Livro 1 - Lord John e O Clube Hell-Fire

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Lorde John e o Clube Hell-Fire

(Lord John and the Hell-Fire Club)

O presente texto é uma tradução livre da obra de Diana Gabaldon, cujo objetivo
é facilitar o acesso à leitura para os fãs da autora e da série que não tem fluência na
língua inglesa.
Espera- se que a iniciativa seja um incentivo para que a Série Lord John Grey e
os demais livros da autora que configuram o universo Outlander sejam lançados
oficialmente no país.

Tradução: SORCHA
Julho/2017
SUMÁRIO

CRONOLOGIA
Parte I
Parte II
Parte III
SOBRE A AUTORA
ABAIXO-ASSINADO
ORIGINAL NA AMAZON
CRONOLOGIA
Lorde John e o Clube Hell-Fire é o primeiro conto de um dos principais
personagens de sua saga principal Outlander. A próxima história do personagem
Lorde John Grey se chama Lorde John e o Assunto Privado (Lord John and the
Private Matter).

Histórias da série Lorde John Grey na ordem cronológica

Lorde John e o Clube Hellfire*


(Lord John and the Hellfire Club)
Lorde John e o Assunto Privado
(Lord John and the Private Matter)
Lorde John e o Súcubo*
(Lord John and the Succubus)
Lorde John e a Irmandade da Espada
(Lord John and the Brotherhood of the Blade)
Lorde John e o Soldado Assombrado*
(Lord John and the Haunted Soldier)
O Costume do Exército**
(The Custom of the Army)
O Prisioneiro Escocês
(The Scottish Prisoner)
Uma Peste de Zumbis**
(A Plague of Zombies)
Sitiado**
(Besieged)

* Contos que fazem parte da coletânea Lorde John e a Mão de Demônios (Lord
John and the Hand of Devils).
** Contos que fazem parte da coletânea Seven Stones to Stand or Fall
Parte I

Um homem ruivo

Londres, 1756
A Sociedade para Apreciação do Bife Inglês de
Carne de Vaca, um clube de cavalheiros

Lorde John Grey desviou seus olhos da porta. Não. Não, ele não devia olhar de
volta e encarar. Precisando de algum outro foco para a sua contemplação, fixou
alternativamente os seus olhos na cicatriz de Quarry.
“Um copo com você, senhor?” Raramente esperando que o gerente do clube lhe
providenciasse companhia, Harry Quarry esvaziou seu copo de clarete, depois
estendeu-o para mais. “E outro, talvez, em honra ao seu retorno do exílio
congelante?” Quarry sorriu largamente, a cicatriz puxando para baixo o canto do
seu olho em uma piscadela lasciva conforme ele sorria assim e erguia seu copo de
novo.
Lorde John inclinou seu próprio copo aceitando o brinde, mas mal provou o
conteúdo. Com esforço, ele manteve seus olhos no rosto de Quarry, dispondo-se a
não se voltar e fitar, a não encarar após o lampejo de fogo no corredor ter
capturado seu olho.
A cicatriz de Quarry se desvanecera; apertada e reduzida a um fino talho branco,
sua natureza evidenciada apenas por sua posição em um ângulo rígido sobre a
bochecha corada. Ela poderia, de outra maneira, ter-se perdido entre as rugas
causadas por uma vida dura, mas em vez disso permanecia visível, a medalha de
honra que seu dono considerava tão plenamente.
“Você é demasiado gentil para notar o meu retorno, senhor,” disse Grey. Seu
coração martelando em seus ouvidos, abafando as palavras de Quarry – nenhuma
grande perda para a conversa.
Não é, apontou a sua mente consciente, não pode ser. Contudo, bom senso não
tinha nada a ver com o tumulto das suas sensações, aquele surto de sentimento que
o agarrava pela nuca e pelas nádegas, como se o arrancasse e o virasse, à força,
pelo avesso para entrar em perseguição ao homem ruivo que ele tão brevemente
vislumbrara.
O cotovelo de Quarry cutucou-o rudemente, um incômodo toque de regressar às
circunstâncias presentes.
“... entre as damas, eh?”
“Eh?”
“Eu digo que seu retorno tem sido notado em outro lugar, também. Minha
cunhada manda-me enviar-lhe seus cumprimentos e descobrir sua atual
hospedagem. Você está com o regimento?”
“Não, eu estou atualmente na casa de minha mãe, na Rua Jermyn”. Encontrando
seu copo ainda cheio, Grey o levantou e virou-o bebendo tudo. O clarete do local
era de excelente safra, mas ele mal notou seu buquê. Havia vozes no corredor do
lado de fora, subindo em altercação.
“Ah. Eu a informarei, então; espere um convite pelo correio da manhã. Lucinda
está de olho em você para uma prima dela, eu ouso dizer – ela tem um bando de
pobres, mas bem apessoadas relações femininas, as quais ela pretende guiar para
bons casamentos.” Os dentes de Quarry se mostraram brevemente. “Seja
cauteloso.”
Grey assentiu educadamente. Estava acostumado a tais ofertas. Sendo o mais
jovem de quatro irmãos, ele não tinha esperança de um título, mas o nome de
família era antigo e ilustre, sua pessoa e seu semblante eram atraentes e
interessantes – e ele não necessitava de herança, seus próprios meios sendo
abundantes.
A porta foi escancarada ao se abrir, enviando tal corrente de ar através do
cômodo que fez o fogo na lareira rugir como as chamas de Hades, espalhando
fagulhas sobre o tapete turco. Grey deu graças pela explosão de calor; isso lhe deu
a desculpa que precisava para a cor que ele sentia lhe inundar as bochechas.
Completamente diferente. É claro que ele é completamente diferente. Quem
poderia ser? E, contudo, a emoção que enchia seu peito era tanto decepção como
alívio.
O homem era alto, sim, mas não de forma surpreendentemente. Franzino, quase
delicado. E jovem, mais jovem até do que Grey, julgou ele. Mas o cabelo – sim, o
cabelo era muito parecido.

