Dis Ppgpsicologia 2017 Rodrigues Patricia
Dis Ppgpsicologia 2017 Rodrigues Patricia
Dis Ppgpsicologia 2017 Rodrigues Patricia
Santa Maria, RS
2017
Patrícia Matte Rodrigues
Santa Maria, RS
2017
AGRADECIMENTOS
A todos que contribuíram de alguma forma para a construção deste estudo, fica expressa
minha gratidão e carinho, em especial:
Aos meus pais, Valnei e Vera, por todo apoio e cuidado. Agradeço por acreditarem na força
da educação e pelo constante incentivo ao longo desta caminhada. Obrigada pelos belos
ensinamentos que levo para a vida. Amo vocês.
Ao Marcelo, meu irmão, por dividir comigo tantos momentos, pela parceria, carinho e apoio.
À professora Mônica, que sempre se mostrou uma mestre sensível e generosa. Agradeço
imensamente por todo o aprendizado ao longo dos anos de Residência e Mestrado, pelo
carinho e por acreditar em mim. Quando falo que a formação é importante, tomo como
exemplo professores que fizeram a diferença. Você é uma delas, obrigada por fazer a
diferença na minha caminhada.
Às amigas, Juliana, Ronize e Cristiane, que encontrei durante a graduação, e que levo para a
vida. Agradeço pela amizade sincera e pelo imenso carinho.
À Camila, por dividir comigo esse momento de mestranda. Agradeço pela parceria.
Ao grupo NEIAF, agradeço pelos encontros, aprendizados e o convívio nesses dois anos.
Some studies indicate a misbalance between the practices developed by primary health care
psychologists and the specific demands of this context. Those studies point out to a mere
transposition of the traditional model of clinic, without the proper contextualization that this
area requests, besides some difficulties in teamwork. Thus, it is understood that psychology
faces a challenge in qualifying its training in order to perform accordingly to the principles of
the Brazilian Health Care System (SUS). Towards this challenge, psychology has found in the
Multiprofessional Residencies in Health Care an opportunity of a training, which is diverse
from that offered in undergraduate courses, that aims to qualify its practices for the work in
public health care. Based on that, this research aimed to acknowledge the professional
practices of psychologists who are part of a Multiprofessional Residency in Health Care
Program, in the context of primary health care. Therefore, it was conducted a qualitative and
exploratory research. The data collection was performed with semi-structured interviews.
After the transcription of the interviews, data analysis followed the content analysis
technique. The participants were eight psychology residents in the programs of
Multiprofessional Residency Programs of two higher education institutes, from the city of
Porto Alegre, Brazil. The results were discussed in three articles. The first article discussed
the value granted to the Residency as an area of learning, which had given the psychologists
the possibility of experiencing knowledge and daily situations found in SUS’ context,
allowing mistakes, innovations and the construction and reformulation of ideas. There were
discussed aspects related to the workload and the relationship between residents and health
care team. The second article focused on the undergraduate training in psychology for
working in primary health care. The results showed important movements of approximation
between the psychology undergraduate courses and themes such as SUS, Community Health
and Public Policies. In addition, it was pointed out to the importance of professors who are
identified with the SUS’s proposals, as well as the value given to the discipline of groups as
an important tool for the practice of psychologists in primary health care. The third article
reported a significant change in the way that the psychology residents have conceived the
psychologist’s role in primary health care. Such comprehension, not restricted to intra-
individual aspects, drives to expanded and interdisciplinary practices. However, it was
emphasized the charge for individual appointments and the large demand for the area of
psychology. Based on the data obtained by the three articles, it was concluded that the
Residency has enabled psychologists to experiment and create, which has been supporting the
construction of practices more aligned to the principles of primary health care, overcoming
the mere transposition of practices.
1. APRESENTAÇÃO
momentos, era preciso discutir com os demais profissionais sobre qual meu papel na equipe e
quais práticas estaria desenvolvendo no território, pois percebeu-se que a equipe
multiprofissional tinha a expectativa que a psicologia desenvolve-se, preferencialmente,
atendimentos clínicos individuais.
Naquela época o município de Santa Maria não contava com psicólogos no nível
primário de saúde. Isso fazia com que o núcleo só estivesse na atenção básica através de
estágios curriculares e da RMS. Assim, foi preciso construir um espaço da psicologia nesse
contexto, o que não se configurou tarefa fácil.
Essas duas vivências foram marcantes em minha trajetória e é por causa delas que meu
interesse no trabalho do psicólogo na atenção básica só faz crescer. Devido à experiência
como residente multiprofissional na AB procurei aprofundar meus estudos na temática, agora
incluindo as RMS, já que se apresentam como um importante processo de formação para o
trabalho no SUS e que podem favorecer o desenvolvimento de práticas profissionais mais
adequadas aos diferentes contextos da saúde.
Além disso, poucos foram os trabalhos encontrados que tratam da inserção do
psicólogo em RMS na atenção básica e seus efeitos para a formação e a prática profissional. A
maior parte dos trabalhos que abordam as RMS contemplam o contexto hospitalar e o nível de
atenção secundária (MORAIS; CASTRO; SOUZA, 2012; SILVA; SERRALHA; LARANJO,
2013; LIMA; SANTOS, 2012; MULLER; HAAG; SILVA, 2001; MENDES et al., 2011). Os
estudos que se voltam para a inserção e atuação da psicologia na atenção básica, mas não em
RMS, apontam que o psicólogo não tem ocupado seu lugar nesse contexto de forma adequada
e coerente com os princípios do SUS (SPINK; MATTA, 2010; ROMAGNOLI, 2006).
Assim, acredita-se que os achados do presente estudo possam contribuir, de forma
significativa, para a compreensão do modo como os psicólogos organizam suas práticas no
cenário da atenção básica inseridos em Programas de Residência Multiprofissional em Saúde:
se, apesar de uma formação pós-graduada voltada para um trabalho no SUS, continuam a
desenvolver práticas incompatíveis com o contexto, ou se diante da inserção na RMS e a
oportunidade de aprendizagem voltada para a saúde pública, buscam criar novas formas de
fazer psicológico, novos modos de atuação na AB. Desse modo, compreender como os
psicólogos, vinculados a RMS, têm desenvolvido suas práticas na AB, se mostra fundamental
para auxiliar na discussão da formação em Psicologia para o SUS através das RMS.
14
3. INTRODUÇÃO
exigências do trabalho nesse cenário, bem como conhecer quais os possíveis aportes que a
RMS oferece as práticas profissionais dos psicólogos no nível de atenção primária.
Com vistas a atender os objetivos propostos, foi desenvolvida uma pesquisa qualitativa
da qual participaram oito psicólogos residentes de dois Programas de Residência
Multiprofissional em Saúde do município de Porto Alegre, RS. Os psicólogos faziam parte
das áreas de ênfase Saúde da Família e Comunidade, e Atenção Básica em Saúde Coletiva, as
quais são desenvolvidas no nível de atenção primária à saúde.
16
4. REVISÃO DE LITERATURA
A revisão teórica da presente pesquisa está dividida em três tópicos. O primeiro tópico
se propõe a discutir particularidades presentes no nível de atenção primária, bem como
apresenta a Portaria que regulamenta esse cenário de cuidado à saúde.
O segundo tópico versa sobre as práticas dos psicólogos na atenção básica e a
formação voltada para o trabalho nesse contexto, e no terceiro é dado destaque para a
experiência das Residências Multiprofissionais em Saúde e seu papel na formação de
profissionais em consonância com os princípios do SUS. Além disso, será abordada a
inserção da psicologia na RMS.
qual passava o país, e a crítica ao modelo clínico tradicional, o qual não apresentava
significado social e que incitava o surgimento de práticas socialmente mais adequadas e
relevantes (CARVALHO; YAMAMOTO, 2002).
Com a Constituição de 1988 e a criação do Sistema Único de Saúde, a saúde passa a
ser vista não apenas como ausência de doença, mas na sua relação com aspectos físicos,
sociais, econômicos e psíquicos a que o sujeito se submete (FREIRE; PICHELLI, 2010).
Desse modo, a saúde torna-se multidisciplinar, baseada na noção de integralidade, o que
mobilizou a inclusão de novos atores nas equipes de saúde, entre eles, o psicólogo (SPINK;
MATTA, 2010).
Assim, atualmente, a psicologia encontra na área da saúde um de seus grandes campos
de atuação. No primeiro semestre de 2006 foram contabilizados 14.407 psicólogos atuando no
sistema público (SPINK et al., 2010). Além disso, estudos apontam que a inserção de
profissionais da psicologia em serviços de saúde, em especial, no contexto da atenção
primária através das UBS e ESF se mostra cada vez mais presente (FREIRE; PICHELLI,
2010).
De acordo com Boarini (2008), o psicólogo, ao optar pelo trabalho na atenção básica,
deve ter como princípio contribuir para alcançar os objetivos pelos quais esse nível foi
desenvolvido. Assim, seus planos e práticas devem estar baseados em decisões e reflexões
interdisciplinares, voltadas para o coletivo, o que não significa uma somatória de
conhecimentos ou a não utilização de atendimento individual.
Porém, não são poucos os estudos que apontam que as práticas desenvolvidas pelos
profissionais da psicologia no nível primário de saúde se apresentam distantes das
necessidades da população e princípios do SUS (DIMENSTEIN, 1998, 2001; BÖING;
CREPALDI, 2010; DIMENSTEIN; MACEDO, 2010; SPINK; MATTA, 2010). Os autores
assinalam que os psicólogos têm desenvolvido práticas inadequadas ao espaço da AB, com a
simples transposição do modelo clínico tradicional sem a devida contextualização que o
cenário requer, além de dificuldades que o profissional tem apresentado no trabalho
interdisciplinar. Spink e Matta (2010) apontam que muitos psicólogos, apesar de estarem em
espaços hospitalares e em unidades na AB, desenvolvem ações prioritariamente
ambulatoriais.
Em estudo desenvolvido por Lima (2005), a autora descreve três modalidades de
trajetória profissional de psicólogos nos serviços de saúde pública: a) de conflito, o qual tende
à ociosidade do psicólogo; b) de reprodução, que apresenta o isolamento típico de uma
21
Romagnoli (2009) aponta que nesse contexto de saúde o psicólogo tem a possibilidade
de desenvolver um trabalho para além da visão clínica tradicional, voltada para uma clínica de
promoção de saúde, multideterminada, que ainda é pouco conhecida pela psicologia. Desse
modo, pode vir a contribuir para uma compreensão integral e contextualizada do indivíduo,
das famílias e da comunidade (BÖING; CREPALDI, 2010).
Lobato, Melchior e Balduy (2012) afirmam que os conceitos que envolvem as RMS
estão centrados nas necessidades de saúde da população, no trabalho em equipe
multiprofissional e na institucionalização da Reforma Sanitária Brasileira. Reforçando tal
entendimento, Pasini (2010) aponta que as RMS apresentam objetivos que
comunicação entre os diversos profissionais, mas também para aumentar a eficácia das
intervenções e o compartilhamento de responsabilidades pelos casos acompanhados pela
equipe (CAMPOS; DOMITTI, 2007). A possibilidade de vivenciar o trabalho em equipe
multiprofissional e interdisciplinar pode vir a capacitar os trabalhadores resultando em
mudanças no modelo assistencial (LOCH-NECKEL et al., 2009).
Entende-se que a construção de um trabalho em equipe e de um novo modo de pensar
o cuidado à saúde passa pela formação dos profissionais. Assim, discutir a formação é
imprescindível (ROMAGNOLI, 2006) para que o psicólogo se insira no SUS, mais
especificamente na AB, de modo mais organizado e em concordância com as leis que regem o
sistema público de saúde.
5. TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
5.1 DELINEAMENTO
Criada em 1962, por meio do Decreto Estadual nº 13.812, a ESP/RS vem contribuindo
para a formação de trabalhadores na área da saúde. Atualmente, atua nas áreas de educação
superior, com o desenvolvimento de cursos e programas; educação em ambiente de serviço,
no qual está inserido o Programa de Residência Integrada em Saúde; ensino profissional;
educação continuada para profissionais do SUS; gerenciamento do Centro Estadual de
Informação e Documentação em Saúde (CEIDS); e na área de pesquisa, desenvolvimento e
inovação tecnológica (RIO GRANDE DO SUL, 2014).
No ano de 1976, o Sistema de Saúde Murialdo, que atualmente está vinculado a
Secretaria Municipal de Saúde do município onde a pesquisa foi realizada, iniciou no Brasil o
Programa de Residência em Saúde Comunitária (ARMANI, 2006). Esta tinha a finalidade de
formar profissionais com perfil crítico e humanista, capazes de resolver as necessidades de
saúde da comunidade, através da integração de saberes da clínica, saúde pública e saúde
mental (BRASIL, 2006).
A ESP/RS desenvolve o Programa de Residência Integrada em Saúde que compreende
a Residência Multiprofissional e a Médica. A seguir uma breve descrição da Residência
Multiprofissional Integrada em Saúde, sua organização, funcionamento e proposta.
Em seu último Processo Seletivo ocorrido no final de 2016, a RIS ofertou 61 vagas
para profissionais de diversas áreas. A ênfase de Atenção Básica em Saúde Coletiva, a qual
foi a escolhida para a pesquisa, visto que desenvolve suas práticas no nível primário de saúde,
estava presente em quatro municípios do Estado do Rio Grande do Sul: Porto Alegre,
Sapucaia, Venâncio Aires e Esteio. Ao total foram oferecidas 35 vagas divididas, de forma
não igualitária, entre os núcleos de Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia,
Nutrição, Odontologia, Psicologia e Serviço Social. A Psicologia possuía três vagas
distribuídas entre os municípios de Porto Alegre e Venâncio Aires. Ao final do curso, o
residente recebe a titulação de especialista em Residência em Atenção Básica em Saúde
Coletiva.
atenção e gestão do SUS. Além disso, busca fornecer subsídios para o aprimoramento e
qualificação das ações que visem concretizar os princípios do sistema de saúde brasileiro
(GRUPO HOSPITALAR CONCEIÇÃO, 2009).
Atualmente, a RIS/GHC compreende seis áreas de ênfase: Saúde da Família e
Comunidade (SFC); Saúde Mental; Atenção ao Paciente Crítico; Oncologia/Hematologia;
Atenção Materno Infantil e Obstetrícia; e Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial,
totalizando 94 vagas, que estão distribuídas entre os núcleos de Enfermagem, Educação
Física, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Nutrição, Odontologia, Psicologia, Serviço
Social e Terapia Ocupacional.
Destaque para a ênfase de Saúde da Família e Comunidade, a qual foi foco deste
estudo, que dispõe de 49 vagas, distribuídas entre os núcleos de Enfermagem, Educação
Física, Farmácia, Fonoaudiologia, Nutrição, Odontologia, Psicologia, Serviço Social e
Terapia Ocupacional. A Psicologia contava com nove vagas, sendo oito no município de
Porto Alegre e uma em Nova Petrópolis.
O curso tem duração de dois anos, com carga horária de 60 horas semanais, em regime
de dedicação exclusiva. As atividades compreendem 20% de formação teórica e 80% de
atividades de formação em serviço. Os residentes recebem orientação docente assistencial de
profissionais do GHC que desempenham funções de orientação, preceptoria e orientação de
trabalhos de conclusão (GRUPO HOSPITALAR CONCEIÇÃO, 2014). Ao final do período
dos dois anos de curso, o profissional recebe o título de Residência em Saúde da Família e
Comunidade.
5.3 PARTICIPANTES
Este estudo contou com a participação de oito psicólogos residentes vinculados a dois
Programas de Residência Multiprofissional em Saúde de duas Instituições de Ensino e
Pesquisa em Saúde, do município de Porto Alegre, RS. Para a inclusão dos participantes no
estudo levou-se em consideração que estes deveriam fazer parte das áreas de ênfase Atenção
Básica em Saúde Coletiva e Saúde da Família e Comunidade (SFC), as quais eram
desenvolvidas no nível de atenção primária à saúde, além de estar cursando o segundo ano
(R2) da Residência Multiprofissional. Tal critério baseou-se considerando que os residentes já
teriam vivência prática de um ano no campo de atuação, o que possibilitaria melhor atender
aos objetivos do estudo.
