Tese Bruno Althoff Final
Tese Bruno Althoff Final
Tese Bruno Althoff Final
Salvador, Bahia
2020
BRUNO BARROS ALTHOFF
Salvador, Bahia
2020
BRUNO BARROS ALTHOFF
Banca Examinadora
Prof.ª Dr.ª Claudia de Alencar Serra e Sepúlveda (Orientadora):___________________________
Universidade Estadual de Feira de Santana
Doutora em Ensino, Filosofia e História das Ciências
Due to its explanatory power in relation to genetic and environmental factors for
the development and transmission of biological traits, epigenetics brings new elements
that problematize genetic determinism and the concept of biological inheritance. For these
reasons, considering the field of epigenetics is essential for understanding various
biological phenomena, such as the development of certain types of diseases. However,
epigenetics can be used to assist the development of public policies, aiming at more
effective and inclusive solutions, but it can also support arguments aimed at altering,
marginalizing and blaming individuals. Therefore, the field of epigenetics has been
considered a basic competence for citizen education, since their knowledge can assist in
decision making. Within a perspective of critical formation of students, we consider an
education for critical scientific literacy important, capable of forming socially and
environmentally responsible citizens who actively participate in the socio-political
sphere. To achieve this goal, the use of socioscientific issues (SSI) in teaching has a
pedagogical potential to mobilize values and interests in Science, Technology, Society
and Environment (STSE) relationships. Among the possible relevant themes related to
epigenetics, the presente thesis uses the case of the “epigenetic inheritance of obesity”.
Epigenetic inheritance has been considered crucial to understand the increase in obesity
worldwide. However, its potential is ambivalent: on one hand, its understanding can lead
to the development of public policies for interventions for the prevention and treatment
of obesity; on the other, it can generate stigmatization and overload on individual
responsibility. The present thesis aimed to investigate what characteristics a didactic
sequence (DS) on epigenetic inheritance must have to promote the overcoming of a
genecentric vision and critical scientific literacy in the context of Biology teacher
education. It was used the theoretical-methodological framework of educational design
research, which consists of a systematic study of the planning, development and
evaluation of pedagogical interventions. The preliminary phase was carried out through
review of literature and dialogue with teaching experiential knowledge for the
construction of a conceptual structure and development of design principles, which
guided the development of an DS prototype. The prototyping phase was carried out a peer
validation of the educational intervention through a questionnaire sent to researchers and
teachers of the study area, and a validation of the design principles from the application
of the DS. After the suggestions and criticisms from the peer validation, it was refined
the learning objectives, the cases and the DS structure. The results from the validation in
the classroom indicated the satisfactory reach of all design principles, except the fifth
principle, related to the mobilization of sociopolitical actions. The DS has shown promise
in using epigenetics to promote a critical understanding of inheritance and development
of characteristics in organisms; and the use of cases to discuss the proposed SSI in order
for students to position themselves in relation to the issues, recognizing STSE relations
and the promotion of values linked to socio-environmental justice. This research covered
a first cycle to improve the intervention and design principles, aiming at iterating in future
studies.
Figura 1: Conflito de tradições de pesquisa: Preformação e epigênese são entendidas como duas
tradições de pesquisa que se transformam e se alternam historicamente. Cada período pode ser
nomeado de acordo com perspectiva teórica hegemônica que o caracterizou. Note que períodos
de crise, sem hegemonia, precedem a troca de tradição de pesquisa. Fonte: Botelho (2007). .... 26
Figura 2: (a) Parte de uma paisagem epigenética. O caminho traçado pela bola, enquanto ela
rola em direção ao espectador, corresponde à história de desenvolvimento de uma dada parte do
óvulo. (b) O complexo sistema de interações subjacente à paisagem epigenética. Os espeques no
chão representam os genes; as cordas que partem deles representam as tendências químicas que
os genes produzem. A modelagem da paisagem epigenética, que desce até o horizonte, é
controlada pelo puxão dessas numerosas cordas, que em última instância estão ancorados nos
genes. Fonte: Waddington (1957). .............................................................................................. 27
Figura 3: Formas alternativas de herança epigenética transgeracional: (a) na herança
epigenética de células germinativas, um efeito ambiental que ocorre durante o desenvolvimento
embrionário resulta em uma mudança epigenética nas células germinativas da prole da primeira
geração (F1) que é transmitida à prole F2, prole F3 e assim por diante; (b) na herança
epigenética dependente da experiência, as marcas epigenéticas nos pais responsáveis pelo
cuidado maternal/parental modificam seu comportamento de uma maneira que provoca a
ocorrência das mesmas marcas epigenéticas na próxima geração. Dessa forma, a mudança
comportamental recria as marcas epigenéticas novamente a cada geração. Fonte: Danchin et al.
(2011). ......................................................................................................................................... 35
Figura 4: Modelos da relação entre genótipo e fenótipo, apresentadas segundo graus crescentes
de complexidade, desde uma compreensão determinística a probabilística da determinação de
características. Adaptado de Carver et al. (2017). ....................................................................... 41
Figura 5: Três modelos de herança. a) Herança mendeliana, pela qual a herança é mediada
apenas pela transmissão (seta azul) de genes, não afetada pelo ambiente (herança dura), dos pais
(F0) aos filhos (F1). b) O modelo de 'codificação genética' da herança branda, segundo o qual a
herança é mediada pela transmissão de alelos gênicos, mas esses alelos estão sujeitos a
modificações na linha germinativa por fatores originários das células somáticas (seta verde),
permitindo assim a herança de características adquiridas. c) O modelo de herança pluralista,
pelo qual a herança é mediada pela transmissão de alelos genéticos ('herança genética', seta
azul) ao lado de um conjunto de outros fatores (não genéticos), incluindo algumas
características adquiridas ('herança não genética', seta verde). Fonte: Bonduriansky (2012) ... 566
Figura 6: Esquema demonstrando o processo cíclico e iterativo das fases da design educacional.
Adaptado de McKenney (2001). ............................................................................................. 1111
Figura 7: Desenho metodológico da presente pesquisa, organizado de acordo com as duas
primeiras fases da pesquisa em design educacional ................................................................ 1133
Figura 8: Organização espacial da sala de aula (a) durante as aulas teóricas e (b) durante as
aulas práticas. ........................................................................................................................ 11919
Figura 9: Representação da unidade básica do modelo adaptado de Conrado (2017): estrutura
de três elementos (caso, questões orientadoras e objetivos CPA de aprendizagem) para
abordagem de QSCs em sala de aula, a partir do contexto pedagógico da Educação CTSA.. 1444
Figura 10: Uma representação do modelo proposto para o ensino de ciências a partir de QSCs
no contexto da Educação CTSA. Fonte: Conrado (2017). ...................................................... 1466
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Comparação dos compromissos que sustentam o modo de pensar das zonas de
preformacionismo genético e epigênese, de acordo com cada tema semântico. Fonte: Reis
(2017) .......................................................................................................................................... 57
Quadro 2: Modelo de mapa de atividade utilizado, referente à quarta aula da sequência didática.
................................................................................................................................................... 121
Quadro 3: Caracterização geral das zonas de um perfil conceitual de herança biológica. Fonte:
Reis (2018) ................................................................................................................................ 127
Quadro 4: Ferramenta de análise sobre as zonas do perfil conceitual de herança biológica com
base nos compromissos epistemológicos, de acordo com Reis (2018) ..................................... 128
Quadro 5: Parâmetros para avaliar o alcance de letramento científico crítico. Fonte: Conrado
(2017). ....................................................................................................................................... 131
Quadro 6: Ferramenta de análise sobre as capacidades de proposição de ação sociopolítica.
Fonte: Paiva (2019) ................................................................................................................... 132
Quadro 7: Princípios de design desenvolvidos para a Sequência Didática sobre “Herança
epigenética da obesidade”. ........................................................................................................ 139
Quadro 8: Organização e estrutura da Sequência Didática sobre “Herança epigenética da
obesidade”. ................................................................................................................................ 147
Quadro 9: Objetivos de aprendizagem considerando as dimensões conceitual, procedimental e
atitudinal do conteúdo para a Sequência Didática sobre “Herança epigenética da obesidade”. 149
Quadro 10: Sistematização da análise dos resultados da sequência didática sobre “herança
epigenética da obesidade”, de acordo com cada princípio de design, destacando, para cada
expectativa de ensino, quais as ferramentas de análise foram utilizadas, quais episódios de
ensino e fontes de informação complementar foram analisados................................................164
Quadro 11: Análise da caracterização dos episódios analisados em relação aos compromissos
epistemológicos das zonas do perfil conceitual de herança biológica, de acordo com Reis
(2018). ....................................................................................................................................... 178
Quadro 12: Análise geral sobre as proposições de ação sociopolítica do grupo 1................... 212
Quadro 13: Análise geral sobre as proposições de ação sociopolítica do grupo 2................... 215
LISTA DE TABELAS
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 12
CAPÍTULO 1: CONTRIBUIÇÕES DA EPIGENÉTICA PARA A SUPERAÇÃO
DO REDUCIONISMO GENÉTICO E A FORMAÇÃO PARA AÇÃO
SOCIOPOLÍTICA DE PROFESSORES DE BIOLOGIA ....................................... 20
INTRODUÇÃO
1
O reducionismo genético é uma crença de que os genes possuem a explicação final para muitas
características de organismos vivos, incluindo os humanos.
13
2
Conceituamos “sequência didática” como “um conjunto de atividades ordenadas, estruturadas e
articuladas para a realização de certos objetivos educacionais, que têm um princípio e um fim conhecidos,
tanto pelos professores como pelos alunos” (ZABALA, 1998, p. 18).
16
entre natureza e cultura, não era incomum que afirmações priorizassem maior influência
de um sobre o outro, sendo classificadas em um dos dois polos: como determinismo
biológico (GOULD, 1981; LEWONTIN; ROSE; KAMIN, 1984; MOORE, 2003) ou
como determinismo social/cultural (PINKER, 2002; DUSCHINSKY, 2012).
Devido ao sucesso da Biologia Molecular no século passado (WATSON; CRICK,
1953) e a proliferação de estudos comparativos entre gêmeos monozigóticos (LOEHLIN;
NICHOLS, 1976), o reconhecimento de que havia um componente biológico (gene) para
a maioria das características fortaleceu a ideia de que a natureza predominava sobre a
cultura (MEANY, 2001; LOCK, 2013). Essa ideia de que os fenômenos biológicos
poderiam ser explicados satisfatoriamente pela Biologia Molecular é um dos pressupostos
da Síntese Moderna da evolução, desenvolvida ao longo do século XX, e criticada por
muitos cientistas por ser uma visão reducionista centrada nos genes – ou “genecêntrica”
(LEWONTIN, 1998; GOULD, 2002; BURBANO, 2006).
A visão genecêntrica da evolução estipula que a evolução adaptativa ocorre
através da sobrevivência diferencial dos genes concorrentes, aumentando a frequência de
alelos daqueles cujos efeitos de características fenotípicas promovem, com sucesso, sua
própria propagação (DAWKINS, 1976). Essa visão possui diversas consequências para a
forma como compreendemos os fenômenos biológicos. No presente capítulo,
abordaremos, principalmente, seu impacto sobre visões deterministas no
desenvolvimento de características e sobre visões de herança biológica centradas no gene.
Primeiramente, em relação à visão determinista, temos a ideia de que as
características dos seres vivos são influenciadas, majoritariamente, por fatores genéticos
(GOULD, 1991). Com o avanço do campo da genética no último século, a ideia de que
genes são as principais bases para o desenvolvimento de características dos organismos
se estabeleceu no discurso científico (DAWKINS, 1976; WILSON, 1979). Atualmente,
na era pós-genômica3, os resultados do Projeto Genoma Humano (2004) e do ENCODE
(2004), ao demonstrar a complexidade e dinamismo do funcionamento molecular e suas
diversas interações com fatores internos e externos, evidenciaram os limites dos
argumentos do determinismo genético e a urgência de mudança do discurso científico
3
Interpretamos a pós-genômica, não apenas em termos cronológicos (após os resultados do Projeto Genoma
Humano, em 2003), mas também em termos epistemológicos, ao reconhecer as lacunas no conhecimento e
as complexidades imprevistas que envolvem o gene que tornaram nossa compreensão de sua função
cautelosamente provisória e perenemente contingente (MELONI; TESTA, 2014).
22
relacionado ao gene (PERBAL, 2015; EL-HANI, 2016). Além de não condizer com o
conhecimento científico vigente, o determinismo genético é um perigoso guia para
políticas sociais (ROSE, 1995), utilizado, historicamente, para fundamentar argumentos
a favor de estigmatização, racismo e eugenia4 (GOULD, 1991; LEWONTIN, 2000).
Dentre os campos de pesquisa estudados na era pós-genômica, a epigenética
possui relativa importância ao estabelecer os mecanismos que permitem a influência do
ambiente na expressão gênica, demonstrando que a dicotomia entre natureza e cultura não
se sustenta, já que os fatores genéticos e ambientais interagem entre si. Logo,
pesquisadores como Meaney (2001a), Keller (2010) e Moore (2015) argumentam que
esse debate se tornou ingênuo e obsoleto: é impossível analisar o desenvolvimento e
transmissão de qualquer característica sem considerar a complexa interação entre esses
dois fatores.
Devido à consideração das influências ambientais que envolvem o organismo,
bem como a possibilidade de reversão das marcações moleculares que regulam os genes
e sua transmissão para as próximas gerações, a epigenética pode possibilitar, por exemplo,
medidas inclusivas de saúde pública que considerem as condições socioambientais dos
indivíduos (JABLONKA, 2004; BAKULSKI; FALLIN, 2014). Entretanto, há de estar
alerta para as consequências sociopolíticas do campo da epigenética (MELONI, 2016b).
Da mesma forma que esse novo campo pode ser utilizado para desenvolver medidas que
visem a justiça socioambiental, Waggoner e Uller (2015) alertam para sua utilização em
abordagens deterministas, culpabilizando indivíduos pelas suas escolhas
(RICHARDSON et al., 2015), podendo levar a novas formas de eugenia (MELONI,
2016a).
Segundo, além do determinismo, o genecentrismo também influencia a nossa
compreensão sobre a transmissão de características para as próximas gerações. A ideia de
que a herança biológica pode ser reduzida à transmissão de genes tem como base a
genética mendeliana, embora sua origem possa ser traçada a discussões anteriores na
história da Biologia (KELLER, 2002). A exclusão da transmissão de fatores não-
genéticos e da possibilidade de transmissão de características adquiridas do conceito de
herança biológica se estabeleceu ao longo do desenvolvimento da Síntese Moderna da
4
Utilizamos a definição clássica de Galton (1904) para eugenia como “a ciência que lida com todas as
influências que melhoram as qualidades inatas de uma raça; também com aqueles que os desenvolvem
com a máxima vantagem”.
23
5
De acordo com Cobern e Loving (2001), cientificismo é uma crença exagerada no poder da ciência, por
meio de uma ideia hegemônica de que a mesma é permeada por valores, discursos e práticas apenas
benéficos, de modo que o conhecimento científico é visto como único verdadeiro sobre a realidade.
24
Figura 1: Conflito de tradições de pesquisa: Preformação e epigênese são entendidas como duas tradições de
pesquisa que se transformam e se alternam historicamente. Cada período pode ser nomeado de acordo com
perspectiva teórica hegemônica que o caracterizou. Note que períodos de crise, sem hegemonia, precedem a troca
de tradição de pesquisa. Fonte: Botelho (2007).
compreender por que as variações genéticas frequentemente não eram pareadas com as
variações fenotípicas (SPEYBROECK, 2002). A epigenética de Waddington era,
portanto, uma abordagem de conciliação entre a epigênese e o preformacionismo:
Nós percebemos que, quando o desenvolvimento se inicia, o zigoto contém
certas características “preformadas”, mas essas devem interagir entre si,
através de processos de “epigênese”, antes de alcançar a condição adulta. O
estudo das características “preformadas” atualmente pertencem à disciplina
denominada “genética”; o nome “epigenética” é sugerido como o estudo
desses processos que constituem a epigênese que também está envolvida no
desenvolvimento (WADDINGTON, 1956, p.1)
Através de representações metafóricas, Waddington (1957) utilizou a chamada
“planície epigenética” para demonstrar sua visão interacionista entre genes, e entre gene
e ambiente, no processo de desenvolvimento. A topografia da paisagem epigenética (Fig.
2a) pode ser distinguida em duas partes: a parte superior, contendo um platô onde se
encontra o estado inicial da célula indiferenciada; e a parte inferior, com diferentes
estados finais específicos de diferenciação celular. Entre a parte superior e a inferior há
relevos, compostos de colinas e vales, que criam vias de desenvolvimento que levam a
célula indiferenciada ao seu fenótipo final, dependendo do caminho percorrido
(JABLONKA; LAMB, 2010).
a b
Figura 2: (a) Parte de uma paisagem epigenética. O caminho traçado pela bola, enquanto ela rola em direção
ao espectador, corresponde à história de desenvolvimento de uma dada parte do óvulo. (b) O complexo
sistema de interações subjacente à paisagem epigenética. Os espeques no chão representam os genes; as
cordas que partem deles representam as tendências químicas que os genes produzem. A modelagem da
paisagem epigenética, que desce até o horizonte, é controlada pelo puxão dessas numerosas cordas, que em
última instância estão ancorados nos genes. Fonte: Waddington (1957).
6
Para uma revisão histórica sobre o conceito de epigenética, ver Holliday (2006), Jablonka (2006) e
Felsenfeld (2014).
7
Embora com nomes similares, a ideia de sistema duplo da herança biológica se distingue da chamada
“teoria da dupla herança”, também conhecida como “coevolução gene-cultura”. Enquanto a primeira
considera a transmissão de características genéticas e não genéticas presentes na célula, a segunda propõe
que a evolução deve ser compreendida pela relação interativa entre o fenômeno biológico e cultural
(RICHERSON; BOYD, 2005). Tais ideias não são mutuamente excludentes e podem, quando unidas, levar
a compreensões mais amplas sobre herança.
31
genes. A adição de grupos metila e extração de grupos acetila tornam a fibra de cromatina
mais condensada, resultando em uma baixa transcrição. Por outro lado, a adição de grupos
acetila e extração do grupo metila produz uma estrutura de cromatina mais frouxa e com
probabilidade maior de transcrição (JABLONKA; LAMB, 2010). Embora os
mecanismos de herança do padrão de modificação de histonas ainda não sejam
completamente compreendidos, pesquisas recentes têm ajudado a elucidar a natureza da
transmissão dessas marcações (PETRUK et al., 2013; ALABERT et al., 2015).
Por último, a interferência de RNA, apenas reconhecida no final da década de
1990 (FIRE et al., 1998), abarca os processos em que moléculas de RNA (principalmente
‘microRNA’ e ‘RNA interferente pequeno’) inibem a expressão de genes, neutralizando
as moléculas de RNA mensageiros, ou dificultando a transcrição de genes específicos.
Essas alterações são estáveis e podem ser transmitidas para as células-filhas e até para
outras células do organismo (HANNON, 2002). Entretanto, tal como as marcações
epigenéticas em histonas, os mecanismos específicos de transmissão da interferência de
RNA ainda não foram completamente esclarecidos (WILSON; DOUDNA, 2013).
Essas quatro categorias principais de mecanismos de herança epigenética
demonstram os possíveis mecanismos capazes de promover variações fenotípicas sem
depender, necessariamente, de alterações na sequência de DNA. Essas marcações
epigenéticas são induzidas por sinais que as células recebem em resposta a fatores
internos ou externos. Após essa indução, as informações sobre atividade celular contidas
nas marcações podem ser transmitidas através das linhagens celulares durante muito
tempo após o desaparecimento do estímulo indutor (SKINNER, 2011). Devido a essas
marcações possuírem certa estabilidade após a divisão celular, sua relevância na evolução
dos organismos unicelulares de reprodução assexuada não pode ser ignorada
(JABLONKA; LAMB, 2010). Em organismos pluricelulares, tal como proposto por
Waddington (1957), esses mecanismos ajudam a explicar a diferenciação celular e o
processo de desenvolvimento embrionário.
Além das transmissões de variações epigenéticas em linhagens celulares através
do processo de mitose, tais variações também podem ser transmitidas para gerações
subsequentes em organismos sexuados – a chamada “herança epigenética
transgeracional” (JABLONKA; RAZ, 2009). Embora a existência de tal fenômeno tenha
se estabelecido como consenso científico mediante o acúmulo de evidências atuais
(GROSSNIKLAUS et al., 2013), seu impacto em como compreendemos a herança
33
Figura 3: Formas alternativas de herança epigenética transgeracional: (a) na herança epigenética de células
germinativas, um efeito ambiental que ocorre durante o desenvolvimento embrionário resulta em uma
mudança epigenética nas células germinativas da prole da primeira geração (F1) que é transmitida à prole
F2, prole F3 e assim por diante; (b) na herança epigenética dependente da experiência, as marcas
epigenéticas nos pais responsáveis pelo cuidado maternal/parental modificam seu comportamento de uma
maneira que provoca a ocorrência das mesmas marcas epigenéticas na próxima geração. Dessa forma, a
mudança comportamental recria as marcas epigenéticas novamente a cada geração. Fonte: Danchin et al.
(2011).
calorias por dia, até a chegada dos aliados (FRANCIS, 2011; MOORE, 2015). Através da
disponibilidade de registros confiáveis sobre a saúde da população desde aquela época,
iniciou-se uma pesquisa sobre os efeitos da desnutrição que encontrou diversos resultados
interessantes sobre a herança epigenética transgeracional.
Inicialmente, Roseboom e colaboradores (2001), ao relacionar os dados
disponíveis das gerações que vivenciaram tal episódio e de seus filhos, concluíram que a
desnutrição materna durante a gestação afetava permanentemente a saúde do filho,
quando adulto. Estudos posteriores (ROSEBOOM; ROOIJ; PAINTER, 2006)
demonstraram que os impactos na saúde também dependem do estágio de
desenvolvimento embrionário em que ocorreu a exposição à desnutrição: filhos cujas
mães haviam sido expostas à desnutrição em períodos iniciais de sua gestação eram mais
vulneráveis a problemas de saúde, em relação a filhos que estavam em períodos mais
avançados de gestação. Essas conclusões são fáceis de compreender quando
consideramos a importância do desenvolvimento embrionário para as marcações
epigenéticas e, consequentemente, para a diferenciação celular do organismo.
Além desses resultados, esperados em relação ao impacto da desnutrição no
desenvolvimento dos organismos, o mesmo grupo de estudo pesquisou a possibilidade de
transmissão dessa exposição nas gerações seguintes (netos e bisnetos dos indivíduos que
sofreram o período de desnutrição), encontrando diversas evidências de que tais gerações
tinham maior propensão a condições como síndrome metabólica e distúrbios psicológicos
(PAINTER et al., 2008; VEENENDAAL et al., 2013). Embora os mecanismos
subjacentes não tenham sido esclarecidos, estudos como o de Heijmans et al. (2008) têm
relacionado o nível de metilação na cromatina dos indivíduos com a exposição ao
episódio. Essas pesquisas foram essenciais para fundamentar investigações dos efeitos
transgeracionais ocasionados por outros episódios similares (BYGREN et al., 2014; WEI;
SCHATTEN; SUN, 2015), além de fomentar discussões sobre as potenciais implicações
para populações que sofreram opressões históricas, como a escravidão (MELONI, 2017)
e o holocausto (YEHUDA et al., 2014).
Após mais de meio século de existência, a epigenética vem se estabelecendo cada
vez mais como um campo do conhecimento essencial para compreendermos os
fenômenos biológicos e repensarmos as teorias e modelos científicos para explicá-los. A
inclusão da epigenética possui potencial para aplicações práticas como tratamentos e
prevenções de doenças físicas e psicológicas, seja através do desenvolvimento de drogas
de terapia epigenética ou de políticas públicas para enriquecimento socioambiental
37
(JABLONKA, 2004; BAKULSKI; FALLIN, 2014). Entretanto, como veremos com mais
profundidade no Capítulo 2, o discurso da epigenética pode também ser utilizado para
marginalização de grupos vulneráveis e culpabilização individual (RICHARDSON et al.,
2014; MELONI, 2016b). Portanto, além do campo da epigenética exigir uma reflexão
sobre a dicotomia entre natureza e cultura, a herança biológica e até a evolução dos
organismos, também é necessário que essa pesquisa seja realizada mediante um exame
vigilante e crítico dos aspectos éticos, e suas implicações para a promoção de justiça
socioambiental.
8
O conceito de determinismo utilizado nesta tese, portanto, se distingue do “essencialismo”, i.e. a crença
de que todos os membros de uma categoria compartilham uma essência subjacente, que é fixa no
nascimento e imutável e que faz com que os organismos se desenvolvam e se comportem de maneira
previsível e uniforme (GELMAN, 2004). Quando interpretado pela genética, a crença no essencialismo
atribui toda a causalidade da característica ao gene, diferentemente do “determinismo”, que reconhece, em
alguma escala, a influência dos fatores ambientais (DAR-NIMROD; HEINE, 2011).
38
a discussão filosófica sobre fatalismo e livre arbítrio costuma ser traçada a partir da Grécia
antiga, sendo um dos tópicos mais discutidos na filosofia até hoje (DOYLE, 2011).
Após a Revolução Científica e o movimento do Iluminismo, as investigações pelas
leis e padrões encontrados na natureza passaram a ser fundamentadas por uma perspectiva
determinista, como sintetizado pela ideia do “demônio de Laplace”9 (LAPLACE, 1814).
A discussão sobre determinismo científico fomentou diversas críticas, principalmente em
relação à questão de livre arbítrio (RUKAVICKA, 2014). Entretanto, os fundamentos do
determinismo continuaram a influenciar outras áreas das ciências, tais como a Biologia.
O determinismo biológico, i.e. a crença na importância de considerar os fatores
biológicos para nossas características e ações (GERICKE et al., 2017), se fortaleceu ao
longo do século XIX com os estudos de craniometria e frenologia, que buscavam
relacionar aspectos morais e psíquicos do comportamento humano, como personalidade,
criminalidade e inteligência, às características físicas dos indivíduos (SARKAR, 1998;
ANDRADE, 2005). Como argumentado por Lewontin (1991), o determinismo biológico
é uma forma de ideologia comprometida com a crença de que seres humanos diferem em
suas habilidades fundamentais devido a diferenças herdadas e inatas. Essa ideologia
atende a interesses políticos e econômicos compatíveis com o pensamento capitalista, já
que a atribuição da causalidade ao sucesso ou fracasso dos indivíduos na sociedade é
biológico – e não social –, justificando a desigualdade social através de uma suposta
diferença natural entre as pessoas (CARVALHO-NETO et al., 2013). Logo, o sucesso do
determinismo biológico deve ser atribuído ao poder e influência de uma elite intelectual
imperialista, cujos ideais sustentavam agendas racistas e classicistas (GOULD, 1991).
Após o estabelecimento do campo da genética, no início do século XX, e seu
contínuo sucesso em explicar as características dos organismos, o determinismo biológico
foi molecularizado na estrutura genética10 (ANDRADE, 2005). Através de um fator
9
“Podemos considerar o estado presente do universo como o efeito de seu passado e a causa de seu futuro.
Um intelecto que em um determinado momento conhecesse todas as forças que colocam a natureza em
movimento, e todas as posições de todos os itens de que a natureza é composta, se esse intelecto também
fosse vasto o suficiente para submeter esses dados à análise, abrangeria em uma única fórmula os
movimentos dos maiores corpos do universo e do menor átomo; para tal intelecto nada seria incerto e o
futuro, assim como o passado, estaria presente diante de seus olhos.” (LAPLACE, 1814, p.4)
10
Diferentemente do determinismo biológico, o determinismo genético possui um referencial ontológico
específico. Desse modo, a genética substitui a abstração do conceito de “essência” do determinismo
biológico pelos conceitos de genes ou DNA. Ao introduzir agentes físicos à estrutura do pensamento
determinista, o determinismo genético se estabelece como uma visão mais poderosa que a anterior (DAR-
NIMROD; HEINE, 2011).