"Lorde John Grey.” Quarry interceptara o jovem com uma mão na manga do
casaco dele, virando-o para apresentá-lo. “Permita-me apresentar-lhe meu primo
por afinidade, Sr. Robert Gerald.”
O Sr. Gerald assentiu bruscamente, então pareceu tomar posse de si mesmo.
Reprimindo o que quer que fosse que lhe causara a subida do sangue sob sua pele
clara, ele curvou-se, depois fixou seu olhar sobre Grey em um cordial
reconhecimento.
“Seu criado, senhor.”
“E seu.” Nem cobre, nem cenoura; um vermelho escuro, quase ruivo, com
reflexos e listras em cinábrio e ouro. Os olhos não eram azuis – graças a Deus –
mas, de um castanho claro e luminoso.
A boca de Grey ficara seca. Para seu alívio, Quarry ofereceu refresco e,
mediante concordância de Gerald, estalou os dedos para o gerente e conduziu os
três até um canto com poltronas, onde a névoa de fumaça de tabaco se pendurava
como uma cortina acolhedora sobre os membros menos sociáveis do local.
“Quem foi que eu ouvi no corredor?” Quarry demandou, assim que eles se
sentaram. “Bub-Doddington, certamente? O homem tem uma voz de um vendedor
ambulante.”
“Eu-ele-sim, foi.” A pele pálida do Sr. Gerald, não completamente recuperada
de sua excitação anterior, floresceu novamente, para evidente divertimento de
Quarry.
“Oho! E que proposta pérfida ele lhe fez, jovem Bob?”
“Nada. Ele – um convite que eu não quis aceitar, isso é tudo. Você precisa gritar
tão alto, Harry?” Estava frio neste canto da sala, mas Grey pensou que poderia
aquecer suas mãos no fogo das bochechas macias de Gerald.
Quarry bufou com diversão, olhando em volta para as cadeiras próximas.
“Quem vai ouvir? O Velho Cotterill é surdo como um poste e o General já está
meio morto. E por que você se importa, em qualquer caso, se a questão é tão
inocente quanto você sugere?” Os olhos de Quarry giraram para cravarem-se,
repentinamente inteligentes e penetrantes, em seu primo por afinidade.
“Eu não disse que era inocente,” replicou Gerald secamente, retomando sua
compostura. “Eu disse que eu declinei em aceitar. E isso, Harry, é tudo que você
ouvirá sobre isso, portanto tire esse olhar inquiridor de cima de mim. Ele pode
funcionar em os seus subordinados, mas não em mim.”
Grey riu e, após um momento, Quarry juntou-se a ele. Ele bateu no ombro de
Gerald, os olhos cintilando.
“Meu primo é a alma da discrição, Lorde John. Mas isso é como deveria ser,
eh?”
“Eu tenho a honra de servir como secretário júnior do primeiro ministro,”
Gerald explicou, vendo incompreensão na fisionomia de Grey. “Ainda que os
segredos de governo sejam realmente maçantes, pelo menos para os padrões do
Harry” – ele atirou um largo sorriso malicioso para seu primo – “eles não são meus
para os compartilhar.”
“Oh, bem, de nenhum interesse para Lorde John, de qualquer forma,” Quarry
disse filosoficamente, entornando seu terceiro copo de clarete envelhecido com
uma pressa desrespeitosa, mais adequada para um carregador. Grey viu o gerente
sênior fechar os olhos em silencioso horror ante esse ato de profanação, e riu para
si mesmo – ou assim pensou estar fazendo, até apanhar os suaves olhos castanhos
do Sr. Gerald sobre si, combinando com o sorriso de cumplicidade sobre os lábios
dele.
“Tais coisas são de pouco interesse a qualquer um exceto aos mais intimamente
interessados,” Gerald disse, ainda sorrindo para Grey. “As mais ferozes batalhas
são aquelas onde muito pouco se encontra em jogo, você sabe. Mas o que lhe
interessa Lorde John, se a política não o faz?”
“Não falta de interesse,” Grey respondeu, segurando os olhos de Robert Gerald
audaciosamente com os seus. Não, absolutamente nenhuma falta de interesse.
“Ignorância, melhor. Eu estive ausente de Londres por um tempo; de fato, eu perdi
bastante... contato.”
Não intencionalmente, uma mão fechada sobre seu copo, o polegar traçando
vagarosamente um caminho para cima, acariciando-lhe a superfície suave e fresca
como se este fosse a carne de alguém. Rapidamente, ele abandonou o copo
notando, ao fazer isso, o lampejo azul do anel de safira que usava. Podia ter sido a
baliza de um farol, refletiu ele ironicamente, alertando sobre mar agitado à frente.
E, ainda assim, a conversa navegou sem problemas, apesar das inquisições
jocosas de Quarry relacionadas com o posto mais recente de Grey na selvagem
Escócia e das especulações dele quanto às perspectivas futuras de seu irmão
oficial. Como o primeiro era seara proibida e o segundo era seara incógnita, Grey
teve pouco a dizer em resposta, e a conversa mudou para outras coisas: cavalos,
cachorros, fofocas do regimento e outros tais confortáveis entretenimentos
masculinos.
Ainda, de vez em quando, Grey sentia os olhos castanhos descansarem nele com
uma expressão de especulação que tanto recato como cautela o proibiam de
interpretar. Foi com nenhuma surpresa, contudo, que ao saírem do clube
encontrou-se, a sós, com Gerald no vestíbulo, Quarry tendo sido retido por um
conhecido que encontrou na passagem.
“Eu me imponho intoleravelmente, senhor,” Gerald disse, movendo-se para
perto o bastante para manter as suas palavras, ditas em voz baixa, fora do alcance
do criado que guardava a porta. “Eu pediria a sua benevolência, entretanto, se isso
não for inteiramente indesejável.”
“Eu estou completamente ao seu dispor, asseguro-lhe,” Grey disse, sentindo a
calidez do clarete em seu sangue ser sucedida por uma invasão de profundo calor.
Eu desejo – isto é, eu estou desconfiado a respeito de uma conjuntura da qual eu
me tornei ciente. Desde que você está tão recentemente de volta a Londres – isto é,
você tem a vantagem de poder ter outro ponto de vista, do qual eu necessariamente
devo carecer por motivo de convivência prévia. Não há ninguém...” Ele tateou por
palavras, então virou os olhos e arregalou-os repentinamente e profundamente
infelizes sobre Lorde John. “Eu não posso confiar em ninguém!” disse ele, em um
repentino e apaixonado sussurro. Ele agarrou o braço de Lorde John com uma
força surpreendente. “Pode não ser nada, absolutamente nada. Mas eu preciso ter
apoio.”
“Você o terá, se estiver em meu poder dá-lo.” Os dedos de Grey tocaram a mão
que agarrava seu braço; os dedos de Gerald estavam frios. A voz de Quarry ecoou
pelo corredor, alta e jovial atrás deles.
“No ‘Change, perto do Arcade,” disse Gerald rapidamente. “Hoje à noite, logo
depois de escurecer completamente.” O aperto no braço de Grey se fora e Gerald
desapareceu, a cascata suave de seus vívidos cabelos contra sua capa azul.
A tarde de Grey foi gasta com visitas necessárias para alfaiates e advogados, depois
em fazer visitas de cortesia a conhecidos há muito negligenciados, no esforço de
preencher as horas ociosas que se avultavam antes do escurecer. Quarry, sem ter o
que fazer, ofereceu-se para acompanhá-lo, e Lorde John não fez qualquer objeção.
De temperamento jovial e blefador, a conversa de Quarry era limitada a carteado,
bebidas e meretrizes. Ele e Grey tinham pouco em comum, exceto o regimento. E
Ardsmuir.
A princípio, ao ver Quarry novamente no clube, ele pensara em evitar o homem,
sentindo que lembrança era melhor quando estava enterrada. Mas, contudo... podia
uma lembrança ser enterrada verdadeiramente, quando sua personificação ainda
vivia? Ele conseguia esquecer um homem morto, mas não um meramente ausente.
E as chamas dos cabelos de Robert Gerald tinham acendido brasas que ele pensara
estarem seguramente sufocadas.
Podia ser insensato alimentar esta fagulha, considerou ele, libertando seu casaco
de soldado da posse de um mendigo inoportuno. Chamas abertas eram perigosas, e
ele sabia disso tão bem quanto qualquer
homem. Ainda assim... horas se esforçando em meio às multidões de Londres e
horas de socialização forçada o haviam deixado com um desejo inesperado pela
quietude do Norte, de modo que se encontrou desejando, no mínimo, falar da
Escócia ou algo mais.
Eles passaram pelo Royal Exchange no curso de suas incumbências; ele olhou
de relance na direção do Arcade, com sua pintura berrante e cartazes esfarrapados,
suas multidões espalhafatosas de vendedores ambulantes e carriolas, e sentiu um
leve espasmo de antecipação. Era outono; escurecia cedo.
Eles estavam perto do rio agora; o barulho do clamor dos vendedores de marisco
e peixeiros circundava as ruelas sinuosas, e um vento frio com o mau cheiro
revigorante de alcatrão e aparas de madeira inchou os casacos deles como velas.
Quarry se virou e acenou sobre as cabeças em meio ao aglomerado, gesticulando
na direção de um café; Grey assentiu em resposta, abaixando sua cabeça e abrindo
caminho com os cotovelos em direção à porta.
“Que aperto,” disse Lorde John, empurrando-se atrás de Quarry para a paz
relativa do pequeno cômodo com aroma de especiarias. Tirou seu chapéu de três
pontas e se sentou, ajustando ternamente o distintivo vermelho que ficara torto
pelo contato com o povo. Ligeiramente menor do que a altura geral, Grey
encontrava-se em desvantagem em multidões.
“Eu me esqueci do formigueiro fervilhante que é Londres.” Inspirou
profundamente; agarrou o touro pelos chifres, então, e o venceu. “Um contraste
com Ardsmuir, pode ter certeza.”
“Eu tinha me esquecido do lugar desagradável que a solitária bastarda Escócia
é.” Quarry replicou, “até você retornar ao Beefsteak esta manhã para me recordar
das minhas bênçãos. Aqui está para formigueiros.” Ergueu o copo fumegante que
apareceu num passe de mágica ao lado do seu cotovelo, e curvou-se
cerimoniosamente para Grey. Bebeu e estremeceu, tanto em memória à Escócia
como em resposta à qualidade do café. Franziu as sobrancelhas e alcançou a tigela
de açúcar.
“Graças a Deus nós estamos ambos bem fora de lá. Congelando sua bunda
dentro ou fora de casa, e a maldita chuva caindo em cada fenda e janela.” Quarry
tirou sua peruca e coçou a cabeça careca, bastante inconscientemente, depois a
colocou de novo.
“Nenhuma sociedade, a não ser os malditos escoceses sisudos, um ou outro;
nunca tive uma prostituta lá que não me desse sensação de que ela me cortaria o
pau fora tão logo este a tivesse servido. Juro que eu teria colocado uma pistola em
minha cabeça em mais um mês se você não tivesse vindo para me substituir, Grey.
Que pobre desgraçado assumiu depois de você?”
“Nenhum.” Grey coçou seus próprios cabelos louros distraído, contagiado pela
coceira de Quarry. Ele olhou de relance para fora; a rua ainda estava lotada, mas o
barulho da multidão estava misericordiosamente abafado pelo copo de chumbo.
Uma liteira correu em direção à outra, seus condutores perderam o equilíbrio com
a multidão. “Ardsmuir não é mais uma prisão; os prisioneiros foram deportados.”
“Deportados?” Quarry apertou os lábios surpreso, então tomou um gole, mais
cautelosamente. “Bem, foi bem feito, os bastardos miseráveis. Humm!” Ele
grunhiu, e balançou a cabeça sobre o café. “Nada mais do que merece a maioria
deles. Uma pena para Fraser, no entanto – você se recorda de um homem chamado
Fraser, camarada grande e de cabelos vermelhos? Um dos oficiais Jacobitas – um
cavalheiro. Gostava muito dele,” Quarry disse, seu semblante grosseiramente
alegre estava ligeiramente sóbrio. “Muito ruim. Você teve oportunidade de falar
com ele?”
“De vez em quando.” Grey sentiu um familiar aperto em suas entranhas, e se
virou para longe, para que nada do que seu rosto mostrasse pudesse ser lido.
Ambas as liteiras estavam no chão agora, os condutores gritando e empurrando. A
rua era estreita para começar, entupida com o tráfego normal de negociantes e
aprendizes; fregueses parando para olhar a altercação adicionada à
impassibilidade.
“Você o conheceu bem?” Ele não conseguiu evitar; trouxesse-lhe isso conforto
ou miséria, ele sentia que não tinha escolha agora, além de falar de Fraser – e
Quarry era o único homem em Londres com quem ele poderia falar assim.
“Oh, sim – ou tão bem quanto se pode conhecer um homem naquela situação,”
replicou Quarry espontaneamente. “Recebia-o para jantar em meus aposentos toda
semana; muito civilizado em seu discurso, mão boa para carteado.” Ele ergueu um
nariz carnudo de seu copo, bochechas coradas, mais vermelhas que o usual devido
ao vapor. “Ele não era alguém de provocar pena, é claro, mas alguém que se
poderia escassamente ajudar além de sentir alguma simpatia por sua situação.”
“Simpatia? E ainda assim você o deixou na prisão.”
Quarry olhou bruscamente para cima, captando o tom cortante das palavras de
Grey.
“Eu posso ter gostado do homem; eu não confiava nele. Não depois do que
aconteceu a um dos meus sargentos.”
“E o que foi?” Lorde John conduziu de modo a infundir à questão não mais do
que um leve interesse.
“Desventura. Afogado por acidente no tanque da pedreira,” disse Quarry,
despejando várias colherinhas de torrão de açúcar em um novo copo e mexendo
vigorosamente. “Ou assim eu escrevi no relatório.” Ele olhou por cima de seu café
e deu sua piscadela torta e lasciva para Grey. “Eu gostava do Fraser. Não me
importava com o sargento. Mas, nunca pense que um homem esteja desamparado,
Grey, somente porque ele está acorrentado.”
Grey buscou urgentemente um modo de inquirir mais sem deixar transparecer
seu interesse apaixonado.
“Então você acredita –” ele começou.
“Olhe,” Quarry disse, levantando-se repentinamente de seu assento. “Olhe!
Maldição se não é Bob Gerald!”
Lorde John girou em volta em sua cadeira. Suficientemente claro, o sol do fim
de tarde atraía faíscas de uma cabeça de fogo inclinada, conforme seu dono
emergia da cadeira de uma das liteiras paralisadas. Gerald se endireitou, o cenho
franzido, e começou a forçar caminho entre os condutores preparados para o
combate.
“O que será que ele pretende, eu me pergunto? Certamente – Olá! Aguarde!
Espere seu canalha!” Deixando cair o copo sem perceber, Quarry se apressou em
direção à porta, berrando.
Grey, um passo ou dois atrás, enxergou nada mais do que o lampejo do metal ao
sol e a breve aparência de assombro no rosto de Gerald. Então a multidão caiu para
trás, com um grito de horror em massa, e a vista dele foi obscurecida por um
aglomerado de costas arfando.
Ele forçou sem remorso o seu caminho, aos gritos através do tropel, golpeando
implacavelmente o cabo de sua espada para limpar a frente.
Gerald estava deitado nos braços de um dos condutores, os cabelos caídos para
frente escondendo seu rosto. Os joelhos do jovem estavam contraídos em agonia,
punhos cerrados se apertavam com força contra a crescente mancha em seu colete.
Quarry estava lá; ele brandia a sua espada para a multidão, berrando ameaças
para mantê-los para trás, então fuzilou descontroladamente em volta com o olhar,
procurando por um inimigo para espetar.
“Quem?” ele gritou para os condutores, o rosto tomado pela fúria. “Quem fez
isso?”
O círculo de rostos sem cor se voltou em impotente interrogação, uns para os
outros, mas não encontraram o foco; o inimigo fugira e, com ele, os seus
condutores.
Grey se ajoelhou na sarjeta descuidadamente suja e, delicadamente, colocou
para trás os cabelos avermelhados com mãos que estavam ficando rígidas e frias.
O fedor quente de sangue estava espesso no ar, e o cheiro fecal de intestino
perfurado. Grey vira campos de batalha suficientes para saber a verdade mesmo
antes de ter visto os olhos vidrados, o rosto pálido. Sentiu uma punhalada
profunda, aguda, diante desta visão, como se as suas próprias entranhas também
tivessem sido perfuradas.
Olhos castanhos arregalados fixos nele, uma profunda centelha de
reconhecimento atrás do choque e da dor. Ele agarrou a mão do moribundo na sua
e friccionou para aquecê-la, sabendo da inutilidade do gesto. A boca de Gerald se
mexeu, sem som. Uma bolha de saliva vermelha inchou no canto de seus lábios.
“Conte-me.” Grey se curvou urgentemente até o ouvido do homem, e sentiu o
roçar suave dos cabelos dele em sua boca. “Conte-me quem fez isso – eu vingarei
você. Eu juro.”
Ele sentiu um leve espasmo dos dedos nos seus, e apertou de volta, forte, como
se ele pudesse forçar algo de seu próprio vigor para dentro de Gerald; suficiente
para uma palavra, um nome.
Os lábios suaves estavam pálidos, a bolha de sangue crescendo. Gerald sugou os
cantos de sua boca, num ricto feroz, com os dentes expostos que estourou a bolha e
borrifou sangue sobre toda a bochecha de Grey. Depois os lábios escureceram,
franzindo no que poderia ter sido o convite para um beijo. Então ele morreu, e os
olhos castanhos arregalados ficaram brancos.
Quarry estava gritando com os condutores, exigindo informação. Mais gritos
ecoavam dos muros das ruas, dos becos próximos, notícias voavam da cena do
assassinato como morcegos saídos do inferno.
Grey ajoelhado sozinho no silêncio, perto do homem morto, no mau cheiro do
sangue e das entranhas esvaídas. Gentilmente, ele colocou a mão flácida de Gerald
sobre seu peito ferido, e limpou, distraído, o sangue da sua própria mão em seu
casaco.
Um movimento atraiu seu olho. Harry Quarry ajoelhado do outro lado do corpo,
seu rosto estava tão branco quanto a cicatriz em sua bochecha, tentando abrir um
grande canivete. Ele vasculhou gentilmente em meio aos cabelos afrouxados,
emaranhados de sangue de Gerald, e puxou um cacho limpo, o qual ele cortou
fora. O sol estava baixando; a luz apanhou os cabelos quando eles caíram, uma
mecha de chama vívida.
“Para a mãe dele,” explicou Quarry. Com os lábios hermeticamente fechados,
enrolou os fios reluzentes e os guardou.
Parte II

