobre a importância do desenvolvimento de habilidades para
a sociabilidade, a adequação social e o bom humor de pessoas autistas) têm a intenção de criar
uma maior sensibilização em relação ao autismo em todo o mundo. No Brasil, por exemplo, há
iniciativas legislativas federais, apensadas ao Projeto de Lei n. 1.874 (BRASIL, 2015b), que
tramitam na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, prevendo que estabelecimentos
públicos e privados que disponibilizem de atendimento prioritário sejam obrigados a inserir a
fita quebra-cabeça em suas placas.
Embora iniciativas apensadas ao Projeto de Lei n. 1.874 (BRASIL, 2015b), que visam
à obrigatoriedade desse símbolo no formato de uma fita, e até mesmo a Lei n. 13.977 (BRASIL,
2020), que sugere a sua utilização em estabelecimentos públicos e privados, há resistência na
aceitação desse símbolo pelo ativismo autista neurodiverso, que concebe a constituição de sua
identidade autista em construção, inacabada, plural, dentro de uma perspectiva do sujeito Pós-
moderno (HALL, 2003 [1992]), devido, principalmente, aos seguintes motivos:
1. O símbolo foi criado por uma organização de médicos/as e por familiares de pessoas
autistas, ancorado a uma noção de identidade do Sujeito Sociológico (HALL, 2003
[1992]), que apesar de reconhecer a complexidade do mundo moderno, fixa e
institui um símbolo sem consultar os/as maiores interessados/as no tema: as pessoas
autistas. Por conseguinte, essa institucionalização do símbolo em formato de fita
145
4. a adoção das cores vermelho e amarelo para o símbolo, cuja intenção é favorecer
práticas interventivas para o desenvolvimento da adequação social, partem do
princípio de que pessoas autistas têm de se encaixar em práticas socioculturais
estabelecidas por pessoas neurotípicas, o que é contrário ao estabelecimento da
inclusão, que prevê sensibilização e respeito à condição humana do/a outro/a, que,
nesse caso, é neurodiversa.
37
No Brasil, para citar alguns exemplos de comunidades a favor do movimento da neurodiversidade, destaco: a
“Comunicando Direito Autismo: Autistas na Resistência Democrática”, a “Associação Brasileira para Ação por
Direitos das Pessoas Autistas”, a “Primavera Autista” e o “Coletivo Anjos Vermelhos”.
146
Fonte: Produzido por Beth Wilson, em 2 de abril de 2018, e traduzido por Miguel Sousa. Disponível em
https://tudobemserdiferente.wordpress.com/2018/04/02/dia-da-aceitacao-do-autismo, em 02/04/2018.
Acesso em: 03 set. 2020.
#Postacessível da figura 14. Cartoon com fundo azul claro, com uma menina branca, de cabelo na cor
rosa, liso e com franja, vestindo camiseta azul. Na primeira vinheta, a garota está séria, e olha, de forma indignada,
para uma peça do quebra-cabeça, nas cores azul escuro, vermelho, amarelo e verde. Acima da primeira vinheta,
está escrito: Por que eu odeio o quebra-cabeças como um símbolo do autismo. Na segunda vinheta, uma peça do
quebra-cabeça na cor azul é colocada sobre o olho direito da garota. Abaixo da vinheta, está escrito: Eu não sou
pedaço em falta. Na terceira vinheta, a imagem do rosto da garota aparece separado em cinco peças do quebra-
cabeça. Abaixo dessa vinheta está escrito: Eu não preciso ser “resolvida”. Na quarta vinheta, aparece a menina
sorrindo, segurando um cartaz branco à esquerda com o símbolo do infinito colorido, nas cores alaranjado,
amarelo, verde, azul, roxo, lilás, vermelho e rosa. Acima da quarta vinheta está escrito: Eu gosto do símbolo do
infinito pela neurodiversidade. Abaixo da quarta vinheta, está escrito: É inclusivo e representa um grande espectro
de diferenças neurológicas.
Como podemos observar nesse texto da figura 14, uma menina de cabelo rosa, sem
sorrir, diz odiar o quebra-cabeça como símbolo do autismo, justificando que ela não é um
pedaço que falta ou que precisa ser “resolvida” no quebra-cabeça. Na sequência, com um sorriso
148
no rosto, ela explica que gosta do símbolo do infinito, já que ele é inclusivo e representa um
grande espectro de diferenças neurológicas. De fato, Beth Wilson procura difundir a adoção do
símbolo do infinito colorido para representar a diversidade do espectro de forma lúdica. Cabe
ainda salientar que a escolha de uma menina autista para falar sobre o autismo contempla duas
questões: i) a personagem não é uma pessoa neurotípica falando sobre autismo, mas sim a
representação de uma garota neurodiversa, que nos explica o porquê da escolha de um símbolo
que represente parte de sua identidade; ii) a artista escolhe uma garota, ao invés de um menino,
para nos explicar questões relacionadas ao espectro, colocando-nos em contato com o autismo
feminino e, com isso, dando voz a um gênero subdiagnosticado e ainda subjugado em relação
ao espectro, como discutimos nas seções 2.2. e 3.3 desta pesquisa.
Para darmos continuidade às discussões acerca do texto da figura 14, postei as
seguintes perguntas no grupo de WhatsApp formado para o estudo netnográfico desta tese: i) O
que você acha da proposta do cartoon? ii) Que símbolo você prefere para representar o autismo
e por quê?
A colaboradora Eliz foi a primeira a responder, explicando, em mensagem de áudio:
“Achei legal a proposta do cartoon (...) Tem essa questão de que o símbolo do infinito ele não
veio pra, pra representar a... o autismo... e sim a neurodiversidade. Mas por outro lado ele é
interessante pela porção de cores, né?, que representaria aí todo um espectro de diferenças”.
Co-engajado cognitivamente com Eliz nesse cenário contextual (HANKS, 2017 [2008]) de
aprovação do cartoon, o colaborador Locke alinhou-se a esse frame interacional (TANNEN;
WALLAT, 2002 [1987]) sobre o símbolo para representar o autismo, e relatou: “A proposta é
muito boa, é uma abordagem que explica sobre o que é o autismo de verdade, e visa fortalecer
a guerra de narrativas por meio dos símbolos a favor do próprio autista”. Em seguida, Locke se
posicionou em relação à guerra de narrativas em torno do símbolo, expondo que preferia o
“símbolo da neurodiversidade, o do infinito com as cores do arco-íris no caso. Primeiro pelo
significado do símbolo do infinito, e também pelo arco-íris que representa a diversidade dentro
da própria diversidade, que é a interseccionalidade entre o autismo e o universo LGBTQIA+”.
Reconhecendo o campo simbólico da dimensão contextual da emergência (HANKS,
2017 [2008]), em que agentes externos validam representações que circulam e se encaixam em
campos sociais contextuais, Rosa expôs: “Há algum tempo, eu pensava que o quebra cabeça
representava diversidade”. Alinhando-se (GOFFMAN, 1998 [1979]) consigo mesma em
relação a uma ideia concebida no passado (‘eu pensava que (...) representava), Rosa,
introduzindo a conjunção adversativa ‘mas’, explicou seu atual entendimento “Mas estudando
a origem do símbolo percebi a conotação negativa do símbolo”, alinhando, em seguida, a
149
projeção do seu “eu” com a aprovação da Eliz e do Locke em relação ao símbolo do infinito
colorido: “Acho que o infinito colorido faz várias conexões com diversidade e
neurodiversidade”.
Ratificando o alinhamento (GOFFMAN, 1998 [1979]) de aprovação do infinito
colorido, Catarina explicou: “Eu adoro essa tirinha! Vira e mexe eu uso pra explicar o porquê
do infinito”. Após co-sustentar a aprovação do símbolo, Catarina ampliou o footing
(GOFFMAN, 1998 [1979]) salientado por Eliz em relação ao símbolo que, em princípio,
representa toda a neurodiversidade: “A Beth é autista e acho que isso por si só já é algo que faz
uma diferença. (...) Apesar do infinito colorido ser o símbolo da neurodiversidade, ele foi criado
por autistas. Acho ele mais bonito tb.”. Com essa incursão, Catarina nos revela que o lugar de
fala (RIBEIRO, 2017) de construção do símbolo é fundamental para a ratificação da
comunidade autista.
Em relação ao espaço genérico (FAUCONNIER; TURNER, 2002, 2003, 2008)
‘símbolo do autismo’, proveniente do texto da figura 14, apontado por Locke como ‘guerra de
narrativas’, cabe focalizar que espaços inputs advindos de diversas semioses são partilhados
tanto em relação ao símbolo do quebra-cabeça quanto em relação ao símbolo do infinito. Nessa
guerra de narrativas, os/as colaboradores/as deste estudo netnográfico se posicionaram a favor
do símbolo da neurodiversidade por meio da reflexão contra o discurso hegemônico
(CHARTERIS-BLACK, 2004, 2006) do símbolo do quebra-cabeça que, como explicou Rosa,
possui uma ‘conotação negativa’.
Em consequência dessa disputa de narrativas em relação ao símbolo do quebra-
cabeças, espaços inputs, por meio de metáforas socioculturalmente situadas (VEREZA, 2010,
2017) do tipo ‘Símbolo do autismo é peça de quebra-cabeça’, ‘Símbolo do autismo é encaixe
social’, ‘Símbolo do autismo é pedaço em falta’, ‘Símbolo do autismo é problema a ser
resolvido’, convergiram em direção ao espaço de mesclagem metafórico COERÊNCIA É O
TODO, que entende o domínio fonte como uma unidade (o sujeito) que precisa de todas as
partes ajustadas para a sua plena realização. Como podemos observar no texto da figura 14, a
expressão séria do rosto da garota na primeira e na segunda vinhetas nos transmitem um
sentimento de indignação, em harmonia com o plano verbal dessa prática social
(FAIRCLOUGH, 2003, 2006) analisada. Dessa indignação, cabe enfatizar que a garota não
compactua com esse tipo de conceptualização metafórica de que COERÊNCIA É O TODO,
provocando-nos no sentido de entendermos a perspectiva inclusiva contida no símbolo do
infinito.
150
Sobre o símbolo do infinito colorido, a autora do cartoon Beth Wilson, que, como
explicou Catarina, é autista, apresenta-nos um encaminhamento representativo para o símbolo
do autismo que vai ao encontro de demandas do ativismo neurodiverso, além de nos brindar
com uma proposição metafórica crítica e emancipatória (CHARTERIS-BLACK, 2004, 2006)
em relação à escolha desse campo simbólico de representação. Posto isso, o campo genérico
‘símbolo do autismo’ apresenta espaços inputs, advindos de ‘porção de cores’ e de um ‘espectro
de diferenças’, como salientou Eliz, por meio de metáforas socioculturalmente situadas
(VEREZA, 2010, 2017) do tipo ‘Símbolo do autismo é espaço neurológico diverso’, ‘Símbolo
do autismo é inclusão de cérebros diversos’, ‘Símbolo do autismo é diversidade’, que
convergem modalmente no espaço mesclado (FAUCONNIER; TURNER, 2002, 2003, 2008)
metafórico conceptual MENTE É UM CORPO EM MOVIMENTO NO ESPAÇO. Por esse
espaço mesclado, o domínio do corpo no espaço é personalizado, é único, e está em
conformidade com o contexto intersubjetivo (VAN DIJK, 2012 [2011]) de cada sujeito do
espectro autista. Na última vinheta, o texto ainda nos apresenta uma metáfora na qual o domínio
alvo se relaciona ao ‘símbolo do infinito colorido’, e o domínio fonte à neurodiversidade,
convergindo modalmente à aceitação dessa relação de domínios de forma positiva, notada pelo
‘sorriso da personagem’, em uma relação metafórico-conceptual FELICIDADE É PARA
CIMA.
Cabe ainda realçar que, ao rechaçar o símbolo do quebra-cabeça para o autismo como
peças a serem ajustadas, a personagem de Beth Willson se alinha à concepção identitária do
sujeito Pós-moderno (HALL, 2003 [1992]), que se distancia da visão do autismo como conflito
a ser “resolvido”. Diante da concepção do quebra-cabeça para representar o autismo,
problematizada por meio da discussão tanto da figura 11 quanto da figura 14, podemos perceber
que sua institucionalização por meio de iniciativas apensadas ao Projeto de Lei n. 1.874
(BRASIL, 2015b), que visam à obrigatoriedade dessa fita com o quebra-cabeça, e até mesmo a
sanção da Lei n. 13.977 (BRASIL, 2020), que sugere a sua utilização em estabelecimentos
públicos e privados, utilizam a estratégia da simbolização, operacionalizada pela categoria da
ideologia da unificação (THOMPSON, 2011 [1990]).
Essa estratégia ideológica tem o objetivo de construir um símbolo como unidade
coletiva de um não lugar de fala (RIBEIRO, 2017) para dominar parte da identidade de pessoas
autistas, colaborando com visões capacitistas dos sujeitos do Iluminismo e Sociológico (HALL,
2003 [1992]). Além disso, pelas estratégias da apassivação, pelo fato de suprimir a
representatividade de pessoas autistas, e da eternalização, que reafirma e repete o símbolo como
fenômeno sócio-histórico permanente, operacionalizadas ideologicamente pela reificação, em
151
Antes de trazer as vozes dos/as colaboradores/as deste estudo, destaco que o símbolo
da figura 15 surgiu em 1969, mediante um concurso internacional organizado pela ONU, com
o intuito de viabilizar a acessibilidade de pessoas com deficiência física ao transporte coletivo
e a prédios públicos, sendo ampliado, paulatinamente, a outras deficiências em todo o mundo.
Já o símbolo da figura 16 foi anunciado pela ONU em novembro de 2015, visando à inclusão
de forma mais ampla de todas as deficiências em um único logotipo.
Voltando às perguntas que postei no grupo de WhatsApp, Eliz foi a primeira a
respondê-las: “O que eu acho que é cada deficiência tem que ter o seu próprio símbolo (...).
Mas que existem situações, como, por exemplo, na fila preferencial, que daí tem que usar um
símbolo só (...), porque num vai ficar enchendo o universo com símbolos diferentes”.
Alinhando-se (GOFFMAN, 1998 [1979]) ao frame interacional (TANNEN; WALLAT, 2002
[1987]) do áudio enviado por Eliz, Locke respondeu: “Concordo. Como é um símbolo de
deficiência, não faz sentido ter dois símbolos”. De acordo com Eliz e com Locke, é importante
termos um símbolo que represente o autismo, da mesma forma que outras deficiências também
o tem. No entanto, em relação à promoção da acessibilidade de pessoas com deficiência, o
colaborador e a colaboradora consideram que apenas um símbolo deveria abarcar todas as
deficiências.
Em relação ao símbolo da figura 15, Catarina ressaltou: “Meu problema com este
símbolo aqui é que as pessoas associam automaticamente a deficiência física e esquecem da
gente, (...) não conseguem extrapolar pra alguém que não tem algo ‘visível’”. Assim, como o
autismo é uma deficiência “invisível”, o símbolo do pictograma de uma pessoa em uma cadeira
de rodas, identificada com os dêiticos demonstrativo (‘este’) e de localização (‘aqui’) do campo
simbólico da dimensão contextual da emergência (HANKS, 2017 [2008]), tende a não atender
ao encaixamento do campo social no que tange à acessibilidade e ao suporte de pessoas autistas.
Ampliando e ratificando o footing (GOFFMAN, 1998 [1979]) proposto por Catarina, Eliz,
engajando-se no texto da figura 16, explicitou em mensagem de áudio: “Esse novo símbolo tem
a vantagem porque ele não expressa deficiência nenhuma, aparentemente ele não tem nenhuma
deficiência... Aí não fica aquele negócio... é... isso aqui é só pra cadeirante”.
Negociando e co-sustentando o footing (GOFFMAN, 1998 [1979]) acerca da
vantagem de termos apenas um símbolo que represente todas as deficiências, Locke comentou
sobre o texto da figura 16: “Só acho ele feio, mas faz sentido um que represente todos”.
Alinhando-se à projeção do seu próprio “eu” com o discurso em construção (GOFFMAN, 1998
[1979]) de que o texto da figura 16 é feio, Locke acrescentou: “Não é a toa que esse novo
símbolo ‘não pegou’ (...) Parece que ele não segue o mesmo design dos outros símbolos. Por
153
exemplo, na grossura dos traços. Não sei se testaram outras cores de preenchimento, mas
poderia ser até outro tom de azul”. Ratificando o footing de Locke, Catarina salientou: “Hahaha
eu concordo com vc! Tem alguma coisa no símbolo em si que não parece casar com os outros
pictogramas de placas”. Apesar de concordar com Locke que o símbolo da figura 16 precisa ser
melhorado, Catarina ressaltou:
Tirando isso, acho muito mais válido ter um símbolo pra todas as deficiências e que a
gente não fique dividindo muito, porque essa divisão enfraquece a gente. Acho uó
colocarem o laço em placas de prioridade, por exemplo, porque a gente não é mais
especial do que outros deficientes “invisíveis”. Mesmo que fosse o infinito no lugar
do laço, eu ainda acharia ruim, porque o que me incomoda é essa separação da gente
dos outros deficientes.
Como observamos neste capítulo, as três concepções de identidade elencadas por Hall
(2003 [1992]) coexistem em relação ao autismo. Nesse sentido, de um lado encontra-se a
identidade do sujeito do Iluminismo, que entende que pessoas autistas devem ser curadas e
tratadas, por considerarem o autismo uma síndrome, uma doença. Por outro, a identidade do
sujeito Sociológico, que, apesar de entender que o autismo é uma deficiência, apresenta
propostas interventivas para aproximar pessoas autistas o máximo possível da tipicidade
humana. Distanciando-se de ambas as concepções, que, de certa forma, almejam o controle da
condição humana do/a outro/a, a identidade do sujeito Pós-moderno concebe o autismo como
uma deficiência e como parte da diversidade, possuindo, portanto, um caráter inacabado, plural,
móvel e em construção.
Convém reforçar que os sujeitos dessas concepções assumem posicionamentos
diferentes em relação à (não)ratificação do lugar de fala e do protagonismo de pessoas autistas.
As identidades do sujeito do Iluminismo e do sujeito Sociológico, por exemplo, de acordo com
o texto da figura 8 analisado com pessoas autistas, partindo de frames (TANNEN; WALLAT,
2002 [1987]) e de footings (GOFFMAN, 1998 [1979]) em uma ‘interação mediada on-line’
(THOMPSON, 2018), concebem o autismo como sendo melancólico, triste, em uma relação
metafórica socioculturalmente situada (VEREZA, 2010) do tipo Autismo é ruim, Autismo é
para baixo. Há uma ordem de discurso (FOUCAULT, 1996 [1971]; FAIRCLOUGH, 2003,
2006) que representa um campo social no qual pessoas autistas não podem se sentir alegres,
orgulhosas de serem quem elas são, colaborando com a manutenção de estruturas sociais
capacitistas, que entendem que o autismo deve ser combatido.
Assim, utilizando-se as estratégias de padronização e de diferenciação (THOMPSON,
2011 [1990]), há a construção de um raciocínio que marca o lugar dos sujeitos identitários do
Iluminismo e Sociológico, colaborando, consequentemente, com a sustentação do capacitismo
estrutural e com o não entendimento de marcas identitárias advindas de lugares de fala do
sujeito Pós-moderno (HALL, 2003 [1992]) autista que se orgulha de sua condição neurodiversa.
Em relação à escolha das cores e do símbolo para representar o autismo, prevalece a
disputa de narrativas entre sujeitos identitários. De acordo com os footings (GOFFMAN, 1998
[1979]) e com as dimensões contextuais (HANKS, 2017 [2008]) analisadas advindas de
interações com pessoas autistas, podemos entender que as concepções dos sujeitos do
Iluminismo e Sociológico, por exemplo, privilegiam a cor azul e o símbolo do quebra-cabeça,
como, respectivamente, representação do autismo masculinizado e da necessidade de encaixar
155
Com base na luta de pessoas autistas que reivindicam o protagonismo de suas próprias
histórias, discuto, no próximo capítulo, sobre um olhar em direção à comunidade discursiva
neurodiversa e sobre demandas socioculturais advindas dessas comunidades, que clamam por
acessibilidade e por inclusão em diversos espaços de domínio público, entre os quais destaco,
como professor e ativista da escola para todos/as, a educação inclusiva.
157
CAPÍTULO 4
38
O dia do Orgulho Autista, comemorado no dia 18 de junho, foi inspirado no Dia do Orgulho LGBTQIA
(movimento político e social de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queer, intersexos, assexuais, além
de diversas possibilidades de orientação sexual e/ou de gêneros simbolizadas pelo sinal +).
159
Após postar o texto da figura 17, lancei as seguintes perguntas ao grupo de WhatsApp
deste estudo netnográfico: i) Que tipo de relação é estabelecida nessa imagem entre o autismo
e o mundo do trabalho?; e ii) Qual é a sua opinião sobre se colocar o cérebro como o centro
para representar o autismo?.
Eliz foi a primeira colaboradora a responder e, além de explicar que o texto da figura
17 se aproximou da neurodiversidade e da inclusão, pelo fato de trazer o cérebro como elemento
central, por mensagem, criticou: “Agora... a revista associou muito o autismo a um bom
desenvolvimento na matemática, né? O que acabou... como se diz?... perpetuando um
estereótipo do autista como alguém que vai bem na matemática, né?”. Nesse último comentário
de Eliz, podemos perceber que a colaboradora utiliza o marcador interacional ‘né?’, típico da
oralidade, para confirmar suas proposições anteriores, a fim projetar o seu “eu” na relação com
seus/suas interagentes, consigo mesma e com o discurso em curso. Esse recurso interacional é
uma estratégia que inter-relaciona a dimensão contextual da emergência – co-presença
intersubjetiva (VAN DIJK, 2012 [2011]) e co-engajamento em um cenário contextual
(HANKS, 2017 [2008]) – que atua na identificação (FAIRCLOUGH, 2003, 2006) de um campo
social que associa a pessoa autista à área da matemática.
Co-sustentando o footing (GOFFMAN, 1998 [1979]) do campo social (HANKS, 2017
[2008]) que entende que pessoas autistas têm um bom desenvolvimento na área da matemática,
Locke disse: “O autista só serve para Exatas e, no máximo para Biológicas, e que o autista não
pode ser bom em Humanas”. Após essa incursão, Locke manifestou o impacto da reprodução
desse tipo de pensamento: “Obviamente nem preciso dizer muito que é preconceituoso e uma
mensagem senso comum do autismo”. Em outras palavras, a distribuição e o consumo desse
tipo de prática social (FAIRCLOUGH, 2003, 2006) reitera estereótipos, como explicou Eliz, e
contribui para a manutenção do capacitismo, como ressaltou Locke, uma vez que o evento
social sob análise parte do princípio de que pessoas autistas só se destacam nas ciências exatas.