34
entendeu-se que não havia interesse do mesmo em participar do estudo. Dessa forma, foram
entrevistados três residentes da ESP.
No que se refere ao contato com os participantes, a pesquisadora apresentou seu
percurso acadêmico, revelando também ter sido residente na Atenção Básica/ESF. Entendeu-
se que o fato de ter passado por uma experiência semelhante a dos participantes possa ter
contribuído para o aceite dos residentes e para a rápida aproximação destes com a
pesquisadora. Minayo (2014) aponta que, na pesquisa qualitativa, o envolvimento do
entrevistador com o entrevistado, ao contrário de ser considerado um risco comprometedor da
objetividade ou uma falha, é condição para o aprofundamento de uma relação intersubjetiva.
Cabe ressaltar que as coordenadoras das RIS se mostraram abertas ao estudo,
incentivando sua realização e assinalando seu interesse na devolução dos resultados. Do
mesmo modo, os residentes das duas instituições se mostraram bastante receptivos e
interessados em participar da pesquisa. O que pode ser visto na fala a seguir:
“... a gente nem titubeou de participar da pesquisa porque é muito rico assim estar
escrevendo sobre as vivências, eu acho que tem muitas coisas muito novas para serem
discutidas sobre o psicólogo na atenção básica e daí pela via da Residência e como se dá
também essa formação...”(P6).
“Eu acho que é bem interessante ter esse espaço para parar e pensar um pouco sobre essas
questões, porque, às vezes, no cotidiano a gente acaba deixando meio de lado, então acho
que tem um ganho também meu nessa situação”(P5).
Assim, acredita-se que o tempo de duração das entrevistas possa ter refletido este
entendimento por parte dos residentes, onde os mesmos perceberam o espaço da entrevista
como uma oportunidade de parar e pensar sobre algo que ocupa grande parte do seu tempo,
pois a RMS requer dedicação exclusiva, tendo carga horária de 60 horas semanais, e que
representa uma experiência significativa e desafiadora para o profissional. Por fim, é
necessário destacar o interesse dos participantes pela devolução dos resultados.
estágio diz respeito à exploração dos dados e identificação de núcleos de sentido. E a última
etapa visa a busca de sentidos e/ou relações entre as categorias, através do diálogo entre os
temas e objetivos, questões e pressupostos da pesquisa (BARDIN, 2010).
Neste estudo, a análise de conteúdo seguiu as três etapas anteriormente citadas. Assim,
em um primeiro momento a análise das entrevistas foi realizada de forma atenta, exaustiva e
individual (leitura flutuante), na busca por aspectos que se destacavam em meio ao material
coletado. Posteriormente, os dados foram analisados em sua totalidade dando origem as
categorias de análise de conteúdo que estão baseadas em temas que se mostraram relevantes
nas entrevistas, não apenas por sua frequência, mas por se destacarem no discurso dos
participantes. Por fim, realizou-se a interpretação dos dados, devidamente agrupados nas
categorias. Tal interpretação foi feita trabalhando-se com os significados dos dados coletados
estando sustentada na fundamentação teórica apropriada.
Sobre tal questão, Minayo (2012) coloca que a interpretação se funda na compreensão
e não vice-versa, já que interpretar é organizar as possibilidades projetadas pelo que foi
compreendido. Nesse sentido, a interpretação não se configura como um fim, ou como o
único resultado sobre o objeto estudado, mas como um produto que se abre a novas
indagações.
Assim, fez-se a opção por não utilizar nenhum artefato tecnológico, como os
softwares, na análise dos dados, tendo como pressuposto o cuidado a fidedignidade dos dados
coletados. Na realização da análise através do modo tradicional, voltou-se o olhar para cada
detalhe do processo, atentando para as semelhanças, contradições, narrativas coletivas ou
específicas de um único participante ou realidade particular. Ademais, o trabalho de análise
deste estudo está sustentado pelas inúmeras reflexões que foram se construindo ao longo de
todo o processo. Sendo assim, tal entendimento vai ao encontro do que é expresso por Minayo
(2012), quando a autora assinala que os dispositivos tecnológicos privilegiam apenas uma
etapa e não levam em consideração “[...] o contexto intersubjetivo indissociável e
filosoficamente fundamental para a pesquisa qualitativa e, portanto, para o processo de
análise” (MINAYO, 2012, p. 626).
Com esta pesquisa, aspirou-se chegar à compreensão de mundo dos entrevistados no
que diz respeito à temática investigada. Minayo (2012) indica que a análise qualitativa
apresenta o verbo compreender como verbo principal, no sentido de exercer a capacidade de
colocar-se no lugar do outro. Para isso, deve-se levar em conta a singularidade do sujeito.
Entretanto, ressalta que “[...] é preciso saber que a experiência e a vivência de uma pessoa
ocorrem no âmbito da história coletiva e são contextualizadas e envolvidas pela cultura do
41
grupo em que ela se insere” (MINAYO, 2012, p. 623). Assim, toda compreensão é parcial, é
provisória, tanto a dos entrevistados, que possuem um entendimento incompleto de seu
mundo, quanto a dos pesquisadores, pois também apresentam limites no que compreendem e
interpretam.
Dessa forma, parte-se do pressuposto que o presente estudo está delimitado por (1) um
contexto institucional: no caso, os cenários nos quais são desenvolvidas as RMS, sua proposta
pedagógica, seu funcionamento (normas, regimento interno) e organização (distribuição dos
residentes nas equipes, preceptores, tutores, e unidades de saúde); (2) pela forma como cada
participante entende sua experiência, e o que produz a partir dela; (3) e da compreensão dos
pesquisadores a partir dos dados coletados. Nesse último ponto, entende-se ser necessário
explicitar de onde parte o embasamento dessa compreensão e interpretação: como já
mencionado anteriormente, a pesquisadora é residente egressa da ênfase de Atenção
Básica/ESF, além de, atualmente, participar, como mestranda e coorientadora, das reuniões de
tutoria de núcleo da Psicologia, ênfase AB/ESF, do PRMISPS da Universidade Federal de
Santa Maria. Tal condição se faz possível, pois a professora orientadora do mestrado é
também tutora de núcleo da referida ênfase. Desse modo, a pesquisadora está em permanente
contato com os psicólogos residentes, o que incorpora elementos importantes para a análise.
Por meio da análise dos dados foram constituídos três temas-eixo, sendo que cada um
foi abordado em um artigo, totalizando os três artigos dessa dissertação. No primeiro artigo,
discutiu-se o primeiro tema-eixo do estudo, o qual tratou do cenário de formação em serviço
da Residência Multiprofissional em Saúde. O segundo artigo contém o tema-eixo que aborda
a questão da formação acadêmica em psicologia para o trabalho no SUS e na atenção primária
à saúde. Já o terceiro artigo apresenta a discussão sobre a prática de psicólogos, vinculados a
Residência Multiprofissional em Saúde, no contexto da atenção básica.
como Instituição Coparticipante na Plataforma Brasil, a pedido da mesma. Cabe ressaltar que
este estudo também se encontra fundamentado pela Resolução nº 510/2016 do Conselho
Nacional de Saúde, a qual foi aprovada em 07 de Abril de 2016, que dispõe sobre as normas
aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais.
Em relação ao princípio da beneficência percebeu-se que os benefícios do estudo
puderam ser observados a curto prazo, já no desenvolvimento das entrevistas, com a
possibilidade dos participantes serem escutados numa temática que lhes diz respeito. Dessa
forma, falar sobre a experiência de psicólogo residente pode ter permitido aos entrevistados
refletir sobre esse lugar, levantando um leque de questões a serem discutidas. A médio e
longo prazo os benefícios podem decorrer da publicação dos resultados da pesquisa a fim de
ampliar o conhecimento acerca da temática aqui abordada, o que pode vir a incentivar novos
estudos sobre as práticas psicológicas nesses cenários de formação, além de contribuir para
reflexões necessárias sobre essas modalidades de formação de recursos humanos para a área
da saúde.
Para garantir o princípio da autonomia, antes da realização das entrevistas, foi
entregue e explicado a todos os participantes o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE), que foi elaborado pela pesquisadora, o qual documentava a autorização dos sujeitos
da pesquisa, informando em linguagem clara e compreensível, os propósitos do estudo, os
procedimentos, riscos, desconfortos, benefícios e direitos envolvidos, visando permitir uma
decisão autônoma, consciente e esclarecida dos sujeitos em participar ou não da pesquisa
(BRASIL, 2012b). O TCLE foi assinado em duas vias, uma ficando com a pesquisadora e a
outra com o participante. Conforme assegurado no TCLE foi garantido a todos os
participantes o sigilo em relação à sua identidade, certificando, portanto, a privacidade. Da
mesma forma, foi também elucidada a possibilidade de o participante retirar-se da pesquisa a
qualquer momento que desejasse sem qualquer prejuízo.
Considera-se que os riscos ao participar desta pesquisa foram mínimos. O Conselho
Federal de Psicologia (2000) considera pesquisa de risco mínimo aquela que não submete os
participantes a riscos maiores do que os encontrados nas suas atividades cotidianas. No
entanto, caso algum participante, durante as entrevistas individuais, manifestasse desconforto,
a pesquisadora avaliaria a situação podendo interromper a entrevista, tendo em vista o bem-
estar dos participantes. Caso se fizesse necessário o encaminhamento a um serviço de saúde
mental, a pesquisadora se responsabilizava pelo encaminhamento do participante da pesquisa,
sendo identificado aquele que melhor atendesse as necessidades do participante. Desse modo,
destaca-se que tais procedimentos garantem o princípio da não maleficência do estudo.
43
6 ARTIGO 1
Resumo
Abstract
The Multiprofessional Residencies in Health Care represent potential areas for training of
workers from the Brazilian Public Health Care System (Sistema Único de Saúde – SUS). This
study aimed to discuss aspects observed in the Residencies’ teaching scenario, which might
be affecting the training of healthcare professionals. Thus, it was conducted a qualitative
research, whose participants were eight psychology residents related to two Multiprofessional
Residency in Health Care Programs, from the city of Porto Alegre, Brazil. The participants
were psychology residents in the programs of Family and Community Health Care and
Primary Care on Public Health Care, which are developed in a primary health care level.
There were performed semi-structured interviews that were analyzed through the thematic
analysis. The results pointed out to different motivations that led the participants to engage in
a Residency Program, which, in turn, was considered a learning environment for the work at
SUS, allowing a theoretical and practical immersion through the health public policy.
Likewise, there were discussed issues related to team work, the relationship between
healthcare team and multiprofessional resident, as well as the workload. The conclusions
emphasized that the topics presented by the article must be discussed by those who are part of
Residency Programs, to search for a better comprehension of such aspects, in order to
improve this important strategy on the training for working in SUS.
Introdução
1
Para saber mais consultar “A clínica ampliada e compartilhada, a gestão democrática e redes de atenção como
referenciais teórico-operacionais para a reforma do hospital”, de Gastão Wagner de Souza Campos e Márcia
Aparecida do Amaral.
49
Caminho Metodológico
Delineamento
Participantes
Saúde da Família e Comunidade e Atenção Básica em Saúde Coletiva. Além disso, deveriam
estar cursando o segundo ano (R2) da RMS. Tal critério se justifica considerando que os
residentes já teriam vivência prática de um ano no campo de atuação, o que possibilitaria
melhor atender aos objetivos do estudo.
A seguir será apresentada uma tabela com algumas características dos participantes.
No entanto, por procedimentos éticos, optou-se por não identificar a qual dos dois Programas
de RMS os participantes estavam vinculados, uma vez que poderia haver a identificação de
algum deles devido as especificidades do estudo. Essa opção está amparada na Resolução nº
510/2016 do Conselho Nacional de Saúde, a qual pontua, nos incisos VII e VIII do artigo 3º,
como princípios éticos das pesquisas em Ciências Humanas e Sociais, da privacidade dos
sujeitos da pesquisa e da proteção de sua identidade, além da garantia da não utilização, por
parte do pesquisador, de informações obtidas em prejuízo dos participantes.
Como pode ser visto na tabela, duas residentes apresentavam outra especialização,
uma delas em Terapia Cognitivo-Comportamental e a outra em Avaliação em Serviços de
Saúde. Por sua vez, no período anterior a RMS, um dos participantes trabalhou com
acompanhamento terapêutico, outro residente desenvolveu atividades durante seis meses em
consultório particular, enquanto uma das participantes estava vinculada ao Programa Nacional
de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) por cerca de três
52
Considerações éticas
Resultados e discussão
Essa categoria é apresentada por meio de duas subcategorias que versam a respeito dos
motivos que levaram os participantes a fazer a RMS e qual sua compreensão atual sobre esse
cenário de formação, assim como a questão do trabalho em equipe e da interdisciplinaridade,
os quais são desafios propostos pela RMS aos profissionais da saúde.
1.1“... eu quis fazer Residência porque eu queria ter experiência da Residência...”: A RMS
como um espaço de aprendizagem.
A partir da análise das entrevistas foi possível perceber que os participantes entendem
a RMS como um espaço de formação para o trabalho no SUS, no qual os residentes têm a
oportunidade de experienciar situações e saberes que, em muitos casos, não foram
suficientemente abordados/trabalhados na graduação. Assim, a opção por fazer a RMS parece
estar atrelada ao desejo de ter uma experiência no contexto da saúde pública:
“... a Residência veio como uma possibilidade de trabalhar com o SUS, assim, logo em
seguida da minha graduação, porque era principalmente, é ainda, não era, o lugar de onde
eu vejo muita potência, eu acredito no SUS como política pública de saúde então eu queria
experimentar...” (P6).
“... a Residência, porque é, é uma possibilidade da gente aprender enquanto faz” (P4).
“... eu quis fazer Residência porque eu queria ter experiência da Residência, porque a
Residência é uma carga horária muito grande e é uma imersão na prática assim junto com a
teoria, é claro...” (P8).
serviço apresenta especial importância, já que permite a aprendizagem a partir das realidades
vivenciadas e do encontro com diversos saberes e diferentes profissionais presentes nas
equipes de saúde (Silveira & Pasini, 2014).
Nesse sentido, a formação em serviço possibilita ao residente experimentar diferentes
situações, instigando a problematização e a reflexão das ações para a qualificação do cuidado
em saúde. Tal constatação vai ao encontro do que é postulado por Nascimento (2014) ao
referir que é papel da Residência vislumbrar mudanças e possibilidades de novas formas de
produzir saúde. A referida autora discorre que o desafio está para além do desenvolvimento de
práticas mais qualificadas, mas na ressignificação das questões que envolvem a produção da
saúde.
Os discursos dos participantes também apontaram como motivos para fazer a RMS o
fato de identificá-la como uma espécie de complemento na formação para um trabalho no
SUS, assim como um importante espaço de trocas e discussão:
“... eu achava que ia ser uma, uma, um complemento na formação importante justamente,
porque eu não tive tanto na graduação...” (P2).
“... para mim é essa questão de trabalhar em conjunto, de ver, de debater assim com um
outro profissional, ver um outro olhar, qual é a opinião dele sobre, mas sempre, sempre
tentando ver o usuário...” (P7).
Em estudo que abordava a inserção do Serviço Social nas RMS em Atenção Básica
(Closs, 2010), quando questionados sobre os aspectos que os levaram a realizar essa
formação, os participantes apontaram motivos semelhantes aos psicólogos residentes do
presente estudo. Suas principais motivações envolviam o interesse em trabalhar no SUS
(devido à identificação com seus princípios) e estudar, de forma mais aprofundada, o sistema
público de saúde; a oportunidade de qualificação profissional; além da possibilidade de uma
primeira experiência de trabalho.
Já uma pesquisa realizada com egressos de um Programa de RMS do Estado do Rio
Grande do Sul revelou que a necessidade de qualificação profissional foi a principal
motivação para o ingresso dos profissionais na RMS (Demarco, Baldisserotto, & Rocha,
2014). Diante do exposto, parece que a qualificação profissional tem se apresentado como um
dos principais motivos para fazer uma RMS, o que também apareceu nas falas dos
participantes deste estudo. Nesse sentido, parece que a RMS tem sido percebida, pelos
56
profissionais que a almejam, como um espaço que pode lhes oferecer experiências e
conhecimentos, os quais venham a enriquecer sua formação profissional.