39
11
Segundo Crick (1988), a escolha pelo uso do termo “dogma” foi equivocada, já que, para o autor, a
palavra significaria uma hipótese com pouco suporte empírico, e não seu significado usual como “doutrina
teológica afirmada de forma autoritária” (BURBANO, 2006). Por outro lado, no artigo “The central dogma:
40
Logo, a estrutura do dogma central, ao propor uma relação simples entre um gene
e uma proteína, sugere a existência de um “gene para” essa proteína, e para a característica
que ela irá produzir no organismo. O “gene para”, no discurso acadêmico, pode ser
compreendido através de uma abordagem instrumentalista12, em que um “gene para” uma
característica significa que, em determinada medida, a variação de fenótipos dos
organismos é definida, empiricamente, com base em diferenças nos genes. Trata-se de
explicar a variação fenotípica numa população com base na variação genética,
estabelecendo que percentual da primeira é explicado pela segunda (EL-HANI, 2016).
Embora seja um conceito instrumentalista útil devido ao seu poder preditivo em algumas
pesquisas em genética, o gene não é suficiente para explicar a maioria dos traços
fenotípicos, visto que uma rede de interações complexas entre genes e processos
bioquímicos estão envolvidos no desenvolvimento das características (CARVER et al.,
2017).
De acordo com Carver e colaboradores (2017), a relação entre genótipo e fenótipo
pode ser descrita a partir de quatro modelos: um-para-um; um-para-muitos; muitos-para-
um; e muitos-para-muitos. O primeiro modelo, exemplificado pelo “gene para”, é o mais
simplista, relacionando um gene a um fenótipo. O segundo, descreve um gene que afeta
diversos fenótipos (pleiotropia). O terceiro modelo, por outro lado, relaciona diversos
genes afetando apenas um fenótipo (poligenia). Por último, o quarto modelo estabelece
uma interação entre diversos genes influenciando diversos fenótipos. Dentre esses
modelos, o último é o mais utilizado para a maioria dos casos de relação entre genótipo e
fenótipo em organismos eucariontes, apesar de todos os modelos poderem ser válidos em
estudos de características específicas.
a joke that became real” (“O dogma central: uma piada que se tornou realidade”), Hoffmeyer (2002) diz
que o “dogma central da biologia molecular” alcançou tal significado, ao se estabelecer como um princípio
ontológico inquestionável para legitimar o digitalismo biológico.
12
De acordo com a visão instrumentalista, um gene é uma entidade teórica desprovida de qualquer hipótese
sobre sua natureza material (FALK, 1986). De acordo com essa perspectiva, genes são concebidos como
quaisquer diferenças entre gametas que produzem, nos organismos, o potencial para exibir características
herdáveis independentemente (STERELNY; KITCHER, 1988). Nesse sentido, a visão instrumentalista
contrapõe-se com a visão realista sobre gene, i.e. gene como unidade estrutural e funcional do DNA, a qual
dominou a genética após a definição do DNA como entidade molecular (WATSON; CRICK, 1953).
41
Figura 4: Modelos da relação entre genótipo e fenótipo, apresentada segundo graus crescentes de
complexidade, desde uma compreensão determinística a probabilística da determinação de características.
Adaptado de Carver et al. (2017).
Na figura 4 podemos perceber como o avanço dos modelos mais simplistas para
os mais complexos substitui uma compreensão determinista para uma compreensão mais
probabilística de relação entre genótipo e fenótipo. Nesse caso, a crença no determinismo
genético está relacionada a uma utilização incorreta de modelos de explicação simplista,
utilizando, por exemplo, um modelo de um-para-um, para explicar a formação de
características multifatoriais, desconsiderando, dessa forma, as influências ambientais e
epigenéticas. Nesse sentido, o determinismo genético está intimamente relacionado a
como interpretamos o funcionamento do gene (GERICKE et al., 2017).
Dito isso, compreender o funcionamento do gene no organismo é essencial para
superarmos visões deterministas. Uma proposta de distinção útil entre formas de
compreender o gene foi organizada por Lenny Moss (2001; 2008) a partir de uma
perspectiva da discussão entre preformacionismo e epigênese. Ao organizar a variedade
de definições de gene encontrada na literatura, a autora categoriza dois tipos principais:
42
13
Nesse sentido, o gene-P se relaciona com o modelo supracitado “gene-para”, presente no discurso social
sobre genes. Ambas as formas de compreender o gene são úteis, desde que se reconheça os limites de seu
poder explanatório a um modo abreviado de referir-se a uma relação entre variação populacional de um
fenótipo e a variação genética (EL-HANI, 2016).
43
14
Abordagens sistêmicas, com objetivo de identificar as ligações particulares do sistema como um todo,
têm sido propostas na literatura científica (OYAMA; GRIFFITHS; GRAY, 2001; GILBERT; EPEL, 2009),
mas permanecem marginalizadas e criticadas pela insuficiência em potencial explicativo, se comparado às
perspectivas tradicionais, embora sejam valorizadas pelos seus potenciais heurísticos.
15
A relação entre a linguagem informacional digital do genoma e o determinismo genético é bem
exemplificada em Hood e Galas (2003): “O valor de se ter uma sequência completa do genoma é que se
pode iniciar o estudo de um sistema biológico com um núcleo digital precisamente definível de informações
para aquele organismo. O desafio, então, está em decifrar quais informações estão codificadas no código
digital.”.
16
Nesse sentido, Wild (2012) cunhou o termo “expossoma”, definido como “toda exposição a qual um
indivíduo é sujeito, do momento da concepção à morte”. O uso do sufixo (-oma) reflete a digitalização de
toda exposição ambiental em uma única categoria, incluída na linguagem digitalizada da genética e
genômica.
45
17
Para Meloni (2014), essa renegociação tem ocorrido a partir de outras discussões científicas nas últimas
três décadas, como a visão prosocial da evolução (YOUNG, 2012) e o cérebro social (CACCIOPO;
PATRICK, 2008).
46
18
Biopolítica é o termo utilizado por Foucault (2000) para designar a forma pela qual os mecanismos de
poder se modificaram no final do século XIX e início do século XX: de direcionados a governar o indivíduo,
para governar o conjunto dos indivíduos, i.e. a população como um todo. Ao contrário dos modelos
tradicionais de poder baseados na ameaça de morte, a biopolítica representa uma “grande medicina social”
que se aplica à população a fim de controlar a vida: a vida faz parte do campo do poder. O pensamento
medicalizado utiliza meios de correção que não são meios de punição, mas meios de transformação dos
indivíduos através de toda uma tecnologia do comportamento do ser humano. Permite aplicar à sociedade
uma distinção entre o normal e o patológico e impor um sistema de normalização dos comportamentos e
das existências, dos trabalhos e dos afetos.
47
agente celular, é necessária uma abordagem que considere seu papel como molécula
inerte, em que genes são apenas meios para a célula criar biomoléculas necessárias num
tempo e lugar específicos (GRIFFITHS; STOTZ, 2006). De acordo com Meaney (2010,
p. 48):
a função do gene só pode ser totalmente compreendida em termos do
ambiente celular em que opera. E o ambiente celular, é claro, é
dinâmico, mudando constantemente como resultado de sinais de outras
células, incluindo aquelas que derivam de eventos que ocorrem no
ambiente externo. Por fim, a função só pode ser entendida em termos
da interação entre sinais ambientais e o genoma.
19
Para uma investigação histórica mais precisa sobre a herança biológica, ver JACOB (1983), COBB
(2006), CECCARELLI (2019).
49
20
Segundo a teoria humoral de Hipócrates, o funcionamento de um organismo depende de quatro humores
fundamentais: o sangue, a bile amarela, a bile negra e a fleuma (ou linfa). Posteriormente desenvolvida por
Galeno, essa teoria foi a principal fonte de explicações para saúde e doença entre o século IV a.C. e o século
XVII (MARTINS; SILVA; MUTARELLI, 2008).
21
As quatro causas de Aristóteles são quatro tipos fundamentais de explicações de mudanças ou
movimentos. Nesse caso pode-se defini-las, resumidamente, da seguinte forma: a causa material (hyle) é
equivalente à natureza do material pelo qual o objeto é composto; a causa formal (eidos) é o padrão, ou
forma, pelo qual é definida a essência do objeto; a causa final (telos) é a razão, ou o propósito, de existência
do objeto; e, por fim, a causa eficiente (kinoun) é aquilo que tornou possível a existência do objeto
(ARISTÓTELES, 2012).
50
22
Devido à reinterpretação de seus trabalhos a partir de 1900, a descrição do papel de Mendel na história
da genética, por vezes, é incorreta e anacrônica, atribuindo a este, ideias posteriores ao seu trabalho. Para
mais informações sobre o “Mendel Mítico”, ver Kampourakis (2013) e El-Hani (2015).
53
RNA e, por fim, para as proteínas, situando o gene também como unidade informacional23
(MORANGE, 2000). O sucesso em explicar diversos fenômenos essenciais para
compreender a herança biológica e a constituição dos seres vivos tornou o conceito de
gene cada vez mais popular, não apenas na comunidade científica, mas também no
discurso social (NELKIN; LINDEE, 2004).
Ao longo do século XX, a pesquisa genética foi se tornando gradativamente
centrada no gene, influenciando os proponentes da Síntese Moderna da Evolução a
estabelecerem a “herança dura” através dos genes como única forma de transmissão da
herança biológica (MAYR, 1982). De acordo com a Síntese Moderna, a evolução dos
seres vivos poderia ser satisfatoriamente explicada através da mudança na frequência de
genes em uma população ao longo do tempo (DOBZHANSKY, 1937). Para os
evolucionistas envolvidos, a “herança branda” devia ser desconsiderada, principalmente,
devido à ausência de detecção de tal fenômeno em experimentos controlados e à
impossibilidade de sua existência a partir dos mecanismos genéticos estudados (MAYR,
1982; BONDURIANSKY; DAY, 2018).
Diversos autores criticaram esse reducionismo da Síntese Moderna, apontando
para a importância de considerar um pluralismo de processos e mecanismos para
compreender o fenômeno da herança biológica (WADDINGTON, 1953; GOULD, 1989;
SOBER; WILSON, 1998). Entretanto, ao longo do século XX, essas discussões foram
eclipsadas pelo sucesso da Síntese Moderna em explicar os fenômenos naturais através
da herança exclusivamente genética. Apenas após o acúmulo de evidências sugerindo a
transmissão de características adquiridas a partir de mecanismos epigenéticos, as
discussões acerca da inclusão de fatores não genéticos começaram a ser reconhecidas na
comunidade científica (JABLONKA; LAMB, 2002; DANCHIN et al., 2011).
Além de enfraquecer a visão genecêntrica preformacionista, a possibilidade de
transmissão dos mecanismos epigenéticos evidencia que a natureza da herança biológica
é muito mais complexa do que apenas a transmissão de fatores genéticos, necessitando,
portanto, de um retorno à tradição de pesquisa da epigênese (BOTELHO, 2007).
Considerando, como vimos na primeira seção, que informações sobre as experiências na
vida de um organismo podem ser transmitidas para a próxima geração através de
23
Para Griffiths (2001), a ausência de uma teoria da informação biológica que defina a terminologia
informacional utilizada (tais como “informação genética”, “código genético”, etc.), resulta em um conjunto
de metáforas em busca de uma teoria que possa conferir-lhe sentido preciso.
54
24
Desde a proposição da teoria evolutiva de Darwin (1859) e as discussões sobre variação e estabilidade
de características, o conceito de herança está intrinsicamente ligado a evolução dos seres vivos. Nesse
sentido, para um fator ser considerado relevante em termos de herança, ele deve ter uma estabilidade
suficiente para ser influenciado pela seleção natural (JABLONKA; LAMB, 2010).
55
25
A teoria de perfis conceituais é uma teoria de ensino e aprendizagem de conceitos científicos que se
baseia na coexistência de diferentes modos de pensar um determinado conceito (MORTIMER, 1995).
Dentro dessa teoria, diferentes modos de pensar são estabilizados por um conjunto de compromissos
epistemológicos, ontológicos e axiológicos, e denominados de “zonas” (MORTIMER, 1994). Para uma
explicação mais aprofundada, ver Capítulo 3.
56
herança. De acordo com esse modelo, essas duas formas de pensar diferem especialmente
no que diz respeito ao fator causal, natureza e mecanismo de herança. Tendo em vista
esses temas, podemos concluir que o preformacionismo genético está associado com a
herança mendeliana clássica e a “herança dura”, considerando apenas a transmissão de
partículas hereditárias, as quais carregam um maior potencial para o desenvolvimento do
fenótipo, se comparado a outros fatores. Por outro lado, a epigênese considera outros
processos e mecanismos de herança, além dos genéticos, como epigenéticos e ambientais,
que influenciam o desenvolvimento através de uma complexa rede de interações,
possibilitando a “herança branda” (Quadro 1).
Figura 5: Três modelos de herança. a) Herança mendeliana, pela qual a herança é mediada apenas pela
transmissão (seta azul) de genes, não afetada pelo ambiente (herança dura), dos pais (F0) aos filhos (F1). b)
O modelo de 'codificação genética' da herança branda, segundo o qual a herança é mediada pela transmissão
de alelos gênicos, mas esses alelos estão sujeitos a modificações na linha germinativa por fatores originários
das células somáticas (seta verde), permitindo assim a herança de características adquiridas. c) O modelo
de herança pluralista, pelo qual a herança é mediada pela transmissão de alelos genéticos ('herança genética',
seta azul) ao lado de um conjunto de outros fatores (não genéticos), incluindo algumas características
adquiridas ('herança não genética', seta verde). Fonte: Bonduriansky (2012)
Quadro 1: Comparação dos compromissos que sustentam o modo de pensar das zonas de
preformacionismo genético e epigênese, de acordo com cada tema semântico. Fonte: Reis (2017).
ZONAS
TEMA
SEMÂNTICO PREFORMACIONISMO
EPIGÊNESE
GENÉTICO
Contribuição equivalente: Atribui Contribuição diferencial: Atribui o
Contribuição
desenvolvimento de traços desenvolvimento de traços fenotípicos
parental para a
fenotípicos à contribuição de ambos à contribuição diferente de ambos os
herança
os genitores genitores.
Determinismo por partícula: Paridade Causal: Atribuição de
Atribuição de importância causal importância causal a diferentes fatores
maior às partículas que carregam o genéticos, ambientais e
Fator causal
potencial para desenvolvimento de epigenéticos envolvidos na herança e
traços fenotípicos que aos demais no desenvolvimento de traços
fatores envolvidos na herança. fenotípicos.
Partículas hereditárias: A herança é
atribuída a partículas auto- Potencial para a característica: O
Unidade de reprodutoras que transmitem toda a que é herdado é o potencial para uma
herança informação necessária para característica, a qual surge por meio
especificar as caraterísticas de um do desenvolvimento do organismo.
organismo.
Sistema desenvolvimental: os
Células reprodutivas: Os atributos atributos dos indivíduos envolvem
Mediador de dos indivíduos estão presentes nas uma variedade de recursos que são
transmissão da células reprodutivas, nos gametas, passados de uma geração para outra,
herança que mediam sua transmissão através estando assim disponíveis para a
das gerações. reconstrução do ciclo de vida do
indivíduo.
Herança branda (soft inheritance):
O material hereditário não é constante
de geração a geração, porque
Herança dura (hard inheritance): O características oriundas de condições
material hereditário é constante de às quais os genitores estão expostos
Natureza da
geração a geração. Ele somente muda durante a vida podem ser transmitidas
herança
mediante alteração súbita e radical, às gerações seguintes. Admite-se
denominada “mutação”. plasticidade do material genético
decorrente da incorporação de tais
características, ou de seus potenciais,
ou de seus determinantes.
Sistema de herança: Herança que
Herança particulada: Explica-se a
atribui diferentes mecanismos,
herança pela mediação e/ou controle
Mecanismo de processos e fatores, pelos quais
de partículas, que são transmitidas
herança diferentes tipos de informações
para a prole do mesmo modo como
hereditárias são armazenadas e
foram herdados da geração anterior.
transmitidas entre gerações.
26
A “herança estendida” abarca tanto transmissões verticais (transgeracionais; de pais para filhos), quanto
horizontais (intrageracionais; entre indivíduos da mesma geração).
59
fenômenos. Entretanto, como vimos neste capítulo, tal visão não se sustenta diante das
evidências científicas atuais.
Ao interpretar esses dois processos através da epigenética, pode-se compreender
a complexa natureza das interações entre os fatores genéticos e ambientais para o
desenvolvimento e transmissão do fenótipo. Nesse sentido, a epigenética pode ser
utilizada para desenvolver uma perspectiva que supere os pressupostos da dicotomia entre
natureza e cultura (MEANEY, 2001a). Essa visão pode contribuir para uma compreensão
mais adequada sobre certos temas, como o desenvolvimento de doenças, a evolução dos
seres vivos, e nossa relação com o ambiente e a sociedade. Portanto, de acordo com
Moore (2017), a epigenética se tornará uma competência básica no futuro, não apenas
para pesquisadores e professores, mas também para cidadãos, já que seu conhecimento
será necessário para compreender áreas importantes para tomada de decisão na sociedade,
como, por exemplo, as consequências de fatores socioeconômicos para a saúde dos
indivíduos (KUZAWA; SWEET, 2009; ROTHSTEIN; CAI; MARCHANT, 2009; LOI,
DEL SAVIO; STUPKA, 2013).
Para que a população possa participar de maneira informada e democrática em
debates sobre os avanços da pesquisa em epigenética, é imperativo fornecer informação
compreensível, qualificada e contextualizada sobre o assunto e suas relações com nossa
sociedade. Portanto, realçamos a importância da formação de professores de Biologia
capacitados em ensinar os fenômenos biológicos, reconhecendo a importância das
interações entre fatores genéticos, epigenéticos e ambientais para a herança biológica e
para o desenvolvimento de características, e suas relações com questões sociopolíticas
(HEDLUND, 2012; CHADWICK; O’CONNOR, 2013).
Entretanto, o ensino de Biologia ainda possui uma abordagem genecêntrica, seja
em relação ao desenvolvimento de características ou à herança biológica. No ensino de
genética, por exemplo, o dogma central é apresentado como único modelo possível de
fluxo unidirecional de informação, raramente considerando a influência dos fatores
ambientais no desenvolvimento de características (CLÉMENT; CASTÉRA, 2014). Esse
padrão se repete tanto em livros didáticos (GERICKE et al., 2012; CASTÉRA et al., 2008;
JAMIESON; RADICK, 2017), quanto no discurso de professores (SCHNEIDER et al.,
2011; CASTÉRA; CLÉMENT, 2014). Da mesma forma, em livros didáticos do ensino
médio (SANTOS; JOAQUIM; EL-HANI, 2012; GERICKE et al., 2014) e de Genética e
Biologia Molecular de ensino superior (EVANGELISTA, 2016), as definições
conceituais de gene e sua atuação no organismo priorizam explicações deterministas.
61
Como vimos anteriormente, além dessa visão se basear em uma compreensão equivocada
sobre genes (HURLE et al., 2013), as implicações do determinismo genético também
possuem consequências sociopolíticas e éticas importantes de serem levadas em
consideração (LEWONTIN, 1998; NELKIN; LINDEE, 2004).
Em relação à herança biológica, é comum encontrarmos, nos livros didáticos, uma
interpretação da história da ciência considerando o triunfo da “herança dura” sobre a
“herança branda”, no estabelecimento do campo da genética (BONDURIANSKY, 2012).
Portanto, o estudo da herança biológica costuma considerar apenas a transmissão de
fatores genéticos para as gerações seguintes, tanto no Ensino Básico (PROCHAZKA;
FRANZOLIN, 2018), quanto no Ensino Superior (EVANGELISTA, 2016). Através de
uma análise dos principais livros didáticos de Biologia utilizados no Ensino Médio,
Prochazka e Franzolin (2018) demonstraram que a maioria dos exemplos relacionados à
transmissão de características humanas são de herança monogênica (e.g. albinismo,
daltonismo, hemofilia, sistema ABO), sendo raras as informações sobre doenças
poligênicas e, principalmente, multifatoriais, como diabetes, obesidade e câncer. As
características multifatoriais necessitam de uma compreensão mais ampla sobre
interações entre fatores genéticos e ambientais, considerando diferentes forma de
transmissão de características. Além disso, por essas características serem frequentes no
cotidiano dos alunos, é necessária uma abordagem crítica, de forma que os alunos
consigam se posicionar e tomar decisões responsáveis.
Ao considerar os diversos fatores ambientais (sociais, econômicos, políticos, etc.)
que envolvem o desenvolvimento das características nos indivíduos, a epigenética possui
o potencial de alcançar uma perspectiva que supere a dicotomia entre o biológico e o
cultural, i.e. uma perspectiva biossocial dos fenômenos biológicos (MÜLLER et al.,
2017). Um ensino de Biologia que considere essa visão pode fornecer, aos alunos,
ferramentas necessárias para uma interpretação mais crítica sobre as relações entre ciência
e sociedade, por exemplo, no desenvolvimento de doenças multifatoriais. Como vimos
neste capítulo, o conhecimento sobre epigenética possui um potencial ambivalente: pode
contribuir para desenvolver políticas públicas para alcançar melhorias sociais; ou ser
utilizada para marginalização e culpabilização de indivíduos desfavorecidos
(RICHARDSON et al., 2014; MÜLLER et al., 2017). Portanto, consideramos que a
implementação da epigenética no ensino de Biologia, tal como qualquer outro tema, deva
estar atrelada a uma abordagem crítica, que considere aspectos éticos que visem justiça
socioambiental (ROTHSTEIN; CAI; MARCHANT, 2009).
62
27
Embora a proposta da Síntese Estendida fomente debates sobre sua real necessidade epistemológica, a
implementação de múltiplos processos para aumentar o poder explicativo do pensamento evolutivo é
unânime no meio acadêmico (LALAND et al., 2014)
28
Nesse sentido, concordamos com a proposta de Carvalho (2016) de um currículo com maior equilíbrio
entre conteúdos conceituais relativos à biologia evolutiva e à biologia funcional no currículo de biologia de
Ensino Médio.
63
29
Disponível em: https://learn.genetics.utah.edu/content/epigenetics/intro/
64
30
De acordo com Giroux (1988), são considerados intelectuais por desconsiderarem o trabalho docente
como puramente técnico e instrumentalizado ao considerarem a liberdade dos profissionais na produção e
responsabilidade ativa do que e como é ensinado; e transformadores por utilizarem o pensamento crítico, e
a linguagem da possibilidade de mudanças ao favor deles mesmos e dos alunos, estimulando nestes, o
mesmo pensamento.
67
31
A obesidade não é mais reconhecida como doença pela OMS, pois, do ponto de vista tradicional, a
definição de doença requer a existência de um grupo de sinais e sintomas e alteração funcional. Devido à
obesidade ser definida por meio de um valor antropométrico ou de gordura corporal acima de um ponto de
corte, tal procedimento pode apenas definir uma ameaça à saúde e longevidade, e não uma doença per se,
mas um fator de risco para outras doenças (ANJOS, 2006). Atualmente, a discussão retornou, com
organizações se posicionando a favor de considerar obesidade como doença a fim de auxiliar em sua
prevenção e tratamento (JOHN-SOWAH, 2005).
32
Nessa tese, utilizamos o termo “prevenção e tratamento da obesidade” como alternativa ao mais utilizado
“combate à obesidade”, já que, como apontado por Rigo e Santolin (2012, p. 283), o “termo ‘combate’ (...)
carrega consigo determinadas implicações políticas e socioculturais, contribuindo, possivelmente, para a
discriminação do sujeito”.
72
33
Expressão pejorativa de origem inglesa para alimentos com alto teor de açúcar, gordura e sal, e baixo
valor nutricional de vitaminas, proteínas, minerais e fibras alimentares (O’NEILL, 2006).
73
existe risco maior de adoecer quando os valores de IMC são muito baixos ou muito altos
e mais ou menos estáveis para valores intermediários. A Tabela 1 apresenta a
classificação internacional do IMC. Convencionalmente, os valores definidos atualmente
pela Organização Mundial da Saúde para a classificação do IMC são: menos de 18,5
kg/m² para abaixo do peso; entre 18,5 kg/m² a 24,99 kg/m² para peso normal; 25 kg/m² a
29,99 kg/m² para sobrepeso; e acima de 30 kg/m² para obesidade (OMS, 2018).
Tabela 1: Classificação internacional de Índice de Massa Corporal para indivíduos adultos (maiores de 18
anos) (OMS, 2018)
Classificação IMC(kg/m2)
Abaixo do peso <18.50
Magreza severa <16.00
Magreza moderada 16.00 - 16.99
Magreza suave 17.00 - 18.49
Normal 18.50 - 24.99
Sobrepeso 25.00 – 29.99
Obesidade ≥30.00
Obesidade Grau I 30.00 - 34.99
Obesidade Grau II 35.00 - 39.99
Obesidade Grau III ≥40.00
34
Para estas, o percentual de gordura corporal (%GC) é o mais recomendado para avaliar com maior
precisão a classificação do acúmulo de gordura, ainda que não haja um critério definitivo para o diagnóstico
da obesidade (ANJOS, 2006).
74
35
Definimos “políticas públicas” como “política de ação que visa, mediante esforço organizado e pactuado,
atender necessidades sociais cuja resolução ultrapassa a iniciativa privada, individual e espontânea, e requer
deliberada decisão coletiva regida por princípios de justiça social, que por sua vez, devem ser amparados
por leis impessoais e objetivas, garantidoras de direitos” (PEREIRA, 2009, p. 171).
76
36
Para Gould e Lewontin (1979), adaptacionismo é uma abordagem de descrição das causas de formas e
funções particulares de organismos como coleção de partes separadas, adquiridas exclusivamente pela ação
da seleção natural, ignorando outros mecanismos, tais como restrições desenvolvimentais.
77
37
Do inglês, “Developmental Origins of Health and Disease”.
79
causal entre o excesso de peso e doenças crônicas. Dessa forma, mais que escolher uma
das perspectivas para sustentar medidas de prevenção e tratamento da obesidade,
devemos reconhecer as qualidades e limitações de cada uma, dialogando-as entre si, para
auxiliar a desenvolver formas mais eficazes de abordar a obesidade, considerando tanto
os aspectos da saúde, quanto os aspectos sociais, econômicos, políticos e, principalmente,
emocionais, envolvidos.
O discurso da epigenética, ao priorizar culpabilização e marginalização materna
(RICHARDSON et al., 2014) e enfatizar responsabilidade individual à social e política
(KENNEY; MÜLLER, 2016), costuma recair, principalmente, na perspectiva de
obesidade como comportamento de risco. As explicações epigenéticas da obesidade
podem também incorrer na perspectiva da obesidade como epidemia, quando abordadas
no campo da epidemiologia, sendo incluídas na proposição de tratamentos e prevenções
(NICULESCU, 2011; VAN DIJK et al., 2015). Essas duas perspectivas são consideradas
as mais frequentes no discurso da epigenética sobre obesidade. A perspectiva da
obesidade como diversidade corporal é praticamente ausente, principalmente devido às
abordagens urgentes de saúde pública envolvendo a prevenção e tratamento da obesidade.
problemas sociais que, de acordo esse grupo, deviam ser prioridade para a saúde pública.
Dessa forma, busca-se considerar os impactos psicossociais da obesidade a fim de evitar
a estigmatização e marginalização no indivíduo (PUHL; BROWNELL, 2003).