Sobre a centralidade do cérebro no texto da figura 17, Locke ainda argumentou:
Não é exatamente o cérebro, mas sim os elementos que estão em volta dele (...). Bem,
a função do cérebro nessa imagem é trazer uma narrativa de que os autistas podem
ocupar cargos que não sejam operacionais, afinal, as empresas só costumam contratar
autistas para cargos operacionais, e quando você vê um autista em cargo de analista
ou superior, é porque ou ele não se assumiu para as pessoas como autistas, ou ele já
assumiu que é autista na empresa já com esse cargo. Eu mesmo consegui chegar ao
nível de analista em uma agência que atende clientes grandes dentro do ramo de
eventos, porém eu não cheguei na entrevista falando que sou autista, por mais que eu
queira falar, tenho o pleno conhecimento de que as empresas são bem preconceituosas.
161
39
Tradução da metáfora ACHIEVING A PURPOSE IS ACQUIRING A DESIRED OBJECT, disponível no
repositório do MetaNet Metaphor Wiki (on-line).
163
comunidades de fala essencialmente pela língua, o que inclui a escrita, os ruídos vocálicos, os
assobios etc. Essas comunidades, na visão do autor (2009, p. 589), compartilham dois tipos de
regras culturais socialmente estabelecidas: “conduta e interpretação da fala e interpretação de
pelo menos uma variedade linguística”. Nesse sentido, a comunidade de fala que reivindica o
lugar do autismo em nossa sociedade estaria sob a custódia de regras que conduzem e
interpretam a fala em um modo de funcionamento operacionalizado por uma variedade
linguística. Isso, para mim, é incoerente em relação ao autismo, pois nessas comunidades o uso
de regras comuns de conduta e de interpretação encontram, na língua, diferentes formas e
modalidades de expressão (stims, comunicação aumentativa e alternativa, além de possível não
alinhamento discursivo pelo uso de metáforas ou de ironias, por exemplo).
Diferentemente da ideia de comunidades de fala, cujo foco recai sobre o sujeito,
Wenger (1998, p. 1), teórico na área aplicada de negócios, cunhou o termo comunidades de
prática para identificar “a participação de pessoas que estão totalmente envolvidas no processo
de criação, refinamento, comunicação e uso do conhecimento”. Segundo o autor (1998), uma
comunidade de prática, que é um sistema que se auto-organiza, baseia-se em três dimensões: i)
contínua renegociação pelos seus membros; ii) engajamento mútuo; iii) repertório dividido de
recursos em comum. Essas dimensões são dinâmicas e atuam em diferentes níveis de interação
institucional, desenvolvendo a capacidade de seus membros de criarem e de reterem o
conhecimento aprendido em práticas interacionais. Nesse sentido, para Wenger (1998, p. 2),
em uma comunidade de prática, os membros “estão informalmente ligados pelo que fazem
juntos (...) e pelo que aprenderam por meio de seu envolvimento mútuo nessas atividades”,
contribuindo para a formação identitária dos membros que constituem uma organização.
Ampliando o sentido de comunidades de prática para os estudos da área aplicada da
linguagem, Young (2008, p. 124) ressalta que esses grupos “compartilham formas de interpretar
o mundo e, especialmente, formas de organizar como eles falam”. Apesar de os membros de
uma comunidade de fala organizarem a forma como ocorre a interação e a comunicação, o autor
(2008) explica que existem diferenças no uso da gramática, do vocabulário e da pronúncia que
variam geográfica e socioculturalmente em uma língua. Essa variabilidade linguístico-
interacional, situada no espaço e no tempo, é negociada, constantemente, de forma fluida, em
um contínuo, por sujeitos que atuam nessas comunidades de prática, tendo em vista a
dinamicidade e as demandas intersubjetivas que surgem desses grupos.
Young (2008) ainda explica que há quatro características que vão ao encontro da
constituição de comunidades de prática: i) é necessária a relação dos/as participantes da
comunidade de prática; porém, a afiliação a ela, não, o que significa afirmar que, em uma
165
não verbais dos membros individuais”, em que a voz, os gestos, o olhar e os corpos de todos os
sujeitos colaboram, em alguma medida, para a construção e a manutenção de manifestações
discursivas e socioculturais dessas comunidades.
Em relação ao autismo, considero que a comunidade discursiva neurodiversa, ao se
engajar e ao demandar espaços em nossa sociedade, clama não apenas pela aceitação de
diferenças cerebrais, mas principalmente pela possibilidade de discutir, de construir sentidos e
de manter o processo de consolidação, ainda que em constante mutação, de identidades que
lutam por espaços de direitos. Considerando-se identidades e o espectro autista como fluidos,
dinâmicos, em um contínuo, podemos também ventilar a ideia de que a comunidade discursiva
neurodiversa não opera de forma substantivada, mas sim como um verbo (inter)acional,
causador de mobilidade social. Nesse sentido, a comunidade discursiva neurodiversa, que está
em constante movimento, transformação e engajamento a favor de direitos de pessoas autistas,
reage em relação a ordens de discurso (FOUCAULT, 1996 [1971]; FAIRCLOUGH, 2003,
2006) neurotípicas, que impõem costumes e comportamentos, contribuindo para a manutenção
do capacitismo e da desigualdade social. Mas quais são as demandas sociais dessa comunidade
discursiva neurodiversa? Na próxima seção, discutiremos algumas delas.
4.2 É como se quando a gente fizesse 18 uma nave alienígena viesse e levasse a gente
responsáveis de filhos/as autistas. Cabe destacar que a comunidade autista ainda luta para que
funcionários/as públicos/as federais, assim como servidores/as e funcionários/as públicos/as
estaduais, distritais, municipais, e funcionários/as de empresas privadas e empregados/as
domésticos/as também tenham direito a esses benefícios; iii) a isenção dos impostos IPI e IOF
na compra de um automóvel novo; iv) a gratuidade no transporte interestadual à pessoa autista
que comprove renda de até dois salários mínimos; v) o desconto de 80% na passagem aérea
do/a acompanhante da pessoa autista maior de 18 anos que requer suporte durante o voo; vi) o
Benefício da Prestação Continuada, conforme consta na Lei n. 8.742 (BRASIL, 1993), que
oferece um salário mínimo por mês à pessoa autista impossibilitada de trabalhar e cuja renda
mensal per capita da família seja inferior a um quarto do salário mínimo; vii) a garantia de
acompanhamento de monitor/a na escola, caso seja comprovada a necessidade; viii) o direito à
saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), bem como atendimento multiprofissional
e interdisciplinar em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); e ix) a presença de um/a
monitor/a em sala de aula para dar suporte ao/à estudante autista e viabilizar o estabelecimento
da educação inclusiva.
Como apontado anteriormente, a comunidade autista tem conquistado espaços de
direitos a favor da acessibilidade e da inclusão. Cabe salientar, no entanto, que ainda há diversas
lutas que fazem parte da agenda dessas comunidades. Para exemplificar algumas discussões e
problematizações nesse âmbito, destaco e discuto algumas demandas que requerem
implementação urgente em nossa sociedade.
Sobre o lema ‘Nada sobre nós sem nós’, movimento internacional adotado por ativistas
e por pessoas com deficiência desde os anos 1970, pessoas autistas têm reivindicado
participação em pesquisas, a fim de referendá-las e de se contraporem à hegemonia do
pensamento abissal (BOAVENTURA SANTOS, 2010) que espetaculariza o autismo a partir
do melo médico. Em função disso, solicitam que investigadores/as consultem o ativismo autista,
que perguntem e que conversem com pessoas autistas para saberem a opinião delas, que façam
parte da comunidade discursiva neurodiversa, e que se aproximem de questões genuinamente
sociais demandadas por pessoas autistas, respeitando o lugar de fala (RIBEIRO, 2017) de cada
sujeito (como pessoa autista, mãe, pai, irmão/ã, avô/avó, tio/a, médico/a, professor/a de pessoa
autista, além de pesquisador/a sobre o autismo, entre outros lugares de fala). Cabe ressaltar que,
apesar de a comunidade discursiva autista entender que cada pessoa deve ter seu lugar de fala
respeitado, ainda é comum aparecerem discussões sobre políticas públicas nas áreas da saúde,
da educação e da assistência social sem trazer o protagonismo ativista para o debate. Como
exemplo dessa prática, apresento o texto multimodal da figura 18, publicado no portal de
168
notícias Arcos, que se refere à instituição da carteira de identificação nacional da pessoa autista,
instituída pela Lei n. 13.977 (BRASIL, 2020), para ampliar nossas discussões.
Fonte: https://www.portalarcos.com.br/noticia/28955/sobre-a-carteira-de-identificacao-da-pessoa-
com-transtorno-do-espectro-autista, de 06/02/2020. Acesso em: 07 set. 2020.
#Postacessível da figura 18. Imagem com fundo azul claro. No primeiro plano, aparece o desenho de
um garoto branco com cabelo marrom, vestindo camiseta azul e sorrindo. No segundo plano, à esquerda do
desenho do menino, a foto do seu rosto é estampada na carteira de identificação. À direita dessa carteira, que tem
a cor verde, aparece uma fita com um laço do quebra-cabeça nas cores amarelo, vermelho, azul e verde. Na sua
parte superior da imagem está escrito: ‘Carteira nacional de identificação do autista, lei Romeo Mion’.
Junto a esse texto da figura 18, lancei as seguintes perguntas ao grupo de WhatsApp
formado para o estudo netnográfico desta tese: i) Como o autismo é representado nessa carteira
de identificação?; e ii) O que você acha dessa carteira?.
A colaboradora de pesquisa Rosa foi a primeira a responder às perguntas no grupo:
“Novamente há os seguintes estereótipos: autismo ligado ao masculino, infância e branquitude.
Sem falar no uso da fita do quebra cabeça, mostrando que o autismo precisa ser resolvido. Acho
que a carteira é uma medida paliativa que não resolve a questão da educação da sociedade”.
Co-sustentando o footing (GOFFMAN, 1998 [1979]) de Rosa em relação aos estereótipos da
carteirinha, Catarina sinalizou: “estereótipo em cima de estereótipo (...) de novo autistas adultos
são esquecidos. É como se quando a gente fizesse 18 uma nave alienígena viesse e levasse a
gente embora, porque as representações são sempre com crianças...”. Esse cenário contextual
169
Acho que tudo o que eu penso já foi dito pela Rosa... a imagem de uma criança, um
menino branco, né? Reforçando esses estereótipos é... e a carteirinha ela não resolve
é... o problema... ela não educa a sociedade... Ela só como uma carteirinha... eu não
sei por que que todo mundo não continua andando com o laudo ou então por que que
não fazem uma... uma medida que ajude todas as pessoas que têm deficiência não
visíveis, né?... E não só o autista... Ai...
40
Tradução da metáfora conceptual SIMILARITY IS PROXIMITY, disponível no repositório do MetaNet
Metaphor Wiki (on-line).
172
41
O termo “autistar” é utilizado pela comunidade discursiva autista brasileira como a ação de movimentos e de
comportamentos para a autorregulação sensorial, além do engajamento político e social que advém da sua
participação política na sociedade e do seu lugar de fala.
174
4.3 As pessoas não acreditam que pessoas autistas possam não ter cara de autistas
A atenção dada à escrita como meio para se estudar uma língua tem origem na cultura
helenística (séculos II e III a.C.). Rocha (2013) explica que o termo grammatiké, arte de ler e
de escrever em uma língua, era considerado por gregos como instrumento de cultivo e de
preservação de valores. Essa arte helenística foi codificada em forma de gramática por Dionísio
da Trácia (170 a.C. – 90 a.C.), organizador da arte da gramática na Antiguidade, em um livro
de 15 páginas e 25 sessões, intitulado Téchné Grammatiké, em que se apresenta uma explicação
da estrutura da língua grega.
No Ocidente, o modelo apresentado por Dionísio da Trácia foi replicado e difundido.
Para citar alguns exemplos, a primeira gramática entre as línguas vernáculas a ser impressa na
Europa foi a Gramática da Língua Castelhana, publicada em 1492 por Antonio de Nebrija, em
Salamanca. Em relação à língua portuguesa, a primeira gramática foi publicada em Portugal
pelo padre Fernão de Oliveira, em 1536, denominada Gramática da Lingoagem Portugueza. Já
no Brasil, a primeira do português brasileiro é atribuída, conforme explica Cavalieri (2012), ao
padre Antônio da Costa Duarte, sob o título Compêndio da Grammatica Portugueza, em 1829.
Todas essas gramáticas, incluindo versões comercializadas ainda no século XXI, impactam no
ensino de língua materna, uma vez que escolas privilegiam e naturalizam práticas voltadas para
a leitura e para a escrita, o que nos faz constatar que a tradição do ensino de língua materna
ainda se baseia em práticas grafocêntricas, cujo domínio do modo verbal escrito assume posição
de destaque, de prestígio e de poder.
Mas qual seria o impacto do grafocentrismo no ensino de línguas adicionais? Para
responder a essa pergunta, cabe-nos fazer uma breve reflexão acerca do lugar ocupado por
práticas grafocêntricas no ensino de língua adicional. Paralelamente à aprendizagem e à
aquisição de línguas pelo contato direto com falantes nativos/as, alguns povos se dedicaram ao
ensino de línguas de outro idioma por diferentes razões, entre as quais havia interesses de ordem
econômica, diplomática, militar, comercial ou social.
De acordo com Martins (2017), as primeiras notícias do ensino de outra língua
remontam ao 3º milênio a.C. A autora (2017) explica que os acadianos aprenderam a escrita
dos sumérios após a conquista destes povos, tendo em vista que o conhecimento do sumério
representava promoção social e permitia acesso à religião e à cultura da época. No entanto, o
sumério ensinado era apenas o escrito, distanciando-se da língua usada por seus povos. Desse
175
42
Refiro-me às práticas significativas no sentido definido por Moreira (2012, p. 2): “aquela em que ideias expressas
simbolicamente interagem de maneira significativa com aquilo que o aprendiz já sabe” e que emergem do contexto.
177
aprendizagem, e de permitir que a mediação sirva, conforme propõe Tomasello (2003, p. 11),
como “ombros cognitivos” para que sujeitos autistas desenvolvam suas potencialidades.
Em relação à segunda pergunta, a tríade grafocêntrica leitura-escrita-fala faz parte da
tradição do ensinar e do aprender outra língua, que vai desde abordagens do tipo gramática-
tradução até metodologias com enfoque comunicacional. O foco que se dá a essa tríade no
ensino de línguas é valorizado em diversos materiais didáticos, cujas propostas, em minha
prática pedagógica, têm revelado alguns contratempos, uma vez que exploram compreensões e
produções de texto escrito e oral que se distanciam, constantemente, de interesses de estudantes
neurotípicos/as e, especialmente, de aprendizes neurodiversos/as. Dessa forma, proponho, nesta
tese, a realização de atividades com temáticas que privilegiam o processo de elaboração e de
produção de narrativas visuais, em consonância com a abordagem sociointeracional, rompendo
com a tríade grafocêntrica no ensino de línguas. Essas atividades podem ser consultadas nos
apêndices A, B e C desta tese, em formato de sequência didática.
Acerca da terceira pergunta, cabe salientar que o sistema de educação inclusivo
brasileiro se ancora à regularidade discursiva do falacentrismo, que, segundo Lockmann (2012),
consiste em práticas discursivas que englobam a necessidade humana de se comunicar e de
socializar para ser aceito/a em uma comunidade. Considerando a variabilidade do espectro no
autismo, alguns/mas estudantes autistas não falam ou verbalizam pouco oralmente tanto em
língua materna quanto em língua adicional, o que os/as torna vulneráveis de exclusão social.
Com o intuito de diminuir essa assimetria, é imprescindível que docentes utilizem ferramentas
de Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) que transcendam a língua falada e que
estimulem estudantes também a fazê-lo.
Como explica Bonotto (2016), gestos, balbucio de sons, Língua Brasileira de Sinais
(Libras), sistemas pictográficos (Rebus, Bliss, Picyms, Picture Exchange Communication
System – PECS –, modelo soma Rapid Prompting Method – RPM) são exemplos de
técnicas/métodos da CAA que podem se beneficiar de suportes de baixa tecnologia (pranchas,
pastas plastificadas) e/ou de alta tecnologia (vocalizadores, softwares, aplicativos). Posto isso,
entendo que a CAA deve ser disseminada tanto nos cursos de licenciatura das universidades
quanto nas unidades de ensino da educação básica brasileira, a fim de construirmos práticas a
favor de uma educação mais equânime e inclusiva.
Sobre a última pergunta, inspirado em minha dissertação em Leitão (2017, p. 43),
apresento ações de agentes que potencialmente podem promover a educação inclusiva com
estudantes autistas, como podemos observar no quadro 10.
178
2015a), que prevê sistema educacional inclusivo em todos os níveis, legitima o capacitismo,
impossibilitando que estudantes com deficiência tenham os mesmos direitos de igualdade e de
oportunidades de acesso ao sistema educacional brasileiro. Na figura 19, apresento texto
multimodal publicado pela agência de notícias ETC, que explica o lugar da pessoa com
deficiência na educação brasileira com a implementação do Decreto n. 10.502 (BRASIL, 2020).
#Postacessível da figura 19. Imagem com fundo branco. À esquerda, escrito em letras grandes: Decreto
n 10.502/2020. À direita, um quadrante com as seguintes representações: exclusão, segregação, integração e
inclusão. Representando a exclusão, bonecos sem deficiência nas cores vermelho e lilás dentro de um círculo
grande, e bonecos com deficiência nas cores verde, roxo, azul e alaranjado ao redor, do lado de fora, desse mesmo
círculo. Representando a segregação, bonecos sem deficiência nas cores vermelho e lilás dentro de um círculo
grande, e bonecos com deficiência nas cores verde, roxo, azul e alaranjado em um círculo pequeno, ao lado.
Representando a integração, bonecos sem deficiência nas cores vermelho e lilás dentro de um círculo grande. Esse
círculo grande comporta um círculo menor com bonecos com deficiência nas cores verde, roxo, azul e alaranjado.
Representando a inclusão, bonecos sem deficiência, nas cores vermelho e lilás, e bonecos com deficiência, nas
cores verde, roxo, azul e alaranjado, dentro de um círculo grande.
devido à falta de entendimento do que é uma deficiência psicossocial. Dessa forma, a chegada
de um diagnóstico médico a uma escola regular pode suscitar questionamentos da gestão escolar
e do corpo docente, motivados/as pelo Decreto n. 10.502 (BRASIL, 2020), sobre um lugar mais
“adequado, preparado e especializado” para receber estudantes autistas que não seja na
perspectiva da educação inclusiva. Esse tipo de desdobramento de práticas sociais
(FAIRCLOUGH, 2003, 2006), institucionalizado pelo decreto, colabora no sentido de
disseminar práticas preconceituosas e de exclusão, além do disfarce de “boas intenções”, como
manobra de manipulação não só da comunidade escolar, mas também de toda a sociedade.
Além disso, podemos fazer uma associação em relação à dificuldade de
reconhecimento do autismo na educação inclusiva ao que explicou a colaboradora de pesquisa
Rosa no momento da geração de dados sobre o texto da figura 18. Segundo ela, “no ônibus as
pessoas não acreditam que pessoas autistas possam não ter cara de autistas”, dificultando a
utilização de lugar preferencial ou até mesmo do passe livre. Seguindo esse raciocínio,
gestores/as, docentes e/ou secretários/as podem chegar a negar o direito de acesso à educação
inclusiva na escola regular pelo fato de receberem um diagnóstico de autismo e sugerir o
encaminhamento desses/as alunos/as a espaços de integração ou de segregação, sustentando
práticas capacitistas e de exclusão.
Como professor e pesquisador da educação inclusiva, entendo que pessoas autistas
encontram barreiras na formação de uma configuração interacional do que é socioculturalmente
aceito e esperado, uma vez que a partilha de sentidos varia contextualmente em relação ao
tempo e ao espaço. Por conseguinte, ações como atenção mútua a objetos ou a pessoas, ritmo
compartilhado, expressões faciais, emoções verbais e não verbais, e intencionalidade são
algumas variabilidades que podem se distanciar da atipicidade, tendo em vista a dinamicidade
e a complexidade de contextos intersubjetivos (VAN DIJK, 2012 [2011]), (re)negociadas entre
pares interacionais.
Consequentemente, no ensino de língua adicional, um caminho para promover a
inclusão com estudantes autistas é a mediação de ações propostas pelo/a professor/a,
preferencialmente por meio de atividades que privilegiem a linguagem objetiva, em detrimento
da subjetividade e do ensino pautado na abstração. Acredito e defendo que uma abordagem de
ensino que aborde temas de interesse dos/as aprendizes e que tenha como ponto de partida
atividades intersemióticas que privilegiem a experiência do toque, o paladar, a audição e outras
manifestações sinestésicas por meio dos sentidos (LE BRETON, 2016) são capazes de
direcionar os sujeitos (atípicos e típicos) à (co)construção de sentidos, tornando, assim, a
experiência da aprendizagem mais concreta, tangível e significativa.
181
(FOUCAULT, 1996 [1971]; FAIRCLOUGH, 2003, 2006), que variam de acordo com o
contexto (HANKS, 2017 [2008]).
Assim sendo, ao assumirmos o posicionamento discursivo defendido por Vereza
(2010, 2017) em relação aos estudos da metáfora, além de nosso interesse em ir em direção à
partilha de frames (TANNEN; WALLAT, 2002 [1987]) que se materializam em instâncias
interacionais, consideramos que aspectos sociocognitivos, linguísticos e sociointeracionais
constroem sentidos em nichos metafóricos nos quais a discursividade se materializa. Nesse
sentido, o discurso assume um posicionamento central na constituição de metáforas que
articulam a indissociável simbiose de aspectos sociocognitivos, linguísticos e
sociointeracionais, revelando uma dinamicidade metafórica relativamente controlada pelos
sujeitos da cena interacional, na qual a cognição, o sistema, a interação, a prática linguageira,
incluindo as relações de poder, se estabelecem em lócus mediado pela intencionalidade
discursiva on-line.
Desse modo, a Parte III desta tese ancora-se no estudo multimodal da metáfora na
perspectiva socioculturalmente situada, de natureza sociocognitiva, linguística e
sociointeracional, que emerge pelo contato face a face entre sujeitos interacionais que, no
escopo do estudo apresentado nos capítulos 5, 6 e 7, ocorre entre estudantes autistas e típicos/as.
Cabe ainda focalizar que a metáfora socioculturalmente situada se articula em um contínuo
hierárquico de superordenamento metafórico, como propõe Vereza (2010), que se estabelece
entre as metáforas linguísticas e as conceptuais, como representado na figura 20.