Destaca-se que a questão apontada pela participante (P7) a qual envolve o trabalho
multiprofissional e interdisciplinar será abordada na próxima subcategoria. Outro ponto
indicado pelos participantes foi a influência de alguns professores de suas Universidades, que
se encontravam envolvidos com o processo da RMS, e que dividiram suas experiências nas
aulas e problematizaram essa modalidade de formação. Da mesma forma, também assinalam
a influência de amigos que estavam cursando a RMS e que contavam de seu cotidiano de
trabalho. Esses dois atores incentivaram, de certa forma, alguns participantes a realizar essa
formação:
saúde, a RMS engloba processos de produção de sujeitos políticos, tornando-se mais do que
uma formação técnica (Ceccim & Feuerwerker, 2004; Pasini, 2010).
Os profissionais participantes do estudo apresentam um entendimento da RMS como
um importante cenário de aprendizagem, onde a possibilidade do errar, tentar de novo,
acertar se faz presente, proporcionando um conhecimento significativo, o qual parte das
experiências do cotidiano, da realidade dos serviços de saúde, conforme revela a fala a seguir:
“Como o meu trabalho é na Residência e a Residência é uma formação então a gente pode se
experimentar, aqui é um lugar que a gente pode se dar o direito de aprender a fazer as coisas
[...] então eu acho que a Residência tem um papel fundamental em nos dar segurança para
trabalhar com isso, porque é muito diferente do que a gente aprende na Academia, é bem
diferente assim, o profissional que a gente aprende a ser na Academia e o que que esperam
da gente quando a gente vai trabalhar na Atenção Básica" (P4).
No relato da residente (P4), assim como de outros participantes, a RMS aparece como
um espaço que tem conduzido a importantes mudanças nos processos de formação dos
profissionais de saúde, sendo entendida pelos participantes como um ambiente para aprender.
Seja pela segurança que oferece ao profissional para experimentar novos modos de cuidado
em saúde, seja pela proposta de formação em serviço, a qual parece proteger, de certa forma,
o residente no que diz respeito ao seu fazer. Ou seja, ao estar vinculado a um Programa de
RMS, entende-se que esse profissional apresenta um suporte pedagógico e institucional, já
que é uma formação, não apenas um serviço, o qual busca qualificar sua atuação na área da
saúde ao proporcionar um ambiente de aprendizagem que oferece ao residente possibilidades
de reflexão sobre os sentidos de suas práticas.
De acordo com Trentin e Fajardo (2014), os processos de formação em serviço
possibilitam ressignificar o pensar e o agir em saúde, resultando no desenvolvimento de
dispositivos de intervenção que possam responder à atenção e o cuidado à saúde. Assim
sendo, por meio da análise da fala da participante, entende-se que os residentes têm buscado
refletir e ressignificar seu fazer através do ambiente de ensino oferecido pela RMS.
Destaca-se que o distanciamento apontado pela residente entre a formação recebida na
graduação e o que é esperado dos trabalhadores nos campos de atuação profissional, incluindo
os serviços da Atenção Básica, é um aspecto delicado que permeia o cenário do ensino da
saúde. Um exemplo disto é que desde a implementação do Programa Saúde da Família no
nível de Atenção Básica, no ano de 1992, criou-se uma demanda por profissionais preparados
58
para uma atenção diferenciada daquela para a qual as universidades estavam formando
(Pasini, 2010). No entanto, essa questão permanece presente nos dias atuais, com
modificações importantes, mas ainda incipientes.
Ainda hoje, pode-se ver, na área da saúde, certa divergência entre as propostas de
ensino e as necessidades dos serviços e da população. No entanto, Ceccim (2010) indica que a
formação multiprofissional de trabalhadores do campo da saúde tem se tornado uma temática
constante em espaços que discutem a consolidação do sistema de saúde brasileiro. Nesse
sentido, Lobato (2010) postula que não ocorrerão mudanças nas práticas de cuidado em saúde
sem a formação de trabalhadores desejantes de um SUS fortalecido, apontando a RMS como
um espaço potente para que essas mudanças se concretizem.
Assim, a RMS apresenta o desafio de minimizar a dicotomia entre o ensino e o
cuidado em saúde. Essa modalidade de formação contempla discussões propostas pela
Reforma Sanitária e pela legitimação do SUS, na busca da construção de práticas
comprometidas com a concepção de saúde proposta pelo sistema público brasileiro (Rosa,
2010). Continuando a discussão da RMS como um espaço de aprendizagem, outros
depoimentos vêm para contribuir com o debate:
“Acho que é uma formação muito importante, eu me sinto preparada assim saindo da
Residência agora para trabalhar no SUS. Acho que eu cresci muito, até de perspectivas que
eu tinha de como trabalhar no SUS, acho que eu revolucionei muito do que eu acreditava que
deveria ser feito e consegui transformar um pouco dessa experiência, mas acho que é um, é
um processo assim, é uma trajetória” (P8).
“Eu fico imaginando assim se eu tivesse saído da graduação e tivesse passado em um
concurso, por exemplo, e ido direto trabalhar talvez... tivesse tido muito trabalho, talvez não
conseguisse, talvez tivesse ficado muito insegura assim, porque é difícil assim, os desafios são
muito grandes e a Residência nos dá segurança, nos dá um aporte importante para conseguir
fazer esse trabalho”(P4).
Atualmente, grande parte dos serviços de saúde apresentam equipes compostas por
profissionais de diferentes formações acadêmicas. Inseridos nessas equipes, os trabalhadores
da saúde tem como desafio a construção de práticas integradas e compartilhadas, baseadas em
uma abordagem interdisciplinar.
Cabe destacar que os psicólogos residentes desenvolviam suas atividades em unidades
com equipes de saúde compostas pelo mínimo de trabalhadores recomendados pelo Ministério
da Saúde: médico, enfermeiro, técnico ou auxiliar de enfermagem e agente comunitário de
saúde. Grande parte dos serviços contava também com a equipe de saúde bucal, e outros
profissionais como nutricionistas, psicólogos, fisioterapeutas, entre outros, além de residentes
de diferentes núcleos.
Os profissionais que participaram do estudo, quando questionados sobre sua
perspectiva de trabalho em equipe, enalteceram a riqueza dessa proposição, ao mesmo tempo
apontaram aspectos que podem vir a ser dificultadores dessa prática:
60
“... eu acho que é um trabalho muito rico, mas ele é um trabalho muito difícil, porque são
pessoas que vem de, de formações muito diferentes, tanto de núcleo quanto de épocas; tem
pessoas lá que estão lá desde que abriu o posto, vinte e tantos anos e tem pessoas que estão
chegando agora [...] eu acho que quando a gente consegue achar uma brecha de compor com
o outro é um trabalho muito rico...” (P8).
“A gente encontrava muita abertura dos profissionais para discutir, sobretudo da dentista
que foi nossa preceptora durante meio ano... então foi muito bom, a gente encontrava uma
boa abertura da equipe para discutir, para trabalhar. A gente tinha um pouco mais de
dificuldade com a médica, não por ela ser uma pessoa de difícil acesso, era super tranquilo,
mas porque ela acabava ficando só no consultório atendendo...” (P5).
superá-las. Por outro lado, podem contribuir para que as ações em saúde sejam pensadas de
forma mais ampla, enriquecendo as intervenções dos profissionais.
Assim como Pasini (2010), acredita-se que o trabalho em equipe não constitui a
construção de pares homogêneos, ao contrário, é através da diferença que se produzem outras
subjetividades e assim, outros modos de trabalhar em saúde. As falas a seguir abordam essa
ideia de construção coletiva:
“... mas é difícil assim, porque tu tem que um pouco que abrir mão do teu conhecimento, às
vezes, para estar compondo com outra pessoa e um pouco de conseguir criar um
conhecimento que seja comum das duas profissões, ou das três profissões enfim, mas vale
muito a pena” (P8).
“... eu acho bem assim [pausa] potente, é um trabalho que vai construindo e reconstruindo e
que é muito difícil [...] eu acredito muito no trabalho em equipe, só que sempre tem que estar
se reconstruindo, sempre tem que estar puxando, sempre tem que ter aquela pessoa que puxa
a equipe ou tenta trazer alguma coisa para refletir” (P3).
“... eu não vejo, não consigo entender o trabalho de saúde sem, sem uma equipe, porque não
tem como, é um trabalho muito adoecedor, complexo e sem uma equipe tu não consegue
encaminhar e nem ter respaldo e troca...” (P6).
“... lá na Unidade eu percebo que existe muito essa troca assim e é bem importante [...] tenho
aprendido muito com essa troca, com a possibilidade de poder trocar, conversar e dialogar
com outros núcleos profissionais e de poder extrapolar essas bordas, de poder borrar
também com o trabalho do outro, de poder acompanhar os agentes comunitários, de
aprender muito no dia a dia com eles, de permitir que a gente entre em contato, saia um
pouco dessa questão da especialidade, de que não, aqui é meu papel depois não é mais ou
aqui é teu, isso eu não faço, mas como que a gente pode dialogar e de construir um cuidado
coletivo de fato...” (P1).
“... eu acho que a gente também enquanto residente, nesse processo de ter aula, de parar
para pensar enfim o processo de trabalho, eu acho que a gente aprende bastante e a gente vê
que realmente há um potencial de se trabalhar em equipe...”(P7).
“... o que eu vejo como algo, mas que enfim que é do processo de Residência e que também
vem se repensando nisso, é um esgotamento assim, de muitas atividades, de 60 horas por
semana, acaba gerando um esgotamento, às vezes a gente acaba ficando muito no
desenvolvimento de atividades e pensa muito pouco e tem muito pouco tempo para pensar
sobre essas mesmas atividades que a gente desenvolve, sobre o nosso processo de
trabalho...”(P1).
“... eu acho que é bem interessante ter esse espaço [da entrevista] para parar e pensar um
pouco sobre essas questões [da Residência], porque, às vezes, no cotidiano a gente acaba
deixando meio de lado, então acho que tem um ganho também meu nessa situação” (P4).
No sentido que a RMS vem como uma forma de qualificar o profissional de saúde
para um trabalho no SUS, o excesso de carga horária juntamente com o excesso de atividades
parece não ser a maneira mais adequada de pensar esse processo de aprendizagem. Sobre essa
questão, Pasini (2010) assinala que essa lógica imposta de uma carga horária extensiva,
dificulta a experiência, unindo-se a uma lógica que entende a aprendizagem por acumulação,
em uma aproximação quantitativa do conhecimento.
A referida autora problematiza a questão da carga horária prevista para a RMS,
utilizando-se de Larrosa (2002), ao referir que a experiência, que nesse caso é de ensino em
serviço, não pode ser confundida com trabalho. Do mesmo modo, Larrosa (2002) argumenta
que a experiência requer gestos de interrupção, requer momentos para pensar, olhar, escutar
aos outros, cultivar a arte do encontro, ter paciência e dar-se tempo e espaço. Entende-se que
esses aspectos, apontados pelo autor, talvez não estejam sendo valorizados da forma que
deveriam no espaço da RMS, já que a participante (P1) diz que “... pensa muito pouco e tem
muito pouco tempo para pensar sobre essas mesmas atividades...”. Essa é uma questão que
chama a atenção, pois não está de acordo com os ideais desse cenário de formação, aliás, é o
oposto do que se espera das RMS. Nesse sentido, os depoimentos dos residentes parecem
apontar que a exigência do preenchimento das 60h estaria comprometendo a questão
formativa. Contudo, entende-se que se o objetivo da Residência Multiprofissional é formativo
se tem que garantir esse direito.
Outro aspecto referido nas falas dos participantes é a questão do esgotamento.
Atualmente, vincula-se esgotamento profissional a denominada síndrome de burnout, a qual
tem atingido diversos profissionais da saúde, incluindo os da Atenção Básica (Silva &
Menezes, 2008), contexto no qual os residentes deste estudo desenvolvem suas atividades.
Entende-se que a Atenção Básica é um nível de saúde complexo, que se utiliza de tecnologias
leves para a resolução dos problemas, tendo importância fundamental para a organização do
sistema de saúde brasileiro (Martins, Laport, Menezes, Medeiros & Ronzani, 2014).
Entretanto, uma de suas características é o estabelecimento de relações interpessoais diretas e
contínuas entre usuários e profissionais visando um cuidado integral. Nesse sentido, o
esgotamento profissional poderia estar prejudicando não apenas o processo de aprendizagem
do residente, mas também sua atuação junto aos usuários dos serviços.
Em estudo desenvolvido por Miranda Neto (2015), o qual tinha como objetivo
compreender os limites das RMS para a educação interprofissional, os residentes assinalaram
um descontentamento relacionado à carga horária de trabalho, referindo grande desgaste
devido à complexidade das atividades que desempenhavam o que provocava sofrimento e
65
“... eu acho muita loucura assim uma pessoa trabalhar 60 horas, por exemplo, na área da
saúde, uma pessoa que está em formação inclusive...” (P2).
“... acho que a gente tem que lutar por uma redução das 60 horas, porque realmente é
demais, mas, além disso, o cuidado que os coordenadores tem que ter com esses residentes
[...] como é que tu vai cuidar se tu mesmo não está cuidando de ti sabe [...] e ao mesmo
tempo se fortalecer enquanto residente para ter essa vivência mais saudável, e ter essa
proteção assim [...] para não ficar um sucateamento, aquela questão da exploração do
trabalho...” (P7).
Visualiza-se, por meio das falas, que os residentes têm o entendimento de que as 60
horas podem acarretar em consequências negativas tanto para a formação quanto para a saúde
desse trabalhador. Com relação à carga horária, é necessário esclarecer que a Portaria nº 45
ME/MS (Brasil, 2007) possibilitava a carga horária de 40 a 60 horas semanais para as
Residências Multiprofissionais. Porém, em 2008, a Portaria Interministerial nº 506, instituiu a
carga horária de 60 horas semanais, não considerando as particularidades da RMS. O
principal argumento para essa alteração foi a necessidade de equivalência de carga horária
com a Residência Médica, tendo em vista que as duas modalidades de formação apresentam
valores isonômicos de bolsa (Closs, 2010).
Pasini (2010) pontua que tal deliberação acabou por motivar inúmeras discussões entre
os atores envolvidos com a RMS (coordenadores de programas, tutores, preceptores e
residentes), pois representava mais do que a simples inclusão de horas, implicava na discussão
dos objetivos dessa formação. De acordo com Closs (2010), a carga horária anterior
possibilitava certa flexibilidade na organização das atividades em serviço, sendo mais
adequada a proposta da RMS, já que esta apresenta outros campos de práticas para além do
hospital. Além disso, o objetivo da RMS não está voltado para o treinamento em serviço, o
qual é a perspectiva usada pela Residência Médica.
Em seu estudo, Miranda Neto (2015) refere que a problematização dessa temática tem
o intuito de que a carga horária estipulada seja proveitosa para o residente, garantindo uma
formação qualificada para o SUS. A respeito disso, entende-se que a experiência da RMS não
deve estar atrelada a um excesso de atividades, ou a um simples preenchimento das horas
66
“... acho que até tem muita coisa que residente faz e que às vezes a gente tem que dar conta
de muita coisa e isso, essa demanda excessiva, às vezes, de trabalho e pela característica da
Residência, das 60 horas nos impossibilita, para mim tem impossibilitado entrar em contato
com outras coisas assim, às vezes de respiro, espaços de poder respirar para talvez pensar e
ir dando conta dessa rotina, isso que para mim eu vejo como uma dificuldade com relação a
minha prática, de pouco tempo de poder pensar sobre a minha prática, de fazer outras coisas
que às vezes iam fazer mais sentido, de dar conta dessa rotina” (P1).
Dessa forma, a proposta inicial da RMS de uma imersão no trabalho, como forma de
potencializar a experiência do profissional, pode estar tendo impactos que não foram pensados
quando da construção desse projeto. Contudo, entende-se que a resposta a essa questão não é
simples, visto que os Programas seguem uma regulamentação nacional e possíveis mudanças
na carga horária implicam em alterações significativas na organização e funcionamento dos
Programas de Residência Multiprofissional. No entanto, percebe-se que os aspectos apontados
pelos autores já citados, assim como pelos participantes do estudo, estariam indicando que o
tema envolvendo esse regime de trabalho se encontra presente no cenário das discussões,
reflexões e possíveis qualificações dos Programas de RMS, podendo colocar em questão a
própria regulamentação hoje em vigor.
