Um Namoro de Mentirinha - B.K. Borison

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Outros livros de B.K.

Borison

Um namorado de Natal
Um amor de cidade pequena
Título original
Mixed Signals – Lovelight Series
ISBN: 978-65-5924-355-6

Copyright © B.K. Borison, 2022


“Capítulo extra” copyright © B.K. Borison, 2023
Todos os direitos reservados, incluindo o direito de reproduzir em todo ou em parte.
Edição publicada mediante acordo com Berkley, um selo de Penguin Publishing Group, uma
divisão de Penguin Random House LLC.
Tradução © Verus Editora, 2024
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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

B739n
Borison, B.K.
Um namoro de mentirinha [recurso eletrônico] / B.K. Borison ; tradução Carolina
Candido. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Verus, 2024.
recurso digital
Tradução de: Mixed signals
Formato: epub
Requisitos do sistema: adobe digital editions
Modo de acesso: world wide web
ISBN 978-65-5924-355-6 (recurso eletrônico)
1. Romance americano. 2. Livros eletrônicos. I. Candido, Carolina. II. Título.
24-93782
CDD: 813
CDU: 82-31(73)
Gabriela Faray Ferreira Lopes - Bibliotecária - CRB-7/6643

Revisado conforme o novo acordo ortográfico.

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Para aqueles que se contentam com migalhas:
vocês merecem o bolo todo.
E para Eliza.
SUMÁRIO

CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
1
LAYLA

VOCÊ NÃO é nem um pouco como eu esperava.


Uma declaração ousada vinda do homem esparramado na cadeira à minha
frente. Ele atrasou quarenta e cinco minutos para me buscar, perturbou os
funcionários do restaurante assim que chegamos, tomou duas doses do em
suas exatas palavras uísque mais barato que vocês tiverem e, por m, pediu um
bife sem se preocupar em perguntar o que eu queria.
Ah, é? Embarco na tentativa de conversa. Pode ser que ele não seja tão
desagradável quanto parece. Não sei como, mas já vi coisas ainda mais estranhas
acontecerem. Como o cara que foi me buscar para jantar de carruagem. Por
quê?
Corto minha sobremesa em quatro pedaços iguais e tento parecer vagamente
interessada. Ele arrota no punho fechado e desisto de fazer qualquer esforço.
Você é mais gata diz. Seus olhos descem pelo meu pescoço e param ali.
Eu não fazia ideia que você escondia tudo isso. Ele aponta o garfo na minha
direção. Pela foto do per l, não dá pra perceber.
Nojento. En o outra garfada de maracujá e coco na boca.
Deve ser por causa de todas aquelas coisas que você cozinha, né? Os doces
fazem você ser cheinha nos lugares certos.
Eu nem sei por onde começar.
Bom, eu tenho uma padaria.
Sou dona de uma pequena padaria que ca no meio de uma fazenda de árvores
de Natal a cerca de sessenta e quatro quilômetros a oeste daqui. Também sou
sócia da fazenda. Passo meus dias misturando, enrolando, confeitando e
embrulhando dentro de uma velha garagem de tratores que minha sócia, Stella, e
eu transformamos em uma padaria assim que ela comprou o lugar. Janelas
enormes que vão do chão ao teto. Piso de carvalho antigo. Ao longo das paredes,
mesas e sofás formam nichos confortáveis, enfeitados com almofadas e mantas. É
o meu lugar favorito no mundo.
Todos os dias, acendo as luzes e arrumo as mesas, me sentindo como se vivesse
dentro de um daqueles globos de neve. Até mesmo em pleno verão, quando a
umidade é tão intensa que parece que estou andando em gelatina, o calor abafado
formando cachos em meu cabelo. Eu amo. Trabalhar na Fazenda Lovelight é a
melhor parte do meu dia, e poder trabalhar com meus dois melhores amigos é a
cereja do bolo.
Stella cuida da parte operacional do negócio e Becke mantém tudo crescendo e
exuberante como chefe das operações de cultivo. Os dois são carinhosos e
amorosos e estão em relacionamentos com pessoas tão gentis, amáveis e
bonitas quanto eles. Fico muito contente por meus amigos estarem felizes, por
mais que os relacionamentos tão-fo nhos-que-me-fazem-querer-morrer deles me
deem vontade de comer uma bandeja inteira de bolinhos em um ataque de inveja.
Eles têm o tipo de relacionamento dos sonhos. Enquanto isso, eu estou aqui
com… Bryce.
Eu nem o reconheci quando ele estacionou em frente à minha casa. Nossa
cidade pequena e escondida é difícil de encontrar, e grande parte das pessoas
ignora completamente Inglewild a caminho da praia. Quando ele parou o carro na
minha garagem, achei que Bryce tinha mandado um Uber para me buscar. Então
ele abriu a janela e gritou “E aí, Layla!”, e eu, idiota que sou, me sentei no banco do
passageiro.
Deveria ter desistido bem ali. Sei que deveria. Ele tinha um bonequinho de
hamster cabeçudo no painel, caramba. Sorte a minha não ter sido assassinada.
Durante todo o caminho pela costa, quei olhando para ele, observando.
Poderia jurar que a foto dele era de um cara de cabelo escuro e alto, mas…
Ele passa a mão pelo cabelo loiro tingido.
Ainda assim.
Ele deve se achar tão sexy sentado na cadeira desse jeito, o corpo largado, o
queixo apoiado nos nós dos dedos. Para o azar dele, a cobertura de rum cremosa e
quentinha no meu bolo me atrai muito mais sexualmente.
Suspiro e olho por cima do ombro dele para o bar, tentando chamar a atenção da
pobre garçonete. Trocamos olhares compadecidos mais cedo, quando ele passou
tempo demais encarando o decote da blusa dela. Tenho quase certeza de que foi
por isso que ela me trouxe essa fatia de bolo alcoólico de maracujá, já que eu não
havia pedido.
Procuro mudar de assunto.
Você disse que trabalha em Ellico City?
Ele concorda, en ando outro pedaço de bife na boca que só fala besteira.
Mastiga com a boca aberta e não se preocupa em engolir antes de responder,
pedacinhos de comida voam enquanto fala. Queria uma proteção de acrílico entre
nós. Uma parede de três metros.
Isso. Os escritórios de advocacia do meu pai cam lá.
E você trabalha com ele?
Foi o que acabei de falar, não foi?
Certo, então. Caímos em mais um silêncio desconfortável. Ele espeta o garfo no
bife, e eu arrasto a ponta do meu em uma grossa camada de chantili. Ele me disse
que era dono de um escritório de advocacia, que cuidava de trabalhos voluntários
na região ali perto de Nova York. Alguma coisa assim, eu acho. Suspiro e corto
outro pedacinho de bolo.
E você é de onde? pergunta ele.
Das profundezas do inferno. Enviada para destruir homens que mentem na
internet e são grosseiros com quem trabalha com atendimento.
Annapolis. É a resposta que dou. Estou tentada a me levantar, passar por
todas as mesas e pular no mar. Parece in nitamente melhor do que car mais um
segundo sequer com Bryce.
É o meu terceiro encontro do mês, e estou cansada. Cansada de homens que se
acham o máximo, de mente pequena e que, no geral, só sabem me decepcionar.
Que pecado eu cometi para ser amaldiçoada com um encontro ruim após o outro?
Eu pago meus impostos. Não deixo baldes de pipoca embaixo do assento no
cinema. Obedeço a todas as leis de trânsito e ajudo aquela instituição de caridade
de cabras com três pernas da qual Becke não consegue parar de falar.
Por que não consigo encontrar um único ser humano com quem eu seja capaz
de me conectar? Meus padrões não são tão altos assim. Quero alguém que me faça
rir. Que se importe com o que eu faço, digo e penso. Quero me sentar no sofá com
alguém em um silêncio feliz, perfeito e confortável pizza na mesa de centro e
meus pés en ados embaixo das coxas dele. Quero que alguém me entregue a
seção de receitas do jornal enquanto lê as manchetes. Quero compartilhar
momentos, por menores, mais bobos e silenciosos que sejam.
Quero alguém que me dê um friozinho na barriga.
Encaro Bryce, que mentiu em tudo, menos no nome, e o observo usar a unha do
dedão para tirar algo dos dentes.
Talvez esse alguém não exista.
Você fez faculdade?
Não há curiosidade em sua pergunta, apenas uma satisfação presunçosa e uma
condescendência insensível. Uma insegurança familiar surge no fundo da minha
mente, junto com um aperto no estômago.
Estudei em Salisbury.
Ele ri como se eu tivesse contado uma piada, então se estica por cima da mesa
para pegar um pedaço do meu bolo. Não bato na mão dele, mas é por pouco. Para
mim, a sobremesa é sagrada.
Ah, a faculdade festeira. Faz sentido.
Eu cerro os dentes com tanta força que co surpresa por meus molares não se
quebrarem ao meio.
O que faz sentido?
Confeiteiras não precisam fazer uma faculdade de verdade, não é? Não
importa onde você estudou ou o quê. Você poderia se formar na faculdade dos
palhaços e ainda conseguiria fazer seus docinhos o dia todo.
Faculdade dos palhaços.
Docinhos.
Meu Deus.
Levo alguns segundos para me recompor. Quando respondo, minha voz sai
baixinha, a fúria temperada com exaustão. Estou tão cansada.
Eu me formei com honras e um diploma duplo de matemática e engenharia.
Não que isso seja importante. Sou confeiteira e proprietária de um pequeno
negócio, e aposto que ganho mais em uma hora do que você em um dia todo.
Ele ri, irônico.
Apoio o garfo na mesa. Esta noite acabou de disparar para o topo da minha lista
de Piores Encontros do Mundo, e a competição é das grandes. Não consigo
acreditar que coloquei meu vestido verde para isso. Que desperdício.
Acho melhor pedir a conta.
Ele ergue as duas mãos em sinal de rendição, os olhos arregalados.
Ei, não precisa ser tão sensível. Não quis ofender.
Eu o ignoro e coloco outro pedaço de coco na boca. Esta cobertura de rum com
certeza é de outro mundo. Talvez, depois que encerrarmos aqui, eu vá até a
cozinha e convença o chef a me dar a receita. Aposto que a companhia dele é
melhor que a do idiota do Bryce.
Ele não faz menção de pedir a conta, como solicitei. Puxo o guardanapo do meu
colo e o jogo na mesa.
Tudo bem. Eu vou até o bar pagar.
Ele revira os olhos.
Eu já estava indo. Não precisa ser grossa.
Que ótimo. A grossa sou eu. Certo.
Empurro a cadeira para trás e vou em direção ao bar. Não costumo ir tão longe
para encontros, mas Bryce insistiu em experimentar um novo bar com tema
polinésio bem na costa. Fica na beira do mar. Lâmpadas penduradas em cordas
baixas. Algumas fogueiras queimando em enormes fossos redondos. A maré
subindo por trás de garrafas empilhadas em velhos barris de vinho. Os bartenders
andando de um lado para o outro atrás de um pequeno barco a remo que foi
virado de cabeça para baixo e convertido em banco.
Seria um lugar romântico se meu par não fosse um babaca completo.
Nossa garçonete, Celia, espera atrás do balcão, a boca apertada em uma linha
na, olhos gentis e cheios de compreensão. Ela me entrega a conta antes que eu
peça.
A sobremesa ajudou, pelo menos? pergunta.
Dou uma risada e abro o porta-conta.
Foi a melhor parte da noite digo enquanto pago a conta, querendo acabar
logo com mais um encontro tenebroso.
Posso trazer mais uma fatia oferece. Quando balanço a cabeça, ela faz um
breve som contemplativo. Eu não ia dizer nada, mas aquele cara é um idiota.
Você consegue alguém melhor.
Você não está errada. O problema é que não vi nada melhor em nenhum
dos sites de namoro que me cobram mensalidades absurdas. Bryce corresponde
ao esperado. Alguma ideia de onde procurar?
Ela olha por cima do meu ombro enquanto tira um pano verde do bolso de trás
para polir um dos copos. Sua expressão é de quem gosta muito do que vê,
deslumbrada, e ela aponta com a cabeça para atrás de mim.
Aqui parece um bom lugar pra começar.
2
LAYLA

TERMINO DE PAGAR a conta e olho para onde Celia indicou. Vejo um homem que
se move tranquilamente entre as mesas abarrotadas e agrupadas na areia. Não é o
cara que veio comigo. Claro que não. Bryce é tão inesquecível quanto papel de
chiclete amassado e perdido no fundo da bolsa.
Não, o homem que vem na nossa direção é alto. Deve ter, facilmente, mais de
um metro e oitenta. A pele marrom linda e radiante. Não consigo ver seu rosto
porque ele está olhando por cima do ombro, para o grupo do qual acabou de sair,
gritando algo com uma risada. Ele veste uma camisa havaiana colorida, que
deveria ser ridícula, mas, com os três botões de cima abertos, só consigo me
concentrar em suas clavículas e nas mangas apertadas na curva dos bíceps, que
estão esticadas demais, como se a camisa não conseguisse conter toda a força dele.
Olho para os abacaxis dançantes em seu peito largo, distraída. Continuo
olhando enquanto ele vem até o bar, bem ao meu lado, e apoia as duas mãos no
balcão. Seus antebraços se exionam, e resisto à vontade de levar minhas mãos ao
rosto, admirada.
Por que antebraços me deixam assim?
Je-sus.
Vou querer outra piña colada, por favor. O aniversariante está cando
inquieto.
Celia parece ter vontade de dar mais que uma piña colada para ele. Escondo um
sorriso por trás dos dedos e, en m, olho para o rosto dele. Quase engasgo com a
surpresa.
Caleb?
Caleb Alvarez. O mesmo homem que vejo pelo menos três vezes por semana
durante os últimos cinco anos, sem pensar uma única vez em seu peitoral. Ele vai à
padaria na fazenda toda segunda, quarta e sexta e faz sempre o mesmo pedido, um
croissant e um café. Só com creme.
Caleb está aqui, tão longe da nossa cidadezinha.
Em um bar na beira da praia.
Vestindo uma camisa havaiana quase indecente com esses botões abertos.
Ele inclina a cabeça e arregala os olhos castanhos. Vejo, fascinada, suas pupilas
parecerem mais vivas ao me reconhecer, um anel âmbar em volta da íris. Nunca
tinha notado a cor dos olhos dele antes. Estou adorando o que estou vendo. O
cabelo bagunçado pela brisa do oceano e toda aquela pele marrom-clara à mostra.
Um sorriso surge no canto da sua boca, e tenho que engolir em seco três vezes
seguidas.
Layla diz, uma doce combinação de surpresa e alegria. Ele sempre diz
meu nome desse jeito, mas soa diferente aqui, com todo o sal e a areia. Fico com a
boca seca.
E aí, Caleb? Aponto para um dos abacaxis circundado por ores laranja
vibrante no peito dele. Tenho um branco total, minha mente esvaziada pelos três
pequenos botões. Camisa legal.
Já vi Caleb de suéter de gola alta algumas vezes. De calças jeans gastas e botas
com cadarços na altura dos tornozelos. De camiseta durante o verão. Eu nunca
tive… uma reação parecida… com nada disso.
Ele alisa os botões, um leve rubor surgindo nas bochechas.
Ah, bom. O Alex insistiu.
Ele aponta com o queixo para as mesas. Sigo seu olhar e vejo Alex Alvarez, nosso
livreiro quieto e modesto de cidade pequena, dançando o que me parece uma
versão bêbada de salsa com uma linda ruiva, os dois usando camisas havaianas tão
assustadoras quanto a de Caleb.
É tipo uma tradição explica Caleb.
Notei.
Ele adora estampas fortes. E todo mundo no tema.
Acho que faz sentido. Já vi as vitrines que Alex monta. São sempre bem ousadas.
No Halloween passado, a cidade fez um abaixo-assinado por causa da
interpretação um tanto literal de e Rocky Horror Picture Show. Pisco algumas
vezes e olho para a camisa de Caleb de novo.
Deu pra perceber.
Ele também adora obrigar a família toda a parecer um bando de idiotas em
público. Caleb descansa a mão em volta o copo que Celia desliza para ele e dá
um sorriso em agradecimento. Nós duas suspiramos em uníssono.
Qual a chance, né? Ele apoia um dos cotovelos no balcão e dá um sorriso
que se abre devagar, discreto. Uau… tudo bem. Com certeza eu não tinha notado
essas covinhas antes também. Entre todos os bares.
Pois é respondo, ainda distraída. Meu cérebro está tentando alinhar essa
versão de Caleb com a que eu tinha em mente. Não… não está dando certo.
Tem algum vudu nessa camisa havaiana?
Ele olha discretamente para meu vestido verde, o sorriso se derretendo e cando
mais determinado, mais sincero, o tom rosa fraco das bochechas assumindo uma
cor vermelho-rubi.
Você está linda.
Obrigada consigo responder, resistindo à vontade de limpar a garganta.
Acho que Bryce não me fez um único elogio a noite toda, além do comentário de
que sou mais bonita pessoalmente do que na foto de per l. Um elogio de
centavos.
Eu me arrumei toda hoje. Coloquei um vestido verde-claro de alças nas, com
uma fenda lateral que vai até a coxa. Queria estar bonita. Queria me sentir linda,
deslumbrante e desejada.
E desperdicei tudo isso com Bryce.
Você veio com a Stella e o Becke ?
Eu me divirto ao pensar em Becke , nosso chefe de cultivo, sempre tão mal-
humorado, de cara feia, com uma bebida de coco nas mãos. Mas então brinco com
a alça do vestido e suspiro alto, olhando para a mesa que abandonei.
Estou em um encontro. Bom, acho que eu estava em um encontro.
Porque não faço ideia de onde Bryce está. A mesa está vazia, e poderia jurar que
alguns dos talheres sumiram. Meu prato de sobremesa também.
Babaca.
Caleb parece confuso.
Com, hum, com você mesma?
Não. Com um idiota que, pelo jeito, gosta de sair de ninho pra não pagar a
conta. Franzo a testa, pensando no que, sem dúvida, será uma longa e cara
viagem de volta para Inglewild com um carro de aplicativo. Merda. Ele me
trouxe até aqui.
E foi embora? A expressão de Caleb é ameaçadora. A mandíbula está
cerrada, as covinhas desaparecendo tão depressa quanto surgiram.
Acredite confesso , foi melhor assim.
Não consigo me imaginar sentada no carro de Bryce durante os trinta e cinco
minutos de viagem até Inglewild, encarando o bonequinho de hamster no painel
cheia de ódio. É bem provável que ele colocasse Ace of Base para ouvir. Ou pior,
Nickelback.
Ele não deveria ter abandonado você aqui. É tudo o que Caleb diz, ainda
encarando a mesa vazia com o olhar distante. Ele parece prestes a correr até o
estacionamento como um justiceiro em busca de vingança. Sinto uma satisfação
estranha ao imaginar isso.
Tudo bem. Posso pedir um Uber pra voltar pra casa. Eu me viro e vejo
Celia ainda atrás do balcão, o olhar alternando de Caleb para mim. Acho que
vou querer aquele pedaço extra de bolo pra viagem, então.
Espere. Caleb segura meu cotovelo com seus dedos longos e aperta de
leve uma vez. Seu toque é gentil, a mão quente. Eu levo você de volta.
Não, não. Não precisa. Olho para o outro lado do bar, onde Alex é jogado
de um lado para o outro pela parceira de dança, os dois rindo tanto que mal
conseguem car em pé. A mesa está cercada por uma série de pessoas em camisas
havaianas combinando. Toda a família Alvarez, en m percebo. O tio deles,
Benjamín, está com a camisa amarrada na cintura em uma versão um tanto
estranha de um cropped. Sorrio. Você não pode ir embora. É o aniversário do
seu irmão.
Estreito os olhos, reparando em um rapaz de cabelo escuro com um sutiã de
coco na ponta do pequeno grupo. É um pouco mais alto que os outros.
Aquele é o Charlie?
Caleb nem se preocupa em seguir meu olhar.
Ele mesmo.
Observo o meio-irmão de Stella bambear, uma bebida em cada mão.
Ele veio dirigindo de Nova York?
Você sabe como o Charlie é. Nunca diz não pra uma festa. Caleb continua
segurando meu braço, os olhos focados em mim. O Alex não vai se lembrar de
nada que tenha acontecido na última hora. É sério. Deixe que eu levo você pra
casa.
Mas e a bebida dele?
Vou lá entregar e podemos ir.
Como ele vai voltar pra casa?
Alugamos um ônibus temático. Claro que alugaram. Caleb me dá outro
olhar tímido, o vermelho do rosto cando ainda mais intenso. Ele ama temas
tropicais murmura.
Aperto os lábios para disfarçar o sorriso.
Vamos roubar o ônibus, então?
O quê? Não. Ele parece assustado. Eu vim de carro.
É brega demais pra você?
Um sorriso surge em seus lábios.
Acho que pra todo mundo, pelo menos um pouquinho.
Menos para o Alex.
Menos para o Alex, é claro.
O sorriso discreto se amplia de repente, tão radiante e lindo que preciso me
lembrar de respirar. As covinhas das bochechas ganham vida nova, e co feliz por
Caleb ainda estar com a mão em meu braço. Seu polegar alisa uma vez a parte
interna do meu cotovelo, um toque despretensioso e casual. Caleb inclina a cabeça
para a frente e uma mecha do cabelo escuro cai sobre a testa. Algum canto distante
da minha mente ainda sussurra: Mas o que é que está acontecendo?
Quando foi que Caleb Alvarez cou tão gato?
Se você tem certeza murmuro, por m.
Eu não tenho certeza. Acho que nunca tive tão pouca certeza em toda a vida.
Que segredo Caleb vai revelar a seguir? Que ele sabe tocar gaita? Que tem um
bonequinho esquisito cabeçudo no painel do carro? Que é um baita de um
gostoso, mas péssimo motorista? Meu Deus, será que ele dirige em silêncio? Ele
odeia música? Não faço ideia. Mas estou pronta para a viagem agora mesmo,
impressionada o su ciente com um conjunto de bíceps fortes e uma camisa
estampada.
Tenho certeza responde decidido enquanto solta meu braço e pega a
bebida frutada à sua frente. Observo com interesse a camisa dele se retesando
sobre o peito. Sinto como se estivesse em uma dimensão alternativa, em que o
cara legal e despretensioso que entra na minha padaria com uma precisão quase
militar é, de repente, uma visão dos sonhos vestindo uma camisa havaiana. Só
me dê um segundo para falar com o Alex e podemos ir.
Caleb se afasta, passando pelas mesas, de alguma forma conseguindo não
parecer ridículo. Eu não tiro os olhos enquanto ele segue.
Todas as outras mulheres no bar fazem o mesmo. Alguns homens também.
Celia assobia baixo. Droga, eu nem tinha me dado conta de que ela ainda estava
ali.
Você arrumou um rapidinho.
Coço a sobrancelha uma vez e observo enquanto Caleb tenta tirar Alex da
coreogra a improvisada de salsa. Alex faz uma manobra evasiva enquanto Charlie
bate os próprios punhos agressivamente.
Nós moramos na mesma cidade. Eu o conheço.
Também queria conhecer murmura Celia.
Eu me viro para ela com as sobrancelhas erguidas.
Não precisa se segurar por minha causa.
Ela balança a mão.
Não. Eu senti um clima.
Não existe clima nenhum. Ele só é um cara legal.
O mais legal. Costumo vê-lo ajudar velhinhas a atravessarem a rua. Ele se
oferece como voluntário todos os anos para o Dia de Cavar na fazenda, quando os
moradores da cidade nos ajudam a preparar os campos para a nova estação. Na
maioria das vezes, não sei dizer se, de fato, ele gosta dos croissants de manteiga
que pede religiosamente ou se quer só apoiar um negócio local. Stella disse uma
vez que ele era cronicamente gentil. É meigo e engraçado, e nunca está ocupado
demais para ajudar a colocar sete sacos de açúcar de vinte e cinco quilos no meu
carro.
Dane, o xerife da cidade, o demitiu do cargo de delegado há quatro meses por
ele ser legal demais. Pelo que ouvi, Caleb aceitou muitos pagamentos de multa de
trânsito na forma de notas promissórias escritas no verso de recibos antigos. Ouvi
de Ma y, na pizzaria, que algumas delas foram bastante explícitas.
Desde então, ele tem trabalhado como professor substituto na escola.
Observo enquanto Alex tenta fazer um passo de dança com o irmão mais velho.
Todas as pessoas reunidas ao redor da mesa comemoram. Eu sorrio.
Tipo, um cara muito legal.
Claro, claro. Celia põe de lado o copo que está polindo há quase quinze
minutos. Pega outro. Vou colocar dois pedaços pra viagem.
Caleb en m consegue fazer com que Alex que parado. Eu o observo dizer
alguma coisa no ouvido de Alex que o faz car animado, então ele tenta subir na
mesa de novo, a mão protegendo os olhos, apesar de o sol ter se posto horas atrás.
Ele me vê perto do bar.
Então grita a plenos pulmões.
Laylaaaaaa!
Caleb parece prestes a morrer de vergonha.
Vou até a mesa antes que ele resolva se lançar com tudo em cima do balcão do
bar. Assim que estou perto o su ciente, ele dá um salto espetacular do topo da
mesa e pousa em algum lugar perto dos meus pés. Envolve minhas pernas com os
braços.
Laylaaaaaa! diz, cantando as sílabas do meu nome em sua melhor
imitação de Eric Clapton. Você veio à minha festa de aniversário!
Tento levantá-lo segurando-o pelos braços, mas somos impedidos pela parede
de músculos de um metro e noventa que nos abraça de repente. Charlie cheira a
uma prateleira inteira de bebida, seu rosto grande e ridículo pressionado em meu
ombro.
Layla. Ele parece prestes a chorar. É tão bom ver você.
Levo a mão à testa dele e o empurro para longe de mim.
A gente se viu no m de semana passado, bobo.
Stella e o namorado, Luka, zeram um jantar na casa deles, e tive o prazer de ver
meus melhores amigos e seus entes queridos bajularem um ao outro. Charlie se
retirou depois de quinze minutos, alegando dor de estômago, e terminei a noite
com o melhor encontro que tive em meses: uma bela garrafa de sauvignon blanc e
um prato de cookies recheados com pasta de amendoim que eu mesma z.
Mesmo assim diz Charlie, a voz arrastada. Ele se afasta, os grandes olhos
azuis arregalados. Está usando um sutiã de coco e uma or atrás da orelha. Está
ridículo. Quer tomar um shot?
Alex dá aquele grito estridente mais uma vez. Coros de “shot, shot, shot” surgem
no grupo dos Alvarez. Sinto duas mãos fortes em meus ombros, me guiando com
delicadeza para longe dos bêbados carinhosos pendurados em mim.
Acho que não foi uma boa ideia vir se despedir murmura Caleb. Um de
seus tios tenta entregar um copo de shot para ele. Caleb faz uma careta e balança a
cabeça, depois olha por cima de mim. Meu Deus. Acho que o Charlie está
convencendo as pessoas a tomarem shots no corpo dele.
Eu não quero nem olhar.
Vou acreditar em você.
Certo. Hora de ir.
Ele estende a mão para mim, com a palma para cima.
Entrelaço meus dedos nos dele e vamos embora juntos.
3
LAYLA