Já os envolvidos em uma perspectiva antiobesidade, entretanto, afirmam que não
é possível separar completamente os efeitos adversos de hábitos pouco saudáveis e a
obesidade. Para eles, independente se a obesidade é apenas um indicador de hábitos pouco
saudáveis, ela é, ainda, a única forma disponível de medição para desenvolver estratégias
para sua prevenção e tratamento. Tal grupo avalia o peso corporal, principalmente, através
da perspectiva de comportamentos de risco. Dessa forma, implica que o peso corporal
está sob controle pessoal e que as pessoas têm responsabilidade moral e médica em
administrar seu próprio peso.
Ainda que o posicionamento midiático, político e científico seja dominado, muitas
vezes, pelo discurso antiobesidade, os argumentos de aceitação de peso corporal vêm
alcançando espaços no discurso público sobre a obesidade, influenciando práticas
médicas e científicas (SAGUY; RILEY, 2005). Como exemplo, a discriminação foi
incluída como um dos perigos da obesidade na maioria das revisões atuais e declarações
de consenso sobre o assunto (POMERANZ; PUHL, 2013).
Da mesma forma, esses grupos não se caracterizam por uma dicotomia, já que é
possível reconhecer os benefícios e limitações de cada um para desenvolver
posicionamentos mais bem informados sobre a obesidade. Condizente com a análise
anterior, sobre as perspectivas da obesidade, os pesquisadores envolvidos na epigenética
da obesidade se encontram, majoritariamente, mais próximo do grupo antiobesidade,
ainda que muitos reconheçam a importância de considerar a diversidade corporal dos
indivíduos de modo a não gerar discriminação (CARRYER; PENNY, 2008).
Concluindo, o que se pode supor ser estritamente argumentos de discussões
científicas em torno de dados empíricos e modelos explicativos são, na verdade, disputas
impetuosas sobre moralidade. Essas disputas ocorrem tanto em campo científico, quanto
social, e seus discursos podem alterar a cultura vigente, possuindo grande potencial para
implicações relacionadas à justiça social (SAGUY; RILEY, 2005). Dessa forma, tais
discursos interagem intimamente com o desenvolvimento e aplicação de medidas e
estratégias de prevenção e tratamento da obesidade, influenciando seu potencial para
garantir inclusão e equidade, ou perpetuando opressão e marginalização de indivíduos.
87
38
Fonte: ‘Overweight And Obesity - BMI Statistics – Statistics Explained’. Eurostat, 2016. Acesso em:
http://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/index.php/Overweight_and_obesity_-_BMI_statistics
89
39
Uma das formas de controlar a influência de relações financeiras, comerciais, legais ou profissionais, é a
obrigação dos autores em declarar se há conflito de interesses na pesquisa realizada. Sendo a ciência uma
empreitada sociocultural humana, o compartilhamento de conhecimento de forma transparente é essencial
para a confiabilidade do conhecimento científico, além de garantir uma utilização prática desse
conhecimento de forma mais segura e eficaz. Entretanto, tal prática ainda se encontra longe do ideal para
evitar a influência das indústrias nas pesquisas biomédicas (DUNN et al., 2016).
40
http://web.archive.org/web/20050701014744/www.toast-uk.org/index.php. Acesso em 14 de abril de
2019.
93
41
Empresa britânica de bebidas e maior fabricante de bebidas destiladas no mundo, respectivamente.
94
42
https://www.abia.org.br/vsn/tmp_2.aspx?id=372
43
https://abir.org.br/posicionamentos/rotulagem-estilo-semaforo/
44
Organismo internacional de saúde pública criado em 1902, dedicado a melhorar as condições de saúde
dos países das Américas.
45
Departamento governamental dependente do Parlamento do Reino Unido, criada em 2000 e responsável
pela proteção da saúde pública relacionada com os alimentos.
102
educacionais que possam ser aplicadas em contextos diversos (VAN DEN AKKER et al.,
2006).
Os princípios de design são produtos teóricos da pesquisa em design educacional,
que, se validados, podem vir a compor uma teoria de ensino específica para um dado
domínio do conhecimento (PLOMP, 2009). De forma geral, os princípios de design
podem ser compreendidos como enunciados heurísticos construídos de forma a orientar
o planejamento de intervenções educacionais no que diz respeito à seleção e aplicação do
conhecimento mais apropriado para tarefas específicas de planejamento e
desenvolvimento das mesmas (PLOMP, 2009; SEPULVEDA et al., 2016).
Compreendendo a complexidade do mundo real e a individualidade de cada pesquisa,
busca-se sintetizar uma metodologia flexível e iterativa que possa ser aplicada de forma
a otimizar o aprendizado e o ensino em um determinado caso. Logo, a produção de
generalizações que possam expandir o foco da pesquisa para outros contextos é uma
expectativa central da abordagem (EDELSON, 2002).
A pesquisa em design educacional possui, portanto, dois propósitos: desenvolver
inovações educacionais; e ampliar o conhecimento sobre os processos de planejamento e
implementação em sala de aula e sobre as características de intervenções eficazes no
alcance das expectativas educacionais (PLOMP, 2009). Dessa forma, essa modalidade de
pesquisa educacional gera uma compreensão teórica acerca dos princípios de design
pesquisados, e também da própria intervenção educacional, a qual se origina da
necessidade de pesquisar os princípios de design, com a finalidade de testá-los, durante a
implementação da mesma, em um contexto real de sala de aula (PLOMP, 2009).
Esse tipo de pesquisa busca investigar quais abordagens, procedimentos,
conceitos, técnicas, discursos, etc. são fundamentais para se alcançar um objetivo
educacional desejado, em um contexto específico. Dito isso, para orientar investigações
da design educacional, pode-se utilizar a questão geral proposta por Plomp (2009): “Quais
são as características de uma intervenção x para alcançar o resultado y (y1, y2, y3...) no
contexto z?”. Adaptando essa questão para o presente trabalho, temos: “Quais
características de uma sequência didática (SD), abordando a herança epigenética da
obesidade, possuem o potencial de promover uma superação da visão genecêntrica e o
alcance do letramento científico crítico, no contexto de uma disciplina de Genética na
formação de professores de Biologia?”.
De forma geral, a design educacional pode ser dividida em três fases (Fig. 6):
“Pesquisa preliminar”; “Fase de prototipagem”; e a “Fase avaliativa” (PLOMP, 2009). A
110
46
Usamos, neste trabalho, o conceito de inovação educacional definido por Sousa, Muniz e Sarmento
(2016): “Processos intencionais, sistemáticos e participativos de produção, recontextualização e
disseminação de novidades, que tenham a capacidade de promover o desenvolvimento do potencial dos
atores da comunidade escolar, em termos pessoais, sociais e intelectuais. Entende-se como novidade tudo
aquilo que, até então, não fazia parte da prática pedagógica da comunidade escolar. ”
111
Figura 6: Esquema demonstrando o processo cíclico e iterativo das fases da design educacional. Adaptado
de McKenney (2001).
Figura 7: Desenho metodológico da presente pesquisa, organizado de acordo com as duas primeiras fases da pesquisa em design
educacional.
sala de aula, identificação dos discentes, planejar o posicionamento das câmeras levando
em conta a estrutura da sala de aula (pontos de energia, localização do quadro, da
professora e dos discentes, etc.) e qualquer outra informação relevante que possa auxiliar
na aplicação da SD.
Figura 8: Organização espacial da sala de aula (a) durante as aulas teóricas e (b) durante as aulas práticas.
(iv) as ações do docente e dos discentes ao longo da atividades, descritas de forma mais
detalhadas, e; (v) comentários gerais sobre aspectos e características que possam auxiliar
na identificação e interpretação dos episódios. A construção do mapa de atividade, além
de cumprir a função inicial de organizar e orientar a localização de episódios de ensino
em sala de aula contido nos registros e, assim, auxiliar na produção de dados, também
pode contribuir para aumentar o grau de generalização dos resultados da pesquisa, uma
vez que constituem uma estrutura básica para comparação de dados entre aplicações
distintas da sequência didática (SEPULVEDA, 2010).
Após a organização das atividades e dinâmicas ocorridas em cada encontro, a
partir da análise dos registros feitos em sala de aula, foi possível identificar e selecionar
os potenciais episódios a serem analisados. Esses episódios, em seguida, foram transcritos
e as interações discursivas foram analisadas quanto à sua adequação às expectativas de
ensino propostas. Foi selecionado uma quantidade de episódios suficiente para abarcar
todas as características presentes nas interações discursivas que porventura surgissem
durante a aplicação da sequência didática sobre determinada expectativa de ensino.
Os episódios de ensino foram transcritos utilizando os sinais sugeridos por
Marcuschi (1999) e adaptados por Amaral e Mortimer (2006) para transcrição de falas
orais: sinal de mais +, para pausas longas na fala, sendo que, quanto maior a pausa, maior
o número de sinais; barra invertida /, para pausas curtas no meio das falas e truncamento
brusco entre dois turnos de fala; parênteses duplos (( )), para comentários do pesquisador
a respeito de gestos ou dados não-verbais; FONTE EM CAIXA ALTA, para representar
aumento de tom de voz e ênfase na entonação; reticências..., para hesitação ou fala não
concluída; e reticências entre parênteses (...), para omissão de trechos da transcrição. Em
relação à análise, utilizamos realce em negrito para enfatizar trechos importantes que
mobilizam características relacionadas às expectativas de ensino.
121
Quadro 2: Modelo de mapa de atividades utilizado, referente à quarta aula da sequência didática.
Duração: 21’30 Leitura do texto 2 Lobby da indústria Alunos lendo texto - Leitura feita pela Aluna 13.
(“Apesar de alimentícia; sobre lobby, - Episódio 36 (14’20): “Deveria
Tempo no lobby, propaganda; seguido de existir um estímulo do governo para
vídeo: 7’30-28’ nutricionistas educação; discussão produção orgânica”
lutam para agropecuária; - Episódio 37 (16’20): “Tem uma
promover consumo de carne galera querendo mudar isso aí”
alimentação - Episódio 38 (24’): “O consumo
adequada”) de carne também tá associado com
política”
- Alunos começam a se envolver
com discussões sobre agronegócio:
bom assunto para incentivar o
debate, mas tomar cuidado para não
desviar do tema central.
Duração: 8’ Leitura do texto 3 Continuação da Alunos lendo texto - Leitura feita pela Aluna 12
(“Brasileiros influência do lobby e continuando as - Episódio 39 (30’40):
Tempo no engordam e na política e na discussões “Isso também ocorre com a
vídeo: 28’-36’ empresas obesidade; indústria farmacêutica”
lucram”) comparação com a
indústria
farmacêutica
Duração: 19’ Leitura do texto 4 Continuação da Alunos lendo texto - Leitura feita pelo Aluno 14.
(“Coca-Cola e influência do lobby sobre lobby da Coca - Episódio 40 (42’30): “As
Tempo no Pepsi pagam na política e na Cola e Pepsi e empresas causam o problema e
vídeo: 36’-57’ milhões para obesidade; continuando as financiam a solução”
esconder seu propaganda; discussões
vínculo com a problematização de
obesidade”) soluções de
empresas
Duração: 1’50 Leitura do caso 2 Alunos lendo Caso - Leitura feita pela Aluna 13.
em grupo 2, seguido de - Alunos se organizam em dois
Tempo no organização dos grupos para responder ás questões.
vídeo: 57’- grupos
58’50
Primeiramente, podemos apontar o fato do discurso ser um modo de ação sobre o mundo
e sobre os outros. Além disso, o discurso possui uma relação dialética com a estrutura
social, a qual é tanto como uma condição como um efeito do discurso, de forma que o
discurso é moldado e restringido pela estrutura social, e as várias dimensões da estrutura
social são constituídas com a contribuição do discurso. Por último, o discurso é uma
prática de representação e significação do mundo, ao mesmo tempo constituindo e
construindo os significados (FAIRCLOUGH, 2001). Dessas implicações decorrem três
efeitos do discurso, aos quais Fairclough (2001) relaciona a três funções da linguagem:
1) contribuição para construção de identidades sociais (função identitária); 2)
contribuição na construção de relações sociais entre as pessoas (função relacional); e 3)
contribuição na construção de sistemas de conhecimento e crença (função ideacional).
A ACD de Fairclough (2001) permite uma abordagem da análise linguística que
pode contribuir para estudos de mudança social e cultural através da mudança e prática
discursiva. Devido ao discurso ter papel fundamental na produção e manutenção das
relações de poder e dominação ideológica na sociedade, é necessário esclarecer essas
relações que se manifestam discursivamente, para se promover mudança e emancipação
(MELO, 2009). Assim, a prática do discurso é uma parte da luta que colabora com a
transformação e reprodução da ordem do discurso existente e também com a relação
social de poder. A ACD defende, portanto, uma investigação sobre os discursos
diretamente voltada às transformações sociais, focalizando a análise de como o discurso
é produzido, reproduzido e mantido pela própria sociedade (CONRADO; CONRADO,
2016).
Na ACD de Fairclough (2001), discurso é analisado como uma abordagem
tridimensional, envolvendo texto, prática discursiva e prática social. Compreender essa
abordagem é fundamental para investigar a mudança discursiva e social. A análise do
texto, considerado linguagem falada ou escrita resultante do processo de produção
textual, refere-se ao vocabulário, gramática, coesão e estrutura textual. A análise da
prática discursiva busca interpretar os processos de produção, distribuição e consumo
textual, cuja natureza varia entre diferentes gêneros de discurso, a depender dos contextos
sociais específicos. Por último, a análise da prática social busca explicar os aspectos
sociais relacionados a ideologias, estruturas de poder e hegemonia presentes nos textos.
Dessa forma, nessa abordagem tridimensional, temos a dimensão da análise linguística,
da análise do processo interacional e da análise de circunstâncias organizacionais e
institucionais da sociedade.
124
Quadro 3: Caracterização geral das zonas de um perfil conceitual de herança biológica. Fonte: Reis
(2018)
Zonas Caracterização
A herança biológica é interpretada como um fenômeno auto evidente.
Um compromisso epistemológico que fundamenta esse modo de
pensar é a ausência de explicação causal de natureza etiológica. O
fenômeno da herança como um problema para o qual deve ser
1. Naturalização pelo
proposta uma solução sequer encontra-se construído. A herança em
nascimento
termos de propriedades corporais semelhantes aos pais biológicos é
vista como uma implicação direta do nascimento. A herança é
concebida como tudo aquilo que se herda e se transmite da geração
parental para a prole.
A origem das características de um organismo ao nascer e sua
semelhança aos parentes é atribuída ao fatal e inevitável
2. Fatalismo pelo
compartilhamento do sangue, veículo pelo qual são transmitidas as
sangue
características, não só físicas e/ou comportamentais, como sua
história de vida, seu destino.
Atribui-se importância causal exclusiva às partículas que carregam o
potencial para desenvolvimento de traços fenotípicos que aos demais
fatores envolvidos na herança. Se essas partículas são genes, o
3. Preformacionismo
determinismo genético é a ideia que estrutura este modo de pensar,
genético
partindo do princípio de que uma série de características, mesmo
bastante complexas, como vários traços comportamentais, é
determinada apenas por genes.
Assume-se o princípio da paridade causal para o fenômeno da
herança biológica, segundo o qual genes, fatores ambientais e fatores
epigenéticos são igualmente importantes no desenvolvimento de um
4. Epigênese
traço. Neste contexto, o que é herdado é uma unidade dotada do
potencial para uma característica, a qual surge por meio do
desenvolvimento do organismo.
128
Quadro 4: Ferramenta de análise sobre as zonas do perfil conceitual de herança biológica com base nos
compromissos epistemológicos, de acordo com Reis (2018).
Quadro 5: Parâmetros para avaliar o alcance de letramento científico crítico. Fonte: Conrado (2017).
Uma vez que a ferramenta proposta por Conrado (2017) foi desenvolvida para
avaliar tomada de decisão, a partir do uso de QSC, e não a ação sociopolítica em si,
utilizamos de forma complementar a ferramenta desenvolvida por Paiva (2019), para
investigar o alcance da expectativa de ensino relacionada à produção da ação sociopolítica
pelos discentes, considerando três critérios específicos (Quadro 6). Essa ferramenta
utiliza o conceito de alterização negativa para indicar marginalização, subjugação e
exclusão de um grupo de indivíduos rotulados e categorizados como “outro”, a partir de
determinados marcos sócio-históricos (ARTEAGA et al., 2015; PAIVA, 2019). No caso
desta pesquisa, a alterização negativa é caracterizada pela marginalização e
culpabilização das pessoas acima do peso.
Quadro 6: Ferramenta de análise sobre as capacidades de proposição de ação sociopolítica. Fonte: Paiva
(2019)
De acordo com Paiva (2019), ainda que essa ferramenta tenha sido validada por
pares, ela possui limitações, pois não abarca todas as capacidades de proposição de ações
sociopolíticas. Nesse sentido, para a autora, pode-se acrescentar outros critérios, tais
como: a consideração de uma perspectiva dialógica com os grupos sociais ligados à ação;
o reconhecimento de alteridade e o questionamento de injustiças; ou a potencialidade da
ação para alcançar as pessoas de poder/tomadores de decisões e para promover parcerias
com grupos ativistas institucionalizados. O presente estudo não realizou as mudanças
sugeridas, optando pelo uso da ferramenta em sua proposta original, devido à falta de
133
47
Utilizamos a forma não traduzida da palavra no material como forma de padronizar a expressão
utilizada nas matérias selecionadas.
138
Quadro 7: Princípios de design desenvolvidos para a Sequência Didática sobre “Herança epigenética da obesidade”.
CARACTERÍSTICA
EXPECTATIVAS DE
# PROPÓSITO (Y) DA INTERVENÇÃO PROCEDIMENTOS (K) ARGUMENTOS (P)
ENSINO
(A)
A visão genecêntrica dos organismos foi consolidada como corrente a) Possibilitar que os discentes
Revisão da genética principal da ciência biológica ao longo do século XX, principalmente compreendam a epigenética a
mendeliana, problematizando com os avanços da genética molecular (WATSON; CRICK, 1953; partir da relação causal entre
Abordagem do campo suas premissas em relação à CRICK, 1970). Dentro dessa perspectiva, o determinismo genético pode genótipo, fenótipo e ambiente
da epigenética, interação entre gene e ambiente ser definido como a tese de que as características de um organismo são na determinação de
realçando sua e sua limitação em explicar inteiramente o resultado causal de seus genes. Por outro lado, o características distintas
Promover uma importância na características multifatoriais, reducionismo genético, ainda que reconheça a interação com outros
compreensão crítica compreensão da para, em seguida, apresentar o fatores não-genéticos, estabelece que os fatores genéticos possuem uma
sobre o interação entre fatores campo da epigenética como influência dominante no desenvolvimento de fenótipos (WACHBROIT, b) Promover uma reflexão
1
desenvolvimento de genéticos e ambientais, peça fundamental para 2002). Essas ideias estão vinculadas, historicamente, a movimentos crítica em relação aos discursos
características nos de forma a contrapor compreender a complexidade eugênicos e de racismo científico (LEWONTIN, 2000). Entretanto, o deterministas e/ou
organismos. com as características e dessa interação e discutir suas campo da epigenética vem, desde o início do século XXI, realçando a reducionistas
as consequências do implicações para compreender importância e a complexidade da interação do ambiente no
campo da genética o desenvolvimento de desenvolvimento das características dos organismos (JABLONKA;
mendeliana clássica. características além do LAMB, 2010). Dessa forma, a epigenética desafia a visão genecêntrica,
determinismo e reducionismo bem como o determinismo e reducionismo genético, ao propor uma
genético. maior integração dos fatores ambientais ao desenvolvimento de
características através de mecanismos moleculares.
Examinar os A teoria dos perfis conceituais leva em consideração a coexistência de a) Possibilitar que os discentes
Discussão do poder
Promover o mecanismos que diferentes formas de pensar um conceito em cada indivíduo alcancem um conceito de
explanatório da herança
reconhecimento da viabilizam a herança (MORTIMER, 2000). Dessa forma, aprender um conceito científico no herança biológica que inclua os
genética mendeliana,
pluralidade de epigenética ensino de ciências é compreendê-lo em uma determinada zona de perfil fatores epigenéticos.
problematizando sua
formas de pensar transgeracional e a conceitual referente ao discurso científico. Dentro dessa perspectiva, é
perspectiva reducionista a
2 herança biológica e possibilidade de importante reconhecer que o conceito de herança biológica está
mecanismos exclusivamente
uma apropriação do transmissão, para a intrinsicamente ligado ao discurso da genética mendeliana. Essa visão
genéticos, através de exemplos
conceito que abranja próxima geração, de permeia a maioria dos livros didáticos de Biologia (BONDURIANSKY,
de herança não genéticas,
o campo da fatores adquiridos ao 2012). Entretanto, crescentemente essa visão vem sendo confrontada
reconhecendo a pluralidade de
epigenética. longo da vida do com evidências sobre a influência de fatores não genéticos na herança
formas de pensar herança e seu
organismo. biológica. Dessa forma, diversos autores aconselham uma visão
140
Objetivos CPA
de
Caso ou história Questões orientadoras aprendizagem
Figura 9: Representação da unidade básica do modelo adaptado de Conrado (2017): estrutura de três
elementos (caso, questões orientadoras e objetivos CPA de aprendizagem) para abordagem de QSCs em
sala de aula, a partir do contexto pedagógico da Educação CTSA.
ensino e a aprendizagem de conteúdos nas dimensões CPA, a partir de casos sobre QSCs
com questões orientadoras que fomentem o alcance de objetivos de aprendizagem
explícitos (CONRADO, 2017). Desse modo, a SD se inicia com a fase de preparo, em
que são apresentadas as bases para o uso de QSCs na Educação CTSA e a explicação de
pré-requisitos para o alcance dos objetivos de ensino. Em seguida, três casos representam,
cada um, uma das três fases: fase de modelagem, em que a resolução do caso é guiada
pelo(a) professor(a); fase de prática guiada, em que o(a) professor(a) acompanha o
processo de aprendizagem dos discentes; e fase de prática independente, em que os
discentes possuem maior grau de autonomia para solucionar o caso, e o(a) professor(a)
apenas monitora o processo de aprendizagem. Por fim, a SD se encerra com a fase de
síntese, com discussões finais e conclusão, avaliando o aprendizado da intervenção
pedagógica (Fig. 9).
A partir desse modelo, a estratégia das cinco fases também foi orientada para
alcançar os quatro níveis de letramento científico de Hodson (2011), descritos no Capítulo
3. As fases de preparo e modelagem (primeiro caso) contribuem para o alcance dos dois
primeiros níveis, introduzindo a Educação CTSA e o uso de QSCs dentro dessa
perspectiva para compreender a influência de interesses e valores de grupos sociais que
estão no poder no desenvolvimento científico e tecnológico. A fase de prática guiada
(segundo caso) contribui para o terceiro nível do letramento científico crítico, induzindo
à participação social, ao debate e ao posicionamento refletido e crítico. Por fim, a fase de
prática independente (terceiro caso) e a fase de síntese, além de reforçar os três primeiros
níveis, também estimulam a tomada de decisão e a execução de ações sociopolíticas.
146
Figura 10: Uma representação do modelo proposto para o ensino de ciências a partir de QSCs no
contexto da Educação CTSA. Fonte: Conrado (2017).
Aula Objetivos de
Ações didáticas Objetivo didático
(tempo) aprendizagem
Através de uma aula expositiva, será apresentado o papel do ambiente na interação sobre o
desenvolvimento de características em seres vivos, discutindo sobre sua implicação no modo como
compreendemos a relação entre genótipo e fenótipo.
Refletir sobre a interação do ambiente no
Em seguida, serão relembrados conceitos e características da herança mendeliana clássica,
desenvolvimento do fenótipo a partir do
1 (3h) relacionando com a visão determinista da genética. A partir disso, será problematizado o conceito de
genótipo e suas implicações para o conceito
C1, P1, A1
herança biológica, demonstrando sua polissemia através de exemplos de outros tipos de transmissão de
de herança biológica.
características, como através de fatores epigenéticos e ambientais. Através da discussão, será
demonstrada a importância de levar em consideração a natureza multifatorial da herança biológica para
compreender a herança das características biológicas nos organismos.
Será apresentado aos discentes a proposta e os objetivos da sequência didática que se espera mobilizar,
definindo os conceitos e explicando a importância da utilização de QSC através de uma abordagem
CTSA no ensino, a fim de alcançar um letramento científico crítico.
Em seguida, será apresentado o caso 1 aos discentes, abordando as preocupações de Julia e Paulo sobre Apresentar aos alunos a abordagem CTSA
as notícias relacionadas à herança epigenética da obesidade e suas questões sobre adiar ou não a utilizando QSCs e sua importância no alcance
gravidez. A partir da leitura do caso e das matérias envolvidas, será aberta uma discussão em sala de do letramento científico crítico, para, em C2, C3, C5, P2, P3,
2 (2h) aula com a turma para responder as perguntas levantadas no final do caso, utilizando as questões seguida, familiarizar os discentes com a P4, A2, A3, A4, A5,
orientadoras como auxílio para orientar a discussões e os conteúdos mobilizados. O acompanhamento história de Julia e Paulo e ouvir suas A6, A7, A8
com o(a) professor(a) é essencial para que os alunos compreendam a atividade e a dinâmica das interpretações e posicionamentos sobre o caso
próximas aulas, além de explorar as interpretações e concepções prévias dos discentes. e as questões propostas.
Após a resolução do caso pelo(a) professor(a) e pelos discentes, será discutido sobre o alcance dos
objetivos de aprendizagem e a importância da mobilização de conhecimentos, habilidades, valores e
atitudes para a participação na resolução de QSCs.
Através de uma aula expositiva, será explanado o campo de estudo da epigenética para os discentes.
Primeiramente serão apresentados seus aspectos históricos, desde sua origem com o cientista Conrad Apresentar como a expressão genética é
H. Waddington (1942) e sua importância na biologia do desenvolvimento e na diferenciação celular, influenciada através de mecanismos
até sua redefinição conceitual com estudos de expressão gênica e herança transgeracional. Após epigenéticos, como metilação de bases
3 (3h) estabelecer o conceito mais adequado para se compreender a epigenética atualmente, serão nitrogenadas e modificação de histonas, e
C4, P1, A1, A4, A7
apresentados seus principais mecanismos moleculares de ativação ou inativação dos genes: metilação como esses marcadores podem ser herdados
de bases nitrogenadas (complexo CpG) e modificação de histonas. para gerações seguintes.
Em seguida, compreendendo como ocorre a marcação epigenética, serão discutidas as possíveis formas
148
Será retomado o conteúdo da aula anterior, relembrando rapidamente os conceitos aprendidos sobre
epigenética e herança, e discutido sobre como as questões sociais poderiam reproduzir as marcações
epigenéticas, e, também, como as marcações epigenéticas poderiam reproduzir questões sociais. Investigar e discutir o papel da sociedade na
Após a discussão, será aplicado o caso 2, em que Julia e Paulo, após mudarem seus hábitos para uma reprodução de características envolvidas em
C5, P3, P4, A2, A3,
4 (2h) vida mais saudável, exploram as implicações sociais, econômicas e políticas da obesidade, e processos epigenéticos e, através do segundo
A4, A5, A6, A7, A8
consideram a importância do uso do conhecimento sobre herança epigenética para propor medidas caso, investigar as influências sociais,
eficazes para sua prevenção e tratamento. Dessa vez, os grupos terão mais autonomia para guiar a econômicas e políticas da obesidade.
discussão, sendo acompanhados pelo(a) professor(a) que, quando achar necessário, poderá intervir com
questões para orientar a discussão.