Metáforas
conceptuais
Metáforas
socioculturalmente
situadas
Metáforas
linguísticas
seus/suas seguidores/as, dentre os/as quais, para citar alguns/mas pesquisadores/as, destaco
Mandler (2004), Gibbs (2006), Feltes (2007), Dabrowska e Divjak (2015), direcionam seus
estudos para a análise relativamente estável da TMC por meio do plano verbal, buscando
evidenciar pesquisas que visam à codificação conceptual do processamento metafórico.
Ampliando a noção da TMC, Kövecses (2005, 2010) discute a questão da variabilidade
cultural da metáfora. Para o autor (2005, 2010), as metáforas conceptuais se manifestam de
modo verbal e não verbal em diferentes contextos, influenciadas por práticas sociais
(FAIRCLOUGH, 2003, 2006) que são, para mim, culturalmente estabelecidas por comunidades
discursivas (YOUNG, 2008). Como exemplo, Kövecses (2005) cita que a disposição de pessoas
em uma mesa de jantar, variando culturalmente, pode indicar o destaque imposto a sujeitos em
determinada cena interacional, possibilitando-nos extrair uma metáfora conceptual do tipo
IMPORTÂNCIA É CENTRO, IMPORTÂNCIA É TAMANHO ou, ainda, IMPORTÂNCIA É
PESO CORPÓREO. Apesar de reconhecer e de exemplificar metáforas conceptuais que surgem
a partir do plano não verbal, Kövecses (2005, 2010) direciona suas investigações para a
materialidade linguística verbal, analisando, principalmente, diferenças culturais de
conceptualização metafórica, que variam de acordo com a experienciação corporificada da
linguagem.
Como discutido em Parte II: Conhecendo o território da jornada, Forceville (1988,
1996, 2009, 2016) e Sperandio (2015) se distanciam de análises metafóricas ancoradas apenas
no plano verbal e propõem encaminhamentos de trabalhos que transcendam tal plano. Assim
sendo, no estudo apresentado nos capítulos 5, 6 e 7, além de investigar domínios da metáfora
multimodal (FORCEVILLE, 1988, 2006, 2016; SPERANDIO, 2015) em perspectiva da
discursividade situada, de natureza linguística, sociocognitiva (VEREZA, 2010, 2016, 2017) e
sociointeracional, analiso como diferentes modos, com destaque especial para o olhar, o gesto
e o toque, projetam-se metaforicamente (SPERANDIO, 2015) e de forma crítica
(CHARTERIS-BLACK, 2004, 2006) em cenas interacionais (co)construídas e materializadas
no contato face a face entre sujeitos neurodiversos e neurotípicos no âmbito tanto da educação
inclusiva quanto do processo de ensino e de aprendizagem de espanhol como língua adicional.
Cabe destacar que, para que a análise da sobreposição modal seja realizada, precisamos
compreender o lugar que a multimodalidade ocupa na área da linguística aplicada.
A compreensão do termo multimodalidade ainda tem uma concepção conflitante entre
seus/suas pesquisadores/as. Quando Jewitt (2011 [2009], p. 28) afirma, por exemplo, que a
“multimodalidade pode ser entendida como uma teoria, uma perspectiva ou um campo de
investigação ou de aplicação metodológica”, nos deparamos com dois polos epistemológicos
187
(CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999), que, de acordo com Moita Lopes (2006), procura
problematizar, criar inteligibilidades e vislumbrar soluções, como é o caso dos capítulos 5, 6 e
7, que visa a trazer apontamentos sobre análise de diferentes modos para a construção de
sentidos em turmas de espanhol como língua adicional, no âmbito da educação inclusiva, tendo
em cena estudantes neurotípicos/a e neurodiversos/as.
Essa perspectiva híbrida de ensino e de aprendizagem de língua adicional entre
estudantes típicos/as e atípicos/as se alinha à agenda subversiva da linguística aplicada,
apontando para possibilidades de uma educação, de fato, inclusiva. A essa agenda subversiva
da linguística aplicada também podemos inscrever o que Rampton (2006, p. 117) entende como
“prioridade dada à ação situada na relação entre linguagem e uso da linguagem”, dado que a
linguagem não é concebida como sistema linguístico “carregador principal do significado”
(RAMPTON, 2006, p. 117), mas sim como processo que articula diversos tipos de percepção,
de signos e de conhecimento, em consonância com interesses da abordagem multimodal.
Kress (2015) ainda explica que, em uma abordagem multimodal vinculada à teoria da
Semiótica Social, questões relacionadas à distribuição de poder, bem como em uma abordagem
multimodal relacionada à Sociolinguística Interacional (NORRIS, 2009 [2011], 2013, 2016,
2019), perspectiva à qual esta tese se inscreve, tornam-se relevantes quando inseridas na área
de interesse da linguística aplicada. Desse modo, os encaminhamentos da abordagem
multimodal devem privilegiar “interesses sociais e necessidades de comunidades cujos
membros representam, desenvolvem e constantemente modificam recursos semióticos”
(KRESS, 2015, p. 55), a fim de se diminuírem relações assimétricas de poder (FAIRCLOUGH,
2008 [1992]), de se fortalecer o discurso contra-hegemônico (CHARTERIS-BLACK, 2004,
2006) e de se favorecer a ação mediada para a construção de sentidos (SCOLLON;
SCOLLON, 2011 [2009]). Convém reiterar que, nesta tese, essa ação mediada busca privilegiar
interesses sociais entre estudantes típicos/as e autistas no âmbito da educação inclusiva,
impactando no possível engajamento transformativo e na constituição identitária dos sujeitos
(KRESS, 2010) por meio de práticas significativas e reflexivas.
As contribuições de abordagens multimodais, de acordo com Kress (2015), possuem
ampla rede de possibilidades no escopo da linguística aplicada, cuja natureza é
interdisciplinar/transdisciplinar (MOITA LOPES, 2006), transitando em meios materiais
(modos) e não materiais (conceituais e categorias que moldam o mundo social e cultural). Para
Kress (2015), é por meio desses meios que concebemos entidades, ações, relações, gêneros
discursivos, enquadres, formas de coesão, tempo, espaço, realidades, factualidades, entre outras
representações do mundo em que vivemos.
189
43
Kress (2010) explica que a orquestração de sentidos está relacionada à articulação de materiais semióticos
selecionados e reunidos por atores e por atrizes sociais.
190
sujeito inscrito no contexto (HANKS, 2017 [2008]; VAN DIJK, 2012 [2011]). O interesse da
perspectiva analítica multimodal interacional se volta para a forma como recursos e
princípios, além do processo de construção de sentidos, em um sistema modal relativamente
fluido e dinâmico, são socioculturalmente localizados e regulados segundo os interesses de cada
produtor/a de sentidos. Essa é a abordagem adotada nesta Parte III; por conseguinte, avanço
um pouco mais em sua discussão.
Como explicitado anteriormente, a perspectiva multimodal interacional, de acordo
com Jewitt (2011 [2009]), é desenvolvida a partir de estudos sociointeracionais. Essa
abordagem, segundo a autora (2011 [2009]), tem como principais representantes os
pesquisadores Scollon e Scollon (2003, 2011 [2009]), que entendem que o discurso é mediado,
amparando-se em pressupostos sociológicos (GOFFMAN, 1979 [1974]; 1998 [1979]) e
sociointeracionais (GUMPERZ, 1998 [1982]; TANNEN; WALLAT, 2002 [1987]). De acordo
com Norris (2011 [2009], p. 79), “o termo interação é usado na abordagem multimodal
interacional para referir-se a qualquer ação social” que colabora para a construção conjunta de
sentidos. Para que haja interação, portanto, a autora (2011 [2009]) explica que sistemas de
representação ou sistemas semióticos são partilhados por atores e por atrizes sociais mediante
modos, que são meios de mediação que os sujeitos utilizam, desenham, (co)constroem, e que,
apesar da relativa estabilidade de regras, possuem caráter dinâmico e fluido.
Jewitt (2011 [2009]) ainda explica que a abordagem multimodal interacional emergiu
de estudos etnográficos que buscavam analisar como diferentes modos se articulavam para a
construção identitária. Portanto, entendo que essa abordagem dá ênfase à noção do contexto
intersubjetivo (VAN DIJK, 2012 [2011]), que visa a analisar como uma variedade de modos
constituem a interação social, as identidades e as relações que atores e atrizes sociais
(co)constroem pelo discurso. Na esteira desse pensamento, a análise multimodal interacional
tem como objetivo a articulação de modos em determinado momento da interação social entre
atores e/ou entre atrizes sociais que estão em constante negociação. Mediados/as por discursos
e por contextos intersubjetivos (VAN DIJK, 2012 [2011]), atores e atrizes sociais se alinham,
de acordo com Goffman (1998 [1979]), com o outro, consigo mesmo e com o discurso em
construção, a fim de negociarem, de ratificarem (ou não), de co-sustentarem e de modificarem
footings (GOFFMAN, 1998 [1979]), preservando suas faces.
De acordo com Norris (2004), o processo comunicacional entre seres humanos só é
possível graças à interação que se estabelece entre uma pessoa que envia uma mensagem e outra
que a recebe. Por oportuno, cabe-nos sinalizar que entendemos que os termos comunicação e
interação não operam como sinónimos, apesar de serem perspectivas que se realizam em um
192
continuum. Enquanto a comunicação, em conformidade com Morato (2004), é tida como uma
disposição para a cooperação, sendo inata à experiência humana, a interação pressupõe que o
outro é imprescindível para a construção conjunta de sentidos, além de “capital para a
compreensão das tarefas interpretativas (MORATO, 2004, p. 318).
Assim sendo, ampliando a noção de Norris (2004), entendo que o envio da mensagem
a outra pessoa está diretamente relacionado à maneira sobre a qual diferentes modos (escrita,
fala, gesto, roupa, movimento, desenho de objetos e de ambientes) são orquestrados e se
articulam para construírem sentidos, sendo influenciados não apenas pela previsibilidade de
elementos estáveis do processo comunicacional, como a existência de um emissor e de um
receptor, mas sim por construções discursivas dinâmicas que se estabelecem antes, durante e
depois do processo interacional, negociado e (co)construído entre os pares. Dessa forma, parto
do princípio de que modos utilizados para a interação não criam um momento comunicativo;
porém, o processo de se fazer algo com outra(s) pessoa(s) permite que a interação seja
(co)construída entre os sujeitos em cena.
Como esta Parte III visa à análise da interação mediada por diferentes modos, com
destaque ao olhar, ao gesto e ao toque, entre estudantes de espanhol como língua adicional, em
turmas de educação inclusiva com aprendizes autistas, encaminho um olhar sensível que advém
dos estudos da SI, a fim de colaborar com a meta teórica da ADC, que é o encaminhamento de
mudança de práticas sociais, rompendo com barreiras comunicacionais presas a instâncias do
plano textual verbal, a fim de promover terreno para a (co)construção de sentidos. Para se fazer
análise dessa abordagem multimodal interacional, Norris (2011 [2009]) sugere que ações
multimodais mediadas, provenientes da densidade modal e das configurações modais, sejam
investigadas na cena interacional. A seguir, além de abordar esse tema, buscarei estabelecer
pontos de encontro entre ações multimodais mediadas e a metáfora discursiva
socioculturalmente situada, a fim de contribuir para a discussão da metáfora multimodal.
Norris (2013, p. 156) define modo como “um sistema de ação mediada com
regularidades” na qual atores e atrizes sociais estão em contínua relação com o mundo. Com
essa definição, a autora (2013) explica haver três princípios direcionadores da ação mediada: i)
modos não existem por si só no mundo e na natureza, uma vez que há constante interação com
outros modos de linguagem para a construção de sentidos, sendo, portanto, múltiplos,
multimodais; ii) modos podem ser delineados de diversas maneiras, variando de acordo com a
maneira pela qual são partilhados contextualmente; e iii) modos nunca são singulares, dada a
dinamicidade e a variabilidade cultural de cada modo. Dados esses pressupostos da ação
modal mediada, não é apenas o modo verbal que estrutura a interação. Em outras palavras,
193
gestos, olhares, cores, movimentos, cheiros, texturas, entre outros modos, inclusive o verbal,
ocupam igual relevância em análises da abordagem multimodal interacional. Assim sendo, ao
interagirmos com estudantes em uma perspectiva de educação inclusiva com estudantes
atípicos/as, há a necessidade premente de estarmos atentos/as a diversos modos que se articulam
e que constroem sentidos, desvencilhando-nos do modo grafocêntrico ou falacêntrico,
discutidos na subseção 4.3, como único articulador da força motriz interacional.
De acordo com Norris (2011 [2009]), o termo ação mediada foi cunhado pelos
psicólogos russos Vigotski, Leont’ev e Luria, nas décadas de 1920 e 1930, que desenvolveram
um conceito de sistema geral histórico e cultural baseado em princípios como mediação,
desenvolvimento contínuo, zona de desenvolvimento proximal, objetos orientacionais,
conceitos de internalização e externalização. Para a autora (2011 [2009]), esses princípios
formam a base da análise do discurso mediado, cujo foco de estudo privilegia a interação entre
atores/atrizes sociais ou a interação entre esses/as e seu meio.
Apesar de ser um sistema mediado e dinâmico, Norris (2006) afirma que
características da ação multimodal nos permite investigar regularidades na maneira sobre a qual
modos se articulam para a construção de sentidos, permitindo-nos analisar como ocorre o
processo (inter)acional. Assim sendo, para a autora (2006), três perspectivas nos possibilitam
investigar essas regularidades da ação modal mediada: i) constância estabelecida na relação
entre atores/atrizes sociais e sentidos mediados; ii) frequência de manifestação modal
influenciada por aspectos socioculturais e históricos de cada sujeito da cena interacional; e iii)
transferência de características de um modo para outro modo.
Conforme discutido anteriormente, o discurso (dinâmico, fluido e situado) se
materializa no espaço entre aspectos sociocognitivos, linguísticos e sociointeracionais. Tendo
em vista essa materialização discursiva e a complexidade da articulação entre cognição, sistema
e uso para a conceptualização metafórica, defendo que redes de sentidos se formam na tessitura
(não) verbal, por meio de ações multimodais mediadas, articulando-se, em um continuum,
instâncias mais estáveis do nosso sistema conceptual e instâncias relativamente estáveis do
nosso sistema de uso efetivo da língua. Dessa forma, a relativa regularidade da ação modal
mediada encontra ponto de intersecção com os estudos da metáfora discursiva
socioculturalmente situada, uma vez que a natureza de nosso sistema conceptual, além de se
materializar na constância da experienciação humana compartilhada, também compartilha da
relativa regularidade da ação modal.
Como atores e atrizes sociais estão constantemente envolvidos/as em mais de uma
ação modal, Norris (2013) sugere que o/a analista inscrito/a na abordagem multimodal
194
interacional observe o tipo de ação modal que emerge em seu contexto de pesquisa. Segundo
Norris (2011 [2009], p. 81), “há diversas camadas de ações (que têm um início e um fim), que
coincidem com a postulação de que existe uma estrutura hierárquica de atividade interacional”.
Essa estrutura hierárquica interacional é denominada pela autora como um conjunto de camadas
de a) ações de nível superior, b) ações de nível inferior e c) ações congeladas.
Norris (2011 [2009]) argumenta que a noção de frame de Goffman (1979 [1974]),
termo introduzido por Bateson (1998 [1972], p. 57) para explicar “um conceito de natureza
psicológica que capta o grau de ambivalência presente nas comunicações, suas funções, bem
como relações sutis de subordinação entre as mensagens”, vão ao encontro das camadas da
hierarquia interacional modal de nível superior, que são unidades modais densas que
constroem sentidos. Nesse viés, da mesma forma que Goffman (1979 [1974]) explica que
frames (enquadres) existem por meio de um conjunto de situações que governam nosso
envolvimento subjetivo a um evento, há uma estrutura hierárquica de nível superior modal na
interação que organiza nossa experiência humana.
Ainda de acordo com Goffman (1979 [1974], p. 11), interagentes estão em um
“contínuo compartilhamento de frames sociais”, entendidos como intenções e expectativas que
se estabelecem entre os sujeitos, em uma relação do tipo figura e fundo. A figura costuma nos
apresentar acontecimentos físicos sem consciência causadora do que está acontecendo no aqui-
agora, enquanto que a noção de fundo nos permite a compreensão de acontecimentos que se
manifestam de acordo com a vontade, com o objetivo e com o esforço de cada sujeito.
Por conseguinte, da mesma forma que frames sociais são construídos conjuntamente,
levando-se em consideração as noções de figura e de fundo, ações de nível superior podem
emergir e se configurar como parte da estrutura hierárquica multimodal interacional. Por
exemplo, em sala de aula, acontecimentos físicos sem consciência causadora são esperados,
como ler, desenhar, escrever, entre outras atividades. No entanto, para que esses acontecimentos
se realizem, frames sociais são partilhados de acordo com o interesse de cada sujeito, como o
fato de negociar alguma atividade com colegas de turma, utilizando, para isso, ações modais de
nível superior como a fala, a escrita, o olhar, o gesto, o toque, o gosto, o cheiro etc.
Para explicar ações modais de nível baixo, que são unidades pequenas construtoras de
sentido, Norris (2013) exemplifica que, no modo andar, que é de nível superior, existem modos
de baixo nível que compõem a ação modal do andar, como os passos, a direção do movimento
das pernas, o ritmo e a força da caminhada, entre outros. Nesse sentido, “a abundância de baixas
ações modais constrói a ação de nível superior do modo” (NORRIS, 2013), articulando com
outros modos de nível superior, que também são compostos por modos de baixo nível, a
195
orquestração de sentidos. A autora (2013) ainda explica que, por meio do mapeamento de
determinada ação modal com atores e/ou com atrizes sociais, pesquisadores/as podem inclusive
apontar para um aspecto sociocultural relativamente estável de determinado modo de nível
superior, que se realiza pela articulação de diversas ações modais de nível baixo.
Sobre as ações congeladas, Norris (2011 [2009]) explica que esse é o lugar onde
manifestações de nível superior e de nível baixo se realizam. De acordo com a autora, as ações
congeladas possuem natureza estática e influenciam a interação entre os/as atores/atrizes
sociais. Como exemplo, a autora cita o prédio, os móveis, o formato e as cores das paredes
pintadas, que influenciam a maneira como ações de nível superior e de nível baixo se
manifestam. Assim sendo, se estamos aguardando na sala de espera de uma clínica para que
sejamos atendidos/as por um/a médico/o, a disposição dos móveis, a configuração das paredes
e o local em que estamos possuem valor simbólico e influenciam a ação modal de nossas
interações, que variam culturalmente de acordo com práticas negociadas em cada contexto
(HANKS, 2017 [2008]; VAN DIJK, 2012 [2011]).
A partir dessa noção de estrutura modal baseada em camadas de ações de nível
superior, de nível baixo e congeladas, Norris (2011 [2009]) propõe que duas perspectivas sejam
investigadas pelo/a analista multimodal interacional, tendo em vista que elas também estão
envolvidas nas ações de atores e de atrizes sociais: densidade modal e configuração modal.
Essas perspectivas, além de serem abordadas a seguir, refletem e buscam aproximações com a
conceptualização metafórica discursiva socioculturalmente situada.
O termo densidade, de acordo com Norris (2011 [2009]), advém da física, da relação
massa por volume (Densidade = massa/volume). Para a autora (2011 [2009]), a densidade
modal pode ser entendida em uma relação parecida com a densidade da física, uma vez que,
apesar de não podermos medi-la, há modos interacionais em jogo que podem ser analisados de
acordo com a constituição da densidade. Segundo a autora (2011 [2009], p. 83), realizamos
ações de nível superior dedicando-nos à atenção materializada na ação, de modo que “quanto
maior a densidade modal que um/a ator/atriz social utiliza para construir a ação de nível
superior, mais atenção ele/a deposita à ação interacional”.
Desse modo, Norris (2011 [2009]) explica que a densidade modal se refere à
intensidade e/ou à complexidade sobre a qual uma ação modal de alto nível é constituída. De
acordo com a autora (2011 [2009], p. 78), “a densidade modal está sempre ligada às múltiplas
ações que um/a ator/atriz social desempenha e à sua concentração heurística” durante a
consecução da ação modal de alto nível, o que significa constatar que a intensidade de atenção
desprendida pelo sujeito na realização de uma ação modal de alto nível está diretamente
196
relacionada ao nível de atenção requerido para a realização da ação modal interacional. Cabe
destacar que esse nível de atenção, em uma mesma cena interacional, pode variar
intersubjetivamente. Em relação ao autismo, por exemplo, a densidade do modo do olhar, dos
gestos, do toque, do olfato e da audição podem se configurar de diferentes formas, levando
pessoas autistas a performarem interacionalmente de forma diversa.
Para exemplificar, Norris (2006, p. 402) argumenta que, ao falarmos ao telefone, “o
modo da linguagem falada assume alta intensidade, compreendendo alta densidade modal;
enquanto a linguagem falada pode assumir pouca intensidade quando um/a ator/atriz social está
preparando uma refeição”, articulando-se com noção de pistas prosódicas (GUMPERZ, 1998
[1982]). Ao conversarmos ao telefone, precisamos dar mais atenção à ação de alto nível do
modo verbal proveniente da fala, haja vista que nesse tipo de interação a fala ocupa lugar de
prestígio. Em contrapartida, ao estarmos cozinhando, há outros modos de linguagem (fala,
movimento corpóreo, cheiro, gosto, visão) que se articulam e que tem maior ou menor
relevância para a construção de sentidos em uma cena interacional.
Essa densidade modal, que varia de acordo com o contexto (HANKS, 2017 [2008];
VAN DIJK, 2012 [2011]) no qual atores e atrizes sociais interagem, permitiu-me fazer, na
segunda parte desta tese, interface com o processo de mesclagem metafórica, proposta por
Fauconnier e Turner (2002, 2003, 2008). De acordo com a perspectiva teórica da integração,
como relatamos na Parte II: Conhecendo o território da jornada, os espaços inputs compõem
o espaço mesclagem, convergindo modalmente para a ideia de que metáforas
socioculturalmente situadas (VEREZA, 2010, 2017) retroalimentam metáforas conceptuais, o
que amplia a unidirecionalidade proposta por Lakoff e Johnson (2003 [1980]) de apenas um
domínio sobre o outro.
Assim sendo, defendo que, da mesma forma que uma ação modal de alto nível pode
ter mais ou menos densidade modal, nosso sistema conceptual também pode ser composto por
uma densa rede metafórica. O que vai intensificar ou diminuir essa densidade modal e/ou
metafórica depende da atenção despendida e/ou requerida no processo interacional. Se meu uso
da rede www está restrito a receber e a responder mensagens do aplicativo para smartphones
WhatsApp, a densidade metafórica não receberá a mesma intensidade de uma pessoa que é
programadora e usuária de diversas redes sociais, por exemplo. Por conseguinte, a densidade
modal de uma interação por telefone privilegia a atenção do modo verbal, enquanto a interação
face a face pode privilegiar o modo do olhar, do gesto ou do toque, convergindo,
respectivamente, com as noções de ‘interação mediada’ e de ‘interação face a face’, de acordo
com Thompson (2018).