Essa categoria apresenta aspectos que versam a respeito da relação estabelecida entre
equipe de saúde e residente. Entende-se que os diferentes aspectos aqui apontados pelos
psicólogos residentes permeiam o processo de trabalho e o cotidiano dessa formação em
serviço, sendo de fundamental importância um olhar ampliado para essas questões. O
primeiro elemento assinalado pelos participantes diz respeito a expressão de uma certa
desvalorização de seu trabalho, assim como alguns questionamentos relacionados a atuação
do residente:
“... parece que o residente ele não sabe o que está fazendo, às vezes, parece que tem um
pouco de desvalorização sobre o nosso trabalho [...] se a gente faz A tem que ser B, se a
gente faz B tem que ser A, e assim fica uma coisa um pouco assim desconfortável para quem
está nessa situação...” (P4).
“... a gente é cobrado para responder como profissional e a gente é cobrado para responder
como tipo um estagiário assim então para gente, às vezes, é muito difícil saber que papel que
tu está desempenhando naquele momento. Tem coisas que a gente quer bancar enquanto
profissional que daí nos lembram que a gente é só um estudante, um residente, um mero...e
tem outras situações que a equipe não consegue dar conta e eles te jogam na frente do tipo:
não, tu é profissional, tu assume...” (P8).
Com base nos discursos das participantes, parece que as equipes de saúde apresentam
um entendimento um pouco confuso sobre o papel e o lugar do residente no serviço. Sendo
considerado, em muitas situações, um estagiário, que tem sua atuação limitada dentro da
equipe; enquanto em outros momentos deve ter responsabilidade e compromisso para assumir
os casos, pois já é um profissional. Pasini (2010) contribui para essa discussão indicando que
são comuns os questionamentos em relação ao grau de autonomia e responsabilidade do
residente diante do processo de saúde. A autora comenta que existe uma constante tensão
sobre o lugar ou papel dos residentes na composição dos serviços, o que também foi apontado
no estudo realizado por Drago, Salum, Andrade, Medeiros e Marinho (2013).
No estudo citado, o qual aborda a inserção de residentes de enfermagem em um
Hospital Universitário, os profissionais das equipes demonstraram desconhecer o papel dos
residentes, não diferenciando seu modo de atuação das estagiárias de final do curso de
graduação. Entende-se que essa dificuldade de compreensão pode estar baseada no fato de
que o residente multiprofissional não era, até pouco tempo atrás, uma figura presente nos
serviços de saúde. Na verdade, esse personagem residente não existia, ele teve de ser
68
inventado (Dallegrave & Kruse, 2009). Assim, sendo um novo ator no cenário da saúde,
parece ainda causar estranheza nas equipes, ao não saberem se estão lidando com um
estudante ou com um profissional:
“Muitas vezes não entendiam mesmo a função do residente, então várias vezes na tutoria, a
tutora ia na reunião de equipe, explicava a função do residente, a gente falava” (P3).
“... A gente tem a semana típica, de segunda a sexta [...] então a gente expunha isso para a
equipe que dias eu ia fazer tal coisa, porque tinha muito disso, alguns relatavam: ah a
Unidade pegando fogo e a residente estava lá lendo ou fazendo, ou conversando achando que
era fofoca e não percebia que tu sentar, conversar, isso também é processo de trabalho...”
(P3).
Através da análise da fala da participante (P3), percebe-se que a equipe não tem
clareza que o papel do residente no serviço é diferenciado dos outros trabalhadores, já que ele
é um profissional, mas um profissional em formação. Ou seja, que precisa desenvolver
atividades teórico-práticas. Tais atividades, cuja nomenclatura difere de acordo com o
Programa, incluem seminários de núcleo e de campo, leituras dirigidas, oficinas, estudos de
caso e aulas teóricas, articuladas com as práticas em serviço (Martins, Rosa, Basso, Orofino &
Rocha, 2010). Todas essas atividades buscam formar trabalhadores críticos e
69
“... a gente sempre orienta ‘não, passa pelo acolhimento’ alguém vai escutar, alguém tem
que escutar em primeiro lugar, não precisa ser a gente, até porque se a gente pensar em
vínculo essa pessoa não pode ter só vínculo com a gente nessa equipe, ela tem que ter com
outras pessoas...”(P2).
diversas cobranças que eram realizadas, as quais voltavam-se, principalmente, para os turnos
em que os residentes estavam desenvolvendo alguma atividade fora do serviço:
“... a equipe sempre cobrando isso assim, sempre cobrando que os residentes, principalmente
os R2 nunca estão no campo [...] eles vão lá: cadê o fulano da psicologia? [...] quando vêm
essas cobranças, por exemplo, do tipo assim ah não está na Unidade, o que será que está
fazendo? vem sempre em forma de brincadeira, aí até tu desarticular aquela brincadeira e
dizer: não oh, eu sou residente [risos], o meu papel aqui, o meu vínculo é diferenciado de
vocês, eu tenho outras atividades...” (P2).
“... para os profissionais da ESF também terem noção do que que a gente está fazendo ali ou,
por exemplo, nos turnos que a gente não está dentro da Unidade, que a gente está fazendo
VD, então os profissionais conseguem saber, bom eu não estou faltando serviço, eu estou lá
fazendo VD” (P5).
Apesar dos entrevistados pontuarem diversas questões que dificultam uma boa relação
com as equipes de saúde, também ressaltaram alguns pontos positivos dessa relação. O
primeiro deles diz respeito a uma boa comunicação estabelecida com os diferentes
profissionais das equipes:
“... sempre tive uma abertura para conversar com quem eu precisasse, médico, enfermeiro,
dentista precisei já, agente comunitário, nunca tive problema nenhum assim [...] eu procuro
eles e eles me procuram, é a mesma liberdade, que eu dei para eles, eles me dão também...”
(P4).
“... é uma Unidade que se preocupa muito e investe muito na formação em serviço, então a
Residência, ter residentes nessa Unidade de Saúde, para essa equipe, pros trabalhadores é
algo que eu vejo como muito potente assim, a equipe legitima muito este lugar residente,
nesse espaço, no processo de trabalho, então é uma equipe que por acreditar também no
trabalho do residente, por potencializar esse lugar chama muito assim, pras atividades, para
dar conta de inserir mesmo no processo de trabalho...” (P1).
72
“... fiquei feliz que a equipe foi super aberta para a gente bolar a semana [da consciência
negra], a gente teve a ideia de fazer a camiseta com o tema do novembro e a equipe toda
colocou, mesmo depois de novembro enfim, dezembro, janeiro, o pessoal ia, continuava indo
com a camiseta que falava da questão da consciência negra...” (P7).
Através da análise das falas, percebe-se que as equipes têm buscado legitimar as
contribuições dos residentes para o serviço de saúde, entendendo que esse profissional pode
vir a somar conhecimentos e qualificar as práticas desenvolvidas. Em estudo realizado por
Domingos, Nunes e Carvalho (2015), o qual tratava da percepção do trabalhador de saúde
sobre as potencialidades da inserção da RMS em unidades de Saúde da Família, os
participantes assinalaram como positiva a presença de residentes no serviço. Segundo os
trabalhadores, o residente era um apoio importante na prestação do cuidado, ampliando a
capacidade da equipe de resolver problemas, através da troca de conhecimentos e da
discussão de casos.
Ainda como um fator positivo da relação com a equipe, os participantes destacaram o
agente comunitário de saúde (ACS) como um membro que parece trabalhar bem com os
residentes. Tal aspecto pode ser visto nas seguintes falas:
“... costumam trabalhar bem e trabalham muito bem com os residentes...” (P2).
“... os agentes de saúde são pessoas que demandam bastante [...] são bem dedicados com a
gente, tipo se preocupam com uma situação e vem conversar com a gente, porque, às vezes, o
agente de saúde sabe bastante coisa...” (P6).
“... uma parte dos agentes comunitários pegava muito junto, eram muito legais...” (P3).
De acordo com os depoimentos, o ACS foi referido como alguém que buscava estar
próximo do residente multiprofissional, desenvolvendo atividades em conjunto, além de estar
disposto a contribuir com informações relevantes sobre os casos acompanhados pelo
residente. No estudo de Domingos et al. (2015), os ACS assinalaram que a inserção da
Residência na unidade de saúde proporcionou um avanço no trabalho multiprofissional da
equipe, tanto pela presença de residentes de diferentes áreas de conhecimento, que
proporcionava um olhar ampliado diante dos casos; quanto pela prática dos residentes, que
estava voltada para o trabalho interdisciplinar e influenciava, de certa forma, os outros
profissionais a atuar da mesma maneira.
73
“Ontem mesmo eu estava conversando com uma preceptora [...] ela estava dizendo que
achava que também tinha muito a ver com a personalidade da pessoa, com características
dela. Que tu via a partir desse processo também quem era o profissional que estava ali [...]
está fazendo aquilo porque tá é uma especialização [...] e como uma forma de se sustentar
também, e tem outras pessoas que estão por uma formação no SUS” (P2).
“... não que essa formação é frágil sabe, mas quanto isso depende de cada perfil, do
residente, e qual a formação que tu quer traçar [...] o desenvolvimento dessa, da formação da
Residência é muito do que tu quer buscar para ti também [...] mas também isso vai de cada
um, não adianta, porque isso é de perfil, é de perfil...”(P3).
74
“... acho que a gente e aí no dia a dia consegue tensionar muitas coisas, claro depende
também da aproximação e do entendimento que cada pessoa tem, e que também o processo
de formação não é único, cada pessoa vai, a sua trajetória de formação vai ser diferente
enfim, partindo das coisas que acredita...”(P1).
“... dentro da Unidade tem ex residentes, tem profissionais que já foram residentes e a gente
vê uma atuação completamente distorcida, então...até que ponto a, a Residência tem essa
força?[...] às vezes a gente vê pessoas que se, acabam a Residência e começam a atuar, tem
todo esse aporte e começam a atuar numa forma bem contraditória...” (P3).
profissionais egressos por meio do rompimento com o paradigma biologicista e pela adoção
de uma nova perspectiva de cuidado (Schaedler, 2010). Sendo assim, o residente egresso pode
vir a ser o profissional que busca tensionar a equipe para que repense sua forma de atuação,
questionando práticas rígidas, muitas vezes, consolidadas, e que podem não estar sendo
efetivas no cuidado à saúde da população.
Essas problematizações se fazem presentes no processo pedagógico de formação do
residente, que é voltado para o trabalho no SUS, e que tem exercido papel estratégico no
tensionamento ao modelo criticado e na produção de linhas de fuga no encontro educação-
trabalho-saúde (Silva & Caballero, 2010). Ou seja, o profissional que passa por essa formação
é instigado a repensar questões do trabalho em saúde nos espaços de discussão propostos pela
RMS. A partir daí, a ideia é de que possa levar essa discussão para os serviços onde atua,
mesmo após a conclusão do curso.
De acordo com o entendimento de trabalhadores de saúde participantes do estudo de
Domingos et al. (2015), a inserção da Residência na unidade de saúde possibilitou a reflexão
teórica sobre o trabalho cotidiano por meio da convivência diária com o residente. O aporte
teórico apresentado pela Residência foi apontado como importante contribuição para a
formulação e reorganização das ideias e valores dos profissionais das equipes, acarretando na
mudança de práticas antigas instituídas na unidade.
Alguns estudos que abordam a temática da Residência destacam que grande parte de
seus egressos tem conseguido encontrar espaço no mercado de trabalho, principalmente no
SUS (Closs, 2010; Rossoni, 2010). Desse modo, o profissional que finaliza uma RMS pode
vir a exercer uma função estratégica para possíveis transformações no modo de atuação das
equipes de saúde, utilizando-se do conhecimento problematizado em sua formação, para
provocar certa desacomodação nas equipes, promovendo uma reflexão sobre seu modo de
atuação, e a produção conjunta de novas ações.
Diante do exposto, compreende-se que a consolidação das Residências
Multiprofissionais ainda está em processo de construção, visto que vários Programas
apresentam menos de dez anos de atuação. Assim sendo, muitos são os desafios impostos a
essa formação, pois se trata de uma tarefa complexa provocar a mudança de um modelo
consolidado, e que ainda hoje permeia o ensino em saúde. Contudo, esses desafios se fazem
presentes no ambiente dessa formação e precisam ser discutidos e problematizados pelos
Programas para que não haja uma distorção dos princípios e objetivos da RMS, resultando no
desenvolvimento de profissionais não comprometidos com o SUS e incapazes de provocar
transformações no pensar e fazer em saúde.
77
Considerações Finais
esses atores. Parece que o residente ainda desperta certa estranheza nos outros profissionais da
equipe, que não conseguem determinar um lugar para esse personagem. Nesse sentido,
acredita-se que a presença do residente pode estar mobilizando diversos sentimentos e reações
nos profissionais, sendo necessário que o residente possa estar ciente dessa situação. Da
mesma forma, os Programas devem estar atentos a essa relação, dialogando com os campos
de atuação para que a formação em serviço não fique prejudicada.
Cabe destacar que a relação com o preceptor ou tutor da psicologia não apareceu de
modo expressivo nas falas dos participantes, apesar da presença diária de alguns desses
profissionais junto aos residentes. Quando abordadas questões da equipe, os psicólogos
geralmente se referiam aos profissionais da equipe mínima ou aos residentes de outros
núcleos. Esse dado chama a atenção já que ao contar com a presença de um psicólogo fixo no
serviço a aproximação com o residente da psicologia deveria acontecer sem grandes
dificuldades. Pensando no processo de formação, é interessante a presença do profissional do
mesmo núcleo para que o residente possa se espelhar em suas ideias e ações, refletindo sobre
as dificuldades e potencialidades desse trabalho, principalmente quando o núcleo, como é o
caso da psicologia, não faz parte da equipe mínima da Atenção Básica e enfrenta o desafio de
consolidação de seu trabalho nesse contexto.
O perfil do residente não alinhado a proposta de ensino, assim como profissionais
egressos que venham a desenvolver práticas incompatíveis com os princípios do SUS são
alguns dos desafios presentes no cenário da Residência. Assim, a ideia de realizar um grande
investimento financeiro no residente com o objetivo de capacitá-lo para o trabalho no SUS
pode ficar comprometida, na medida em que possíveis interesses e entendimentos desse
profissional não estejam alinhados a proposta da Residência. Nesse sentido, é necessário que
os Programas possam refletir sobre esses desafios, já que podem ser questões cada vez mais
presentes nesse contexto devido ao atual cenário do mercado de trabalho no país.
Salienta-se que ao apostar na produção de conhecimento entrelaçando teoria e prática,
as Residências vislumbram mudanças no perfil dos profissionais da saúde e
consequentemente no modo como a saúde vem sendo pensada e produzida no cotidiano do
SUS. Contudo, para que essas mudanças sejam concretizadas é necessário que os residentes
estejam cientes do importante lugar que ocupam diante da melhoria e da qualificação do
sistema público de saúde.
Por fim, ressalta-se a importância do desenvolvimento de outras pesquisas, em
contextos diferentes do presente estudo, para que os aspectos aqui apresentados possam ser
79
mais bem compreendidos, potencializando essa discussão com vistas a aperfeiçoar essa
importante estratégia de formação para o SUS.
Referências
Böing, E., & Crepaldi, M. A. (2010). O psicólogo na atenção básica: uma incursão pelas
políticas públicas de saúde brasileiras. Psicol., Ciênc. Prof., 30(3), 634-649.
Brasil. (2005). Lei nº 11.129 (2005, 30 de junho). Institui o Programa Nacional de Inclusão de
Jovens – ProJovem; cria o Conselho Nacional da Juventude – CNJ e a Secretaria Nacional de
Juventude; altera as Leis no 10.683, de 28 de maio de 2003, e 10.429, de 24 de abril de 2002;
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83
7 ARTIGO 2
Resumo
Abstract
Introdução
Guareschi, 2013). As reflexões das autoras se assemelham ao que é discutido por Dimenstein
e Macedo (2010) ao afirmarem que o trabalho no SUS implica em uma formação que
considere diferentes aspectos, um conhecimento interdisciplinar e o compromisso com o
desenvolvimento de práticas voltadas às necessidades da população.