Será apresentado aos alunos a importância de alcançar um letramento científico crítico no ensino a fim
de formar cidadãos socialmente responsáveis. Será relembrado o uso de QSC dentro da perspectiva
CTS, para que os alunos compreendam a ligação entre essa estratégia de ensino e o seu potencial para Explorar, com os discentes, os potenciais e
estimular Ações Sociopolíticas. Será abordado o tema apresentando as bases teóricas utilizando o estratégias para promoção de ação
trabalho de Hodson (2011) e explorando exemplos de ações, como: organizar grupos de pressão sociopolítica, e propor, através do terceiro C5, C6, C7, P3, P4,
5 (3h) política; realizar iniciativas educativas sobre o tema; participar de iniciativas de voluntariado; propor caso, que se posicionem e desenvolvam em P5, P6, A2, A3, A4,
soluções inovadoras para o problema; e mudança dos próprios comportamentos. grupo uma proposta de ação sociopolítica A5, A6, A7, A8
Em seguida, será apresentado o caso 3, com a atividade que exige maior autonomia dos discentes para abordando a questão da herança epigenética
resolução das questões. A partir do caso, será pedido aos grupos para que proponham e desenvolvam da obesidade.
um projeto para uma ação sociopolítica envolvendo a herança epigenética da obesidade, a ser
apresentado na aula seguinte.
Cada grupo apresentará para a turma sua proposta de ação sociopolítica envolvendo a herança
epigenética na prevenção e tratamento da obesidade, para que os discentes possam realizar críticas e
sugestões ao grupo. Os grupos serão avaliados pelo(a) professor(a) e pelos alunos através de um Avaliar e discutir, em conjunto com toda a
questionário de avaliação levando em conta determinadas características. turma, as propostas desenvolvidas pelos
C6, C7, C8, P5, P6,
Ao término de todas as apresentações, se encerrará a aula com um diálogo entre a turma e o(a) grupos através de sugestões e críticas
6 (2h) professor(a) avaliando o aprendizado na sequência didática, em termos de alcance dos objetivos de construtivas, além de dialogar com a turma
P7, P9, A2, A3, A6,
A7, A8, A9
ensino e de aprendizagem, bem como considerações finais dos discentes. sobre considerações finais da sequência
A partir das sugestões e críticas, o grupo deverá desenvolver seu projeto de ação sociopolítica e enviar didática.
ao(à) professor(a) em uma data previamente estabelecida para avaliação. Após finalizado o projeto,
será incentivada a aplicação da ação sociopolítica com os alunos na comunidade.
149
Quadro 9: Objetivos de aprendizagem considerando as dimensões conceitual, procedimental e atitudinal do conteúdo para a Sequência Didática sobre “Herança epigenética da
obesidade”.
Dimensões
do Objetivos de aprendizagem
conteúdo
1. Relacionar e definir o conceito de herança biológica com os diferentes tipos de transmissão de características.
2. Definir conceitos de obesidade e sobrepeso, diferenciando-os e analisando sua validez.
3. Compreender o uso de Questões Sociocientíficas (QSC) no ensino com objetivo de associar relações entre Ciência, Tecnologia,
Sociedade e Ambiente (CTSA) a fim de alcançar um letramento científico crítico.
Conceitual
4. Identificar os mecanismos epigenéticos, tais como metilação de bases nitrogenadas e modificação de histonas, e relacionar a influência
do ambiente na expressão genética, bem como sua possível herança.
5. Identificar relações de interesse por trás das medidas de prevenção e tratamento da obesidade.
6. Reconhecer os potenciais e estratégias para a promoção de ação sociopolítica no ensino.
7. Relacionar as medidas políticas de prevenção e tratamento da obesidade com as informações provenientes da epigenética, e avaliar se são
suficientes para mitigar a taxa de obesidade no país.
8. Refletir sobre o papel da mídia na recontextualização da informação científica e seu impacto social e político.
1. Expor concepções e conhecimentos prévios sobre herança biológica.
2. Pesquisar e analisar matérias e documentos sobre o assunto e relacionar com as questões levantadas em sala de aula.
3. Discutir e deliberar em grupo sobre as questões apresentadas e se posicionar em relação às controvérsias e discussões em sala de aula.
Procedimental
4. Identificar e avaliar interesses e valores nos discursos, legislação e ações em relação à prevenção e tratamento da obesidade.
5. Relacionar a sobrecarga da responsabilidade individual em questões complexas como a culpabilidade e a estigmatização do indivíduo.
6. Investigar as medidas políticas de prevenção e tratamento da obesidade do país e relacionar com os conhecimentos adquiridos ao longo
da sequência didática.
7. Propor e desenvolver ações sociopolíticas, em grupo, visando considerar a herança epigenética como fator influente na prevenção e
tratamento da obesidade.
8. Sintetizar e apresentar a proposta do grupo à turma, considerando críticas e sugestões dos outros discentes.
9. Avaliar e contribuir com críticas e sugestões as propostas apresentadas em sala de aula.
150
1. Colaborar com a turma para elaboração de um conceito de herança que abarque os diferentes tipos de transmissão de características.
2. Trabalhar em equipe e respeitar os diferentes pontos de vista, sabendo dialogar de forma argumentativa a fim de compreender as razões
que os fundamentam, e estabelecer pontos de consenso ou coexistência.
3. Colaborar na troca de conhecimentos entre os grupos nas discussões.
Atitudinal
48
Os casos estão disponíveis no Apêndice A.
152
forma mais explícita para que proporcione além do tema desenvolvido, a aprendizagem de um
modelo pedagógico importante para repensar seu papel como futuros profissionais de
educação49.
Após a apresentação sobre as bases teóricas do letramento científico crítico para que os
alunos compreendam o objetivo da SD, será apresentado o Caso 3 e seus textos auxiliares. Essa
última atividade cumprirá a “Fase de prática independente”, exigindo maior autonomia dos
discentes para resolução das questões. A partir do caso, novamente envolvendo o casal Júlia e
Paulo, será pedido aos grupos para que proponham e desenvolvam um projeto para uma ação
sociopolítica envolvendo a herança epigenética da obesidade, a ser apresentado na aula
seguinte.
Por fim, na sexta e última aula serão realizadas as apresentações dos grupos das
propostas de ações sociopolíticas envolvendo herança epigenética da obesidade. Ao final de
cada apresentação, será aberto uma roda de debate para discussão da proposta, incentivando aos
outros discentes oferecer críticas e sugestões ao grupo. A partir disso, o grupo deverá
desenvolver seu projeto de ação sociopolítica e enviar ao(à) professor(a) em uma data
previamente estabelecida para uma segunda avaliação. Após finalizado o projeto, será
incentivada a aplicação da ação sociopolítica com os alunos na comunidade local.
Ao término de todas as apresentações, se encerrará a aula com a “Fase de síntese”,
concluindo a estratégia das cinco fases, através de um diálogo entre a turma e o(a) professor(a)
avaliando o aprendizado na sequência didática, em termos de alcance dos objetivos de ensino e
de aprendizagem, bem como considerações finais dos discentes.
Devido à SD desenvolvida necessitar apenas da compreensão de conceitos e processos
básicos de genética, consideramos como pré-requisitos para sua aplicação que os alunos
saibam: conceitos básicos sobre genética (cromossomo, gene, genótipo, fenótipo, mutação,
alelo, transmissão, recessividade e dominância); conhecimento básico sobre genética molecular
(estrutura e função do DNA, processos de replicação, transcrição e tradução); e conhecimento
básico de biologia celular (diferenciação de célula somática e reprodutiva, mitose e meiose). A
49
Nesse sentido, nos aproximamos no conceito de “simetria invertida” em que considera que se aprende a ser
professor vivendo o papel do aluno, possibilitando se enxergar através do outro através das vivências e reflexões
constantes sobre o aprender-ensinar-aprender (THOMÉ; STECANELA; KRAHE, 2007).
155
partir desses conceitos e processos, é possível alcançar uma melhor compreensão das ideias
gerais da genética moderna (DUNCAN; ROGAT; YARDEN, 2009). De acordo com Duncan e
colaboradores (2017), o ensino integrado de genética clássica e molecular pode auxiliar em uma
progressão de aprendizagem em genética, conectando ideias necessárias para alcançar uma
estrutura de conhecimento capaz de auxiliar na compreensão da epigenética. Ademais,
realçamos a importância de repensar o currículo de genética de forma a não apenas incluir a SD
proposta como apenas um adendo, mas a integrar o conhecimento da epigenética ao longo do
currículo, além de considerar os conteúdos ensinados para além da dimensão conceitual, através
de um ensino crítico e voltado para a formação de cidadãos socioambientalmente responsáveis.
Além disso, a SD tem como objetivo formar professores capacitados a refletir sobre sua
prática profissional, através da compreensão dos referenciais teóricos, e através da vivência
desses referenciais em sala de aula. Espera-se que os futuros professores compreendam a
importância de uma pedagogia voltada para cidadania (FREIRE, 2017; GIROUX, 1988) e de
um ensino de genética que compreenda as interações entre gene e ambiente, e de um conceito
de herança que considere os fatores não genéticos.
156
prototipagem, objetiva realizar reflexões acerca dos resultados parciais a fim de aperfeiçoar e
refinar os princípios de design e a intervenção educacional (PLOMP, 2009).
50
Essa seção é uma versão ampliada do trabalho apresentado no XII Encontro Nacional de Pesquisa em Educação
em Ciências (ENPEC), em 2019, com o título “Validação de uma sequência didática sobre herança epigenética da
obesidade para a promoção do letramento científico crítico” (ALTHOFF et al., 2019).
158
Tabela 2: Avaliação por pares da adequação da Sequência Didática, em que OE = Objetivos de Ensino; e OA =
Objetivos CPA de Aprendizagem.
Atende parcialmente 0 6 2 7 0 8 0 6 0 6 1 7
Não atende 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
o caso 1 e os textos de apoio para sua resolução fossem apresentados ao final da primeira aula.
Dessa forma, os discentes se beneficiariam com tempo para pesquisar em casa sobre as questões
do caso e, na segunda aula, teriam mais conteúdo para uma discussão mais prolífica. Com essas
mudanças, esperamos resolver o problema apontado e desenvolver uma atividade mais eficaz
com os discentes. Caso em futuras aplicações o tempo continue inadequado para a conclusão
das ações didáticas, sugerimos diminuir a extensão dos textos propostos para auxiliar a
interpretação e resolução dos casos, resumindo-os através de edições, sem comprometer o
contexto geral da leitura, ou substituindo-os por outros textos menores e de conteúdo similar.
Quanto ao caso 1, muitos avaliadores apontaram que, ainda que possua o caráter
controverso típico de uma QSC, é tendencioso ao conduzir o discente para a resposta de que é
preferível adiar a gravidez. A controvérsia é uma característica necessária a uma QSC para que
os alunos possam discutir e deliberar de forma crítica as opções disponíveis (CONRADO;
NUNES-NETO, 2018). De acordo com uma docente:
Penso que o caso traz o caráter controverso que uma QSC tipicamente deve apresentar,
contudo há um desequilíbrio, [pois] o caso está tendencioso, conduzindo os alunos
para a resposta. Um bom caso (...) precisa ser imparcial e deixar o discente livre para
ele decidir qual posição tomar diante da controvérsia.
Como forma de resolução do problema e de equilibrar as opções disponíveis no caso,
utilizamos as sugestões da professora avaliadora e adicionamos o fato do casal possuir uma
idade avançada, e que, ao adiar a gravidez, poderia envolver uma futura infertilidade, devido
ao envelhecimento dos gametas do casal. Assim, esperamos deixar o caso mais imparcial e com
um dilema mais evidente sobre o assunto, incentivando as discussões entre os discentes.
Ademais, de forma geral, o caso 1 trouxe críticas positivas dos avaliadores, sendo reconhecido
como uma narrativa interessante, com personagens críveis e com matérias que incentivam a
discussão.
A terceira aula, por apresentar um caráter mais expositivo sobre o campo da epigenética,
não obteve muitas sugestões de alteração de suas ações didáticas, ocorrendo refinamento apenas
nos objetivos CPA de aprendizagem.
A quarta aula apresentou problemas similares à da segunda aula. Primeiramente, alguns
avaliadores apontaram a insuficiência de tempo em sala de aula para aplicação das ações
didáticas. De modo análogo à alteração realizada na segunda aula, transferimos a leitura do caso
2 e dos textos relacionados para a terceira aula, ao fim da aula expositiva. Dessa forma,
161
esperamos que, além de organizar melhor a distribuição do tempo em sala de aula, crie
oportunidade para os discentes pesquisarem sobre o assunto para a discussão na aula seguinte.
Quanto ao caso 2, alguns avaliadores fizeram comentários positivos ao caso, sem
sugestões para sua alteração. Duas avaliadores comentaram: “Achei o caso excelente e as
questões para discussão e orientadoras bastantes pertinentes.” e “Adorei o caso 2. Ele traz uma
indagação muito boa!”. Entretanto, a mesma avaliadora que criticou o caso 1, apontou a falta
de uma controvérsia ou um dilema evidente. Concordamos com a avaliadora sobre o caso não
apresentar uma controvérsia bem definida, sendo mais um ponto de partida para refletir e
relacionar questões socioeconômicas e políticas na prevenção e tratamento da obesidade – ou
seja, uma síntese para a discussão dos textos. Reconhecendo a importância da controvérsia na
QSC, reescrevemos o caso 2 de forma a implementar um dilema na narrativa. Nessa nova
versão, o casal Julia e Paulo criam uma ONG para prevenção e tratamento da obesidade para
pessoas marginalizadas e precisam enfrentar o seguinte impasse: aceitar o financiamento de
grandes empresas alimentícias e se comprometer a fazer propaganda e distribuir amostras grátis
de produtos que não condizem com a proposta da ONG; ou recusar o financiamento por motivos
éticos com a implicação de não ter verba suficiente para ajudar um maior número de pessoas.
Portanto, esperamos que, com esse dilema, as discussões em sala de aula sejam estimuladas e
que os discentes se posicionem através de uma reflexão crítica, que considere os valores
envolvidos nas decisões (HODSON, 2004; 2011).
As alterações do caso 2 foram utilizadas para refinar o caso 3, retomando a narrativa em
relação à ONG para contextualizar o desenvolvimento do projeto da ação sociopolítica pelos
alunos a partir de um edital público elaborado pelo casal Julia e Paulo. Através do
desenvolvimento da narrativa, esperamos que os alunos compreendam e se envolvam no que é
pedido nos casos, ao longo da SD.
Por fim, devido ao fato da sexta aula apresentar apenas atividades relacionadas à
apresentação, refinamento e planejamento dos projetos de ação sociopolítica dos grupos e
síntese dos objetivos alcançados da SD, não houve críticas e sugestões para seu refinamento.
Considerações positivas também foram apontadas pelos docentes. Uma das avaliadoras
apontou a importância de desenvolver uma sequência didática abordando a epigenética, devido
à sua relevância em uma compreensão crítica do determinismo genético, bem como sua
marginalização no ensino superior:
162
validação por pares, como meio de contemplar uma análise crítica do material por diversos
profissionais, a fim de gerar um produto mais refinado e com maior potencial de alcançar os
objetivos da pesquisa (PAIVA et al., 2017).
O processo de validação é muito relevante para analisar a viabilidade de características
procedimentais que provemos às intervenções didáticas em atender os objetivos educacionais
almejados, e assim refinar o produto educacional em desenvolvimento (PAIVA et al., 2017). A
partir da validação por pares, realizamos refinamentos em relação à organização, reestruturação
de estratégias didáticas e ajustes da abordagem teórico-metodológica. Ressaltamos a relevância
da etapa de validação por pares a fim de realizar as adaptações necessárias através de sugestões
de profissionais da área para que o protótipo de intervenção educacional em desenvolvimento
possa ser aplicado em sala de aula de forma apropriada.
adequados para promover as situações de ensino esperadas, e quais alterações podem ser
realizadas nos princípios e na estrutura da SD para alcançar os objetivos esperados. O quadro
10 possui um resumo das informações a serem analisadas nesta seção.
Quadro 10: Sistematização da análise dos resultados da sequência didática sobre “herança epigenética da
obesidade”, de acordo com cada princípio de design, destacando, para cada expectativa de ensino, quais as
ferramentas de análise foram utilizadas, quais episódios de ensino e fontes de informação complementar foram
analisados.
Fonte de informação
# Expectativa de ensino Ferramentas de análise Episódios
complementar
ACD e ferramenta de
a) Favorecer o reconhecimento de
análise de alcance do Caderno de campo e
valores nos discursos sobre a 7, 13
letramento científico respostas dos casos
herança epigenética da obesidade.
crítico (Nível 2 e 3)
3
ACD e ferramenta de
b) Estimular os discentes a se
análise de alcance do Caderno de campo e
posicionarem em prol de valores 8, 44
letramento científico respostas dos casos
de justiça socioambiental.
crítico (Nível 3)
ACD, ferramenta de
análise para alcance do
letramento científico
a) Possibilitar que os discentes se Projetos de ASP,
crítico (nível 4) e
5 envolvam no desenvolvimento de 29, 34 caderno de campo e
ferramenta de análise
ações sociopolíticas respostas dos casos
sobre as capacidades de
proposição de ação
sociopolítica
40 e 60%51. Ainda que um número pequeno de genes possa estar envolvido em tal característica,
é mais adequado analisar o alcoolismo a partir do conceito de endofenótipo, i.e. características
intermediárias influenciadas por múltiplos genes que, subsequentemente, afetam a
probabilidade de desenvolver tal comportamento. O conceito de endofenótipos é utilizado na
epidemiologia para dignosticar sintomas de comportamentos (tais como vícios, obesidade,
esquizofrenia, transtorno bipolar e suicídio) em fenótipos estáveis que possam auxiliar análises
genéticas (GOTTESMAN; GOULD, 2003).
Por fim, para compreender o desenvolvimento de características como alcoolismo,
devemos investigar a influência do ambiente em que o indivíduo opera. Em humanos, esse
ambiente é associado a fatores sociais, econômicos, culturais, políticos, etc. (MÜLLER et al.,
2017) – tal como apontado pelo aluno 1 no turno 6. Tais fatores ambientais interagem com os
fatores genéticos desenvolvendo os fenótipos. Essa interação epigenética é encontrada, por
exemplo, na pesquisa de Agrawal e colaboradores (2009), em que foi demonstrado um aumento
na expressão de genes associados a sintomas de vulnerabilidade de dependência alcoólica em
indivíduos que começaram a ingerir bebidas alcoólicas em idades anteriores a 13 anos. Diversos
outros fatores podem influenciar as marcações epigenéticas responsáveis pela expressão desses
genes, como traumas psicológicos e falta de apoio familiar (ENOCH, 2006).
Considerando que esse episódio ocorreu na primeira aula, em um momento de
discussões a partir do conhecimento prévio dos estudantes, podemos reconhecer a reflexão dos
discentes em relação à complexidade de interações entre fatores genéticos e fatores ambientais
para o desenvolvimento do fenótipo. Embora a aluna 4 tenha afirmado, no último turno, que a
genética é muito forte para a questão do alcoolismo, a maioria dos discursos apresentaram
características que indicaram uma reflexão sobre a interação entre genótipo, fenótipo e
ambiente para características distintas. Por fim, é importante notar que comentários semelhantes
aos da aluna 4 não foram detectados em aulas posteriores, após a mobilização dos conteúdos da
SD, sugerindo um alcance da compreensão da interação entre os fatores para o desenvolvimento
de características multifatoriais.
51
Embora essas porcentagens sejam úteis em estudos populacionais, a interação entre gene e ambiente no
desenvolvimento das características não funciona dessa forma. Para Keller (2010), não faz sentido perguntar
quanto o gene ou o ambiente influenciam em uma característica, já que ambos interagem conjuntamente.
168
O segundo episódio a ser analisado ocorreu no início da segunda aula, após a leitura da
matéria “UERJ pesquisa influência da atividade física das mães na obesidade dos filhos”, sobre
pesquisas realizadas no Brasil no campo da epigenética. Depois da leitura do texto, dúvidas
relacionadas ao alcoolismo, presentes no episódio anterior, foram trazidas novamente como
questões pelos alunos.
Episódio 12 (Aula 2 / Turma 2 / 9’)
“A epigenética ajuda a gente a entender essa complexa interação”
1 – Aluno 14: Eu ouvi falar que/ uma pessoa que o pai é alcoólatra parece que tem tendência a
ter/ a ser alcoólatra também?
2 - Professora: Então/ aí cai nessa questão da epigenética também/ não é só/ não seria tão
simples como um gene para o alcoolismo/um gene para o vício em álcool/ ele vai ser/exposto à bebida
e rapidamente vai ficar viciado. Você vê que a epigenética não funciona assim. Pode ser que tenha um
gene/ um gene não né/ porque a maior parte das vezes são vários genes que cada um cumpre uma
função numa complexa rede de causas. E o ambiente vai estar lá/ atingindo esses genes para eles
ficarem ativos ou não/ para num futuro próximo/ de acordo com esse ambiente e esses genes/ ele pode
desenvolver tal fenótipo ou não. Você vê como a epigenética ajuda a gente a entender essa/ essa
complexa interação. Não é como se tivesse um gene/ “ah/ é alcoólatra”. Caiu uma gota de álcool/
acabou. É uma questão de um processo ambiental/ acionar esses genes/ e são vários genes.
3 – Aluna 13: Eu fico justamente em dúvida com isso. Porque/ por exemplo/ se uma pessoa/
ela tem uma vida toda estabilizada/ ela tá bem/ e ela não pensa em beber. Não tem como ela
desenvolver o alcoolismo/ mesmo que ela tenha um gene para isso. Entendeu? Então é muito realmente
como você ta falando. É muito mais complexo do que dizer que só existe um gene/ mas não tem um
fator externo pra poder fazer/ entendeu?/ a pessoa tem a vida toda estabilizada. A maioria dos
alcoólatras/vamos colocar assim/são pessoas que estão lá/ vão beber/ encontrar uma “saída”
((fazendo sinal de aspas com a mão)/ bem aspas mesmo/na bebida e tudo mais. Então não é só dizer
que/
4 – Aluna 15: Até porque em alguns casos mesmo a pessoa tendo contato com a bebida/ não
necessariamente ela vai se sentir atraído/
5 - Professora: Às vezes tem reações na vida dela que ela/ mesmo ela tendo uma tendência ao
alcoolismo/ as vezes tem reações na vida dela que fazem ela ter aversão ao álcool/ uma aversão
psicológica/ talvez.
mães na obesidade dos filhos”. Seguido de uma breve interrupção sobre o assunto, a professora
retorna ao tema, investigando o conhecimento prévio dos alunos sobre o campo da epigenética.
a isso pela genética”, pode-se perceber a ideia de determinismo que o aluno está colocando em
dúvida com a epigenética. Como veremos nas análises discursivas do próximo princípio de
design, relacionado com o perfil conceitual de herança biológica, essa fala apresenta uma marca
discursiva importante relacionada com o compromisso axiológico de conformismo: “a atitude
dos genitores de se conformar, e de acatar o que é herdado” (REIS, 2018). Esse compromisso
axiológico está presente em todas as zonas, exceto a de epigênese, que é a qual esperamos
alcançar. Podemos perceber, por esse turno, que o aluno 14 está tentando negociar com esse
compromisso, trazendo para espaço da sala de aula essa negociação de maneira crítica e
considerando a epigenética como possibilidade de ação.
Como resposta, a aluna 20, no turno 6, diz que “antigamente achávamos que o gene era
quem controla tudo”, mas que, com a epigenética, percebemos que “não é tudo que ele
controla”. Aqui temos que o gene é apresentado, não apenas como um fator causal, mas como
o próprio ator do mecanismo causal. Embora tal visão seja problematiza pela aluna 20, a agência
do gene no controle das características se mantém, embora se reconheça que esse controle seja
apenas parcial. Para concluir a discussão, a professora sintetiza que “o determinismo genético
fica em xeque com a epigenética”.
Podemos perceber, pelo turno 4, que a aluna 15 identifica a importância de fatores
ambientais para o desenvolvimento de fenótipos e como o campo da epigenética pode trazer
uma abordagem menos determinista, bem como as consequências disso para a saúde pública.
O aluno 14 e a aluna 20 também demonstram compreender as implicações da epigenética para
o determinismo genético pelas suas falas, reconhecendo a possibilidade de mudança dos
fenótipos pela influência ambiental. A produção intertextual dos turnos presentes nesse
episódio sugere o alcance da expectativa de ensino, em que os alunos identificam as implicações
da epigenética em relação ao discurso hegemônico do determinismo genético, demonstrando
uma compreensão de que as interações entre genótipo, fenótipo e ambiente são mais complexas
do que essa visão busca representar.
O episódio a seguir ocorreu enquanto os discentes do segundo grupo discutiam para
responder a questão 3 do caso 2, sobre as possíveis contribuições da herança epigenética nas
políticas públicas de prevenção e tratamento da obesidade.
172
1 – Aluno 10: No caso ele quer saber como a herança epigenética/ como esse assunto/ nas
políticas pública/ como isso/ em projetos sociais/ ações sociais/ pode trazer ideias para o combate à
obesidade.
2 – Aluna 6: As pessoas/ se soubessem que ingerindo algum tipo de alimento/ tipo muito açúcar/
as próximas gerações poderiam ter algum tipo de doença se ingerir muito açúcar/ diabetes/
gordura/ pras gerações futuras. E os projetos sociais seriam justamente pra isso/ pra saber que esse
tipo de coisa acontece e que se relaciona diretamente com a epigenética. Eu tenho medo de ficar uma
coisa muito óbvia/ tipo/ se comer doce/ futuramente vai ter diabete.
3 – Aluno 5: Isso. Então/ no caso/ seria passar essas informações de que a epigenética/ de que
no caso é o estudo de como o meio ambiente vai influenciar nos genes/ no genótipo e tal/ de que
dessa forma vai ser adquirido pra informação genética e consequentemente as próximas geração
vão já/ vão estar propícios a desenvolver doenças por causa dessas marcas epigenéticas. Então essa
informação nas políticas públicas pode ajudar pessoas de todos os níveis de classe social ter esse
conhecimento e reeducar sua alimentação.
4 – Aluno 10: É isso. Ele pode levar alguma marca/ tipo/ como o pai dele teve diabetes/ ele
pode ser propício a desenvolver mais fácil/ entendeu? Aumentar o risco com a mesma quantidade
de açúcar/
genéticos fazem parte de uma rede de interações complexas que irão influenciar o
desenvolvimento do fenótipo final (CARVER et al., 2017).
Logo, podemos identificar duas implicações da epigenética no determinismo biológico:
tanto em sua problematização, quanto em sua reprodução. Esse potencial ambivalente do campo
da epigenética será desenvolvido em outros momentos de sala de aula, respondendo a outras
expectativas de ensino, relacionando com o tema da obesidade. Por agora, ressaltamos que, de
acordo com os episódios analisados, podemos perceber que a maioria dos alunos no episódio
compreenderam que a epigenética apenas influencia – e não determina – o resultado final do
fenótipo, sugerindo o alcance da expectativa de ensino proposta. Ainda assim, sugerimos a
inclusão de uma discussão mais explícita e aprofundada sobre as bases e a consequência do
determinismo biológico – seja genético ou epigenético – através de exemplos históricos e que
envolvam algum tipo de opressão, como em questões de gênero, sexualidade, raça, etc.
(GOULD, 1991). Para aproximá-los do tema, é aconselhável adaptar os exemplos ao contexto
dos alunos, priorizando os que são mais próximos de sua realidade (HODSON, 2011).
1 – Aluna 18: Podemos colocar que a epigenética pode/ no caso que/ se considerar a herança
epigenética/ pode conscientizar as pessoas de que/ não é só o gene que vai agir sobre a vida dela/ mas
o que ela come/ o que ela vive pode influenciar na/ na expressão da/ do gene/ relacionado à
obesidade/ entendeu? Porque se a pessoa falar/ ah/ eu nasci com o gene para a obesidade/ então ela não
vai se importar com o que ela come/ com o estilo de vida dela.