POR SORTE, CALEB não tem nenhum bonequinho cabeçudo estranho no painel do
carro.
Só um dos aromatizantes de pinheiro com o logotipo da Lovelight que Stella
começou a vender na fazenda há alguns meses. Um jornal velho en ado entre a
marcha e o banco do motorista. Uma caixa da minha padaria que ele tenta
esconder assim que entro no jipe.
Não paro de olhar para ele enquanto se acomoda no banco do motorista,
ajustando as saídas de ar para que soprem nas minhas pernas, e não no meu rosto.
Ele veri ca o retrovisor e os espelhos laterais e eu sorrio. É claro que Caleb veri ca
os espelhos sempre que entra no carro. Aposto que ele também sabe a pressão dos
pneus.
Estreito os olhos e o observo, me sentindo inquieta.
Você cortou o cabelo?
Ele passa os dedos pelos os, constrangido.
Não.
Você cresceu, talvez? Ficou mais alto?
Ele ri.
Não cresci nem um centímetro desde que z dezoito anos. Ele estreita os
olhos de volta para mim. Por quê?
Fez plástica no nariz?
Ele parece ofendido.
Não.
Cirurgia de substituição de quadril?
Ele ri ao ouvir isso.
Não. O que deu em você?
É que você parece… diferente, só isso. Mais gato, meu cérebro grita para
mim. Nota dez na escala de gostosura. Juro pelas minhas baguetes de manteiga e
geleia que eu nunca tinha reparado no Caleb… assim… antes. Posso ter feito
alguma observação passageira, talvez. Ah, ele é uma gracinha, como quem não quer
nada.
Mas agora… não acho que ele é uma gracinha.
É um baita de um gostoso.
Estou impressionada.
Eu me recosto no banco e observo enquanto Caleb continua fazendo ajustes no
carro como se estivesse prestes a nos lançar ao espaço.
É a camisa havaiana.
Só pode ser.
Estou surpresa digo.
Ele me dá um olhar hesitante de soslaio, certi cando-se de que já estou com o
cinto de segurança a velado antes de sairmos do estacionamento. Acho que se
arrependeu de ter me oferecido carona de volta para casa.
Com o quê?
Que você não queira voltar no ônibus.
Ele dá outra gargalhada. Os sorrisos de Caleb são frequentes, mas suas risadas
são raras, e me pego afundando no banco ao ouvi-las. Sua risada é agradável.
Calorosa.
Não. As luzes me dão dor de cabeça. Além disso, saí tarde da escola hoje.
Perdi o ônibus.
Há uma ironia em alguma parte dessa a rmação.
Como está indo? Isso de dar aula.
É bom. Diferente. Estou aprendendo. Tenho sorte de a Katie Metzler ter
decidido fazer uma viagem para se redescobrir em Florida Keys.
Uma escolha estranha para uma viagem de autodescoberta, mas tudo bem.
A escola estava desesperada atrás de um professor de espanhol para o verão e
fez vista grossa para o fato de eu não ter quali cação. Estou tirando o certi cado
enquanto trabalho. Quero me tornar parte do corpo docente em tempo integral
no início do próximo ano letivo. Não poderia ter sido em um momento melhor,
considerando as circunstâncias.
Você cou chateado com o que aconteceu na delegacia?
Quando o Dane me demitiu? Ele dá risada. Não, de jeito nenhum. Já
estava na hora. A gente sabia que ser delegado não era mais uma boa opção pra
mim. Ele só me demitiu pra eu receber a indenização. Caleb me olha rápido.
Talvez eu devesse ter cado chateado, mas não sei. Fiquei aliviado, na verdade.
Acho que posso ajudar mais pessoas como professor. Mais crianças, pelo menos.
Sobretudo em nossa pequena cidade, onde Caleb passou mais tempo
impedindo que a sra. Beatrice usasse o carro como aríete do lado de fora de sua
cafeteria do que evitando qualquer tipo de crime grave. Tenho certeza de que
Dane consegue cuidar disso sozinho.
O Alex vive me dizendo que eu deveria esquecer o certi cado e só mostrar às
crianças reprises antigas da novela que minha abuela sempre fazia a gente assistir.
Ela nunca perdia um episódio de Corazón salvaje.
Sorrio. Às vezes, eu o vejo pela cidade com a avó. É mais alto que ela, e ela quase
sempre está mandando nele, fazendo-o carregar as compras.
Coração selvagem?
Isso.
Murmuro, pensativa.
Não seria má ideia.
Não sei se a diretoria também acha isso.
Dou risada e olho por cima do ombro para o banco de trás. O carro dele é mais
arrumado do que a bagunça de recibos amassados, tigelas velhas e doces vencidos
que enchem o meu. O cheiro aqui é de canela, como se ele tivesse uma fornada
inteira de biscoitos de gengibre escondida em algum lugar. Seguro a beirada da
caixa de guloseimas meio en ada embaixo do meu banco, com a esperança de
encontrar algo doce lá dentro. Esqueci a droga do bolo no bar, distraída por Caleb,
que tentava afastar todos os Alvarez como se fossem gatos bêbados.
Arranco a caixa branca de debaixo do banco com um puxão. Sei que estou
usando um vestido verde bem apertado, e a fenda provavelmente já deve estar na
altura da minha cintura, mas os olhos de Caleb seguem rmes na estrada. Ainda
bem.
Sobrou alguma coisa aqui?
Você acha que eu consigo me controlar tanto assim?
Olho com indiferença para ele.
Com certeza.
Toda semana, Caleb vai até a padaria e come um único croissant enquanto
encara avidamente a vitrine cheia de donuts cobertos de glacê. Só pode ter nervos
de aço. Ele aperta e relaxa as mãos no volante, e eu estremeço no banco. Meu olhar
sobe dos braços para os ombros dele, a curva do pescoço e a linha rme do
maxilar. Ele tira uma das mãos do volante e passa pelo cabelo escuro. Com a noite
caindo à nossa volta, quase parece tinta derramada. Chocolate derretendo no
fogão.
Sinceramente. Conheço o Caleb há anos. Como nunca notei o quanto ele é
bonito antes?
Talvez porque estava perdida em uma motivação quase maníaca para encontrar
um parceiro de vida. Ou por causa da série de homens sem graça que permiti que
me enganassem ao longo dos últimos anos. Ou talvez pela regra que coloquei para
mim mesma de que nunca, sob hipótese alguma, namoraria alguém da cidade.
Acho que funcionou como uma venda.
Deve haver umas sete pessoas na cidade toda. Mal consigo imaginar ter que lidar
com um encontro que não deu certo em todo lugar que for. Se eu tivesse que ver o
Bryce todos os dias esperando na la da padaria, pedindo meu biscoito favorito, o
de farinha de aveia salgada com chocolate branco, acho que morreria. Evaporaria
da face da terra.
E provavelmente também seria presa por homicídio.
Caleb limpa a garganta.
Posso fazer uma pergunta?
Você me salvou de pagar bem caro em um Uber hoje. Pode não apenas fazer
uma pergunta, mas também tomar café de graça a semana inteira na padaria.
Um sorrisinho surge nos cantos da boca dele.
Você já me dá café de graça.
Bom, agora você tem o café e uma pergunta.
Ele pausa por um segundo.
Só uma?
Isso importa?
Ele parece chocado com a minha pergunta.
É claro que importa.
E por quê?
Se só posso fazer uma pergunta, tenho que escolher uma das boas.
Também acho concordo com uma risada.
Ele murmura, hesitante, o som grave entre nós. Observo as luzes da rua
pintando seu rosto na escuridão. Dourado, prateado e um vermelho bem, bem
quente. O sorriso some e seu olhar parece mais incerto. Ele olha para mim e
depois volta a olhar para a estrada.
Por que você foi jantar com um cara desses?
Eu me remexo no assento, incomodada.
Como assim “um cara desses”?
Ele murmura alguma coisa que não consigo entender.
Um cara que deixa a conta pra você pagar e rouba os talheres antes de ir
embora responde ele, agora falando mais alto e claro.
Suspiro e pressiono dois dedos na testa.
Você também reparou nisso?
Ouvi você contando pra Stella na padaria umas semanas atrás hesita
Caleb de um cara que passou um rolinho de tirar apos em você antes de
entrar no carro dele.
Ah, sim. Peter. Ele também me fez colocar aquelas sapatilhas cirúrgicas nos
sapatos, mas não contei isso para ninguém. Olho pela janela e ajeito o cabelo atrás
das orelhas. Fiz escova hoje e ele está liso e brilhante. Agora, me sinto boba por
todo esse esforço.
Não tenho tido muita sorte nos encontros ultimamente digo, por m. É
um eufemismo e tanto, mas como eu poderia explicar a desgraça que é a minha
vida amorosa?
Peter e Bryce nem foram os piores. Um cara me perguntou se poderíamos pegar
a mãe dele depois do almoço e levá-la à lavanderia. Outro levou o melhor amigo e
agiu como se eu nem estivesse lá. Eles conversaram sobre ligas de Fantasy
Football, escalando times imaginários com os jogadores da rodada, por quarenta e
nove minutos, e tomaram sete doses de uísque com suco de picles.
Cada um.
E aquele cara, como era mesmo o nome, Justin?
Jacob respondo baixinho.
De todos, esse foi o que mais doeu. Todo o resto eu posso ngir que são só
histórias divertidas para entreter meus amigos. Incursões no mundo selvagem e
estranho dos encontros. Mas eu estava com Jacob havia meses. Entreguei a ele
muitas partes de mim em uma tentativa desesperada de que desse certo. Eu queria
tanto que alguém só… casse comigo… que eu inventava desculpas, justi cava o
comportamento de merda dele, e dizia a mim mesma que ele iria melhorar. Que
seria menos indeciso. Menos indiferente. Eu dizia a mim mesma que Jacob só
precisava de tempo para se ajustar e entrar em um ritmo mais confortável. Só
precisava de tempo para gostar de mim.
Mas, quanto mais tempo eu passava com ele, mais sentia que estava perdendo
aquelas partes de mim que cedia com tanta facilidade. Para ele, nem eu nem o
relacionamento éramos prioridades. Estava mais comprometido com o celular do
que comigo.
Eu merecia mais do que aquilo. Eu mereço mais do que aquilo.
O Jacob era um merda reclama Caleb. O maxilar dele se cerra de novo.
Era mesmo.
E o que está acontecendo, então? Caleb usa o pulso para dar a seta e
saímos da estrada, mais próximos de casa. Esses caras parecem todos…
Uns idiotas? sugiro. Babacas? Uma enorme e humilhante perda de tempo?
Ele ri, mas não parece se divertir nem um pouco. É um som quase cortante.
Sim concorda. Todos parecem perfeitos idiotas.
Não respondo nada. Não preciso que me lembrem do desastre que é a minha
vida amorosa. Que a única coisa que sempre esperei, em segredo e em silêncio, é
um mistério para mim tanto quanto a matéria escura e a vida extraterrestre. Não
importa quantos encontros eu tenha, estou tão longe disso agora quanto sempre
estive.
Não entendo como algo que é tão fácil para os outros pode ser tão difícil para
mim.
Layla. Caleb fala meu nome com um suspiro. Quando diz meu nome
desse jeito, sinto como se tivesse duas mãos em meus ombros, me sacudindo com
gentileza. Por que você perde tempo com esses caras? Por que se contenta com
migalhas quando merece o bolo inteiro?
Sinto um aperto no coração. Uma dor, bem no meio do peito.
É muito legal pensar desse jeito, mas às vezes tudo o que se tem são migalhas.
Sei que ele não gostou da minha resposta, então me viro para olhar pela janela,
observando a paisagem mudar devagar conforme nos aproximamos da costa.
Tudo aqui é tão vivo e vibrante, o verão se recusando a acabar. Bichinhos de luz
dançam do lado de fora da janela do carro, clarões dourados conforme passamos
em alta velocidade.
Espero que ele tente me convencer a desistir dessa triste convicção. Quando
Caleb não diz mais nada, quando percebo que está pacientemente esperando que
eu continue falando, algo se destrava dentro de mim e as palavras saem em uma
torrente.
Não sei. Acho… acho que estou procurando nos lugares errados. Quero
alguém que seja meu. E nem todo mundo é perfeito logo de cara, sabe? Às vezes as
pessoas precisam de um pouco de tempo antes de se entenderem. Todos merecem
uma chance. Dou de ombros, me sentindo inocente do pior jeito possível.
Quer dizer, Peter saiu do carro com um removedor de apos na mão. Não sei dizer
se ele sequer merecia minha atenção. E com a Stella e o Luka juntos, além do
Becke e da Evie, estou meio que cercada disso. Acho que tenho pensado que ter
algumas migalhas é melhor do que nada. Apoio a testa contra o vidro frio da
janela. Vai ver o meu problema é esse. Talvez seja melhor desistir do bolo de
vez, pelo menos por um tempo, até das migalhas.
Caleb está em silêncio, o ruído do carro é o único som. O vento bate nas janelas
e vozes murmuram baixinho no rádio.
Essa analogia cou estranha comenta, por m.
Ficou mesmo.
A verdade é que eu vi Stella se apaixonar por Luka, um homem por quem ela
tinha uma quedinha havia quase dez anos. Depois, vi Becke se apaixonar, a
contragosto, por Evelyn, uma mulher que é seu exato oposto. E depois que Becke
declarou seu amor pelas redes sociais, um verdadeiro choque para todo mundo,
talvez até para o próprio Becke , nossa pequena fazenda de árvores de Natal se
tornou um destino para qualquer pessoa que quisesse viver um pouco de
romance. Nos últimos três meses, assisti a mais pedidos de casamento, primeiros
encontros e casais tão apaixonados que chegavam a dar enjoo do que qualquer
pessoa presa em uma rotina de encontros frustrados deveria ter que suportar.
Eu quero isso para mim.
O… Caleb começa a falar e depois para, as mãos tensas no volante. O
Jesse não chamou você pra sair alguns meses atrás?
Ergo a sobrancelha e poderia jurar que até a ponta das orelhas dele está corada.
Fofo.
Foi na noite de competição de perguntas murmura. Tenho quase
certeza de que a cidade inteira ouviu quando ele convidou você.
É verdade. Ele praticamente gritou no microfone enquanto eu pegava outra
caneca de cerveja. Dou de ombros.
Não namoro ninguém da cidade.
Caleb pisca algumas vezes.
Ah.
Com um histórico como o meu, não co animada com a possibilidade de
encontrar os fantasmas de encontros passados a cada vez que for comprar uma
alcachofra na mercearia.
Isso acontece muito? O sorriso de Caleb surge devagar. Começa em um
dos cantos da boca e vai se espalhando até que seu rosto inteiro esteja iluminado.
Não consigo parar de olhar, confusa e cativada. Preciso jogar um balde de água
gelada na minha cabeça. Você precisar de alcachofras?
Você caria surpreso.
Tenho certeza de que caria.
Voltamos a car em silêncio, com o barulho constante da estrada sob nós e o
zumbido de algo lento e suave no rádio. Começo a sentir a exaustão se instalar em
meu corpo e curvo os ombros para a frente. Estou muito, muito cansada. Cansada
de fazer a mesma coisa várias vezes e não receber nada em troca. Caleb está certo.
Estou me contentando com migalhas.
Acho que já deu declaro. Esses encontros não estão me levando a lugar
algum. Apenas me deixando mais e mais insensível a cada fracasso. Não entendo
por que encontrar alguém é tão difícil para mim. Nada de bolo. Nem cupcakes
nem mesmo… rocamboles. A gata aqui vai entrar em uma dieta low-carb.
Caleb não comenta sobre minha determinação de estender a analogia que ele
fez. Ele apenas apoia o cotovelo na janela e esfrega os nós dos dedos no queixo.
Se isso faz você se sentir melhor declara , eu também não tenho tido
muita sorte com encontros.
Não consigo evitar. Bufo. Caleb, com esse cabelo, rosto, as covinhas e os ombros.
Qualquer uma das mulheres no bar hoje à noite teria jantado com ele feliz da vida.
Aposto que, quando ele abrir o botão dessa camisa havaiana ridícula em casa, vão
cair números de telefones que nem confetes.
Acho difícil de acreditar.
O quê? Por quê? Ele é o retrato da mais pura confusão.
Olhe pra você.
Olhar pra mim?
Faço um gesto amplo com os braços para indicar todo o corpo dele, como uma
daquelas moças bonitas nas feiras de automóveis. Sinto que deveria estar
segurando um número de papelão sobre a cabeça. Nota dez em todas as
categorias.
Olhe pra você.
Um sorriso confuso faz a boca dele se retorcer. Ele limpa a garganta.
Quando foi a última vez que você me viu com alguém na cidade?
Além do Alex?
Aham, além do meu irmão.
Costumo vê-lo com a avó, tão pequenina. Com a mãe e o pai também, na feira
dos agricultores aos domingos. Uma frota inteira de primos que parecem estar
sempre brigando, com Caleb caminhando na frente do grupo, tentando manter
todos na linha.
Não sou alguém que… Ele para de falar de repente e suspira. Não
acredito que vou dizer isso murmura, envergonhado. Respira fundo e fala de
uma vez. Ok, acho que eu sou muito ruim nisso de encontros. Não tão ruim
quanto o Peter-do-removedor-de- apos, mas, de verdade, não faço ideia do que
estou fazendo.
Como é que é?
Talvez eu fale as coisas erradas ou hesite demais. Ou seja apressado demais.
Não faço ideia se estou fazendo mais ou menos do que deveria. Todos os meus
namoros, se é que dá pra chamar assim, acabam ali pelo quarto encontro. Mesmo
quando acho que está tudo indo bem.
Sempre?
Ele concorda.
Isso. Sempre. Às vezes um encontro a mais ou a menos.
Hum.
Pois é. Ele parece prestes a abrir a porta e se jogar do carro em
movimento. Suspira tão forte que parece vir de dentro da alma. Acho que
sou… sou um pouco demais. Pra algumas pessoas.
Algo em sua voz parece envolver meu peito e apertar.
Como assim, demais?
As bochechas dele cam rosadas de novo, a cor subindo até a ponta das orelhas.
Tenho di culdade de entender algumas deixas. Acho que acabo colocando o
carro na frente dos bois. A última mulher com quem saí disse que eu era um cara
legal. Mas ela falou como se isso fosse ruim. O Alex diz que eu me faço de
capacho, que coloco as pessoas em um pedestal que elas não necessariamente
merecem, mas, sei lá, não acho que ver o melhor de alguém seja ruim. Também
não acho que ser gentil seja ruim.
Não é. Penso na vez em que ele deu o croissant que tinha acabado de
comprar para uma garotinha, só porque ela deixou o bolo cair no chão do lado de
fora da padaria e começou a chorar. A maneira como ele se ajoelhou para enxugar
as lágrimas dela com a manga da camisa. Ser gentil é algo muito bom.
Ele dá de ombros como se quisesse discordar. Sinto isso como um soco no
coração. Caleb não deveria mudar nada nele mesmo, sobretudo seu jeito gentil. Eu
franzo a testa para ele, seu maxilar cerrado.
Ele também não deveria perder tempo com migalhas.
Passamos pela placa da cidade de Inglewild, velha e desbotada com letras
pintadas à mão. Lar. Até que en m.
As estrelas parecem pedras preciosas no céu noturno, mais brilhantes agora que
estamos em meio à grama, às árvores e aos campos. Penso em Caleb e em mim,
nós dois aos tropeços em nossas vidas amorosas.
Que bela dupla a gente forma digo, só para nós e para o luar. Não
temos a mínima ideia do que estamos fazendo, não é?
É bom saber que não estou sozinho nessa. Ele inclina a cabeça para o lado,
pensativo. Talvez essa seja a resposta.
Você está cem por cento certo assinto, concordando. Vamos afogar
nossas mágoas em sobremesas.
Não foi… não foi isso que eu quis dizer.
Ah. Vai ver era só eu que estava pensando nisso. Passei a última metade do
encontro com Bryce sonhando com o que comeria quando estivesse em casa.
Bolo de chocolate com uma na camada de hortelã. Torta de morango e uma
limonada gelada. Torta de pêssego. Crumble de mirtilo. Minhas opções são
ilimitadas.
Caleb tamborila os dedos no volante. Aquela maldita camisa havaiana
tensionada em seu bíceps de novo. Obrigada, Alex Alvarez, por ser tão el ao tema.
Talvez a gente devesse namorar.
Meu sorriso se desfaz. Devo parecer uma daquelas fotos tiradas na montanha-
russa, que tiram depois da primeira grande queda. Metade diversão e metade
confusão. Um tanto assustada. Quando criança, nunca estava preparada para essas
fotos.
Também não estava preparada para a sugestão de Caleb.
Você está… um frio invade meu peito e pressiona meus pulmões de
brincadeira com a minha cara?
O quê? Não! Seus olhos se movem entre mim e a estrada. O lado bom é
que reduzimos muito a velocidade dentro dos limites da cidade.
Não, Layla. Não estou de brincadeira com você. Pense nisso por um segundo.
Estou pensando. E não sei o que dizer. Não sei dizer como ele foi de Uau,
nós dois somos péssimos nisso para A gente deveria namorar.
A expressão de Caleb ca abatida quando não respondo.
É uma ideia tão absurda assim? Sair comigo?
Não. Talvez? Ok, bem provável que seja. Nunca pensei nisso antes. Nem por
uma fração de segundo. Há a minha regra de não namorar ninguém da cidade,
com certeza. Mas também…
Ele é o Caleb. O cara que entra na minha confeitaria e bate com o cotovelo na
vitrine. O cara que se encosta no balcão com as pernas cruzadas na altura dos
tornozelos e faz piadas idiotas sobre donuts. Ele sempre esteve rme e forte no
grupo dos conhecidos. Um amigo, talvez. Nunca pensei em ter nada além disso
com ele.
Mas será que poderia?
Não é você respondo, e ele emite um som que poderia ser uma risada, mas
parece autodepreciativo demais para ser engraçado. Caleb, você me pegou
desprevenida. Eu não esperava isso.
Tudo bem, é justo admite e relaxa os ombros, que estavam quase
grudados nas orelhas, a respiração ofegante. Eu só estava pensando. Nós dois
estamos cansados desses encontros. Poderia ser tipo um experimento social.
Dou uma gargalhada forte e alta.
Toda mulher sonha em ouvir isso.
Ele sorri para mim e, tudo bem, talvez essa ideia não seja tão louca assim. Sair
com o Caleb. Namorar o Caleb de forma experimental. Seja lá o que for isso.
Mas não seria mais fácil ir a um encontro e receber uma avaliação verdadeira?
Quem sabe assim nós dois consigamos descobrir o que estamos fazendo de
errado.
Se você sugerir um formulário, acho que dou um soco na sua cara digo.
Se eu sugerir um formulário, acho que dou um soco na minha própria cara.
Ergo a sobrancelha para ele.
Então o quê? Vamos sair e você vai me dizer tudo o que estou fazendo de
errado?
Minha voz falha um pouco. Uma ferida antiga e delicada ganha vida bem no
meu peito. Uma insegurança que diz que o motivo de meus relacionamentos não
darem certo sou eu mesma. Que, seja como for, só consigo atrair o pior tipo de
homem. Que essas decepções são, de alguma forma, culpa minha, e é exatamente
isso o que mereço.
Não responde ele depressa, a voz segura no silêncio entre nós. Não é
nada disso. Acho que você precisa ser bem tratada. Acho que precisa ver que pode
ser bem tratada por alguém. Vamos sair juntos algumas vezes. Seguro seu casaco e
a sua mão e ouço como foi seu dia. Saímos pra jantar. Comer espaguete ou o que
quer que você queira. Um sorriso malicioso se insinua em seus lábios. E eu
não vou roubar os talheres na saída.
Ah, droga. Está bem. Isso parece mesmo muito bom.
E o que você ganha com esse pequeno acordo?
Além de sair com uma mulher linda? Minha nuca parece pegar fogo. Eu
me remexo no banco. Com sorte, você pode me dizer por que sou tão ruim
nessa coisa toda dos encontros.
Um experimento social?
Isso.
Ele diminui a velocidade até parar em frente à minha pequena casa. Na
primavera passada, eu a pintei de rosa-claro e plantei tantas ores que parecia que
a Mãe Natureza tinha vomitado nela. Lírios, gardênias e girassóis grandes e
reluzentes. Gosto de me sentar na varanda da frente à noite e sentir o cheiro de
lavanda. Afundar os dedos dos pés na grama fresca e ver as estrelas começarem a
surgir no céu.
Solto o cinto de segurança e saio do carro de Caleb, segurando a porta aberta.
Fico olhando para ele sentado ali, com sua camisa de abacaxi dançante, o cabelo
desarrumado, o calor abafado do verão deixando meus ombros e à parte de trás
dos meus joelhos suados. Ele me encara de volta, com um sorriso nos olhos, o
olhar xo em mim.
Caleb Alvarez. Quem diria?
Para alguém que, em teoria, é ruim em encontros, você é bom de conversa.
O sorriso em seus olhos se estende até sua boca. Eu observo os ângulos de seu
rosto à luz da lua.
Só com você, Layla.
Ruim em encontros uma ova.
Vou pensar nisso. Prometo com uma risada.
Ele parece querer dizer mais alguma coisa, mas engole em seco e, em vez disso,
assente.
Nos vemos segunda-feira?
Um croissant de manteiga e um café só com creme. Com certeza.
Nos vemos na segunda. Bato duas vezes no capô do carro. Obrigada
pela carona.
O sorriso discreto em seu rosto se alarga, e aqueles olhos castanhos brilham. É
demais.
Tenho a sensação de que vou car pensando em muitas coisas no que diz
respeito a Caleb Alvarez.
A começar por esses três malditos botões e as rugas de sorriso em seus olhos.
4
CALEB

NÃO VEJO LAYLA na segunda.