No que diz respeito ao nível de atenção básica, considerada porta de entrada do
sistema público de saúde (Starfield, 2002), a literatura confere destaque a necessidade de
aprofundamento de questões relacionadas a formação do psicólogo para que não haja a
simples transposição de ações do modelo clínico tradicional ao nível primário de atenção à
saúde (Soares, 2005; Böing & Crepaldi, 2010). Nepomuceno (2014) destaca um processo de
reconfiguração que vem sendo realizado no âmbito da saúde, com a criação de novos
ambientes de trabalho, tais como os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) e as
Residências Multiprofissionais em Saúde (RMS), que possibilitam uma atuação diferenciada
do psicólogo no sistema público. Contudo, o autor ressalta que a entrada da psicologia nesses
cenários ainda desperta um despreparo histórico da categoria para desenvolver um trabalho
em sintonia com os imperativos de mudança.
Desse modo, um dos desafios que o psicólogo enfrenta ao trabalhar no SUS é o de
uma formação mais próxima de seus princípios e das necessidades de seus usuários (Spink &
Matta, 2010). Mas essa não é uma preocupação apenas desse núcleo profissional. A literatura
evidencia que a formação de profissionais na área da saúde, na qual também se encontra a
Psicologia, ainda apresenta um ensino clássico, tecnicista e preocupado com a sofisticação
dos procedimentos, se mostrando distante da realidade social (Dimenstein & Macedo, 2010;
Ceccim & Feuerwerker, 2004). Nesse sentido, a necessidade de mudanças na formação em
saúde tem sido uma questão bastante debatida no país, provocando movimentos nos cursos de
graduação. Essas propostas formativas partem do entendimento de que a formação é uma das
questões centrais no que diz respeito à transformação das práticas profissionais mais alinhadas
as políticas de saúde (Biscarde, Pereira-Santos & Silva, 2014).
Em relação à formação dos psicólogos, as intensas discussões sobre mudanças no
ensino acadêmico ganharam força com a promulgação das Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCN) para os cursos de Psicologia, no ano de 2004. O referido documento sugere novos
caminhos para a formação desse profissional, através de uma concepção de ensino generalista,
que incentiva uma maior flexibilização dos desenhos curriculares (Ceccim & Carvalho, 2005),
e que apresenta como uma de suas ênfases a atenção à saúde.
Nesse sentido, as Diretrizes Curriculares propõem a articulação de conteúdos e o
desenvolvimento de competências e habilidades que buscam despertar no acadêmico a
88
Caminho Metodológico
Como pode ser visualizado na tabela, duas participantes já haviam realizado outra
especialização. A primeira delas em Terapia Cognitivo-Comportamental, e a segunda em
Avaliação em Serviços de Saúde. Por sua vez, no período anterior a RMS, um dos
participantes trabalhou com acompanhamento terapêutico, outro residente desenvolveu
atividades durante seis meses em consultório particular, enquanto uma das participantes
estava vinculada ao Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção
Básica (PMAQ-AB) por cerca de três anos. Os demais psicólogos tiveram seu ingresso na
Residência Multiprofissional logo após a conclusão do curso de graduação.
90
2014). A partir desse processo, foram desenvolvidas categorias e subcategorias, que são
apresentadas nos resultados desse artigo, quais sejam, 1. Movimentos da formação em
psicologia: a aproximação com o contexto do SUS; 2. Subsídios para a formação em
psicologia (Valorizando SUS e SUAS: a importância da temática das políticas públicas;
Disciplina de grupos: um diferencial no trabalho do psicólogo na atenção básica).
Resultados e discussão
“... tem muitas disciplinas de políticas públicas, saúde coletiva enfim, de políticas públicas de
saúde, políticas públicas no geral assim para poder também dar conta das políticas de
educação, de assistência social [...] é uma formação bem, para mim, bem importante assim, é
um curso que propicia que a gente tenha contato com várias dimensões assim, de aspectos de
trabalho, das práticas do psicólogo...” (P1).
“Tive disciplinas de saúde coletiva e políticas públicas, tive disciplina de psicologia da
saúde, que era voltado mais para as políticas públicas específicas da saúde, de como a
Psicologia atua minimamente assim [...] ela fazia uma certa relação com a psicologia
comunitária, do trabalho com as áreas da saúde, estudos de caso...” (P4).
“Tive várias assim, eu acho que a X [universidade onde realizou a graduação] começou o
curso de Psicologia para formar na saúde, então tive muitas cadeiras de políticas públicas e
92
pensando até em saúde coletiva, o quanto que é o papel do psicólogo dentro do SUS, então eu
acho que foi uma formação bem para isso assim...” (P8).
Os discursos dos participantes parecem apontar para importantes mudanças que tem
sido incentivadas nos currículos de graduação em psicologia após a promulgação das
Diretrizes Curriculares Nacionais que, além de outros aspectos, propõem uma formação de
cunho generalista que proporcione a inclusão de saberes e práticas voltadas para a atuação do
psicólogo nas políticas públicas de saúde (Reis & Guareschi, 2013). Desse modo, parece ser
possível inferir que os cursos de psicologia, nos quais os participantes concluíram suas
graduações, apresentam a oferta de disciplinas que buscam propiciar certa ampliação do olhar
dos acadêmicos para além do modelo clínico tradicional, o que condiz com as propostas das
Diretrizes Curriculares. Silva e Yamamoto (2013) apontam que apesar do modelo clínico
ainda exercer certo fascínio sobre a formação e o exercício profissional do psicólogo, novos
espaços de atuação se evidenciam, ampliando as oportunidades profissionais. Nesse sentido,
compreende-se que o ensino da psicologia precisa atentar para os múltiplos cenários de
atuação do psicólogo adequando suas grades curriculares as novas demandas. Sendo assim,
acredita-se, como Soares (2005), que as instituições formadoras devem repensar o profissional
psicólogo que desejam formar, considerando a mudança dos paradigmas que as tem orientado
até o momento.
Cabe ressaltar que duas instituições de ensino superior tiveram destaque nas
entrevistas. A primeira delas, citada por (P1) e (P5), é uma Instituição Privada de Ensino que,
de acordo com os psicólogos, realizou mudanças em seu currículo entre os anos de 2009 e
2010, estabelecendo duas ênfases de formação, uma delas com enfoque em políticas públicas,
e a outra em processos clínicos. Segundo os participantes, as duas ênfases proporcionavam
certa abertura para diferentes disciplinas e estágios, não se constituindo como um currículo
fechado, conforme relatado por (P1) “... além da gente ter uma formação, claro mais nesse
formato digamos mais clínico, enfim das linhas teóricas, de abordagem da psicologia, tem
muitas disciplinas de políticas públicas...”. É importante salientar que a residente realizou a
graduação com ênfase em políticas públicas, enquanto (P5) em processos clínicos. Contudo, o
participante também aponta para a flexibilidade assinalada anteriormente:
“... como eu peguei essa etapa de transição do curso, eu acabei tendo que optar pela ênfase
clínica para conseguir me formar no tempo [...] mas assim, isso é bem flexível, tanto que o
93
meu TCC, a minha prática toda era mais voltada mais para a saúde pública apesar da ênfase
ser clínica...” (P5).
“É, eu acho que os cursos mais antigos tinham mais o caráter de clínica então... acho que
quando a Psicologia entrou na X [universidade onde realizou a graduação] eles tiveram
muito esse cuidado de apresentar a clínica, mas como um ponto do fazer do psicólogo, que
tinha muito mais essas outras possibilidades... que bom, não é falado em outras instituições”
(P8).
“... cheguei a ter duas cadeiras, três no máximo, que era aquelas cadeiras de psicologia
comunitária enfim, mas sim tive, pouco, muito pouco tive, porque a formação da X
[universidade onde fez a graduação] ela é muito voltada para clínica privada mesmo, e
agora que está se abrindo mais para, até por uma questão de mercado” (P2).
“... a minha turma era a última turma do currículo antigo da X [universidade onde fez a
graduação] em psicologia, então eu peguei a última turma que ainda era do currículo antigo.
O currículo novo, sim, está bem diferente, tem bem essa coisa da saúde como, e da política
pública como norte. O meu não...” (P6).
“... eu sei que hoje em dia a X [universidade onde fez a graduação] modificou o currículo tá,
mas sim começou a dar atenção mais para essas disciplinas de políticas públicas. Na minha
época, como eu sempre gostei, eu ia atrás então, as eletivas que a gente tinha eu ia para o
Serviço Social sabe, que tinha saúde coletiva, tinha SUS então eu que ia atrás, mas o
currículo da psicologia não abordava, não abordava...” (P7).
As falas dos residentes acabam por reforçar discussões presentes na literatura sobre o
ensino oferecido por cursos de psicologia no país (Dimenstein, 1998, 2000; Romagnoli, 2006;
Spink & Matta, 2010; Azevedo et al., 2011). Tais estudos apresentam diversas críticas a
formação dos psicólogos que ainda hoje mantém algumas lacunas no que diz respeito ao
investimento em temáticas voltadas principalmente para o campo da saúde. Contudo, a
formação em psicologia sofreu incisivas mudanças, de uma formação mais clínica e
psicanalítica para uma perspectiva mais social e uma opção pela saúde pública, podendo se
inferir, tal como apontado pelo participante (P2), que o mercado de trabalho seria um
elemento importante para essas mudanças.
Em material organizado pelo Conselho Federal de Psicologia - CFP (2010), o qual
abordava a atuação de psicólogos na atenção básica à saúde, estes apontaram para o
despreparo diante dos desafios políticos, sociais e profissionais do contexto público. Além
95
“A formal mesmo, a acadêmica (risos) hum não, não, isso eu busquei fora...” (P2).
“Eu acho que sim, pelo que eu fiz, mas não a graduação em si [...] o currículo não me
permitia, se eu fosse seguir só o currículo eu não teria me aproximado de nada assim, se eu
não tivesse feito por fora talvez eu não teria...o currículo não me instigou a isso, quem me
instigou foi esse professor pela via do teatro...” (P6).
96
“... eu considero justamente por ter alguns professores que estavam enfim dentro desse, do
SUS enfim, das instituições, que andavam muito, mas foi mais pelo meu interesse...” (P3).
“Pelo estágio sim, pelo estágio, eu acho que pelo estágio me ajudou bastante, por exemplo,
no estágio a gente fazia matriciamento, a gente participou de reuniões de matriciamento e
hoje é uma coisa que eu faço muito porque eu estou no NASF, então o estágio sim propiciou
bastante assim, mas a questão teórica nem tanto assim” (P4).
Assim, o que se percebe é que os movimentos que estão sendo feitos pelos cursos para
o desenvolvimento de propostas de ensino mais alinhadas as questões do SUS parecem ainda
não ter o investimento necessário e esperado na visão dos psicólogos entrevistados. As falas
dos residentes corroboram com esse entendimento:
“... eu acho que a gente enquanto profissional da psicologia tem que repensar algumas
coisas assim, que a gente aprende na faculdade, porque eu acho que a faculdade realmente
não nos ensina, e olha que eu passei por uma formação que é, que era do SUS assim, mas a
faculdade não nos ensina a ser psicólogo para o SUS, acho que isso é uma coisa que a gente
precisa trabalhar muito...” (P8).
“... acho que vem passando por uma modificação, mas isso vai depender muito da gente
assim, das nossas experiências, da gente poder avaliar e monitorar isso que a gente está
passando e exigir mudanças até de formação...” (P2).
Desse modo, parece que a graduação ainda se mostra um pouco distante do cenário do
SUS, apresentando dificuldades para inserir, de fato, conteúdos importantes para o trabalho na
saúde, questão que foi percebida quando os participantes se depararam com o campo de
prática da RMS. Pasini (2010) faz uma colocação interessante em sua tese de doutorado, a
qual aborda a temática da Residência Multiprofissional, ao indagar o tipo de profissional que
está sendo formado para atuar na saúde. Ainda que em seu texto a autora aborde
principalmente o âmbito da RMS pode-se fazer a articulação de suas ideias com as do
presente estudo, uma vez que se entende que esse questionamento possa vir a produzir
importantes reflexões para a formação acadêmica dos psicólogos. Baseando-se na indagação
da autora, concorda-se com a residente (P8) de que o ensino em psicologia parece ainda não
dar conta de formar profissionais qualificados para lidar com os desafios propostos pelo SUS
apesar de movimentos que vem sendo realizados pelos cursos. Dito isto, acredita-se que as
trajetórias dos participantes aqui relatadas revelam profissionais comprometidos com sua
97
“... é que na X [universidade onde realizou a graduação] a gente tem professores, enfim, bem
identificados com a questão da saúde coletiva, enfim, pelo SUS, as políticas públicas, e aí a
gente tem lá, é bem marcante assim a realização do Ver-SUS...”(P1).
“... eu digo muito isso, porque um dos professores meus, meu, foi o X que ele era da rede
assim, dos Caps e tudo mais. Então acho que isso ajudou bastante ter. Um outro professor
meu era o X que foi na época da 4ª Coordenadoria [de saúde] então acho que muito também
por esses professores trazendo sabe e das leituras...” (P3).
Através da análise das falas das residentes compreende-se que não basta apenas incluir
as disciplinas voltadas para o SUS, Políticas Públicas e Saúde Coletiva, como forma de estar
de acordo com as DCN, mas como essas disciplinas serão trabalhadas e exploradas pelos
docentes responsáveis. No entendimento de autores como Freire (2011) a educação precisa ser
vista como transformadora da realidade do sujeito que é educado, e não deve estar limitada a
simples transmissão de conhecimentos, gerando o acúmulo de informações. Nesse sentido, o
autor destaca que a educação deve possibilitar ao aluno realizar sua própria construção do
conhecimento. Sendo assim, compreende-se que essa questão foi contemplada no ensino dos
entrevistados, visto que estes assinalaram que alguns professores se tornaram uma espécie de
inspiração, devido a forma como abordavam as temáticas, mostrando as possibilidades de
atuação da psicologia no serviço público e, de certa forma, valorizando o lugar desse
profissional.
Segundo Soares e Verissimo (2010), a relação estabelecida entre professor e aluno na
formação universitária em psicologia consiste em base formadora da atitude ética do futuro
psicólogo. As reflexões desenvolvidas pelos autores defendem a relevância dessa relação, ao
mencionar que mais importante do que ter contato com os ensinamentos das grades
curriculares, é o vínculo estabelecido entre professor e aluno, que produz sentido a
aprendizagem e repercute no exercício de tornar-se psicólogo.
98
“... eu acho muito ruim pensar tipo a academia uma coisa muito, eu vejo muito descolada da
prática [...] porque eu acho muito ruim professor ou outras coisas que trabalham com essa
temática, mas que nunca tiveram a inserção de verdade então... eu acho que precisa conhecer
o trabalho, acho que um pouco isso de conhecer e também de produzir mudanças, de
fortalecer o SUS, de estar inserida assim” (P6).
“... acho que a gente tem que começar a valorizar mais a saúde pública dentro da formação
de psicologia, assim como assistência social, porque são campos de trabalho, estão surgindo
cada vez mais, estão nos chamando cada vez mais, então acho que sendo assim eles têm que
estar mais presentes na formação da psicologia...” (P5).
apresentam um contingente cada vez maior de trabalhadores nos diferentes níveis desse
sistema (Brasil, 2015). Do mesmo modo, atualmente, o sistema público de saúde apresenta-se
como o maior contratante de profissionais da categoria, conduzindo a uma reconfiguração da
atuação da psicologia, assim como de sua formação acadêmica (Ferreira Neto, 2011). Diante
dessa realidade, acredita-se que uma formação que contemple conhecimentos e habilidades
necessárias para uma atuação adequada a esses contextos possa vir a fortalecer a atuação da
categoria nesses importantes cenários de trabalho dos psicólogos.