Intriga

O convite veio dois dias depois e, com ele, um bilhete da parte de Harry Quarry.
Lorde John Grey estava convidado para um entretenimento ao anoitecer na Casa
Joffrey, pela vontade de Lady Lucinda Joffrey. O bilhete de Quarry dizia
simplesmente, ‘Venha. Tenho novidades’.
E já não era sem tempo, considerou Grey, deixando o bilhete de lado. Os dois
dias desde a morte de Gerald foram preenchidos com atividade frenética, com
inquérito e investigação – sem nenhum proveito. Cada loja e ambulante na Rua
Forby foram totalmente revolvidos, mas nenhum vestígio foi encontrado do
atacante e seus criados; estes sumiram na multidão, anônimos como formigas.
O que provava uma coisa, no mínimo, ponderou Grey. Foi um ataque planejado,
não uma amostra aleatória de violência de rua. Para o atacante desaparecer tão
rapidamente, ele deveria ter a aparência da plebe; um comerciante próspero ou um
nobre teria se destacado por seu veículo e vestimenta. A liteira fora alugada;
ninguém se recordava da aparência do contratante, e o nome dado era – não
surpreendentemente – falso.
Ele embaralhava incansavelmente o resto da correspondência. Todas as outras
vias de inquérito se mostraram infrutíferas até agora. Nenhuma arma fora
encontrada. Ele e Quarry procuraram o porteiro do Beefsteak, na esperança de que
o homem tivesse ouvido um pouco da conversa entre Gerald e Bubb-Dodington,
mas o homem era um criado temporário, contratado para aquele dia e, desde então,
pegara seu salário e sumira, sem dúvida para bebê-lo.
Grey sondara os conhecidos do rapaz procurando por qualquer rumor de inimigo
ou, na falta disso, qualquer estória do falecido Robert Gerald que pudesse fornecer
uma pista do motivo do crime. Gerald era evidentemente conhecido, de maneira
modesta, nos círculos do governo e locais de sociedade respeitável, mas ele não
tinha grandes somas para deixar, nenhum herdeiro exceto sua mãe, nenhuma pista
de qualquer enredamento romântico – resumindo, não havia insinuação qualquer
que fosse de uma associação que pudesse levar àquela maldita morte na Rua
Forby.
Ele parou, os olhos capturados por um selo desconhecido. Um bilhete, assinado
por um G. Bubb-Dodington, solicitando alguns momentos do seu tempo, em uma
ocasião conveniente – e, observando de passagem, que o próprio G. Bubb-
Dodington estaria presente na Casa Joffrey ao anoitecer, caso Lorde John se
encontrasse igualmente convidado.
Ele apanhou a nota de Quarry novamente e encontrou outra folha dobrada atrás
dela. Desdobrada, esta se mostrou ser uma folha grande, impressa com um poema
– ou, pelo menos, com palavras organizadas na forma de verso. ‘Uma mancha
removida’ estava intitulado. Carente em métrica, mas não em humor rude, o
burlesco dava a estória de um prostituto cuja sexualidade crua ultrajava o público,
até que ‘escândalo inflamou-se, vermelho sangue como a cor abominável do
cabelo dele’, e um redentor desconhecido se levantou para destruir o perverso,
lavando assim o antigo pergaminho da sociedade.
Lorde John não comeu nada no café da manhã, e a vista desta extinguiu
quaisquer vestígios que ele tivesse de apetite. Ele carregou o documento consigo
até a sala de almoço e alimentou o fogo cuidadosamente com o mesmo.