Darlene, do despachante, me ligou para informar que meu irmão estava sete
minutos atrasado para abrir a livraria. Porque isso seria problema meu, não sei
dizer. Ela parece não ter se tocado de que não trabalho mais na delegacia e que não
deveria mais me ligar dezesseis vezes ao dia para comunicar fatos aleatórios que
ocorrem na cidade e que não são mais minha responsabilidade.
Que bom, Darlene. Fico feliz que a sra. Beatrice esteja fazendo la e de avelã de novo.
Sinto muito que a Mabel tenha fechado você com o carro bem perto da loja de
ferramentas.
Não posso fazer nada para impedir quem quer que esteja colocando centenas de patos
de borracha na fonte de madrugada. Mas as crianças estão amando.
Não, eu não assisti ao último episódio de Vai dar namoro. Nunca nem vi Vai dar
namoro em toda a minha vida.
Desligo a ligação e tensiono as mãos no volante, o olhar xo na estrada que leva
para a Fazenda Lovelight. Alex está de ressaca. Tenho certeza. Mas, se minha mãe
descobrir que deixei Alex sozinho no chão da cozinha, vai me receber já na
entrada da garagem na base da porrada.
Merda digo com um suspiro. Viro à esquerda, em vez de ir reto, e sigo em
direção à cidade e ao idiota mimado que chamo de irmão. Os enormes salgueiros
que margeiam ambos os lados da estrada parecem zombar de mim pelo retrovisor,
os galhos balançando suavemente ao sabor do vento que sopra dos campos. Tarde
demais, eles sussurram. Ela vai mudar de ideia.
Ótimo. Além de ceder ao impulso e propor encontros experimentais com lindas
donas de padarias, eu agora falo com árvores.
Tinha esperança de ver Layla esta manhã. Queria resgatar… algo… da nossa
conversa de sábado à noite. A culpa é daquele olhar triste que ela estava e da forma
como continuava tentando sorrir mesmo assim. Também é culpa daquele vestido,
o tecido verde-menta que abraçava suas coxas no banco do passageiro do carro. Eu
não conseguia pensar direito com ela sentada ali daquele jeito. Também não
consegui pensar direito quando a vi no bar.
Tenho noventa e nove por cento de certeza de que z papel de idiota quando
compartilhei o estado tenebroso da minha vida amorosa. Em um cenário desses,
as chances de fazê-la concordar com minha proposta são de zero a nenhuma.
Saia comigo, Layla, foi o que eu disse, basicamente. Sou ruim pra caralho nisso.
Aperto a ponte do nariz.
Era tudo brincadeira.
Mais ou menos.
Na verdade, não.
Certo, não era brincadeira, mas estou disposto a defender essa mentira se for
preciso.
Eu tenho di culdade em encontros. Essa é a verdade. Parece que nunca consigo
pensar na coisa certa para dizer no momento certo. Penso demais e depois me
esforço muito para compensar o fato de que pensei demais, então penso demais
no fato de ter tentado compensar. É um círculo vicioso.
Mas há outro motivo. Tenho certeza de que escolho o tipo errado de pessoa.
Porque o tipo certo tem cerca de um metro e sessenta de altura, cabelo castanho
curto e olhos cor de avelã, uma coleção de aventais ridículos e não faz a mínima
ideia de que eu gosto dela. Nem sei dizer se ela já pensou em mim como algo mais
do que o cara viciado em croissants que visita a padaria três vezes por semana para
pedir sempre a mesma coisa.
Não tenho tanta certeza se dizer em alto e bom som quanto sou ruim em
encontros irá ajudá-la a me ver de um jeito diferente, mas aqui estou eu.
Sempre gostei de histórias de amor arrebatadoras. Eu me sentava à mesinha de
madeira na cozinha dos meus avós quando criança e ouvia meu abuelo contar o
momento em que conheceu minha avó, o amor da vida dele. Eu cava arrastando
os pés no chão e observava a expressão do meu abuelo mudar. Via cada pedacinho
da expressão dele se iluminar.
Na primeira vez que meu avô viu a minha avó, ele estava comprando peixe na
feira. Ela estava com o cabelo preso em uma longa trança e vendia huaraches em
uma pequena banca de madeira. Ele disse que bastou olhar para ela para comprar
tudo o que tinha ali. O que ia fazer com os mais de trinta pares de sandálias
femininas, eu não fazia ideia. Mas ela o acompanhou até em casa, ambos
carregando as sacolas penduradas nos braços e, um mês depois, já estavam
casados. Amor à primeira vista, declarava ele.
Meu pai conheceu a minha mãe quando estava na sacada do primeiro
apartamento dele, molhando as plantas. Ele a viu parada na sacada vizinha. Una
santa, ele sempre dizia quando éramos crianças, pendurados nele, pedindo para
que contasse a história de novo. Achou que ela parecia uma santa. Ele costumava
assobiar para ela pela janela aberta, e ela surgia com uma garrafa de vinho, a rolha
entre os dentes. Conversavam até o sol baixar no céu, cada um em sua varanda, a
garrafa de vinho passada de um lado para o outro.
Cresci ouvindo essas histórias. Afetuosas e românticas e que de nada servem
para ajudar a controlar minhas expectativas nos encontros. Sei o que quero e o que
não quero, e não estou disposto a me contentar com menos.
Layla também deveria se sentir assim. Não deveria se contentar com pouco. Não
deveria ir a encontros com caras que roubam talheres. Caras que a deixam
plantada no bar sozinha, pagando por um jantar medíocre em péssima companhia.
Certa vez eu a vi na feira dos agricultores com aquele tal de Jacob, com quem ela
namorava. Ela estava segurando um buquê, tentando mostrar as diferentes ores
para o cara. Ele a ignorou completamente, ocupado no celular. Ainda consigo me
lembrar da expressão de tristeza no rosto dela. Como colocou as ores de volta no
lugar com cuidado e murchou de frustração.
Sinto a raiva me queimar por dentro, então ligo a seta com mais força do que
gostaria.
Ela merece mais.
Quero me esforçar para mostrar isso.
Se ela permitir.
O carro de Alex está na entrada quando estaciono, as cortinas da casa fechadas.
Nem me preocupo em chamar do lado de fora. Só pego a chave, escondida
embaixo de uma pequena estátua da Virgem Maria no jardim, e empurro a porta
com o cotovelo. Nossa avó comprou essa estátua para o Alex quatro anos atrás, e
nós dois temos medo de tirá-la dali. A cada vez que olhamos mais tempo do que
deveríamos para ela, a abuela surge pela porta da frente como se tivesse sido
invocada.
Hora de acordar grito do corredor. Eu me certi co de fechar a porta atrás
de mim ao entrar. Ouço alguém resmungar dos fundos da casa.
A voz dele vem da cozinha, ainda que fraca.
Solo déjame morir.
Alex sempre recorre ao espanhol quando quer fazer um drama. Sorrio enquanto
sigo o som de sua respiração ofegante e o encontro esparramado no chão, em
frente à geladeira, os óculos no peito e uma garrafa de Gatorade na mão. Ainda
está com a mochila nos ombros, a camisa meio en ada na calça, os sapatos
calçados, mas desamarrados. Parece que fez uma corajosa tentativa de sair de casa
hoje de manhã, mas mudou de ideia de repente enquanto passava pela cozinha.
Não vou deixar você morrer aqui respondo. Ele resmunga um lamento e
se vira de lado, em posição fetal.
Eu me sentei por um minuto reclama. Acho que não consigo me
levantar mais uma vez.
Consegue, sim.
Ele resmunga. Bem alto e por muito tempo, quase ofendido.
Certo. Eu não quero.
Já era pra você ter aberto a loja. Eu o cutuco com o pé e ele me dá um tapa
no tornozelo. Parte de mim esperava que ele tentasse me morder. É sempre
impossível lidar com meu irmão quando ele está de ressaca. E eu preciso ir para
a escola. Vamos.
Estou dez… Ele se vira um pouco e estreita os olhos para o relógio acima
do micro-ondas. Doze minutos atrasado. A loja é minha. Tenho esse direito.
As pessoas estão preocupadas.
A Darlene não conta. Velha chata.
Dou uma risadinha. Ela é uma velha chata.
Se você não mexer essa bunda daí, vou contar pra ela o que você disse.
Ele olha feio para mim e coloca os óculos.
Nada que eu já não tenha dito na cara dela. Ela só sabe que a livraria ainda
não abriu porque aparece lá toda segunda-feira para se sentar nos fundos e ler as
partes picantes das fantasias eróticas sem comprar nada. Algumas semanas atrás, vi
quando ela tirou fotos do livro com o celular. Ele se senta e bufa. Ela não
reclamou porque está preocupada, acredite em mim.
Ainda assim, preciso ir pra escola. E entrar em pânico pensando nas
escolhas e acordos que faço com mulheres bonitas no banco do passageiro do meu
carro. E não arrancar meu irmão do chão. Deixo você lá no caminho.
Não é verão? Por que as crianças estão na escola?
Curso de férias, Alex.
Ele me dá um olhar ameaçador, encolhido em uma posição fetal diferente, meio
em pé.
Setenta e cinco por cento de chance de eu vomitar no carro.
Suspiro.
Eu abro as janelas.
Beleza, então. Ele ca de joelhos, abafando a ânsia de vômito com o
punho. Dios mio. Acho que vou morrer.
Franzo a testa.
Por que você ainda está com uma ressaca dessas?
Luis, Aaron, Charlie e So a passaram o m de semana aqui. O tio Benjamín
também. Com tequila. Ele aperta os olhos. Se Charlie e todos os nossos primos
estavam aqui, com certeza havia tequila. Eu acho.
Ah.
Alex estremece enquanto ca de pé, as mãos apoiadas na cintura.
Você não viu o Benjamín quando entrou?
Não.
Fico surpreso por não o ter encontrado nos arbustos quando cheguei. Não seria
a primeira vez.
Alex franze a testa.
Jurava que ele ainda estava aqui.
O irmão mais novo da minha mãe nunca diz não para uma festa e nunca se
esquece de trazer tequila. Não estou interessado em resolver o mistério de seu
paradeiro desta vez, ainda irritado por ter que passar aqui.
Prometi para Layla que iria lá hoje. Não quero começar… seja lá o que for…
quebrando uma promessa.
Alex por m consegue se levantar e começar seu caminho lento e arrastado até a
porta da frente. Ele percorre metade do corredor antes de tropeçar em algo e
tombar com tudo na parede, batendo a cabeça primeiro. Uma foto nossa quando
crianças chacoalha na moldura enquanto ele tenta se equilibrar.
Um lamento doloroso soa do armário de casacos. Nós dois olhamos para baixo.
Duas pernas se projetam pela porta entreaberta. Não sei como não vi isso assim
que entrei.
Me deixem aqui pra morrer lamenta a voz de Charlie lá de dentro.
Alex ri e abre mais a porta. Joga a garrafa de Gatorade lá dentro sem se
preocupar com onde vai cair. Ouvimos um baque, outro lamento e as duas pernas
esticadas no corredor se mexem um pouco.
Pode car o quanto quiser, mas tranque a porta quando sair, tá?
Há um silêncio de meio segundo.
Vou comer todas as sobras na geladeira antes de ir resmunga Charlie.
Alex revira os olhos.
Eu já imaginava.
Nenhum de nós se preocupa em ouvir a resposta. Vamos para meu jipe, Alex
mais cambaleando do que andando. Quando olho para o relógio pela terceira vez,
meu irmão grunhe e desliza para o banco do passageiro como se todo o seu corpo
pudesse entrar em combustão a qualquer instante. Se a cor pálida de sua pele,
geralmente escura, e as gotas de suor nas têmporas servirem de indicação, pode
ser que isso aconteça.
Entrego a caixa vazia de guloseimas em que Layla esteve mexendo algumas
noites atrás.
Caso você sinta vontade de vomitar explico.
Sua boca se rma em uma linha deprimente.
Não é má ideia.
Enquanto Alex tenta se recompor, dirijo em silêncio, fazendo o que posso para
não pensar no pior. Será que Layla esperou por mim de manhã? Teria tomado
uma decisão? Iria rir na minha cara? Ou pior, ngir que nunca nem tivemos aquela
conversa? Eu nunca mais vou conseguir entrar na padaria dela se isso acontecer.
Meu Deus, e os meus croissants.
Consigo sentir Alex me olhando. Assim que diminuo a velocidade próximo ao
semáforo, olho para ele. Fazia a mesma cara quando éramos crianças e ele estava
prestes a roubar meu último pão doce.
Que foi? pergunto.
Ele se encolhe mais no banco.
A Layla estava mesmo no bar no sábado ou as sete piña coladas e o molho de
caranguejo me zeram imaginar isso?
Ela estava lá.
E você foi embora com ela, é isso?
A gente conversou com você antes de ir embora. A gente se despediu.
Eu preciso lembrar você do tanto que bebi no sábado?
É claro.
Eu levei a Layla pra casa. O cara com quem ela foi jantar saiu de ninho e ela
precisava de carona.
Alex resmunga em desaprovação.
Que babaca.
Pois é. Não sou tão educado assim quando penso nos homens com quem
ela já saiu. Nunca vou conseguir entender como alguém pode se sentar de frente
para a Layla e car menos do que hipnotizado. O sorriso dela. O humor irônico.
Toda a alegria que irradia dela quando fala… de qualquer coisa. Será que o cara se
deu conta da sorte que tinha ao receber toda a atenção dela? Durante os últimos
cinco anos, eu a vi três vezes por semana e acho que ela nunca reparou em mim
uma única vez.
Se bem que talvez tenha reparado. Não sei. Não fazia ideia de que ela tinha uma
regra de não namorar ninguém da cidade. Isso faz com que eu me sinta um pouco
melhor.
Então… você levou a Layla até em casa.
Levei.
Alex faz humm, de alguma forma conseguindo colocar uma satisfação tão cheia
de presunção nesse som que cerro os dentes.
Paramos no sinal vermelho. O único semáforo nesta cidade minúscula. Gosto de
viver em uma cidade pequena, perto dos meus familiares. Mas, em dias como
hoje, adoraria um pouco de anonimato.
Alex está com o rosto grudado na janela do passageiro, as mãos apertando as
alças da mochila. E, ainda assim, está sorrindo como se soubesse de algo que eu
não sei.
O que foi?
Ele dá de ombros.
Nada, não.
Eu me arrependo de não o ter deixado largado no chão da cozinha.
O que foi, Alex?
No caminho de volta, você pediu um bolo personalizado?
Dou um soco no ombro dele com toda a força que consigo, ainda segurando o
volante com a outra mão. Ele dá uma gargalhada, animado, e esfrega o ombro.
Eu passei por uma… fase… não muito tempo atrás. Uma fase em que, a cada
duas semanas, eu encomendava um bolo personalizado na padaria da Layla.
Eu nem tinha me dado conta de que fazia isso. De verdade. Só gostava de vê-la,
de passar um tempo com ela. Quatro quilos depois, decidi que era hora de abrir
mão do vício em glacê.
Eu me remexo no banco e avanço com o carro no sinal verde.
O bolo dela é muito bom.
Tenho certeza de que é.
A cobertura… murmuro, mas me interrompo no meio do pensamento.
Não vale a pena. Cale a boca.
Alex ri e, de propósito, passo mais rápido por uma lombada, fazendo com que
ele pule em seu assento. Ele resmunga e leva a mão à boca.
Se eu vomitar, nós dois vamos sofrer.
DEIXO ALEX EM frente à livraria e sigo depressa para a escola, entrando na sala de
aula pouco antes de o sinal tocar. O dia passa e me sinto grato pela distração
causada por vinte e oito adolescentes cheios de angústia e putos da vida por
estarem na escola durante o verão. Passo mais tempo interceptando os bilhetes
que os gêmeos McAllister trocam do que perdido em pensamentos catastró cos.
No m das contas, é a melhor distração que eu poderia pedir.
Gosto de trabalhar com crianças. Era a mudança de que precisava. Eu só me
tornei policial para me manter nanceiramente durante minha formação. Não
tinha vocação nem uma paixão em particular por aquele emprego. Gostava de
ajudar as pessoas, e também consigo fazer isso aqui.
As conversas com meus alunos são a melhor parte de ser professor.
Pode me ajudar a traduzir isso, sr. Alvarez?
Pego o pedaço de papel da mão de Jeremy Roughman e olho para o que ele
escreveu em um garrancho. Suspiro.
As conversas com meus alunos são a pior parte de ser professor.
Não, não posso. Amasso o papel e o jogo no cesto de lixo embaixo da
minha mesa. Sinto que só jogar fora não é o su ciente. Preciso de um isqueiro. Ou
uma caixa de fósforos. Pra quem você ia falar isso?
Ele olha para os pés e murmura alguma coisa baixinho.
Como é que é?
Ia convidar a Lydia para o baile.
Meus lábios se contraem.
E você achou que recitar raps dos anos noventa em espanhol seria a melhor
forma de conseguir isso?
Ele dá de ombros.
Funciona pra você.
Eu pisco. Não faço ideia de onde ele tirou isso.
Eu não recitei letras de rap pra ninguém.
Não, o negócio do espanhol. Como você cou tão bom nisso? Você é muito
melhor ensinando do que a sra. Metzler.
Talvez porque a sra. Metzler não fale espanhol e só ensinasse os alunos a
pedirem uma quesadilla con chorizo do restaurante a duas cidades de distância, o
que con gura apropriação cultural. E tres leches. Tenho certeza de que ela achava
que ensinar espanhol era apenas recitar cardápios sem parar. O nível de exigência
era bem baixo.
Obrigado. Acho eu. A cada vez que Jeremy abre a boca, há muito a ser
desvendado. Eu cresci falando espanhol. Toda a minha família fala. Minha avó
é de Todos Santos. Já falei isso durante as aulas pelo menos umas trinta e sete
vezes.
Ele me encara sem expressão alguma. Esfrego a palma da mão na testa.
É uma cidade no México, Jeremy. Falamos disso há três dias.
Ah, lembrei. Ele estala os dedos com um sorriso enorme. Aquelas
fotos das mulheres de biquíni.
Suspiro de novo. Talvez, se dessem zoom na apresentação. Acho que vou ter que
olhar de novo e substituir esses slides.
As fotos das praias, Jeremy.
Sim, sim. Foi o que eu quis dizer. Ele encara o cesto em que joguei sua
inspiração. Você não vai traduzir pra mim, sério?
Não vou. Sério. Cruzo os braços e me reclino na cadeira. Mas que tal
você pensar em algo que queira dizer, então posso traduzir pra você.
Ele abre a boca.
Algo que não seja vulgar ou uma interpretação de letra de rap.
Ele fecha a boca e faz uma careta.
Vai valer nota?
Escondo o sorriso por trás do punho. Esse moleque, juro por Deus.
Não, não vai valer nota. Você pediu a minha ajuda. Esse é meu jeito de ajudar.
Ele parece se arrepender de ter vindo para a aula.
Não achei que ia ter lição de casa extra reclama. Ele suspira da forma mais
dramática que um adolescente poderia fazer e passa a mão pelo cabelo. Falou,
sr. Alvarez.
Eu o vejo perambular até o corredor com toda a con ança que só um
adolescente pode ter. Nem quero saber em que tipo de problemas vai se en ar
agora. Recolho minhas coisas e pego a mochila. Se eu me apressar e ninguém me
pedir para traduzir mais nada, devo conseguir encontrar a Layla na padaria antes
que ela feche.
Talvez a gente devesse namorar.
Mais valeria ser o Jeremy, recitando letras de rap horríveis em espanhol.
Uma tarefa bem interessante, sr. Alvarez.
Bato o joelho com tudo embaixo da mesa e minha mochila cai no chão, levando
junto algumas canetas e uma pequena tartaruga de cerâmica usando um
sombreiro. Alex comprou para mim na minha primeira semana como professor,
disse que me faria parecer mais descolado. Estou começando a achar que ele
estava zoando com a minha cara.
Emma, a professora de inglês dos alunos do primeiro ano, estremece na porta.
Desculpe, não quis assustar você.
Tudo bem digo, enquanto me levanto da cadeira e começo a recolher as
canetas espalhadas pelo chão como uma explosão de materiais escolares. Eu
estava com a cabeça em outro lugar.
Em Layla, mais especi camente. No croissant de manteiga que eu deveria ter
comido no café da manhã. E no som da risada dela quando está toda coberta de
farinha e açúcar da cabeça aos pés.
Talvez eu não tenha superado minha paixonite por bolos personalizados.
Emma adentra mais na sala, cando de joelhos de forma graciosa para me ajudar
a pegar as canetas.
Devia estar mesmo. Eu nem cheguei tão silenciosa.
Sinto uma pontada de apreensão. Eu me pergunto quanto da minha conversa
com Jeremy ela deve ter ouvido.
Eu não deveria ter feito aquilo, né?
Ela olha para mim, o cabelo loiro e claro preso em um coque bem arrumado.
Jogado essa gracinha no chão? Ela pega minha tartaruga e dá um tapinha
no chapéu dele. Acho que não.
Dou uma risada abafada e pego o bibelô, colocando-o de volta em seu lugar de
direito no canto da mesa. Piada ou não, comecei a gostar de Fernando.
Professores de verdade não devem encorajar os alunos a escreverem cartas de
amor como trabalho de casa.
Emma ca de pé e me entrega o restante das canetas, a mão cheia de vermelhos
e azuis. É a quarta vez este mês que vem até a minha sala. Diz ela que quer se
certi car de que estou me adaptando bem, que os alunos estão se comportando,
mas me parece algo mais. Emma tem feito várias visitas. Talvez o diretor Waller
tenha pedido que ela me avaliasse.
Professores de verdade ajudam os alunos a aprenderem da forma que eles
puderem. Ela dá um sorriso gentil. Você está se saindo bem, Caleb. De
verdade. Se o Jeremy, de todos os alunos, está demonstrando interesse, então você
tem feito um ótimo trabalho.
Ah, que bom. Se eu pudesse ter esse tipo de encorajamento na minha
forma de lidar com o resto da vida, seria ótimo. En o as canetas em uma gaveta
vazia da mesa e olho para o relógio. Ah, que merda.
Emma segue meu olhar e franze a testa.
Você tinha algum compromisso?
Quando en m chegar à Fazenda Lovelight, Layla já vai ter encerrado o
expediente e os funcionários é que estarão encarregados de cuidar da padaria até
de noite. Eu poderia visitá-la em casa, mas não sei. Isso parece um pouco demais.
Não quero deixá-la desconfortável.
Acho que sou um pouco demais. Para algumas pessoas.
Eu ia tentar… Engulo em seco e paro de falar. Ia tentar o quê? Tentar
convencer Layla a aceitar minha ideia ridícula? Implorar para que ela esqueça isso?
Eu nem sei dizer.
Ah, sim, desculpe. Eu tinha um compromisso. Dou um sorriso discreto
para Emma e jogo a mochila no ombro. Nos vemos durante a semana?
Ela alisa a saia com a mão.
Sim, claro. Com certeza. Trabalhamos na mesma escola.
Hesito ao perceber seu tom.
Você queria falar alguma coisa?
Não, não. Ela balança a mão. Só vim dar um oi.
Esboço outro sorriso sem graça ao passar por ela. Mal consigo dar três passos
pelo corredor antes de um corpo se chocar contra o meu, uma chuva de pastas
pardas e folhas de papel avulsas sobre mim.
Ai, foi mal, Caleb. Gabe, o professor de biologia, ajusta os óculos e agarra
um pedaço de papel que utuava devagar até o chão. Uma pena que todo o
restante de seus papéis esteja espalhado pelo chão. Eu não estava prestando
atenção.
Eu também não. Suspiro e pego algumas das folhas próximas aos meus
pés, um desenho um tanto assustador de um sapo dissecado me encarando. Sou
muito grato pela vaga de professor de idiomas, em vez de algo nas ciências
práticas.
Sabe, foi até bom encontrar você. Eu estava na sala dos professores outro dia
e…
Faço uma pilha um tanto caótica com os papéis e os empurro na direção de
Gabe, ignorando o que quer que ele esteja falando enquanto me encaminho para a
saída. Amanhã posso encontrá-lo e pedir desculpas. Tudo o que quero agora é
entrar no meu carro, dirigir até a fazenda e falar com Layla. Mesmo que por cinco
míseros minutos. Preciso que ela saiba que não me esqueci dela.
Caleb!
Quero bater com a cabeça na porta da saída de emergência. Desse jeito, nunca
vou conseguir passar do portão da escola. É mais fácil eu arrumar uma coletiva de
imprensa e distribuir microfones para quem quiser falar comigo. Reúno toda a
minha frustração como se fossem as folhas de Gabe e as empilho de forma
organizada e caprichada na minha mente. Respiro fundo e me viro para ver a sra.
Peters marchando em minha direção.
Como posso ajudar, sra. Peters?
Ela balança a mão, descartando minha formalidade.
Carina, por favor. Agora trabalhamos juntos, Caleb.
Força do hábito explico. Você sempre vai ser a mãe do Luka para mim.
Eu entendo, acho. Um sorriso ilumina o rosto dela, o cabelo castanho
balançando atrás dos ombros. Luka é a cara dela, das sardas no nariz ao sorriso
que se traduz no mais puro problema.
Ela leva as mãos às costas.
Queria só relembrar que você está encarregado do ônibus na quarta de
manhã. Acho que é a primeira vez que você está na programação.
Merda. Eu tinha me esquecido disso.
Ah, verdade. Obrigado por me lembrar.
Talvez eu possa dar uma passada na padaria da Layla amanhã de manhã. Deixar
o autocontrole de lado um pouco e pedir algo de chocolate amargo. Enlouquecer e
pedir manteiga de amendoim. Acho que mereço.
Você vai até a fazenda essa semana?
É como se ela tivesse lido minha mente. Pisco algumas vezes e tento impedir o
calor de se alastrar pelas minhas bochechas. A julgar pelo sorriso dela, falhei com
sucesso nessa missão. Meu rubor sempre me entrega.
Vou tentar consigo dizer. Parece que não consigo passar a semana sem
pedir alguma coisa na padaria da Layla.
Fico ainda mais vermelho. A sra. Peters, por pura piedade, não faz nenhum
comentário.
Se vir meu lho quando estiver lá, diga que ele está com todos os meus
melhores potes. Ela estala a língua uma vez. Ele nalmente se mudou para
mais perto de mim, mas parece que o vejo menos do que quando morava em
Nova York.
Ah, bom. Tenho certeza que a Stella o mantém bem ocupado.
Eu entendo, acho repete ela com outro sorriso. Ela se vira para voltar na
mesma direção de que veio. Dá aula de culinária depois do horário letivo para
alguns dos alunos cujos pais trabalham até tarde. Receitas fáceis que podem fazer
sozinhos em quantidade su ciente para levarem para os irmãos. Sempre achei
extremamente gentil da parte dela fazer isso.
Ah, Caleb?
Suspiro.
Sim, sra. Peters?
Diga a Layla que mandei um oi.
5
LAYLA