Alguns estudos que tratam da inserção de psicólogos no campo das políticas públicas
apontam diversas críticas ao modelo de formação proporcionada pelas universidades que
ainda parece não oferecer aportes teóricos e práticos suficientes para uma atuação mais
condizente com os princípios e as necessidades tanto do SUAS quanto do SUS (Silva &
Yamamoto, 2013; Silva & Carvalhaes, 2016). Uma pesquisa desenvolvida no Estado do Piauí,
a qual investigou os projetos pedagógicos das quatro instituições de ensino superior do Estado
que ofereciam cursos de psicologia, assinalou certa insuficiência de conteúdos direcionados a
temática das políticas sociais nos currículos da graduação (Silva & Yamamoto, 2013). Mas
para além de saberes técnicos, Yamamoto e Oliveira (2010) postulam que esse contexto
requer o conhecimento de aspectos que não se fazem presentes no escopo do que a psicologia
parece ter delimitado em seus campos de saber. Assim, discussões sobre cidadania, controle
social, noção de famílias, direitos humanos entre outros aspectos precisam fazer parte da
formação de profissionais que buscam atuar no contexto das políticas públicas.
Mesmo com a implementação das Diretrizes Curriculares, as quais oferecem maior
flexibilidade ao ensino e a tentativa de adequação dos currículos as realidades locais, alguns
limites da formação para o trabalho nas políticas públicas são apontados pela literatura
(Macedo & Dimenstein, 2011; Azevedo et al., 2011; Silva & Yamamoto, 2013).
Especificamente sobre a formação de psicólogos para o trabalho no SUS, estudos sinalizam
que o ensino ainda não trata de maneira satisfatória questões essenciais do contexto da saúde
pública (Soares, 2005; Spink & Matta, 2010; Poppe & Batista, 2012). Azevedo, Tatmatsu e
Ribeiro (2011), ao discutir a proposta de formação em psicologia para o trabalho no nível de
atenção primária à saúde, apontam que o processo de interlocução dos psicólogos com esse
campo de atuação tem sido problemático, visto que a formação ainda é pautada por um
modelo clínico hegemônico, que acaba sendo generalizado para outras áreas de atuação, como
é o caso da saúde e da assistência social.
Desse modo, entende-se que o campo das políticas públicas poderia ser melhor
explorado na formação acadêmica em psicologia, já que desponta como importante cenário de
101
inserção desse profissional nos dias atuais. Percebe-se, portanto, ser imprescindível
problematizar o ensino dos psicólogos para uma formação mais alinhada as necessidades e
demandas do contexto das políticas públicas brasileiras, buscando a produção de atuações
psicológicas, de fato, ética e politicamente comprometidas.
“... tem sala de espera, orientação em sala de espera... atividade na escola [...] grupos de
hiperdia, grupos de gestantes participei também, tem um grupo em uma Unidade que é uma
nutricionista que é própria da Unidade do NASF, que ela faz, que ela já me chamou algumas
vezes para participar, para falar sobre ansiedade, falar sobre compulsão alimentar, essas
coisas assim...” (P4).
“... tinha o grupo de saúde mental que até a gente trocou... ficou grupo de convivência [...] às
vezes participava do grupo de pueri (cultura) que tinha, tinha... o grupo da horta
comunitária...” (P3).
contexto (Soares, 2005; Paulin & Luzio, 2009; Conselho Federal de Psicologia, 2010; Parisi,
& De Antoni, 2014; Cezar et al., 2015). Nesse sentido, é preciso compreender que esse tipo de
ação vem se apresentando como uma importante ferramenta de trabalho desses profissionais,
sendo necessário maior investimento em disciplinas voltadas para essa temática na formação
em psicologia.
No estudo desenvolvido pelo Conselho Federal de Psicologia (2010), o trabalho com
grupos foi assinalado como uma estratégia muito útil no cotidiano de trabalho dos psicólogos
na atenção básica, e que possibilitava a ampliação das ações desses profissionais, ao permitir
mudanças no modelo de atendimento aos usuários. Também foi entendido como uma maneira
de aprimorar os serviços e utilizar os espaços de convivência disponíveis no território,
fortalecendo o vínculo com a população atendida.
É necessário situar que a atuação dos profissionais no campo da atenção básica deve
estar fundamentada nos princípios organizativos desse nível de cuidado à saúde. Desse modo,
as práticas desenvolvidas devem abranger ações individuais e coletivas, por meio do trabalho
em equipe, considerando as demandas e necessidades de saúde de maior frequência e
relevância no território (Brasil, 2011). Assim, a consciência sobre a importância do ensino de
grupos na formação em psicologia estaria relacionada a construção de uma prática de acordo
com as características do contexto da saúde pública, nesse caso, no nível de atenção primária,
o que, ainda se constitui como um desafio para os psicólogos.
Em artigo que aborda o ensino da técnica grupal na Universidade Estadual de
Londrina, Maireno, Sei e Zanetti (2016) apontam para o fato de ser essencial o estudante de
psicologia compreender como se desenvolvem os fenômenos grupais e de que maneira esse
saber pode ser aplicado em campos diversificados da prática do psicólogo. Os autores
assinalam que o conhecimento sobre grupos é um importante acréscimo a formação dos
estudantes, tendo sido avaliado de forma positiva pelos acadêmicos, os quais indicaram
grande potencial da disciplina, além de conseguir relacionar o aprendizado com os estágios
que realizavam no período. Destaca-se que o trabalho com grupos não vem a ser utilizado
apenas no contexto da atenção básica, ou somente na área da saúde. As técnicas grupais
também encontram espaço em outros locais de atuação dos psicólogos como o cenário
escolar, organizacional ou mesmo clínico.
Dessa forma, considera-se importante que a graduação possa estar contemplando o
ensino de práticas grupais em seus currículos, uma vez que, sem o domínio dos conceitos, os
psicólogos podem vir a não ter aportes teóricos suficientes para a realização dessas práticas,
desenvolvendo assim, ações mal planejadas e, em muitos casos, pensadas apenas para
103
solucionar a questão do grande número de usuários dos serviços de saúde. Além dos aspectos
citados, a disciplina de grupos pode vir a contribuir com questões importantes para a prática
do psicólogo como flexibilidade e consenso, o que segundo Saeki, Munari, Alencastre e
Souza (1999), são atitudes fundamentais para o trabalho em equipe, porém não muito fáceis
de serem adquiridas.
Outro aspecto presente nas falas e que de alguma forma pode ajudar nessa discussão,
mostrando a importância do ensino das técnicas grupais na graduação em psicologia, é o fato
dos participantes relatarem certa visão negativa por parte da equipe de saúde no que diz
respeito ao desenvolvimento de grupos:
“... a nossa equipe principalmente tem uma visão de grupos bem ruim de forma geral [...],
por exemplo, se tu está na sala de grupos as pessoas acham que podem entrar e falar contigo,
porque tu está fazendo só um grupo, como se fosse um grupo de convivência, como se todos
os grupos fossem grupos de convivência, que também tem na Unidade, mas como se todos os
grupos fossem uma brincadeira, uma convivência. Se tem muito falta de entendimento de
grupo como espaço terapêutico e de produção de, é bem difícil assim então. Ah eles acham
legal grupo, mas na verdade o que eles acham que funciona é, o que funciona mesmo é o
atendimento individual, principalmente os médicos...” (P6).
Grande resistência dos locais de atuação no trabalho com grupos também foi apontada
no estudo realizado pelo CFP (2010), onde alguns psicólogos ressaltaram que, em muitos
casos, eram os únicos profissionais da equipe responsáveis por essas atividades. Sendo assim,
por meio da análise da fala da participante (P6) percebe-se um desafio ali presente: esse
entendimento, até certo ponto negativo sobre grupos pelas equipes multiprofissionais, pode
acarretar na expectativa de que essa atividade seja realizada exclusivamente pelo psicólogo
quando este fizer parte das equipes. Essa possibilidade traz consigo grande responsabilidade,
pois caberá ao psicólogo apresentar as potencialidades do trabalho em grupo, o que só será
feito quando o próprio profissional conhecer e entender essas potencialidades.
Assim, compreende-se que o fortalecimento das disciplinas que abordam a temática de
grupos na formação pode vir a ajudar na construção do lugar e da importância do profissional
da psicologia no nível da atenção básica, já que esse contexto apresenta a proposta de ações
coletivas, apostando que os profissionais que ali atuam possam planejar e desenvolver essas
atividades voltadas para o cuidado dos usuários. Desse modo, o psicólogo poderia ser um
104
importante ator junto ao desenvolvimento de práticas propostas pelas leis que regem as
políticas públicas de saúde.
Considerações finais
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8 ARTIGO 3
Resumo
Abstract
The entry of psychology professionals in the primary health care area is an increasingly
reality. However, this process has been surrounded by intense discussions, which have
pointed out to the difficulties of psychologists in face of the reality and health needs in this
context. This study aimed to comprehend the professional practice of psychologists who are
part of a Multiprofessional Residency in Health Care Program, in the context of primary
health care. Therefore, it aimed to identify the activities developed by psychology residents,
as well as to comprehend what are the challenges faced in the development of their practices
in this level of health care. Thus, it was performed a qualitative research with eight
psychology residents who were part of Residency programs related to Family and Community
Health Care and Primary Care on Public Health Care, from the city of Porto Alegre, Brazil.
For data collection there were conducted semi-structured interviews that were analyzed
through the content analysis perspective. The results pointed out to a variety of actions and for
the value given to teamwork. Some activities were emphasized, such as groups with
adolescents, children, Programa Saúde na Escola (Health at Schools Program), besides the
entrance on areas of social control and the participation on meetings of the city health system
and social-assistance system. Aspects such as the charge for individual appointments and the
vast demand for psychology were pointed out as challenges faced in daily work. Finally, it is
indicated a significant change in the way that the participants of this study conceive the
psychologist’s role in primary health care, since they have aimed to face comfort zones, those
safe places that had been valued and repeated for so long by psychologists in this context, by
emphasizing collaborative practices.
Introdução
No que diz respeito ao nível da atenção primária à saúde, é importante situar que esse
contexto é regulamentado pela Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), a qual define
que a atuação dos profissionais das equipes de saúde deve vir a considerar o sujeito de forma
integral, inserido em um contexto social, econômico e cultural. Assim, determina que as
práticas, individuais e coletivas, devem estar orientadas por princípios como universalidade,
coordenação do cuidado, vínculo, responsabilização, equidade e participação social (Brasil,
2011).
Sendo assim, a ênfase das atividades do psicólogo necessita estar pautada nos
princípios que organizam esse nível de cuidado à saúde, e nas características das populações
atendidas. Porém, operando hegemonicamente numa perspectiva curativa e individual, a
atuação nesse cenário tem se constituído um desafio.
Esse fazer limitado recebe destaque nas discussões de Romagnoli (2006), que apontam
para uma constante dificuldade que os profissionais da psicologia têm de ousar, de inventar
novas metodologias que estariam mais adequadas ao trabalho com grupos, famílias e
comunidades. Tal constatação vai ao encontro do que é postulado por Lima (2005) quando a
autora discute um exemplo de atuação psicológica incompatível ao cenário da atenção básica,
no qual a psicóloga, mesmo dizendo-se ociosa e percebendo a inadequação da proposta,
mantinha a oferta de psicoterapia, na qual os usuários não permaneciam.
Diante do exemplo, é possível perceber a dificuldade que muitos psicólogos
apresentam em estabelecer práticas mais integradas e compatíveis com a realidade dos
serviços de saúde pública, mantendo assim, técnicas que foram construídas e utilizadas com
uma determinada camada social, em sua maioria muito verbal e intelectualizada (Bock, 1999).
A autora afirma que é necessário adaptar nosso saber a demanda e a realidade que se
apresenta, inovando a partir das características da população a ser atendida.
No entendimento de Archanjo e Schraiber (2012), ao atuar no setor público, o
psicólogo, se defronta com duas atuações distintas daquela aprendida em sua formação: uma
clínica institucionalizada ou modificada e uma atuação sanitária, voltada para a prevenção de
doenças e promoção da saúde. Essa nova realidade faz com que as práticas psicológicas
passem a ser questionadas. A clínica institucionalizada, segundo Figueiredo (2010), apresenta
a perda da autonomia do profissional, que agora trabalha em equipe e a perda do controle
sobre o caso, que se torna compartilhado. Além disso, a autora coloca a questão da
remuneração do psicólogo, que se torna assalariado e tem sua relação com a clientela, não
mais de classe média e alta, modificada.
114
Para além desses aspectos, a literatura destaca uma questão importante que envolve a
inserção da psicologia na atenção básica: a de que não basta apenas ocupar esse novo espaço,
isso não garante mudanças na postura e nas práticas que esse profissional irá apresentar. É
preciso que essa inserção se faça acompanhar da reflexão sobre os aspectos que envolvem a
formação acadêmica, a importância e o papel do psicólogo neste contexto, de modo que se
tenha o cuidado de não fazer a simples transposição das práticas dos consultórios e
ambulatórios de saúde (Soares, 2005; Romagnoli, 2006).
Diante desse desafio, a psicologia tem encontrado nas Residências Multiprofissionais
em Saúde (RMS) uma oportunidade de formação diferenciada da graduação que busca
qualificar sua atuação para um trabalho no sistema público (Cezar, Rodrigues & Arpini,
2015). As RMS se apresentam como uma modalidade de pós-graduação regulamentada no
ano de 2005 pelos Ministérios da Saúde e da Educação, e tem foco na formação em serviço.
Possuem uma proposta pedagógica que busca capacitar profissionais para o exercício de
práticas ancoradas nos preceitos do SUS, visando à integralidade e interdisciplinaridade
(Brasil, 2012a).
De acordo com Pasini (2013) é esperado que as RMS promovam tanto a formação de
profissionais afinados com os pressupostos do SUS, quanto a desestabilização das práticas
vigentes, ampliando assim, o olhar dos trabalhadores de saúde para o reconhecimento da
necessidade do trabalho em equipe e da valorização da rede de serviços que constituem o
Sistema.
Atualmente, a psicologia é um dos núcleos com maior número de profissionais nos
Programas de RMS (Dimenstein & Macedo, 2012), o que mostra um importante movimento
de aproximação dos psicólogos com uma formação voltada para o trabalho no SUS. Contudo,
conforme os autores já referidos, a inserção de psicólogos nas Residências Multiprofissionais
não tem sido acompanhada da discussão necessária acerca da participação da psicologia nesse
contexto e suas implicações na cultura e prática profissional.
Tendo em vista o histórico da psicologia com a saúde pública, e a crescente inserção
de psicólogos nos cenários de formação das RMS, considera-se fundamental discutir como os
psicólogos têm atuado nesses novos espaços do sistema de saúde, de forma a auxiliar na
discussão da formação em psicologia para o SUS através das Residências. Se, apesar de uma
formação pós-graduada voltada para um trabalho no SUS, os psicólogos continuam a
desenvolver práticas incompatíveis com o contexto, ou se diante da inserção na RMS e a
oportunidade de aprendizagem voltada para a saúde pública, buscam criar novas formas de
fazer psicológico, novos modos de atuação na atenção básica. Assim, o presente estudo
115
Caminho Metodológico
Delineamento
Participantes
Como pode ser visto na tabela, duas residentes apresentavam outra especialização,
uma delas em Terapia Cognitivo-Comportamental e a outra em Avaliação em Serviços de
Saúde. Por sua vez, no período anterior a RMS, um dos participantes trabalhou com
acompanhamento terapêutico, outro residente desenvolveu atividades durante seis meses em
consultório particular, enquanto uma das participantes estava vinculada ao Programa Nacional
de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) por cerca de três
anos. Os demais psicólogos tiveram seu ingresso na Residência Multiprofissional logo após a
conclusão do curso de graduação.
enquanto a outra coordenadora forneceu a relação dos residentes e seus contatos de email.
Assim, foram efetivados os convites para participação no estudo.
Em relação à coleta dos dados, esta foi realizada por meio de entrevistas individuais
semiestruturadas, as quais foram agendadas conforme disponibilidade dos participantes,
ocorrendo na sede das Instituições. As entrevistas foram gravadas mediante a permissão dos
participantes através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
As entrevistas foram conduzidas a partir de tópicos guia estabelecidos de acordo com
os objetivos do estudo, quais sejam: 1) Formação Acadêmica; 2) Experiência Profissional e 3)
Percepção sobre o trabalho na Residência Multiprofissional em Saúde. O presente estudo teve
o propósito de compreender a prática profissional de psicólogos, vinculados a Programas de
Residência Multiprofissional em Saúde, no contexto da Atenção Básica. Para tanto buscou
identificar as atividades desenvolvidas pelos psicólogos, bem como entender possíveis
desafios que os residentes encontravam no desenvolvimento de suas práticas.