2 – Aluno 17: Isso. A herança/ no caso/ a herança epigenética explica como fatores
ambientais podem/ tipo/ ser transmitidos para as gerações seguintes/ através dos mecanismos
epigenéticos que ativam os genes.
3 – Aluna 20: Mas e a genética? Será que/ tipo/ não tem genes pra obesidade?
4 – Aluna 18: Pelo que entendi/ a obesidade tem uma relação maior com o ambiente/ com o
que a gente come/ os exercícios que fazemos/ do que com algum gene específico.
5 – Aluno 17: É. Foi isso que entendi também.
6 – Aluna 20: Entendi. Então/ assim/ se a obesidade possui maior influência de fatores
ambientais/ do que genéticos/ então as medidas políticas têm que considerar mais a alimentação/ também
exercícios físicos.
7 – Aluna 18: Isso.
1 – Aluna 13: Acho que deveria procurar um especialista pra poder dar orientação. Porque as
vezes/ “ah/ vou mudar meu hábito”/ e as vezes você pode até comer coisas que você acha que é saudável
e aí/
2 – Aluna 14: E aí tem um déficit de vitamina/ por exemplo.
3 – Aluno 15: E se possível/ adiar a gravidez/ pelo menos por um tempo. Não precisa ser 2 anos/
ou 5 anos. Mas com o tempo/
4 – Aluna 13: Porque a mudança repentina/ ela não é/ tipo/ não é levada a longo prazo. Ela é
sempre. Você faz dieta/ e quando passa aquele período que você emagreceu/ você não leva isso adiante.
5 – Aluno 15: Agora eu acho importante que essa mudança não seja só antes da gravidez/ mas
também depois do parto. Porque a alimentação dos pais influencia muito na alimentação do filho.
6 – Aluna 13: É a questão ambiental né. Acho que a herança ambiental é tão forte quanto
as heranças genéticas e epigenéticas.
7 – Aluno 15: É verdade. Se não mudar o ambiente em que eles vivem / tipo / o que eles comem/
mesmo que eles tenham filhos saudáveis / se a alimentação em casa / no dia a dia / não mudar/ não
vai adiantar nada.
Embora os primeiros turnos não apresentem trechos importantes para análise da presente
expectativa de ensino, os consideramos importantes para compreender o desenvolvimento do
discurso dos discentes ao longo do episódio. Após os alunos discutirem sobre quais conselhos
176
e sugestões dariam para Julia e Paulo, o aluno 15, no turno 5, considera importante que a
mudança de hábitos permaneça após o nascimento da criança, visto que a alimentação dos pais
irá influenciar na alimentação do filho. A partir disso, a aluna 13 complementa, afirmando que
essa influência – a herança ambiental – é tão importante quanto as heranças genéticas e
epigenéticas. Por fim, o aluno 15 conclui que, se o ambiente não mudar, as mudanças
necessárias não vão ser suficientes para resolver o problema. Ou seja, de acordo com os alunos,
se Julia e Paulo mudarem seus hábitos apenas entre o planejamento de gravidez e o parto
(período crítico para as marcações epigenéticas), retornando aos hábitos antigos logo após o
nascimento da criança, o ambiente em que a mesma irá se desenvolver vai influenciar seus
hábitos, impactando sua saúde, apesar dos fatores biológicos herdados pelos pais.
Esse episódio apresenta características que vão além da expectativa de ensino proposta
(i.e. o alcance da zona ‘epigênese’ de perfil conceitual de herança biológica), pois aborda outras
formas de herança não-biológica a serem consideradas na discussão sobre obesidade: a herança
ambiental, comportamental e cultural. De acordo as pesquisadoras Eva Jablonka e Marion
Lamb (2010), além da herança genética e epigenética (constituindo a herança biológica), outras
duas dimensões devem ser consideradas em animais como os humanos: a herança
comportamental e a cultural. A partir do trabalho seminal dessas autoras, Bonduriansky e Day
(2018) desenvolveram o conceito de “herança estendida”, abarcando fatores genéticos,
epigenéticos, ambientais, comportamentais e culturais. Através de diversos modelos teóricos e
áreas do conhecimento (e.g. biologia molecular e celular, herança cultural, construção de nicho,
ecologia evolutiva), esses autores buscam compreender o fenômeno de herança para além da
dicotomia entre o biológico e o ambiental.
Principalmente quando consideramos características multifatoriais como a obesidade,
devemos considerar, não apenas a interação entre a miríade de genes que influenciam o
metabolismo do indivíduo e as marcações epigenéticas responsáveis pela ativação e desativação
desses genes, mas também o ambiente herdado (no caso de humanos, incluindo fatores como
sociais, econômicos e políticos), comportamentos transmitidos por seus pares (família, amigos,
comunidade, etc.) e a cultura em que se encontram (hábitos alimentares, disponibilidade de
alimentos, prática de exercícios físicos, condição socioeconômica, etc.).
A obesidade, atualmente, é um problema mundial decorrente, principalmente, dos
hábitos – sobretudo alimentares – de uma cultura obesogênica (ALBRITTON, 2009). Logo,
177
Devido aos avanços nas discussões sobre herança estendida, se torna cada vez mais
difícil traçar a linha entre o que é ou não biológico52. Portanto, para que se possa analisar a nova
expectativa de ensino sugerida, sugerimos uma abordagem sobre perfil conceitual de herança
biológica que abranja de forma mais explícita os diversos fatores que influenciam nas
transmissões de características dos seres vivos, já que os compromissos epistemológicos,
ontológicos e axiológicos da zona de epigênese proposta por Reis (2018) podem não representar
os esperados quando considerada uma herança estendida.
Quadro 11: Análise da caracterização dos episódios analisados em relação aos compromissos epistemológicos
das zonas do perfil conceitual de herança biológica, de acordo com Reis (2018).:
52
Embora, como vimos no Capítulo 1, existam propostas para delimitar o espaço epistêmico do organismo, de
forma a diferencia-lo dos recursos ambientais (PONTAROTTI, 2016).
179
1 - Professora: Eu peguei esses dois textos/ esses dois títulos mostram os dois lados ne: “a culpa
é da sua mãe!” e “a obesidade que pegamos de papai”. Porque é como vocês falaram/o texto apresenta
muito o lado da gravidez. E tudo bem/ na gravidez o que você come vai pro seu filho. E no caso do pai?
2 - Aluna 1: É né. Sempre joga pra mãe. A mãe que tem que fazer dieta e tem que tomar
cuidado com isso e com aquilo. E o que veio antes? Porque a herança epigenética também vem ne/
pode vir de avô e tal.
3 – Aluna 2: A Julia ((personagem)) está sofrendo aqui + porque a responsabilidade recaiu
toda pra cima dela/e o pai se absteve. Como ele soube pela matéria e tudo mais/ ele tá pressionando
ela a ter esses hábitos alimentares.
4 – Aluna 3: Eu acho/ que no caso a gente pode observar dois pontos: o primeiro/ a questão
que/o como as pessoas são suscetíveis/ no caso/ a receber esse tipo de informação. No caso era um
casal normal/ até o marido ler a manchete na internet e/
5 – Aluna 2: Não! Na verdade/ eles já se sentiam incomodados pelo que eu vi ali. Eles sentiam
dificuldade para respirar/
6 - Professora: Sim. Eles estão na condição/estão caracterizados como obesos.
7 – Aluna 3: É. Mas depois que ele leu a matéria que surgiu o incômodo. Então/ o quanto que
as pessoas estão sendo expostas a receber esse tipo de informação que pode impactar a vida dela.
((inaudível)) Como que o gene passa pra criança/ não só em relação à alimentação que a mãe tem durante
os 9 meses. Então acho que esses dois pontos foi o mais perceptível assim/ eu acho/ a questão da
informação e/
8 - Professora: E como é/ o tato da informação. Como você vai passar a informação. É uma
informação que/ que como você falou né/ abala. Ainda mais uma pessoa que está grávida/está planejando
uma gravidez/ abala você ler isso. Então assim + a responsabilidade também de você saber passar
essa informação pensando em todas essas questões/ tanto sociais/ econômicas/ a questão da
oportunidade de ter uma alimentação saudável/ porque se a obesidade aumentou no mundo não foi por
uma escolha/ certo? É/ e o fator emocional/ né. Como você vai atingir as pessoas. O caso mostra
exatamente isso. São duas pessoas que estão obesas. Que se preocupam com isso/ mas não ao ponto de
mudar. Eles querem mudar quando percebem que isso pode afetar o filho ou a filha. Que é um estímulo
também/ né. E aí eu queria saber/
9 - Aluna 2: Mas aí eles já estavam de certa forma desconfortáveis com a situação deles querendo
mudar e não conseguindo. Aí a partir do momento que eles tomaram conhecimento disso/ é/ que poderia
afetar o nascimento da criança. Só que isso surgiu outra questão. Que é a questão da Julia se sentindo
pressionada/ então não resolveu nada.
181
Com base na produção intertextual presente nos turnos desse episódio, podemos
identificar o reconhecimento de valores na divulgação das informações sobre herança
epigenética da obesidade pelos estudantes. O turno 2, proferido por uma aluna grávida, aponta
a sobrecarga na responsabilidade materna presente no texto “A culpa é da sua mãe!”, em que a
mãe é pressionada a fazer dieta e tomar cuidados. Ao mesmo tempo, a aluna aponta para o fato
da herança epigenética poder vir também pelo lado paterno, demonstrando que a
responsabilidade deve vir de ambos. Os turnos do episódio continuam desenvolvendo o tema
da sobrecarga na responsabilidade individual do discurso da epigenética nos textos,
principalmente em relação ao impacto emocional causado por tal abordagem (turno 3, 8, 9 e
12).
Após a mediação da professora no turno 8 sobre os valores presentes no discurso e a
responsabilidade em comunicar o tema considerando questões sociais, econômicas e
emocionais, desenvolve-se, nos turnos seguintes, os efeitos da sobrecarga emocional negativa
na personagem Júlia, como dificultar o alcance de hábitos mais saudáveis, e até distúrbios
psicológicos, como depressão. Esse comentário, presente no turno 13, aponta um fator que não
foi explicitamente abordado na SD, mas que merece um breve comentário: a correlação positiva
entre obesidade e depressão, principalmente entre mulheres (DE WIT et al., 2010). Isso ocorre,
pincipalmente, devido à pressão de padrões de beleza impostos culturalmente ser maior no sexo
feminino (GAVIN; SIMON; LUDMAN, 2010). Dessa forma, sintomas de depressão são mais
prováveis serem consequências do que causas da obesidade, evidenciando o impacto da mídia
no bem-estar emocional e psicológico dos indivíduos (ROSENGREN; LISSNER, 2008). Por
esses motivos, Saguy (2012) afirma que a obesidade é uma questão feminista, além de chamar
atenção para as interseccionalidades com outras formas de opressão, como etnia, classe social
e orientação sexual. Assim, considerando que esse tema pode ser uma inclusão enriquecedora
para discussão, foi adicionado ao caso 1 uma questão orientadora sobre a distinção de gênero
no impacto emocional e psicológico da obesidade: As consequências em relação à sobrecarga
individual da obesidade são iguais para o sexo masculino e feminino? Por quê?.
182
seus hábitos, atitudes e ações. Dessa forma, a aluna conclui que, diferente do determinismo
genético, o discurso do determinismo epigenético pode acarretar uma culpa individual sobre
suas escolhas. Como destacamos no segundo capítulo, essa característica é apontada por
Richardson e colaboradores (2014) em seu artigo Don’t blame the mothers (Não culpem as
mães), como um dos problemas mais comuns no discurso da epigenética.
Ao desenvolver o efeito do discurso dos textos na sobrecarga de responsabilidade e
culpabilização do indivíduo, temos características que cumprem a expectativa de ensino da
referida seção. Podemos considerar que os discentes, ao considerar, nesse episódio, que a
influência do poder na ciência e tecnologia podem gerar consequência negativa para a
sociedade, alcançaram o segundo estágio do Nível 2 (Reconhecimento da influência de
interesses e do poder no desenvolvimento científico e tecnológico) da ferramenta de análise
para alcance do letramento científico crítico.
A partir desses dois episódios, podemos perceber que houve alcance pelos alunos no
reconhecimento de valores nos discursos sobre herança epigenética da obesidade presentes nos
textos lidos, representado pelo alcance do Estágio 2 dos níveis 2 e 3 da ferramenta de análise
sobre letramento científico crítico. Os discentes apontaram e discutiram sobre a sobrecarga na
responsabilidade materna, bem como a culpabilização e os efeitos negativos (emocionais e
psicológicos) de tal abordagem. Ainda foram capazes de relacionar o conceito de ‘determinismo
epigenético’ com a responsabilização – e consequente culpa – no indivíduo e os fatores
socioeconômicos na disponibilidade e no acesso (financeiro e geográfico) de hábitos de vida
saudáveis. Dessa forma, é possível considerar que a expectativa de ensino em questão foi
alcançada através das discussões geradas pela leitura dos textos e das questões do caso 2.
uma maior motivação para o casal agir de forma cooperativa na adoção de mudanças de
comportamento que melhoram a saúde de ambos.
Outro fator importante, presente no turno 8, é a mudança de hábitos não apenas para o
momento da gravidez, mas de forma a alterar o próprio ambiente em que os pais vivem para
proporcionar ao filho estímulos mais saudáveis. Essa característica aparece em outros episódios
e foi analisada no segundo princípio de design, em que reforçou a importância de considerar,
além da herança epigenética, a herança cultural – ou seja, um modelo de herança estendida
(BONDURIANSKY; DAY, 2018) – para uma mudança de hábitos eficaz e duradoura (SEALY,
2010).
De acordo com a ferramenta de análise de alcance do letramento científico crítico,
podemos situar o discurso dos discentes desse episódio no Estágio 2 (Questiona juízos, valores
e decisões próprias e dos outros) do Nível 3 (Capacidade para abordar criticamente
controvérsias, explicitar valores, e para juízo ético). Ou seja, ainda que os discentes
identifiquem e julguem os valores e decisões, não podemos reconhecer, nesse episódio, uma
análise crítica justificada de forma mais profunda (Estágio 3).
Não obstante, podemos afirmar que os alunos se posicionam em prol de valores de
justiça socioambiental e, portanto, alcançaram a expectativa de ensino proposta. Apoiar o
compartilhamento da responsabilidade materna e paterna, mesmo considerando a hipótese das
características de Paulo não serem transmitidas para a próxima geração realça valores de justiça
socioambiental, no caso, referente à equivalência na necessidade de mudanças de hábitos do
casal, seja como uma forma de incentivo e parceria, ou como uma forma de mudança cultural
para proporcionar um ambiente de hábitos saudáveis para o futuro filho.
Para concluir o alcance dessa expectativa de ensino, analisaremos o próximo episódio,
o qual ocorreu na quarta aula enquanto os alunos do grupo 3 discutiam para responder a questão
3 do caso 2, referente às contribuições da herança epigenética da obesidade nas políticas
públicas de prevenção e tratamento da obesidade. Após terem discutido sobre a influência do
lobismo nas decisões políticas, na questão anterior, os alunos retornaram ao assunto, de forma
a considerar tal fator na resposta.
1 – Aluno 14: Pra que as políticas públicas deem certo/ tem que resolver o problema do lobby
na política/ né?
2 – Aluna 13: Sim. E se pensar bem / tipo / não é só o lobby da indústria de alimentos. É de
outras coisas / tipo cigarro/ álcool / e causam um grande impacto social.
3 – Aluno 12: Pois é. Isso sem falar do lobby mais poderoso do país ne/ que é o agronegócio.
Que também atinge o meio ambiente.
4 – Aluna 13: É verdade! Que tem a ver com a questão alimentar também/ né.
5 – Aluna 15: Mas como se resolve o lobby/ gente?
6 – Aluna 13: Não sei. Tem a questão das leis né. Desenvolver leis pra diminuir a influência
do lobby?
7 – Aluno 12: Acho que também podemos pensar no nosso papel como consumidor/ né. Se
pararmos de comprar de empresas que fazem lobby/ pode diminuir o poder delas.
8 – Aluna 15: É. Mas todo mundo teria que fazer isso pra que desse certo.
9 – Aluno 14: Acho que tem a questão individual / e tem nosso papel na sociedade /
pressionando a política pra resolver lá de cima também. Acho que é nossa responsabilidade / nossa
obrigação / como diz / moral/ né.
No turno 1, o aluno 14 afirma que a questão do lobismo na política deve ser levada em
consideração para se discutir as políticas públicas relacionadas à prevenção e tratamento da
obesidade. Com base nisso, a discussão do grupo se amplia, com a aluna 13, no segundo turno,
considerando também o lobismo presente na indústria do tabaco e do álcool, enquanto o aluno
12 cita o agronegócio, caracterizando-o como o lobismo mais influente do país.
Embora não se tenha dados disponíveis para quantificar a magnitude da influência do
lobismo do agronegócio, sua atuação na política com a frente parlamentar da bancada ruralista
é notável nas decisões políticas do país, causando grande impacto socioambiental (BRUNO,
2017). Devido à proximidade dos alunos com os efeitos do agronegócio, a sua utilização como
exemplo para se discutir lobismo foi uma estratégia interessante, já que facilitou a compreensão
sobre as causas e consequências de tal prática na política e na sociedade.
Em seguida, os alunos dialogam para responder a questão de como resolver o lobismo,
proposta pelo aluna 15 no turno 5. Nesse momento, a aluna 13 sugere o desenvolvimento de
leis para diminuir a influência do lobismo no país. Em relação a esse trecho, podemos citar três
propostas de regulamentação do lobismo em tramitação: PL 6132/199053, PL 6928/200254 e PL
53
Dispõe sobre o registro de pessoas fisicas ou juridicas junto as casas do Congresso Nacional, para os fins que
especifica, e da outras providencias. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=21283
54
Cria o Estatuto para o exercício da Democracia Participativa, regulamentando a execução do disposto nos incisos
I, II e III do art. 14 da Constituição Federal. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=56230
188
1.202/200755. Dentre esses três, podemos destacar o último como o projeto mais consistente,
tendo como finalidade ampliar a prestação de contas dos lobistas, limitando sua conduta para
que não haja conflito de interesses, abusos ou atos ilícitos (BRASIL, 2007). Entretanto, é
importante notar que a regulamentação do lobismo não é interesse das grandes indústrias que o
praticam, o que explica a dificuldade de implementar tais leis no país.
De outra forma, o aluno 12 considera o papel do consumidor como fundamental para
diminuir o poder do lobismo, a partir de boicote aos produtos das indústrias, à medida que a
aluna 15 complementa que, para ser eficaz, todos devem participar. Boicote é um método
padrão da desobediência civil e política não-violenta que, quando bem organizado, pode gerar
grandes impactos, motivo pelo qual grandes empresas o levam a sério, mesmo quando uma
pequena parcela é influenciada a participar (CAPUTO, 2008). Para Caputo (2008), o sucesso
do boicote vai além de fatores econômicos, já que o impacto moral da imagem dos produtos da
empresa pode causar consequências mais graves. Para a autora, atualmente, com o uso da
internet, os boicotes podem ser rapidamente organizados e sua repercussão pode atingir níveis
muito maiores do que antigamente, se tornando, portanto, uma aliada ferramenta na pressão
política. Infelizmente, cabe ressaltar que o monopólio da indústria alimentícia dificulta o
sucesso do boicote. Sendo comida um produto essencial para a sobrevivência humana e,
levando-se em conta que a maioria dos produtos alimentares são produzidos por apenas 10
companhias multinacionais, a escolha em boicotar uma empresa pode ser apenas uma ilusão
(TAYLOR, 2017).
Por fim, notamos que o aluno 14, no último turno, conclui considerando a
responsabilidade individual e a responsabilidade social. Para o aluno, a responsabilidade, tanto
individual quanto social, é associada a uma “obrigação moral”, ou seja, a ideia de que temos
responsabilidade ética sobre nossas ações em relação ao que consideramos correto ou errado –
no caso, como consumidores, não financiando as empresas que participam de lobismo e geram
impactos socioambientais, e como cidadãos, pressionando os órgãos públicos e se mobilizando
de alguma forma para mudar a estrutura social. Entretanto, é importante destacar que qualquer
55
Disciplina a atividade de "lobby" e a atuação dos grupos de pressão ou de interesse e assemelhados no âmbito
dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, e dá outras providências. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=353631
189
1 – Aluna 5: Uma questão também é sobre o estilo de vida da pessoa. Nem todo mundo tem
acesso a alimentos saudáveis/ alimentos orgânicos. Ela vai ter acesso àquele alimento
industrializado que é muito mais barato. Uma alimentação fitness/ saudável/ é muito mais cara
que do que uma alimentação fast-food.
2 - Aluna 1: Agora eu tenho uma opinião/ a respeito de nutricionistas e essas coisas/
educação sobre vida saudável/porque de uma certa forma eles acabam aterrorizando as
pessoas/pode ter certeza/você vai num nutricionista/”não eu quero uma dieta só para
reeducação/reeducar meus hábitos alimentares”/a pessoa te passa aspargos e num sei o que é num sei o
que/e você fica “poxa/ eu não tenho dinheiro para comprar isso. E a mídia agora né/agora não/ já
vem a algum tempo/ como você falou: o estilo de vida fit. Mas as pessoas acham que elas estão
obrigadas a seguir exatamente como tá se mostrando ali/ entendeu? E tipo/alimento fit é realmente
muito caro. Pra você ter uma alimentação saudável/ você não precisa comer alimento fit/
entendeu?
3 - Aluna 2: Aqueles biscoitos da Nestlé.
4 - Aluna 1: É. Aqueles biscoitos fit que não é fit.
5 - Aluna 2: Pois é/ porque se você for comparar lá...
6 - Aluna 1: Tem que trazer mais pra um/ como eu posso dizer/ assim/ trazer essa questão da
educação mais pra/ tem que chegar mais nas pessoas de uma forma mais/ de uma forma menos
aterrorizante. E tem que considerar as questões sociais e econômicas pra ter mais inclusão.
7 - Aluna 4: É uma questão econômica/ literalmente/ né.
8 - Aluna 3: É uma questão econômica. Não tem um investimento pra pequeno agricultor.
Para o pequeno...
9 - Aluna 1: Isso. Isso é muito importante.
10 - Aluna 3: ...aquela pessoa que tá vendendo aquela cenoura que colheu do seu quintal/ que é
fitness/ muito mais barato/ então é pouco investimento.
11 - Aluna 3: Por isso que eu acho que influencia pouco no combate à obesidade/ porque
eles não te dizem exatamente que/ aqueles produtos que você encontra no mercado são os melhores
e tão lá/ nas feiras livres são melhores/ são mais baratos/ não tem tanto defensores agrícolas/ não
tem muita coisa. Então eles vão falar que o melhor é aquele morango que veio de longe/ pra você.
E é mais caro.
12 – Aluna 5: Isso é interessante porque/ assim/ além do preço/ tem também a
disponibilidade. Eu/ de uma cidade pequena/ nunca vi nada orgânico a não ser o que vem da feira em
alguns locais. Se você for em supermercado/ não dá pra se dar ao luxo de escolher/ se vai querer um
orgânico ou não. Então/ é uma questão meio impositiva/ já.
13 - Professora: Exatamente. Não é só escolha. É a oportunidade/ também. A oportunidade
de escolha. E isso envolve várias coisas/ questões econômicas/ sociais/ geográficas...
191
56
Disponível em: https://censoagro2017.ibge.gov.br/templates/censo_agro/resultadosagro/index.html
193
Por fim, no turno 13, a professora resume o que foi discutido pelos alunos no episódio,
pondo em destaque as questões que envolvem a existência de oportunidades para que possa
haver escolhas responsáveis e conscientes pelos indivíduos, vinculadas à uma ética e justiça
alimentar (SARAIVA, 2017).
Em relação à ferramenta de análise do alcance do letramento cientifico crítico,
consideramos que os discentes alcançaram o terceiro estágio em relação ao nível 1 (Reconhece
que ciência e tecnologia são, em certa medida, culturalmente determinadas, indicando relações
mútuas entre conhecimentos de CTSA) e ao nível 2 (Reconhece que as atividades científica e
tecnológica ocorrem sob interesses de particulares, para benefícios de alguns, às custas de
outros). Como argumento, temos o reconhecimento dos discentes acerca da influência do
capitalismo na alimentação e na produção de alimentos, a partir da influência nas políticas
públicas, a fim de aumentar o lucro da indústria alimentícia (NESTLE, 2013) e o impacto
emocional nos indivíduos em relação ao acesso a oportunidades de hábitos saudáveis (VINER;
COLE, 2005).
Diferentemente da dinâmica da turma anterior, em que cada grupo leu os textos
separadamente, os discentes da turma 2 sugeriram que a turma toda lesse e discutisse os textos
e o caso 2 para, em seguida, os grupos se separarem e responderem as questões do caso. Essa
dinâmica proporcionou discussões mais amplas e com pontos de vista mais diversos para que
os grupos refletissem posteriormente, no momento de resposta às perguntas dos casos.
Sugerimos, portanto, pela adoção dessa dinâmica em aplicações posteriores. Dito isso, o
episódio a seguir ocorreu após a leitura do texto intitulado “Coca-Cola e Pepsi pagam milhões
para esconder seu vínculo com a obesidade”, o qual relaciona o lobismo das indústrias e sua
influência na política e na produção científica. Como sugestão dos próprios discentes, fizemos
uma dinâmica de leitura e discussão dos textos em conjunto, para posteriormente separar os
grupos para resolução das perguntas do caso 2.
194
A reação dos discentes após a leitura do texto é de nítido desconforto ao perceber, pela
leitura do texto, o tamanho e a abrangência da influência do lobismo das grandes corporações
em nossa sociedade. No turno 2, a aluna 15 relaciona o investimento das indústrias de
refrigerantes em ONGs envolvidas na prevenção e tratamento da obesidade com uma aparente
contradição: “eles causam o problema e financiam a solução”. A partir dessa frase, percebemos
que a aluna critica o fato dessas empresas, ao invés de não causar o problema (no caso, a
obesidade), preferem financiar uma solução com uma parcela ínfima do lucro proveniente do
problema causado.
Nos turnos 3 a 6 podemos perceber, pelas falas dos discentes, o reconhecimento de
interesses por trás da produção científica. Ao se depararem com as informações disponíveis na
matéria sobre o enviesamento dos pesquisadores financiados pelas empresas, a aluna 12 se
questiona sobre a confiabilidade dos artigos científicos (turno 4), a qual é complementada pela
aluna 13 sobre a importância de ler de forma crítica as informações disponíveis,
195
independentemente de sua fonte (turno 5). Por fim, no turno 6, a aluna 12 abarca a parcialidade
presente, não apenas nos dados e nas análises, mas no próprio discurso presente nos veículos
de comunicação. A partir dessas interações discursivas, podemos reconhecer o alcance do
terceiro estágio do nível 2, já que os discentes demonstraram reconhecer que as atividades
científica e tecnológica ocorrem sob interesses de particulares, para benefícios de alguns, às
custas de outros.
Por fim, ressaltamos um tema importante na prevenção e tratamento da obesidade
abordado nos turnos 7 ao 9, pelos alunos 14 e 16: a propaganda infantil. Lobstein e Dibb (2005)
apontam que a quantidade de publicidade na televisão infantil está relacionada diretamente à
prevalência de excesso de peso corporal entre as crianças, sugerindo, portanto, a necessidade
de tomar medidas preventivas para reduzir a exposição das crianças a propaganda de produtos
obesogênicos. Embora não haja lei específica para regulação da propaganda infantil no Brasil,
a interpretação de documentos fundamentais como a Constituição Federal, o Estatuto da
Criança e do Adolescente, a Convenção das ONU sobre os Direitos da Criança, o Código de
Defesa do Consumidor e a Resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e dos
Adolescentes estabelecem a publicidade infantil como ilegal (HENRIQUES, 2010).