A Casa Joffrey era uma pequena, mas elegante mansão revestida de pedras brancas,
nas proximidades de Eaton Square. Grey nunca estivera lá antes, mas a casa era
bem conhecida por suas festas brilhantes, muito frequentadas por aqueles com
gosto pela política; Sir Richard Joffrey, meio irmão mais velho de Quarry, era uma
pessoa influente.
Conforme Grey subia os degraus de mármore, viu um membro do Parlamento e
o Primeiro Lorde do Mar próximos, em diálogo, à frente de si, e percebeu uma
considerável fila de carruagens discretamente elegantes paradas à distância na rua.
Uma ocasião e tanto, então; ele estava um pouco surpreendido por Lady Lucinda
estar entretendo em tal escala, na esteira do assassinato de seu primo – Quarry
dissera que ela era próxima de Gerald.
Quarry estava alerta; Grey nem bem fora anunciado e encontrou-se agarrado
pelo braço e arrastado da fila de recepção que se movia lentamente, para o abrigo
de uma planta gigantesca situada no canto do salão de baile, onde fazia companhia
a várias de suas colegas à maneira de uma pequena floresta.
“Você veio, então,” disse Quarry, desnecessariamente.
Vendo o aspecto abatido do homem, Grey disse meramente, “Sim. Qual a
novidade?”
Fadiga e aflição tendiam simplesmente a realçar as características delicadas da
fisionomia de Grey, mas davam a Quarry um ar de ferocidade mal-humorada,
fazendo-o parecer um grande cão de temperamento doentio.
“Você viu aquilo – aquele – impronunciável pedaço de excremento?”
“A folha grande? Sim; onde você a conseguiu?”
“Elas estão em toda Londres; não apenas aquela particular excrecência – muitas
outras, tão vis ou piores."
Grey sentiu uma pontada de profunda inquietação.
“Com acusações similares?”
“De que Robert Gerald era um pederasta? Sim, e pior; que ele era um membro
de uma notória sociedade sodomítica, um ajuntamento para o propósito de... bem,
você saberá de que tipo de coisa? Nojento!”
Grey não poderia informar se este último se aplicava à existência de tais
sociedades, ou à associação do nome de Gerald com uma. Consequentemente, ele
escolheu suas palavras com cuidado.
“Sim, eu ouvi falar de tais associações.”
Grey sabia, entretanto o conhecimento não era pessoal; tais sociedades eram
ditas serem comuns – ele sabia de tavernas e quartos de fundo em grande
quantidade, sem dizer das casas mais famosas para encontro entre homossexuais
do sexo masculino, onde... Ainda assim, meticulosidade e cautela impediram
qualquer inquérito fechado nessas assembleias.
“Preciso eu dizer que – que tais acusações têm nenhum fundo de verdade – nem
a mais leve pretensão de verdade?” Quarry falou com alguma dificuldade,
evitando os olhos de Grey. Grey colocou uma mão na manga de Quarry.
“Não, você não precisa dizer isso. Eu estou certo disso,” disse ele calmamente.
Quarry olhou para cima de relance com um sorriso meio embaraçado, e apertou
sua mão brevemente.
“Obrigado,” ele disse com um ruído áspero.
“Mas se não for assim,” observou Grey, dando a Quarry tempo de se recuperar,
“então tal profusão rápida deste rumor tem o cheiro de uma calúnia organizada. O
que, por si só, é muito estranho, você não acha?”
Evidentemente não; Quarry olhou palidamente para ele.
“Alguém desejava não apenas destruir Robert Gerald,” Grey explicou, “mas,
pensou ser também necessário denegrir seu nome. Por quê? O homem está morto;
quem acharia necessário matar sua reputação, também?”
Quarry parecia assustado, então franziu o cenho, sobrancelhas juntas no esforço
de pensar.
“A verdade de Deus,” ele disse devagar. “Droga, você está certo. Mas, quem?”
Ele parou, procurando pensativo de um lado a outro da assembleia de convidados.
“O primeiro ministro está aqui?” Grey olhou através da folhagem caída. Era
uma festa pequena, mas brilhante, e uma de um tipo particular; não mais do que
quarenta convidados, e todos eles tirados dos escalões do poder. Nada de
almofadinhas de maneiras afetadas ou tolos em busca de futilidades; senhoras
havia, claramente, fornecendo graça e beleza – mas isto era consequência dos
homens com quem estavam. Vários ministros compareceram, o lorde do mar, um
assistente do ministro das finanças... Ele se deteve, sentindo como se alguém
tivesse acabado de perfurá-lo no abdômen.
Quarry estava murmurando em seu ouvido, explicando algo sobre a ausência do
primeiro ministro, mas Grey não ouvia mais. Ele lutou com o impulso de recuar
para mais longe dentro das sombras.
George Everett parecia bem – muito bem, na verdade. Peruca e empoado
realçando o negrume de suas sobrancelhas e os encantadores olhos escuros abaixo
delas. Um queixo firme e uma boca larga e cheia de movimento – o dedo indicador
de Grey contraiu-se involuntariamente, traçando a linha dela na memória.
“Você está bem, Grey?” A voz áspera de Quarry chamou-o de volta para si
mesmo.
“Sim. Uma indisposição insignificante, nada mais.” Grey desviou seus olhos
para longe da figura esbelta de Everett, impressionante em preto e amarelo pálido.
Era apenas uma questão de tempo, afinal; sabia que eles se encontrariam de novo –
e, pelo menos, não tinha sido pego de surpresa.
“A novidade que você mencionou. É –”
Quarry interrompeu, agarrando seu braço e puxando-o do abrigo de árvores para
dentro do burburinho da festa.
“Ouça, aqui está Lucinda. Venha, ela deseja encontrar-se com você.”
Lady Lucinda era baixa e roliça, seus cabelos escuros usados sem empoado,
puxados elegantemente sobre o crânio, e seus cachos presos com um ornamento de
penas de faisão que iam bem com seu vestido avermelhado. Seu rosto era cheio e
bastante franco, embora isto pudesse ser alguma afirmação do caráter dela, havia
muita vida nele. Em vez disso, pálpebras inchadas caiam sobre olhos manchados
com sombras que ela não se preocupara em disfarçar.
Lorde John inclinou-se sobre a mão dela, perguntando-se novamente ao fazer
isso, o que a motivara a abrir a casa nesta noite; ela estava claramente em grande
aflição.
“Meu lorde,” murmurou ela, em resposta às cortesias dele. Então ergueu seus
olhos e ele se surpreendeu. Os olhos dela eram lindos, no formato de amêndoas e
de cor cinza claro – e, a despeito das pálpebras avermelhadas, limpos e penetrantes
com perceptível inteligência.
“Harry me conta que você estava com Robert quando ele morreu,” disse ela
suave, mas claramente, prendendo-o com aqueles olhos. “E que você ofereceu sua
ajuda para encontrar o covarde que fez isto.”
“De fato. Eu lhe ofereço minhas mais sinceras condolências, minha senhora.”
“Eu agradeço, senhor.” Ela inclinou a cabeça em direção à sala, reluzindo com
os convidados e as chamas das velas. “Você achará isto estranho, sem dúvida, que
nos deleitemos com tal glamour com meu primo tão recentemente e vilmente
assassinado?” Grey começou a preparar a objeção esperada, mas ela não permitiria
isto, continuando antes que ele conseguisse falar.
“Foi desejo do meu marido. Ele disse que nós devíamos – que se encolher e se
acovardar diante de tal calúnia seria conceder-lhe crédito. Ele insistiu que nós
tínhamos que enfrentá-la corajosamente, ou sofreríamos a desonra do escândalo.”
Os lábios dela se apertaram, um lenço amassado em suas mãos, nas nenhuma
lágrima brotou nos olhos cinza.
“Seu marido é sábio.” Esta era uma ideia; Sir Richard Joffrey era um membro
influente do Parlamento, com uma apreciação perspicaz da política, uma grande
familiaridade com aqueles no poder – e o dinheiro para influenciá-los. Poderiam o
assassinato de Gerald e estes esforços póstumos em desacreditá-lo ser, de alguma
forma, um golpe para atingir Sir Richard?
Grey hesitou; ele ainda não contara a Quarry sobre a solicitação de Gerald no
clube. Não há ninguém em quem eu possa confiar, Gerald dissera – e,
presumivelmente, incluía seu primo por afinidade nisso. Mas, Gerald estava morto,
e a missão de Grey agora era vingança, não confiança. Os músicos tinham feito
uma pausa; com uma inclinação de cabeça, Grey chamou os seus companheiros de
volta para a privacidade da floresta.
“Senhora, eu tive a honra de travar um breve conhecimento com seu primo.
Ainda, quando eu o conheci...” Em poucas palavras, ele inteirou seus ouvintes do
último pedido de Gerald.
“Um de vocês sabe o que esta preocupação poderia ser?” Grey perguntou,
olhando de um para o outro. Os músicos estavam recomeçando, os acordes de
violino e flauta subiam acima do rumor da conversa.
“Ele pediu que você o encontrasse no ‘Change?” Uma sombra passou sobre o
rosto de Quarry. Se a Rua Gropecunt era a principal via pública para a prostituição
feminina, o Royal Exchange era sua contraparte masculina – após escurecer, pelo
menos.
“Isso não significa nada, Harry,” disse Lucinda. À sua aflição fora acrescido
interesse, sua forma redonda esboçou-se ereta. “O ‘Change é um lugar de encontro
para todo tipo de intriga. Tenho certeza que a escolha de Robert do lugar para o
encontro não tinha nada a ver com – com estas acusações grosseiras.” Lady
Lucinda franziu o cenho. “Mas, eu não sei de nada que tivesse causado tal
preocupação em meu primo – você sabe, Harry?”
“Se eu soubesse, eu teria dito igualmente,” Quarry disse irritado. “Visto que ele
não pensou que eu fosse confiável, entretanto –”
“Você mencionou alguma novidade,” Grey interrompeu, buscando evitar
amargor. “O que era?”
“Oh” Quarry parou, a irritação desaparecendo. “Eu consegui uma noção do que
consistia o convite de Bubb-Dodington.” Quarry lançou um olhar de óbvia
antipatia na direção de um grupo de homens reunidos conversando no lado oposto
da sala. “E se o meu informante estiver correto, aquilo estava longe de ser algo
inocente.”
“Qual deles é Bubb-Doddington? Ele está aqui?”
“De fato.” Lucinda apontou com seu leque. “De pé junto à lareira – de terno
avermelhado.”
Grey olhou através da névoa da fumaça da lareira e da incandescência das velas,
escolhendo uma delgada figura em veludo rosa e com uma peruca que puxava os
cabelos em forma de saco – elegante, com certeza, mas parecendo algo levemente
bajulador na atitude, ao se inclinar na direção de outro participante do grupo.
“Eu indaguei sobre ele,” Grey disse. “Ouvi que ele é um político, mas um de
não grande importância; um mero oportunista.”
“Verdade, ele nada é por si mesmo. Suas associações, entretanto, são mais
substanciais. Aqueles com os quais ele se alia raramente são sem poder, contudo
não – ainda não! – estão em posições de quem toma decisões.”
“E quem são estes? Eu estou bastante ignorante de política, atualmente.”
“Sir Francis Dashwood, John Wilkes, Sr. Churchill... Paul Whitehead, também.
Oh, e Everett. Você conhece George Everett?”
“Nós somos conhecidos,” Grey disse placidamente. “O convite que você
mencionou?”
“Oh, sim.” Quarry balançou a cabeça, recordando-se. “Eu finalmente descobri o
paradeiro do porteiro do clube. Ele tinha ouvido, por acaso, o suficiente da
conversa de Bubb-Doddington para dizer que o homem estava insistindo para
Gerald aceitar um convite para permanecer em West Wycombe.
Quarry subiu alto suas sobrancelhas com a implicação, mas Grey permanecia
ignorante e assim disse.
“West Wycombe é a residência de Sir Francis Dashwood,” Lady Lucinda
colocou. “E o centro de sua influência. Ele entretém lá ricamente, assim como nós
fazemos” – sua boca roliça fez um pequeno beicinho de depreciação – “e para os
mesmos propósitos.”
“A sedução do poderoso?” Grey sorriu. “Então Bubb-Dodingtn – ou seus
mestres – procuravam seduzir Gerald? Para que fim, eu me pergunto?”
“Richard chama West Wycombe de montagem de um ninho de víboras,”
Lucinda disse. “Determinados a alcançar seus fins por quaisquer meios, mesmo
aqueles desonrosos. Talvez eles procurassem atrair Robert para seu lado por suas
próprias virtudes, ou” – ela pausou hesitante – “pelo propósito do que ele pudesse
saber em relação aos negócios do primeiro ministro?”
A música estava começando de novo no outro extremo da sala, e eles foram
interrompidos neste delicado momento por uma senhora que, observando-os em