Considerações éticas
Resultados e discussão
“... participava de um grupo de promoção de saúde de Tai Chi Chuan, porque tinha um
médico lá que era dessa cultura oriental [...] tinha as atividades clínicas de ambulatório
individual e a gente tinha o grupo terapêutico [...] tinha as visitas domiciliares que a gente
fazia com os agentes ou alguma, algum atendimento pontual que a gente fazia na casa da
pessoa [...] o acolhimento...” (P8).
“... era atendimento individual, acolhimento enfim com a equipe [...] o acolhimento de psico,
porque, às vezes, era só uma escuta assim breve assim, naquele momento e não um
atendimento [...] atendimento grupal [...] o Programa Saúde na Escola [...] atendimento mais
na verdade interconsulta, não um atendimento sozinho, mas interconsultas...” (P3).
“... eu estou mais vinculada ao Programa Saúde na Escola, de poder fazer atividades nas
escolas do território, junto enfim com os professores, com os alunos [...] Eu tenho
participado do grupo de crianças, grupo terapêutico de crianças que a gente faz, agora esse
ano a gente iniciou um grupo de adolescentes na escola, então também para poder pensar um
pouco no espaço coletivo de cuidado, de educação em saúde, mas de também poder tá mais
próximo...” (P1).
exposto, parece ser possível inferir que os psicólogos têm encontrado na RMS um espaço
fértil e potencializador da construção de novas práticas da psicologia na atenção básica.
Essas práticas caminham no sentido de se diferenciarem do que foi apresentado por
Yamamoto, Câmara, Silva e Dantas (2001), os quais indicaram que psicólogos, mesmo
inseridos na atenção básica, desenvolviam atividades semelhantes as realizadas em
consultórios particulares, tais como psicoterapia, orientação de pais e diagnóstico
psicológico/avaliação. Um estudo mais recente indicou dados parecidos ao relatar a
similaridade de atividades desenvolvidas entre as áreas clínica, da saúde e mesmo educacional
(Bastos, Gondim & Borges-Andrade, 2010).
Assim, a multiplicidade de práticas apresentadas pelos participantes do presente
estudo provoca a importante reflexão de que, talvez, a questão da inserção da psicologia como
um núcleo voltado para o individual, de uma atuação mais isolada, que não é condizente com
os princípios do SUS, esteja, aos poucos, sendo superada. É importante destacar a
compreensão de que este parece ser um movimento que vem sendo fortalecido pelas
Residências Multiprofissionais em Saúde, já que estas, conforme aponta Pasini (2013), tomam
os serviços de saúde como ambientes de práticas e de vivência do trabalho em equipe, com o
intuito de favorecer o aprendizado coletivo no trabalho.
Nesse sentido, a RMS estaria oferecendo aos psicólogos a possibilidade de novos
modos de pensar o cuidado em saúde na atenção básica em um ambiente de aprendizagem
para o trabalho no SUS. Nesse sentido, a partir da análise das entrevistas, foi possível
visualizar importantes mudanças na postura dos residentes no que diz respeito ao trabalho
interdisciplinar:
“... eu tenho trabalhado bastante, por exemplo, ali dentro da unidade com o pessoal da
enfermagem, a gente faz interconsulta junto, até o pessoal da medicina que às vezes é mais
difícil, mas a gente tem conseguido compor junto. Eu sempre faço questão de discutir um
caso...” (P2).
“... a gente conversava sobre o caso, eu atendia, mas tinha muito essas coisas, ou na
enfermagem, tinha bastante essa troca, com o médico não tinha tanto, mas depois a gente foi
se aproximando e eu fui me aproximando dele a partir disso, quando ele tinha essas
interconsultas com o psiquiatra eu perguntava ‘eu posso participar?’ e às vezes quando ele
não podia, alguém tinha que matriciar com o psiquiatra do NASF e não tinha ninguém e daí
‘ah, eu posso acompanhar’...” (P3).
121
Diante dos relatos, é possível perceber que os psicólogos têm buscado uma constante
aproximação e articulação com os demais profissionais das equipes de saúde, mesmo quando
alguns trabalhadores não se mostravam tão dispostos ao desenvolvimento de ações conjuntas.
Os depoimentos revelam que os participantes têm se envolvido em discussões de caso,
matriciamento em escolas, interconsultas, atividades que exigem certa flexibilidade e abertura
dos residentes ao diálogo com diferentes profissionais, na busca por uma compreensão
ampliada da realidade dos usuários. Tais atitudes estão em consonância com as discussões
desenvolvidas por Cezar et al. (2015), as quais assinalam para certa disposição que o
profissional da atenção básica precisa ter para se relacionar com diferentes setores, para além
da Saúde, como a Assistência Social, a Educação e a Justiça, como forma de estabelecer
parcerias importantes para uma atuação mais condizente as necessidades dos usuários.
Sendo assim, parece que os psicólogos têm encontrado na Residência
Multiprofissional um importante espaço de experimentação e aprendizado voltado para o
trabalho interdisciplinar. Desse modo, ao investir em uma intervenção coletiva, a qual envolve
diferentes olhares e saberes, os participantes vão ao encontro das reflexões de Pasini (2010), a
qual dispõe que o trabalho em equipe não se faz por pares homogêneos, pois é na diferença
que podem ser produzidas novas composições subjetivas e, assim, novos modos de trabalhar
em saúde.
No que diz respeito a construção de suas práticas, os psicólogos foram questionados se
haveria, dentre as atividades desenvolvidas, alguma que eles considerassem gratificante. Tal
questionamento gerou inúmeras reflexões, deixando os residentes pensativos. A maioria deles
referiu ser difícil escolher apenas uma, como pode ser visto no depoimento de (P1) “Ah, acho
que tem algumas assim [risos], mas vou tentar...”; ou na fala de (P3) “Olha, realmente todas
assim [risos]”, mas é preciso destacar um aspecto importante presente nas atividades
relatadas: todas eram coletivas.
“... sem dúvida o Programa Saúde na Escola. Foi uma atividade que, inicialmente, eu fiquei
meio assustado [risos], acho que na minha graduação eu tive pouquíssimos contatos com as
escolas então fiquei com um pé atrás inicialmente, mas conforme fui me aproximando e fui
realizando as atividades na escola eu fui me apaixonando cada vez mais [...] e era uma das
atividades em que a gente mais conseguia ver a multidisciplinaridade, a
interdisciplinaridade...” (P5).
“... eu acho que os grupos, com os grupos a gente teve muita vinculação [...] o Instituto de
Cultura Mário Quintana iam assim, passar um cinema nele, um espaço cultural, filmes
122
gratuitos sobre várias coisas [...] e a gente convidou as pessoas quem gostaria dos grupos de
ir, e a maioria são idosos que participam dos grupos [...]e daí era sexta-feira à noite assim, a
gente saía às seis de lá e voltava à meia-noite...” (P3).
“... é o grupo de adolescentes, que é uma coisa que eu gosto muito [...] é um lugar
[território] onde não tem muita coisa [...] a gente tem discutido várias coisas com eles a
partir do que eles estão querendo, eles querem sair daí a gente vai no cinema com eles, a
gente, as gurias foram outro dia também no espaço do bairro que agora eles querem que a
gente vá lá uma vez por mês, que é um negócio novo, cultural e de esporte que está tendo ali
perto, que é um centro cultural...” (P6).
contexto. Assim, seus planos e práticas devem estar baseados em decisões e reflexões
interdisciplinares, voltadas para o coletivo, o que não significa uma somatória de
conhecimentos ou a não utilização de atendimento individual.
Assim, é importante ressaltar que ao conferir destaque as ações coletivas
desenvolvidas pelos psicólogos nos cenários da atenção básica, não se pretende desqualificar
as intervenções individuais, pois sabe-se da potência dessas ações. Contudo, acredita-se que a
prática do psicólogo não pode estar limitada a esse tipo de intervenção, sendo necessária a
produção de outras ações que venham ao encontro das especificidades do contexto. Assim,
entendendo que a produção de práticas mais adequadas ainda é um desafio para o psicólogo,
compreende-se que os residentes têm conseguido construir novos modos de fazer psicológico,
novas formas de pensar sua atuação nesse cenário, contribuindo assim, para o fortalecimento
do papel e da importância do profissional da psicologia na atenção básica.
“... em alguns momentos era muito essa questão do atender individual, mas não uma
cobrança assim direta, claro que era meio assim nas entrelinhas, de ter essa questão do
encaminhamento para o individual, e a gente ter essa questão ‘não, vamos discutir, vamos
debater, vamos ver se realmente precisa chegar até o atendimento individual, ou se a gente
pode construir outras estratégias’...” (P7).
“Sim, ambulatório [...] então sempre teve muito essa, uma cobrança do tipo, não do tipo uma
cobrança formal assim, a pessoa não chegava para ti dizendo ‘por que tu não está
atendendo?’ sabe, mas quando tu estava fazendo outras coisas as pessoas já te olhavam meio
atravessado, ‘o que tu está fazendo aqui?!’, ‘não tem atendimento hoje?!’, é um pouco a
figura do psicólogo ainda muito associada, não só do psicólogo, acho que de todas as
124
A partir da análise dos depoimentos foi possível perceber que a inserção do psicólogo
na atenção básica enfrenta desafios para além de profissionais mais comprometidos com esse
cenário de atenção à saúde. É necessário que o profissional da psicologia também esteja
disposto a superar algumas barreiras no que diz respeito ao entendimento de outros
trabalhadores sobre seu papel e atuação nas equipes de saúde. Parece que ao realizar tal
cobrança os profissionais apresentam uma ideia limitada das potencialidades do trabalho do
psicólogo nesse cenário. Nesse sentido, Dimenstein (2001) aponta que há, de fato, certo
incentivo, por parte das instituições, para o desenvolvimento de atendimentos
individualizados em prejuízo de outros tipos de atuação nos serviços de saúde. Assim, os
profissionais não são estimulados a desenvolver atividades diferenciadas do modelo clássico
de atuação atribuído ao psicólogo.
O entendimento dos profissionais das equipes também diz muito da forma como a
psicologia se apresentou, durante muitos anos, em estabelecimentos públicos de saúde.
Contudo, os psicólogos residentes têm demonstrado certa flexibilidade para lidar com tais
cobranças, buscando responder através do diálogo e da aproximação com a equipe, como
forma de ajudar os colegas a vislumbrar outras possibilidades de atuação para além da
tradicional.
Percebe-se que os participantes têm realizado um importante movimento, até mesmo
certo esforço, para não se isolar do restante da equipe. Tal aspecto aparece nos depoimentos
tendo em vista que os psicólogos utilizam, em sua grande maioria, expressões como “a gente
fazia”, “a gente iniciou”, indicando um trabalho compartilhado. Assim, parecem estar em
consonância com o que é definido por Lima (2005) como atuação psicológica coletiva,
entendida como mais adequada ao nível de atenção primária. Nesse modelo de atuação, o
psicólogo utiliza da ampliação dos recursos técnicos para a intervenção, ensaiando trabalhos
mais integrados e com viés mais preventivo e de promoção da saúde dentro dos serviços da
atenção básica. Talvez esse tipo de atitude esteja causando certo estranhamento nas equipes, e
consequentemente as cobranças, visto que, ainda hoje, o esperado parece ser um profissional
que realize, predominantemente, atendimentos individuais.
O modo crítico apresentado pelos residentes diante da cobrança por atendimentos
individuais também pode ser visto quando os participantes se deparam com outro desafio: a
125
“... porque a escola acabava encaminhando muitos adolescentes [...] e aí a gente começou
olhar para isso, tentando olhar para isso de uma forma menos individualizante, de poder
entender como que isso acontecia no contexto da escola ou do território...” (P1).
Como pode ser visualizado, a participante (P1) revela que diante do grande número de
encaminhamentos da escola para o atendimento individual de adolescentes, os residentes
organizaram, a partir da análise da demanda, um grupo, o qual buscava respostas em aspectos
coletivos, e até mesmo do território, e não apenas individuais. Experiência semelhante foi
relatada por Jimenez (2011), que diante da grande procura de uma escola para atendimento de
crianças e adolescentes, as profissionais (psicóloga, fonoaudióloga e assistente social)
utilizaram-se da intervenção grupal na tentativa de compreender o encaminhamento de 120
usuários. No estudo citado, percebeu-se que questões do território atravessavam o
relacionamento da escola com as famílias. No caso dos psicólogos residentes, parece que os
mesmos têm procurado construir uma visão mais ampliada e complexa dos aspectos que
podem vir a influenciar na situação de saúde da população atendida, utilizando-se de
alternativas possíveis no território, o que de certa forma é esperado dos profissionais que
atuam na atenção básica.
Dessa forma, parece que os participantes procuraram não responder de forma imediata
a essa grande demanda. Suas falas apontam para momentos de reflexão e, ao mesmo tempo,
certo questionamento acerca desse processo. Assim, os residentes parecem ter conseguido
lidar com o desafio da grande demanda para a psicologia de maneira inventiva e sensível,
através de uma postura crítica e reflexiva sobre sua atuação.
Nesse sentido, parecem ter se mostrado dispostos a estabelecer uma relação mais
próxima com a população, menos superficial e mais resolutiva. A participante (P1) relata que
a ideia do grupo era conhecer melhor os adolescentes, suas histórias, seu contexto, “não só
pensando numa lógica de saúde assim, às vezes mais endurecida”, o que mostra uma postura
profissional menos cristalizada e mais adequada a atuação na atenção básica (Lima, 2005).
Além disso, ao fazer esse movimento, a psicóloga se aproxima do que é discutido por Moré
(2006), a qual considera essencial, para um trabalho em comunidades, conhecer e sentir a
história do local, reconhecendo a real demanda, para a partir disso construir possibilidades de
intervenção.
126
Desse modo, parecem utilizar ações da clínica ampliada de modo a sair de sua zona de
conforto o que, de certa forma, também influenciou as equipes a se permitir algo novo, já que
a maioria das atividades envolvia pelo menos um profissional dos serviços de saúde.
Bedrikow e Campos (2015) expressam que a abordagem da clínica ampliada se mostra muito
mais potente ao trabalho na atenção básica, já que sem desconsiderar a doença, tem interesse
no sujeito e em seu contexto, propondo outras formas de aproximação afora a tradicional,
além de possuir objetivos mais abrangentes. Tal definição parece se encaixar no exemplo
apresentado, o qual é representativo do conteúdo das entrevistas, visto que este estava a
serviço do usuário, mas de maneira não tradicional.
Assim, é preciso destacar que a maneira como os psicólogos participantes lidaram
tanto com as cobranças por atendimentos individuais, quanto com a grande demanda para a
psicologia acaba por confirmar o modelo de atuação coletiva revelada por estes ao longo do
presente estudo. É possível que os entrevistados tenham encontrado no cenário de formação
da RMS a possibilidade de organização de uma prática profissional com o borramento de
algumas certezas e a construção de novos conhecimentos. Nesse sentido, parecem encarar as
cobranças não como algo pessoal, mas intrínsecas ao trabalho em equipe, assumindo assim,
uma postura mais responsável e comprometida com o trabalho interdisciplinar.
Considerações finais
Este artigo não pretende ser conclusivo a respeito da atuação de psicólogos residentes
na atenção básica. Entende-se que os pontos levantados para a discussão das práticas da
psicologia no contexto primário de saúde não se esgotam.
A atenção básica ainda se mantém como um cenário complexo e intenso, o qual
demanda, além da capacidade técnica e teórica dos profissionais que lá atuam, habilidades
para lidar com diferentes profissionais e com um trabalho compartilhado, o que não se
constitui tarefa fácil.