O último episódio de ensino a ser analisado para esta expectativa de ensino ocorreu
enquanto a turma discutia sobre a leitura do texto “Apesar de lobby, nutricionistas lutam para
promover alimentação adequada” com os alunos da turma 2, incluindo os grupos 3 e 4. Embora
o tema desenvolvido no episódio não aborde, necessariamente, a questão da obesidade, as
implicações do agronegócio impactam, além da alimentação, fatores sociopolíticos que estão
relacionados com a obesidade e que podem auxiliar na validação da expectativa de ensino.
6 – Aluno 17: Tem uma galera querendo mudar isso aí. Antes de ser aprovada a chapa/ a
‘Refazenda’/ tinha outra chapa concorrendo também/ que era o contrário/ era pra favorecer o
agronegócio/ quer o curso voltado para o agronegócio.
7 – Aluna 13: E/ tipo como falam/ é uma grande quantidade de dinheiro investido. É uma
concorrência desleal.
57
Utilizamos, aqui, a seguinte definição de propaganda: “Modo específico sistemático de persuadir visando
influenciar, com fins ideológicos e políticos, as emoções, atitudes, opiniões ou ações do público alvo através de
símbolos.” (SMITH, 2019, disponível em: https://www.britannica.com/topic/propaganda)
197
demonstrando que, nas últimas eleições de colegiado, havia chapas com interesses em favorecer
a indústria do agronegócio nos cursos da universidade. Por fim, no turno 7, a aluna realça o
domínio econômico e político do agronegócio nas disputas com a agricultura familiar,
apontando a desigualdade na competição entre os dois modelos de produção no país (BRUNO,
2017).
A produção intertextual dos estudantes demonstra uma reflexão crítica acerca do
discurso hegemônico sobre o agronegócio e suas influências políticas. As considerações dos
alunos nesse episódio são muito interessantes e apontam claramente um alcance do terceiro
estágio dos níveis 1 e 2 da ferramenta de análise do alcance do letramento científico crítico:
respectivamente, o reconhecimento que ciência e tecnologia são, em certa medida,
culturalmente determinadas, indicando relações mútuas entre conhecimentos de CTSA; e o
reconhecimento que as atividades científica e tecnológica ocorrem sob interesses de
particulares, para benefícios de alguns, às custas de outros.
Logo, a partir desses três episódios analisados, podemos perceber que, devido ao alcance
de estágios avançados dos níveis 1 e 2 da ferramenta de análise do alcance de letramento
científico, a expectativa de ensino alcançou seu objetivo.
4 – Aluna 3: Mas não é todo mundo que vai conseguir ter esse mesmo acesso pra colocar o
seu produto pra vender ali/ e ainda tem as taxas e os impostos que ele passa a cobrar.
5 - Aluna 2: Gente/ mas fica muito suja a rua com aqueles montes de ambulantes. Tipo/ eu não
sei como tem que ser solucionado/ mas que realmente quando você chega ao final do dia/ é uma sujeira
que não tem tamanho.
6 - Aluna 3: Mas ele não podia colocar um lugar sem cobrar nada?
7 - Aluna 1: Poderia/ porque nosso imposto já pagaria o espaço.
8 - Aluna 3: Sim/ pra que cobrar?
Esse episódio é marcado pelo reconhecimento do fator político como fundamental para
a eficiência das medidas de prevenção e tratamento da obesidade. No turno 1, a professora
questiona os discentes se as medidas discutidas ao longo da aula (principalmente o Decreto nº
8.553/2015, que institui o Pacto Nacional para Alimentação Saudável) são implementados na
sociedade. A aluna 3, no turno 2, logo aponta a falta de aplicação de políticas públicas
relacionadas ao incentivo da agricultura familiar, ao relacionar a forma como a prefeitura da
cidade lida com os comerciantes de alimentos locais. Devido ao fortalecimento, promoção e
comercialização de produtos da produção de agricultura familiar ser uma das diretrizes do Plano
Nacional de Alimentação Saudável (art. 2º, inciso IV), a aluna levanta uma discussão pertinente
sobre a gestão municipal em relação à legislação vigente.
Nos turnos seguintes, ocorre um debate sobre a gestão municipal entre as alunas do
grupo. No turno 3, a aluna 6 argumenta que a medida do prefeito é relacionada à organização
da cidade, e que será aberto um local específico para esses vendedores. A aluna 3 replica,
considerando o custo de se estabelecer nesse novo espaço, em forma de taxas e impostos para
o governo, gerando exclusão dos comerciantes locais e dificultando o acesso a alimentos
saudáveis de agricultura familiar. No turno 5, a aluna 2 realça que, ainda assim, a cidade precisa
de uma intervenção para solucionar a sujeira nos locais com vendedores ambulantes de
alimentos. Nos próximos turnos, as alunas questionam a legitimidade da cobrança pelo local,
considerando que a receita gerada pelos impostos poderia ser utilizada para esse fim, para que
não houvesse necessidade em taxar os comerciantes locais.
Percebemos, mediante este debate, que as alunas utilizam suas experiências cotidianas
para analisar sobre a atuação do governo e compreender que, além da legislação precisar ser
posta em prática, deve-se considerar as questões sociais e econômicas para que as estratégias e
medidas sejam eficazes e inclusivas. O reconhecimento de diferentes interesses, dimensões e
fatores envolvidos em uma QSC é uma competência importante para o alcance do letramento
científico crítico (HODSON, 2004; 2011; CONRADO; NUNES-NETO, 2018). Além disso,
199
esse episódio realça que a utilização de questões relacionadas ao cotidiano dos alunos fomenta
o interesse deles em participar das discussões e, consequentemente, na mobilização dos
conteúdos (HODSON, 2011).
Além disso, a preocupação das alunas em relação à exclusão dos comerciantes sugere o
alcance do terceiro estágio do nível 3 da ferramenta de análise do alcance do letramento
científico crítico, i.e. a capacidade de analisar criticamente contradições e coerência entre
valores e condutas para formular sua própria opinião e juízo moral, justificados de modo
fundamentado. Além da expectativa de ensino em questão, também podemos sugerir o alcance
da expectativa de ensino (b) do terceiro princípio de design: Estimular os discentes a se
posicionarem em prol de valores de justiça socioambiental.
Analisaremos, a seguir, um episódio que ocorreu ao longo da discussão sobre a questão
1 do caso 2, em relação ao papel da política em providenciar igualdade de oportunidades para
se prevenir e tratar a obesidade (o mesmo contexto do episódio anterior).
1 – Aluno 8: A política tem que entrar com ações sociais. E/ sei la/ fazer um projeto com
alimentos que poderiam ser mais baratos pra determinada classe social/ A epigenética não é a
informação que é passada de uma geração pra outra e pra outra? Então/ se o governo dá uma medida
hoje e ela é eficaz pra essa geração/ teoricamente/ se não tiver nenhum outro fator que atrapalhe/
vai passar pras próximas gerações.
2 – Aluna 9: Pronto. Projetos sociais.
3 - Aluno 7: A política também tem um papel importante na divulgação de informações.
Por exemplo/ não sei se vocês já viram na carteira de cigarro tem aqueles avisos. Mas por exemplo/ a
ANVISA/ eles têm uma tabela com produtos com alto nível cancerígeno. E eles colocam o cigarro como
o topo. É categoria A1/ eu acho. Sobre esses produtos que a gente come/ assim/ embutido e tal/ estão
no mesmo nível né. E a gente não sabe disso. Mas por que? Quais são as empresas que fazem esses
produtos? É JBS/ Friboi/ E quem faz a propaganda da Friboi? São políticos que fazem propaganda da
Friboi. É gente grande que tá lá na política. E aí/ não é interessante pra eles.
4 – Aluno 8: Rapaz. É muito doido.
5 – Aluna 9: Então eles preferem omitir isso e continuar ganhando dinheiro do que falar a
verdade e se prejudicar. É muito questão da ambição.
prevenção e tratamento da obesidade, a fim de alcançar estratégias mais inclusivas. Além disso,
é importante notar que o aluno considera o conhecimento adquirido sobre herança epigenética
em relação a essas estratégias e medidas.
Em seguida, no turno 3, o aluno 7 cita a divulgação de informações como uma função
política para que a população possa se conscientizar sobre os danos associados ao consumo de
certos alimentos. O aluno também desenvolve os interesses políticos e econômicos envolvidos
no monopólio da informação, tanto na omissão de informações, como é o caso de alimentos
avaliados como nocivos à saúde, quanto nas propagandas de empresas envolvidas em esquemas
de lobismo, como o caso da empresa JBS S.A. (AZEVEDO, 2019). Em seguida, no turno 5, a
aluna 9 sintetiza a questão, criticando a soberania do lucro capitalista acima das questões éticas
pelo trecho “Então eles preferem omitir isso e continuar ganhando dinheiro do que falar a
verdade e se prejudicar.”
Percebemos, nesse episódio, que os discentes reconheceram a importância de
desenvolver estratégias que considerem fatores socioeconômicos e o reconhecimento de
interesses políticos, a fim de alcançar uma prevenção e tratamento da obesidade mais eficaz e
inclusiva. Logo, a partir das interações do episódio, podemos notar o alcance da expectativa de
ensino proposta através do estágio 3 do nível 3: Analisa criticamente contradições e coerência
entre valores e condutas para formular sua própria opinião e juízo moral, justificados de modo
fundamentado.
Além disso, podemos também sugerir que as interações discursivas do episódio
demonstram um alcance da expectativa de ensino anterior, já que os discentes demonstram
reconhecer, tanto os fatores socioeconômicos envolvidos nas oportunidades e escolhas da
população, quanto os fatores políticos e econômicos envolvidos no lobismo de grandes
empresas na manipulação de informação para a população. Esses comentários apontam para o
estágio 3 do nível 2: reconhecer que as atividades científica e tecnológica ocorrem sob
interesses de particulares, para benefícios de alguns, às custas de outros, encontrando exemplos
na QSC.
O próximo episódio ocorreu no momento de leitura do texto “Apesar de lobby,
nutricionistas lutam para promover alimentação adequada” com os alunos da turma 2, incluindo
ambos os grupos. O episódio se deu momentos antes do episódio 37, analisado para a
expectativa de ensino (a) do quarto princípio.
201
1 – Aluna 13: Teve até uma redação do ENEM que mostrava como que a propaganda
influenciou na obesidade. E tinha uma/ um exemplo que era a propaganda do batom/ se não me engano.
Que dizia assim: “Você só é legal/ você só é feliz/ se você comprar batom”.
2 - Professora: A coca cola/ todo comercial da coca cola é uma/ é vendendo felicidade.
3 – Aluna 19: Do guaraná/ da fanta/
4 – Aluna 13: Então/ essas propagandas + principalmente pra criança. Porque criança tem
aquela coisa de/ aquele desejo que você tem ne
5 – Aluno 14: E outra. É interessante essa questão da propaganda. Aqui. “Rotular as embalagens
dizendo se é transgênico”. Mas tu chega no supermercado/ todos os produtos tem o ‘tezinho’.
Deveria ter uma regra no supermercado/ de equilibrar as vendas/ por exemplo. Não/ você chega no
supermercado/ até o sabão é transgênico.
6 – Aluna 15: Mas assim/ o preço dos produtos orgânicos são bem mais altos. Então pra
eles/ não vale a pena botar/ que eles vão perder.
7 – Aluno 14: Mas aquela discussão da aula de hoje de sociologia. Por que eles são mais
caros? Se a produção é mais barata?
8 – Aluna 15: Porque a produção é menor. Deveria existir um estímulo do governo para
produção orgânica.
em certos produtos, para que o consumidor possa optar por um alimento orgânico. O aluno
aponta, então, a importância de desenvolver leis para equilibrar a oferta entre transgênicos e
orgânicos em mercados, proporcionando oportunidade de escolha para o consumidor. Embora
nos últimos anos tenha crescido a produção de insumos orgânicos devido ao interesse por uma
alimentação mais saudável e um menor impacto ambiental no consumo58, a produção das
principais commodities, como soja e milho, ainda dominam, quase integralmente, o mercado na
forma de transgênicos59.
A aluna 15, no turno seguinte, argumenta que o monopólio da venda de transgênicos
ocorre devido ao preço alto dos produtos orgânicos em comparação aos transgênicos, o qual
diminui sua venda. A partir disso, o aluno 14 levanta uma discussão para o grupo, questionando
o motivo dos orgânicos serem mais caros, se sua produção é menos custosa. Essa informação
possui respaldo, por exemplo, no estudo de Schmitz e Kammer (2006), no qual conferem
vantagem econômica na produção de insumos orgânicos, já que os custos para produzir
transgênicos, como a utilização de produtos industriais como máquinas agrícolas, agrotóxicos
e fertilizantes minerais, é muito alta.
Além disso, a dificuldade em quantificar o custo da produção de transgênicos está,
principalmente, nas chamadas “externalidades”, i.e. os efeitos (na saúde, sociedade, ambiente,
etc.) das atividades de produção e consumo que não se refletem diretamente nos valores
financeiros diretos (DERANI; SCHOLZ, 2017). Na produção de transgênico podemos citar
como externalidades o impacto na saúde proveniente do consumo e contaminação de
transgênicos e agrotóxicos (HILBECK et al., 2015), no ambiente pelo uso de agrotóxicos,
fertilizantes minerais, esgotamento do solo e erosão (JANK; GAUGITSCH, 2001) e em fatores
socioeconômicos, devido aos produtores serem reféns do monopólio das sementes transgênicas
pela Monsanto-Bayer (ROBIN, 2014). Portanto, ao estimar os custos dessas externalidades,
percebemos que o custo da produção de transgênicos é muito mais elevada do que indicam os
cálculos tradicionais – os quais possuem evidentes interesses econômicos para justificar sua
utilização (MARGARIDO; BESKOW, 2001).
58
http://www.agricultura.gov.br/noticias/em-sete-anos-triplica-o-numero-de-produtores-organicos-cadastrados-
no-mapa
59
https://exame.abril.com.br/brasil/20-anos-depois-da-aprovacao-transgenico-se-torna-regra-no-campo/
203
industrializados, com alto teor de açúcar, gorduras e carboidratos, nas gerações futuras terá
uma probabilidade maior de transmitir marcadores genéticas que poderão desenvolver
obesidade, doenças cardiovasculares, etc.”. Portanto, para analisar de forma mais adequada
em aplicações posteriores, consideramos alterar a expectativa de ensino proposta para: Orientar
os discentes a reconhecerem estratégias e medidas de prevenção e tratamento da obesidade
que sejam eficazes e inclusivas, considerando a herança epigenética da obesidade.
1 – Aluna 3: Eu/ como individuo/ não posso fazer nada. Gente/ desculpa/ mas eu sozinha/
você sozinha/ ela sozinha/ ninguém vai poder fazer/
2 – Aluna 8: Mas cada um faz sua parte. É igual você pensar em como consertar o meio
ambiente. Eu faço minha parte.
3 – Aluna 3: Vou fazer minha parte como? Eu não posso obrigar ninguém/
4 – Aluna 8: Mas você pode propagar a informação. Sobre um estilo de vida saudável.
5 – Aluna 3: Por esse lado/ sim.
perceber, pela fala da aluna (“Mas aqui tá falando como individuo, então é o que EU faria para
combater.”), que a questão precisa ser redigida para que os discentes compreendam que nossas
ações individuais não precisam se limitar apenas ao âmbito individual para a resolução do
problema. Assim, adicionamos possibilidades de ações individuais de ações sociopolíticas na
questão, através da seguinte alteração: “Como nós, como indivíduos parte de uma sociedade,
podemos auxiliar na prevenção e tratamento da obesidade, considerando: a) divulgação de
informações; b) participação sociopolítica; c) pressão como consumidor e/ou cidadão; d)
apoio emocional a obesos”.
A ideia de que ações individuais se limitam a mudança de hábitos, entretanto, demonstra
uma limitação dos discentes em compreender que as ações coletivas partem de ações
individuais. Como citado no episódio anterior, as propriedades emergentes para mudança na
estrutura social dependem das ações individuais, ainda que não possam ser reduzidas a essas
(ELDER-VASS, 2010). Podemos perceber isso nos turnos 4 e 5: a aluna 7 sugere uma ação
voltada para pressão política, e a aluna 19 a interrompe, lembrando-a que as ações devem ser
individuais, ou seja, sugerindo que esse tipo de ação não cabe no âmbito individual. A aluna 7
volta a sugerir a pressão política como ação no turno 9, a qual foi incluída na resposta escrita
do grupo.
Um pensamento contrário, mais otimista, também ocorre no episódio: a ideia de que as
ações individuais são suficientes para mudanças sistêmicas. No turno 3, a aluna 19, ao
desenvolver a opção de mudança de hábito individual como uma forma de auxiliar na prevenção
e tratamento da obesidade, conclui que, se mudarmos nossos hábitos, outras pessoas farão o
mesmo, impactando a produção de produtos e, portanto, diminuindo a obesidade. Se por um
lado o discurso da aluna 19 no turno 5 não reconhecia a ligação entre ações no nível macro
(sociais e políticas) e no nível micro (individuais), o discurso da aluna 12 sugere que a ação
individual é suficiente para alcançar as mudanças estruturais necessárias em um nível social e
político – desconsiderando a organização em grupos de pressão política e a rede de interações
necessárias para ampliar o escopo da ação. Embora ambos os tipos de pensamentos sejam
contraditórios, não houve discussão entre as alunas sobre essa discordância, possivelmente pela
pressa em responder a questão. Acreditamos que, com uma primeira aula explorando os
aspectos teóricos do letramento científico crítico e ação sociopolítica, e com a adição da
208
disso, cabe ressaltar que, de acordo com Kline e Mattson (2000), o uso de panfletos para
divulgação científica é controverso quanto à sua eficácia em transmitir a informação pretendida.
A primeira versão do panfleto produzido continha uma breve frase para cativar o leitor
em sua primeira página e, por dentro, informações conceituais sobre marcações epigenéticas,
uma breve informação sobre obesidade no mundo, uma frase apontando a possibilidade de
transmissão para gerações futuras e, por fim, um alerta para a importância da alimentação
saudável e disponibilizando um site para mais informações. Essa primeira versão continha erros
conceituais sobre epigenética, discursos de alterização de pessoas obesas, uma visão
determinista sobre herança epigenética, erros de gramática e ortografia, ausência do site
proposto e estrutura desorganizada do folheto (de forma que, após a impressão e o dobramento,
a ordem esperada não seria alcançada).
Após as críticas em relação à primeira versão, pouco foi alterado pelo grupo, com
refinamento apenas nos problemas mais graves, demonstrando o baixo empenho dos discentes
em produzir o material. Os discentes desenvolveram um modelo para o site proposto, composto
de cinco abas: “Mas o que é essa tal de epigenética?”, em que ocorre um rápido resumo sobre
o campo da epigenética e seus mecanismos; “Breve histórico”, em que explora os diferentes
cientistas a trabalhar com epigenética na história da ciência; “Políticas públicas”, apresentando
um resumo da lei 8.080/9060, sobre condições para a promoção, proteção e recuperação da
saúde; “Está na hora de mudar seu hábito!”, com sugestões e dicas de hábitos saudáveis; e
“Fique ligado!”, explicando sobre epigenética e obesidade. Embora possua informações
referenciadas, indicando que o grupo pesquisou o conteúdo, a versão produzida do site é bem
resumida, com apenas uma página por aba proposta, sem considerar a página inicial, o design
ou imagens para estímulo visual, indicando também que o grupo não dispendeu tempo
suficiente para produzir uma versão viável e aplicável do material.
Após esse primeiro refinamento do material pelo grupo, foi mandado novamente o
material com uma nova revisão pela professora. Entretanto, o grupo não realizou um novo
refinamento do material. O grupo se explicou por e-mail com a professora sobre a dificuldade
em investir tempo na produção do material devido às provas das outras disciplinas ao final do
60
Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento
dos serviços correspondentes e dá outras providências.
211
De acordo com a análise sobre as capacidades assertivas da ação sociopolítica dos dois
grupos (Quadros 12 e 13), podemos identificar que, no que se refere à apresentação geral da
216
aplicação. Por outro lado, a proposta do grupo 1 possui uma viabilidade pela sua simplicidade,
entretanto seu material se mostrou incompleto para aplicação, além de não incluir descrição
sobre sua aplicação ou informações sobre o contexto, como objetivo e público-alvo. O momento
de planejamento é fundamental e organizar bem as etapas pode promover uma ação melhor
direcionada, principalmente em um contexto onde muitos discentes estão iniciando seu contato
com a prática de ação sociopolítica (BENCZE et al., 2018).
Pelo fato da SD abordar temas inéditos para muitos discentes e exigir um nível de
envolvimento (nas dimensões conceituais, procedimentais e atitudinais) ao qual não estão
acostumados, é esperado que nem todas as atividades orientadas por QSC sejam bem-sucedidas
na promoção, no desenvolvimento e na manutenção de posturas ativistas (HODSON, 2018;
MARQUES; REIS, 2018; PAIVA, 2019). Dessa forma, consideramos importante que a
promoção do letramento científico crítico não se limite e uma SD, mas permeie o currículo a
fim de estimular constantemente o envolvimento com ações sociopolíticas (HODSON, 2011;
FREIRE, 2017).
Um segundo motivo que pode ter influenciado o alcance do quarto nível de letramento
científico crítico foi a alteração da SD, o qual diminuiu o tempo disponível para discutir as
propostas de ações sociopolíticas, e o distanciamento da professora colaboradora por motivos
pessoais ao final da SD, o qual dificultou o contato direto com os estudantes, limitando o
acompanhamento do desenvolvimento das ações sociopolíticas ao ambiente virtual. Por fim,
embora a metodologia utilizada seja importante para analisar de forma adequada os efeitos da
SD em relação ao alcance do letramento científico crítico, realçamos sua limitação em analisar
os efeitos a longo prazo que podem ser estimulados nos estudantes, principalmente em relação
ao seu envolvimento em ações sociopolíticas no futuro.
Considerando esses aspectos, podemos concluir que, para uma primeira abordagem
desse tipo de atividade, os resultados obtidos são interessantes e sua análise pode auxiliar em
abordagens mais eficazes do tema. Além disso, de acordo com Marques e Reis (2018), os erros
experimentados pelos discentes no processo de desenvolvimento da ação sociopolítica podem
ser oportunidades de melhorar seu desempenho futuro, antecipando possíveis equívocos no
processo de planejamento dessas ações.
218
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente tese teve como objetivo investigar quais características uma SD sobre
herança epigenética da obesidade possuem o potencial de promover a superação de uma visão
genecêntrica e letramento científico critico no contexto de formação de professores de Biologia.
A partir da estrutura teórico-metodológica proporcionada pela pesquisa em design educacional,
planejamos, desenvolvemos e avaliamos uma SD envolvendo a QSC de “herança epigenética
da obesidade”, a partir do uso de casos, questões orientadoras e objetivos CPA de
aprendizagem, organizados com base na estratégia das cinco fases. Essa avaliação se deu pela
validação por pares da SD e da validação por amostra dos cinco princípios de design que
orientaram seu desenvolvimento, por meio de sua aplicação em sala de aula.
No primeiro capítulo demonstramos, a partir da análise da literatura sobre a interação
entre gene e ambiente e o conceito de herança biológica, a importância de abordar o campo da
epigenética na formação de professores de biologia a fim de alcançar um ensino que supere o
genecentrismo. Levando-se em conta que a visão genecêntrica ainda domina o ensino de
Biologia, e que suas implicações podem gerar ideias equivocadas cientificamente e perigosas
sociopoliticamente (LEWONTIN, 2000), consideramos importante abordar a epigenética de
forma a superar a ideia de que os fenômenos biológicos podem ser explicados satisfatoriamente
pelos fatores genéticos. Dessa forma, atestamos e defendemos a importância de repensarmos e
propormos inovações para o currículo de Biologia e a formação de professores de forma a
superar a dicotomia entre a natureza e a cultura, reconhecendo as interações complexas entre
gene e ambiente, para alcançar uma compreensão além do determinismo genético e da herança
de fatores exclusivamente genéticos.
Reconhecendo a importância de um ensino voltado para a formação de cidadãos
socioambientalmente responsáveis, no segundo capítulo examinamos teoricamente o potencial
da QSC de herança epigenética da obesidade em promover o letramento científico crítico,
abordando as relações CTSA envolvidas no tema, os interesses e valores dos atores sociais
envolvidos, as controvérsias, e as medidas voltadas para uma maior justiça socioambiental.
Considerando seu aumento vertiginoso nas últimas décadas, chegou-se à conclusão de que a
obesidade é um tema de extrema relevância na sociedade atual, mobilizando aspectos sociais,
políticos, econômicos, culturais, ambientais, éticos e emocionais para sua resolução. Através
220
de uma extensa investigação do tema e de sua relação com o campo da epigenética, foram
propostas características substantivas e procedimentais que poderiam ser providas a uma SD
sobre obesidade para promover letramento científico crítico e a superação de visão reducionista.
A partir dessa investigação teórica, da proposição dessas características e de objetivos
educacionais – esses em diálogo também com o saber docente da professora colaboradora –
foram elaborados princípios de design, que orientaram o desenvolvimento de um protótipo de
intervenção educacional para aplicação no contexto do ensino de Genética Básica, em cursos
de formação de professores de Biologia.
Por fim, procedeu-se a validação, tanto da SD, realizada por pares, quanto dos princípios
de design, realizada através da aplicação da SD em sala de aula. A partir da discussão das
análises referentes à validação por pares realizadas pelo questionário de avaliação da SD, e da
análise do alcance das expectativas por meio da análise discursiva dos episódios de ensino dos
episódios de ensino ocorridos em sala de aula e dos materiais desenvolvidos pelos alunos,
realizamos o refinamento, tanto da SD, quanto dos princípios de design. Devido a problemas
logísticos no decorrer da pesquisa, a SD foi aplicada sem o refinamento proveniente da
validação por pares sendo, portanto, a análise das duas validações realizadas conjuntamente.
Em relação à validação por pares da SD, identificamos a concordância, em sua maioria,
das ações didáticas aos objetivos de ensino, enquanto a concordância entre as ações didáticas e
os objetivos CPA de aprendizagem foram apenas parcialmente atendidas, os quais foram
refinados para melhor atender aos objetivos de ensino. Após as sugestões e críticas provenientes
da validação por pares da SD, refinamos os objetivos CPA de aprendizagem, a estrutura da SD
e os casos. Essas alterações foram realizadas para: adequar os objetivos às ações didáticas;
explicitar o ensino dos referenciais teóricos de ensino; otimizar o tempo para as atividades em
sala de aula; e tornar os casos mais controversos. A validação por pares foi essencial para
reconhecer as qualidades e limitações da SD desenvolvida e, através das alterações sugeridas,
refinar o material para o próximo protótipo.