MEU AMOR, eu só quero que saiba que você é a melhor coisa que já me
aconteceu…
Cerro os dentes e faço de tudo para ignorar o casal parado a menos de um metro
de mim, esfregando o nariz um no outro, as mãos dadas.
… e estou tão feliz por termos vindo aqui juntos. Parece, de verdade, que
nosso amor cresceu ainda mais e…
Faço um som como se estivesse me engasgando e me abaixo ainda mais atrás do
balcão. Todos os dias. Isso acontece todos os dias.
… vir pra esse lugar, sentir essa magia. Sei que meu destino é car com você
pelo resto das nossas vidas.
Eu sei o que vem a seguir. O barulho suave de um joelho batendo no chão de
taco e uma inspiração ofegante em resposta. Vi dezessete pedidos de casamento
nos últimos seis meses.
É fofo, de certa forma. Mas de outras formas mais importantes… é a pior coisa.
Eu saio de trás do balcão bem a tempo de ver as duas pessoas se pegando
desesperadamente, encostadas na vitrine, um enorme anel de diamante solitário
brilhando no dedo certo. Eu os ignoro e volto a prestar atenção nos cupcakes.
Tenho coisas maiores para resolver do que a possibilidade de indecência pública
bem aqui onde todos os meus cookies de caramelo salgado podem ver.
Caleb não apareceu na segunda.
Nem na terça.
É quarta-feira à tarde, e ainda nem sinal dele. Ele perdeu dois croissants de
manteiga e todo o café gratuito que prometi.
Digo a mim mesma que está tudo bem. Nossa conversa no m de semana foi
puramente hipotética, duas pessoas que se encontram casualmente, matando o
tempo durante uma longa viagem de volta para casa. Não há motivo para me sentir
envergonhada por ter passado o domingo inteiro remoendo a ideia em minha
cabeça, examinando-a de todos os ângulos enquanto elaborava o cardápio da
padaria para a semana. Não preciso me envergonhar por ter me sentado em meu
grande e quentinho roupão lilás enquanto ertava com a ideia de sair com Caleb
Alvarez para ajudá-lo a melhorar suas habilidades de conquista.
Seja lá o que isso signi que.
Estou começando a achar que ele estava só brincando, e não… não tem
problema. De verdade. Ele não precisa evitar a padaria. Ele não precisa me evitar.
Encho o saco de confeitar com glacê e observo enquanto o feliz casal deixa a
padaria, minha guirlanda de peônias na porta da frente balançando de leve
quando eles saem. Não é a decepção que se aloja rmemente no fundo da minha
garganta, mas, sim, o café ruim de antes. Deixei-o por tempo demais no aquecedor
de caneca esta manhã e não me preocupei em usar os grãos selecionados da sra.
Beatrice.
Mas Caleb não faria isso. Faria? Não brincaria com algo assim. Não me parece
coisa dele. Certa vez, ele passou o restante da reunião da cidade gaguejando
depois que a sra. Beatrice o acusou de interrompê-la no meio da frase. Eu o vi
dobrar a mesma folha de papel sete vezes. Ele nunca mais se ofereceu para liderar
uma reunião.
Não, ele não estava tirando sarro de mim. Talvez esteja só ocupado. Fazendo…
alguma coisa.
Por três dias seguidos.
Está esperando alguém?
Stella aparece do nada bem na minha frente. Tomo um susto e bato com o
cotovelo na bandeja de cupcakes. Ela me ajuda a endireitá-la e, em seguida,
arranca um cristal de laranja do topo de um que tombou. Reviro os olhos e
entrego o bolinho para ela. É impressionante a quantidade de comida que perco
com a Stella e o Becke .
De onde você surgiu?
Dos fundos, srta. Assustada. Estava chamando você. Stella retira a
forminha de papel do cupcake com cuidado. Você não tira os olhos da porta.
Está esperando alguma entrega? Não recebi nenhuma papelada.
Quê?
Quem você está esperando?
Olho para a porta de novo. Não vejo nada além de árvores nas janelas da frente,
com galhos grossos, repletos de verde. Elas pressionam as janelas de vidro, que vão
do chão ao teto na frente, escondendo a padaria quase que por completo. Há dias
que não vejo nenhum sinal de um homem de um metro e noventa com covinhas.
Ugh.
Não. Não, não estou. Começo a apertar o saco de confeitar. Não estou.
Não estou esperando ninguém.
Stella estreita os olhos para mim, a boca cheia de cupcake.
Você foi enfática demais com esse não.
Eu me inclino para a frente para continuar confeitando, faço um anel perfeito de
glacê branco em volta do topo do bolinho de laranja. Chamo essas belezinhas de
moinho de laranja. Gostaria de moer um deles bem na cara de Stella, nem que seja
para que ela pare de me encher o saco.
Nada disso murmuro.
Você já olhou vinte e uma vezes para a porta desde que cheguei aqui. E não
faz nem três minutos.
Estreito os olhos e mantenho meu olhar rmemente afastado da porta, e meu
olho esquerdo treme.
Não olhei não.
Você quase derrubou a batedeira quando entrei pra dar um oi.
Você me assustou.
Hum.
Stella sempre foi boa nisso. Ela sabe esperar pacientemente que eu fale o que
quer que esteja tomando conta da minha mente. Ela dominou essa arte na época
da faculdade, quando éramos garotas desajeitadas começando a vida adulta.
Passamos muitas noites juntas na sala de estudos do dormitório, rindo de nada e
falando de tudo. Fazendo bolo de massa pronta. Quando nos formamos, ela voltou
para a cidadezinha onde cresceu e eu vim atrás dela. Ainda não estava pronta para
deixar minha melhor amiga. Fiz alguns cookies com gotas de chocolate para o
evento de confeitaria do corpo de bombeiros e um brilho maníaco surgiu nos
olhos da Stella assim que ela os provou, explodindo em um frenesi de planos de
negócios sobre a fazenda de árvores de Natal.
Estou aqui desde então.
Ao que tudo indica, cozinhar é uma excelente forma de colocar o diploma de
matemática para jogo.
Minha mão treme, e a cobertura perfeita escorre pela lateral do cupcake.
Suspiro, pego-o da bandeja e o coloco na frente de Stella.
Você está me distraindo.
Acho que você está se distraindo sozinha.
Está bem. Coloco o saco de confeitar de lado e olho em volta, para me
certi car de que não haja ninguém perto para ouvir. Está bastante vazio,
considerando que é uma tarde de quarta-feira, mas nossa cidade está repleta de
pessoas intrometidas que adoram bisbilhotar. Estreito os olhos para Gus no canto,
o belo e jovem bombeiro que talvez seja o maior fofoqueiro de todos. Tenho
certeza de que ele é um dos mais ativos da rede de comunicação secreta da cidade,
que serve para distribuir fofocas em vez de informações importantes. Também sei
da lousa com apostas nos fundos do quartel do corpo de bombeiros. Durante um
tempo, ele listava as probabilidades de quando Stella e Luka nalmente cariam
juntos. Agora, acho que é uma lista de apostas para adivinhar quando Becke
adotará o próximo animal.
Satisfeita ao ver que Gus não está ouvindo, olho para Stella e coloco as mãos na
cintura.
Vi o Caleb esse m de semana sussurro.
Quê? Tipo, na cidade? Ela franze a testa e dá outra mordida no cupcake.
Isso não é nenhuma novidade. Por que você está sussurrando?
Meu Deus.
Por que você está gritando?
Não estou gritando. Estou falando normal. Ela me olha de um jeito
estranho e dá mais uma mordida gigante no cupcake. Você está surtando.
Não quero que o Gus ouça o que estamos falando explico, ainda
sussurrando. Não preciso que a cidade inteira saiba que estou esperando que
Caleb entre por aquelas portas. É bem capaz que isso vire pauta na próxima
reunião da cidade.
Não estou ouvindo nada grita Gus do sofá no nicho do canto, as costas
apoiadas na janela, uma almofada xadrez no colo. Ele nem se incomoda em erguer
os olhos do pedaço de torta de noz-pecã. Podem continuar.
Você lembra onde ca a porta, não é, Gus?
Ele pisca para mim.
Claro que lembro, Laylagarta.
Pare de me chamar assim.
Pego Stella pelo cotovelo e a arrasto para a cozinha. Ela abandona o cupcake em
uma das mesas de preparação e agarra minhas duas mãos. Aperta com força.
O que você tem? Aconteceu alguma coisa no seu encontro, no m de
semana? Ele fez algo estranho? Ela me aperta com ainda mais força, os nós dos
dedos brancos. Devo ligar para o Becke e o Luka? Aposto que o Dane pode
usar seus contatos de xerife para descobrir o endereço dele. Eu sempre quis cortar
os pneus de alguém.
Espere aí, Rambo. Não precisamos furar os pneus de ninguém. Eu já disse.
Eu vi o Caleb esse m de semana.
Stella ergue as sobrancelhas para mim.
Ok, e daí? Ele mora aqui. A gente vê o Caleb o tempo todo.
Não, eu o vi no bar.
Ela me encara, confusa.
Layla, de verdade, não estou entendendo qual é o problema, mas vou dar
corda porque é o que os amigos fazem. Que bar?
Fui naquele bar na beira da praia em Rehoboth, para o encontro com o
Bryce.
Pela cara que ela faz, parece até que a forcei a chupar limão.
Bryce. Que nome de babaca.
Bom, ele foi um babaca. Então combina. Solto as mãos dela e esfrego
minhas palmas nas coxas. Ele acabou indo embora sozinho e me largou lá, e eu
vi o Caleb enquanto estava tentando decidir o que ia fazer.
O Bryce largou você lá? No bar? Stella cerra o maxilar do mesmo jeito que
Caleb fez. Seus lindos olhos azuis se estreitam e ela aperta os punhos. Parece
prestes a virar a doida da motosserra. Onde ele mora mesmo?
Eu a ignoro.
Não interessa. O Caleb estava no bar e, Stella… ele estava com uma camisa
havaiana.
Eu só consigo pensar naquela camisa. Passei a semana inteira fazendo
decorações de hibiscos laranja nos doces.
A camisa surge o tempo todo em minha mente, assim como os bíceps dele. As
covinhas. A voz dele ao dizer talvez a gente devesse namorar.
Sou pura confusão.
Entendi. Stella parece preocupada comigo. Essa é uma… escolha e
tanto.
Ele disse que a gente deveria namorar acrescento como uma re exão
tardia, minha mente ainda presa à pele escura e à saliência de suas clavículas sob o
colarinho desabotoado. Eu adoraria parar de pensar naquela camisa. De verdade,
adoraria.
Stella estende a mão e me dá um tapa no braço. Dou um pulo para trás, indo de
encontro com a prateleira de metal cheia de enfeites para cupcakes. Um pote de
gotas de chocolate cai no chão.
Caramba, o que foi isso? pergunto, esfregando o braço.
Por car escondendo a porcaria do jogo! Stella parece prestes a me bater
de novo. Layla, eu juro por Deus. Por que você não começou por essa parte?
Dou de ombros.
Não sei. Talvez porque faz dois dias que ele não vem aqui pela manhã, o
que ele sempre fazia. Acho que, desde que abri a padaria, ele não passou uma
semana sequer sem vir comer alguma coisa. Será que está comprando croissants
em outro lugar? A ideia pesa como uma pedra no meu estômago. Ninguém faz
croissants melhores que os meus. Ninguém. Não sei se ele estava falando sério.
Não vi mais o Caleb.
Como assim?
É que… Olho por cima do ombro dela, pela pequena janela na porta, para
me certi car de que Gus ainda está ocupado. Não estranharia nem um pouco se
ele estivesse com a orelha encostada na porta. É que, quando ele me deixou em
casa, disse que a gente se veria na segunda-feira, mas não apareceu.
Stella analisa minha expressão.
Você queria que ele estivesse falando sério?
Não sei. O que Caleb estava falando parecia legal. Ter um encontro que
não me deixasse envergonhada e desolada. Não seria um encontro de verdade.
Mas poderia ser bom pra sair da rotina.
O rosto de Stella se desmancha em confusão.
Acho que preciso de um manual pra essa conversa. Como assim, não seria
um encontro de verdade? Comece do começo.
É o que eu faço. Conto a ela sobre o encontro desastroso com Bryce, os talheres
de prata, sobre Caleb no bar e o ônibus temático. Conto a ela sobre Alex e Charlie
e a dança ridícula em cima da mesa. Conto da viagem de volta para casa, de como
Caleb me disse que é ruim nisso de encontros e da sugestão de que, talvez,
devêssemos sair e ajudar um ao outro.
Então, e o que você vai dizer a ele? pergunta Stella.
Se ele continuar me evitando, nada. Pego o cupcake que ela deixou de
lado e tiro um pouco da cobertura. Se vai ser desse jeito, é melhor ngir que
essa conversa nunca aconteceu.
Não! exclama Stella, ofegante, os olhos arregalados. Droga. Sei bem que
cara é essa. Ela está empolgada. Empolgada do tipo comprar-uma-fazenda-de-
árvores-de-Natal-do-nada-e-demolir-metade-dos-prédios. Ou assistir-a-todos-os-
episódios-de-Pesca-radical-após-ler-um-livro-sobre-catadores-de-caranguejo.
Ela dá pulinhos.
Não, não, não. Você tem que aceitar.
Tenho?
É óbvio.
Não para mim.
Por quê?
É o cenário perfeito. Um homem lindo com covinhas…
Você também notou as covinhas dele? Juro que nunca tinha reparado
nisso antes desse m de semana.
Você falou várias vezes enquanto contava a história.
Ah, beleza.
En m, um homem lindo, gentil e com covinhas quer levar você pra sair.
Ela ergue um dedo como se estivesse marcando uma lista de compras. Ele quer
dar todo o carinho que você merece. Outro dedo. E quer que você o analise
de forma crítica enquanto faz isso. Pra ser sincera, não consigo ver o lado ruim.
Dou mais uma mordida no cupcake e penso. Ela tem razão. Já desperdicei muito
tempo com homens idiotas. A maré pode estar para peixe, mas a maioria deles
habita o fundo do mar, com luzes estranhas penduradas na frente da cara. Eles
atraem você para roubar seus brownies.
Não há nada de errado em me divertir um pouco. Eu mereço.
Primeiro ele precisa parar de me evitar digo, voltando ao problema
original. Não posso aceitar a oferta se nunca mais o vir. Não acho que seja
coincidência o fato de ele ter dado um m repentino ao hábito de comer
croissants logo após nossa conversa.
E assim, de repente, a ansiedade e a inquietação por levar um chá de sumiço se
transformam em irritação.
Não é nada novo. Ser deixada na mão por um homem.
É fácil resolver isso. Stella tira o celular do bolso de trás da calça. Vou
ligar para a rede de comunicação e perguntar se alguém viu o Caleb pela cidade.
De jeito nenhum. Perguntar sobre Caleb seria fazer com que toda a cidade
aparecesse à minha porta, pronta para opinar. Arranco o celular da mão dela tão
rápido, que ele voa para dentro de uma tigela de recheio de bolo branco e
cremoso.
Droga. Eu ia colocar isso em alguns donuts mais tarde.
Nós duas camos olhando para o aparelho até que a porta se abre e Becke
entra, com o boné virado para trás e as mangas da camiseta levemente arregaçadas.
Ele está coberto da cabeça aos pés de sujeira, suor e…
Isso é sangue?
O quê? Ele olha para a camiseta. Ah, não. É recheio de morango.
Peguei um donut na vitrine quando entrei.
Claro que pegou. Ergo a cabeça para o teto e resmungo.
E o que você estava fazendo antes de entrar aqui?
Como encarregado da parte operacional da fazenda, não há nada de suspeito no
fato de que Becke parece ter passado a manhã inteira rolando em uma poça de
lama. Mas, no último mês e meio, ele vem tentando me convencer de que eu
deveria adotar um bando de galinhas da fazenda de produtos agrícolas vizinha.
Tenho minhas suspeitas de que ele esteja construindo um galinheiro em meio às
árvores ao lado da padaria, apesar de eu ter dito com todas as letras para que não
zesse isso.
Não quero galinha nenhuma, nem quero ouvir Becke falando de galinhas tão
cedo. Esse homem tem um problema sério.
O silêncio dele é a resposta de que eu que precisava. Nem me dou ao trabalho
de abrir os olhos. Quero rastejar para baixo de uma das mesas de preparação e
tirar uma longa soneca com uma garrafa de vinho enorme.
Eu não estava fazendo nada murmura.
Aham.
Ouço a porta se abrir de novo e todo o meu corpo ca tenso. Eu me sinto como
um elástico esticado demais, a dois segundos de arrebentar.
Ei. É a voz de Luka desta vez, as botas batendo contra o chão de madeira.
Está um clima estranho aqui.
Abro os olhos bem a tempo de vê-lo depositar um beijo demorado na nuca de
Stella, com o braço em seus ombros e a mão pressionada sobre o coração dela. Ela
segura o pulso dele e o aperta. Algo em meu peito também parece se apertar.
Estou feliz por eles. De verdade, muito feliz. Demoraram dez anos para chegar a
um ponto em que podiam trocar carinhos com tranquilidade e sussurrar palavras
de amor. Ninguém merece isso mais do que eles.
Mas também estou triste por mim. Um pouco cansada. Exausta tanto em minha
mente quanto em meu coração.
Inspiro fundo pelo nariz. Expiro de novo. Becke observa minha respiração
controlada com atenção. Seu rosto ca cada vez mais sombrio quanto mais eu
tento me acalmar.
Luka diz, sem se preocupar em olhar para o homem que está chamando.
O que é bom, porque Luka está ocupado ngindo que não conseguimos ver sua
mão na bunda de Stella.
Que foi? murmura Luka, com o nariz atrás da orelha de Stella.
Vá buscar a caminhonete.
Por quê?
Os olhos de Becke se estreitam. Ele se parece com Clint Eastwood olhando em
direção ao sol. A única coisa que falta é um palito de dente pendurado na boca.
Evie está fora há duas semanas em uma viagem de trabalho, e o homem já está
rabugento.
Vamos partir em uma missão.
Luka, abençoado seja, não move um músculo sequer.
Aonde nós vamos?
Becke vira a cabeça para ele devagar.
Você ainda tem tinta para o rosto?
Luka sorri. Stella resmunga. Eu dou risada.
O método favorito de Luka e Becke para resolver problemas é se esconder em
arbustos com o rosto pintado de camu agem verde e preta e intimidar quem quer
que esteja causando problemas. Na última vez que zeram isso, Dane os colocou
na cela de bêbados por quarenta e oito minutos e os obrigou a assistir a Keeping
Up with the Kardashians como punição. Becke quase chorou. Stella e eu tivemos
de socorrê-los com donuts quentinhos com recheio de creme, o favorito de Dane.
Um sorriso surge no canto da minha boca.
Não, não é uma situação de tinta no rosto.
Então por que você parece chateada? E por que o celular da Stella está na
tigela de cobertura?
É recheio de bolo murmuro, me sentindo impertinente. Pego a tigela e
tiro o celular dali, dando alguns tapinhas para deixar cair o excesso de creme e
limpando o resto com um pano de prato. Consigo sentir três pares de olhos em
mim.
Eu só… Entrego o celular para Stella. Ela o pega, mas também agarra meu
pulso e o segura rme. Luka muda de posição para poder apoiar um braço no meu
ombro. Ficamos ali parados, nesse meio abraço em grupo esquisito. Não é ruim.
Só estou cansada de me decepcionar sussurro. Tento limpar a garganta,
mas a tristeza gruda ali, pegajosa, fazendo minha voz soar estranha.
Estou cansada de car sozinha, é o que tenho vontade de dizer.
Ninguém diz nada em resposta. A cozinha está silenciosa, nada além do barulho
do cronômetro no canto e do som constante do forno. Coloquei algumas
tortinhas ali não muito tempo atrás. Mirtilo e ruibarbo com pequenas estrelas
desenhadas na massa. Preciso tirá-las em breve. Mas, antes que eu possa sequer
pensar em me soltar de Luka e Stella, Becke resmunga atrás de mim, então nós
três somos envolvidos por braços fortes e suados. É nojento. Vou precisar trocar
de avental.
Stella me abraça pela cintura.
Também é a melhor coisa do mundo.
Isso é estranho murmura Luka em algum lugar acima da minha cabeça.
Becke faz um barulho de irritação e ouvimos um arrastar de pés. Luka grunhe e
seu braço se choca contra meus ombros. Mas também é gostoso! Becke ,
caramba, por que você me chutou? Eu ia dizer que é gostoso.
Não ia, não.
Ia, sim. Ia dizer que a gente devia dar um abraço coletivo por dia. Uma
pausa. Um murmúrio pensativo. A Evelyn tem sido uma boa in uência pra
você. Você está lidando melhor com sua necessidade de afeto.
Becke resmunga de novo. Pressiono o rosto no ombro de Stella com uma
risadinha.
Independentemente do que aconteça murmura ela enquanto Becke e
Luka continuam discutindo acima de nossas cabeças , pode sempre contar com
a gente, Layla. Você nunca vai estar sozinha.
Ela se reclina e sorri para mim.
Goste você ou não.
CALEB FINALMENTE DÁ as caras na quinta de manhã.
Ele emerge do bosque de árvores que circunda a padaria como um espírito lindo
e vingativo, subindo os degraus de pedra como se não tivesse pensado em mais
nada desde a última vez que o vi. Faço uma pausa com a bandeja de pão doce a
meio caminho do balcão quando ele abre a porta com força, minha pobre
guirlanda de ores voando pelo aconchegante salão.
Caleb parece a personi cação da impaciência. Os ombros rígidos. A testa
franzida. As mãos lutando contra a alça da mochila presa na maçaneta da porta.
Observo com interesse enquanto ele se solta, xingando baixinho o tempo todo.
Parece que ele correu até aqui. Talvez tenha sido atingido por um tornado no
caminho.
Acho que nunca o vi tão desgrenhado.
Nem tão mal-humorado.
Passe o celular diz ele quando en m consegue se soltar da porta. Sem Oi.
Sem Tudo bem? Sem Desculpa por ter ignorado você e seus croissants por três dias.
O quê? Acho que ainda estou dez passos atrás, com a mão congelada a
meio caminho entre o balcão e a vitrine, equilibrando um pãozinho. Se Caleb é o
retrato da impaciência, então eu sou o da confusão. Perplexidade. Por quê?
Ele atravessa a distância da porta até o balcão em três passos largos.
Foi uma confusão atrás da outra nessa semana. Tentei vir todos os dias, mas o
Alex estava de ressaca, depois minha abuela precisou de ajuda com os panos de
prato e o Jeremy tinha um lance de um bilhete de amor. Foi… Ele pressiona
dois dedos entre as sobrancelhas escuras e dá um suspiro pesado, a tensão se
estampando em seu rosto e na forma como tenta se conter no espaço à minha
frente. Me desculpe por não ter vindo. Eu deveria ter vindo. Queria ter vindo.
Tentei mandar mensagem, mas eu não tenho o seu número.
Franzo a testa e respondo à última frase.
Como isso é possível?
É estranho que alguém que conheço, nem que seja de vista, há alguns anos, não
tenha meu número de celular. Acho que o Clint, do corpo de bombeiros, tem meu
número.
Caleb parece frustrado.
Não sei.
Você poderia ter ligado pra padaria.
Seu rosto se contrai. Fica óbvio que ele não tinha pensado nisso.
Acho que poderia. Ele tira a mão do rosto e pede, impaciente, com dois
dedos. Meu olhar se xa nesse movimento discreto e gradual. Celular, por
favor.
Coloco a bandeja de pães no balcão e puxo meu celular. A ponta de seus dedos
roça nos nós dos meus quando ele o pega, o toque suave. Ele dá um sorriso
discreto quando vê a capinha rosa de cupcake do aparelho, sua expressão mal-
humorada se suavizando.
Vou levar você pra sair amanhã anuncia.
Ergo as sobrancelhas e pisco algumas vezes, desviando o olhar de onde ele está
escrevendo em minha tela.
Ah, é?
Ele murmura em con rmação.
Pego você às seis e meia. Ele me devolve o celular, os olhos castanho-
escuros procurando os meus. Consigo distinguir, neles, manchas douradas na luz
da tarde que entra pelas grandes janelas. Um sorriso se forma no canto de sua
boca.
Coloco uma mecha de cabelo atrás da orelha. Estou com di culdade em
entender a situação. Alguns segundos atrás, eu estava reabastecendo a vitrine de
pães e, no segundo seguinte, Caleb está entrando pela porta da frente. Achei que
não o veria de novo por mais quatro ou seis meses, quando poderíamos ngir que
a carona em seu jipe nunca aconteceu.
Eu o noto me observando.
O que foi?
Nada diz, seu sorriso se transformando em algo mais selvagem. Você
está bonita hoje.
Eu sempre estou bonita.
Ele traça o lábio inferior com o polegar, seu olhar indo dos meus olhos até a
curva do meu queixo. A inclinação do meu pescoço. Meu avental vermelho-vivo
com desenhos de moranguinhos.
É verdade responde baixinho.
Ele limpa a garganta e pisca para a minha vitrine de vidro transparente, e um
som profundo sai de sua boca. É o som da mais pura e verdadeira admiração. Sinto
o calor subir pela minha nuca.
Isso são pães doces?
Eu limpo a palma das mãos no avental, meu rosto quente.
São, sim. Fico chocada em perceber como, de repente, estou tão
interessada na aparência, nos sons e no comportamento de Caleb. Está tudo
misturado com nossas brincadeiras amigáveis, minha percepção geral dele. Ele me
virou de pernas para o ar, sou a mais pura confusão. Limpo a garganta. Quer
um?
A julgar pela cara que faz, ele quer muitos. Mas tudo o que faz é passar a língua
no lábio inferior enquanto continua encarando os pães. Levo a mão ao pegador e
agarro um pão doce ainda quente com cuidado. Balanço o pão em frente ao rosto
dele.
Caramelo com or de sal provoco com a voz melodiosa.
Eu não deveria comer. Ele já está se aproximando, como um marinheiro
bêbado levado pela luxúria.
Ah, deveria, sim.
Caleb olha para o pão como se nunca tivesse visto nada tão tentador em toda a
sua vida. Seus olhos cam pesados, e uma respiração profunda começa em seu
peito e desce pelos ombros. Bochechas rosadas. Esse é um olhar feito para a calada
da noite. Para mãos que agarram e peles suadas. Sua língua aparece no canto da
boca de novo, a palma da mão trabalhando em seu maxilar. A outra mão está
apoiada no balcão, o antebraço exionado. Olho xamente para os cinco
centímetros de pele expostos por sua manga dobrada.
Por que você só come croissants de manteiga, Caleb? Mantenho minha
voz baixa. Animada. Provocante. Ele faz outro som suave. Há um mundo
inteiro de sabores esperando por você.
Ele pisca para desviar o olhar da guloseima em minha mão e se sacode para sair
de seu estupor. Ele me olha nos olhos.
Isso é jogo sujo.
Dou uma risadinha e coloco a sobremesa na sacola para viagem.
Você não faz ideia. Há poucas coisas que eu goste mais de fazer do que
alimentar as pessoas. Seguro a sacola sobre o balcão para que ele a pegue. Sim,
vou sair com você amanhã, mas, se me deixar esperando de novo, vamos encerrar
esse acordo. Não quero ser enrolada.
Não por você. Essa parte guardo para mim mesma.
Não vou responde, seus olhos perdendo um pouco do brilho do caramelo
com or de sal. Juro que não vou. Não era minha intenção.
Meu estômago se contorce e se contrai.
Estou me arriscando e suspendendo minha regra de não namorar ninguém
da cidade.
Ele parece achar graça, mas não ri.
Bom… Ele para de repente e coça uma vez atrás da orelha.
Bom o quê?
Na teoria, não estamos namorando, certo?
Tá bom. Balanço a sacola de papel para a frente e para trás, talvez com um
pouco mais de agressividade do que deveria. Estou suspendendo minha regra
de não sair com homens que conheço da cidade.
Ah, sei. Agora eu entendi.
Tá bom, então.
Tá bom concorda. Venho buscar você amanhã.
Ele pega a sacola da minha mão e se afasta.
Observo, entretida, enquanto ele desvia da maçaneta da porta.
Até amanhã, então!
Ele acena com a mão sobre a cabeça e desaparece nos degraus. Passa por entre as
árvores que abraçam a passagem, cada passo seguro nas lajes de pedra. Ele
desabotoa o colarinho enquanto se move no calor do verão, e tenho um ashback
daquela maldita camisa havaiana.
Abacaxis.
Flores.
Clavículas.
Meu celular vibra no balcão.
Abro a mensagem e encontro uma foto de Caleb, metade do rosto enquadrado, a
maior parte da imagem ocupada por um pão doce com uma mordida monstruosa
faltando. Suas bochechas estão cheias, o sorriso fazendo as rugas dos olhos
carem mais profundas.
Um “ah” suave escapa da minha boca sem permissão.
E ele tem a coragem de falar que a perigosa sou eu.
Caleb
O melhor que já provei.