197
Grande Norte, por exemplo, para se localizarem no espaço, valorizam mais as experiências
sensoriais auditivas, olfativas e táteis, já que o ruído, os odores, a direção e a força dos ventos
lhes fornecem orientação mais precisa do que a visão, o que corrobora a ideia de que o “ser
humano vive de sensorialidades diferentes segundo seu lugar de existência, sua educação, sua
história de vida” (LE BRETON, 2016, p. 39).
Em contrapartida, Le Breton (2016) menciona que sociedades ocidentais têm
valorizado, cada vez mais, os sentidos da audição e da visão. Nos escritos bíblicos e
aristotélicos, a audição assumiu, segundo o autor (2016), um lugar de privilégio, uma vez que
o povo ouvia o que Deus ou o que os filósofos lhes falavam. Já no mundo contemporâneo, a
partir do século XV, houve uma inversão de valorização sensorial, já que a visão passou a
assumir uma superioridade em detrimento de outros sentidos. Desse modo, dentre outros fatores
históricos e culturais, a orientação de nossa condição humana passou a ter a visão como o
sentido mais nobre, hipertrofiado, levando-nos a supervalorizar a grafia, as imagens e as mídias,
que estão em domínios, principalmente, do sentido da visão.
Cabe destacar que essa supervalorização tanto da visão quanto da audição impacta no
modelo grafocêntrico (ROCHA, 2013) e falacêntrico (LOCKMANN, 2012) que impera no
ensino de línguas. O privilégio dessas práticas, como discutido na seção 4.3, somado à
supervalorização dos sentidos da visão e da audição, favorece à manutenção de práticas sociais
(FAIRCLOUGH, 2003, 2006) no âmbito da educação que sustentam princípios de abordagens
estruturalistas ou comunicativistas.
Essas abordagens, que avaliam o aprendizado pela maneira como estudantes escrevem
e falam, contribuem para a hierarquização dos sentidos, de tal forma que a densidade que advém
dos modos do gesto, do tato, do paladar, do olfato (NORRIS, 2013) acabam assumindo posições
subalternizadas, por não serem detentoras de poder nessa lógica hierarquizada dos sentidos. Em
se tratando da educação inclusiva com estudantes autistas, a não valorização da articulação de
outros modos de linguagem para a construção de sentidos colabora com a sustentação de
práticas capacitistas, que entendem que estudantes autistas não são capazes de aprender porque
não falam, não escrevem ou não olham a partir de ordens de discurso (FOUCAULT, 1996
[1971]; FAIRCLOUGH, 2003, 2006) impostas pelo status quo da tipicidade humana.
Ainda de acordo com Le Breton (2016, p. 73), “a visão requer outros sentidos,
sobretudo o tato, para exercer sua plenitude”. Dessa forma, “a visão se funde ao toque, ao
cheiro, à degustação e à audição para atuar no imaginário social” (LE BRETON, 2016, p. 121).
Com o olhar, por exemplo, podemos manifestar carinho, desejo ou exploração do “outro”. É
certo que, ao fazer esse tipo de afirmação, Le Breton (2016) tem como foco sujeitos
200
neurotípicos. No espectro do autismo, por exemplo, a taticidade do olhar ou a fusão dos sentidos
manifestados gestual ou verbalmente podem causar assimetrias (sócio)interacionais. Portanto,
sujeitos neurodiversos experienciam sentidos que nem sempre se fundem na manifestação
corporificada de outros sentidos compartilhados na cena interacional, dado que a marca da
interpretação de sua visão carrega, além de sua trama social e cultural, sua marca histórica e
intersubjetiva.
Tomando como base esses cinco sentidos, Forceville (2009) explica que não podemos
reduzir a manifestação modal apenas a eles, haja vista que seria uma categorização que não
respeitaria a manifestação dinâmica do modo. No sentido da audição, por exemplo, o volume e
a intensidade da voz, assim como a sonoridade e outros sons não verbais, podem ser relevantes
em uma análise multimodal interacional. Assim sendo, o autor (2009) sugere uma lista com
nove modos que se articulam para a construção de sentidos: signo pictórico, signo escrito, signo
falado, gestos, sons, música, cheiro, gosto e toque.
Para mim, essa lista não deveria se restringir a apenas nove modos, visto que, como o
próprio Forceville (2009) argumenta, o modo é dinâmico, e nossa percepção semiótica é
intersubjetiva. Assim sendo, seria complexo ou quase impossível fazermos uma lista (redutora)
dos modos existentes. No entanto, a maneira como eles se manifestam contextualmente pode
ser analisada em consonância com a densidade modal, com a configuração modal, com as ações
de nível superior, de nível baixo e congeladas, valorizando, inclusive, assim como ocorre com
a metáfora discursiva socioculturalmente situada, o processo criativo e intersubjetivo modal.
Nesse sentido, entendo que, no modo pictórico, por exemplo, a modalidade cor ou a intensidade
da cor podem constituir modos relevantes, e até mesmo sobrepostos (SPERANDIO, 2015), em
uma análise multimodal interacional. Da mesma forma, como explica Müller (2008), na
interação face a face, o movimento da cabeça, a projeção do olhar, o manejo dos pés e das mãos,
o posicionamento do corpo, a forma de passar a mão no cabelo etc. podem assumir projeções
metafóricas e relevância distintas, entendidas por nós como densidade modal (NORRIS, 2011
[2009], 2013, 2016, 2019), no processo de construção de sentidos.
Ainda de acordo com Müller (2008), metáforas multimodais advindas de gestos
costumam estar relacionados a domínios alvo e fonte, que variam tanto de acordo com a
referenciação que fazemos sobre objetos físicos, propriedades, ações ou relações mais concretas
quanto no tocante a noções abstratas em termos de um movimento físico. Em práticas
sociointeracionais brasileiras, por exemplo, quando estou comendo pipoca e estendo uma bacia
em direção a outra pessoa, geralmente, estou em uma projeção metafórica conceptual do tipo
OFERECER É ESTENDER O BRAÇO. Por outro lado, se estou assistindo a um programa de
201
televisão que relata o desvio de dinheiro por um político e faço um gesto com a mão direita
junto ao nariz indicando mal cheiro, usualmente, refiro-me à entidade metafórica abstrata e
conceptual CORRUPÇÃO É INFESTAÇÃO.
Posto isso, a seguir, adentramos no território analítico proposto nesta Parte III,
dividido em três capítulos, dado que o estudo microetnográfico foi realizado com estudantes de
três turmas, separados/as em níveis e em semestres diferentes, motivados por duas temáticas
diversas em cada turma. As aulas de espanhol como língua adicional foram planejadas por mim,
concebendo, em conformidade com o pensamento de Ferraz (2011), que o esvaziamento de
sentidos em nossas escolas ocorre devido a práticas de ensino de regras gramaticais tradicionais,
advogando por abordagens que valorizem a construção de múltiplos sentidos a partir de uma
visão crítica da linguagem. Desse modo, a partir de pressupostos da abordagem
sociointeracional (VIGOTSKI, 1998; TOMASELLO, 2003; LÔPO-RAMOS, 2014), cujo
conhecimento é construído durante a interação, e da abordagem multimodal para o ensino de
línguas, que articula o modo “como variadas maneiras de se utilizar a língua podem oportunizar
a alunos e a professores experiências de interação em ambiente que conjugue práticas
discursivas já conhecidas com novas práticas” (FERRAZ, 2011, p. 28), assumo a identidade
de professor crítico44.
Ressalto, ainda, que essas abordagens adotadas para o ensino de línguas e minha
identidade como professor crítico estão em conformidade com pressupostos da ADC, que
suscita que pesquisas combatam, segundo Fairclough (1999, p. 81), a “perigosa forma de
estratificação educacional que contribui para constituição de categorias de trabalhadores
(produção de rotina e serviços nas indústrias) ou para exclusão social”. Afinal, a alternativa que
nos resta, como explica Fairclough (1999), é educar para a vida a partir de uma consciência
crítica do discurso, combatendo desigualdades e tentando empoderar àqueles/as que ainda
passam por processos de silenciamento e de exclusão em nossa sociedade, como é o caso de
estudantes autistas no âmbito da educação inclusiva.
44
Segundo Hawkins e Norton (2009, p. 2), ser professor/a crítico/a é ir de encontro às “ideologias dominantes de
nossa sociedade, que entendem e constroem significados de forma a privilegiar certos grupos de pessoas, em
detrimento daqueles/as que são marginalizados/as”.
202
CAPÍTULO 5
Ser incluído é o maior prazer que existe, é também a melhor coisa do mundo (...)
Como sempre, preciso que me respeitem.
Mercado negro, lista negra, ovelha negra, inveja branca, arma branca, como se diz em
espanhol? Essas expressões começaram a me incomodar profundamente a partir da leitura de
uma reportagem em uma revista na sala de espera de uma consulta em 2015, ano que tive de
me submeter a um tratamento odontológico. Não era uma revista conceituada pela academia.
No entanto, trazia reflexões acerca do racismo estrutural que nos é repassado e ensinado
cotidianamente, sendo reproduzido e disseminado por diversas instituições, inclusive pela
escola. A matéria trazia pessoas negras dando depoimentos sobre situações de violência e
problematizava o uso de expressões racistas.
Lembro-me também que, naquele mesmo ano, eu tive uma turma de nível básico de
espanhol como língua adicional. Estávamos estudando características físicas de pessoas, e uma
aluna me perguntou como ela poderia dizer “cabelo ruim” em espanhol. Essa pergunta me
deixou estarrecido, e pedi que a aluna me explicasse o que seria “cabelo ruim”. Ela me disse
que era um cabelo crespo. Eu respondi que, em espanhol, eu desconhecia uma expressão com
essa conotação e só conhecia pelo liso, pelo rizado, pelo ondulado, pelo lacio. Minha
explicação naquele momento limitou-se a essa breve narrativa, mas fiquei com a sensação, ao
final da aula, de que eu não havia promovido a reflexão necessária.
Frustrado e pensativo, decidi que eu precisava estar mais atento a essas questões e que,
em futuras escutas e/ou percepções de uso de expressões racistas, provocaria a reflexão de
meus/minhas alunos/as. Com intervenções pontuais, paulatinamente, comecei a levar a temática
do racismo para a minha sala de aula, culminando com a confecção de uma sequência didática,
disponível no apêndice A, com o intuito de gerar dados para esta pesquisa.
Neste capítulo, apresento e analiso o processo de confecção de narrativas multimodais
com uma turma do 8º nível de espanhol como língua adicional, realizado no 2º semestre de
2018. O modo focalizado neste capítulo é o olhar, que faz parte do sistema da visão, em
203
consonância com Norris (2013), com o intuito de investigar o processo de ação mediada que
advém da confecção dessas narrativas e possíveis ações na constituição do discurso como
momento de práticas socias (FAIRCLOUGH, 2003, 2006). Assim sendo, ao assumir a
perspectiva do discurso mediado de Scollon e Scollon (2011 [2009]), analiso de que forma
densidades modais, ações de baixo e de alto nível, e configurações modais (NORRIS, 2011
[2009], 2013, 2016, 2019) se articulam para a construção de sentidos, lançando lentes para o
modo do olhar.
#Postacessível da figura 21. Mural com fundo preto. Folhas coloridas nas cores branca, amarela,
vermelha, azul, bege e alaranjado com textos verbais e não verbais contra o racismo. Na parte superior do mural,
impressões de fotos das seguintes pessoas famosas negras: Marielle Franco, Romualdo Rosário da Costa, Taís
Araújo, Michelle Obama e Tina Turner.
Cabe ainda destacar que, para compor o mural, a aluna Luna, que fez parte da turma
com a qual gerei dados etnográficos para esta pesquisa, imprimiu fotos de pessoas famosas
negras (Marielle Franco, mestre de capoeira Romualdo Rosário da Costa, Taís Araújo, Michelle
Obama e Tina Turner). Enquanto montávamos o mural no corredor da escola, Luna,
entusiasmada, lançava seu olhar aos/às colegas e, com movimentos da cabeça para cima e para
baixo, incentivava que a turma a acompanhasse com o seguinte lema: “Já cravei minha
bandeira. Não ao racismo! Não ao racismo!”. Seus/suas colegas, engajando-se com essa ação
de Luna, levantavam o braço direito para cima e a seguiam entoando essas palavras de ordem.
Dos/as 16 estudantes da turma com os/as quais gerei dados microetnográficos para esta
pesquisa, como explicitado na subseção 1.2.2, apenas 5 foram ratificados: Frederico, Luca,
205
Luna, Mário e Helena. Frederico era o único estudante autista dessa turma, de modo que, neste
capítulo, focalizo a mediação de suas ações com seus pares ratificados.
No início da aula, após todos/as se sentarem e conversarmos de forma breve sobre
atividades realizadas durante o último fim de semana, projetei uma foto do mestre de capoeira
Romualdo Rosário da Costa45 e perguntei à turma se estavam acompanhando as notícias sobre
a repercussão do seu assassinato. O aluno Luca, sentado ao lado esquerdo de Frederico, disse:
“Eso… eso es… un absurdo... También este año mataron aquella… é… aquella del Rio de
Janeiro”. Entre a dimensão da emergência contextual (HANKS, 2017 [2008]) e a incorporação
do campo social, Helena se alinhou a Luca e se posicionou: “É.... la Marielle Franco. La
verdad... el crime de la Marielle fue político… Ellos tenían un odio tipo… tipo ella tenía…
tenía… una violencia racial y también era lésbica”.
Em meio a essas discussões, Frederico começou a sacudir as mãos (stims). Após eu
explicar que, em espanhol, se usava a palavra lesbiana para o termo lésbica da língua
portuguesa, o aluno Mário apontou para Frederico. Ao direcionar meu olhar para o estudante
Frederico, percebi que ele estava com a cabeça virada para o lado direito e que havia colocado
as mãos direita e esquerda abertas sobre os olhos, como se estivesse vendando-os. Por essa
ação, estabelecemos a seguinte interlocução:
A ação congelada (NORRIS, 2011 [2009], 2013) de Frederico de ‘vendar os olhos com
as mãos’, entendido como espaço genérico (FAUCONNIER; TURNER, 2002, 2003, 2008)
45
Romualdo Rosário da Costa, conhecido como mestre Moa de Katendê, foi assassinado em outubro de 2018 por
haver manifestado contrariedade à candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência da República.
46
O Projeto Escola sem Partido, que tramitava na Câmara dos Deputados em 2018, restringia a atuação docente,
alegando que professores/as não debatessem em sala de aula questões políticas, ideológicas, sexuais ou religiosas.
206
motivador da ação mediada em análise, apresenta ações modais de alto nível (cabeça virada
para o lado direito e movimento das mãos abertas para tapar os olhos), levando-me a pensar
que o estudante não quisesse ou não se sentisse confortável com as discussões da turma, o que
inclusive foi confirmado por Frederico, haja vista sua preocupação com discursos a favor da
implementação do projeto escola sem partido. Posto isso, essas ações modais gestuais de alto
nível, atuando como espaços inputs de metáforas socioculturalmente situadas (VEREZA, 2010)
não verbais do tipo ‘Manifestar desinteresse é virar a cabeça’ e ‘Manifestar desinteresse é
vendar os olhos com as mãos’, sobrepõem-se (SPERANDIO, 2015) modalmente com o intuito
de bloquear a visão.
Dessas pistas de contextualização não verbais (GUMPERZ, 1998 [1982]), espaços
inputs de metáforas socioculturalmente situadas que bloquearam a manutenção do olhar de
Frederico, houve a intervenção do estudante Mário. Em sessão reflexiva de visionamento com
este estudante, perguntei-lhe por que ele havia apontado para Frederico, e Mário me explicou
que ele queria que seu colega participasse da aula. A participação da aula, de acordo com Mário,
estava relacionada, minimamente, com a co-presença intersubjetiva (situação) e com o
engajamento cognitivo (cenário) da dimensão da emergência contextual (HANKS, 2017
[2008]) que advém do sistema interacional da visão. Corroborando com a necessidade da
manutenção do sistema da visão para interagirmos, após parecer compreender que não haveria
qualquer problema o debate em sala de aula (“Ah... entonces no tiene problema”), Frederico
apontou para ambos os olhos abertos e, arregalando-os, disse para mim que os manteria bem
abertos.
Assim, os espaços inputs de metáforas socioculturalmente situadas não verbais (cabeça
virada para o lado direito e movimento das mãos abertas para tapar os olhos) convergiram
modalmente para a ideia de que Frederico preferia não interagir sobre o tema proposto. No
entanto, após a interlocução com a turma, por meio de espaços inputs de ações modais verbais
(explicação de que os manteria os olhos abertos) e não verbais (retirada das mãos dos olhos e
abertura e direcionamento do olhar para mim) de alto nível, dos quais emergiu a metáfora
conceptual DIRECIONAR A ATENÇÃO DE ALGUÉM É DIRECIONAR SUA VISÃO47,
houve a renegociação do footing interacional (GOFFMAN, 1998 [1979]), modificando,
consequentemente, o alinhamento de Frederico com seus pares.
Cabe complementar que o campo demonstrativo da dimensão da emergência
contextual (HANKS, 2017 [2008]), relacionado à postura de distanciamento de Frederico de
47
Tradução da metáfora DIRECTING SOMEONE’S ATTENTION IS DIRECTING THEIR VISION, disponível
no Master Metaphor List, compilado por Lakoff, Espenson e Schwartz (1991).
207
seus/suas interlocutores/a pelo fato de haver virado a cabeça e tapado os olhos, não está
relacionado à falta de interesse do estudante em participar das discussões, mas sim de temer
estar infringindo recomendações de seu pai sobre o projeto de lei que visava instituir a escola
sem partido.
Em sessão reflexiva de visionamento com Frederico, perguntei-lhe sua opinião sobre
o projeto de lei, e o aluno me respondeu: “Eu tenho é... tenho que obedecer meu pai... num
posso ficar falando de política... e... é a regra da, da escola sem partido”. Ações modais e
interacionais do direcionamento do olhar pelo estudante em sala de aula acabaram, portanto,
sendo influenciadas: i) pela represália do pai de Frederico, que, assumindo a posição do poder
institucional familiar, havia instruído ao estudante para não participar de discussões sobre
política; ii) por possíveis regras institucionalizadas pelo Estado que impediriam esse tipo de
debate em sala de aula.
Posto isso, ações modais que levaram Frederico a tapar sua visão, interpretadas
inicialmente como desinteresse pelas discussões propostas, foram, pela interlocução com
Frederico em sala de aula e em sessão reflexiva de visionamento, redimensionadas. A prática
(inter)acional (FAIRCLOUGH, 2003, 2006) de tentar esquivar-se das discussões estava
associada, como expresso anteriormente, a relações de poder relacionadas à obediência à sua
família e ao cumprimento de regras de um possível projeto de lei, cujo alicerce fascista visava
cercear a liberdade do pensamento crítico em escolas brasileiras.
As ações modais de silenciamento de Frederico, por conseguinte, rompem com o
estereótipo de que pessoas autistas vivem em outro espaço temporal, como refletido e analisado
na seção 2.1 desta tese. Em nossa interlocução em sala de aula, inclusive, ao explicar-lhe que
nossas discussões não giravam em torno de partidos político ("Pero aquí no estamos con eso
de… de patidos… políticos, ¿entiendes?… Es una discusión más sobre... privilegios y... y
racismo”) e de Luna ter se virado de sua cadeira e olhado em direção a Frederico para lhe dizer
que tudo tinha um posicionamento ideológico (“Hasta porque todo tiene um partido”), o
estudante modifica seu footing interacional (GOFFMAN, 1998 [1979]), reincorporando,
contextualmente (HANKS, 2017 [2008]), um campo social que assume outras modalidades de
ações de alto nível (abrir os olhos e olhar para mim, por exemplo) potencialmente
emancipatórias.
Dando continuidade à aula, após projetar o clipe com a música Jodida pero contenta,
da cantora espanhola Buika, realizar atividades descritivas e analíticas sobre o vídeo, e
reconhecer frases de celebridades negras contra o racismo, apresentei um cartoon de Latuff à
turma sobre violências étnico-raciais em estádios de futebol, de acordo com a figura 22.
208
#Postacessível da figura 22. Cartoon com fundo verde. No fundo, campo de futebol com destaque a
traves de um goleiro negro vestido com um uniforme cinza e luvas brancas com os braços abertos. Ao fundo das
traves do goleiro, há um objeto que provavelmente foi arremessado pela torcida para acertá-lo. Do lado da
arquibancada, imagem de quatro homens sentados: O primeiro está com um chapéu na cabeça, sorrindo e comendo
pipoca em uma cadeira com o símbolo do Grêmio. O segundo está com um chapéu e sorrindo, sentado em uma
cadeira com o símbolo da CBF. O terceiro está sorrindo e sentado em uma cadeira com o símbolo do STJD. O
quarto está sorrindo e sentado em uma cadeira com o símbolo FGF. Diante desses quatro homens, aparece outro
homem vestindo uma camiseta azul e preta, com o braço direito estendido em direção ao goleiro e um globo que
sai da sua boca com a imagem do rosto de um macaco.
Ao projetar o cartoon em sala de aula, Mário, que estava sentado ao lado direito de
Frederico, olhou para seu colega, movimentou sua cabeça de forma ascendente em direção à
projeção e arregalou seus olhos. Essas ações modais de alto nível (olhar para o colega,
movimentar a cabeça e arregalar os olhos) fizeram com que Frederico direcionasse seu olhar
para a projeção, balançasse a cabeça de forma afirmativa e dissesse: “Né o PES não!”. Em
seguida, Mário balançou a cabeça de forma negativa, sinalizando novamente com a cabeça e
com o olhar para a projeção e, com os olhos fechados e com movimento da boca e dos músculos
faciais para baixo, posicionou sua mão direita fechada ao lado do olho direito, girando-a, como
se estivesse chorando. Imediatamente, Frederico fechou seus olhos e, repetindo a ação de
Mário, fez o mesmo movimento de choro ao lado do olho direito.
209
48
Tradução da metáfora PURPOSEFUL ACTION IS DIRECTED MOTION TO A DESTINATION, disponível
no Master Metaphor List, compilado por Lakoff, Espenson e Schwartz (1991).
210
Fui acometido por uma sensação de desconforto após a aula do dia 29 de novembro.