seu refúgio, veio agitada para reivindicar Harry Quarry para uma dança, varrendo
qualquer possibilidade de recusa com um gracioso leque.
“Não é Lady Fitzwalter?” Roliça e corada, a senhora que agora pressionava
provocativamente a mão de Quarry em seu próprio busto era a esposa de Sir Hugh,
um baronete idoso de Sussex. Quarry parecia não ter objeções, seguindo o flerte de
Lady Fitzwalter com uma pitada jocosa.
“Oh, Harry se imagina um grande libertino,” disse Lady Lucinda
tolerantemente, “embora qualquer um consiga ver que se trata nada mais do que
uma mão de cartas no clube de cavalheiros e um olho para carne bem torneada.
Difere grandemente de qualquer oficial em Londres?” Um sagaz olho cinza passou
sobre Lorde John, inquirindo sobre o que poderiam ser suas próprias diferenças.
“Realmente,” ele disse divertido. “E no entanto, ele foi enviado para a Escócia
por alguma indiscrição, eu fiquei sabendo. Não foi pelo incidente que o deixou
com aquela cicatriz sobre o rosto?”
“Oh, lá” ela disse, franzindo a boca com desprezo. “A famosa cicatriz! Alguém
pensaria que é da Ordem da Cinta Liga, ele ostenta isto também. Não, não, o
carteado é que foi a causa do seu exílio – ele apanhou um Coronel do regimento
quebrando as regras do jogo para ganhar, e muito vinho já tinha sido consumido
para que fosse mantido silêncio sobre o caso.”
Grey abriu a boca para perguntar sobre a cicatriz, mas silenciou a si mesmo com
o aperto que ela deu em sua manga.
“Agora, há um libertino, caso você queira um,” ela disse em voz baixa. Os olhos
dela distinguiram um homem no outro lado da sala, perto da lareira. “Dashwood;
Harry falou dele. Sabe dele, você?”
Grey semicerrou os olhos contra a névoa de fumaça da sala. O homem era
corpulento, mas traía nenhuma flacidez na carne, os ombros inclinados eram
musculosos e, se cintura e coxas forem sólidas também, era por uma inclinação
natural de forma, e não resultado do prazer.
“E ouvi o nome,” Grey disse. “Um político de menor reputação?”
“Na arena da política, sim,” Lady Lucinda concordou, sem tirar os olhos do
homem. “Em outras... não tão menor. De fato, sua reputação em alguns círculos é
nada menos que absoluta notoriedade.”
Um alcançar de copo esticou o cetim do colete bordado em seda cor de ameixa
de Dashwood apertado contra um peito largo, e trouxe à vista um rosto, igualmente
amplo, corado no brilho das velas e animado por um riso cínico. Ele não usava
peruca, mas tinha uma quantidade de cabelos pretos, com cachos curtos sobre a
testa. Grey enrugou a própria testa no esforço de se recordar; alguém dissera
alguma coisa para ele, sim – mas, a ocasião lhe escapava, assim como seu teor.
“Ele parece um homem de substância,” arriscou. Certamente, Dashwood era o
centro das atenções de sua extremidade da sala, todos os olhos sobre ele enquanto
ele falava.
Lady Lucinda soltou um riso baixo.
“Você acha, senhor? Ele e seus amigos ostentam sua prática de licenciosidade e
blasfêmia como Harry ostenta sua cicatriz – e a partir da mesma causa.”
Foi a palavra ‘blasfêmia’ que trouxe de volta a recordação.
“Ah, Eu ouvi menção... Abadia de Medmenham?”
Os lábios de Lucinda franziram apertados e ela assentiu. “O Clube Hellfire*,
eles o chamam.”
“De fato. Existiram clubes Hellfire antes – muitos deles. Este é mais do que a
desculpa usual para tumulto público e licença de embriaguez?”
Ela olhou para o homem à frente do fogo, o semblante dela perturbado. Com a
luz da névoa atrás deles, toda a individualidade de contorno se perdera, eles
pareciam nada mais que uma assembleia de figuras negras; diabos sem rosto,
delineados pela luz do fogo.
“Penso que não,” ela disse com voz muito baixa, relanceando o olhar para lá e
para cá para se assegurar de que eles não eram ouvidos. “Ou assim eu pensava –
até ouvir sobre o convite a Robert. Agora...”
O aparecimento, perto da floresta, de um homem alto, de boa aparência e cuja
semelhança com Quarry deixava clara a sua identidade, pôs um fim na conferência
clandestina.
“Lá está Sir Richard; ele está procurando por mim.” Pronta para alçar voo, Lady
Lucinda parou e olhou de volta para Grey. “Eu não posso dizer, senhor, qual razão
você pode ter para se interessar – mas, eu o agradeço por isso.” Um lampejo de
agonia iluminou os olhos cinza. “Deus o conduza e proteja em seu sucesso, senhor
– embora para mim, eu não devesse respeitar muito um Deus tão insignificante
assim para estar preocupado com tais como Francis Dashwood.”
Grey passou para dentro da multidão geral, curvando-se e sorrindo, permitindo-
se ser tirado para uma dança aqui, uma conversa ali; mantendo o tempo todo um
olho sobre o grupo próximo da lareira. Homens se juntavam ao grupo por um curto
tempo, se afastavam e eram substituídos por outros, ainda que o grupo central
permanecesse o mesmo.
Bubb-Dodington e Dashwood eram o centro dele; Churchill, o poeta John
Wilkes e o Conde de Sandwich os rodeavam. Vendo em um ponto, durante uma
pausa na música, que muitos outros estavam reunidos junto à lareira, homens e
mulheres igualmente, Grey pensou que era o momento de fazer sua própria
presença conhecida e, discretamente, juntou-se à multidão, manobrando para um
local próximo a Bubb-Dodington.
O Sr. Justice Margrave estava falando para um grupo de pessoas, o mesmo
assunto que fora o tema da maioria das conversas que Grey escutara até agora – a
morte de Robert Gerald ou, mais particularmente, a erupção de rumores e o
escândalo que a seguiu. O juiz percebeu o olhar de Grey e cumprimentou-o
assentindo com a cabeça – seu culto era bem familiar à família de Grey – mas,
continuou sua denúncia sem entraves.
“Eu deveria desejar que, em vez de exposição pública, a estaca seja a punição
para tal abominável vício.” Margrave balançou uma pesada cabeça na direção de
Grey, as pálpebras baixando meio fechadas. “Você já leu a noção de Holloway,
senhor? Ele sugere que esta abominável prática de sodomia seja refreada pela
castração ou alguma outra persuasiva medida preventiva.”
Grey conteve o impulso de se abraçar protetoramente.
“Persuasiva, realmente,” ele disse. “Você supõe que o homem que rasgou
Robert Gerald foi impelido por motivos morais, então?”
“Se foi ou não, eu deveria dizer que ele prestou serviço para a sociedade,
livrando-nos de um expoente desta chaga moral.”
Grey observou Harry Quarry de pé a uma jarda de distância, seus olhos
brilhantes fixos no idoso juiz de uma maneira calculada para causar ainda mais
preocupação aos merecedores destas perspectivas futuras.
Afastando-se, por medo de que sua confirmação encorajasse Quarry
abertamente à violência, ele encontrou-se, em vez disso, cara a cara com George
Everett.
“John,” disse Everett suavemente, sorrindo.
“Sr. Everett.” Grey inclinou sua cabeça polidamente. Nem um pouco contido,
Everett continuava a sorrir. Ele era um diabo de bonito, e sabia disso.
“Você parece bem, John. Exílio lhe faz bem, parece.” A boca ampla alargou-se,
ondulando nos cantos.
“De fato. Eu devo cuidar para ir embora mais frequentemente, então.” O coração
dele estava batendo mais rápido. O perfume de Everett era o seu costumeiro
almíscar e mirra; este aroma invocava lençóis jogados e o toque firme de mãos
conhecidas.
Uma voz áspera próxima de seu ombro proveu uma distração bem-vinda.
“Lorde John? Seu criado, senhor.”
Grey se virou para encontrar o cavalheiro em veludo rosa inclinando-se para ele,
uma aparência de cordialidade espúria fixada sobre características sombrias.
“Sr. Bubb-Dodington, eu presumo. Estou obrigado, senhor.” Ele curvou-se por
sua vez e permitiu-se ser separado de Everett, que estava de pé atrás dele, com um
suave sorriso em seus lábios.
Tão consciente estava ele, dos olhos de Everett queimando buracos em suas
costas, que parcamente retribuiu as apresentações de Bubb-Dodington, replicando
automaticamente às cortesias e indagações do homem. Não foi até a voz áspera
mencionar a palavra ‘Medmenham’ que ele prestou atenção, para perceber que
acabara de receber um convite dos mais interessantes.
“... achar-nos-ia uma reunião das mais agradáveis, eu estou certo,” Bubb-
Dodington estava dizendo, inclinando-se na direção de Grey com aquela mesma
atitude de atenção aduladora que ele notara mais cedo.
“Você sente que eu me simpatizaria com os interesses de sua sociedade?” Grey
forjou para infundir nisso um leve tom de tédio, olhando para longe do homem.
Ele estava consciente da figura de Sir Francis Dashwood logo acima do ombro de
Bubb-Dodington, escuro e maciço. Os olhos profundamente firmes de Dashwood
estavam pousados neles, mesmo com ele próprio continuando a conversar, e um
arrepio de apreensão fez subir os cabelos da nuca de Grey.
“Estou lisonjeado, mas penso que dificilmente...” ele começou, rejeitando.
“Oh, não pense que você se sentiria muito deslocado!” interrompeu Bubb-
Dodington, adiante com depreciação escorregadia. “Você está familiarizado com o
Sr. Everett, eu penso? Ele o fará um dos nossos.”
“De fato.” A boca de Grey ficou seca. “Entendo. Bem, você precisa permitir-me
consultar...” Com desculpas murmuradas, ele escapou, encontrando refúgio um
momento depois na companhia de Harry Quarry e de sua cunhada, compartilhando
copos de ponche de conhaque nas proximidades do buffet.
“Isso me amarga,” dizia Harry, “que tais oportunistas insignificantes e
exibicionistas arrogantes façam meu parente ser igual aos prostitutos e aos homens
que os procuram que infestam o Arcade. Eu conheci Bob Gerald desde garoto e eu
juraria pela minha vida sobre a honra dele!” A grande mão de Quarry apertou seu
copo conforme ele olhava ameaçadoramente para as costas do Sr. Justice
Margrave.
“Tenha cuidado, Harry, meu caro.” Lucinda colocou uma mão na manga do
casaco dele. “Estes são os meus bons copos de cristal. Se você tem que esmagar
algo, permita que sejam as avelãs.”
“Eu permitirei que seja a traqueia daquele companheiro, e ele não cansa de jogar
ao ar sua idiotice.” Disse Quarry. Ele fez uma careta bastante desagradável,
repelindo apenas o próprio sofrimento, ainda falando. “Em que pode estar Richard
pensando para entreter tal escória? Dashwood, eu quero dizer, e agora esse...”
Grey afrouxou e sentiu um frio na base de sua espinha. As características brutas
de Quarry suportavam nenhum traço de semelhança com seu falecido primo por
afinidade, e ainda – seu rosto contorcido com fúria, olhos saltando ligeiramente
conforme ele falava... Grey fechou seus olhos com força convocando a visão.
Ele deixou Quarry e Lady Lucinda abruptamente, sem se desculpar, e se
encaminhou rapidamente até o grande espelho dourado que estava pendurado
sobre um aparador na sala de jantar.
Inclinando-se sobre os restos de um esqueleto de faisão assado, ele encarou a
própria boca – reproduzindo meticulosamente os formatos que tinha visto na boca
de Robert Gerald – e agora, novamente, na de Harry Quarry, ouvindo dentro da
sua cabeça ao fazer isso, o som da última palavra, pronunciada com esforço – mas
sem voz – de Robert Gerald.
“Dashwood.”
Quarry o seguira, sobrancelhas caídas em perplexidade.
“Que diabo, Grey? Por que você está fazendo caretas no espelho? Você está
doente?”
“Não,” disse Grey, embora realmente se sentisse muito doente. Ele encarou sua
própria imagem no espelho, como se ela fosse algum espectro medonho.
Outro rosto apareceu, e olhos negros encontraram os dele no espelho. Os dois
reflexos eram próximos em tamanho e forma, ambos possuidores de uma
musculatura bem arranjada e uma característica de esbeltez que tinham levado
mais de um observador em sociedade a notar que eles poderiam ser gêmeos – um
claro, um escuro.
“Você virá a Medmenham, não virá?” As palavras sussurradas eram cálidas em
seus ouvidos, o corpo de George tão próximo de si que ele conseguia sentir a
pressão do quadril e da coxa. A mão de Everett tocou suavemente a dele.
“Eu particularmente... desejaria isso.”
Parte III