Deixo escapar uma risada.


Respondo à mensagem.
Layla
Pode ter certeza disso.
6
CALEB

VOCÊ É cheio de surpresas diz Layla, com as mãos apoiadas na cintura


enquanto olha para o lugar onde estamos. Também estou olhando, porém mais
concentrado no banner que parece prestes a cair. As palavras um pouco tortas para
a esquerda, “Deixa Rolar”, estampadas em letras neon. “Pista de patinação e
parque de diversões” em negrito logo abaixo.
Mas, então, Layla morde o lábio inferior e eu me distraio por uns doze segundos.
Ela se vira para olhar para mim.
Acho que nunca vim aqui antes. Você ganhou uns bons pontos pela
originalidade.
Uma onda de inquietação me atinge em cheio no peito.
Vai ter uma pontuação?
Ah, com certeza. Você disse que queria um parecer, e pretendo ser bem
minuciosa.
Eu tinha esperança de que você tivesse esquecido essa parte murmuro,
mais para mim mesmo do que para ela. Desde que entrei de repente na padaria e
exigi o celular dela, não consegui me acalmar mais. No que mais estou sendo
avaliado?
Um sorriso malicioso se forma nos cantos da boca dela.
Ah, é claro que você adoraria saber.
Com certeza. Então me conte.
Ela dá de ombros.
Não vou entregar de bandeja.
Nem uma dica?
Ela balança a cabeça.
Eu me balanço para a frente e para trás e en o as mãos nos bolsos de trás. Ela
ca bem assim, sorrindo, provocadora. Muito melhor que aquele olhar triste e
tímido do outro dia no bar da praia, que a fazia se apagar e parecer pequena.
Se consigo fazê-la sorrir assim, acho que estou no caminho certo.
Um pouco da ansiedade que estava em meu peito se dissipa.
Mas volta a aumentar quando um grupo de adolescentes passa correndo por
nós. Franzo a testa ao vê-los entrar pelas portas. Não deveria haver ninguém além
de nós esta noite. Eu pedi um favor e reservei a pista só para Layla e eu.
Pelo menos achei que tinha feito isso.
Eu me lembro muito bem da conversa que tive ao telefone com Oliver, o
proprietário. Promessas foram feitas. Datas foram marcadas.
As portas da pista de patinação se abrem e o barulho ecoa como uma explosão.
Adolescentes gritando e algo que soa vagamente como a música do Flo Rida.
Acho que promessas não foram feitas. Datas não foram marcadas.
As instruções que dei para Oliver eram simples. Queria a pista só para mim por
uma hora. O sistema de som conectado ao meu celular. Dois pares de patins e
jantar na lanchonete.
Vinte e seis mil adolescentes cheios de hormônios não estavam inclusos nesse
pedido.
Franzo a testa para a porta.
Isso Layla está confusa não é o que você tinha planejado?
Não exatamente. No ano passado, ajudei Oliver a conseguir todas as
licenças para abrir a pista para a temporada de roller derby. Ele me ofereceu uma
temporada grátis no Deixa Rolar como forma de me agradecer, mas achei que não
era necessário. Agora era a hora de ele me pagar esse favor.
Ah, era pra estar fechado para o público.
A pista era só pra nós dois? As sobrancelhas de Layla se erguem.
Eu assinto.
Aham.
Ela olha para mim por alguns instantes e depois para a pista de patinação.
Acho que ninguém nunca reservou nada pra mim antes comenta
baixinho.
Será que exagerei? Coço a nuca e aliso o cabelo para baixo. Não achei que uma
pista de patinação por uma hora em uma sexta-feira à noite fosse algo tão
impressionante. Ou talvez seja, não sei. Talvez seja demais.
Talvez eu esteja me esforçando demais.
É o que você merece, lembra? pergunto com delicadeza.
Ela sorri para mim, o sol difuso de verão fazendo-a brilhar.
Sim responde com uma espécie de alegria comedida.
Meus pés se movem sem meu consentimento, dois passos à frente até que eu
possa ver as tímidas sardas sobre a ponte de seu nariz. Ela inclina a cabeça para
trás e me recebe em seu espaço. Aponto para as portas com a cabeça.
Se você quiser, a gente pode fazer outra coisa. Acho que a gente pode acabar
traumatizado lá dentro.
Será que vai ser tão ruim assim? Você vai estar comigo. Ela ergue o queixo,
e sinto o cheiro de massa folhada douradinha, recém-saída do forno. Algodão-
doce e granulados coloridos. Caramba, ela tem cheiro de sobremesa.
Vou, sim asseguro. Mas eu acho que deveria ter perguntado se você
sabe patinar.
Não patino desde que era criança. Ela dá de ombros, como se não fosse
nada de mais. Mas vamos dar um jeito nisso juntos.
Ao menos ela está vestindo uma roupa apropriada para andar de patins, ainda
que bastante inapropriada para que eu mantenha a situação sob controle. Short
curto com as barras des adas. Uma regata de um laranja bem vivo e um lenço
verde-água enrolado no cabelo curto. Camadas de colares dourados que re etem a
luz. Muitas cores vivas, vibrantes.
Podemos ir ao iperama em vez disso proponho.
A noite é uma criança. Vamos deixar acontecer.
Ela estende a mão para mim e me segura pelo braço, me puxando com força para
entrarmos no prédio. Quanto mais nos aproximamos, mais altas cam as batidas
da música. Faço careta de novo. Parece… “ e Electric Slide”? Talvez?
Layla abre a porta e sou sufocado pelo cheiro de frango frito e spray
desinfetante. Couro e pipoca. Parece que todos os alunos do ensino médio estão
na pista neste instante. Vejo Jeremy passar, desviando e cortando os outros
patinadores a uma velocidade vertiginosa. Seguro um resmungo de frustração.
Por favor, não me avalie só por isso.
Não posso prometer nada. Layla ri. Ela aperta meu braço de novo. Acho
que gosto um pouco demais disso. Você está indo bem, Caleb. Não tentou
passar um removedor de apos em mim nem tirou uma venda do bolso de trás.
Até agora, está tudo ótimo.
Olho para o topo da cabeça dela, preocupado.
Quem tentou colocar uma venda em você?
Ela me ignora e nos faz continuar andando.
Vamos patinar.
Quando atravessamos a horda de adolescentes, a impressão é de que todos estão
grudados no celular, chorando em seus grupos ou gritando a plenos pulmões.
Quando, en m, chegamos até Oliver no balcão, estou perturbado e irritado. Oliver
olha para mim e arregala os olhos.
Ai, merda sussurra , você quis dizer essa sexta.
Layla murmura e pega um par de patins em cima do balcão, dando um tapinha
no meu quadril antes de desaparecer para encontrar um banco para trocar de
sapato. Acho que também gosto um pouco demais disso. Se um apertão no braço
e um tapinha na cintura me deixam assim, preciso encontrar algum tipo de válvula
para aliviar a pressão.
Volto a olhar para Oliver e tento controlar minha frustração.
É claro que eu quis dizer essa sexta. Foi exatamente isso que eu falei. Essa
sexta.
Foi mal, cara. É a Noite do Ensino Médio.
Olho por cima do ombro e conto pelo menos sete de meus alunos. Jeremy já
está pendurado na grade, acenando como um lunático. A dor de cabeça começa a
surgir atrás dos meus olhos, no ritmo da batida de “boogie woogie, woogie”.
Pelo menos você se lembrou de colocar a comida no forno como eu pedi?
Oliver faz uma careta e coça o canto da boca. Há uma mancha vermelha em seu
colarinho que suspeito ser bastante parecida com o molho marinara da pizzaria do
Ma y. Sendo mais especí co, o molho marinara que Ma y usa na beringela à
parmegiana. A beringela à parmegiana que eu comprei, trouxe para cá e guardei na
geladeira nos fundos da lanchonete para o jantar de mais tarde.
Achei que você tinha me trazido um lanchinho.
Eu encaro Oliver.
Achou que eu tinha trazido um lanchinho pra você?
Gosto de pensar que sou uma pessoa paciente. Gentil, grande parte do tempo.
Mas nunca tive pensamentos tão sombrios e perigosos como os desta semana.
Quando parece que minha família, toda a escola, o proprietário da pista de
patinação e todos os seres deste mundo estão conspirando contra mim.
Oliver dá dois passos para trás, se afastando do balcão em que entrega os patins
alugados.
Caleb. Layla me chama de seu banco, com um dos patins no pé e o outro
na mão. Ela escolheu um par com pequenos crânios e ossos cruzados, cadarços
rosa-vivo e rodas roxas neon.
Ficam bem nela.
Pego meus patins. Os meus têm cachorros-quentes dançantes, a nal, por que
não teriam? Estreito os olhos para Oliver.
Agora você me deve dois favores. Três, se incluirmos a beringela à
parmegiana.
Ele engole em seco e concorda, nervoso.
Pode deixar, cara. Aproveitem a pista.
Não me dou ao trabalho de responder. Ia aproveitar mais a pista se ela tivesse
sido reservada só para nós, como pedi, e eu pudesse tentar segurar a mão de Layla
sem ter Jeremy Roughman gritando comigo do outro lado do ambiente. Agora,
vou ter que me esquivar da minha turma de espanhol do ensino médio e gritar
mais alto que o Cupid Shuffle.
Desabo no assento ao lado de Layla.
Sinto muito, de verdade.
Era para eu mostrar para ela como as coisas podem ser boas. Não a incentivar a
voltar para o mercado dos encontros.
Eles têm nachos aqui, Caleb. Ela en a o pé no outro patim e se atrapalha
com os cadarços. Afasto a mão dela e apoio seu tornozelo no meu joelho,
desatando o nó. Ela expira, um tanto instável, e me observa. Você continua
com muitos pontos.
Puxo e aperto os cadarços até carem perfeitos, me concentrando na tarefa, e
não na minha mão, que está em volta da pele nua de seu tornozelo, para mantê-la
rme.
Acho que está bom.
Layla me cutuca com seu patim perfeitamente amarrado.
Sério, Caleb. Está tudo bem. Vamos nos divertir um pouco, tá?
Para meu azar, não consigo descobrir como fazer isso.
Não sei a quem culpar. Oliver, por não ter feito exatamente o que pedi. Ou a
mim mesmo, por ter pensado que essa era uma boa ideia, para começo de
conversa.
Ou Jeremy, por patinar a cerca de um metro atrás de mim e de Layla o tempo
todo, fazendo seus incríveis comentários e sugestões.
Cara, você precisa se equilibrar. Equilíbrio. São quatro rodas embaixo dos
pés, não entendo por que toda essa di culdade.
Eu o ignoro e me sento na pista, os braços largados sobre os joelhos. Layla
derrapa até parar mais à frente e depois volta para onde estou jogado no chão.
De novo.
Por que você me trouxe em uma pista de patinação se não sabe patinar?
pergunta Layla, tentando me ajudar a me levantar. Mas ela está rindo muito, e
meus pés escorregam toda vez que consigo ganhar impulso, como um daqueles
personagens de desenho animado presos no lugar, com os pés escorregando
embaixo deles.
Achei que seria fácil aprender digo ofegante, afastando as mãos dela com
um tapinha e rolando para car de lado. Eu me apoio em meus joelhos e tento me
equilibrar. Talvez eu que aqui no chão mesmo. Quero passar o resto dos meus
dias neste piso brilhoso e escorregadio.
Vou car com hematomas na bunda pelos próximos dois a cinco anos. Vai ser
uma vitória se conseguir sair vivo desta pista. E, para ser sincero, a morte parece
mais atraente do que essa humilhação contínua.
Use os braços grita Jeremy do outro lado da pista, as mãos em concha ao
redor da boca. É questão de equilíííbrio.
Meu Deus.
Eu o ignoro e inclino minha cabeça na direção de Layla, que está em pé, no mais
impecável equilíbrio, perfeitamente imóvel ao meu lado.
Li na internet que pistas de patinação são nostálgicas e românticas
confesso. Pensando melhor, acho que gastei tempo demais nessa ideia. Achei
que você ia gostar.
Um garoto da minha turma de espanhol patina um pouco perto demais dos
meus dedos espalmados, e eu cerro os punhos. Em algum lugar ao longe, meus
alunos estão começando a cantar em coro.
Vamos, señor Alvarez. Se levante.
Que maravilha.
E eu gostei.
Layla me segura pelos pulsos enquanto me ajuda a me levantar, encostando a
bunda na parede para se apoiar. Ela continua me segurando enquanto procuro me
equilibrar, de pé e curvado na frente dela. Nessa posição, quase consigo encostar o
queixo no topo de sua cabeça. De alguma forma, os pés dela estão parados. Tão
estáveis que chega a ser irritante. Fico olhando para as discretas ores no lenço
verde-água retorcido no cabelo e tento me concentrar.
Não sou melhor do que aquele cara com o removedor de apos. Ou o cara que a
levou até aquele bar na praia e depois a deixou sozinha. Eu a trouxe a uma pista de
patinação lotada na Noite do Ensino Médio e eles já colocaram “Call Me Maybe”
para tocar umas treze vezes. O ar fede a chulé, a hormônios e ao corredor de
desodorantes de uma enorme loja varejista. Teria sido mais fácil levá-la direto para
o inferno.
Ela pisca para mim, os olhos cor de avelã brilhando mais que a droga da bola de
discoteca. Uma emoção que não sei nomear aparece nos cantos de seus lábios,
mas estou concentrado demais em não quebrar todos os ossos do meu corpo e,
por consequência, os dela, quando acabar fazendo nós dois cairmos na tentativa
de descobrir.
Ela deve estar se perguntando quantas voltas ainda tem que dar antes de ir
embora. Se vale a pena car para comer um pretzel macio ou se é melhor
esquentar algo no micro-ondas em casa.
Layla ajusta o aperto de mão até que suas palmas estejam pressionadas contra as
minhas. Aperta uma vez e começa a patinar de costas, devagar.
Vamos falar dessa pesquisa que você fez.
Não vamos, não.
Era um artigo do BuzzFeed?
Olho para nossos pés, assumindo minha culpa.
Era um artigo acadêmico muito quali cado.
Sobre pistas de patinação.
Isso. Até citaram algumas fontes hesito. Queria que você se divertisse,
mas acho que exagerei.
De novo.
Ela não diz nada em resposta. Seu rosto se assenta em uma expressão suave,
contemplativa. Já vi esse olhar antes. Normalmente quando ela está com uma
espátula minúscula na mão e a língua entre os dentes, inclinada na altura do bolo,
na beirada do balcão.
Ela patina em uma curva, ainda de costas, me puxando junto. Devagar, devagar,
devagar. Jeremy passa por mim e grita algo vagamente encorajador.
Vai com tudo! Eu não olho para nada em particular.
Caleb?
O quê?
Ela aperta minhas mãos.
Caleb. De novo. Mais suave desta vez. Uma risada na ponta da língua.
Paro de tentar abrir um buraco no holofote de luzes coloridas com o olhar e
olho para Layla, que está com o rosto inclinado em direção ao meu. Sua pele
brilha sob as luzes irregulares, um toque de rosa-pálido nas maçãs do rosto altas.
Seus olhos parecem quase verdes na escuridão da pista, o cabelo roçando a parte
superior de seus ombros. Ela parece feliz.
O quê? pergunto, atordoado com aquele olhar. Quero dobrá-lo e colocá-
lo no bolso da carteira. No lugar onde guardo uma moeda de um centavo que meu
abuelo me deu e meu cartão de delidade da barraca de raspadinha.
Eu gostei da pista de patinação. Os polegares de Layla roçam nos nós dos
meus dedos. Nota dez.
PARE COM isso.
Me desculpe sussurra ela em meio a outra risada. Não consigo evitar.
Layla não parou de rir desde a minha última grande queda, quando meu
cotovelo atravessou um dos aparadores de madeira e eu quei tão preso, que
Oliver praticamente teve que me arrancar de lá. Vi seis adolescentes com celulares
apontados na minha direção. Não quero nem saber o que vou encontrar nas redes
sociais daqui a vinte minutos.
Aperto os lábios para disfarçar o sorriso e pego um nacho da bandeja dela. Layla
tenta se acalmar, mas basta olhar para o meu cotovelo para cair na gargalhada de
novo. Ela se joga de costas na grama alta atrás da pista de patinação, as mãos
segurando a barriga.
Tudo bem, já chega.
Acho que não. Ela consegue dizer enquanto respira fundo duas vezes,
arfando e ofegando.
Eu olho para o estacionamento e mordo meu nacho.
É culpa dos band-aids declara com um suspiro. Ela estende a mão e passa
o dedo na borda de um curativo amarelo-vivo do Garibaldo. Um dos muitos ao
longo do meu braço. Você disse que não precisava, mas o Oliver insistiu em
colocar.
Que tipo de pista de patinação não tem curativos comuns?
Não sei. O Grover combina com você. Ela desce a mão até meu antebraço,
onde três outros curativos estão colados. Toca o rosto azul do integrante da Vila
Sésamo logo acima do meu pulso. Eu nem me cortei ali. Não sei o que se passou
na cabeça do Oliver.
Pego outro nacho.
Eu não estava no meu melhor esta noite.
Eu não diria isso rebate. Teve diversão, jantar. Ela aponta com a
cabeça para a bandeja de nachos entre nós. E sobremesa, se você me levar lá
dentro pra comer churros. Foi muito melhor do que meus encontros costumam
ser, se você não me abandonar no estacionamento quando acabar.
Estreito os olhos para ela.
Esse encontro não deveria estar nem perto do topo da sua lista, Layla.
Ela dá de ombros.
Sou eu quem decide isso, não você.
Ela se reclina, apoiada nos cotovelos, o corpo em uma curva suave contra a
grama. É o m do verão e parece que o anoitecer demora mais a chegar, o sol
brilha rme e forte no céu logo acima do horizonte. O vento quente sopra pelo
pequeno canteiro em que estamos, as ervas daninhas e as ores balançando ao
nosso redor. Sopra no cabelo dela, fazendo a ponta do lenço esvoaçar e passar por
seu pescoço nu. Eu sei reconhecer uma tentação quando a vejo.
Eu me pergunto se a pele ali tem um gosto tão doce quanto a calda de mel que
ela usa. Ou se o sabor é mais forte, como o da ganache de chocolate grossa e
pesada que coloca em alguns dos bolos. Eu me pergunto se eu caria com o gosto
dela em minha língua por horas. Se a desejaria com tanta intensidade.
Caleb.
Eu me forço a desviar o olhar da curva de seu pescoço, minhas bochechas
cando quentes. Em vez disso, olho para o céu, para as nuvens brancas e fofas que
passam devagar. Layla e eu não teremos esse tipo de relacionamento. Temos um
acordo.
O quê?
Eu disse “Talvez seja melhor a gente decidir como vamos fazer”.
Como vamos fazer o quê? Dividir os nachos? Empurro a bandeja na
direção dela. Eu já disse que você pode car com o queijo.
Não. Ela parece entretida. Nosso acordo. Da última vez que falamos
disso, você invadiu minha padaria e exigiu meu celular, todo irritado.
Ah. Esfrego a sobrancelha com um dedo. Foi exatamente isso que z.
Sim, você tem razão. Aliás, me desculpe por aquilo. Eu estava… estressado.
Está tudo bem?
Aham. E está tudo bem. Supondo que o machucado da queda na parede da
pista de não tenha infeccionado. Do que você queria falar? Acha que a gente
devia criar algumas regras?
Ela faz uma careta.
Não, acho que não precisa. Faz parecer que é… Ela se interrompe,
procurando as palavras certas.
De mentira?
Sua expressão ca mais tranquila, mais suave e os olhos, mais brilhantes. Sob a
luz do sol, eles combinam com a grama ao nosso redor. Verde- oresta.
Manchinhas marrons no meio.
É, isso mesmo. Eu não quero.
Eu também não.
Ótimo.
Layla pega uma folha de grama e a segura entre o polegar e o indicador, me
observando o tempo todo.
Por que você está fazendo isso, Caleb?
Eu já disse. Eu me certi co de retribuir o olhar dela. É importante que
acredite em mim. Que entenda que estou falando a verdade. Tenho tido certa,
hum, di culdade nos meus encontros. E preciso que você me ajude a descobrir o
porquê.
Ela inclina a cabeça para o lado e examina meu rosto. Sinto seu olhar se arrastar
como um dedo contra minha bochecha, virando meu rosto na luz para avaliar.
Você andou levando alguém pra andar de patins?
Só você.
Hum.
O que foi? pergunto. Esse hum.
Signi ca que ainda não cheguei a uma conclusão. Temos mais trabalho a
fazer. Mais encontros pra ir, coisas pra descobrir.
Eu tento conter o sorriso.
Acho que sim.
Ótimo.
Desta vez, não tento conter o sorriso. Ele surge de dentro de mim.
Excelente.
Ela pega outro nacho e coloca uma quantidade absurda de queijo derretido nele.
O que você acha? Um mês?
Como ela consegue dar uma mordida delicada naquela monstruosidade, eu
nunca vou saber.
Um mês parece bom.
Dois também. Ou quatro. Poucas coisas soam melhor do que me sentar ao lado
de Layla, comendo nachos meio murchos na grama atrás do Deixa Rolar.
Mas esse é exatamente o impulso que estou tentando refrear com esse pequeno
experimento. Quando percebo o indício de algo começando, me jogo de cabeça,
me dedico de corpo e alma. E depois co em dúvida. Penso demais. Tento alugar
uma pista de patinação para um único encontro com a garota de que gosto.
Demais. Rápido demais.
E se um de nós quiser terminar, não importa o motivo, acabou. Sem
explicações.
Parece justo. Pego um pouco de molho e, de alguma forma, consigo
derramá-lo sobre meu peito. Dou um peteleco em uma cebola e a vejo voar pela
encosta da colina. E durante esse mês seremos só nós dois. Não vou sair com
mais ninguém.
Não menciono o fato de que ninguém desperta meu interesse já faz algum
tempo. Tenho andado bastante ocupado comendo croissants de manteiga e
encomendando uma quantidade ridícula de bolos personalizados. Layla me
observa, uma mecha de cabelo dançando em sua bochecha. Quero ajeitá-la com
cuidado atrás de sua orelha. Quero passar os nós dos dedos em sua pele e sentir
como ela é macia.
Eu também não vou sair com mais ninguém declara. É um experimento,
lembro a mim mesmo. Isso é um experimento. A onda de prazer que sinto ao pensar
que Layla passará seu tempo só comigo não é apropriada.
Não é como se eu estivesse abrindo mão de muita coisa acrescenta ela ,
meus encontros têm sido horríveis.
Com sorte, vamos consertar isso, apesar desse belo desastre com os patins.
Ela se anima.
Esse desastre com os patins foi incrível, muito obrigada.
Eu me ocupo com outro nacho da bandeja enquanto observo a luz do sol
derretendo sobre sua pele. Vermelho, dourado e um laranja profundo. Parece que
ela foi feita para estar exatamente aqui, esparramada na grama ao meu lado, com a
bainha des ada de seu short contra a pele sedosa das coxas. Sinto uma pontada
em todo o meu lado esquerdo por ter caído repetidas vezes, mas também sinto
outra na base da coluna. Na palma das mãos.
Uma última pergunta diz.
Pisco para olhar para o rosto dela. Estou acostumado com um metro e meio do
balcão entre nós e com os aventais coloridos amarrados ao pescoço. Estar sentado
tão perto de Layla e ter toda a sua atenção voltada para mim é um exercício de
resistência.
Diga. Minha voz sai rouca. Limpo a garganta.
O sorriso de Layla se transforma em algo enorme. Mais radiante que as cores
que dançam em tas no céu.
Quando você vai me levar pra sair de novo?
7
LAYLA