Entre expressões como mercado negro, lista negra e ovelha negra, pairava sobre mim o que eu
havia dito na sessão reflexiva de visionamento: “Ah... no te pongas así... todos tenemos um lado
negro en la vida”. Tentando acolher o aluno Mário, eu havia usado a metáfora linguística “un
lado negro”, que subjaz a metáfora conceptual MAL É ESCURO50, com o intuito de amenizar
a exposição do estudante. Entre pensamentos sobre outras formas que eu poderia haver
escolhido para acolhê-lo, senti-me desapontado comigo mesmo, além de reflexivo sobre como
somos assujeitados/as ao discurso e sobre como o racismo é estrutural. Afinal, associar o “lado
negro” a uma valorização negativa de um momento da vida acabava, de certa forma,
depreciando pessoas de cor escura.
Por entender que eu deveria assumir uma atitude responsiva ativa (BAKHTIN, 2010
[1992]) frente ao meu posicionamento racista, na aula seguinte, do dia 4 de dezembro de 2018,
após receber os/as estudantes em sala de aula, disse à turma que precisava pedir-lhes desculpas.
Retomei o que eu havia dito a Mário durante a sessão reflexiva de visionamento, e a aluna Luna
me disse: “É, profe... eu tinha... é... percebido. Mas deixei pra lá”. Outros/as estudantes
manifestaram que não tinham pensado nesse sentido, o que sugeria que também assujeitamos
o/a outro/a pelo nosso discurso. Dessas discussões, propus um acordo de monitoramento em
relação a termos e a ações racistas e preconceituosas que pudéssemos proferir nas esferas de
orientação sexual, etnia, neurodiversidade, entre outros, sendo acolhido pela turma.
Após essas discussões, disponibilizei folhas coloridas e materiais hidrocores para a
confecção de uma campanha publicitária de luta contra o racismo, a ser afixada no mural do
49
Tradução da metáfora SAD IS DOWN, disponível no repositório do MetaNet Metaphor Wiki (on-line).
50
Tradução da metáfora EVIL IS DARK, disponível no repositório do MetaNet Metaphor Wiki (on-line).
211
corredor da escola. No início das minhas explicações sobre a construção das narrativas, o
estudante Frederico se curvou sobre sua carteira, prendeu sua respiração e começou a balançar
suas mãos continuamente (stims). Como explicado na seção 2.2, considero esses movimentos
necessários para a autorregulação da pessoa autista, de modo que esse seria mais um motivo
para que o estudante não fosse coibido de fazê-los.
Antes de começarem a confeccionar seus trabalhos, a aluna Helena me pediu para
colocar uma música pelo computador, e eu consenti, contanto que Frederico controlasse a altura
do som. A aluna Helena escolheu uma sequência, na plataforma Youtube, do músico David
Guetta, e, ainda que o volume estivesse baixo, Frederico preferiu colocar seu abafador de som
para realizar sua atividade. Perguntei ao estudante se ele preferiria outro tipo de música ou que
desligássemos o computador, mas ele respondeu que gostava de realizar suas atividades
ouvindo música.
Com seus materiais sobre as carteiras ou sobre o chão da sala de aula, os/as estudantes
começaram a elaborar seus textos. Frederico preferiu ficar na sua carteira, ao lado do aluno
Luca e, durante a confecção da sua narrativa, sobrepuseram-se (SPERANDIO, 2015) as ações
modais de alto nível (NORRIS, 2011 [2009], 2013, 2016, 2019) de olhar para a folha de papel
e de manter a atenção sobre o movimento de seus lápis. Focalizando o sistema da visão da ação
congelada direcionada à sua folha de papel, o modo contínuo do olhar de Frederico para a sua
folha de papel assumiu uma configuração modal de constância, resultando em um processo de
atenção e de concentração para o cumprimento de sua atividade.
Com a confecção de suas narrativas, solicitei que cada estudante explicasse para a
turma as escolhas que haviam feito em seus textos. Depois da exposição de duas alunas,
Frederico se dispôs a apresentar. Para tanto, antes de mostrar o seu texto para a turma, o
estudante provocou a seguinte interlocução:
Frederico: Oh! (Projetando o rosto para frente, passa a mão direita aberta em
movimentos verticais sobre a bochecha direita e pisca com o olho direito para a
turma). No existe... racismo no existe.
Outros/as estudantes e eu: (Sorrindo).
Helena: Reverso (Sorrindo)... la filosofía.
Frederico: (Sorrindo). Reverso... é... es... é.... una PIADA. Fala sério! (em tom de
deboche, direciona o olhar para cima).
Alex: Chiste... en español, chiste.
Frederico: Ah, é... ¡Chiste!... (Com a glabela comprimindo os músculos da testa e a
sobrancelha, olhos tensionados para baixo). Y… é... Na guerra do racismo... o amor
ganha.
Outros/as estudantes e eu: (Aplausos) (Gravação do dia 04/12/2018).
51
Tradução da metáfora INCLINATIONS TOWARD INTIMACY ARE FORCES TOWARD CLOSENESS,
disponível no Master Metaphor List, compilado por Lakoff, Espenson e Schwartz (1991).
213
(GOFFMAN, 1998 [1979]) de Mário em relação à ausência de cor para representar o amor,
modificou seu alinhamento (GOFFMAN, 1998 [1979]) com a turma, advogando que o amor
não existia. Ao ser indagado por mim (“¿No existe?”), Frederico, após a ação modal do
movimento de passar sua mão direita na sua bochecha direita de forma vertical, piscou com o
olho direito para a turma, sinalizando que não estava se expressando com seriedade.
Acerca da ação modal de alto nível (NORRIS, 2011 [2009], 2013, 2016, 2019) da
configuração do olhar de Frederico, cabe ressaltar que do espaço genérico (FAUCONNIER;
TURNER, 2002, 2003, 2008) ‘piscar para a turma’, em articulação com ações modais que
atuam em espaços inputs de metáforas socioculturalmente situadas (VEREZA, 2010, 2017) do
tipo ‘Promover a atenção do outro é projetar o rosto para frente’ e ‘Ser irônico é passar a mão
aberta em movimento vertical sobre a bochecha’, emerge um espaço de mesclagem metafórico
cujo efeito emocional provoca risos na turma em relação ao enunciado subsequente de
Frederico (“No existe... racismo no existe”). Em um espaço de mesclagem metafórico que
sinaliza que o TIPO DE EFEITO EMOCIONAL É (determinado pela) FORMA DE
CONTATO52, o domínio alvo proveniente da configuração modal da forma de contato entre
Frederico e seus/suas colegas causa um efeito emocional (risos dos/as estudantes) que co-
sustenta o footing (GOFFMAN, 1998 [1979]) irônico de Frederico.
Na sessão reflexiva de visionamento do dia 06 de dezembro de 2018, perguntei à aluna
Helena e ao estudante Frederico por que haviam comentado sobre ‘reverso, filosofia e piada’.
Helena me explicou que fazia referência a uma aula de filosofia da qual ela e Frederico haviam
participado. Naquela aula, a professora havia problematizado a temática do racismo reverso.
Complementando, Frederico disse que ele chegou à conclusão de que o racismo reverso era
uma piada, já que, segundo o estudante, “quem defende isso é... tipo... não entendeu foi nada....
nada... de, do racismo”.
Por essa sessão reflexiva de visionamento, o engajamento contextual intersubjetivo
(VAN DIJK, 2012 [2011]) de Helena e de Frederico foi compartilhado com toda a turma, haja
vista que desconhecíamos o que haviam experienciado na aula de filosofia. Após essa sessão,
foi possível compreender o frame interativo (TANNEN; WALLAT, 2002 [1987]) ao qual
Helena e Frederico faziam referência, além do encaixe do discurso de Frederico na dimensão
contextual de um campo social (HANKS, 2017 [2008]) que concebia o racismo como uma
piada. Cabe mencionar que a prática discursivo-(inter)acional (FAIRCLOUGH, 2003, 2006) de
valorizar o racismo como uma piada não está relacionada ao humor e, consequentemente, ao
52
Tradução da metáfora TYPE OF EMOTIONAL EFFECTS IS (determined by) MANNER OF CONTACT,
disponível no Master Metaphor List, compilado por Lakoff, Espenson e Schwartz (1991).
214
gênero discursivo que provoca risos ou gargalhadas, mas sim a uma falácia, a uma simulação
da veracidade que desconsidera o processo sociocultural de escravidão e que não reconhece os
privilégios da etnia branca comparada à negra/preta, por exemplo.
Portanto, do espaço genérico ‘racismo’, espaços inputs de ações modais de alto nível,
como a ‘altura da voz’ (una PIADA) e do ‘tom de deboche’ (Fala sério!), que são pistas
prosódicas de contextualização (GUMPERZ, 1998 [1982]), além do modo verbal do qual
advém a valorização do racismo como ‘piada’ em tom de deboche, conjugadas ao ‘olhar de
Frederico para cima’, emerge a metáfora socioculturalmente situada do tipo ‘Racismo reverso
é uma falácia’. Por essa metáfora situada, a piada assume uma força oposta, haja vista que ela
é uma falácia e deveria estar fora (externa) das discussões sobre o racismo, em conformidade
com a metáfora conceptual EVENTOS EXTERNOS PREJUDICIAIS À AÇÃO SÃO FORÇAS
OPOSTAS53.
Co-sustentando o footing (GOFFMAN, 1998 [1979]) de que o racismo reverso é uma
falácia, no final do evento social (FAIRCLOUGH, 2003, 2006) em análise, o estudante
Frederico, por meio de ações modais de alto nível (compressão dos músculos da glabela, da
testa e da sobrancelha, e tensionamento dos olhos do estudante para baixo), posicionou-se
novamente: “Y... é... Na guerra do racismo... o amor ganha”. Focalizando o modo do olhar, da
‘compressão de músculos faciais’ resulta o ‘tensionamento dos olhos de Frederico para baixo’
– espaços inputs do espaço genérico (FAUCONNIER; TURNER, 2002, 2003, 2008) ‘racismo’
–, que converge modalmente para um espaço de mesclagem metafórico que expressa seriedade.
Inscrito no espaço de mesclagem metafórico EXPRESSÕES FACIAIS SÃO CAPAS54, dado
que a configuração modal (NORRIS, 2011 [2009], 2013, 2016, 2019) do olhar de Frederico
colabora com sua expressão facial, em convergência modal com os músculos faciais do
estudante, recebe uma espécie de capa (roupagem) de seriedade em relação às discussões sobre
o espaço genérico (racismo) ao final da cena interacional em análise.
Em consonância com esse tom de seriedade, Frederico associou o racismo à violência
por meio da metáfora linguística “Na guerra do racismo”, da qual emerge a metáfora
socioculturalmente situada (VEREZA, 2010, 2017) ‘Racismo é guerra’. No entanto, cabe
destacar que dessa identificação (FAIRCLOUGH, 2003, 2006) proveniente da guerra do
racismo, Frederico propôs que há um vencedor (“o amor ganha”), sugerindo que o amor
53
Tradução da metáfora EXTERNAL EVENTS DETRIMENTAL TO ACTION ARE OPPOSING FORCES,
disponível no Master Metaphor List, compilado por Lakoff, Espenson e Schwartz (1991).
54
Tradução da metáfora FACIAL EXPRESSIONS ARE COVERS, disponível no Master Metaphor List,
compilado por Lakoff, Espenson e Schwartz (1991).
215
#Postacessível da figura 23. Folha bege com desenho no centro de duas pessoas de pé abraçando-se e
beijando-se. Do lado direito, mulher com cabelo grande e preto, de pele rosada, vestindo blusa laranjada, calça
degradê entre o vermelho e o alaranjado, e sapatos marrons. Do lado esquerdo, homem com cabelo curto, preto e
crespo, de pele marrom, vestindo blusa verde, calça azul e sapatos. Ambos estão de olhos abertos enquanto se
beijam. No início da folha aparece a seguinte frase escrita a lápis: El amor no tiene raza.
Como explicou Frederico pela ação modal de alto nível (NORRIS, 2011 [2009], 2013,
2016, 2019) em “Na guerra do racismo ... o amor ganha”, convergindo com o que ele havia
escrito em sua narrativa multimodal (“El amor no tiene raza”), podemos notar que, para
confeccionar seu texto, motivado pelas perguntas que eu havia sugerido ¿Qué es la
(des)igualdad racial para ti? e ¿Cómo podemos superar el racismo?, o estudante escolheu o
sentimento do amor para representar e identificar uma possível ordem do discurso
(FOUCAULT, 1996 [1971]); FAIRCLOUGH, 2003, 2006) que desestabilizaria práticas sociais
racializadas. Por esse encaminhamento linguístico-discursivo que se aproxima de um campo
216
Decidi levar problematizações sobre o racismo para trabalhar com minhas turmas com
o intuito de, além de promover terreno para a aprendizagem do espanhol como língua adicional
por meio de práticas reflexivas, disseminar uma postura antirracista. Essa postura, em
consonância com as ações mediadas analisadas neste capítulo, foi construída de forma conjunta
por ações modais de alto e de baixo nível, bem como por configurações e por densidades modais
(NORRIS, 2011 [2009], 2013, 2016, 2019), que se articularam no curso da dimensão contextual
da emergência (HANKS, 2017 [2008]), sendo encaixadas em campos sociais aos quais atores
e atrizes sociais circularam seus valores e seus posicionamentos.
Assim sendo, por meio da negociação, da ratificação, da co-sustentação e da
modificação de footings (GOFFMAN, 1998 [1979]), emergiram espaços genéricos que,
motivados interacionalmente por espaços inputs, desencadearam espaços de mesclagem
(FAUCONNIER; TURNER, 2002, 2003, 2008) metafóricos que contribuíram para a
construção da ação mediada por diferentes modos.
Por conseguinte, neste capítulo, focalizando o sistema da visão, foi possível analisar
que o modo do olhar acionou metáforas multimodais que se sobrepuseram modalmente e que
convergiram para a construção de sentidos. Entre essas metáforas do modo do olhar, como
podemos observar na figura 24, emergiram encaminhamentos linguístico-discursivos que
mediaram ações dos/as interagentes.
217
DIRECIONAR A
ATENÇÃO DE
ALGUÉM É
DIRECIONAR SUA
VISÃO
A AÇÃO
EXPRESSÕES PROPOSITAL É UM
FACIAIS SÃO MOVIMENTO
CAPAS DIRECIONADO A
UM DESTINO
EVENTOS
EXTERNOS À TRISTE É PARA
AÇÃO SÃO BAIXO
FORÇAS OPOSTAS
Cabe salientar que a dinamicidade de agir com e através do outro pelo modo do olhar,
em convergência com outros modos de linguagem (gestual, verbal, prosódico), instanciou
práticas sociais (FAIRCLOUGH, 2003, 2006) que ora tentou esquivar o estudante Frederico
das discussões sobre racismo, ora posicionou sujeitos em relação ao racismo reverso, ora
demonstrou tristeza e desaprovação ao racismo no futebol, ora identificou um caminho possível
para superar o racismo.
Por fim, transitando por campos sociais incorporados contextualmente, metáforas
multimodais do olhar foram encaixadas, em articulação com outros modos, promovendo tanto
a negociação da ação mediada quanto o (re)posicionamento dos sujeitos. Dito de outra forma,
ações mediadas do olhar potencialmente desencadearam mobilizações e tomadas de posições
entre os/as interagentes.
218
CAPÍTULO 6
AUTISTAR É RESISTIR
Nós dizemos “autistar” porque para nós a expressão do nosso autismo é uma ação
ativa de resistência e resiliência. É um desafio viver num mundo que constantemente
nos discrimina e é um ato de rebeldia quando nos levantamos e dizemos que é nosso
direito sermos quem somos e que ninguém pode nos cobrar nada diferente disso, como
um pré-requisito para nossa inclusão.
Fernanda Santana
(2019, p. 2)
55
Disponível no site https://www.youtube.com/watch?v=Yv5U9kyM9IA, acessado em 27 de março de 2019.
220
seus trabalhos, pedi a cada estudante que explicasse, em espanhol, sua narrativa multimodal
para que, por fim, nos dirigíssemos ao corredor da escola para afixar as narrativas produzidas
em sala de aula. Na figura 25, podemos observar o resultado do mural confeccionado por
minhas turmas.
#Postacessível da figura 25. Mural com fundo amarelo. Folhas nas cores branca, amarela, vermelha,
azul, bege e alaranjado com textos verbais e não verbais. Na parte superior do mural, título com letras grandes e
coloridas com o lema AUTISTAR ES RESISTIR!
aplaudido por seus/suas colegas e por mim. Com essa toada, apresento e analiso, a seguir, parte
do processo de confecção de narrativas multimodais por essa turma.
6.2 Óculos são dedos indicador e polegar de ambas as mãos em formato de círculo
56
Tradução da metáfora HAPPY IS UP, disponível no repositório do MetaNet Metaphor Wiki (on-line).
222
57
Tradução da metáfora BEING ALIVE IS BEING PHYSICALLY AT THIS LOCATION, disponível no
repositório do MetaNet Metaphor Wiki (on-line).
223
Eu: ¿Alguien de aquí ya ha pasado... pasado por una…, por alguna situación de
acoso? mhm ¿Qué significa acoso?
Vários/as estudantes: Bullying.
Eu: Sí, bullying… ¿Alguien ya ha pasado… una situación de acoso o conoce a
alguien…?
Mara: ¡YO PROFE! (A aluna levanta a mão). Varias veces (...) na escuela, mhm:
(juntando os dedos indicador e polegar de ambas as mãos e levando-os em direção aos
olhos, representando com os dedos o formato circular de seus óculos).
Cristiano: (Repete o movimento dos dedos de Marta e os leva em direção aos seus
olhos). (Gravação do dia 02/04/2019)
Na ação modal congelada desse trecho (sala de aula na qual estudantes estavam
sentados/as e eu estava de pé, ao lado do computador), a densidade modal de alto nível que
predominava no início desse frame interacional (TANNEN; WALLAT, 2002 [1987]) se
realizava pelo plano verbal, sendo deslocada para o modo gestual dos óculos de Mara, pista de
contextualização não verbal (GUMPERZ, 1998 [1982]), ao indicar que a aluna havia passado
por uma situação de bullying pelo fato de usar óculos, em decorrência de sua deficiência visual.
A ação modal de alto nível não verbal de Mara alinhou Cristiano, que estava sentado
diante dela (ação modal de baixo nível), à mesma configuração modal não verbal em relação
aos óculos, uma vez que ele repetiu o movimento dos dedos em formato de óculos em direção
aos seus olhos, em uma relação metafórico-multimodal socioculturalmente situada (VEREZA,
2010, 2017) do tipo ‘Óculos são dedos indicador e polegar de ambas as mãos em formato de
círculo junto aos olhos’, que subjaz a metáfora conceptual MANEIRAS DE AÇÃO É
MANEIRAS DE MOVIMENTO58.
Após essa articulação entre dois domínios de densidades modais (o verbal e o não
verbal), Cristiano, Jenival e Evita interagiram com Mara, realizando o mesmo movimento, co-
sustentando o footing (GOFFMAN, 1998 [1979]) preconizado por Mara. Percebendo esse
movimento na turma, eu disse e escrevi no quadro branco a palavra gafas (óculos), o que foi
suficiente para que alguns/mas estudantes repetissem algumas vezes essa palavra. Dito de outra
forma, a ação modal de alto nível de Mara de indicar com os dedos polegares ‘óculos’ acabava
mediando não apenas a repetição dessa mesma ação por Cristiano, Jenival e Evita, mas também
representando e identificado uma prática social (FAIRCLOUGH, 2003, 2006) que promovia o
engajamento da turma em torno do bullying referido por Mara.
Em seguida, outros/as estudantes relataram que o bullying ocorria pelo fato de uma
pessoa ser gorda, muito magra, negra, ter o cabelo crespo, entre outras. Após essa discussão
com a turma, expliquei que iria projetar um vídeo com uma propaganda da UNICEF contra o
58
Tradução da metáfora MANNER OF ACTION IS MANNER OF MOVEMENT, disponível no repositório do
MetaNet Metaphor Wiki (on-line).
224
bullying e que deveriam me responder a duas perguntas: Quais são os tipos de bullying que
aparecem e em que país a propaganda foi produzida? Essas perguntas objetivas, pensadas
previamente por mim e escritas no quadro branco, tinham a intenção de direcionar o
visionamento da propaganda, promovendo, consequentemente, território para a inclusão, como
discutido na seção 4.3 desta tese.
Após visualizarmos o vídeo duas vezes, a turma me relatou que apareciam o bullying
físico, o psicológico e o virtual nas placas levantadas pelas pessoas. Ao realizar a segunda
pergunta que eu já havia escrito no quadro branco da sala de aula, estabelecemos a seguinte
interlocução.
Eu: ¡Vale! ... Pregunta dos (apontando para o quadro branco): ¿en qué país se produjo
el vídeo?
Evita: mhm ¡México!
Mara: No, no, no... é Brasil.
Cristiano: (Balança a cabeça e o dedo indicador do braço direito sinalizando
negação).
Pablo: (Olhando para Cristiano, começou a negar com a cabeça) ¡No!... BRASIL,
¡no!... Argentina mhm... Aparece no final do vídeo, ¿no es, Cristiano?
Cristiano: (Sorrindo) IN, INA. (Gravação do dia 02/04/2019)
Durante ambas as vezes que projetei o vídeo, tive a impressão de que Cristiano não
estava prestando atenção, pois seu olhar parecia estar dividido entre a tela do computador e uma
garrafa de água transparente que estava próxima a uma colega sentada ao seu lado. No entanto,
a sobreposição modal (SPERANDIO, 2015), que se articulava com a densidade modal do
movimento de sua cabeça e com a ação modal de alto nível (NORRIS, 2011 [2009], 2013, 2016,
2019) do movimento de seu dedo para a direita e para a esquerda, desaprovando a suspeita de
seus colegas, fez-me entender que ele não só havia assistido ao vídeo, mas que o havia
compreendido. Dito de outra forma, viver realidades sensorialmente distintas e densidades
modais diversas não significa estar fora da cena interacional construída conjuntamente 59.
Em sessão reflexiva de visionamento, perguntei ao aluno Pablo por que ele começou
a sinalizar de forma negativa, e o estudante me explicou: “É... eu tipo vi, né?... na verdade, o
Cristiano tava do meu lado oh: (Sinaliza o movimento de negação com o dedo indicador
direito)”. A densidade modal do movimento da cabeça de Cristiano, pista de contextualização
não verbal (GUMPERZ, 1998 [1982]), permitiu que Pablo ratificasse o footing interacional
(GOFFMAN, 1998 [1979]) proposto por Cristiano, transportando o campo demonstrativo
59
Agradeço imensamente ao professor Luiz Henrique Magnani que, em minha banca de doutorado, iluminou a
análise dessa cena interacional.