Batizado em Sangue

Abadia de Medmenham
West Wycombe

Não foi até a terceira noite em Medmenham que ocorreu qualquer coisa
inconveniente. Até este ponto – a despeito das dúvidas antecipadamente
expressadas em voz alta de Quarry – tinha sido uma festa em uma residência, muito
similar a qualquer outra que Lorde John já experimentara, embora com mais
conversa sobre política e menos sobre caça do que era costumeiro.
Tirando a conversa e o entretenimento, porém, havia um estranho ar de mistério
na casa. Se era devido a alguma atitude por parte dos criados ou a algo não visto,
mas sentido, entre os convidados, Grey não conseguia dizer, mas era real; pairava
no ar da Abadia como fumaça sobre água.
A única estranheza evidente era a ausência de mulheres. Ao mesmo tempo em
que mulheres de boa família da área rural próxima a West Wycombe eram
convidadas para jantar, todos os que pernoitavam eram homens. O pensamento
ocorreu a Grey que esta, vista de fora, podia quase ser uma daquelas sociedades
sodomitas tão caluniadas nos jornais londrinos de folhas grandes. Na aparência
apenas, contudo; não havia qualquer insinuação de tal comportamento. Até mesmo
George Everett não lhe deu nenhuma sugestão de qualquer sentimento, salvo a
amabilidade da amizade renovada.
Não, não havia aquele tipo de comportamento que dera a Sir Francis e à sua
abadia restaurada o nome de escândalo. O que exatamente jazia por trás dos
sussurros dessa suposta fama ainda era um mistério.
De uma coisa Grey sabia: Dashwood não era o assassino de Gerald, não
diretamente, pelo menos. Um inquérito discreto estabelecera o paradeiro de Sir
Francis, e este o apontou longe da Rua Forby no momento do atentado. Havia a
possibilidade do assassinato ter sido contratado, porém, e Robert Gerald vira algo
no momento de sua morte que o fez soltar aquela última acusação silenciosa.
Nada havia, até agora, que Grey pudesse apontar como evidência, nem de culpa
nem de depravação. No entanto, caso fosse para ser encontrada uma evidência em
algum lugar, deveria ser em Medmenham – a abadia secular que Sir Francis
restaurara a partir de ruínas e da qual fizera uma atração turística para suas
ambições políticas.
Entre a conversa e os entretenimentos, entretanto, Grey estava consciente de um
silencioso processo de avaliação, percebido claramente nos olhos e trejeitos dos
seus companheiros. Ele estava sendo observado, sua aptidão sendo aferida – mas,
para quê?
“O que Sir Francis quer comigo?” Perguntara desajeitadamente, ao caminhar
com Everett nos jardins na tarde do segundo dia. “Eu nada tenho que atraia tal
homem.”
George sorriu. Ele usava o seu próprio cabelo, negro e brilhante, e a brisa fria
lhe acariciava os fios contra as bochechas.
“Você subestima os seus próprios méritos, John – como sempre. É claro, nada se
torna virtude viril mais do que a simples modéstia.” Ele olhou de soslaio, boca
arqueando com apreciação.
“Eu penso se os meus escassos atributos são suficientes para intrigar um homem
do caráter de Dashwood,” respondeu Grey secamente.
“Mais ao ponto,” disse Everett, arqueando uma sobrancelha, “o que há em Sir
Francis que o intriga tanto? Você não falou de outra coisa, exceto questionar-me
sobre ele.”
“Você seria bem mais adequado do que eu para responder isto,” respondeu Grey
ousadamente. “Eu ouço dizer que vocês são íntimos – o camareiro me informa que
você foi um convidado assíduo em Medmenham no ano passado. O que lhe atrai
para buscar a companhia dele?”
George grunhiu divertido, então atirou a cabeça para trás, respirando com prazer
o ar úmido. Lorde John fez da mesma forma; outono cheira a bolor de folha e
fumaça de chaminé, temperados com o odor pungente de uva moscatel madura
vindo do caramanchão nas proximidades. Aromas para agitar o sangue, ar gelado
para pinicar bochechas e mãos, exercício para estimular e cansar os membros
contrastando com o radiante lazer junto ao fogo e com os confortos de uma cama
quente e escura e tornando-os, por isso, tão atraentes.
“Poder,” George disse, finalmente. Ele ergueu uma mão na direção da Abadia –
um impressionante pilar de pedra cinza, ao mesmo tempo robusto na forma e
delicado no projeto. “Dashwood aspira a grandes coisas; eu me juntaria a ele na
conquista desta ascensão.” Lançou um olhar para Grey. “E você, John? Já faz
algum tempo desde a época em que eu presumia conhecer você e, no entanto, eu
não teria dito que uma sede por influência social faria parte de seus próprios
desejos.”
Grey não queria discutir seus desejos; não no momento.
“‘O desejo de poder em excesso é a causa da queda dos anjos,’” ele citou.
“‘O desejo de conhecimento em excesso é a causa da queda dos homens,’”
George completou a citação, e deu uma risada curta. “O que você busca saber
então, John?” Ele virou sua cabeça na direção de Grey, olhos escuros apertados
contra o vento, e sorriu como se soubesse a resposta.
“A verdade sobre a morte de Robert Gerald.”
Ele mencionara Gerald para todos da festa, um de cada vez separadamente,
escolhendo o seu momento, sondando sutilmente. Sem qualquer sutileza aqui; ele
desejava chocar, e assim o fez. O rosto de George ficou comicamente pálido, então
endureceu em reprovação.
“Por que você busca se enredar neste caso sórdido?” demandou ele. “Tal
associação não pode senão prejudicar sua própria reputação – tal como é.”
Essa doeu, como pretendido.
“Minha reputação é assunto meu,” disse Grey, “assim como as minhas razões.
Você conheceu Gerald?”
“Não,” respondeu Everett rispidamente. Em um consenso não pronunciado, eles
se viraram em direção à Abadia, e caminharam de volta em silêncio.