QUE BAGUNÇA é essa?


Becke dá um pulo quando encosto meu ombro no batente da porta dos fundos
da padaria, uma xícara de café nas mãos. Com certeza ele não esperava que eu
estivesse aqui hoje. Aposto que estava contando exatamente com isso, se a tela de
galinheiro enrolada em seus braços e a expressão de culpa meio sombreada pela
aba do boné de beisebol servirem de indicação.
Ele pisca algumas vezes. Tomo um gole da minha caneca. É assim que noventa
por cento de nossas conversas começam e terminam.
Não estou fazendo nada diz, como se não estivesse com uma viga de
madeira apoiada no ombro.
Hum.
Não digo mais nada. Ele se mexe, desconfortável. Bom, tanto quanto um
homem do tamanho dele, segurando todos os suprimentos para um galinheiro
entre seus enormes braços tatuados, pode se mexer.
Ele suspira e deixa tudo cair no chão em um estrondo. Cruza os braços e faz uma
careta para mim.
O que você está fazendo aqui? exige saber.
Eu trabalho aqui respondo com calma.
Não nas manhãs de sábado.
Tomo mais um longo gole de café da minha caneca. Becke se remexe em
silêncio.
Demoro um pouco para dizer:
Bom saber que isso foi premeditado.
As galinhas precisam de um lugar pra morar, tá? Não quero estar no
supermercado e me perguntar se a Delilah está na prateleira de frango.
Delilah?
Ele me olha xamente.
É o nome dela.
Claro que é.
Por que você não constrói uma casa para a Delilah no seu quintal?
Ele murmura alguma coisa.
Como é que é?
Ele olha para cima e revira os olhos, encarando as grandes nuvens brancas e
fofas que se espalham pelo céu. Está quente, o calor pressiona a pele nua dos meus
braços, subindo pelo pescoço. Becke coça a nuca e ajusta o boné de beisebol até
que que virado para trás.
A Evelyn me proibiu explica , depois da Clarabelle.
É verdade. A vaca que ele resgatou daquela fazenda caindo aos pedaços na
Virgínia. Ela era mantida em um curral de concreto, com bolhas na barriga e nas
costas. Agora ela vive no pasto atrás da casa de Becke , pastando à vontade. Ele
faz coroas de ores para ela, tenho certeza.
Ele hesita.
E da Zelma.
Outro pato. Além dos quatro gatos que ele adotou antes e do pato que já vive na
estufa. Ainda bem que a casa dele é enorme, nos con ns do terreno da Lovelight.
Ele é o administrador do próprio santuário de animais por lá.
Quando a Evelyn volta?
Amanhã.
Ótimo. Talvez ele pare de se esgueirar pelo terreno, então. Eu me afasto do
batente da porta e o chamo para entrar.
Venha. Fiz pão de abobrinha.
Ele me segue sem dizer mais nada, deixando a pilha de madeira, arame e sabe lá
Deus o que mais no chão. Talvez eu possa pedir a Luka que esconda tudo
enquanto Becke estiver ocupado comendo. Apesar de que Luka deve estar
embaixo de quarenta e sete edredons na casa de Stella, roncando alegremente
nesta manhã de sábado.
Becke se joga em um banco na extremidade oposta da minha mesa de trabalho,
com o queixo apoiado na mão, as tatuagens que se estendem ao longo de seus
braços à mostra sob luz da manhã. Ele percorre a cozinha com o olhar, procurando
o pão de abobrinha com o qual o tentei a entrar.
Parte de mim quer mantê-lo ali até que eu consiga convencê-lo a parar de tentar
construir um galinheiro no meu quintal, mas uma parte ainda maior quer se livrar
de algumas dessas sobras para as novas fornadas que vou assar hoje de manhã.
Sempre valorizei mais a praticidade que a punição.
Ali dentro. Aponto para uma pequena bandeja de metal com árvores
dançantes impressas nas laterais e coberta com papel-alumínio na beirada do
balcão. Sem gotas de chocolate dessa vez. Foi mal.
Becke faria praticamente qualquer coisa por uma fatia de pão de abobrinha.
Certa vez, quando Stella declarou, toda presunçosa, que tinha pegado a penúltima
fatia, ele empurrou Luka de cabeça em uma árvore para subir os degraus da
padaria primeiro.
Ficamos sentados em silêncio, Becke com seu pão, eu com a massa de donut
em que estava trabalhando antes de ouvi-lo nos fundos. Não costumo vir aos
sábados de manhã, é verdade, mas estava me sentindo inquieta. Acordei e pensei
em Caleb no mesmo instante. Aquelas malditas covinhas. Enquanto servia meu
café, continuei a pensar nele após sua última queda, estatelado no chão da pista, o
braço longo cobrindo os olhos.
As imagens cavam vindo à minha mente como em uma ta de lme antigo. A
linha de seu maxilar. O polegar no lábio inferior e uma gota de molho na frente da
camiseta. Pernas longas estendidas na grama. Ele não é nada do que eu esperava
que fosse.
Foi o encontro mais divertido que já tive.
Que cara é essa que você está fazendo?
Volto a misturar a massa.
Que cara?
Becke estreita os olhos para mim.
Esse sorriso estranho. Ele tenta imitar meu sorriso, as bochechas cheias de
pão de abobrinha. Parece ridículo. Nunca vi você com essa cara antes.
Bom, eu não consigo ver meu próprio rosto, não é mesmo? Eu me irrito.
É. Ele revira os olhos e volta a comer o pão. Misturo a massa até meu
braço começar a doer. Ele murmura alguma coisa que soa vagamente como
irritadinha.
Você… Hesito, sem saber se quero fazer a pergunta que tem me
incomodado. A pergunta em que penso mais quando estou com ele e a Evelyn, a
Stella e o Luka. A cada vez que observo um casal passando juntos, em perfeita
sincronia, pelas portas da frente da padaria.
Becke me observa com mais paciência do que mereço, a bandeja de pães
aninhada entre as mãos.
Eu o quê?
Você achava que ia encontrar alguém antes? Engulo o nó em minha
garganta. Você achava que algum dia encontraria a Evelyn?
O rosto dele se transforma ao ouvir o nome dela, uma calmaria se instalando em
seus ombros.
Não responde. Ele inclina a cabeça para o lado e passa a palma da mão no
queixo. Não achava. Não sou a pessoa mais sociável do mundo e eu… eu tenho
di culdade pra me relacionar com as pessoas. Você sabe disso.
Becke tem problemas com interações sociais, espaços pequenos e barulhos
altos. Ele leva algum tempo para se acostumar com as pessoas, para começar a
conversar. Suspeito de que seja por isso que passe tanto tempo nos campos. Na
quietude, ele pode se recompor com mais calma.
Mas a Evelyn viu partes de mim que ninguém mais tinha visto e decidiu que
queria car com elas. Eu também queria car com as dela. Sou… ele limpa a
garganta sou muito grato por isso. E eu, hum, acho que você deve ter notado
que ca meio difícil pra mim quando ela não está por aqui.
O homem tem andado pela fazenda todo mal-humorado, como se alguém
tivesse tirado o brinquedo favorito dele. Evelyn viaja por causa do trabalho com a
Coligação dos Pequenos Negócios Americanos, ajudando pequenas empresas
como a nossa em todo o país a se adaptarem ao mundo digital. Ela é incrível no
que faz. Só que deixa um fazendeiro mal-humorado para o resto de nós sempre
que viaja.
Olho para ele achando graça, ainda trabalhando na massa. É bom que estes
sejam os melhores donuts da costa Leste quando eu terminar.
Becke me dá um sorriso sem graça, recolhendo as migalhas no fundo da
bandeja com a ponta dos dedos.
Você vai encontrar alguém, Layla.
Todo mundo diz isso, mas eu não tenho tanta certeza confesso. Queria
algo que fosse só meu. Alguém, talvez. Meu e só meu. Sorrisos secretos, toques
tranquilos e lábios pressionados contra minha nuca. Afeto fácil e conforto no dia a
dia. Coloco a tigela com a massa de lado e pego uma bandeja. Você acha
mesmo que alguém vai querer essas partes de mim?
Ele dá de ombros.
No mínimo, vão querer esse pão.
Arremesso uma espátula na cabeça dele.
STELLA ME INTERROMPE no meio da terceira fornada de donuts, empurrando a
porta dos fundos com força para fazê-la bater contra a parede. Uma cascata de
aventais e lenços de cabeça cai sobre ela, rosa-bebês, roxo-vivos e uma lona grossa
com quebra-nozes dançantes que tenho certeza de que era uma piada, mas que
adoro usar o ano todo mesmo assim. Ela quase não consegue passar pelo
mundaréu de tecidos.
Tenho novidades anuncia com um lenço laranja cobrindo a parte de cima
do rosto. É uma pena que Becke já tenha ido embora. Acho que ele gostaria mais
disso do que do meu pão de abobrinha.
Você descobriu um jeito melhor de lidar com a papelada do que jogar tudo
na gaveta de baixo e esperar por um milagre.
Haha. Ela afasta o lenço laranja e passa a brigar com um lenço azul-claro.
Não. Mas o Luka continua fazendo o melhor que pode.
Se Luka conseguir fazer com que Stella, en m, seja organizada, terá feito o
trabalho da vida dele. Às vezes, ele espera até que ela saia de casa para reorganizar
todos os armários. Na última vez que ela foi a Anápolis por causa de uma entrega,
ele reorganizou a estante de livros por gênero e cor.
Sinto uma emoção forte no peito. Eu me endireito da minha posição de sempre,
curvada sobre a mesa, e quase mando a bandeja de donuts pelos ares.
O Luka pediu você em casamento?
Posso ter certas dúvidas em relação à minha vida amorosa, mas co muito
animada com a felicidade dos meus melhores amigos. Fica mais fácil ignorar o
titilar de tristeza nos cantos do meu coração, que neste instante está pulando de
alegria.
Quê? Não. Um olho azul-claro me espreita através do tecido transparente.
Não faço ideia de como ela ainda está enrolada ali. Stella afasta o último avental
restante com um suspiro de alívio. Ele acabou de se mudar lá pra casa.
Depois de uma demorada reforma na parte de trás da pequena casa de campo de
Stella, para que Luka tenha espaço para trabalhar e Stella tenha mais espaço para
acumular aromatizantes de pinho e panos de prato com desenhos vintage e sabe-
se lá o que mais.
Faz mais de uma década que vocês estão apaixonados protesto.
Ela coça atrás da orelha.
Mas só faz um ano e pouco que estamos namorando. Sei que vou car com o
Luka pra sempre. Não tenho pressa.
Só mesmo Stella para pensar em uma década como pressa. Encho um saco de
confeitar com a massa.
Fico bem de tons terrosos e rosa-envelhecido, então um casamento no
outono seria a melhor opção.
Vou levar seu comentário em consideração. Mas não é isso o que eu tenho
pra dizer. Stella dá pulinhos do outro lado da mesa. Paro de trabalhar, ainda
segurando o saco de confeitar.
O que foi?
As novidades!
Certo, vamos, conte de uma vez.
Ela se joga no banco que Becke abandonou há três horas, após ter consumido
todas as guloseimas que estavam ao seu alcance.
Esperava um pouco mais de empolgação.
Da minha parte?
É.
Pra um anúncio que não faço ideia do que é?
Stella assente.
Sim.
Tá bom. Ergo um braço no ar e dou um gritinho. Volto a abaixar o braço.
Está bom assim?
Melhor concorda Stella com um sorriso. Porque acabei de receber uma
ligação da Baltimore Magazine e eles querem que você apareça na edição “Os
melhores”.
Pisco repetidas vezes.
Como é que é?
Ela voltou a dar pulinhos, sentada no banco, quase vibrando do outro lado da
mesa.
Eles ligaram agora há pouco. Vim correndo do escritório até aqui, e você sabe
muito bem que eu detesto fazer cardio. Eles disseram que têm visto a padaria em
todas as redes sociais e monitorado as avaliações, e que você não só vai estar na
lista das melhores padarias de Maryland, como também querem fazer uma
reportagem sobre você. Uma reportagem completa. Uma sessão de fotos! Stella
praticamente grita as últimas palavras para mim.
Fotos minhas? Aponto para mim mesma, uma mancha de açúcar de
confeiteiro na minha camiseta.
Suas! grita Stella, projetando metade do corpo por cima da mesa e se
jogando nos meus braços. Seu cotovelo vai parar na minha tigela de massa. O
joelho empurra a bandeja, fazendo com que ela caia. Ela me envolve pelos ombros
e me abraça com força. Seu cotovelo ossudo está cravado em meu pescoço.
Tem certeza? pergunto com a cara en ada no cabelo dela. Não consigo
entender. Minha padaria não tem nem um nome. É só a padaria. E eles querem…
Tem certeza de que falaram de mim?
Falaram o seu nome e falaram sem parar dos seus scones de mirtilo com
cobertura crocante. Eles vão vir daqui a algumas semanas para a entrevista e a
sessão de fotos. Stella se afasta um pouco e balança meus ombros de leve.
Claro que eles querem você. Você é incrível.
Querem fazer uma reportagem sobre mim. Tento pronunciar as palavras.
Ainda me parece incrível demais para acreditar. Querem que eu apareça na
revista.
Stella sorri, o olhar suave. Ela aperta meus braços no mesmo ritmo um-dois-três
que sempre vejo Luka fazer com ela. Ombros, cotovelos, mãos.
Claro que querem.
AINDA ESTOU SOB o efeito de endor na e açúcar em excesso quando saio da
padaria, descendo a longa estrada que leva até a cidade. Stella mal conseguia se
controlar enquanto me dava mais detalhes, gritando a cada três palavras, parando
várias vezes para me dar um tapa no braço, o jeitinho dela de demonstrar
empolgação.
Eles querem falar comigo. Na minha pequena padaria. Com a garota que nunca
fez um curso de confeitaria e que entrou nessa pro ssão ao acaso. Nunca precisei
da validação de ninguém além de mim mesma para me sentir bem com o que eu
faço, para ser feliz em minha pequena casa de vidro em meio a todos os pinheiros,
mas é bom ser notada. Ser reconhecida.
Decido, por impulso, passar pela loja de bebidas, abrindo caminho entre as
pilhas de latas da cerveja local e garrafas de vodca empilhadas formando o
caranguejo-azul de Maryland, o que acho impressionante. Paro a meio caminho
das caixas de vinho e olho para as garrafas de champanhe dispostas no alto da
prateleira, as alaranjadas no topo, reluzindo sob a terrível iluminação tremeluzente
do lugar.
É como se um raio de sol tivesse atravessado as nuvens e as iluminado na
prateleira. Obra do destino. É o universo me dizendo que eu mereço champanhe.
Eu mereço mesmo concluo. Não é todo dia que se consegue uma
reportagem em uma das edições mais famosas da Baltimore Magazine. As redes de
televisão locais fazem programas especiais para divulgar a edição que mostra os
melhores. A maioria dos restaurantes da costa tem suas reportagens emolduradas
e penduradas na parede. Nenhuma empresa de Inglewild jamais foi reconhecida
antes.
Procuro por um dos banquinhos que Julie e costuma usar quando está
reabastecendo o estoque, a m de alcançar meu champanhe de comemoração.
Nem sinal deles. Suspiro e coço a têmpora.
Tudo bem, eu consigo alcançar digo a mim mesma.
Por que parece que você está desa ando a si mesma?
Olho por cima do ombro para o dono daquela voz grave e estrondosa. Caleb,
parado no m do corredor, encostado na prateleira, com os braços cruzados e um
sorriso. Hoje ele está usando uma camiseta branca simples. Calça jeans desbotada
com um rasgo logo acima do joelho. Óculos escuros pretos sobre o cabelo.
Está absurdamente gostoso.
Mais ainda que ontem à noite, quando me buscou em casa, com as mãos
fechadas às costas e uma mecha de cabelo escuro caindo sobre a testa. Nada de
removedor de apos com Caleb. Não, ele caminhou até a porta da frente e bateu
com educação, a mão apoiada na parte inferior das minhas costas enquanto abria a
porta do passageiro do jipe.
Ele gesticula em direção à prateleira.
Qual era o plano?
Dobro uma perna e aponto para baixo com o pé, como se fosse uma bailarina e a
prateleira fosse a minha barra de apoio. Caleb engole em seco.
Eu ia subir depressa, que nem um esquilo.
Ele desencosta da prateleira e vem devagar até mim. Parece ter se recuperado de
nossa pequena aventura na pista de patins. Não tem mais nenhum dos curativos
no braço, ainda que exiba um hematoma bem feio logo acima do cotovelo. Franzo
a testa quando ele se aproxima.
Deixe que eu ajude, apesar de ter certeza de que seria divertido assistir a essa
cena. Caleb para bem perto de mim e estica a mão, mais e mais alto. Sinto o
cheiro de protetor solar e canela, café forte e creme doce. Quero encostar meu
nariz em seu ombro e respirar fundo. Talvez escalá-lo em vez de escalar a
prateleira.
Ele ergue a sobrancelha para mim com o braço ainda estendido. Eu sorrio, sem
vergonha alguma.
Por que acho que você está tramando alguma coisa? pergunta com a voz
baixa.
Eu? Aponto um dedo para meu peito. Jamais.
Claro. Ele dá risada e segura uma das garrafas em que eu estava de olho,
puxando-a para baixo sem precisar car na ponta dos pés. Ele a oferece para mim,
assobiando quando vê o rótulo. Qual é a ocasião?
Seguro a garrafa junto ao peito, sorrindo tanto que minhas bochechas estão
doendo.
A padaria vai aparecer na próxima edição da Baltimore Magazine.
Layla. Nunca ouvi ninguém dizer meu nome dessa forma. Como se não
quisesse dizer mais nada nunca mais. Seu sorriso se espalha até que as rugas no
canto dos olhos pisquem para mim. Eu o encaro até meus lábios se curvarem, e
estamos sorrindo um para o outro feito dois bobos, no meio do corredor da loja
de bebidas. Ele hesita e, em seguida, passa as mãos pelos meus braços para
pressionar meus ombros. Um meio abraço. Um abraço de mãos. Ele me aperta.
Que notícia incrível.
O calor da palma de suas mãos atravessa minha camiseta na, e eu me entrego
ao seu toque.
É mesmo, não é?
Ele concorda.
Já estava mais que na hora.
Sorrio para ele. O convite está na ponta da minha língua. Venha comigo, tenho
vontade de dizer. Podemos comer todos aqueles cupcakes que assei por puro estresse na
semana passada, quando achei que você estava me evitando, e beber o champanhe.
Podemos assistir a alguma coisa boba na televisão, e não vou precisar car sozinha.
Mas me parece demais. Como se eu estivesse ultrapassando algum limite no
estranho acordo que zemos. Então engulo em seco, dou um sorriso contido e
tento não sentir nada de mais com o toque dele. Seu dedo mindinho está quase
passando por baixo da alça da minha camiseta regata.
Ele limpa a garganta e me solta, en ando as mãos nos bolsos.
Procuro pensar em alguma coisa para manter Caleb por perto. Só mais um
segundo. Inclino a cabeça para o lado e raspo a ponta do meu sapato no chão.
Bom, você não me respondeu ontem.
O quê?
Passo por ele em direção ao caixa, notando pela primeira vez a embalagem de
seis latinhas de cerveja aos pés dele. Ele a pega e me segue.
Quando você vai me levar a outro encontro?
Ah. Ele ca vermelho e coça atrás da orelha. Coloco minha garrafa de
champanhe debaixo do braço e pego um saco de batatinhas sabor caranguejo para
incrementar meu banquete comemorativo. Caleb sorri ao ver minhas escolhas.
Você está livre na terça?
Claro que sim.
Que bom. Ah, ótimo. Passo pra buscar você no mesmo horário?
Assinto.
Vou precisar de patins? Joelheiras, talvez? Eu o cutuco uma vez nas
costelas. Quer me dar alguma pista?
Ele olha para mim, uma sobrancelha escura se erguendo em sua testa. Um
sorriso presunçoso se desenha em sua boca e, caramba, eu gosto dessa versão do
Caleb. De quando consigo ver um indício de algo mais, algo provocante e
delicioso.
E que graça teria isso?
8
CALEB

COMO VOCÊ sabia? murmura ela assim que chegamos.