225
contextual (HANKS, 2017 [2008]), advindo da ação modal gestual de alto nível da negação,
para o encaixe do frame interacional (TANNEN; WALLAT, 2002 [1987]) em análise.
Voltei ao final do vídeo e mostrei à turma o endereço eletrônico que terminava em ar,
o que indicava que o país era a Argentina. Em seguida, escrevi no quadro branco mx e perguntei
qual seria o país se essa fosse a terminação, e Jenival disse: “México”. Elogiei a resposta do
Jenival com a expressão Muy bien, e a turma, repetindo minha fala, confirmou: “Muy bien”.
Jenival sorriu e também repetiu: “Muy bien”. Aproveitei a oportunidade para falar sobre o voseo
e sobre o sotaque de pessoas da região rio-platense.
Enquanto eu explicava sobre o voseo, Cristiano se levantou da cadeira, dirigiu-se ao
mapa da América Latina situado em sala de aula, e apontou para a Argentina. Ao perceber isso,
direcionei a seguinte pergunta a ele: “¿Y cuál es la capital de Argentina, Cristiano?”, e ele fez
um encontro bilabial da consoante /b/, balançando a cabeça para baixo e para cima, como se
estivesse solicitando que eu completasse a palavra para ele. A ação congelada (NORRIS, 2011
[2009], 2013, 2016, 2019) na qual Cristiano apontou para a Argentina direcionou a ação de alto
nível do meu olhar e o dos/as colegas da turma para um domínio fonte concreto (a localização
geográfica da Argentina no mapa). A densidade modal provocada pelo deslocamento dêitico do
direcionamento do dedo e do braço estendido de Cristiano, revelou-nos espaços inputs de
metáforas multimodais socioculturalmente situadas (VEREZA, 2010, 2017) do tipo ‘País é
lugar no espaço’ e ‘Marcar espaço é sinalizar com o dedo’, que subjazem o espaço mesclagem
(FAUCONNIER; TURNER, 2002, 2003, 2008) da metáfora CAMPO VISUAL É UMA
REGIÃO LIMITADA60.
A densidade da ação modal de alto nível do gesto de apontar o dedo para a Argentina
provocou a articulação de ações modais do olhar dos/as colaboradores/as da cena interacional,
em articulação com a ação modal de alto nível proveniente do /b/ prosódico em relação a um
espaço delimitado sinalizado no mapa por Cristiano. Cabe ainda ressaltar que a turma,
percebendo que Cristiano havia pronunciado a consoante /b/, entendeu a pista de
contextualização prosódica (GUMPERZ, 1998 [1982]), em consonância com a ação modal
gestual de apontar o dedo para o campo delimitado da região da Argentina, e afirmou: ‘Buenos
Aires’. Para a surpresa da turma, Cristiano sorriu e disse ‘res’, última sílaba de Aires, sendo
ovacionado pela turma.
Na aula seguinte, lembrei à turma do que tínhamos discutido na aula anterior e
coloquei à disposição lápis de cor, canetas hidrocores, régua e cola, além de símbolos do infinito
60
Tradução da metáfora THE VISUAL FIELD IS A BOUNDED REGION, disponível no repositório do MetaNet
Metaphor Wiki (on-line).
226
que representam a neurodiversidade, para que pudessem fazer colagens. Após entregar à turma
papéis nas cores vermelho, alaranjado, branco e amarelo, pedi que produzissem um texto para
o nosso mural completando uma das seguintes frases: ‘Inclusão é que nem’ ou ‘Exclusão é que
nem...’, tendo em vista as discussões realizadas em sala de aula.
oferecer massinhas de modelar para o Jenival e para o Cristiano foi uma estratégia para que
esses alunos se autorregulassem, participassem da atividade sugerida e produzissem seus textos,
a partir dos recursos semióticos que preferissem.
Com massinhas nas mãos, Jenival as manuseou, guardou-as em seu recipiente com
tampa, apoiou sua mão direita sobre o papel e, com a esquerda, fez o contorno dela. Em seguida,
o estudante desenhou vários círculos dentro do espaço delimitado de sua mão. Durante seu
processo de produção textual, Jenival se concentrou de forma heurística para a construção de
sua narrativa. Desse modo, com ações modais de baixo nível, como apoiar sua mão esquerda
com bastante pressão sobre a folha e abaixar sua cabeça para deixá-la próxima da sua mão, duas
ações modais de alto nível (NORRIS, 2011 [2009], 2013, 2016, 2019) se sobrepuseram
(SPERANDIO, 2015) de forma simbiótica pelo olhar para a mão apoiada sobre a folha de papel
e pelo movimento da mão esquerda contornando a direita, devido à complexidade da
configuração e à intensidade modal. Cristiano, ao observar o que seu irmão Jenival havia feito,
também colocou sua mão esquerda sobre a folha de papel, contornando-a. O resultado dessas
narrativas multimodais pode ser observado nas figuras 26 e 27.
Fonte: Elaborado pelo estudante Jenival. Fonte: Elaborado pelo estudante Cristiano.
#Postacessível da figura 26. Folha laranjada com desenho na cor preta contornando a mão direita. Os
traços são mais grossos, pois foram feitos com canetinha preta. Sobre a mão e os dedos, círculos pretos de
diferentes tamanhos. Do lado esquerdo da folha, símbolo da neurodiversidade colado na vertical.
#Postacessível da figura 27. Folha laranjada com desenho na cor preta contornando a mão esquerda. Os
traços são mais finos, pois foram feitos com caneta preta. Do lado esquerdo da folha, símbolo da neurodiversidade
colado na vertical.
228
Como podemos observar na figura 26, Jenival representou na narrativa multimodal sua
mão direita, desenhando círculos dentro dela. Ao apresentar sua narrativa para a turma, o
estudante ficou de pé, segurou a folha de papel com a mão esquerda e apontou para o seu texto
com a mão direita. Naquele momento, não consegui entender o porquê de sua representação, e
perguntei novamente por que ele havia feito o desenho de sua mão, e o estudante, apontando
para o quadro branco, disse: “Inclusión (...) inclusión como dedos... (olha para os dedos) na
misma mano son diferentes”. Ovacionado pela turma, o estudante se sentou, pegou sua
massinha e sorriu.
A cena interacional descrita apresentou níveis de densidade modais e relações
metafóricas diversas. A seguir, apresento e analiso algumas delas. O fato de que Jenival, que
foi o primeiro estudante da turma a apresentar sua narrativa multimodal, tivesse decidido ficar
de pé, enquanto eu e o restante da turma permanecíamos sentados/as, atraiu minha atenção e a
de todos/as os/as estudantes, levando para ele o centro das atenções, em uma relação metafórica
e conceptual do tipo PODER É CENTRALIDADE61. A ação modal de alto nível de se levantar
em sala de aula outorgou a Jenival o protagonismo e lhe conferiu, momentaneamente, poder,
pois ele passava a ser o centro da atenção conjunta, em uma prática (inter)acional
(FAIRCLOUGH, 2003, 2006) que o posicionava de forma a assumir o controle da mediação.
Outra densidade modal que sucedeu à ação modal gestual de ficar de pé foi a promoção
do direcionamento do olhar que Jenival provocou na turma ao mostrar sua narrativa. Ao segurar
sua narrativa com as duas mãos para mostrá-la aos/às colegas, ele intensificou a densidade
modal da minha atenção e dos/as colegas, articulando-se com as ações modais de alto nível do
gesto de apontar para o quadro branco e da sua fala. A densidade modal do plano gestual de
olhar e de apontar para o quadro branco (domínios não verbais de espaços inputs) convergiu
para o espaço mesclagem da metáfora multimodal AÇÃO GUIADA É MOVIMENTO
GUIADO AO LONGO DO CAMINHO62, culminando com a catarse de sua apresentação ao
dizer que a inclusão é que nem nossos dedos, pois todos são diferentes e estão em nossas mãos.
Posto isso, cabe ressaltar que Jenival não foi ovacionado apenas pela ação de alto nível
que advinha do plano verbal, uma vez que o estudante construiu um processo de articulação de
densidades modais também de alto nível, que eram metafórico-multimodais (pelo fato de ficar
de pé e de apontar para o quadro branco), culminando com a metáfora socioculturalmente
61
Tradução da metáfora POWER IS CENTRALITY, disponível no repositório do MetaNet Metaphor Wiki (on-
line).
62
Tradução da metáfora GUIDED ACTION IS GUIDED MOTION ALONG A PATH, disponível no repositório
do MetaNet Metaphor Wiki (on-line).
229
situada (VEREZA, 2010, 2017) ‘Inclusão são dedos diferentes’, e que subjazia a metáfora
multimodal conceptual criativa (GIBBS, 1994) INCLUSÃO É ESTAR DENTRO.
Essa localização de estar dentro de um lugar também ressoava na metáfora multimodal
conceptual ‘INCLUSÃO É UM CONTÊINER’, uma vez que pessoas diferentes, como nossos
dedos, também precisavam estar dentro de contêineres, espaços de proteção, de acolhimento e
de convívio com o/a outro/a, operado pela mesclagem (FAUCONNIER; TURNER, 2002, 2003,
2008) dessa configuração metafórico-multimodal.
Na narrativa multimodal de Cristiano, figura 27, o estudante contornou sua mão
esquerda após observar o modo como seu irmão Jenival havia realizado sua atividade. Assim
sendo, a ação de alto nível (NORRIS, 2011 [2009], 2013, 2016, 2019) de Cristiano ancorou-se,
em um primeiro momento, na ação mediada sobre o que seu irmão estava fazendo. A densidade
dessa ação modal de alto nível (olhar o que o outro estava fazendo) articulou e moveu outra
ação de alto nível, em um segundo momento, que consistiu em contornar com um lápis sua mão
esquerda.
Quando Cristiano foi apresentar sua narrativa, também ficou de pé, segurou seu texto
com a mão esquerda, levantando-a acima da sua cabeça e estendeu sua mão direita em direção
ao quadro branco, conjugando duas ações de alto nível de forma estratégica para atrair a atenção
de seus/suas colegas de turma: i) com a metáfora multimodal socioculturalmente situada Estar
de pé é assumir controle da situação, em uma metáfora conceptual do tipo PODER É
CENTRALIDADE; e ii) com a metáfora multimodal socioculturalmente situada Apresentar
trabalho é estender esse trabalho para cima, que subjazia a metáfora conceptual CONTROLE
É PARA CIMA63, sendo também ovacionado pela turma.
Em sessão reflexiva de visionamento apenas com os estudantes autistas, realizei
atividade com o aluno Cristiano para que ele me indicasse o que significava a inclusão para ele.
Para tanto, o estudante utilizou o LetMeTalk em meu celular, que é um aplicativo gratuito
disponível para equipamentos Androide e IOS, que funciona sem acesso à Internet, auxiliando,
por meio de diversos símbolos, a comunicação alternativa e aumentativa (CAA). A base de
dados do LetMeTalk possui mais de 9.000 imagens com itens verbalizados, sendo possível
inserir novas categorias e imagens pelo/a usuário/a em diversos idiomas. Por oportuno, como
professor e ativista pela educação inclusiva, defendo que adaptações e suportes, como
massinhas de modelar e técnicas/métodos da CAA (gestos, vocalizações, aplicativos,
pictogramas, entre outros) sejam utilizados por estudantes autistas quando necessários, para que
63
Tradução da metáfora CONTROL IS UP, disponível no repositório do MetaNet Metaphor Wiki (on-line).
230
haja mais equidade de oportunidades de aprendizagem para todos/as, e para que amenizemos,
consequentemente, relações de soberania da tipicidade sobre a atipicidade em sala de aula.
Sentado em uma cadeira ao meu lado e com sua narrativa multimodal em mãos,
perguntei ao estudante Cristiano o que era a inclusão para ele. Acessando o aplicativo
LetMeTalk, já conhecido pelo estudante pelo trabalho de letramento tecnológico realizado em
encontros personalizados que tivemos no segundo semestre de 2018 e ao longo do primeiro
semestre de 2019, Jenival escolheu a categoria Sentimientos.
Antes de eleger essa categoria, em uma ação modal de alto nível na qual o estudante
fixou seu olhar sobre a tela do celular, e movimentou o braço e o dedo indicador direito para
fazer suas escolhas, Cristiano apontou para a categoria Juguetes, olhou para mim sorrindo e
balançou a cabeça de forma negativa. Imediatamente, eu reagi: “Tá aí, não?”. Em seguida,
Cristiano desviou seu dedo para a categoria Sentimientos, escolhendo-a, como podemos
observar na figura 28. Olhando fixamente para os ícones da categoria Sentimientos, de acordo
com a figura 29, entre diversas possibilidades que estavam à sua disposição, Cristiano escolheu
bien, olhando e sorrindo para mim logo depois.
#Postacessível da figura 28. Print da página Inicio do aplicativo LetMeTalk. Fundo cinza e bordas
superior e inferior na cor verde claro. Na parte de cima à direita, ícone para iniciar. No centro, aparecem as
seguintes categorias: General, Comida, Bebida, Ropa, Enfermedades, Sentimientos, Útiles, Juquetes, Colores,
Números, Alfabeto, Formas, Gustar, Características físicas. Seta preta sinalizando a categoria Sentimientos. Na
parte inferior à esquerda, ícone de configurações e, na parte inferior à direita, ícone de uma lixeira.
#Postacessível da figura 29. Print da página Sentimientos do aplicativo LetMeTalk. Fundo cinza e
bordas superior e inferior na cor verde claro. Na parte de cima à direita, ícone para iniciar, na parte esquerda,
símbolo de mão fechada com dedo polegar para cima indicando sinal positivo. No centro, aparecem as seguintes
categorias: marearse, miedoso, gracioso, enfadado, mal, aburrido, contento, nervioso, reír, triste, bien, assustar
e querer. Seta preta sinalizando a categoria bien. Na parte inferior à esquerda, ícone de configurações e, na parte
inferior à direita, ícone de uma lixeira.
PODER É
CENTRALIDA
DE
INCLUSÃO É
ALEGRIA É
UM
PARA CIMA
CONTÊINER
AFIRMAÇÃO É
MOVIMENTO
CONTROLE É
DA CABEÇA
PARA CIMA
PARA CIMA E
PARA BAIXO
AÇÃO GUIADA
É MOVIMENTO
BOM É PARA
GUIADO AO
CIMA
LONGO DO
CAMINHO
CAMPO
VISUAL É INCLUSÃO É
UMA REGIÃO ESTAR
DENTRO
LIMITADA
CAPÍTULO 7
Como todo o respeito aos pais e especialistas que conseguiram evoluir do modelo de
exclusão para o modelo de integração. A partir do modelo social de deficiência,
construído pelas próprias pessoas com deficiência, e da luta dos movimentos das
pessoas com deficiências, nós estamos migrando – estamos, porque não é realidade
ainda – para a inclusão.
Adriana Torres
(2019, p. 13)
Como tocar no tema do suicídio em sala de aula e não cair em armadilhas como
dogmas religiosos e culpabilidade? Como trabalhar problematizações relacionadas ao suicídio
e não provocar o efeito Werther (estímulo ao suicídio)? Essas foram as principais perguntas
com as quais me deparei durante anos como professor e, apesar de notícias de suicídio serem
frequentes entre estudantes das escolas por onde passei, quando a temática chegava à minha
sala de aula, eu me sentia incomodado e, sem saber como atuar, procurava, subitamente, fugir
desse assunto.
Tentando esquivar-me de realizar qualquer trabalho ou de discutir sobre o suicídio,
ancorava-me na crença de que caberia a profissionais da área da psicologia, a instituições com
preparo e qualificação, como o Centro de Valorização da Vida (CVV), estabelecerem diálogo
com meus/minhas estudantes. Apesar de eu considerar fundamental a iniciativa de palestras de
profissionais que trabalham diretamente na área de prevenção ao suicídio, meus/minhas
estudantes solicitaram, durante a preparação de atividades para a geração de dados desta tese,
um espaço, alguma atividade que trouxesse a temática do suicídio à tona.
Em consequência dessa demanda, procurei sugestões de atividades na Internet, mas
não encontrei nada com o qual eu me sentisse à vontade para trabalhar em sala de aula. Para
minha felicidade, em 2019, por fazer parte de movimentos sociais voltados para ações de
direitos de pessoas com deficiência, fui convidado a integrar o grupo de trabalho “Mãos dadas”,
junto à Subsecretaria de Políticas para Crianças e Adolescente do Distrito Federal (SUBPCA),
a fim de traçarmos estratégias em direção ao setembro amarelo, mês dedicado à prevenção do
suicídio no Distrito Federal. Graças ao convívio nesse espaço, tive contato com pessoas e com
instituições, como a Fiocruz, que ouviram minhas angústias e me encorajaram para que eu
235
pudesse não apenas abordar a temática do suicídio em sala de aula, mas que tivesse condições
de encaminhar um trabalho pedagógico nesse sentido.
Nesses direcionamentos, entendi que, para trabalhar a temática do setembro amarelo,
precisaria fomentar discussões e ações que levassem à valorização da vida e que promovessem
reflexões sobre redes de apoio e de acolhimento. Com esses encaminhamentos, compartilhei,
com profissionais da Fiocruz e da SUBPCA, a ideia de trabalhar com música, alegria, vida,
escuta e afeto com minhas turmas, sendo incentivado a lançar-me nesse empreendimento.
Neste capítulo, além de apresentar a forma como encaminhei a temática proposta em
uma turma de espanhol como língua adicional do 7º nível, realizada no 2º semestre de 2019,
com estudantes autistas e típicos/as (não autistas), entre 15 e 38 anos de idade, analiso ações e
densidades modais que se articulam no processo de construção de sentidos. Focalizando o modo
do toque, investigo como sua configuração modal, em articulação com outros modos,
potencialmente media ações interacionais por meio de metáforas multimodais. Dessas ações
modais, que circulam por dimensões contextuais (HANKS, 2017 [2008]), emergem
(inter)ações, representações e identificações (FAIRCLOUGH, 2003, 2006), o que nos
possibilita lançar perspectivações analíticas em relação ao sistema do tato.
Comecei minhas aulas da segunda semana do mês de setembro de 2019 com a projeção
do quadro ‘Girassóis’, de Van Gogh. Após solicitar que os/as estudantes o descrevessem em
relação a cores, à quantidade e ao formato das flores que nele apareciam, perguntei qual era
uma cor, um objeto e uma ação que lhes trazia alegria, além de pedir que justificassem suas
escolhas. Em seguida, projetei um texto com curiosidades sobre a vida de Van Gogh e sugeri
que sinalizassem informações que lhes surpreendessem, além de justificá-las. Ao discutirmos
sobre curiosidades, adensamos o debate sobre representações de fases da vida (nascimento,
juventude e velhice) em relação às cores presentes na obra ‘Girassóis’.
Em seguida, expliquei às minhas turmas que eu havia levado quadros e curiosidades
sobre a vida de Van Gogh para a aula porque estávamos no mês do setembro amarelo e pelo
fato de haver estigma, fantasia e tabu acerca do final da vida do artista. Entre discussões em
relação à dificuldade de Van Gogh de ser escutado e de conseguir redes de apoio para superar
momentos difíceis de sua vida, perguntei às turmas se essa era uma realidade próxima dos dias
atuais. Durante essas discussões, alertei sobre os serviços disponíveis de atendimento contínuo
do CVV, além de sugerir que colaborássemos entre nós a partir da escuta. Em relação a esse
236
encaminhamento colaborativo de escuta, a aluna Flor se posicionou: “A gente precisa dizer pra
alguém o que tá sentindo”.
Após essas discussões com a turma, apresentei, na aula seguinte da mesma semana,
uma sequência de imagens que possivelmente nos provocaria alegria, e pedi que selecionassem
alguma dessas imagens e que justificassem suas escolhas. Posteriormente, projetei o clipe com
a música ‘Alegria’, do grupo Cirque du Soleil, disponível no site
https://youtu.be/kMrNsFwTXJQ, acessado em 11 de setembro de 2019, e refletimos sobre o
que nos gerava o sentimento de alegria. A sequência didática com essas atividades consta no
apêndice C desta tese.
Foi com as reflexões propostas pelas perguntas ‘O que é a vida para você?’ e ‘Qual é
a música que você considera que te acolhe, te abraça, te conforta e/ou que te traz muita alegria?’,
na sequência das atividades anteriores, que construímos o mural da figura 31.
#Postacessível da figura 31. Mural com fundo amarelo. Folhas nas cores branca, amarela, verde, azul,
bege e preta com textos verbais e não verbais (desenhos e pinturas). No centro do mural, título com letras grandes
e pretas com o lema POR LA VIDA. Na parte inferior do mural à esquerda, em letras grandes amarelas está escrito:
SETEMBRO AMARELO. Na parte superior à esquerda e no centro à direita, cartaz com o número oficial do CVV
188, acompanhado de um laço amarelo. Em diversas partes do mural, aparece a seguinte frase: ¡Escucha mi
canción y habla conmigo!
237
Assim sendo, por meio de textos (multimodais), refletimos nesse mural sobre a vida,
sobre a alegria, sobre redes de apoio e sobre a importância da fala e da escuta. Em conformidade
com o mural da figura 31, o lema do trabalho que realizamos foi: ‘¡Por la vida, escucha mi
canción y habla conmigo!’, sugestão de uma aluna de uma de minhas turmas. Durante a
elaboração dessas narrativas, culminando com a explicação de cada estudante sobre sua canção
de acolhimento, a realização do modo do toque ocorreu por meio de risadas, de cantos, de
danças, de encenação teatral, de lágrimas, de abraços, além de demonstração de solidariedade
e de conexão. Na seção a seguir, adensamos a análise da configuração modal do toque em
articulação com outros modos de linguagem para a construção de sentidos.
do cumprimento ocorreu de forma parcial, uma vez que não ouve um contato demorado e total
de nossas mãos. No entanto, essa não realização total do toque de nossas mãos não foi
empecilho para que a saudação entre nós acontecesse, haja vista que compartilhávamos
intersubjetivamente do mesmo contexto (VAN DIJK, 2012 [2011]). Afinal, eu havia
incorporado o campo social do cumprimento com Antônio por me haver co-engajado pela
dimensão da emergência contextual (HANKS, 2017 [2008]) com o estudante.
Em relação à ação congelada de aproximarmos nossas mãos, cujas ações modais de
baixo nível referem-se a manter os dedos fechados da mão direita estendida na altura do peito,
e de não as apertar, como compartilhado por nós dois na cena interacional descrita, a ação
mediada fez parte da negociação estabelecida anteriormente. Em outras palavras, o alinhamento
interacional (GOFFMAN, 1998 [1979]) de prescindir do modo do toque para a realização do
cumprimento havia sido negociado entre mim e Antônio no início do semestre, e não havia
razão para que esse modo (aperto de mãos) se concretizasse para a materialização da saudação.