No terceiro dia, alguma coisa mudou. Uma sensação de expectativa nervosa


parecia permear o ar, e a atmosfera de mistério aumentou e ficou mais pesada. Grey
sentia como se alguma cobertura sufocante fizesse pressão sobre a Abadia e passou
tanto tempo quanto possível do lado de fora.
Entretanto, nada desagradável ocorrera durante o dia nem ao anoitecer e ele se
recolheu, como de costume, logo após as dez horas da noite. Dispensando o
camareiro, ele se despiu sozinho. Estava cansado devido aos seus longos passeios
pelo campo, mas ainda era cedo. Ele apanhou um livro, tentou ler, mas as palavras
pareciam deslizar para longe dos seus olhos. A cabeça dele pesou para frente e ele
dormiu sentado, em um ângulo reto, na cadeira.
O som do relógio batendo no hall do andar de baixo o acordou de sonhos
desagradáveis com piscinas escuras e afogamento. Ele se sentou ereto, com um
gosto metálico como sangue em sua boca e esfregou os olhos para afastar o sono.
Hora do seu sinal noturno para Quarry.
Não desejando permitir que Grey se arriscasse sozinho com tais companhias,
Quarry seguiu Lorde John até West Wycombe. Ele iria, insistiu, e lá assumiria
diariamente, entre onze horas da noite e uma hora da manhã, um lugar específico
no prado em frente à ala de convidados. Lorde John devia passar a chama de uma
vela três vezes contra a vidraça toda noite, como um sinal de que até o momento
estava tudo bem.
Sentindo-se ridículo, Grey assim fizera em cada uma das duas primeiras noites.
Hoje à noite, ele teve uma pequena sensação de insegurança conforme se inclinava
para acender seu círio na lareira. A casa estava silenciosa, mas não adormecida.
Alguma coisa se agitava em algum lugar da Abadia; ele podia senti-la. Talvez os
fantasmas dos antigos monges – talvez algo mais.
A chama da vela mostrava o reflexo do seu próprio rosto, uma forma oval lívida
no vidro, seus olhos azuis claros transformados em buracos escuros. Ele ficou
parado em pé por um momento, segurando a chama, então a apagou e foi para a
cama, obscuramente mais confortado pelo pensamento de Harry estar lá fora do
que por saber que George Everett estava no quarto vizinho.
Acordou na escuridão, para encontrar sua cama rodeada de monges. Ou homens
vestidos como monge; cada um vestia um robe com cinto de corda e um capuz
profundo e folgado, mais puxado na frente para esconder o rosto. Além da
primeira exclamação de assombro, ele se pôs quieto. Ele poderia ter imaginado
serem eles os fantasmas da Abadia, não fossem os aromas de suor e álcool, de
talco e brilhantina que lhe informavam outra coisa.
Ninguém falava, mas mãos o puxaram da cama e o colocaram de pé, despiram-
lhe do corpo a roupa de dormir e o ajudaram a entrar no seu próprio robe. Uma
mão o envolveu intimamente em concha, uma carícia cedida sob a capa da
escuridão, e ele respirou almíscar e mirra.
Nenhuma ameaça foi oferecida e ele reconheceu os seus companheiros como
sendo aqueles com os quais tinha jantado. No entanto, o coração martelava em
seus ouvidos enquanto ele era conduzido pelos corredores escuros até o jardim e,
em seguida, pela luz de um lampião através de um labirinto de teixos podados.
Mais além, um caminho levava para a leteral de uma colina pedregosa, fazendo
uma curva na escuridão e voltando, finalmente, para dentro da própria colina.
Aqui eles passaram através de um curioso portal, este sendo uma passagem em
abóboda de madeira e mármore, cravada no que ele interpretou ser semelhante às
partes privadas, amplamente abertas, de uma mulher. Examinou isso com
curiosidade; experiências iniciais com prostitutas o tornaram vagamente
familiarizado, mas não lhe proporcionaram nenhuma oportunidade para uma
inspeção minuciosa.
Uma vez dentro deste portal, um sino começou a badalar em algum lugar lá na
frente. Os ‘monges’ se organizaram em uma linha, dois a dois, e se
desorganizaram lentamente, começando a entoar um cântico.
“Hocus-pocus, Hoc est corpus…”
O cântico continuou no mesmo estilo – uma perversão de várias orações bem
conhecidas, algumas meramente tolices absurdas, algumas inteligentes ou
claramente obscenas. Grey reprimiu um repentino ímpeto de rir, e bateu em seu
lábio para pará-lo.
A solene procissão prosseguiu mais rapidamente e ele sentiu o cheiro de pedra
úmida; estariam em uma caverna? Evidentemente; conforme a passagem se
alargava, ele via luz à frente e entrava finalmente em uma grande câmara
ambientada com velas e cujas paredes toscas indicavam que eles estavam
realmente em uma catacumba coletiva. A impressão era intensificada pela
presença de um bom número de esqueletos humanos, crânios sorridentes colocados
sobre seus fêmures cruzados, como muitos Jolly Rogers.
Grey encontrou-se prensado dentro de um local perto da parede. Uma figura,
vestindo vermelho cardeal, veio para frente e a voz de Sir Francis Dashwood
entoou o início do ritual. O ritual em si era uma paródia da missa católica,
ordenada com grande solenidade, invocações feitas ao Mestre das Trevas, o cálice
tendo sido produzido a partir de um crânio arrebitado.
Na verdade, Grey achou os procedimentos enfadonhos ao extremo, animados
apenas pelo aparecimento de um grande macaco de uma espécie sem rabo que
apareceu na Consagração, este adornado na roupa sacerdotal do bispo e com a
mitra. O animal saltou em cima do altar, onde devorou e babou sobre o pão
fornecido e derramou vinho sobre o chão. Isto não teria sido tão divertido,
considerou Grey, se as suíças ruivas da fera e o seu semblante sulcado não o
tivessem feito se recordar tão fortemente do Bispo de Ely, um velho amigo da mãe
dele.
Na conclusão deste ritual, os homens saíram com uma solenidade
consideravelmente menor do que aquela que apresentaram ao entrar. Uma boa
quantidade deles tinha tinha se embebedado durante o andamento do ritual e o
comportamento deles foi menos reprimido do que o do macaco.
Dois homens próximos à extremidade da fila agarraram Grey pelos braços e o
forçaram para dentro de uma pequena alcova, ao redor da qual os demais tinham se
reunido. Ele se viu dobrado de costas sobre uma bacia de mármore, o robe puxado
para baixo dos ombros. Dashwood entoou uma prece de trás para frente em latim,
e algo morno e viscoso foi vertido em cascata sobre a cabeça de Grey, cegando-o e
fazendo-o se debater e xingar sob a posse dos seus captores.
“Eu te batizo, discípulo de Asmodeus, filho de sangue...” Um chute de Grey
acertou Dashwood sob o queixo e o enviou cambaleando para trás. Um forte soco
na boca do estômago tirou a respiração de Grey e o aquietou pelo restante da curta
cerimônia.
Colocaram-no, então, em pé, manchado de sangue, e lhe deram algo para beber
a partir de uma taça cheia de joias. Ele sentiu o gosto do ópio no vinho e deixou
escorrer pelo queixo o mesmo tanto que ousou beber. Mesmo assim, ele sentiu as
sonhadoras gavinhas da droga lhe roubarem a consciência, e o seu equilíbrio ficar
mais precário, enviando-o oscilante através da multidão, para a grande hilaridade
dos espectadores em seus robes.
Mãos o pegaram pelos cotovelos e o impeliram por um corredor, e outro, e
outro. Uma corrente de ar quente, e ele se viu empurrado através de uma porta que
se fechou atrás dele.
A câmara era pequena, sem móveis exceto por um estreito sofá contra a parede
oposta e uma mesa sobre a qual estavam um frasco, vários copos... e uma faca.
Grey cambaleou até a mesa e apoiou-se com ambas as mãos para não cair.
Havia um cheiro estranho na sala. De início, ele achou que tivesse vomitado,
enjoado por causa do vinho e do sangue, mas então ele viu a piscina de vômito, do
outro lado do quarto ao lado da cama. Foi só então que ele viu a garota.
Ela era jovem e estava nua e morta. O corpo jazia flácido, esparramado e branco
na claridade, mas os olhos dela estavam opacos e os seus lábios azuis, os traços do
mal se arrastando para baixo de seu rosto e em toda a roupa de cama. Grey se
afastou lentamente para trás, o choque lavando os últimos remanescentes da droga
em seu sangue.
Esfregou ambas as mãos com firmeza em seu rosto, esforçando-se para pensar.
O que era aquilo, por que estava ele aqui, com o corpo de uma jovem mulher? Ele
se forçou a chegar mais perto, para olhar. Ela não era ninguém que ele vira antes;
os calos sob suas mãos e o estado de seus pés indicavam que era uma criada ou
camponesa.
Ele se virou bruscamente, foi para a porta. Trancada, claro. Mas, qual era o
ponto? Ele balançou a cabeça, seu cérebro clareando vagarosamente. Uma vez
clareado, entretanto, nenhuma resposta lhe veio à cabeça. Chantagem, talvez? Era
verdade que a família de Grey tinha influência, embora ele mesmo não possuísse
nenhuma. Mas, como poderia sua presença aqui ser posta para tal uso?
Parecia que ele tinha ficado uma eternidade enterrado naquela sala, andando
para lá e para cá sobre o chão de pedra, até que finalmente a porta se abriu e uma