Vir para cá foi outro tiro no escuro, mas, logo depois que encontrei Layla na loja
de bebidas, Stella me mandou uma série de mensagens vagas com uma lista de
itens que não pareciam ter relação alguma. Coisas como: Lavanda. Pizza de massa
grossa com espina e e ricota. Plantas em vasos de terracota. Lenços. A cor laranja.
Escape rooms.
Não era preciso ser um gênio para entender que Stella achou que uma lista com
todas as coisas favoritas de Layla poderia me ajudar, apesar de ter cado um pouco
surpreso com o escape room. Parte de mim achou que Stella estava pregando uma
peça, me mandando, de propósito, coisas que Layla odiaria. Mas a preocupação
logo sumiu, considerando que Layla mal consegue conter a alegria quando
chegamos às portas da frente.
Ela parece um rojão prestes a explodir, toda iluminada e pronta para disparar
para o céu.
Esfrego o polegar no lábio inferior, tentando não sorrir. Ela é bem reservada
quando está na padaria. Simpática, mas quieta. Gosto de ver esse outro lado dela.
O entusiasmo incontido e a mais pura alegria.
Como eu sabia o quê?
O quanto amo um bom escape room.
Bom. É melhor falar a verdade, acho. A Stella me mandou uma lista
com todas as suas coisas favoritas.
Layla se vira para me olhar, confusa. Ela está com um lenço diferente no cabelo
hoje, vermelho-cereja com pequenos morangos estampados. Ele combina com o
avental que ela estava usando outro dia, e eu sorrio ao pensar nela usando os dois
ao mesmo tempo.
Quero senti-lo escorregar por entre meus dedos. Quero retorcê-lo em meu
punho até que possa inclinar sua cabeça e guiar sua boca até a minha. Eu me
pergunto se ela tem gosto de morango ou daquela cobertura açucarada que usa em
tudo.
Afasto depressa esse pensamento.
A Stella fez o quê?
Pra ser sincero, eu já sabia da maioria das coisas da lista.
Tipo o quê? Há um desa o na pergunta. Observo como o vento de verão
faz a ponta do lenço se erguer. Eu me deixo levar pela tentação e deslizo a palma
da mão pelo tecido, sentindo-o entre o polegar e o indicador. Esfrego-o entre os
dedos uma vez e a puxo um pouquinho mais para perto.
Vou me contentar em tê-la aos poucos, se for necessário para que nosso acordo
continue. Talvez seja melhor para minha sanidade mental dessa forma também.
Ela se aproxima de mim com um sorriso.
Lavanda declaro. Que ela tem plantada em todo o jardim da frente, com
um grande arranjo logo abaixo da pequena janela da cozinha, que parece estar
sempre aberta. Lenços. Deixo o comprimento do tecido sedoso deslizar em
minha mão, os nós dos dedos roçando seu pescoço. Ela respira fundo e eu tiro a
mão. Champanhe caro e batatinha sabor caranguejo barata.
Ela sorri ao ouvir os dois últimos itens.
Não sei dizer se estou ofendida ou impressionada. Acho que nenhum dos
caras com quem saí recebeu informações privilegiadas antes. Ela deve gostar de
você.
Dou de ombros.
Acho que isso só prova quanto ela gosta de você.
O sorriso de Layla está calmo desta vez, pensativo. Mas seus olhos brilham
quando ela segura minha mão. Gosto da facilidade com que ela me toca, de como
nos encaixamos bem. Gosto do jeito que entrelaça os dedos nos meus e aperta.
Estou começando a perceber que, para Layla, o toque é uma forma de
comunicação, e me baseio nele para entendê-la.
Chega de conversa. Ela balança nossas mãos entrelaçadas. Vamos
entrar logo pra eu acabar com você.
Sigo atrás dela, confuso.
Isso não é uma atividade em grupo?
A confusão logo dá lugar a uma leve apreensão. O saguão da Tente Escapar é
quase todo preto, com uma única mesa próxima à parede dos fundos. Em cima
dessa mesa, há o que eu espero que sejam adereços, leiras e mais leiras de várias
armas, máscaras e livros encadernados em couro pintados de dourado. Não
consigo desviar o olhar do que parece ser um facão. É o primeiro indício de que
não estou nem um pouco preparado para o que nos inscrevi.
Layla faz uma série de perguntas ao adolescente atrás da mesa. Coisas que eu
nunca pensaria em perguntar, como:
O jogo é linear?
Há alguma sala secreta?
Alguém vai pular na gente?
Eu me assusto com a última pergunta e olho para Layla.
Isso costuma acontecer?
Ela dá de ombros.
Às vezes.
O garoto balança a cabeça, passando por uma lista de itens a serem veri cados
no iPad diante dele. Também tem um fone de ouvido e o que parecem ser três
celulares na mesa. A con guração me parece bem mais complexa do que mostra a
maioria dos lmes de espionagem. Eu o reconheço vagamente da escola e, de
acordo com o crachá, se chama Eric.
Não aqui. Não temos mais personagens na sala desde que o Gus socou a cara
do último.
Layla e eu arfamos ao mesmo tempo.
A sala tem um interfone explica ele. Posso falar com vocês por ele e, se
precisarem de alguma coisa, é só gritar. Ele dá um tapinha nos monitores
alinhados do outro lado da mesa. Também vou car de olho, só por garantia.
Garantia do quê?
Eric me olha xamente do outro lado da mesa. É um olhar do mais puro
cansaço. O olhar de alguém que já viu muito na vida.
De algumas coisas.
Tudo bem, então. Estou começando a ter a sensação de que este pode ser outro
encontro desastroso. Não tão ruim quanto o último, espero. Não sei dizer se
alguma coisa será capaz de superar os vídeos de compilados das minhas quedas na
pista de patinação ao som de uma música ridícula com uma batida pesada. As
crianças os compartilharam durante toda a semana. Recebi dois deles no meu e-
mail de trabalho. Alex me enviou um que tinha mais de vinte mil visualizações,
com uma série de emojis chorando de rir.
Passo a mão na parte de trás da cabeça, a ansiedade crescendo em mim.
Estamos na sala da ilha tropical, certo?
Ah, não. Eric continua rolando a tela de seu dispositivo. Não faço ideia do
que está procurando. Tivemos que colocar vocês na sala do apocalipse zumbi.
O quê?
A sala do apocalipse zumbi.
Por quê?
Porque andaram fazendo umas coisas impróprias na sala tropical e tivemos
que mandar higienizar.
Layla tenta disfarçar a risada com uma tosse.
Vocês têm alguma outra opção além de… apocalipse zumbi?
Um cenário de m do mundo com criaturas mortas-vivas comedoras de gente
não ajuda no clima que eu estava esperando criar.
Temos a sala de pandemia.
A sala de pandemia e a sala de apocalipse zumbi?
Eric assente.
O Billy gosta muito desse tema.
Esqueci que Billy é o dono deste lugar. Ele trabalhava meio período na funerária
a duas cidades de distância. Acho que encontrou um novo lugar para canalizar
todo o seu… entusiasmo.
O Billy não se vestia todo de couro preto? sussurra Layla para mim.
Ele ainda faz isso responde Eric. E às vezes também usa dentes de
vampiro.
O sorriso de Layla desvanece.
Isso parece… legal.
É uma escolha e tanto resmunga Eric. Certo, vou levar vocês dois até a
sala. Vão ter uma hora para escapar. Tudo de que precisam está escondido lá
dentro, mas vocês têm direito a três pistas. Se precisarem de alguma, é só gritar e
eu digo pelo alto-falante. Vou monitorar vocês o tempo todo, então não destruam
nada enquanto estiverem na sala. Os móveis pregados no chão devem continuar
assim.
Layla assente, a expressão em uma determinação sombria.
Eu não sabia que deveríamos nos importar com a posição dos móveis.
Hum, como é?
Eric nos conduz para atrás da mesa e passa por uma pequena entrada. Seguimos
por um corredor estreito e escuro, ladeado por portas pretas sem placas. Tenho
que me abaixar para desviar das luzes baixas, mal conseguindo ver Layla bem à
minha frente. Os sons saem abafados, como se estivéssemos no subsolo.
Dá para entender por que o Billy gosta tanto disso.
Eric continua passando as instruções enquanto caminhamos.
Como eu disse, vou monitorar vocês, então não façam nada de impróprio,
por favor.
Percebo que Layla está interessada.
Como assim impróprio?
Metade do rosto de Eric está coberto pela sombra quando ele se vira.
Vocês cariam surpresos com as coisas que já vi.
Layla cobre a boca para rir. Engulo em seco para conter a inquietação. Não era
isso que eu esperava. Eric para em frente a uma porta mais larga que as outras,
com uma marca de mão ensanguentada logo acima da maçaneta. Um grito ecoa
do lado de dentro.
Seguro Layla pelo pulso e ela inclina a cabeça para trás para olhar para mim. É o
mais próximo que estivemos desde que começamos este encontro, e estar perto
dela me deixa atordoado. Como estamos, eu poderia envolvê-la pelos ombros e
abraçá-la. Beijar sua testa e arrastar meus lábios pela linha de seu maxilar. En ar
minha mão na gola de sua blusa e sentir a pele delicada por baixo. Explorar do
ombro até o pescoço com a boca. Quero tantas coisas com Layla.
Neste instante, eu me contentaria com um encontro normal.
O que foi? sussurra.
Engulo em seco.
Nada. Só queria ter certeza de que está tudo bem pra você.
Ela abre um enorme sorriso. Esse sorriso é tentação e prazer com uma cobertura
doce e açucarada de distração. Hoje ela está usando o short jeans rasgado de novo
e uma blusa branca larga que ca mais apertada em seus braços e solta em todo o
resto. O tecido parece tão macio e tão tentadoramente no. Aposto que eu poderia
sentir o calor de sua pele através dele. Aposto que o tecido se dobraria em meus
pulsos quando eu passasse as mãos por baixo dele.
Limpo a garganta e olho xamente para a marca de mão ensanguentada na
porta, em um esforço para me distrair. O sorriso de Layla aumenta.
Está reconsiderando, Caleb?
Não. Outro grito irrompe por trás das portas fechadas. Eu me encolho.
Talvez.
Seu sorriso gigantesco diminui. Ela se vira em meus braços até que a frente de
seu corpo esteja pressionada contra o meu. O calor dela me distrai, o cheiro de
açúcar, manteiga e geleia de cereja.
Layla Dupree é perigosa.
Não precisamos entrar sussurra, suas palavras só para mim. Você pode
me levar pra tomar sorvete. Eu entendo se for demais pra você.
Não. Layla merece isso. Alguém que se esforce. Mesmo que seja algo tão
comicamente ridículo como a experiência de fugir em um apocalipse zumbi.
Sobretudo se for a experiência de fugir do apocalipse zumbi, eu acho. Vamos
escapar dessa sala.
Aquele sorriso largo e animado ganha vida em seu rosto. Ele se encaixa em meu
peito, bem no lado esquerdo. Meu Deus, como ela é linda. Deveria sorrir assim o
tempo todo.
Ah, me esqueci de avisar observa Eric, empurrando a porta para abri-la
com o ombro. Os sons do interior se intensi cam e Layla desliza sua mão de volta
para a minha. Estou mais concentrado nesse único ponto de contato do que em
qualquer outra coisa, por isso quase não ouço quando ele diz: Vai vir mais um
grupo pra entrar com vocês. Temos um mínimo de quatro pessoas nas salas…
desde o que rolou na ilha tropical.
Calma, como é que é?
Ele nos apressa para entrarmos, ignorando por completo o braço sem corpo
pendurado no teto acima de sua cabeça.
Assim que eles chegarem, eu mando entrar.
E, com isso, Eric desaparece porta afora e nos tranca em um apocalipse zumbi.
Eu observo o espaço. Sei que Eric disse que ninguém vai pular em nós, mas com
certeza parece que isso poderia acontecer. A sala foi decorada para parecer um
hospital antigo. Há uma cadeira de rodas tombada de lado, um carrinho médico
com cerca de quarenta e duas mil gavetas, alguns prontuários de laboratório e
cortinas tortas nas janelas. Mas estou mais focado nos falsos pedaços de corpos
espalhados pelo chão e teto, com sangue de mentira escorrendo. Não são hiper-
realistas, graças a Deus, mas são su cientes para me deixar grato por não termos
ido jantar antes dessa pequena excursão.
En o as mãos nos bolsos traseiros e me balanço para a frente e para trás,
franzindo a testa para o que parece ser parte de uma fíbula encharcada de ketchup.
Eu queria, do fundo do meu coração, que a gente estivesse na sala tropical.
Não sei. Layla cutuca uma cabeça desmembrada pendurada no teto. Nós a
vemos se balançar de um lado para o outro. Essa sala tem um clima e tanto.
Coço a nuca, en ando a mão no cabelo e esfregando com força. Ela atravessa a
sala e examina um respingo de sangue falso na parede como se fosse uma obra de
arte de valor inestimável no museu de arte.
Sinto que estou atingindo níveis de absurdo nunca antes vistos durante esse
acordo com a Layla. Costumo ter di culdade de criar conexões ou de conversar,
não… de lidar com partes do corpo desmembradas. Não posso dizer que já tenha
levado uma mulher para car trancada em um quarto com membros humanos
antes.
Talvez seja melhor considerar nosso próximo encontro como o primeiro
sugiro. A gente podia começar do zero. Quem sabe assim eu não seja tão
desastroso.
Layla nem se dá ao trabalho de olhar para mim enquanto pega o que parece ser
uma seringa. Ela a examina e depois a coloca com cuidado sobre a mesa.
Acho que não. Este é um excelente segundo encontro.
Eu me encolho.
A gente pode, por favor, não contar a pista de patinação como o primeiro
encontro, pelo menos?
Por que não?
Olho feio para ela.
Ainda tenho um machucado que parece o mapa de Massachuse s na bunda.
Ela ri.
Não me provoque com a sua bunda, Caleb.
Antes que eu possa curtir o fato de Layla ter falado da minha bunda, a porta se
abre atrás de nós. Eric conduz mais três pessoas para dentro e preciso reprimir
uma reclamação. Gus, Clint e Montgomery. Os três bombeiros da cidade, que,
juntos, formam o grupo de pessoas mais sem-noção que já conheci. Eles entram
na sala com camisetas iguais e com faixas de cor vermelho-sangue na testa. Parece
que estão prestes a participar de uma maratona. Ou talvez começar um clube da
luta.
Gus sorri assim que nos vê.
Ora, ora, ora. O que temos aqui?
Você sabe o nosso nome, Gus retruca Layla. Não consigo entender por
que insiste em ngir surpresa quando sabe exatamente o que está acontecendo o
tempo todo.
Está querendo insinuar alguma coisa, Laylagarta?
Olho maravilhado para ela e murmuro Laylagarta? Ela estremece e balança a
cabeça.
Não me chame assim, e você sabe muito bem do que estou falando.
Ao menos alguém sabe, porque eu não faço ideia. Layla me chama para mais
perto até que sua boca esteja próxima do meu ouvido, e meu coração vai parar na
garganta. Porra, ela é tão cheirosa.
O Gus opera a rede de comunicação sussurra, o lábio inferior roçando de
leve na curva da minha orelha. Tenho quase certeza de que ele também cuida
da nova divisão, a de fofoca por mensagens.
A rede de comunicação da cidade deveria ser usada apenas em caso de
emergência. Mas isso durou cerca de duas semanas. Agora, seu maior objetivo é
compartilhar informações sobre quem furou a la na loja da sra. Beatrice, para
onde a Evelyn vai e por quanto tempo podemos esperar que Becke que
resmungando pela cidade, e quando o novo estoque de café de grãos selecionados
chegará ao supermercado. Não me surpreende saber que Gus está à frente de tudo.
Ainda mais porque recebi uma mensagem há três dias de um número
desconhecido dizendo que Ma y está tentando fazer pizza com massa recheada.
Só uma pessoa estaria tão interessada nas mudanças do cardápio do Ma y.
Não faço ideia do que você está falando protesta Gus, arrogante.
Layla bufa.
Clint olha para as paredes enquanto Monty passa as mãos sobre o batente da
porta. Eric cutuca Gus uma vez no braço para chamar a atenção dele.
Nada de facas dessa vez, Gus. Não quero você cortando nada de novo.
De novo? pergunto.
Todos me ignoram. Gus ergue as mãos, as palmas para a frente.
Como eu ia saber que não tinha pista nenhuma no colchão?
Achei que gritar “Não tem pista nenhuma no colchão” sem parar pelo
interfone fosse ajudar retrucou Eric.
Com certeza esse garoto não é pago o bastante para isso. Gus esconde a risada
com a mão, abrindo os dedos na barba por fazer.
É, justo. Bem colocado, Eric. As mesmas regras de sempre? Ele estala os
nós dos dedos.
Olho para o teto em um esforço para buscar paciência e, em vez disso, encontro
uma cabeça decepada. Layla se aproxima mais.
Não vamos demorar pra escapar diz ela , eu prometo.
ENTRE NO teto, Layla! grita Gus.
Suspiro e abraço Layla pela cintura, tirando-a de cima da mesa em que estava
enquanto tentava seguir as instruções de Gus. No começo, foi engraçado ver toda
a animação e empolgação dela. Agora, estou só tentando evitar que se machuque.
Ela não vai entrar no teto, Gus.
Gus agarra a gola da minha camisa e me puxa até car a cinco centímetros do
meu rosto. Ele está suando… demais.
Você quer continuar vivo, Caleb?
A esta altura? Não. Na verdade, não.
Eu vou sei lá aonde e faço um gesto vagamente motivacional pego o
antídoto ou o que for. Eu me sacri co pelo time.
Havia uma lanchonete pequena no saguão. Eu caria feliz em esperar lá fora e
comer um pretzel bem macio enquanto isso aqui se resolve sozinho. Layla e eu
podemos ir tomar um sorvete depois, e posso afogar minhas mágoas em açúcar e
creme.
Sair da sala elimina. Você vai car bem aqui. Layla leva a mão ao peito de
Gus e o empurra para longe de mim. Aposto que consigo me en ar em uma
das saídas de ar. A última pista falava de circular, não é? Talvez isso queira dizer
circulação de ar.
Gosto muito da Layla, mas isso… isso é o caos. É o puro suco do caos. Não
consigo entender como alguém escolhe isso para se divertir.
A voz discreta de Eric surge nos alto-falantes. É a quarta vez nos últimos dez
minutos.
Por favor, não entrem no teto nem nas saídas de ar. Não tem pista nenhuma
lá. E também não tem pista nenhuma dentro das partes do corpo, então pode
parar de mexer nesse braço, Montgomery.
Monty derruba o braço que estava tentando dissecar usando uma pinça e um
pedaço do quadro de avisos quebrado. Ele quica no chão fazendo um barulho de
plástico.
Acho que isso era um brinquedo de cachorro murmuro sem, de fato, falar
com ninguém.
O que a gente tem que fazer é se concentrar grita Clint em uma altura
desnecessária. Acho que não se dá conta de que ninguém consegue se concentrar
enquanto ele está gesticulando como louco desse jeito. Precisamos encontrar a
terceira chave, desenvolver um antídoto e dar o fora daqui.
Aperto a ponte do nariz. Eric tem aumentado constantemente o som ambiente
nos últimos vinte minutos. Vou ouvir corpos de mortos-vivos sendo arrastados e
derrubados em meus pesadelos por semanas.
Isso é loucura.
Isso é vida ou morte, Caleb! grita Gus em meu rosto.
Se fosse vida ou morte, estaríamos mortos há sete minutos, quando você
quase deixou uma horda inteira de mortos-vivos passar pela janela responde
Layla, irritada. Não quero mais ouvir a sua voz. Vá para o canto e ajude o
Monty a descobrir a combinação do cofre.
Gus vai para o canto batendo os pés, lançando um olhar maldoso para mim. Não
estou sendo dos mais prestativos, sei disso, mas acho que ele está exagerando.
Guardo esse pensamento para mim.
Obrigado digo a Layla, resistindo à vontade de passar as mãos por seus
braços. Se os zumbis falsos não me matarem, essa camiseta vai fazer isso. Percebi
um lampejo de pele nua quando ela levantou os braços para alcançar o topo do
armário e tive que olhar xamente para um frasco cheio de globos oculares para
me recompor. O que acontece se não conseguirmos escapar da sala?
Layla me olha com irritação. Ela joga os ombros para trás e ergue o queixo,
aqueles lindos olhos estreitados parecem uma tempestade de verão. Isso causa
uma impressão profunda em mim e, na mesma hora, sem saber explicar o porquê,
co excitado.
Caramba.
A gente vai escapar da sala! exclama com a mais pura determinação. Não
duvido dela nem por um segundo. No entanto, duvido dos três idiotas unidos
sobre o cofre, tentando abri-lo com um pé falso.
Talvez seja melhor eu ir ajudar.
Preciso de uma distração ou vou escoltar Layla até o canto mais escuro desta sala
e dar ao Eric mais material para suas sessões de terapia.
Layla concorda.
Vou tentar encontrar a chave.
A chave. A combinação. O antídoto. Eu me esqueço o tempo todo das peças
desse quebra-cabeça. Vou até os três, que deixaram o pé de cabra improvisado de
lado e começaram a sacudir o cofre. Não deve restar muito tempo. Só preciso
aguentar a próxima meia hora, no máximo, e Layla e eu poderemos ir para um
lugar tranquilo.
Sozinhos.
Juntos.
Com sorvete, de preferência.
Como posso ajudar? pergunto.
Preciso que você pare de ertar exige Gus e se concentre em tirar a
gente daqui.
Não estou ertando resmungo.
Está, sim.
Aqui interrompe Clint. Ele me entrega algo que parece um martelo
malfeito. Dê umas pancadas nesse cofre.
Não era pra gente tentar descobrir a combinação?
Gus suspira e olha para o teto como se eu fosse a pessoa mais burra do planeta.
A última pista dizia claramente pra usar força bruta. A combinação é uma
isca.
Uma isca?
Isso, Caleb. Uma isca.
Desculpe, é difícil ouvir o que você diz quando não está gritando na minha
cara a cada três minutos.
Monty leva o braço ao rosto para esconder a risada. Gus escancara um sorriso.
Sabe, você é mais engraçado do que parece. Ele me empurra para a frente.
Vamos, dê uma pancada.
Tem certeza?
Ele está a dois segundos de usar meu rosto como martelo nesse cofre e revira os
olhos.
Tenho certeza. Dê uma pancada, cara. Ele ajusta uma das faixas que
colocou no antebraço. A menos que você ache que não vai conseguir.
Olho xamente para o martelo falso em sua mão esquerda. Consigo ouvir Layla
em algum lugar atrás de nós, murmurando para si mesma os ingredientes do
antídoto. Quero que Layla aproveite este encontro. Quero ser alguém com quem
ela possa se divertir.
Quero nos ajudar a escapar desta sala.
Eu consigo.
Gus estende a mão na direção do cofre, como se estivesse me oferecendo a
melhor mesa em um restaurante chique. Quem me dera. Aposto que eu não teria
que olhar para dedos de pés decepados se tivesse decidido levar Layla para jantar
como um ser humano normal.
Fique à vontade.
Suspiro e ergo o martelo.
A primeira pancada não gera grandes resultados. O martelo ricocheteia
inutilmente na parte de cima. Mas então bato de novo e de novo, me
concentrando na dobradiça da grossa porta de metal. Algo chacoalha e todo o
cofre emite um ruído profundo e sinistro em resposta. Gus se aproxima mais ao
meu lado.
Você está quase lá anuncia, sem fôlego.
Dá pra chegar pra lá? Você está me deixando doido.
Ele agarra meu pulso.
Aqui diz , eu posso ajudar.
Não preciso de ajuda. Tento livrar meu pulso enquanto Gus tenta fazer
meu braço martelar. É desajeitado e desconfortável, e não consigo colocar força
nenhuma. Gus, me largue.
Se você deixar…
Eu sei usar o martelo.
Sabe mesmo? Porque não é o que parece.
Cai fora.
Só que Gus não cai fora. Ele puxa meu braço para trás de novo. Se para dar
impulso ou para me irritar, eu não saberia dizer. Mas, ao fazer isso, não presta a
menor atenção ao movimento do próprio braço.
Tudo acontece em câmera lenta: Layla solta um grito triunfante atrás de nós, e
eu me viro para ver o que ela está fazendo. Gus não desacelera o movimento, e seu
braço dispara para trás enquanto ele tenta me forçar a golpear o cofre. No meio de
todo esse caos de movimento, barulho e distração, meu rosto ca no caminho.
Uma dor ofuscante explode em meu olho esquerdo. Em um segundo estou em
pé ao lado de Gus, e no outro estou caído de costas no chão, com a visão turva.
Pontos de luz nebulosos dançam com as cabeças decepadas penduradas no teto
até que co tão tonto, que acho que vou vomitar. Fecho os olhos com um gemido.
Os hematomas da pista de patinação dão sinal de vida.
Está tudo confuso.
A trilha sonora de zumbis é interrompida de repente. Ouço pés em disparada no
corredor e, em seguida, alguém abre a porta com um estrondo, soltando um grito
agudo. Quatro vozes diferentes fazem palavrões ecoarem em minha cabeça.
Monty é o primeiro a falar depois que o som silencia.
Pelo amor de Deus, Eric. Que merda foi essa?
Temos um lesionado! grita Eric. De fato, não há necessidade alguma para
essa gritaria toda. Jogo suspenso!
Acho que a gente pode terminar o jogo consigo dizer do chão. É
impossível que eu consiga me levantar e terminar essa coisa. Estou exausto.
Completa e totalmente acabado. Pela segunda vez em poucos dias, rolo de lado e
me apoio nos joelhos para me levantar. Fico ali, de cabeça baixa.
A mão pequena de Layla pressiona com delicadeza a base da minha coluna.
Você está bem?
Estou murmuro. Provavelmente com um hematoma. Extremamente
envergonhado, com certeza. Eu me arrasto até car de pé e evito olhar nos olhos
dela. Sobretudo porque não consigo enxergar nada.
É um pequeno consolo o fato de Gus estar envergonhado ao lado da porta, com
seus grandes braços cruzados. No entanto, não é ele quem terá de dar aula para um
grupo de crianças com um olho roxo nas próximas semanas, então isso não é
muito reconfortante.
Eu sinto muito, cara, de verdade. Às vezes eu me empolgo e perco a cabeça.
Esse é um belo eufemismo. Eu o encaro com o olho bom. Sei que não era a
intenção dele me dar um soco na cara, mas preciso sair daqui. Tateio cegamente
atrás de mim procurando Layla. Vamos embora.
Espere aí um segundo!
Um armário que eu pensava estar trancado se abre no canto direito dos fundos.
Billy sai mancando de lá, com o rosto coberto por uma maquiagem de zumbi.
Todos nós o encaramos enquanto ele se aproxima dos adereços espalhados pelo
chão.
Pensei que você tinha dito que ninguém iria pular na gente diz Layla.
Nem eu sabia que o Billy estava aqui. Eric é uma combinação de
perplexidade e resignação. Acho que essa não é a primeira vez que o Billy surge
aleatoriamente de um armário no meio de uma sessão.
Billy para bem na minha frente, procurando algo no bolso do paletó. Ele
também está com as mãos pintadas, algo grotesco que faz parecer que seus dedos
foram mastigados até o osso. Gostaria de estar mais surpreso.
Ele me entrega um pedaço de papel.
O que é isso?
Diz que você não vai responsabilizar a Tente Escapar em caso de lesões.
Eu não deveria ter assinado isso antes de começar?
Gus se endireita no canto.
Posso acrescentar meu nome em um desses parágrafos?
Já chega. Layla arranca o papel da minha mão, passa o braço pelo meu e
nos puxa em direção à porta que dá para o corredor. Vamos dar uma olhada,
Billy. Mas não prometemos nada.
Mas…
Meu parceiro e eu vamos embora diz ela.
Um sorriso malicioso surge no rosto de Gus. Bom, ao menos na parte do rosto
dele que consigo ver.
Parceiro, é?
Layla dá um tapinha nele quando passamos.
E você cale a boca.
Claro, Laylagarta.
ESTOU COMEÇANDO a achar que o problema sou eu murmura Layla.
Estamos encostados na traseira do jipe no estacionamento do supermercado,
um pote de sorvete equilibrado entre nós no para-choque, um saco de milho
congelado sobre metade do meu rosto. O calor emana do asfalto, um brilho
próximo ao chão, onde tudo se torna nebuloso. Inclino a cabeça para o lado para
poder olhar bem para ela com o olho que não está coberto pela embalagem.
E por que você acha isso?
Desanimada, ela cutuca a parte de cima do sorvete com a colher.
Você mal conseguiu sair vivo desses dois últimos encontros. Ela não olha
para mim. Talvez não seja você a pessoa ruim em encontros.
Não dá pra chamar nosso encontro de ruim quando conseguimos isso.
Mostro a foto que Eric nos fez tirar antes de sairmos da Tente Escapar. Ao que
parece, na taxa de entrada está inclusa uma foto de recordação no m da jogada.
Agora que já se passou algum tempo, posso dizer que a foto é hilária. Layla está
encarando Gus, Gus está olhando para o chão, estou fazendo o que posso para
sorrir com o olho inchado, e Clint está curvado para a frente, rindo muito.
Montgomery só conseguiu encaixar metade do corpo na foto. Billy está escondido
no canto de trás, só os olhos visíveis por baixo de toda aquela maquiagem.
Acho que vou colocá-la na minha mesa. Bem ao lado do Fernando.
Layla não responde. Cutuco o ombro dela com o meu.
Não acho que o problema esteja em um de nós. Acho que está… em todo o
resto.
Você está querendo dizer que estamos cosmicamente destinados a sermos
ruins em encontros pra sempre?
Não. Aponto com a cabeça em direção ao supermercado, onde é possível
ver pelo menos cinco pessoas perto das janelas ngindo estar procurando alguma
coisa quando, na verdade, estão nos observando no estacionamento. Cindy
Croswell está analisando as laranjas há quase dezessete minutos. Bailey McGivens
se esqueceu de desligar o ash do celular quando o apontou para nós há dez
minutos.
Estou dizendo que as pessoas dessa cidade têm muito tempo livre.
Layla segue minha linha de visão.
Ah.
Todo mundo aqui conhece a gente explico. Não temos privacidade
nenhuma.
Layla ergue uma sobrancelha, com a colher na boca. Fico olhando por tempo
demais para a forma como seu lábio inferior se arrasta contra o plástico barato, a
língua no canto dos lábios.
E o que você quer fazer com essa privacidade, hein?
Ajusto o saco de milho no rosto.
Tentar não morrer.
Ela ri e balança as pernas para a frente e para trás, as pontas dos pés mal tocando
a calçada. Ela está quieta, comendo mais duas colheres de sorvete enquanto eu
espero.
Você quer sair da cidade para o nosso próximo encontro?
Estou surpreso com o fato de ela ainda querer sair comigo a esta altura. Devo
transparecer essa surpresa em meu rosto, porque seu olhar se suaviza. Ela en a a
colher no pote de sorvete e a ergue cheia entre nós, me oferecendo. Uma garantia
na forma de chocolate e caramelo.
Acho que é o melhor pra nós dois.
Eu seguro seu pulso e rmo sua mão enquanto aceito a colherada, meu polegar
contra a pele sedosa na parte interna de seu pulso. Consigo sentir o ritmo
constante de seus batimentos, delicados e suaves.
Tiro a mão. Layla mantém a colher entre nós, suspensa, o olhar xo na minha
boca.
Tem chocolate na minha cara?
Ela balança a cabeça e en a a colher de volta no pote, concentrando-se em puxar
um caramelo das profundezas geladas.
Você vai me mandar mensagem essa semana?
Eu tiro o milho congelado do rosto, fazendo uma careta.
É claro. E vejo você amanhã pra comer croissants e tomar café.
Ela franze a testa ao ver meu rosto.
E talvez seja bom pegar uma bolsa de gelo pra levar também.
Não está melhorando?
Ela balança a cabeça.
Eu suspiro.
A vida é um eterno dias de luta, dias de glória.
Hoje o dia foi só de luta lamenta Layla. Ela salta da traseira do carro e
coloca a tampa no pote de sorvete.
Não, a gente teve uma vitória digo.
Ela dá a volta até a porta do passageiro, me observando por cima da cabine do
carro.
Eu sei que você não gostou tanto assim dessa foto.
Eu gostei, sim, mas não é disso que estou falando.
Consegui passar um tempo com você, não foi?
Ela abre um sorriso enorme, radiante e lindo.
Ah, Caleb. Ela suspira e abre a porta do jipe. Dez de dez.
9
LAYLA