Entendo que o modo do toque para a realização do cumprimento faz parte de uma
prática (inter)acional (FAIRCLOUGH, 2003, 2006) que é compartilhada socioculturalmente
por brasileiros/as. O toque das mãos, que costuma ocorrer com um aperto de mão, além de
saudar o/a outro/a, pode ser utilizado, para citar alguns exemplos, para fechar um negócio e
transmitir a ideia de confiança, para manter a distância de alguém que poderia se aproximar
com um abraço ou com um beijo, para finalizar uma conversa em tom de despedida. O não
entendimento da intensidade da configuração modal do toque (aperto de mão) da prática social
(FAIRCLOUGH, 2003, 2006) mencionada em relação a Antônio, em uma perspectiva
anticapacitista, não deveria impedi-lo, em nenhum espaço, de cumprimentar, de fechar um
negócio, de finalizar uma conversa.
Ao abrir a sala de aula, Antônio prontamente organizou as carteiras em formato de
círculo. Como era a primeira aula daquela manhã, o estudante também me ajudou a configurar
o projetor em sala de aula e a posicionar a câmera para a geração de dados desta pesquisa. Com
a chegada da turma, projetei o quadro ‘Girassóis’, de Van Gogh, em sala de aula, e, após
fazermos uma breve descrição da obra, estabelecemos a seguinte interlocução:
Antônio: Tiene una cosa que yo… que yo quiero hablar (Junta o dedo mínimo ao
anular e o dedo indicador ao médio, de ambas as mãos, apertando-os).
Kalebe: Sí, ¿qué es?
Antônio: Yo estudié este cuadro… Na verdad son pinceladas… Como é que é, profe?
(Olhando para mim e com leve projeção da cabeça para frente).
Eu: ¿Cómo?
Antônio: ¿Pinceladas en español, ué?! … ¿eres pincelada mismo?
Eu: Ah… sí… igual… es, es pincelada. Eres no… es.
239
Por essa ação mediada (SCOLLON; SCOLLON, 2011 [2009]), ações modais de alto
nível se articularam e provocaram alinhamentos interacionais (GOFFMAN, 1998 [1979]) por
meio dos sistemas da fala, da visão, do movimento e do toque. Por exemplo, quando o estudante
se dirigiu para interagir comigo, além do modo verbal (“Como é que é, profe?”), ele olhou para
mim e projetou sua cabeça em minha direção, convidando-me para participar do frame
interacional (TANNEN; WALLAT, 2002 [1987]) ao qual ele assumia o protagonismo.
Como neste capítulo dedico-me a explorar o modo do toque, destaco não apenas as
pinceladas que o estudante projetou no ar, mas também a densidade modal (NORRIS, 2011
[2009], 2013, 2016, 2019) do toque sobre uma tela imaginável. Como indicou a estudante Ana,
o modo de realização do toque foi suave, ao qual eu me alinhei ao escrever minhas notas de
campo, qualificando-o como ‘cuidadoso, delicado e tênue’. Assim, para simular a técnica da
leveza do toque das pinceladas de Van Gogh, o estudante Antônio trocou seus stims (junção
dos dedos mínimo ao anular e do dedo indicador ao médio) por uma densidade de ação de alto
nível: a suavidade do toque de pinceladas sobre a tela.
Cabe destacar que essa densidade modal do toque do pincel sobre a tela se articulou
com outros modos de linguagem para mediar a ação que simulou a pintura de um quadro. Posto
isso, no espaço genérico (FAUCONNIER; TURNER, 2002, 2003, 2008) ‘pinceladas’, espaços
inputs de ações modais de alto nível do olhar (“olha para a mão direita”), da fala (“pinceladas
de cores unas sobre las otras... Así, oh!”) e do gesto (“com os dedos mínimo e indicador, como
se estivesse segurando um pincel, levanta a mão direita e movimenta o braço para frente e para
trás de forma lenta”) foram (co)construídos durante a ação mediada, convergindo modalmente
para um espaço de mesclagem metafórico situado (VEREZA, 2010, 2017) do tipo ‘Quadro
Girassóis é pinceladas de cores suaves’. Esse entendimento de Antônio de que as pinceladas de
Van Gogh eram cuidadosas, por meio da densidade modal da suavidade do toque, em
convergência com outros modos, foi ao encontro da metáfora MANEIRA DE AÇÃO É
240
Antes de adentrarmos no sistema do tato advindo dessa interação, cabe salientar que,
após pistas contextuais não verbais (“Aponto e olho para a aluna Jéssica”), verbais
(“Ahoooora...”) e até mesmo prosódicas (em consequência do meu prolongamento da vogal ‘o’
ao verbalizar “Ahoooora...”) (GUMPERZ, 1998 [1982]), a aluna Jéssica escolheu o cachorro
como a imagem que lhe causava alegria. Alinhando-se interacionalmente (GOFFMAN, 1998
[1979]) à ação modal verbal de alto nível de Ana, ao expressar que o cachorro era bonito e fofo
(“Ai... Que bonitinho!... Muito fofo!”), Jéssica o ratificou também pelo modo verbal (“Sí,
64
Tradução da metáfora MANNER OF ACTION IS MANNER OF MOTION, disponível no Master Metaphor
List, compilado por Lakoff, Espenson e Schwartz (1991).
241
mucho.”) e manifestou seu desejo (“Yo quería... Ummm...”) de apertar o cachorro da imagem
com suas mãos.
Para expressar qual era o seu desejo (“Yo quería...”), a aluna Jéssica utilizou ações
modais de alto nível (NORRIS, 2011 [2009], 2013, 2016, 2019), que se configuram com um
olhar fixo para a projeção, com um sorriso no rosto, com o movimento da cabeça para a
esquerda, com a extensão de suas mãos para frente com os dedos semiabertos e levemente
tensionados para baixo, e com direcionamento de suas mãos para a imagem, para demonstrar o
modo do seu toque em relação ao cachorro. Essas ações modais de alto nível da aluna mediaram
a interação em curso, de modo que o aluno Kalebe as associou (“Tipo Felícia”) à personagem
Felícia da animação “Pink e o Cérebro”, que adorava apertar ratos por considerá-los fofos, e eu
co-sustentei seu alinhamento (“Sí, sí... ¡Verdad!”).
Assim sendo, diante de um espaço genérico (FAUCONNIER; TURNER, 2002, 2003,
2008) acerca do ‘desejo de Jéssica’ (Yo quería...), espaços inputs advindos de ações modais de
alto nível do ‘olhar’, dos ‘gestos’ e da projeção do ‘toque’ de Jéssica em relação à imagem
convergiram modalmente para um espaço de mesclagem que indicava seu desejo de ‘apertar o
cachorro’. Cabe ressaltar que esse espaço mesclagem era metafórico, uma vez que ‘apertar o
cachorro’ não estava relacionado apenas ao desejo de Jéssica, mas sim a uma ação modal que
lhe causava alegria (“Creo que eso es feliz... y me da... me da alegría”). Desse estado de alegria,
em consonância com a ação modal de alto nível do toque e em convergência com ações modais
do olhar e de gestos, emergiu a metáfora socioculturalmente situada (VEREZA, 2010, 2017)
‘Alegria é apertar um cachorro’.
Por conseguinte, a densidade da ação modal de alto nível que simulava um toque de
aperto no cachorro se sobrepôs (SPERANDIO, 2015) e convergiu com outros modos, com o
intuito de cumprir com a realização de um desejo que provocava na aluna Jéssica o sentimento
de alegria. Dessa relação, emergiu a metáfora conceptual DESEJOS QUE CONTROLAM A
AÇÃO SÃO FORÇAS EXTERNAS QUE CONTROLAM O MOVIMENTO 65, cujo domínio
fonte estava relacionado à configuração modal que advinha da força e do movimento do toque;
e o domínio alvo, ao cumprimento de um desejo que causava alegria.
Ainda sobre o modo do toque, co-engajada na dimensão da emergência contextual
(HANKS, 2017 [2008]) com Ana, a estudante Jéssica, além de ter respondido à pergunta de sua
colega de classe (“¿Y tú tienes un perro, né?”), encaixou o enquadramento em relação ao campo
social profissional (“Pero yo voy ser verterinaria… Yo voy tener y cuidar de varios”) e
65
Tradução da metáfora DESIRES THAT CONTROL ACTION ARE EXTERNAL FORCES THAT CONTROL
MOTION, disponível no Master Metaphor List, compilado por Lakoff, Espenson e Schwartz (1991).
242
66
Tradução da metáfora CAREFUL ACTION IS CAREFUL MOTION, disponível no Master Metaphor List,
compilado por Lakoff, Espenson e Schwartz (1991).
243
QUENTE67. Por essa metáfora, o domínio alvo intensidade emocional foi conceptualizado em
razão da ação modal do toque em seu rosto para aferir sua temperatura corporal, que,
possivelmente, estava quente, haja vista que a aluna Jéssica abanou seu rosto com a mão direita.
Por fim, acerca da saída da aluna Jéssica da sala de aula de forma súbita e sem solicitar
autorização, destaco que a estudante se sentia sensorialmente sobrecarregada, conforme relatou
na sessão reflexiva de visionamento realizada no dia 16 de setembro de 2019. A propósito, em
conversa com a estudante Jéssica e com sua mãe no início do semestre letivo, já havíamos
negociado que, ocasionalmente, a aluna teria de sair da sala de aula para autorregular-se, e que
a necessidade de sua saída da sala de aula não configuraria uma barreira para que ela
continuasse com suas aulas de espanhol.
7.3 E nessa música... Tipo... A gente pode ser feliz do jeito que é... E ponto!
67
Tradução da metáfora EMOTIONALLY INTENSE IS HOT, disponível no Master Metaphor List, compilado
por Lakoff, Espenson e Schwartz (1991).
244
haviam escolhido. Para tanto, convidei a turma a participar da seguinte experiência: com seus
fones de ouvido e seus aparelhos celulares, confeccionariam os textos ouvindo a música que
haviam escolhido. Ao final da realização do texto, projetariam o clipe da música entre 1 e 2
minutos pelo computador da sala de aula e explicariam para a turma a relação da música que
haviam escolhido com o texto produzido.
Kalebe foi o primeiro a apresentar seu texto. Ele escolheu a música Happy, de Pharrel
Williams, e relacionou seu texto a um momento de alegria da festa de seu casamento, em que a
dançou com sua esposa. Incentivado por Kalebe, o estudante Antônio manifestou a intenção de
apresentar seu texto, já que a música que ele havia escolhido era tão animada quanto a do seu
colega de classe. Para apresentar seu texto, o estudante se levantou da cadeira, foi até o
computador da sala e colocou na plataforma Youtube a música Djobi, Djoba, do grupo Gipsy
Kings, disponível no site https://youtu.be/oxNK7VBizac, acessado em 11 de setembro de 2019.
Mantendo-se de pé, Antônio juntou o dedo mínimo ao anular e o dedo indicador ao médio da
mão esquerda, tensionando-os, e, com a mão direita, mostrou sua narrativa multimodal para a
turma, como podemos observar na figura 32.
#Postacessível da figura 32. Folha com fundo colorido em tons claros, nas cores azul, marrom, roxo,
vermelho e amarelo, da esquerda para a direita. No centro, cinco pessoas movimentando-se. A primeira, pintada
de azul, está tocando um violão. A segunda, pintada de amarelo, está batendo palmas e dançando. A terceira,
pintada de vermelho, está olhando para a pessoa pintada de amarelo e está carregando uma bandeira do México,
nas cores verde, branca e vermelha. A quarta, pintada de azul, está dançando com os braços para cima. A quinta,
pintada de verde, está abraçando um violão. No fundo, aparecem dois quadros nas cores azul e branco pendurados
na parede. Na parte superior, ondas com notas musicais saindo do violão da pessoa pintada de azul. Da bandeira
do México, na parte inferior, cai o escudo de uma águia marrom prendendo com suas garras amarelas uma serpente
verde. Na parte inferior à esquerda, está escrito: Gipsy Kings, djobi djoba.
Sorrindo para a turma, que mantinha olhares para Antônio, o estudante disse: “Yo
escolhi... é... yo escolhi la música del Gipsy Kings... La Djobi djoba”. Após repetir o nome da
música e do grupo musical algumas vezes, pois a turma parecia não os entender, Antônio foi ao
computador e projetou o início da música. Durante o refrão, Antônio simulou que estava com
um violão em suas mãos na altura do seu tórax e, com a mão direita em formato de concha,
olhando para o seu suposto violão, realizou movimentos para baixo, como se estivesse tocando
suas cordas, enquanto mantinha a mão esquerda segurando, supostamente, o braço do violão.
O toque desse movimento com a mão direita era realizado com força, pressionando o peito
esquerdo, e seguia um compasso de duas batidas seguidas, uma breve pausa e mais outras duas
batidas fortes.
Após simular esses toques de batidas no violão, sorrindo e olhando para a projeção,
Antônio levantou os dois braços e fez movimentos bruscos para cima. A turma transitava
olhares e sorrisos entre a projeção do clipe e os movimentos do estudante. Ao parar o clipe da
música e eu perguntar-lhe por que havia escolhido aquela canção, além de solicitar-lhe que
explicasse sua narrativa multimodal, Antônio argumentou: “Lo dibujo... lo dibujo habla... é...
habla de la alegría... La alegría de Djobi djoba... (Sorri e levanta a mão direita para cima). Y
yo participé de una feira internacional con el México… y tocó esa música”.
Durante a projeção de sua música, a ação modal de alto nível (NORRIS, 2011 [2009],
2013, 2016, 2019) do olhar de Antônio para o clipe foi compartilhada pela turma. Colaborando
com o frame interacional (TANNEN; WALLAT, 2002 [1987]) de assistir ao vídeo, cabe
destacar que o aluno modificou o footing interacional (GOFFMAN, 1998 [1979]) da ação modal
do olhar da turma, uma vez que transitávamos nosso sistema da visão entre a projeção do clipe
e os movimentos do estudante, o que provocava o sorriso da turma.
Por conseguinte, co-presentes na situação, co-engajados/as no cenário de forma
intersubjetiva e assumindo papéis em um campo demonstrativo da dimensão contextual da
emergência (HANKS, 2017 [2008]) por meio de pistas não verbais (GUMPERZ, 1998 [1982])
– direcionamento do olhar para o vídeo e para o estudante, postura descontraída por meio do
sorriso da turma –, as ações modais provenientes do sistema do movimento, da visão e do tato
246
68
Tradução da metáfora CAUSES ARE FORCES, disponível no Master Metaphor List, compilado por Lakoff,
Espenson e Schwartz (1991).
247
#Postacessível da figura 33. Folha com fundo branco. Desenho de uma pessoa com cabelo amarelo e
crespo. O cabelo cai pelo rosto da pessoa, cobrindo o olho direito, e se estende por seu ombro. O contorno do rosto
é feito com um ramo de uma planta verde. O olho está fechado e é feito no formato de uma folha verde. No lugar
do nariz, há uma borboleta amarela, inclinando-se para a boca, que possui o desenho de uma flor vermelha. Ao
lado do rosto, aparece uma flor vermelha e um broto de flor amarela. Na parte inferior está escrito em letra cursiva:
Bom gosto – Sarauzinho do Bom.
Como podemos observar pela interlocução com a aluna Jéssica, sua narrativa
multimodal referiu-se à representação dela mesma. Afinal, ações modais de alto nível
(NORRIS, 2011 [2009], 2013, 2013, 2016, 2019) do olhar e do gesto em direção ao seu texto,
além do modo verbal (“Esta soy yo”), articularam-se e identificaram quem era a pessoa de sua
narrativa. Essa pessoa, que era a própria aluna, considerou a música por ela escolhida como
muito importante (“Muy importante para mí”), fazendo referência, por meio de uma ação modal
de alto nível gestual, a si mesma (“Apoia a mão direita sobre o peito”).
Co-sustentando o footing (GOFFMAN, 1998 [1979]) relacionado à importância da
música que ela havia escolhido, a aluna Jéssica, por meio da ação modal de alto nível verbal
(“Mira mis pelos”), sugeriu que a ação modal do meu olhar fosse direcionada ao seu cabelo
(“Mira mis pelos”). Após deixar seu texto sobre a carteira, em uma ação modal de alto nível do
toque, cuja configuração modal se realizou de forma leve (“Toca no cabelo com ambas as mãos
de forma leve”), a aluna modificou o footing interacional, introduzindo a temática do cabelo.
Minha intervenção advogando pelo termo ‘pelo’ ou ‘cabello’, ao invés de ‘pelos’
(“Pelo... no... no digas pelos... Pelo, pelo... o cabello”), alinhou interacionalmente a turma em
relação ao contexto intersubjetivo (VAN DIJK, 2012 [2011]) compartilhado em uma aula
daquele mesmo semestre. Naquela ocasião, eu havia explicado para a turma que a palavra ‘pelo’
correspondia a cabelo (‘cabello’); em contrapartida, o termo ‘pelos’ estava relacionado a pelos
pubianos.
Após os/as alunos/as Flor, Kalebe, Antônio e Jéssica terem se alinhado (GOFFMAN,
1998 [1979]) a esse contexto intersubjetivo (VAN DIJK, 2012 [2011]) de palavras cognatas
entre o português brasileiro e a língua espanhola, Ana procurou retomar a co-presença, o co-
engajamento e a postura da dimensão da emergência contextual (HANKS, 2017 [2008])
mediante a ação modal de alto nível do olhar (“Olha para a aluna Jéssica de forma séria”) e a
ação modal verbal da fala (“¿Tu pelo?”).
249
69
Tradução da metáfora PROVING IS SHOWING, disponível no repositório do MetaNet Metaphor Wiki (on-
line).
250
figura 34, apresentamos, como síntese, metáforas conceptuais que emergiram dessa
(co)construção, focalizando o modo do toque, sobre a alegria de viver.
MANEIRA DE AÇÃO
É MANEIRA DE
MOVIMENTO
DESEJOS QUE
CONTROLAM A
PROVAR É MOSTRAR AÇÃO SÃO FORÇAS
EXTERNAS QUE
CONTROLAM O
MOVIMENTO
AÇÃO CARINHOSA É
CAUSAS SÃO
MOVIMENTO
FORÇAS
CUIDADOSO
EMOCIONALMENE
INTENSO É QUENTE
No primeiro semestre de 2018, quando iniciei meu curso de doutorado, em uma das
primeiras aulas, a professora Izabel Magalhães alertou à minha turma que fechar um ciclo de
mestrado ou de doutorado era apenas o início de uma trajetória de pesquisa. Durante mais de
três anos que me dediquei a esta tese, fiquei e continuo pensando sobre o quão iniciante
realmente é essa fase, sobre quantas possibilidades e intersecções ainda estão por vir, sobre
como a jornada de pesquisador/a, em certo ponto, aproxima-se da caminhada da vida. Afinal,
assim como a jornada da vida, o caminho de pesquisa exige paciência, adaptações,
encaminhamentos, redimensionamentos, aprendizado, resiliência e posicionamentos.
Nesse processo, parece que dar por terminada esta tese, além de cumprir com um
protocolo e de ser um marco importante em minha vida, é o início de um ciclo que me convida
a colocar as mochilas nas costas novamente. Por conseguinte, sinto que minha relação entre a
pesquisa e o autismo está apenas começando, que esse é um caminho sem volta para mim, e
que há percursos a serem trilhados e compartilhados com o/a outro/a que não caberiam sequer
nesta vida. Assim sendo, entendendo esta tese como o início de tantas outras caminhadas,
rememoro a viagem realizada, apresento contribuições desta investigação, retomo meus
objetivos e minhas perguntas de pesquisa, a fim de respondê-las, e exponho limitações e
sugestões para futuras investigações.
Em Com os pés na estrada, na Parte I desta tese, delineei o trabalho de campo
realizado, o qual definiu a trajetória desta pesquisa qualitativa, levando-me a compreender que
era a ontologia que definiria minhas escolhas metodológicas. Portanto, diante de uma
investigação qualitativa pós-moderna, pós experimental, pós-crítica e atual, fui convidado a
sulear em pesquisa brasileira no âmbito da linguística aplicada. Adotando uma postura holística
e êmica, as dimensões da emergência e do encaixe contextual (HANKS, 2017 [2008]), bem
como o contexto intersubjetivo (VAN DIJK, 2012 [2011]), acompanharam-me durante toda a
pesquisa etnográfica (netnografia e microetnografia).
Após ter a aprovação do comitê de ética em 2018, entrei em contato com os/as
primeiros colaboradores/as para esta pesquisa nesse mesmo ano. Apesar de o trabalho de campo
estender-se de 2018 a 2020, destaco que o tempo em pesquisa qualitativa não foi definidor para
a densa análise dos dados gerados nesta investigação, de modo que textos, que em sua essência
são interacionais e multimodais, foram selecionados ao longo desse tempo.
253
Sobre ações e concepções que não identificaram o autismo como deficiência, mas
apenas como diferença, houve a convergência modal de que essas práticas discursivas
mobilizavam metáforas socioculturalmente situadas (VEREZA, 2010, 2017) do tipo: ‘Autismo
não é uma deficiência’, ‘Autismo é uma habilidade diferente’, ‘Autismo é comportamento
diferenciado do convencional’ e ‘Autismo é alegre’. Essas metáforas, que subjazem o espaço
mesclagem metafórico CONDIÇÃO HUMANA É ESPAÇO AMPLO DIVERSO,
representaram e identificaram o autismo como extraordinário, não reconhecendo a humanidade
de pessoas com qualidades e defeitos, além de não se alinharem ao modelo social de deficiência.
Por fim, acerca de ações e de concepções sobre representações e sobre identificações
do autismo em capas de revista com meus/minhas colaboradores/as de pesquisa, houve a
ocorrência das seguintes metáforas socioculturalmente situadas: ‘Autismo é do sexo
masculino’, ‘Autismo não é do sexo feminino’, ‘Autismo são crianças’, ‘Autismo é cor de pele
branca’, ‘Autismo é classe social privilegiada’. Essas metáforas socioculturalmente situadas
mobilizaram instâncias de um espaço genérico que convergiu à metáfora PODER É CENTRO,
sobre a qual a masculinização do autismo encontrou na infância, na cor da pele clara e na classe
social privilegiada, sustentação para a supremacia de um padrão que visava ao silenciamento
da manifestação do autismo em outras configurações de gênero social (feminino, trans, não
binário etc.), adulto, de pele escura e de classe social menos abastarda financeiramente. Pelas
estratégias de eternalização e de apassivação ideológica (THOMPSON, 2011 [1990]), além de
suprimir atores e atrizes sociais marginalizados/as no espectro, essas ações e concepções
contribuíram para o controle de corpos autistas identificados como subalternos.
sentir alegres, orgulhosas de serem quem elas são, colaborando com a manutenção de estruturas
sociais capacitistas, que entendem que o autismo deve ser combatido. Pela estratégia de
padronização, operacionalizada pela unificação ideológica (THOMPSON, 2011 [1990]), a
análise do texto construiu um raciocínio que marcou o lugar dos sujeitos do Iluminismo e
Sociológico em relação ao autismo, colaborando com o processo de culpabilização e de
manipulação da maternidade.