figura em seu robe deslizou através ela.
“George!”
“Maldição do inferno!” Ignorando Grey se virar na sua direção, Everett
atravessou a sala e parou abaixando os olhos para ver a garota, sobrancelhas
unidas em sinal de consternação. “O que aconteceu?” demandou ele gingando em
direção a Grey.
“Conte-me você. Ou melhor, vamos sair deste lugar, e então você me conta.”
Everett estendeu uma mão autoritária, instando silêncio. Pensou por um
momento, e então pareceu chegar a uma conclusão. Um lento sorriso cresceu em
seu rosto.
“Bastante bom” disse suavemente, para si mesmo. Ele se virou e estendeu a mão
na direção da cintura de Grey, puxando a corda que mantinha o robe fechado e
soltando-a. Grey não fez qualquer movimento para se cobrir, completamente
assombrado com o gesto, porém, dadas as circunstâncias.
Este assombro foi intensificado no instante seguinte, conforme Everett se
dobrava sobre a cama e enrolava a corda em volta do pescoço da mulher morta,
puxando forte para tencioná-lo, de forma que a corda penetrasse um pouco na
carne. Ele se levantou, sorriu para Grey, depois atravessou o quarto até a mesa,
onde verteu do frasco dois copos de vinho.
“Aqui.” Ele passou um para Grey. “Não se preocupe, o vinho não está drogado.
Você não está drogado agora, está? Não, eu vejo que não; eu achei mesmo que
você não tinha tomado o bastante.”
“Conte-me o que está acontecendo.” Grey pegou o copo, mas não fez qualquer
movimento para beber. “Conte-me, pelo amor de Deus!”
George sorriu novamente, com um olhar estranho, e apanhou uma faca. Esta era
exótica na aparência; alguma coisa oriental, com pelo menos um pé de
comprimento e estava perversamente afiada.
“Isto é a iniciação usual da irmandade,” disse ele. “O novo candidato, uma vez
aprovado, é batizado – era sangue de porco, a propósito – e é então trazido até esta
sala, onde lhe é fornecida uma mulher para o seu prazer. Uma vez que o desejo
dele esteja satisfeito, um irmão mais antigo vem para instruí-lo no ritual final da
sua aceitação – e para testemunhá-lo.”
Grey ergueu uma manga e enxugou o suor frio e o sangue de porco da testa.
“E a natureza deste ritual final é –”
“Sacrificial.” George inclinou a cabeça em reconhecimento na direção da
lâmina. “O ato não apenas completa a iniciação, mas também assegura o silêncio
do iniciado e a sua lealdade à irmandade.”
Um grande frio estava rastejando através dos membros de Grey, tornando-os
rígidos e pesados.
“E você fez... fez isto?”
“Sim.” Everett contemplou a forma sobre a cama por um momento, um dedo
gentilmente acariciando a lâmina. Finalmente, ele balançou a cabeça e suspirou,
murmurando para si mesmo uma vez mais. “Não, eu acho que não.”
Ele ergueu seus olhos para os de Grey, límpidos e brilhantes na luz do lampião.
“Eu teria poupado você, eu acho, se não fosse por Bob Gerald.”
Grey sentiu o copo escorregadio em sua mão, mas se forçou a falar calmamente.
“Então, você o conheceu. Foi você quem o matou?”
Everett assentiu lentamente, sem tirar seu olhar fixo sobre Grey.
“É irônico, não é?” disse ele suavemente. “Eu desejei me filiar a esta irmandade,
cujo lema é vício, cujo credo é perversidade – e, contudo, caso Bob Gerald tivesse
contado a eles quem eu sou, eles teriam se voltado para cima de mim como lobos.
Eles celebram toda abominação querido – exceto uma.”
“E Robert Gerald sabia o que você era? Todavia, ele não falou o seu nome ao
morrer.”
George encolheu os ombros, mas a sua boca se contraiu de inquietação.
“Ele era um rapaz lindo, eu imaginei que – mas, eu estava errado. Não, ele não
sabia o meu nome, mas nos conhecemos aqui – em Medmenham. Não teria feito
qualquer diferença eles não o terem escolhido para se juntar a nós. Caso ele
voltasse, apesar disso, e me visse aqui...”
“Ele não teria vindo de novo. Ele recusou o convite.”
Os olhos de George se estreitaram, avaliando a veracidade disso; então ele
encolheu os ombros.
“Talvez, se eu tivesse sabido disso, ele não precisasse ter morrido. E se ele não
tivesse morrido você mesmo não teria sido escolhido – não teria vindo? Não. Bem,
há uma ironia novamente para você, eu suponho. E, entretanto – eu acho que o
teria matado sob qualquer circunstância; era extremamente arriscado.”
Grey mantinha um olhar vigilante sobre a faca. Moveu-se, discretamente,
buscando alcançar o canto da mesa entre ele e Everett.
“E as folhas grandes? Aquilo foi obra sua?” Ele poderia, imaginou, agarrar a
mesa e arremessá-la nas pernas de Everett, depois tentar subjugá-lo. Desarmado,
eles eram equivalentes em força.
“Não, foi Whitehead. Ele é o poeta, afinal de contas.” George sorriu e deu um
passo para trás, ficando fora de alcance. “Eles pensaram em, talvez, tirar vantagem
da morte de Gerald para desconcertar Sir Richard – e escolheram aquele método,
nada sabendo sobre o seu assassino ou sobre o motivo da morte dele. A maior
ironia de todas, não é?”
George movera o frasco para fora do alcance. Grey permanecia de pé seminu e
desarmado, exceto pelo copo de vinho.
“Então, você pretende agora conseguir o meu silêncio alegando que eu sou o
assassino desta pobre jovem?” demandou Grey, inclinando a cabeça na direção da
figura imóvel na cama. “O que aconteceu a ela?”
“Acidente,” Everett disse. “As mulheres são drogadas; esta deve ter vomitado
durante o sono e sufocou até a morte. Mas, chantagem? Não, não é isto o que
pretendo fazer.”
Everett semicerrou os olhos na direção da cama, depois na de Grey, medindo
distância.
“Você solicitou usar um nó corredio para a sua obrigação sacrificial – alguns
têm aversão a sangue – e, embora, você tivesse se saído bem, a garota conseguiu
pegar a faca e ferir você, severamente o bastante para que você sangrasse até a
morte antes que eu pudesse retornar para ajudá-lo. Trágico acidente; uma pena.
Mova-se para um pouco para mais perto da cama, John.”
Nunca pense que um homem esteja desamparado, somente porque ele está
acorrentado. Grey lançou seu vinho no rosto de Everett, depois esmagou o seu
copo contra as pedras da parede. Girou em um salto e se lançou para cima,
apunhalando com todo o seu poder.
Everett grunhiu, um lado do seu belo rosto jazia aberto, espirrando sangue. Ele
roncou profundamente a partir da garganta, revelando dentes ensanguentados, e
rasgou o ar com a faca no lugar onde Grey estivera parado de pé um momento
antes. Meio cego pelo sangue e rosnando como uma fera, ele se lançou e balançou
novamente. Grey se abaixou, foi atingido por um punho voador e caiu sobre o
corpo da mulher. Rolou para o lado, mas ficou preso pelas dobras do seu robe.
A faca brilhava sobre a cabeça dele. Desesperadamente, elevou as pernas e
impulsionou ambos os pés nos peito de Everett, arremessando-o para trás.
Everett cambaleou, se batendo de costas pelo quarto, recompôs-se parcialmente
e congelou, então, abruptamente. A expressão no rosto dele mostrava grande
surpresa. A mão afrouxou, soltando a faca, e então ele se moveu lentamente pelo
ar, com gestos graciosos como o dançarino que ele era. Os dedos dele tocaram o
aço avermelhado saliente em seu peito, reconhecendo a derrota. Afundou-se
lentamente no chão.
Harry Quarry colocou um pé nas costas de Everett e libertou a sua espada com
um puxão vingativo.
“Bom trabalho eu ter esperado, não foi? Vi aqueles pederastas com suas
lanternas e pensei, é melhor eu ver que travessura estava em andamento.”
“Travessura,” ecoou Grey. Ele ficou de pé, ou tentou. Seus joelhos tinham
derretido. “Você... você ouviu?” O coração dele estava batendo muito devagar; e
ele se perguntou, de forma sonhadora, se o coração poderia parar em qualquer
minuto.
Quarry olhou de relance para ele com uma expressão ilegível.
“Eu ouvi.” Ele limpou a espada, depois a embainhou e foi até a cama curvando-
se para se equiparar a Grey. Quanto ele ouvira, perguntava-se Grey – e o que teria
concluído disso?
Uma mão rude escovou o seu cabelo para trás. Ele sentia a rigidez da mão o
emaranhando, e pensou na mãe de Robert Gerald.
“Não é meu sangue,” disse ele.
“Parte dele é,” disse Quarry, e traçou uma linha na lateral do pescoço. Na esteira
do toque, ele sentiu a picada do corte, despercebido no calor do momento.
“Não se preocupe,” disse Quarry, e lhe ofereceu a mão para ele se levantar.
“Isso dará uma linda cicatriz.”
FIM
SOBRE A AUTORA

Diana Gabaldon cresceu no Arizona, EUA, e é de ascendência mexicana-


americana e inglesa. Tem formação em Zoologia, Biologia Marinha e Ecologia. Foi
professora universitária durante mais de doze anos antes de se dedicar à escrita em
tempo integral. Vive atualmente em Scottsdale, no Arizona.
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O conto Lorde John e o Clube Hell-Fire (Lord John and the Hell-Fire Club) se
encontra na coletânea Lorde John e a Mão de Demônios (Lord John and the Hand of
Devils).

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