Na construção de um conjunto amplo de práticas, percebeu-se uma significativa
mudança no modo como os profissionais do presente estudo concebem o papel do psicólogo
na atenção básica. Tal entendimento, não restrito a aspectos intra-individuais, volta-se para
ações ampliadas, interdisciplinares e que, de alguma forma, parecem provocar certa
desacomodação nas equipes de saúde, visto que escapam do esperado para o psicólogo,
sempre tão voltado a uma perspectiva individual. Esse movimento parece ser fortalecido pelo
127
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131
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa que originou essa dissertação teve como objetivo compreender a prática
profissional de psicólogos, vinculados a Programas de Residência Multiprofissional em
Saúde, no contexto da atenção básica. Para tanto, se efetuou uma pesquisa qualitativa de
cunho exploratório, a qual apresentou como perspectiva epistemológica a fenomenologia,
visto a compreensão que as práticas construídas e desenvolvidas pelos psicólogos residentes
na atenção básica guardam relação com os diferentes aspectos que organizam esse nível de
atenção à saúde.
Ao finalizar este estudo, percebeu-se de modo mais claro que para além de uma
estratégia de formação de profissionais para o trabalho no SUS, a Residência
Multiprofissional em Saúde tem o importante desafio da quebra de paradigmas há muito
tempo instituídos no âmbito da saúde. Destaca-se que a RMS foi apontada pelos participantes
como um ambiente de aprendizagem que lhes permitiu experimentar conhecimentos e
situações do cotidiano do sistema público de saúde, os quais parecem não ter tido a reflexão e
a problematização necessária na graduação.
Da mesma forma, a proposta de formação em serviço foi ressaltada pelos psicólogos,
os quais apontaram o cenário da RMS como um lugar para aprender, o qual permitiu erros,
novas tentativas e a construção e reformulação de ideias. Nesse sentido, enalteceram a
proposta de trabalho em equipe, entendendo que é preciso transpor as dificuldades,
vislumbrando pequenas brechas para compor com outros profissionais.
Também foram constatadas fragilidades nessa formação. A questão da carga horária
de 60 horas foi assinalada como excessiva, já que estaria dificultando os residentes de refletir
sobre suas ações. Frente a essa questão, entendeu-se ser necessária uma maior discussão sobre
esse aspecto, visto que um dos objetivos da RMS volta-se para a formação de profissionais
críticos e reflexivos, o que pode estar sendo comprometido pelo estabelecimento de uma
lógica acumulativa de aprendizagem.
No que diz respeito a relação do residente multiprofissional com a equipe de saúde,
foram identificados a falta de entendimento sobre o papel e o lugar do residente nos serviços,
além de sentimentos de desvalorização e de possessividade. Nesse sentido, pontuou-se para a
importância dos Programas estarem atentos a essa relação, dialogando com os campos de
atuação para que a formação em serviço não fique prejudicada.
Cabe ressaltar algumas questões que apareceram nas falas dos residentes, as quais
podem vir a contribuir para a melhor compreensão desse cenário de formação. A primeira
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delas diz respeito ao fato dos residentes terem apontado que, muitas vezes, era difícil fazer
uma articulação das temáticas das aulas teóricas com o que estava sendo vivenciado no
cotidiano de trabalho, o que deixava essa parte um pouco sem sentido.
Outro aspecto apontado pelos entrevistados foi o importante apoio dos colegas
residentes tanto na construção de projetos e atividades, quanto frente as dificuldades e
desafios dessa formação. Segundo os participantes, esse suporte fez grande diferença no
processo de aprendizagem, proporcionando importantes trocas, diálogo e ensinamentos.
É necessário destacar que a relação com o profissional preceptor/tutor da psicologia
não apareceu de modo expressivo nas falas dos participantes, apesar da presença diária de
alguns desses profissionais junto aos residentes. Esse dado chama a atenção já que ao contar
com a presença de um psicólogo fixo no serviço a aproximação com o residente da psicologia
deveria acontecer de maneira natural. Refletindo acerca do processo de formação, é
interessante a presença do profissional do mesmo núcleo para que o residente possa se
espelhar em suas ideias e ações, principalmente quando o núcleo, como é o caso da
psicologia, não faz parte da equipe mínima da atenção básica e enfrenta o desafio de
consolidação de seu trabalho nesse contexto.
O estudo apresentou como desafios atuais da Residência, profissionais residentes que
tenham um perfil não alinhado a proposta da RMS, assim como egressos que venham a
desenvolver práticas incompatíveis com os princípios do SUS. Frente a isso, entendeu-se ser
necessário que as Residências possam refletir sobre esses desafios, visto o atual cenário do
mercado de trabalho no país.
Outro objetivo do presente estudo buscou identificar se a formação profissional
recebida pelos psicólogos na graduação foi condizente com as exigências do trabalho na
atenção básica, visto que tal questão poderia contribuir para a construção, ou não, de práticas
mais condizentes com esse cenário. Assim, foi possível visualizar, a partir dos depoimentos,
movimentos dos cursos de graduação no sentido de oferecer um ensino mais alinhado a
diversificação dos cenários de atuação dos psicólogos, em especial para a área da saúde,
através da inclusão de disciplinas voltadas para o SUS, Saúde Coletiva e Políticas Públicas,
assim como experiências práticas junto aos serviços públicos de saúde. Contudo, os
participantes revelam um processo inacabado e que ainda precisa de investimento por parte
das instituições de ensino.
Nesse sentido, identificou-se que mais do que a inclusão das disciplinas, é preciso
atentar para a forma como essas temáticas serão trabalhadas dentro dos cursos de psicologia,
já que professores identificados com as propostas do SUS podem exercer um importante papel
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na aproximação dos acadêmicos com esse cenário. Outro aspecto que teve destaque foi a
valorização da disciplina de grupos, a qual parece ter pouca evidência nas grades curriculares,
mas que cumpre função fundamental no trabalho dos psicólogos inseridos na atenção básica.
Também foi ressaltada a aproximação da RMS com a graduação, como forma de
intensificar as mudanças nos modos de pensar o cuidado à saúde dentro dos cursos de
psicologia, valorizando a articulação da teoria com a prática e a participação do psicólogo na
consolidação do SUS.
Em relação às práticas psicológicas desenvolvidas pelos residentes no contexto da
atenção básica, identificou-se a construção de um amplo conjunto de ações e uma mudança
significativa no modo como os profissionais do presente estudo compreendiam o papel do
psicólogo na atenção básica. Tal entendimento não estava restrito a aspectos intra-individuais,
voltando-se para ações ampliadas, interdisciplinares e que, de alguma forma, escapavam do
esperado para o psicólogo, sempre tão voltado para o atendimento individual.
Nesse sentido, pode-se inferir que o desafio específico da psicologia na atenção básica,
de sair de um modelo individual para um trabalho mais coletivo, parece estar, aos poucos,
sendo superado. Compreendeu-se que a Residência possui papel fundamental nessas
importantes mudanças que vem ocorrendo na atuação de psicólogos na atenção básica, já que
ao oferecer suporte, teórico e prático, e segurança institucional tem possibilitado ao
profissional da psicologia espaços de experimentação e de criatividade, tão distantes do
modelo tradicional.
Destacou-se que a maneira inventiva como os psicólogos residentes lidavam com as
cobranças, e mesmo com a grande demanda para a psicologia parecia responder melhor ao
contexto da atenção básica do que aquela antiga postura de um profissional isolado em uma
sala, não disposto ao novo. Percebeu-se que ser residente é um pouco isso. Os residentes da
psicologia desafiaram a equipe a sair da lógica, estando abertos a novos caminhos e a
construção de um conhecimento conjunto.
Concluiu-se que os objetivos dessa dissertação foram atingidos de maneira satisfatória.
Entretanto as possibilidades de compreensão da prática profissional de psicólogos, vinculados
a Programas de Residência Multiprofissional em Saúde, no contexto da atenção básica, não se
esgotaram com esse estudo, tendo em vista a complexidade dessa questão e os desafios que
ainda se fazem presentes.
Salienta-se que ao apostar na produção de conhecimento entrelaçando teoria e prática,
as Residências vislumbram mudanças no perfil dos profissionais da saúde e
consequentemente no modo como a saúde vem sendo pensada e produzida no cotidiano do
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SUS. Contudo, para que essas mudanças sejam concretizadas é necessário que os residentes
estejam cientes do importante lugar que ocupam diante da melhoria e da qualificação do
sistema público de saúde.
Cabe ressaltar que a presente pesquisa apresenta resultados que dizem respeito às
práticas profissionais desenvolvidas por psicólogos nas ênfases Atenção Básica em Saúde
Coletiva, e Saúde da Família e Comunidade (SFC), de dois Programas de Residência
Multiprofissional em Saúde de um município específico. Deste modo, pode-se pensar que há
outras perspectivas em relação às práticas psicológicas na atenção básica, que poderão ser
desveladas em estudos com residentes de outros Programas e/ou outras regiões do país, visto
que não se objetivou generalizar os resultados apresentados.
Por fim, ressalta-se que este estudo buscou contribuir com a discussão acerca das
práticas psicológicas na atenção básica, no contexto da Residência Multiprofissional, e se faz
necessário que haja outras reflexões a respeito desta temática. Como sugestão, entende-se ser
importante que outros estudos possam abarcar profissionais da psicologia, preceptores dos
serviços, os quais possuem contato com os residentes, a fim de compreender possíveis
contribuições que a presença da RMS nos serviços tem exercido, ou não, nas práticas de tais
profissionais, visto que a consolidação do trabalho do psicólogo na atenção básica passa pela
valorização de práticas mais condizentes com o contexto.
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REFERÊNCIAS
BÖING, E., CREPALDI, M. A. O psicólogo na atenção básica: uma incursão pelas políticas
públicas de saúde brasileiras. Psicologia Ciência e Profissão, v. 30, n. 3, p. 634-649, 2010.
MENDONÇA, C. M. Saúde da Família, agora mais do que nunca! Ciência & Saúde
Coletiva, v. 14(Supl. 1), p. 1493-1497, 2009.
Dados do participante
Nome:
Idade:
Sexo:
Instituição de Ensino Superior:
Ano da graduação:
Possui outra especialização:
Formação Acadêmica
1) Durante sua graduação você teve disciplinas que abordavam o Sistema Único de Saúde
(por exemplo: Saúde Pública/Políticas Públicas):
2) Quais estágios você desenvolveu em sua formação? Foi uma escolha sua ou algo
institucional:
3) Você participou de algum projeto ou curso que envolvesse a temática da saúde/Sistema
Único de Saúde:
4) Você considera que a sua formação forneceu subsídios para o trabalho na Atenção
Básica/Sistema Único de Saúde:
Experiência Profissional
4) Já havia psicólogo no local (residente ou não); como ocorreu a inserção? Foi realizado um
diagnóstico inicial?
5) Atividades que você desenvolve na Unidade de Saúde (individuais e coletivas):
6) Quais demandas chegam até você? Como os usuários chegam até você (encaminhados?
espontâneos?); Qual profissional ou serviço que (mais) encaminha?
7) Você poderia descrever como a equipe se organiza quando chega um caso de saúde mental
na Unidade:
8) Existe alguma articulação de suas atividades com a de outros profissionais e serviços da
rede?
9) Você poderia descrever alguma atividade que você realizou que considere gratificante no
seu trabalho:
10) Você sente algum tipo de cobrança da equipe ou da população para o desenvolvimento de
uma atividade específica?
11) Você poderia descrever como é feito o registro de suas atividades no sistema da rede de
saúde do município?
12) Encontra dificuldades para desenvolver suas atividades? Se sim, quais?
(Estrutura física, formação, local, registro em prontuário coletivo); Consegue conversar com a
equipe sobre isso?
13) Sua equipe é composta por quais profissionais:
14) Como você vê a perspectiva de trabalho em equipe:
15) A Residência Multiprofissional em Saúde é uma estratégia para aproximar o profissional
do trabalho para o Sistema Único de Saúde. Como você vê esse desafio:
16) O que a Psicologia teria a contribuir para a melhoria das práticas de atenção à saúde no
SUS? Qual seu diferencial?
17) Tendo em vista sua trajetória na Residência Multiprofissional em Saúde que
características você considera importantes para um psicólogo atuar na Atenção Básica:
18) Como você vê o trabalho do psicólogo na Atenção Básica (atuação, papel, importância);
19) Na sua opinião, a psicologia é uma profissão que está comprometida com a realidade
social brasileira e com a consolidação do SUS?
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Estamos realizando uma pesquisa que tem por objetivo compreender a prática
profissional de psicólogos vinculados a Programas de Residência Multiprofissional em Saúde
no contexto da Atenção Básica. Deste modo, convidamos você para integrar nosso estudo,
que terá também como participantes outros psicólogos residentes das áreas de ênfase Atenção
Básica em Saúde Coletiva e Saúde da Família e Comunidade. Para a coleta de dados serão
realizadas entrevistas semiestruturadas. As entrevistas serão realizadas em locais previamente
agendados com você, e serão gravadas em áudio para posterior transcrição e análise do
material. O tempo previsto para a realização da entrevista será de uma hora. Ressaltamos que
sua identidade, assim como a dos demais participantes, serão mantidas em sigilo, sem
identificação de nomes ou outra informação que possam vir a identificá-los. Este Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) deverá ser assinado por você em duas vias, uma
ficando com o pesquisador e a outra com o participante.
Você poderá solicitar esclarecimentos sobre os procedimentos e outros assuntos
relacionados com a pesquisa, podendo interromper sua participação a qualquer momento, sem
_________________________
Se você tiver alguma dúvida ou consideração sobre a ética da pesquisa entre em contato: Comitê de Ética em
Pesquisa – UFSM – Cidade Universitária – Camobi, Av. Roraima, nº 1000, CEP 97105-900, Santa Maria, RS.
Telefone: (55) 3220-9362 – Fax: (55) 3220-8009. Email: cep.ufsm@gmail.com Web: www.ufsm.br/cep
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que isto lhe traga prejuízo. Considerando a técnica a ser utilizada para a realização da
pesquisa, bem como o fato de que esta não tem o objetivo de testar nem experimentar
procedimentos novos, julga-se, portanto, a existência de riscos mínimos para você e os demais
participantes. Contudo, caso sejam identificadas situações, durante a realização da entrevista,
de desconforto psicológico, a pesquisadora responsabilizar-se-á por avaliar a situação e, se
houver necessidade de atendimento psicológico, fará o encaminhamento a um serviço público
de saúde mental, sendo identificado juntamente com o participante aquele que melhor atender
as necessidades. Os benefícios deste estudo podem advir da disponibilidade de escuta
oferecida pela pesquisadora e pela reflexão oportunizada acerca da prática do psicólogo nesse
contexto. Todo material desta pesquisa será mantido em sigilo no Departamento de Psicologia
da UFSM, situado na Avenida Roraima, nº 1000, Prédio 74B, CCSH, sala 3208, Campus
Universitário, sendo destruído após cinco anos da realização das entrevistas. Agradecemos
sua colaboração para a realização desta pesquisa e colocamo-nos à disposição para
esclarecimentos adicionais com a pesquisadora-orientadora do projeto, Profª Drª Dorian
Mônica Arpini, que pode ser contatada pelo telefone: (55) 3220 9231, e a pesquisadora
Patrícia Matte Rodrigues - fone (55) 99358319. Os contatos do Comitê de Ética em Pesquisa
da UFSM são: Av. Roraima, nº 1000 - Prédio da Reitoria – 2º andar – Sala Comitê de Ética –
Cidade Universitária – Bairro Camobi – Santa Maria, RS – Telefone (55) 3220-9362. Em
caso de dúvidas quanto a questões éticas também pode ser realizado contato com o
Coordenador-geral do Comitê de Ética em pesquisa do GHC, Daniel Demétrio Faustino da
Silva, pelo telefone 3357-2407, endereço Av. Francisco Trein 596, 3° andar, Bloco H, sala 11,
das 09h às 12h e das 14h:30min às 17h.
Data: ____/____/____
_____________________ _______________________________
Participante Responsável do Projeto
_________________________
Se você tiver alguma dúvida ou consideração sobre a ética da pesquisa entre em contato: Comitê de Ética em
Pesquisa – UFSM – Cidade Universitária – Camobi, Av. Roraima, nº 1000, CEP 97105-900, Santa Maria, RS.
Telefone: (55) 3220-9362 – Fax: (55) 3220-8009. Email: cep.ufsm@gmail.com Web: www.ufsm.br/cep