Em contrapartida, a identidade do sujeito Pós-moderno autista, que identifica o
autismo como deficiência e como parte da diversidade, possuindo, portanto, caráter inacabado,
plural, móvel e em construção, tem advogado por uma condição neurodiversa da qual as pessoas
autistas sejam as protagonistas. Orgulhosos/as de sua condição e ativistas contra barreiras que
impedem que pessoas autistas possam ser, representar-se e interagir da forma como são, o
sujeito Pós-moderno autista disputa narrativas com sujeitos identitários do Iluminismo e
Sociológico. Não comungando com a estratégia da eternalização da reificação ideológica
(THOMPSON, 2011 [1990]), por exemplo, a colaboradora Rosa reexistiu por meio de uma
representação para o autismo que contemplou outra realidade: a de que não existe diferença de
gênero entre corpos típicos e atípicos.
Em relação à escolha das cores e do símbolo para identificar o autismo, por exemplo,
de acordo com as análises com meus/minhas colaboradores/as de pesquisa, as concepções dos
sujeitos do Iluminismo e Sociológico privilegiaram a cor azul e o símbolo do quebra-cabeça,
por meio de metáforas socioculturalmente situadas do tipo ‘Autismo é do sexo masculino’,
‘Autismo é resultado de saberes do patriarcado norte-americano e eurocêntrico’ e ‘Pessoa
autista é anjo azul’. Essas metáforas situadas, atuando como inputs do espaço genérico
(FAUCONNIER; TURNER, 2002, 2003, 2008) ‘autismo azul’, convergiram em um espaço de
mesclagem metafórico conceptual do tipo CONTROLE É PODER. Nesse encaminhamento
linguístico-discursivo, a masculinidade assumiu um domínio de controle (poder) que sustenta
a colonialidade de saberes, de mentes e de corpos fálicos, mantendo práticas e estruturas socias
machistas, colonizadoras e capacitistas.
Por outro lado, na concepção do sujeito Pós-moderno e em construção (HALL, 2003
[1992]), pessoas autistas clamaram pelo direito de serem as protagonistas de práticas
representacionais e identificacionais (FAIRCLOUGH, 2003, 2006), sugerindo o símbolo do
infinito colorido. Como efeito dessa disputa de narrativas, enquanto o símbolo do quebra-
cabeças apresentou metáforas socioculturalmente situadas (VEREZA, 2010) do tipo ‘Símbolo
do autismo é peça de quebra-cabeça’, ‘Símbolo do autismo é encaixe social’, ‘Símbolo do
autismo é pedaço em falta’, ‘Símbolo do autismo é problema a ser resolvido’, a proposição do
258
infinito colorido nos brindou com uma metáfora socioculturalmente situada (VEREZA, 2010),
crítica e contra-hegemônica (CHARTERIS-BLACK, 2004, 2006) do tipo ‘Símbolo do autismo
é espaço neurológico diverso’, ‘Símbolo do autismo é inclusão de cérebros diversos’, ‘Símbolo
do autismo é diversidade’. Essas metáforas situadas subjazem a metáfora conceptual MENTE
É UM CORPO EM MOVIMENTO NO ESPAÇO, no qual o domínio do corpo/mente no espaço
é personalizado, é único, é diverso e está em conformidade com o contexto intersubjetivo (VAN
DIJK, 2012 [2011]) de cada sujeito autista.
Por conseguinte, o discurso hegemônico que visa à adoção do símbolo do quebra-
cabeça e da cor azul para marcar a identidade autista, operacionalizado pela estratégia da
simbolização (THOMPSON, 2011 [1990]), construiu uma unidade coletiva de um não lugar de
fala às pessoas autistas por não as considerar protagonistas e capazes de discutir e de
encaminhar propostas para representar parte de quem elas são, contribuindo com a manutenção
do capacitismo.
de encaminhamento de possível superação do racismo pelo amor (‘El amor no tiene raza’),
como propôs o aluno Frederico.
Acerca do modo do gesto, densidades e configurações modais, além de ações modais
de alto nível, mobilizaram a (co)construção de metáforas multimodais durante a confecção de
narrativas sobre a ‘inclusão de pessoas com deficiência’. De acordo com os alinhamentos de
frames interacionais analisados, foram partilhadas as seguintes metáforas relacionadas ao
sistema do movimento: PODER É CENTRALIDADE, INCLUSÃO É UM CONTÊINER,
CONTROLE É PARA CIMA, AÇÃO GUIADA É MOVIMENTO GUIADO AO LONGO DO
CAMINHO, INCLUSÃO É ESTAR DENTRO, CAMPO VISUAL É UMA REGIÃO
LIMITADA, BOM É PARA CIMA, AFIRMAÇÃO É MOVIMENTO DA CABEÇA PARA
CIMA E PARA BAIXO e ALEGRIA É PARA CIMA.
Somando-se à (co)construção dessas metáforas de ações modais do gesto, convém
ressaltar que práticas sociais identificaram, (inter)agiram e representaram (FAIRCLOUGH,
2003, 2006) tomadas de posições por meio de ações mediadas no contato face a face. Nesse
sentido, ordens do discurso, como ficar de pé para a exposição de textos, sorrir para conquistar
e ratificar o alinhamento com a plateia, sinalizar para o quadro branco ou para um mapa da sala
de aula, movimentar de forma afirmativa ou negativa com a cabeça, foram algumas estratégias
linguístico-discursivas gestuais utilizadas pelos/as estudantes autistas para assumirem o
protagonismo de suas próprias ações entre e com os/as outros/as estudantes.
Por fim, sobre o sistema do tato, lancei lentes em direção a ações, a configurações e a
densidades do modo do toque. Focalizando dimensões da emergência e do encaixe em campos
sociais contextuais (HANKS, 2017 [2008]), além do contexto intersubjetivo (VAN DIJK, 2012
[2011]), analisei como a co-presença, o co-engajamento e a postura desencadearam posições e
valores dos sujeitos em cenas interacionais. Do contato face a face com meus/minhas estudantes
em relação ao modo do toque, houve a (co)construção das seguintes metáforas-multimodais:
MANEIRA DE AÇÃO É MANEIRA DE MOVIMENTO, DESEJOS QUE CONTROLAM A
AÇÃO SÃO FORÇAS EXTERNAS QUE CONTROLAM O MOVIMENTO, AÇÃO
CARINHOSA É MOVIMENTO CUIDADOSO, EMOCIONALMENTE INTENSO É
QUENTE, CAUSAS SÃO FORÇAS e PROVAR É MOSTRAR.
A partir de ações modais do toque, instâncias de práticas (inter)acionais,
representacionais e identificacionais do discurso (FAIRCLOUGH, 2003, 2006) foram
desencadeadas, encaixando campos sociais relacionados ao cumprimento pelo aperto de mão,
à escolha da profissão, ao modo de tocar um instrumento musical e ao tipo de cabelo. Esses
campos sociais circularam e foram relacionados a delimitações e a tomadas de posições pelos
262
e que o racismo fosse problematizado a partir das experiências dos/as estudantes. Em seguida,
apresentei o sobrenome de pessoas famosas negras e sugeri que escrevessem o primeiro nome
delas, além de expressarem suas opiniões sobre o que elas falavam sobre o racismo. Logo após,
projetei uma charge sobre o racismo no futebol brasileiro, com o intuito de que descrevessem
o texto, que apontassem a crítica da charge, que fosse realizada reflexão sobre o racismo nos
meios de comunicação e sobre cotas para ingressar em universidades, além de estratégias para
se combater o racismo. Por fim, propus a confecção de uma campanha publicitária (com textos
verbais e não verbais) contra o racismo, a fim de montar um mural no corredor da escola.
Para trabalhar com a temática da inclusão de pessoas com deficiência, no apêndice B,
entre as páginas 292 e 297, iniciei a sequência didática com a projeção de um vídeo sobre o
bullying. Após responderem perguntas objetivas (idade, localidade, características físicas das
personagens), propus a reflexão sobre outras formas de bullying não contempladas pelo vídeo.
Em seguida, projetei imagem de pessoas para que identificassem quais delas possivelmente
passavam por situações de bullying, além de fomentar discussões sobre formas de violências às
quais eram submetidas. Posteriormente, apresentei um texto sobre a aceitação do autismo e
sobre a necessidade de inclusão de pessoas autistas em nossa sociedade, bem como uma breve
reflexão sobre o símbolo da neurodiversidade. Ao final, incentivei a elaboração de textos
publicitários para a confecção de um mural a favor da inclusão de pessoas com deficiência.
Por fim, no apêndice C, como consta entre as páginas de 298 a 303, propus atividade
para se trabalhar a temática do suicídio, por meio da valorização da vida. Para tanto, introduzi
a aula com o quadro Girassóis do pintor Van Gogh, a fim de que o descrevessem e de que
explicassem quais situações lhes traziam alegria. A seguir, sugeri a leitura de uma breve
biografia de Van Gogh, para que manifestassem a opinião sobre eventos surpreendentes da vida
do pintor. Logo após, apresentei imagens e solicitei que explicassem quais delas lhes traziam
alegria para que, seguidamente, pudesse projetar um vídeo com a música Alegría, do grupo
Cirque du Soleil. Com o visionamento desse vídeo, propus que manifestassem a opinião sobre
as paisagens do vídeo e sobre coisas, animais e pessoas que provocavam o sentimento de alegria
aos/às estudantes, além de conselhos para a felicidade. Para terminar essa sequência didática,
encorajei a confecção de narrativas multimodais para que fosse montado um mural no corredor
da escola com a sugestão de uma música de cada estudante. Essa música deveria trazer, de
alguma forma, a temática da valorização da vida ou o sentimento da alegria de viver.
Em relação a futuras investigações, como assinalei no início da rememoração desta
viagem, há muitos trilhos a serem percorridos que foram, inclusive, apontados pelos/as
meus/minhas colaboradores/as de pesquisa, dentre os quais destaco, para citar alguns exemplos:
264
a intersecção entre autismo e pobreza, entre autismo e raça/etnia, entre autismo e gênero, entre
autismo e fase adulta, entre autismo e relações de trabalho, entre autismo e família, entre
autismo e mobilidade social, entre autismo e arte, entre autismo e economia do cuidado. Além
disso, é de meu interesse adensar pesquisas em relação à interface entre metáforas multimodais,
relações de poder e ações modais da visão, do gesto e do toque, a partir desta tese, além do
modo do cheiro, inspirado no trabalho arqueológico de Norris (2013) em relação ao paladar,
em direção a estudos na área da Antropologia Linguística dos sentidos, que entendo que acabo
de começar com esta tese. Pelo jeito, a profecia da professora Izabel Magalhães se cumpre em
mim: fechar o ciclo deste doutorado é iniciar novas trajetórias de pesquisa, jornadas por onde
passarão o meu viver.
265
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Apêndice A
287
288
289
290
291
292
Apêndice B
293
294
295
296
297
298
Apêndice C
299
300
301
302
303
304
Anexo A
UNB - INSTITUTO DE
CIÊNCIAS HUMANAS E
SOCIAIS DA UNIVERSIDADE
Área Temática:
Versão: 4
CAAE: 91394918.4.0000.5540
DADOS DO PARECER
Avaliação dos Riscos e Benefícios: inalterado em relação ao parecer consubstanciado emitido pelo
CEP/CHS no dia 29 de junho de 2018.
UNB - INSTITUTO DE
CIÊNCIAS HUMANAS E
SOCIAIS DA UNIVERSIDADE
Informações
PB_INFORMAÇÕES_BÁSICAS_DO_P 11/11/2018 Aceito
Básicas
do Projeto ROJETO_1106695.pdf 17:48:45
Outros Carta_de_Pendencias.docx 11/11/2018 ALEX BEZERRA Aceito
17:47:49 LEITAO
TCLE / Termos de Termo_de_assentimento.docx 11/11/2018 ALEX BEZERRA Aceito
Assentimento / 17:46:52 LEITAO
Justificativa de
Ausência
Outros Aceite_Institucional_CIL004.pdf 02/07/2018 ALEX BEZERRA Aceito
10:57:50 LEITAO
Outros Instrumentos_geracao_de_dados.docx 02/07/2018 ALEX BEZERRA Aceito
09:38:16 LEITAO
Outros Roteiro_entrevista_SRG.docx 02/07/2018 ALEX BEZERRA Aceito
09:12:39 LEITAO
Outros Roteiro_entrevista_responsaveis.docx 02/07/2018 ALEX BEZERRA Aceito
09:12:07 LEITAO
Outros Roteiro_entrevista_estudante_TEA.docx 02/07/2018 ALEX BEZERRA Aceito
09:11:36 LEITAO
Outros Carta_de_Revisao_Etica.pdf 02/07/2018 ALEX BEZERRA Aceito
09:10:38 LEITAO
Outros Termo_de_autorizacao_para_utilizacao_ 02/07/2018 ALEX BEZERRA Aceito
de_imagem_e_som_de_voz.doc 09:09:05 LEITAO
Outros Termo_de_responsabilidade_pelo_uso_ 02/07/2018 ALEX BEZERRA Aceito
de_documentos.doc 09:07:33 LEITAO
Projeto Detalhado / Projeto_de_pesquisa.docx 02/07/2018 ALEX BEZERRA Aceito
Brochura 09:04:36 LEITAO
Investigador
TCLE / Termos de TCLE.doc 02/07/2018 ALEX BEZERRA Aceito
Assentimento / 09:04:04 LEITAO
Justificativa de
Ausência
Cronograma Cronograma_2.docx 02/07/2018 ALEX BEZERRA Aceito
08:59:27 LEITAO
306
UNB - INSTITUTO DE
CIÊNCIAS HUMANAS E
SOCIAIS DA UNIVERSIDADE
(Coordenadora)
Endereço: CAMPUS UNIVERSITÁRIO DARCY RIBEIRO - FACULDADE DE DIREITO - SALA BT 03/1 (Ao lado da Direção)
Bairro: ASA NORTE CEP: 70.910-900
UF: DF Município: BRASILIA
Telefone: (61)3107-1592 E-mail: cep_chs@unb.br
307
Anexo B
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para os/as responsáveis de estudantes menores de 18 anos
___________________________________ ____________________________________
Assinatura do/da responsável Assinatura do pesquisador
Anexo C
_________________________________ _________________________________
Assinatura do/a responsável Assinatura do pesquisador
Anexo D
Você está sendo convidado/a a participar da pesquisa Autismo e metáforas multimodais: um estudo
discursivo crítico e sociointeracional, de responsabilidade de Alex Bezerra Leitão, estudante de doutorado da
Universidade de Brasília. O objetivo dessa pesquisa é analisar práticas de ensino e de aprendizagem de língua
espanhola mediante atividades visuais em turmas de educação inclusiva com estudantes autistas. Assim, gostaria
de consultá-lo/a sobre seu interesse e disponibilidade de cooperar com a pesquisa.
Você receberá todos os esclarecimentos necessários antes, durante e após a finalização da pesquisa, e lhe
asseguro que o seu nome não será divulgado, sendo mantido o mais rigoroso sigilo mediante a omissão total de
informações que permitam identificá-lo/a. Os dados provenientes de sua participação na pesquisa, tais como
entrevistas, gravação ou filmagem, ficarão sob a guarda do pesquisador responsável pela pesquisa.
A geração de dados será realizada por meio de produção de atividades visuais, de entrevistas e de
observação do pesquisador. É para esses procedimentos que você está sendo convidado/a a participar. Sua
participação na pesquisa não implica em nenhum risco de exposição de sua imagem ou de sua voz.
Espera-se com essa pesquisa analisar diferentes formas de construção de sentidos em uma sala de aula
com estudante/s autista/s, visando a mediação de atividades visuais para promover a interação e o ensino e a
aprendizagem de espanhol em uma perspectiva de educação inclusiva.
Sua participação é voluntária e livre de qualquer remuneração ou benefício. Você é livre para recusar-se
a participar, retirar seu consentimento ou interromper sua participação a qualquer momento. A recusa em participar
não irá acarretar qualquer penalidade ou perda de benefícios.
Se você tiver qualquer dúvida em relação à pesquisa, você pode me contatar pelo e-mail
alexb.leitaol@gmail.com.
Garanto que os resultados do estudo serão devolvidos por meio de reunião com os/as colaboradores/as
dessa pesquisa e com os/as responsáveis pelos/as estudantes menores, podendo ser publicados posteriormente na
comunidade científica.
Este projeto foi revisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais
(CEP/CHS) da Universidade de Brasília. As informações com relação à assinatura deste Termo ou aos direitos
do/a colaborador/a da pesquisa podem ser obtidas por meio do e-mail do CEP/CHS: cep_chs@unb.br.
Este documento foi elaborado em duas vias, uma ficará com o pesquisador responsável pela pesquisa e a
outra com você.
_____________________________ _____________________________
Assinatura do/da colaborador/a Assinatura do pesquisador
Anexo E
______________________________ __________________________
Assinatura do/a colaborador/a Assinatura do pesquisador
Anexo F
Termo de Assentimento
Você está sendo convidado para participar da pesquisa Autismo e metáforas multimodais: um estudo
discursivo crítico e sociointeracional. Seus responsáveis permitiram que você participasse dessa investigação.
Eu, Alex Bezerra Leitão, professor/pesquisador, quero saber como ocorre a interação entre estudantes
em uma sala de aula de educação inclusiva por meio de atividades visuais.
Os/as adolescentes que participarão dessa pesquisa têm de 14 a 17 anos de idade. Você não precisa
participar da pesquisa se não quiser, é um direito seu. Não terá também nenhum problema se você desistir, a
qualquer momento, de participar dela.
A pesquisa será feita em sua escola, onde as atividades serão realizadas em língua espanhola. Para isso,
serão usados lápis, canetas hidrográficas, giz de cera, isopor, papelão, entre outros materiais pedagógicos.
O uso desses materiais é considerado seguro, mas pode acontecer que algum/a estudante tenha alergia
a algum deles. Caso aconteça algo errado, você pode me procurar pelo e-mail alexb.leitao@gmail.com. Mas há
coisas boas que podem acontecer, como a aprendizagem de língua espanhola mediada por recursos visuais.
Ninguém saberá que você está participando da pesquisa, não falarei a outras pessoas, nem darei a
estranhos as informações que você me der. Os resultados da pesquisa vão ser publicados, mas sem identificar os/as
estudantes que participaram da pesquisa. Quando eu terminar a pesquisa, divulgarei os resultados a você e aos seus
responsáveis.
Se você tiver alguma dúvida, você pode me perguntar. Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética
em Pesquisa da FEPECS-SES/DF. As dúvidas com relação à assinatura deste Termo de assentimento ou aos
direitos dos/as colaboradores/as da pesquisa podem ser esclarecidas pelo e-mail:
comitedeetica.secretaria@gmail.com .
Eu, ___________________________________________________________, aceito participar da
pesquisa Autismo e metáforas multimodais: um estudo discursivo crítico e sociointeracional, que tem o
objetivo de promover o ensino e a aprendizagem de língua espanhola mediante o uso de atividades visuais. Entendi
os benefícios e os inconvenientes que podem acontecer. Entendi que posso dizer “sim” e participar, mas que, a
qualquer momento, posso dizer “não” e desistir. O pesquisador tirou minhas dúvidas e conversou com meus
responsáveis.
Eu entendi a informação apresentada neste TERMO DE ASSENTIMENTO.
Eu receberei uma cópia assinada e datada deste documento de ASSENTIMENTO INFORMADO.
Anexo G
______________________________ __________________________
Assinatura do/a colaborador/a Assinatura do pesquisador
Anexo H
Você está sendo convidado/a a participar da pesquisa Autismo e metáforas multimodais: um estudo
discursivo crítico e sociointeracional, de responsabilidade de Alex Bezerra Leitão, estudante de doutorado da
Universidade de Brasília. O objetivo dessa pesquisa é analisar discursos presentes em imagens divulgadas em
páginas web, de revistas, de organizações e de espaços de pesquisa, todas de domínio público, a respeito do
autismo, além de enquadres interacionais, a ser realizada por meio de um grupo de aplicativo multiplataforma de
mensagens instantâneas e chamadas de voz para smartphones WhatsApp. Assim, gostaria de consultá-lo/a sobre
seu interesse e disponibilidade de cooperar com a pesquisa.
Você receberá todos os esclarecimentos necessários antes, durante e após a finalização da pesquisa, e lhe
asseguro que o seu nome não será divulgado, sendo mantido o mais rigoroso sigilo mediante a omissão total de
informações que permitam identificá-lo/a. Os dados provenientes de sua participação na pesquisa, tais como
opiniões por meio da escrita ou por gravação de voz ficarão sob a guarda do pesquisador responsável pela pesquisa.
A geração de dados será realizada por meio de interações por um grupo criado pelo pesquisador no
aplicativo para smartphones WhatsApp, que disponibilizará algumas imagens para serem discutidas pelo grupo,
além de possíveis sessões reflexivas de visionamento e de observação do pesquisador. É para esses procedimentos
que você está sendo convidado/a a participar. Sua participação na pesquisa não implica em nenhum risco de
exposição de sua imagem ou de sua voz.
Espero, com esta pesquisa, analisar o impacto de dimensões discursivas e textuais mobilizadoras de
estruturas sociais, instanciadas pela ideologia, que reificam o capacitismo, além de investigar enquadres
interacionais aos quais pessoas autistas a favor da neurodiversidade se inscrevem.
Sua participação é voluntária e livre de qualquer remuneração ou benefício. Você é livre para recusar-se
a participar, retirar seu consentimento ou interromper sua participação a qualquer momento. A recusa em participar
não irá acarretar qualquer penalidade ou perda de benefícios.
Se você tiver qualquer dúvida em relação à pesquisa, você pode me contatar pelo e-mail
alexb.leitaol@gmail.com.
Garanto que os resultados do estudo serão devolvidos por meio de reunião com os/as colaboradores/as
dessa pesquisa, podendo ser publicados posteriormente na comunidade científica.
Este projeto foi revisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais
(CEP/CHS) da Universidade de Brasília. As informações com relação à assinatura deste Termo ou aos direitos
do/a colaborador/a da pesquisa podem ser obtidas por meio do e-mail do CEP/CHS: cep_chs@unb.br.
Este documento foi elaborado em duas vias, uma ficará com o pesquisador responsável pela pesquisa e a
outra com você.
_____________________________ _____________________________
Assinatura do/da colaborador/a Assinatura do pesquisador