No que se refere à validação dos princípios de design em sala de aula, temos como
principais resultados em relação às expectativas de ensino referentes a cada um dos princípios:
Em relação ao primeiro princípio de design, a primeira expectativa de ensino, acerca da
articulação da epigenética na relação entre genótipo, fenótipo e ambiente, foi relativamente
alcançada mediante discussões acerca do desenvolvimento do vício, em que a maioria dos
221
em sala de aula através de discussões sobre as opressões presentes nos discursos empregados e
a relação de empatia com os personagens dos casos foram de grande importância para os
discentes: identificaram os valores envolvidos nos discursos das matérias sobre sobrecarga de
responsabilidade individual e suas consequências; compreenderam a importância em considerar
valores de justiça socioambiental no discurso para comunicar o tema de forma a não causar
opressões, considerando as questões sociais, econômicas, políticas e emocionais envolvidas; e
relacionaram o conceito de ‘determinismo epigenético’ com a responsabilização – e
consequente culpa – no indivíduo. Além disso, de forma a incentivar a discussão entre os
discentes sobre a distinção de gênero nas implicações da obesidade, foi adicionado ao caso 1
uma abordagem que considere a sobrecarga emocional e psicológica do peso corporal na
personagem Júlia. Acreditamos que a inclusão da relação do feminismo com a obesidade possa
enriquecer os temas desenvolvidos na SD e estimular o engajamento dos discentes.
Em relação à segunda expectativa de ensino, relacionada ao posicionamento dos
discentes em prol de valores de justiça socioambiental, identificamos as seguintes
características que sugerem seu alcance: o posicionamento dos discentes pautados em valores
de igualdade e empatia, a partir do compartilhamento de responsabilidade do pai com a mãe; o
reconhecimento dos valores envolvidos no lobismo e nossa responsabilidade moral de nos
posicionarmos em relação ao tema; e a consideração ética sobre nossas ações individuais e
coletivas. Considerando a importância do tema do agronegócio na mobilização das
características referentes à essa expectativa de ensino, incluímos uma nova questão orientadora
para investigar, com os alunos, outros exemplos de lobismo e suas consequências para a
sociedade e o ambiente.
A primeira expectativa de ensino do quarto princípio de design, relacionada a favorecer
a análise do contexto histórico e de aspectos ideológicos, culturais, políticos, sociais, éticos e
emocionais que influenciam a obesidade em nossa sociedade, foi alcançada através de
discussões em sala de aula, onde os discentes demonstraram reconhecimento: das influências
socioeconômicas e geográficas no acesso a alimentos; do impacto emocional e psicológico em
discursos relacionados às dietas “saudáveis”; da influência da propaganda na comercialização
de produtos industrializados como se fossem saudáveis; de propostas políticas para aumentar o
acesso a alimentos saudáveis de maneira justa; e da abrangência da influência das corporações
223
que, com essas alterações, os alunos compreendam melhor as questões relacionadas à ação
sociopolítica, e alcancem o quarto nível de letramento científico.
É importante considerar que a abordagem de temas e metodologias inéditas para os
discentes exigem um nível de envolvimento, ao qual não costumam estar acostumados.
Portanto, é esperado que as atividades orientadas por QSC não tenham o alcance planejado,
principalmente no alcance da quarta fase do letramento científico crítico, já que esta necessita
de uma abordagem curricular de longo prazo, e dificilmente será alcançada em poucos
encontros.
Consideramos que os resultados desta tese reforçam a utilização do modelo de
abordagem de QSC em sala de aula proposto por Conrado (2017) para a promoção do
letramento científico crítico, a partir da utilização de casos, questões orientadoras e objetivos
CPA de aprendizagem, estruturada com base na estratégia de cinco fases. Ao longo da SD foi
possível mobilizar, de forma progressiva, as relações CTSA do tema, os valores e interesses
envolvidos, o debate e posicionamento crítico e a participação sociopolítica. Além das razões
teóricas apontadas no início do estudo, esta investigação produziu evidências empíricas que
contribuem para corroborar: o potencial do campo da epigenética para a superação de um ensino
de genética reducionista, considerando a complexa relação entre gene e ambiente, e a herança
de fatores não genéticos; e o potencial do uso de uma QSC sobre herança epigenética da
obesidade para o alcance de letramento científico crítico.
Além disso, ressaltamos que o trabalho colaborativo em conjunto com a professora da
disciplina foi de suma importância para elaborar os princípios de design, o protótipo da SD e a
análise dos resultados. Dessa forma, reafirmamos a necessidade desse tipo de parceria com os
atores envolvidos nos próprios processos de mudanças nos contextos pedagógicos, buscando a
adequação das características do produto educacional com os saberes teóricos e com os saberes
docentes (DESGAGNÉ, 2007; BARBOSA; OLIVEIRA, 2015; PAIVA et al., 2019).
Entretanto, é importante reconhecer as limitações e dificuldades em alcançar os
objetivos propostos na aplicação da SD, contextualizada em um currículo que não estimula a
formação crítica ou até contradiz muitas de seus posicionamentos científicos. Logo, esperamos
que as reflexões provenientes desta pesquisa sirvam como base para, não apenas implementar
o campo da epigenética no ensino, mas repensar o próprio currículo de Biologia como um todo,
seja no Ensino Superior ou no Ensino Básico. Defendemos, portanto, um ensino de Biologia
225
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YOUNG, M. J. et al. Deity and destiny: patterns of fatalistic thinking in christian and hindu
cultures. Journal of Cross-Cultural Psychology, v. 42, n. 6, p. 1030-1053, 2011.
APÊNDICE A
Projeto: Herança epigenética da obesidade no Ensino Superior: promovendo um letramento científico crítico através do ensino de uma herança
estendida
Doutorando: Bruno Barros Althoff
Orientadores: Claudia de Alencar Serra e Sepúlveda e Charbel Niño El-Hani
Professora colaboradora: Susie Vieira de Oliveira
Disciplina: Genética Básica - Licenciatura
Prezada/o docente, estamos te convidando para realizar uma avaliação de uma Sequência Didática (SD) tendo como base teórica um modelo
de educação Ciência Tecnologia e Sociedade (CTS) centrado na resolução de questões sociocientíficas (QSC). Essa SD está vinculada a uma
pesquisa de doutorado cujo objetivo principal é desenvolver, por meio de um trabalho colaborativo situado em sala de aula, princípios de
planejamento de uma SD sobre herança epigenética da obesidade, que tenham o potencial de mobilizar as dimensões conceitual, procedimental e
atitudinal dos conteúdos, com o propósito de desenvolver capacidades de posicionamento crítico sobre ações sociopolíticas e uma compreensão do
conceito de herança biológica que abranja o campo da epigenética, por discentes do Ensino Superior. Confiamos em sua colaboração como meio
de validação de nosso material.
Para validar essa SD, você deve ler as ações didáticas previstas para cada aula e analisar se elas estão de acordo com as questões orientadoras
associadas aos objetivos de aprendizagem, escolhendo apenas uma opção da coluna de análise. Será de grande importância a inclusão de
justificativas e/ou sugestões para esta validação. A análise está organizada a partir de objetivos de ensino e objetivos de aprendizagem, sendo eles:
conceituais (relacionada a um campo epistemológico e pode ser compreendida por três categorias: fatos, conceitos e princípios científicos);
procedimentais (relativa a um campo metodológico e compreendida a partir de três categorias: técnicas, procedimentos e métodos); e atitudinais
(relacionada a um campo axiológico ético-político e compreendida a partir de três categorias: valores, normas e atitudes).
264
Comentários gerais
(Você poderá comentar sobre qualquer aspecto da SD)
271
Objetivos de aprendizagem
Conceituais
1. Relacionar e definir o conceito de herança biológica com os diferentes tipos de transmissão de características.
2. Definir conceitos de obesidade e sobrepeso, diferenciando-os e analisando sua validez.
3. Compreender o uso de Questões Sociocientíficas (QSC) no ensino com objetivo de associar relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade
(CTS) a fim de alcançar um letramento científico crítico.
4. Identificar os mecanismos epigenéticos, tais como metilação de bases nitrogenadas e modificação de histonas, e relacionar a influência do
ambiente na expressão genética, bem como sua possível herança.
5. Identificar relações de interesse por trás das medidas de prevenção e tratamento da obesidade.
6. Reconhecer os potenciais e estratégias para a promoção de ação sociopolítica no ensino.
7. Relacionar as medidas políticas de prevenção e tratamento da obesidade com as informações provenientes da epigenética, e avaliar se são
suficientes para mitigar a taxa de obesidade no país.
8. Refletir sobre o papel da mídia na recontextualização da informação científica e seu impacto social e político.
Procedimentais
1. Expor concepções e conhecimentos prévios sobre herança biológica.
2. Pesquisar e analisar matérias e documentos sobre o assunto e relacionar com as questões levantadas em sala de aula.
3. Discutir e deliberar em grupo sobre as questões apresentadas e se posicionar em relação às controvérsias e discussões em sala de aula.
4. Identificar e avaliar interesses e valores nos discursos, legislação e ações em relação à prevenção e tratamento da obesidade.
5. Relacionar a sobrecarga da responsabilidade individual em questões complexas como a culpabilidade e a estigmatização do indivíduo.
6. Investigar as medidas políticas de prevenção e tratamento da obesidade do país e relacionar com os conhecimentos adquiridos ao longo da
sequência didática.
7. Propor e desenvolver ações sociopolíticas, em grupo, visando considerar a herança epigenética como fator influente na prevenção e
tratamento da obesidade.
8. Sintetizar e apresentar a proposta do grupo à turma, considerando críticas e sugestões dos outros discentes.
9. Avaliar e contribuir com críticas e sugestões as propostas apresentadas em sala de aula.
Atitudinais
272
1. Colaborar com a turma para elaboração de um conceito de herança que abarque os diferentes tipos de transmissão de características.
2. Trabalhar em equipe e respeitar os diferentes pontos de vista, sabendo dialogar de forma argumentativa a fim de compreender as razões
que os fundamentam, e estabelecer pontos de consenso ou coexistência.
3. Colaborar na troca de conhecimentos entre os grupos nas discussões.
4. Respeitar normas estabelecidas nas discussões realizadas em sala de aula.
5. Mostrar interesse pela execução das tarefas em sala de aula.
6. Demonstrar responsabilidade em cumprimento de prazos e tarefas.
7. Envolver-se em diálogos e discussões com o grupo e a turma, sabendo ouvir e contribuir de forma respeitosa
8. Se posicionar criticamente em relação às políticas de prevenção e tratamento da obesidade e suas causas e consequências sociopolíticas,
pautando-se em valores de justiça social.
9. Apropriar-se da discussão da herança epigenética na prevenção e tratamento da obesidade através de uma ação sociopolítica, mobilizando
as diversas questões que envolvem o tema.
Casos da QSC:
Caso 1
Julia e Paulo estão obesos e planejam a sua primeira gravidez. Os hábitos do casal não poderiam ser chamados de saudáveis, já que ambos
comem refeições diárias baseadas em produtos ultraprocessados, como nuggets, batata frita congelada, refrigerante, pratos prontos congelados,
além de eventuais refeições em redes de fast food. Em relação a exercícios, o máximo que andam diariamente é o caminho até o carro para ir
trabalhar.
Os dois já sofrem dos problemas relacionados à obesidade, como fadiga e dificuldade para se locomover e para respirar. Se sentem
desconfortáveis por estarem acima do peso e já terem que lidar com esses problemas de saúde, mas não conseguem mudar seus hábitos. Todas as
vezes que tentaram, acabaram retornando ao seu estilo de vida e ao peso que estavam antes.
Tudo mudou quando o casal se deparou com uma matéria na internet sobre uma tal de herança epigenética. Nessa matéria, pesquisadores
da UERJ comentam sobre seus estudos em que a obesidade de ratos foram transmitidas para a geração seguinte. Com essa preocupação em mente,
os dois começaram a buscar mais informações sobre o assunto. A partir das informações encontradas, Paulo alertou Julia sobre os efeitos desses
estudos, dizendo que, pelo efeito materno ser mais evidente, ela deveria mudar seus hábitos urgentemente para engravidar. Julia ficou indignada
com a pressão de Paulo sobre ela, mas preferiu pedir opinião de especialistas para saber como proceder em relação à sua gravidez.
273
Levando-se em conta o desejo do casal de ter filhos e as informações disponíveis sobre a herança epigenética da obesidade, discuta em grupo
e responda:
1. Você concorda com a posição de Paulo em pressionar Julia a mudar seus hábitos urgentemente por causa da gravidez? Por quê?
2. Você acha que a herança epigenética deveria ser levada em consideração no planejamento da gravidez do casal, mesmo consistindo em
adiá-la?
3. Quais sugestões e conselhos você daria ao casal para que eles possam diminuir o risco de transmitir as consequências de seus hábitos a seus
filhos?
Anexos:
Obesidade cresce 60% em 10 anos, diz pesquisa do Ministério da Saúde
http://www.atribuna.com.br/noticias/noticias-detalhe/saude/obesidade-cresce-60-em-10-anos-diz-pesquisa-do-ministerio-da-
saude/?cHash=c10ff0f974f3c65ece458af41781db4c
Uerj pesquisa influência da atividade física das mães na obesidade dos filhos
http://agenciabrasil.ebc.com.br/pesquisa-e-inovacao/noticia/2017-07/uerj-pesquisa-influencia-da-atividade-fisica-das-maes-na
Você sabe o que é epigenética? Se está tentando engravidar, conheça!
http://paisefilhos.uol.com.br/quero-engravidar/voce-sabe-o-que-e-epigenetica-se-esta-tentando-engravidar-conheca/
Epigenética da obesidade
http://www.ageracaociencia.com/2016/04/19/epigenetica-da-obesidade/
A culpa é da sua mãe!
https://saude.abril.com.br/blog/cientistas-explicam/a-culpa-e-da-sua-mae/
A obesidade que herdamos de papai
https://brasil.elpais.com/brasil/2015/12/04/ciencia/1449230152_839672.html
Questões orientadoras:
1. Por que a obesidade é tratada como problema de saúde pública?
2. O que você entende por epigenética?
3. A preocupação de Julia ao ler as matérias é justificada? Por quê?
4. Você concorda com a pressão de Paulo para que Julia mude seus hábitos? Por quê?
5. Quais consequências a sobrecarga na responsabilidade individual pode acarretar nos indivíduos com obesidade ou sobrepeso?
274
6. Quais sugestões vocês dariam ao casal para que possam diminuir os riscos de transmitir a tendência à obesidade a seus filhos?
Caso 2
Após o casal conversar entre si sobre as questões envolvendo a herança epigenética da obesidade, Julia e Paulo resolveram mudar seus
hábitos juntos, além de adiar os planos de engravidar por um tempo, até estarem mais saudáveis. O casal buscou ajuda de profissionais
especializados em perda de peso e começaram a fazer exercícios diários e mudaram sua alimentação: trocaram os produtos ultraprocessados por
produtos naturais, o refrigerante por água, o prato pronto congelado por refeições feitas na hora com produtos in natura, além de iniciar uma dieta
controlada. Ainda que tenha sido uma transição difícil, em poucos meses já começaram a sentir diferenças.
Em dois anos, o casal estava saindo da condição de obesos para sobrepeso, e seus resultados de hemograma e de testes de aptidão física
monstravam pessoas muito mais saudáveis. Após se acostumarem com os novos hábitos, Julia e Paulo perceberam como havia sido difícil resistir
a um estilo de vida sedentário com alimentos industrializados. Pensavam nos seus outros colegas que não conseguiam sair da obesidade por sua
classe social não providenciar as mesmas oportunidades. Muitos não tinham dinheiro ou tempo para investir em uma alimentação saudável ou
exercícios, seja pela renda disponível ou pelo local de moradia. Sem essas oportunidades, qual poder de escolha teriam?
Levando em conta que a obesidade é uma questão de saúde pública, Julia e Paulo investigaram quais as medidas do governo para a prevenção
e tratamento da obesidade. Ainda que as medidas do governo brasileiro tenham sido referência na prevenção e tratamento da obesidade no mundo,
chamou a atenção dos dois a influência das indústrias alimentícias nas propostas do governo (lobby). As mesmas que contribuem para a obesidade
através de seus produtos. Como é possível resolver o problema da obesidade, pensou eles, se enquanto educamos as pessoas para seus hábitos, o
país estimula o consumo de produtos menos saudáveis?
A partir disso, refletiram também sobre o papel da herança epigenética nesse ciclo de obesidade. Será que o aumento drástico da taxa de
obesidade teria relação com a transmissão de características dos pais relacionadas a hábitos de vida pouco saudáveis? E, mais importante, como a
herança epigenética pode ser usada para auxiliar na prevenção e tratamento da obesidade?
Diante de tantas questões complexas envolvendo as medidas de política pública de prevenção e tratamento da obesidade, imagine que o
casal Julia e Paulo pedem seu auxílio para responder as seguintes questões:
1. Como questões socioeconômicas influenciam na prevenção e tratamento da obesidade? Qual é o papel da política em providenciar igualdade
de oportunidades para prevenir e tratar a obesidade?
2. De que forma o lobby das indústrias alimentícias influenciam a política e, consequentemente, as medidas de prevenção e tratamento da
obesidade do país?
275
3. De que forma considerar a herança epigenética nas políticas públicas pode trazer contribuições para a prevenção e tratamento da obesidade?
Elabore um exemplo.
4. Como nós, como indivíduos, podemos auxiliar na prevenção e tratamento da obesidade?
Anexos:
Campanha Brasil Saudável e Sustentável
http://mds.gov.br/assuntos/seguranca-alimentar/caisan/campanha-brasil-saudavel-e-sustentavel
Pacto Nacional para Alimentação Saudável
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8553.htm
Deserto Alimentar – Comida saudável mesmo é comida de verdade. Mas quem tem acesso a ela?
https://tab.uol.com.br/deserto-comida#deserto-alimentar
Apesar de lobby, nutricionistas lutam para promover alimentação adequada
https://www.cartacapital.com.br/saude/apesar-de-lobby-nutricionistas-lutam-para-promover-alimentacao-adequada
Coca-Cola e Pepsi pagam milhões para esconder seu vínculo com a obesidade
https://brasil.elpais.com/brasil/2016/10/07/ciencia/1475858935_672186.html
Enquanto brasileiros engordam, empresas faturam mais
http://economia.estadao.com.br/blogs/radar-economico/hoje-obesos-os-pobres-engordam-o-lucro-das-empresas/
Questões orientadoras:
1. A responsabilidade individual é suficiente para a prevenção e tratamento da obesidade? Quais outros fatores devem ser levados em
consideração?
2. Quais as medidas de política pública que são colocadas em prática no Brasil para a prevenção e tratamento da obesidade?
3. Essas medidas são suficientes para providenciar oportunidades de mudança de hábitos a todos que a buscarem?
4. Essas medidas se concentram mais em responsabilidade individual ou sociopolíticas?
5. Quais interesses impedem que as medidas sociopolíticas sejam colocadas em prática?
6. O que é lobby e quais as consequências políticas e sociais envolvidas nele?
7. Qual a importância de levar em consideração a herança epigenética da obesidade na elaboração de medidas políticas para sua prevenção e
tratamento?
276
8. Quais fatores sociais podem influenciar o acesso às oportunidades de mudança para hábitos mais saudáveis? Reflita tanto sobre o papel do
acesso à informação, quanto ao acesso de bens públicos e privados.
Caso 3
Meses depois, enfim, Julia recebeu a notícia de que estava grávida. Após uma luta árdua contra a obesidade, o casal conseguiu manter
hábitos saudáveis – os quais agora já faziam parte de seu cotidiano. Estavam felizes em saber que seu filho nasceria em um ambiente preocupado
com uma alimentação saudável, com disponibilidade de produtos naturais, não industrializados, com pouca concentração de açúcar e outros
ingredientes prejudiciais.
Ainda assim, percebiam que o motivo pelo qual lutaram tanto para manter hábitos saudáveis - a herança epigenética - ainda era ignorada
como um fator envolvido na prevenção e tratamento da obesidade. Imaginavam que, se as consequências dos hábitos dos pais pudessem ser
herdadas biologicamente, isso devia ser considerado na elaboração de medidas de políticas públicas. Pior, percebiam que as poucas matérias que
encontravam, apontavam os pais como culpados, sobrecarregando a responsabilidade individual, sem considerar todas as outras causas envolvidas
na questão da obesidade.
Preocupados com o uso da epigenética para reforçar a estigmatização de pessoas acima do peso e desviar a responsabilidade do governo
para a prevenção e tratamento da obesidade, Julia e Paulo resolveram fazer sua parte. De forma contrária, visavam divulgar a herança da epigenética
de forma mais crítica, a fim de compreender como desigualdades sociais e outros fatores podem contribuir para focar políticas públicas, a fim de
resolver o problema. Entretanto, não sabiam por onde começar.
Imagine que Julia e Paulo pediram sua ajuda para elaborar ações que considerem a herança epigenética na prevenção e tratamento da
obesidade de forma crítica:
1. Construa e desenvolva, em grupo, um projeto para uma ação sociopolítica envolvendo o tema, apontando o tipo de ação sociopolítica
escolhida, seu objetivo, seu público alvo, bem como uma breve descrição de sua aplicação.
2. Após apresentação de seu projeto para turma, desenvolva-o em grupo e envie para o(a) professor(a) na data estabelecida.
Questões orientadoras:
1. Por que a herança epigenética é pouco conhecida?
2. Diversas matérias de divulgação da herança epigenética vem responsabilizando o indivíduo. Quais consequências esse tipo de
posicionamento pode acarretar?
3. Como a herança epigenética se relaciona com os fatores sociais e políticos envolvidos na obesidade?
277
APÊNDICE B
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Você está sendo convidado(a) pela professora e pesquisadora responsável Susie Vieira de
Oliveira da Universidade Estadual de Feira de Santana-UEFS, a participar de uma pesquisa de
caráter didático-pedagógico intitulada: Investigação de inovações educacionais em ensino de
evolução e genética com abordagem Ciência/Tecnologia /Sociedade. Também participarão
outros pesquisadores e discentes da UEFS e professores da sua escola. O objetivo é o
desenvolvimento de estratégias didáticas para o ensino de evolução e genética, que possam
gerar melhor compreensão desses conteúdos e contribuir para a construção de uma postura
crítica da ciência e o desenvolvimento de habilidades pelos alunos, na tomada de decisões
socialmente responsáveis, na resolução de problemas sócio científicos. Esclarecemos que todas
as etapas desta pesquisa serão realizadas em sua sala de aula, nos horários da matéria Biologia,
sob o comando do Professor responsável. A pesquisa envolverá aplicação de questionários pré
e pós teste), experimentos em laboratórios e gravação em vídeo/fotografia das aulas, se você
concordar, focalizando a participação dos discentes seja em momentos de discussão coletiva e
de ‘exposição interativa’ por parte da professora, e também nos momentos de trabalhos em
pequenos grupos. Estas atividades farão parte das próprias atividades realizadas em sala de aula
e, portanto, não representarão trabalho extra para você. Caso você tenha interesse, poderá
acompanhar os experimentos, mesmo fora do seu horário de aula. Todos os registros serão
usados apenas nesta pesquisa e ficarão arquivados no Núcleo de Estudos Integrados em
Genética e Evolução (LOCUS), da UEFS, Módulo I, sala MT16, sob minha responsabilidade e
após cinco anos serão destruídos. Não serão, portanto, utilizados para avaliação de condutas
dos alunos nem para público externo ou interno. Seu nome não será citado, nem qualquer dado
que possa lhe identificar. Você não terá nenhum benefício direto, mas sua participação poderá
contribuir para a sua atividade como futuro profissional. Não existirão despesas ou
compensações pessoais em qualquer fase do estudo. Também não haverá nenhum tipo de
compensação financeira ou atribuição de notas e/ou conceitos durante a realização do trabalho.
A pesquisa iniciará somente com o seu pleno consentimento. Mas se você tiver menos de 18
anos, mesmo aceitando, só poderá participar se seus pais ou responsáveis permitirem. Os
resultados da pesquisa serão apresentados publicamente de diferentes formas (monografias, em
eventos científicos, artigos publicados em revistas científicas especializadas) para o
conhecimento da comunidade acadêmica e para você. Sua participação na pesquisa poderá
279
trazer riscos (emocionais, psicológicos) em função dos procedimentos adotados durante a coleta
de dados, mas você tem o direito de não participar ou desistir em qualquer momento, mesmo
tendo iniciado a pesquisa, sem nenhum problema. Se você se achar devidamente esclarecido(a)
e concordar voluntariamente em participar, pedimos que assine este documento, caso seja de
maior idade, em duas vias juntamente comigo, ficando com uma delas. Agradecendo a sua
atenção, coloco-me à disposição para maiores esclarecimentos que julgue necessário
(vieirasusie1@gmail.com ou Universidade de Feira de Santana – Campus Universitário -
Av. Transnordestina, S/N. Bairro Novo Horizonte - Departamento de Ciências Biológicas,
Locus, sala MT16 (75) 3161-8182, 44.036-900. Feira de Santana- BA-Brasil).
APÊNDICE C
PRINCÍPIOS DE DESIGN REFINADOS
CARACTERÍSTIC
A DA
# PROPÓSITO (Y) PROCEDIMENTOS (K) ARGUMENTOS (P) EXPECTATIVAS DE ENSINO
INTERVENÇÃO
(A)
A visão genecêntrica dos organismos foi consolidada a) Possibilitar que os discentes
como corrente principal da ciência biológica ao longo do compreendam a epigenética a partir da
século XX, principalmente com os avanços da genética relação causal entre genótipo, fenótipo e
molecular (WATSON; CRICK, 1953; CRICK, 1970). ambiente na determinação de
Abordagem do Dentro dessa perspectiva, o determinismo genético pode características distintas
campo da Revisão da genética mendeliana, ser definido como a tese de que as características de um
epigenética, problematizando suas premissas em organismo são inteiramente o resultado causal de seus b) Promover uma reflexão crítica em
realçando sua relação à interação entre fatores genes. Por outro lado, o reducionismo genético, ainda que relação aos discursos deterministas e/ou
Promover uma importância na genéticos e ambientais e sua reconheça a interação com outros fatores não-genéticos, reducionistas.
compreensão crítica compreensão da limitação em explicar estabelece que os fatores genéticos possuem uma
sobre o interação entre características multifatoriais para influência dominante no desenvolvimento de fenótipos
1
desenvolvimento de fatores genéticos e compreender a complexidade dessa (WACHBROIT, 2002). Essas ideias estão vinculadas,
características nos ambientais, de forma interação e discutir suas historicamente, a movimentos eugênicos e de racismo
organismos. a contrapor com as implicações para compreender o científico (LEWONTIN, 2000). Entretanto, o campo da
características e as desenvolvimento de características epigenética vem, desde o início do século XXI, realçando
consequências do além do determinismo e a importância e a complexidade da interação do ambiente
campo da genética reducionismo genético. no desenvolvimento das características dos organismos
mendeliana clássica. (JABLONKA; LAMB, 2010). Dessa forma, a epigenética
desafia a visão genecêntrica, bem como o determinismo e
reducionismo genético, ao propor uma maior integração
dos fatores ambientais ao desenvolvimento de
características através de mecanismos moleculares.
Promover o Examinar as Discussão do poder explanatório da A teoria dos perfis conceituais leva em consideração a a) Possibilitar que os discentes alcancem
reconhecimento da diferentes formas de herança genética mendeliana, coexistência de diferentes formas de pensar um conceito um conceito de herança biológica que
pluralidade de formas heranças – biológica, problematizando sua perspectiva em cada indivíduo (MORTIMER, 2000). Dessa forma, inclua os fatores epigenéticos.
2 de pensar herança ambiental, reducionista a mecanismos aprender um conceito científico no ensino de ciências é
biológica e uma comportamental e exclusivamente genéticos, através compreendê-lo em uma determinada zona de perfil b) Possibilitar que os discentes
apropriação da cultural que podem de exemplos de herança não conceitual referente ao discurso científico. Dito isso, o reconheçam a influência das heranças
herança estendida estar envolvidos no genéticas, reconhecendo a conceito de herança biológica vinculado à genética ambientais, comportamentais e culturais.
281
desenvolvimento da pluralidade de formas de pensar mendeliana vem sendo confrontado com evidências sobre
obesidade na herança e seu valor pragmático a influência de fatores não genéticos na herança biológica,
resolução da QSC (MORTIMER, 2000). como epigenéticos, ambientais, comportamentais e
culturais (PANTAROTTI, 2016). Dessa forma, diversos
autores aconselham uma visão estendida do conceito de
herança, a fim de adquirir uma compreensão mais ampla
sobre os processos e mecanismos que regem tal fenômeno
(BONDURIANSKY; DAY, 2018).
Evidências crescentes da herança epigenética a) Favorecer o reconhecimento de
transgeracional (HUYPENS et al., 2016; ROBERT, 2017) valores nos discursos sobre a herança
em diversos estudos apontam como um fator relevante a epigenética da obesidade.
Promover uma
ser considerado para compreender fenômenos de saúde
reflexão crítica do
Abordagem da público e promover medidas de prevenção e tratamento b) Estimular os discentes a se
campo da epigenética
controvérsia em (OHLINGER, 2012; VAN DIJK et al., 2015). Sendo as posicionarem em prol de valores de
e seu potencial em
relação ao potencial Uso de casos que propiciem o modificações epigenéticas passíveis de reversão, a sua justiça socioambiental.
oferecer explicações
ambivalente da exame de aspectos científicos, compreensão pode auxiliar a elaboração de políticas
de como fatores
3 epigenética para sociais, políticos e éticos e o públicas (NICULESCU, 2011). Entretanto, a epigenética
socioambientais
manter o status quo posicionamento dos estudantes em pode também ser usado para aumentar estigmatização de
podem interferir na
ou promover justiça sua resolução. indivíduos ao sobrecarregar a responsabilidade individual
saúde, a fim de
socioambiental, (MÜLLER et al., 2017). Dessa forma, visualizar de forma
proporcionar medidas
através de uma QSC. crítica as relações CTSA, podem aprimorar a compreensão
de política pública.
sobre o papel da herança epigenética trangeracional em
alcançar propostas sociopolíticas visando uma justiça
socioambiental (KENNEY; MÜLLER, 2016; MELONI,
2018)
Promover uma Examinar as relações Discussão da QSC de “herança O aumento da taxa de obesidade no país e no mundo é a) Favorecer a análise do contexto
compreensão crítica CTSA envolvidas na epigenética da obesidade”, com vinculado a diversos fatores, que vão muito além das histórico e de aspectos ideológicos,
das questões sociais, prevenção e discussões em que os discentes decisões pessoais, tais como desigualdade social, acesso a culturais, políticos, sociais, éticos e
culturais, políticas, tratamento da sejam estimulados a reconhecer as alimentos saudáveis, globalização cultural, lobby da emocionais que influenciam a obesidade
4 econômicas, éticas e obesidade, enfocando diversas influências que permeiam indústria alimentícia e sua influência na política, etc. em nossa sociedade.
emocionais as limitações de a prevenção e tratamento da (MCLAREN, 2007; WELLS, 2012). Além disso, as
envolvidas na medidas obesidade, bem como os interesses consequências da prevenção e tratamento da obesidade b) Orientar os discentes a reconhecerem
prevenção e exclusivamente e valores envolvidos e as podem levar ao pânico moral, estigmatizando indivíduos estratégias e medidas de prevenção e
tratamento da individuais e a consequências psicológicas e acima do peso e abalando-os psicologicamente (GARD; tratamento da obesidade que sejam
282
obesidade e conduzir necessidade de uma emocionais das medidas WRIGHT, 2005). Esses fatores devem ser levados em eficazes e inclusivas, considerando a
para um interpretação desenvolvidas nas pessoas acima do consideração para uma compreensão mais crítica sobre a herança epigenética da obesidade.
posicionamento sociopolítica do peso, para, a partir disso, propor obesidade, para que se alcance resoluções mais eficazes.
crítico sobre a fenômeno para soluções adequadas e eficazes para
eficiência de suas alcançar resoluções as questões levantadas.
estratégias e medidas. mais eficazes, e
considerando as
implicações morais
relacionadas à
estigmatização e
culpabilização de
indivíduos acima do
peso.
Uso de casos que exijam que os a) Possibilitar que os discentes se
discentes mobilizem as diversas envolvam no desenvolvimento de ações
relações CTSA envolvidas na QSC sociopolíticas
A adoção da estratégia das cinco fases (CONRADO, 2017)
Promover estímulos Desenvolver um para responder e propor soluções
pode favorecer a implementação da abordagem de QSC,
para um alcance do conjunto de casos da para os problemas levantados em
através de casos que, gradativamente, proporcionem
5 letramento científico QSC sobre “herança cada caso, utilizando a estratégia
independência intelectual e autonomia pessoal nos
crítico em relação à epigenética da das cinco fases (sensu CONRADO,
estudantes, bem como o alcance dos quatro níveis de
QSC. obesidade”. 2017) a fim de alcançar, ao fim da
letramento científico (HODSON, 2004; 2011).
SD, o desenvolvimento e aplicação
de uma ação sociopolítica pelos
discentes.
283
APÊNDICE D
SEGUNDO PROTÓTIPO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA SOBRE ‘HERANÇA EPIGENÉTICA DA OBESIDADE’
Aulas Objetivos de
Ações didáticas Objetivo didático
(t) aprendizagem
Através de uma aula expositiva-dialogada, será explicado aos alunos os pressupostos
básicos da Educação CTSA através de um contexto histórico, e seus benefícios e
limitações para o Ensino de Ciências. Dentro dessa perspectiva, será apresentado o Apresentar aos alunos a Educação CTSA, a
conceito de QSCs, definindo suas características e sua importância como estratégia estratégia de ensino baseada em QSCs e sua
didática e estimulando os discentes a pensar em exemplos reais e atuais de QSCs. Em importância no alcance do letramento científico
seguida, será explicado o conceito de letramento científico crítico, sua importância crítico.
1 (3h) dentro de um Ensino de Ciências preocupado com a formação de cidadãos Explicar a estrutura e objetivos da SD e C1, C2, C3
socioambientalmente responsáveis e as estratégias para alcança-lo relacionando a QSC contextualizar com o referencial teórico
através de uma Educação CTSA. apresentado.
Após apresentar os conceitos aos discentes e estabelecer os fundamentos teóricos da Apresentar aos discentes a história de Julia e
SD, será explicada a estrutura e os objetivos da SD a ser aplicada. Em seguida, será Paulo a partir do caso 1.
realizada a leitura do caso 1 e dos textos, para pesquisarem em casa sobre o tema para a
discussão na aula 2.
A aula se iniciará relembrando, através de perguntas aos discentes, os conceitos e
referenciais teóricos apresentados na primeira aula. Em seguida, será relembrado como a
SD está contextualizada com o que foi aprendido para, enfim, dar início à discussão com
base na resolução dass perguntas orientadores do caso 1, abordando as preocupações de
Relembrar o que foi aprendido na primeira aula.
Julia e Paulo sobre as notícias relacionadas à herança epigenética da obesidade e suas
Discutir com a turma sobre o caso 1 e as C4, C5, C6, P1,
questões sobre adiar ou não a gravidez. O acompanhamento com o(a) professor(a) é
2 (2h) implicações do campo da epigenética sobre a P2, P3, A1, A2,
essencial para que os alunos compreendam a atividade e a dinâmica das próximas aulas,
decisão do casal, e sobre a definição de herança A3, A4, A8, A9
além de explorar as interpretações e concepções prévias dos discentes.
biológica.
Após a resolução do caso pelo(a) professor(a) e pelos discentes, será discutido sobre o
alcance dos objetivos de aprendizagem e a importância da mobilização de
conhecimentos, habilidades, valores e atitudes para a participação na resolução de QSCs.
284
Através de uma aula expositiva, será explanado o campo de estudo da epigenética para
os discentes. Primeiramente serão apresentados seus aspectos históricos, desde sua
origem com o cientista Conrad H. Waddington (1942) e sua importância na biologia do
desenvolvimento e na diferenciação celular, até sua redefinição conceitual com estudos
de expressão gênica e herança transgeracional. Após estabelecer o conceito mais
adequado para se compreender a epigenética atualmente, serão apresentados seus Apresentar como a expressão genética é
principais mecanismos moleculares de ativação ou inativação dos genes: metilação de influenciada através de mecanismos epigenéticos,
3 (3h) bases nitrogenadas (complexo CpG) e modificação de histonas. como metilação de bases nitrogenadas e C4, C8
Em seguida, compreendendo como ocorre a marcação epigenética, serão discutidas as modificação de histonas, e como esses marcadores
possíveis formas de heranças dos marcadores epigenéticas, demonstradas através de podem ser herdados para gerações seguintes.
evidências científicas de estudos recentes com herança de características como obesidade
e estresse, e como isso altera a forma como compreendemos a herança biológica.
Por fim, será realizada a leitura do caso 2 e dos textos relacionados, para discussão na
aula seguinte.
Cada grupo apresentará para a turma sua proposta de ação sociopolítica envolvendo a
herança epigenética na prevenção e tratamento da obesidade, para que os discentes
possam realizar críticas e sugestões ao grupo. Os grupos serão avaliados pelo(a)
professor(a) e pelos alunos através de críticas e sugestões.
A partir das sugestões e críticas, o grupo deverá desenvolver seu projeto de ação Avaliar e discutir, em conjunto com toda a turma,
sociopolítica e enviar ao(a) professor(a) em uma data previamente estabelecida para as propostas desenvolvidas pelos grupos através
6 (2h) avaliação. Após finalizado o projeto, será incentivada a aplicação da ação sociopolítica de sugestões e críticas construtivas, além de P4, A11
para seu público-alvo. dialogar com a turma sobre considerações finais
Ao término de todas as apresentações, se encerrará a aula com um diálogo entre a turma da sequência didática.
e o(a) professor(a) avaliando o aprendizado na sequência didática, em termos de alcance
dos objetivos de ensino e de aprendizagem, bem como considerações finais dos
discentes.
Objetivos de aprendizagem
Conceituais
1. Compreender as Questões Sociocientíficas (QSC) como estratégias de ensino com objetivo de associar relações entre Ciência, Tecnologia,
Sociedade e Ambiente (CTSA) a fim de alcançar um letramento científico crítico.
2. Compreender o conceito de letramento científico crítico e seu alcance a partir dos quatro níveis de Hodson (2011).
3. Compreender os potenciais e estratégias para a promoção de ação sociopolítica no ensino.
286
4. Relacionar e definir o conceito de herança biológica com os diferentes tipos de transmissão de características biológicas e não-biológicas.
5. Identificar as ideias de determinismo e reducionismo biológico com os campos da genética e epigenética.
6. Definir conceitos de obesidade e sobrepeso de acordo com a OMS.
7. Compreender a influência do lobismo na política e na sociedade.
8. Identificar os mecanismos epigenéticos, tais como metilação de bases nitrogenadas e modificação de histonas, e relacionar a influência do
ambiente na expressão genética, bem como sua possível herança.
Procedimentais
1. Expor concepções e conhecimentos prévios sobre herança biológica e obesidade.
2. Pesquisar e analisar matérias e documentos sobre o assunto e relacionar com as questões levantadas em sala de aula.
3. Discutir e deliberar em grupo sobre as questões apresentadas e se posicionar em relação às controvérsias e discussões em sala de aula.
4. Sintetizar e apresentar a proposta de ação sociopolítica do grupo à turma, considerando críticas e sugestões dos outros discentes.
Atitudinais
1. Trabalhar em equipe e respeitar os diferentes pontos de vista, sabendo dialogar de forma argumentativa a fim de compreender as razões
que os fundamentam, e estabelecer pontos de consenso ou coexistência.
2. Demonstrar responsabilidade em cumprimento de prazos e tarefas.
3. Relacionar os valores do discurso de responsabilidade individual em questões complexas como a culpabilidade, estigmatização e sobrecarga
emocional e psicológico no indivíduo.
4. Identificar e avaliar os valores presentes nos discursos de determinismo e reducionismo biológico em relação à opressão e marginalização.
5. Identificar e avaliar os interesses e valores nos discursos, legislações e estratégias em relação à prevenção e tratamento da obesidade.
6. Identificar os grupos de interesses e atores sociais envolvidos nas medidas de prevenção e tratamento da obesidade.
7. Relacionar as medidas políticas de prevenção e tratamento da obesidade com as informações provenientes da epigenética, e avaliar se são
suficientes para mitigar a taxa de obesidade no país.
8. Refletir criticamente sobre o papel da mídia na recontextualização da informação científica e seu impacto social e político.
9. Posicionar-se criticamente em relação às políticas de prevenção e tratamento da obesidade e suas causas e consequências sociopolíticas,
pautando-se em valores de justiça social.
10. Mobilizar as questões geradas nas discussões sobre herança epigenética no prevenção e tratamento da obesidade através da proposta de
uma ação sociopolítica.
287
11. Avaliar e contribuir com críticas e sugestões as ações sociopolíticas apresentadas em sala de aula.
Casos da QSC:
Caso 1
Julia e Paulo estão obesos e planejam a sua primeira gravidez, aos 35 anos de idade. Os hábitos do casal não poderiam ser chamados de
saudáveis, já que ambos comem refeições diárias baseadas em produtos ultraprocessados, como nuggets, batata frita congelada, refrigerante, pratos
prontos congelados, além de eventuais refeições em redes de fast food. Em relação a exercícios, o máximo que andam diariamente é o caminho até
o carro para ir trabalhar.
Os dois já sofrem dos problemas relacionados à obesidade, como fadiga e dificuldade para se locomover e para respirar. Se sentem
desconfortáveis por estarem acima do peso e já terem que lidar com esses problemas de saúde. Além disso, Julia se sentia cada vez mais
desconfortável com seu corpo, principalmente devido à pressão social em relação aos padrões de beleza estabelecidos para mulheres. Entretanto,
apesar desses problemas, o casal não consegue mudar seus hábitos. Todas as vezes que tentaram, acabaram retornando ao seu estilo de vida e ao
peso que estavam antes.
Tudo mudou quando o casal se deparou com uma matéria na internet sobre uma tal de herança epigenética. Nessa matéria, pesquisadores
da UERJ comentam sobre seus estudos em que a obesidade de ratos foram transmitidas para a geração seguinte. Com essa preocupação em mente,
os dois começaram a buscar mais informações sobre o assunto. A partir das informações encontradas, Paulo alertou Julia sobre os efeitos desses
estudos, dizendo que, pelo efeito materno ser mais evidente, ela deveria mudar seus hábitos urgentemente para engravidar, já que, pelo casal se
encontrar em uma idade avançada, postergar a gravidez poderia acarretar problemas em uma futura gestação. Julia ficou indignada com a pressão
de Paulo sobre ela, mas preferiu pedir opinião de especialistas para saber como proceder em relação à sua gravidez.
Digamos que seu grupo foi escolhido por Julia para auxilia-la. Com base no texto e nas matérias em anexo, discuta em grupo e responda:
1. Como as informações acerca da herança epigenética influenciam o que conhecemos sobre a herança biológica?
2. Quais outras formas de transmissão não-genéticas podem ser reconhecidas nos textos?
3. Você concorda com a posição de Paulo em pressionar Julia a mudar seus hábitos urgentemente por causa da gravidez? Por quê?
4. Você acha que o casal deveria adiar a gravidez devido aos riscos de transmitir suas condições de obesos pela herança epigenética, mesmo
considerando os riscos atrelados a uma gravidez com idade mais avançada? Quais sugestões e conselhos vocês dariam ao casal?
288
Anexos:
Obesidade cresce 60% em 10 anos, diz pesquisa do Ministério da Saúde
http://www.atribuna.com.br/noticias/noticias-detalhe/saude/obesidade-cresce-60-em-10-anos-diz-pesquisa-do-ministerio-da-
saude/?cHash=c10ff0f974f3c65ece458af41781db4c
Uerj pesquisa influência da atividade física das mães na obesidade dos filhos
http://agenciabrasil.ebc.com.br/pesquisa-e-inovacao/noticia/2017-07/uerj-pesquisa-influencia-da-atividade-fisica-das-maes-na
A culpa é da sua mãe!
https://saude.abril.com.br/blog/cientistas-explicam/a-culpa-e-da-sua-mae/
A obesidade que herdamos de papai
https://brasil.elpais.com/brasil/2015/12/04/ciencia/1449230152_839672.html
Questões orientadoras:
1. Por que a obesidade é tratada como problema de saúde pública?
2. O que você entende por epigenética?
3. Como o campo da epigenética se relaciona com a interação genótipo-fenótipo?
4. Os hábitos associados à obesidade descritos no texto podem ser considerados fatores herdáveis?
5. Diversas matérias de divulgação da herança epigenética responsabilizam o indivíduo. Quais consequências esse tipo de posicionamento
pode acarretar?
6. As consequências em relação à sobrecarga individual da obesidade são iguais para o sexo masculino e feminino? Por quê?
7. A preocupação de Julia ao ler as matérias é justificada? Por quê?
8. Você concorda com a pressão de Paulo para que Julia mude seus hábitos? Por quê?
9. Quais consequências a sobrecarga na responsabilidade individual pode acarretar nos indivíduos com obesidade ou sobrepeso?
10. Quais sugestões vocês dariam para a pergunta de Julia?
Caso 2
Após o casal conversar entre si sobre as questões envolvendo a herança epigenética da obesidade, Julia e Paulo resolveram mudar seus
hábitos juntos, além de adiar os planos de engravidar por um tempo, até estarem mais saudáveis. O casal buscou ajuda de profissionais
289
especializados em perda de peso e começaram a fazer exercícios diários e mudaram sua alimentação: trocaram os produtos ultraprocessados por
produtos naturais, o refrigerante por água, o prato pronto congelado por refeições feitas na hora com produtos in natura, além de iniciar uma dieta
controlada. Ainda que tenha sido uma transição difícil, em poucos meses já começaram a sentir diferenças.
Em dois anos, o casal estava saindo da condição de obesos para sobrepeso, e seus resultados de hemograma e de testes de aptidão física
mostravam pessoas muito mais saudáveis. Portanto, começaram a investir novamente na gravidez.
Após se acostumarem com os novos hábitos, Julia e Paulo perceberam como havia sido difícil resistir a um estilo de vida sedentário com
alimentos industrializados. Pensavam nos seus outros colegas que não conseguiam sair da obesidade por sua classe social não providenciar as
mesmas oportunidades. Muitos não tinham dinheiro ou tempo para investir em uma alimentação saudável ou exercícios, seja pela renda disponível
ou pelo local de moradia. Sem essas oportunidades, qual poder de escolha teriam?
Com isso em mente, o casal fundou uma ONG para ajudar as pessoas de baixa renda a terem condições e acesso a melhores hábitos e
divulgar sobre a herança epigenética da obesidade. O projeto cresceu rapidamente e começou a dar diversos resultados importantes: 60% das
pessoas atingidas pela ONG pararam de consumir produtos ultraprocessados e refrigerantes e 35% deixaram de frequentar redes de fastfood ou
comer salgados de rua. Entretanto, mesmo com diversos financiamentos e apoios, o projeto continuava precisando de mais verba para crescer e
atingir uma população maior.
Após uma matéria na internet sobre o sucesso da ONG viralizar em todo o país, diversas das grandes empresas alimentícias (como Coca-
Cola, Nestlé e Unilever) entraram em contato com o casal para investir no projeto. Entretanto, para aceitar o financiamento, todas elas obrigavam
a ONG a se comprometer a fazer propaganda e distribuir amostras grátis de produtos alimentares rotulados como saudáveis pelas próprias empresas.
Ao analisar tais produtos, o casal percebeu que eles não eram diferentes dos produtos ultraprocessados e com altas taxas de açúcar e gordura que
tanto alertavam à população. Sem saber o que decidir, Julia e Paulo recorreram, novamente, aos especialistas que os ajudaram.
Discuta em grupo e responda:
1. Como questões socioeconômicas influenciam na prevenção e tratamento da obesidade? Qual é o papel da política em providenciar igualdade
de oportunidades para prevenir e tratar a obesidade?
2. De que forma o lobby das indústrias alimentícias influenciam a política e, consequentemente, as medidas de prevenção e tratamento da
obesidade do país?
3. Em sua opinião, o casal deve aceitar o financiamento das grandes empresas alimentícias para auxiliar uma população maior, mesmo que
para isso tenham que fazer propaganda e distribuir produtos que vão contra a ideia proposta pela ONG?
4. Como nós, como indivíduos parte de uma sociedade, podemos auxiliar na prevenção e tratamento da obesidade, considerando: a) divulgação
de informações; b) participação sociopolítica; c) pressão como consumidor e/ou cidadão; d) apoio emocional a obesos
290
Anexos:
Campanha Brasil Saudável e Sustentável
http://mds.gov.br/assuntos/seguranca-alimentar/caisan/campanha-brasil-saudavel-e-sustentavel
Pacto Nacional para Alimentação Saudável
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8553.htm
Deserto Alimentar – Comida saudável mesmo é comida de verdade. Mas quem tem acesso a ela?
https://tab.uol.com.br/deserto-comida#deserto-alimentar
Apesar de lobby, nutricionistas lutam para promover alimentação adequada
https://www.cartacapital.com.br/saude/apesar-de-lobby-nutricionistas-lutam-para-promover-alimentacao-adequada
Coca-Cola e Pepsi pagam milhões para esconder seu vínculo com a obesidade
https://brasil.elpais.com/brasil/2016/10/07/ciencia/1475858935_672186.html
Enquanto brasileiros engordam, empresas faturam mais
http://economia.estadao.com.br/blogs/radar-economico/hoje-obesos-os-pobres-engordam-o-lucro-das-empresas/
Questões orientadoras:
1. A responsabilidade individual é suficiente para a prevenção e tratamento da obesidade? Quais outros fatores devem ser levados em
consideração?
2. Quais as medidas de política pública brasileiras para a prevenção e tratamento da obesidade? Elas são colocadas em prática?
3. Essas medidas são suficientes para providenciar oportunidades de mudança de hábitos a todos que a buscarem?
4. Essas medidas se concentram mais em responsabilidade individual ou responsabilidade sociopolítica? Por quê?
5. Qual a importância de levar em consideração a herança epigenética da obesidade na elaboração de medidas políticas para sua prevenção e
tratamento?
6. Quais outras formas de lobby e quais são suas consequências socioambientais?
7. O que é lobby e como ele se relaciona com as questões políticas e sociais da obesidade?
8. Qual sugestão você daria ao casal em relação à proposta de financiamento da ONG pelas grandes indústrias alimentícias?
9. Quais fatores sociais podem influenciar o acesso às oportunidades de mudança para hábitos mais saudáveis? Reflita tanto sobre o papel do
acesso à informação, quanto ao acesso de bens públicos e privados.
10. Quais ações podem ser realizadas para auxiliar na prevenção e tratamento da obesidade? Reflita sobre divulgação de informações,
participação sociopolítica, pressão como consumidor, apoio emocional a obesos, etc.
291
Caso 3
Meses depois, enfim, Julia recebeu a notícia de que estava grávida. Após uma luta árdua contra a obesidade, o casal conseguiu manter
hábitos saudáveis – os quais agora já faziam parte de seu cotidiano. Por estarem em uma idade mais avançada, ficaram preocupados, mas tiveram
monitoramento dos médicos e enfermeiros do posto de saúde ao longo da gravidez e todos os exames periódicos demonstravam criança sadia.
Estavam felizes em saber que seu filho nasceria em um ambiente preocupado com uma alimentação saudável, com disponibilidade de produtos
naturais, não industrializados, com pouca concentração de açúcar e outros ingredientes prejudiciais.
Além disso, a ONG havia crescido, mesmo sem a ajuda das grandes empresas alimentícias. Com o sucesso que ela alcançou após viralizar
na internet, o projeto ganhou muitos apoios, tanto privados quanto governamentais, e agora havia triplicado sua abrangência e aumentado a
porcentagem de pessoas saindo da condição de obesidade.
Ainda assim, percebiam que a herança epigenética ainda era ignorada como um fator envolvido na prevenção e tratamento da obesidade
nas discussões sobre o tema em congressos e na elaboração de políticas públicas. Imaginavam que, se as consequências dos hábitos dos pais
pudessem ser herdadas biologicamente, isso devia ser considerado um fator importante para a prevenção e tratamento da obesidade. Pior, percebiam
que as poucas matérias que encontravam, apontavam os pais como culpados, sobrecarregando a responsabilidade individual, sem considerar todas
as outras causas envolvidas na questão da obesidade. Ou seja, a epigenética era utilizada para reforçar a estigmatização de pessoas acima do peso
e desviar a responsabilidade do governo para a prevenção e tratamento da obesidade, e não de forma crítica, compreendendo como desigualdades
sociais e outros fatores podem contribuir para desenvolver políticas públicas eficazes para a resolução do problema.
Com essas questões em mente, Julia e Paulo resolveram abrir um novo projeto dentro de sua ONG. Além de informar e dar acesso a pessoas
de baixa renda sobre hábitos saudáveis, o casal abriu um edital público para que a população possa participar no desenvolvimento de um projeto
para uma ação sociopolítica envolvendo a ‘herança epigenética da obesidade’ na prevenção e tratamento da obesidade.
Imagine que seu grupo queira participar da seleção do edital e desenvolver um projeto na ONG de Julia e Paulo:
1. Construa e desenvolva, em grupo, um projeto para uma ação sociopolítica envolvendo o tema, apontando o tipo de ação sociopolítica
escolhida, seu objetivo, seu público alvo, bem como uma breve descrição de sua aplicação.
2. Após apresentação de seu projeto para turma, desenvolva-o em grupo e envie para o(a) professor(a) na data estabelecida.
3. Ao finalizar o projeto com os devidos refinamentos, aplique-o.
Questões orientadoras:
292
1. Como a herança epigenética se relaciona com os fatores sociais e políticos envolvidos na obesidade?
2. Quais ações sociopolíticas podem ser desenvolvidas sobre a herança epigenética da obesidade? Considere os exemplos dados em sala de
aula.
3. A ação sociopolítica desenvolvida cumpre o objetivo estipulado e abarca o seu público-alvo?
4. Quais os alcances e limites da ação sociopolítica desenvolvida?
293
APÊNDICE E
PROJETO DE AÇÃO SOCIOPOLÍTICA DO GRUPO 1
A palavra epigenética vem do latim, onde “epi” significa “acima, perto, a seguir” e seu principal
objeto de estudo é a alteração de funções dos genes, porém sem modificar a sequência de bases
nitrogenadas do DNA. O efeito biológico consiste em mudanças químicas tanto nas moléculas
de DNA quanto nas histonas. As mudanças provenientes destas alterações podem ser herdadas
no momento da mitose (divisão celular) influenciando de maneira profunda e direta na biologia
do organismo e refletindo no seu fenótipo.
“No DNA, ocorre a metilação, que é a adição de um grupo metila (-CH3) ao nucleotídeo
citosina; nas histonas, pode ocorrer tanto a metilação como a acetilação (-COCH3) nos
aminoácidos lisina e/ou arginina. A metilação do DNA, que geralmente ocorre em regiões que
controlam a expressão gênica (denominadas de promotores), está relacionada à repressão
gênica, ou seja, genes que estão marcados (metilados) para não codificarem (ou produzirem)
proteínas. Já a acetilação das histonas está geralmente relacionada à ativação gênica.” (
FANTAPPIÉ,2013)
O que é obesidade?
A obesidade basicamente é o acúmulo excessivo de gordura no corpo, quando a ingestão de
calorias supera o gasto energético. É considerada uma doença comum na população por conta
do grande número anual de ocorrência.
297
APÊNDICE F
PROJETO DE AÇÃO SOCIOPOLÍTICA DO GRUPO 2
299
300
301
APÊNDICE G
INSTRUMENTO DE AVALIAÇÃO DE AÇÃO SOCIOPOLÍTICA PARA
DISCENTES E DOCENTES