A PADARIA TEM um segredo que nem mesmo a rede de comunicação conseguiu


descobrir. Uma informação con dencial, secreta e sigilosa que mantive guardada
sob sete chaves durante anos. Becke não sabe. Luka não sabe. Evelyn não faz a
menor ideia. Acho que Stella suspeita, mas nunca me questionou.
Acho que ela se deu conta da dimensão do segredo.
Dá pra ir mais rápido? A sra. Beatrice mal consegue carregar a caixa de
tamanho industrial que tem nos braços, cheia de biscoitos amanteigados. Não
consigo car assim o dia inteiro.
Só se passaram vinte e três segundos sussurro de volta enquanto me
atrapalho com as chaves na mão. Não vai precisar carregar isso o dia inteiro. É
só até eu colocar a chave na fechadura.
Na terceira quarta-feira de cada mês, a sra. Beatrice e eu fazemos uma troca de
mercadorias. Ela me traz três dúzias de biscoitos amanteigados e, em troca, dou
seis tortas para ela. Ficamos sentadas na cozinha, na mais completa escuridão,
consultando as receitas uma da outra e bebemos exatamente duas xícaras de café.
Ela fala um monte na minha cabeça sobre como preparo a massa das tortas e
depois vai embora, em meio à névoa.
Tudo é feito às escondidas.
A cidade inteira acha que nós duas competimos. Ao longo dos anos, criamos
essa reputação com todo cuidado, com conversas planejadas e ofensas
intencionais. Imaturidade? Pode ser. Manipulação? Com certeza. Nós duas
vendemos mais quando parece que estamos brigando. As pessoas passam pelo
café da sra. B de manhã para comer seus scones e, de tarde, vão até a padaria e
compram alguns dos meus para comparar. Mal sabem que a receita é exatamente a
mesma.
Somos a Coca-Cola e a Pepsi da confeitaria.
A verdade é muito menos emocionante. A sra. Beatrice me acolheu assim que
me mudei para Inglewild. Acho que se cansou de me ver rolar a tela do celular em
seu balcão enquanto procurava freneticamente um emprego. Um dia, ela exigiu
que eu a ajudasse na cozinha, e foi aí que tudo começou. Fiquei encantada.
Aparecia todos os dias antes de o sol nascer e a sra. B me ensinava tudo o que
sabia.
Ela não é nem de longe tão assustadora quanto gosta de fazer todo mundo
acreditar.
Por m, consigo colocar a chave na fechadura e passamos pela porta dos fundos
da padaria. Ela deixa sua caixa de papelão na ilha e começa a descarregá-la.
Acrescentei alguns sequilhos com geleia também explica, jogando um
saco de biscoitos redondos minúsculos coloridos no meio, uns com geleia de
morango, outros de damasco, ao lado da batedeira. Você nunca acerta o ponto
desses.
Dou risada e ligo a cafeteira.
Sabe, se as pessoas descobrissem o quanto você é legal, toda essa imagem de
brava que você criou iria por água abaixo.
A imagem ameaçadora de Beatrice é o seu carisma. Ela serve o café em meio a
caretas e não se preocupa em ser simpática quando joga uma quiche na mesa à sua
frente. Mas seus quadradinhos de limão mais que compensam o mau humor,
então suponho que ela possa agir como bem entender.
Ninguém nunca vai descobrir. Ela se acomoda em um dos banquinhos, o
longo cabelo grisalho caindo pelas costas, sua expressão mais suave sob a luz do
amanhecer. Está usando a mesma camiseta de banda rasgada de sempre, desta vez
por baixo de um macacão jeans, com pesados coturnos nos pés. Ela tira um
caderno espiral em frangalhos da bolsa que colocou no chão e dá dois tapinhas na
capa. Vamos falar de ruibarbo.
Então nos sentamos em minha cozinha e conversamos sobre ruibarbo, chocolate
amargo e ganache de avelã. Discutimos a consistência da massa dos bolos
amanteigados e o que faremos com a safra de morangos que Becke está prestes a
colher. Ela critica meu creme de limão e eu a repreendo por seu chantili caseiro.
É só mais uma manhã de quarta-feira.
Até que alguém bate à porta da frente.
Ficamos paradas com a caneca a meio caminho da boca. Os olhos da sra.
Beatrice se voltam para os meus, acusadores.
Quem é? Beatrice parece estar pronta para pular pela pequena janela
estreita acima da pia de trabalho.
Não faço ideia.
Ninguém nunca vem a uma hora dessas. Ninguém a não ser nós duas.
Alguém bate de novo no vidro da janela da frente. Eu me levanto do banquinho
e abro a porta que dá para a frente da loja enquanto a sra. Beatrice se joga no chão.
O que você está fazendo? sussurro, incrédula.
Me escondendo sussurra em resposta. Ela rasteja dois metros para a frente
para espiar a porta e inclina a cabeça para o lado, com um sorriso malicioso.
Parece que é o Caleb.
Estreito os olhos. Parece mesmo o Caleb, mas não faço ideia do que ele está
fazendo aqui às cinco da manhã.
Ele bate de novo, sem se dar conta de que está sendo observado por duas
esquisitonas que espreitam dos fundos.
Layla? Sua voz é abafada pelo vidro grosso da porta da frente. Sou eu.
Ele se remexe, inquieto, e olha por cima do ombro para o aglomerado de
árvores escuras atrás dele. Eu trouxe café da manhã.
Ele já se deu conta de que você é, literalmente, especialista em fazer café da
manhã?
Fique quieta protesto. Onde você deixou o carro?
No estacionamento de cascalho que o Becke usa como depósito. Atrás dos
pinheiros e do galinheiro que ele vive dizendo que não está construindo. Ela
ergue uma sobrancelha para mim. Você acha que eu tenho cara de idiota?
Mais ou menos. A julgar pela forma que está se arrastando pelo chão da cozinha.
Espere até eu abrir a porta da frente pra sair pelos fundos. Vou distrair o
Caleb.
Ela ri, zombeteira.
Claro que vai.
Não me dou ao trabalho de responder a essa provocação. Passo as mãos no
cabelo, coloco a xícara de café no balcão e vou até a porta da frente. Caleb se
endireita assim que me vê, abrindo um sorriso em seu belo rosto. Um frio glacial
se espalha pela minha barriga, e sorrir parece tão natural quanto respirar. Eu me
sinto como se estivesse presa na outra ponta de um o, puxada para cada vez mais
perto de onde quer que ele esteja.
Passo a mão pela leira de cadeados, observando-o através do vidro. Calça cáqui
e uma camisa de botão de manga curta, passada com perfeição. Meus olhos
percorrem desde a saliência de suas clavículas até as covinhas em suas bochechas.
A linha reta de seu nariz e o… hematoma horrível, preto e roxo, ao redor do olho.
Abro a porta e o conduzo para dentro.
Seu olho está horrível.
Mas, de alguma forma, também está incrível. Atraente de um jeito rústico. Com
essa calça cáqui, ca encantador. Dois visuais drasticamente opostos no mesmo
homem.
Ele toca o inchaço da bochecha com a ponta dos dedos.
Está, né? Foi por isso que coloquei essa calça cáqui de tiozão. Achei que
poderia ajudar.
Ajudar a fazer você parecer um pai de seriado dos anos noventa?
Ele dá de ombros.
Ajudar as pessoas a se concentrarem em algo que não seja meu rosto. As
crianças acham hilário quando eu uso essa calça, sei lá por quê. Mas não sei como
vou explicar esse olho pra eles. Não posso falar a verdade.
De fato, não sei se seria bom Caleb contar aos alunos que cou com um olho
roxo após tomar uma cotovelada de Gus enquanto tentava usar um pé humano
falso para abrir um cofre falso em um apocalipse zumbi falso. Imagino que os
adolescentes teriam algumas coisas a dizer.
Caleb franze a testa e passa por mim até a bancada. Ele coloca um saco de papel
marrom simples em cima.
Talvez eu diga que lutei com um puma.
Sério?
Ou que foi em um helicóptero. Ainda não decidi.
As duas opções são muito boas. Olho por cima do seu ombro, para o saco
de papel que começa a car marcado pela gordura. Meu estômago ronca
ferozmente em agradecimento. O que você trouxe ali?
Sanduíche de bacon e ovo. Ele se apoia no balcão ao meu lado. Olho
xamente para a calça cáqui dele. Ela cumpre o papel de me distrair de seu rosto,
mas talvez não pelos motivos que ele listou. É porque ca… ótima nele.
Imaginei que não quisesse cozinhar pra você mesma.
Algo em meu peito se contorce. Um leve puxão que reverbera e o faz estremecer.
Não gosto de cozinhar só para mim. Depois de passar a maior parte do tempo
fazendo comida para todo mundo, costumo comer o que sobra na fornada em que
estiver trabalhando.
Ele ter percebido isso é importante.
Você trouxe pra mim?
Ele concorda, com um sorriso divertido nos lábios.
Trouxe. Desculpe por ter vindo tão cedo. Queria encontrar você antes de ir
pra escola.
Você tem que entrar cedo hoje?
Tenho que receber os ônibus.
Não consigo parar de olhar para a embalagem sobre a bancada. Ele parou em
algum lugar. Por mim. Ele acordou cedo, fez uma parada extra e dirigiu até aqui.
Obrigada sussurro.
Ele ergue a mão entre nós, mas depois parece pensar melhor e a baixa de novo.
Não tem de quê.
Quero saber o que ia fazer com aquela mão.
Mas mesmo assim, eu…
Há um tumulto na cozinha. Pelo som, parece que algumas bandejas de cookies
foram parar no chão. Olho para a porta dos fundos com os olhos arregalados e
Caleb… Caleb já está contornando o balcão e passando pela porta antes que eu
possa pensar em impedi-lo.
Ai, merda sussurro. Espero que Beatrice esteja correndo pelos campos
neste momento. Por que ela demorou tanto para sair? Poderia apostar todos os
meus croissants de chocolate e a minha espátula favorita que estava ouvindo atrás
da porta, aquela intrometida.
Sigo atrás de Caleb bem mais devagar e com muito menos entusiasmo. Quando
chego à cozinha, ele está parado no meio do cômodo com as mãos na cintura,
olhando atentamente para a porta dos fundos, escancarada.
Precisamos ligar para o Dane declara com uma voz severa e dura, que faz
um arrepio subir pela minha coluna.
Eu o ignoro e vou em direção à porta. Não quero um bando de insetos
zumbindo enquanto faço torta de ruibarbo. Um braço forte envolve minha cintura
e Caleb me levanta e me afasta como se eu fosse um saco de açúcar. Ele me coloca
de pé ao lado da pia, com o braço ainda rme em volta da minha cintura.
É perturbador o quanto eu gosto disso.
Alguém estava aqui fala, com as sobrancelhas escuras arqueadas sobre os
olhos castanhos. Manchas de âmbar e ouro dançam em sua íris enquanto ele me
olha, a mão apertando minha cintura. Isso acende uma chama em meu peito que
se espalha até a palma das minhas mãos, a parte de trás dos meus joelhos e o
fundo da minha garganta.
Engulo em seco.
Caleb.
Ele pisca devagar. Não consegue parar de examinar a cozinha como se um
assassino estivesse prestes a saltar da minha geladeira com um machado. Ele cou
mesmo impressionado com aquele dia no escape room.
O quê?
Eu tenho uma… bom, preciso contar uma coisa.
Isso chama sua atenção. Ele olha para mim e seu maxilar se cerra.
Pode falar.
Não é nada de mais.
Está bem.
Não quero que você que apavorado.
Ele engole em seco de novo, apoiando a palma da mão na mesa ao lado do meu
quadril. Com o olho roxo e essa expressão no rosto, quase parece uma pessoa
diferente. É como a revelação da camisa havaiana tudo de novo. Caleb é um gostoso,
meu cérebro informa em uma voz sonhadora e melodiosa. Caleb é um baita de um
gostoso.
Gostoso, protetor, gentil e meigo, e tem cheiro de café moído na hora. Ele me
trouxe o café da manhã, praticamente chutou a porta da minha cozinha, e está tão,
tão perto.
Isso é um problema.
Sinto informar, Layla, mas acho que já estou trinta por cento apavorado.
Tudo bem, então. Por onde eu começo? O ano era 2013, e Beatrice e eu
decidimos formar uma sociedade secreta para compartilharmos receitas e…
Layla.
Certo.
Tinha alguém tomando café comigo hoje de manhã digo em um
rompante.
Caleb pisca algumas vezes. Sua expressão se suaviza um pouco e ele volta a
piscar. Ele se afasta da bancada e dá dois passos para trás. Olha para o teto e depois
para o chão. Limpa a garganta.
Um silêncio constrangedor se estende entre nós, e eu entrelaço os dedos das
mãos.
Ah. Não… não tem problema. Um rubor surge em suas bochechas,
vermelho-vivo intenso. Mas esse não é o mesmo rubor de quando ele está
contente e não quer demonstrar, ou de quando sorri tanto que parece que seu
rosto vai car assim para sempre. Nem mesmo de quando passo meus dedos pelo
braço dele. Ele… ele está envergonhado.
Então sou tomada por uma confusão desesperadora e terrível.
Caleb está no meio da cozinha com os ombros curvados e parece que queria
estar em qualquer outro lugar, menos aqui. Ele não desvia o olhar do balcão. Dos
bancos ligeiramente fora dos lugares habituais e das duas xícaras de café sobre a
bancada. Observo sua garganta subir e descer quando engole em seco.
Acho que vou… Ele aponta com o polegar por cima do ombro, ainda sem
olhar para mim Vou embora.
O quê? Não. Eu o agarro pelo braço quando ele tenta passar por mim. Ele
para de repente, mas ainda se recusa a olhar na minha direção. Foca toda a atenção
nos meus sapatos. Na pilha de tigelas na prateleira de baixo. Na leira de
forminhas coloridas para cupcakes. Você trouxe café da manhã. Fique. Vamos
comer juntos.
Eu não…
Por favor.
Ele suspira. Um som curto e frustrado.
Layla.
Caleb.
Acho melhor eu ir embora.
Acho melhor você car.
Ele nalmente cede e olha para o meu rosto. Eu o encaro longa e
profundamente. Franzo a testa. Acho que nunca o vi tão decepcionado.
Achei que a gente tinha combinado que, se alguém quisesse terminar o
acordo, falaríamos aponta ele em voz baixa. Eu não teria me importado se
você tivesse falado. Eu entendo.
E… ah. Ah. Ele achou que eu estivesse em um encontro hoje de manhã. Pensou
que eu estava na cozinha tomando café da manhã com outro homem. De uma
forma romântica. Penso no tempo que demorei para abrir a porta da frente. Como
ele teve que bater ao menos três vezes.
Eu estremeço.
Caleb tenta passar por mim de novo, e eu o agarro com força com as duas mãos.
Ele poderia se desvencilhar se quisesse, mas ca parado no lugar, os olhos xos no
chão aos nossos pés.
Caleb, tenho outra coisa pra contar.
Não sei se quero ouvir.
Eu… gaguejo, sem saber o que falar, procurando uma explicação que faça
sentido.
Está tudo bem. De verdade, Layla. Sempre acaba no terceiro encontro pra
mim. Ele ri baixinho, e eu odeio isso. Como parece que está rindo de si mesmo.
Por favor, não… Você não precisa me explicar nada.
Eu o ignoro.
Na terceira quarta-feira do mês, eu me encontro com a sra. Beatrice.
Caleb ergue a cabeça devagar. Ele olha para mim, os olhos escuros me
observando. Cheios de cautela.
A sra. Beatrice?
Isso. Ela vem, nós nos sentamos e falamos de tudo o que temos planejado
para o próximo do mês.
A boca de Caleb se retorce, confusa.
Por que ela não… Por que a porta estava escancarada?
Porque é um segredo, Caleb digo com uma seriedade mortal. Ouvimos
você bater à porta e ela fugiu. Você consegue imaginar a destruição que essa
notícia ia causar na cidade se as pessoas soubessem?
Eu não acho…
Temos uma reputação a zelar. Todo mundo acha que a gente se odeia. O
sigilo é fundamental.
Seus lábios se contraem de novo, mas desta vez parece um sorriso. Um sorriso
normal.
Entendo.
Pois é. Assinto. Agora você entendeu. Eu o seguro pelos braços e
sacudo o máximo que posso. O que não é grande coisa. Achou mesmo que eu
estava enganando você com um encontro misterioso em pleno café da manhã?
Talvez.
Achou sim.
Tá, eu achei. Mas, pra ser justo, você estava agindo de uma forma muito
suspeita.
Ergo uma sobrancelha.
Quem marca um encontro às cinco da manhã?
Ele ca ainda mais vermelho.
Eu estou aqui, não estou?
Ele dá um sorriso gentil, lento e tão cauteloso que chega a doer. Quero que ele
sempre sorria assim. Não quero vê-lo pisando em ovos comigo.
Caleb duvida de si mesmo de muitas formas, grandes e pequenas. Estava mais
que pronto para acreditar que eu tinha terminado com ele. Que ele não merecia
um pouco mais de consideração.
Fico triste ao pensar nisso.
Deslizo minhas mãos pelos braços dele até segurar seus pulsos.
Sim, você está aqui. E com um sanduíche, ainda por cima. A sra. Beatrice só
me trouxe uns biscoitos amanteigados e muitas reclamações.
Hum. Caleb vira as mãos até que nossas palmas estejam pressionadas uma
contra a outra.
Até que seus dedos estejam entrelaçados aos meus. Nós nos tornamos muito
bons nessa coisa de dar as mãos. Ainda estamos trabalhando no resto.
Isso levanta uma questão interessante, na verdade.
Pisco algumas vezes e observo como a cor de suas bochechas se suaviza em um
leve tom de rosa, seus olhos se tornam ligeiramente calculistas. Meu cérebro está
funcionando um pouco mais devagar que o normal, estando tão perto dele.
O quê? Os biscoitos?
Não, suas reuniões matinais sigilosas.
Ah, o que há de interessante nelas?
Caleb aperta minhas mãos e me puxa para mais perto até que meus tênis estejam
acomodados entre suas botas surradas. Meu avental roça o tecido passado de sua
camisa de botão. Um suspiro escapa dos meus lábios.
O que eu ganho com isso? sussurra. Ele puxa nossas mãos até que meus
dois braços estejam envoltos em sua cintura, suas palmas alisando meus braços.
Seu toque é intencional, lento, forte e delicioso. Um feixe de luz dourada atravessa
as cortinas brancas da cozinha e passa por suas botas, subindo devagar por nossas
pernas enquanto o sol nasce para nós e o resto do mundo. Eu gosto dele assim,
aqui no silêncio. Quando somos apenas ele e eu, e um sanduíche de bagel em um
saco de papel sobre o balcão. Biscoitos amanteigados no tabuleiro e o sopro
quente de sua respiração na pele do meu pescoço. Ele toca meu queixo com o
nariz e eu inclino a cabeça para o lado, expondo mais da minha pele para ele
explorar.
O que você ganha? pergunto vagamente, concentrada demais no contato
de seu corpo contra o meu.
Isso é um segredo, não é? Sua voz está mais baixa agora, um som
profundo que eu praticamente posso sentir. Ele roça o lábio inferior logo abaixo
da minha orelha e eu estremeço. O que eu ganho por guardar seus segredos,
Layla Dupree?
Murmuro, traçando a curva de seu maxilar com os olhos. Os cílios escuros e
fartos e as bochechas. De que cor elas cariam se eu abrisse mais um botão dessa
camisa elegante? Observo atenta quando seus lábios se separam em um suspiro
trêmulo. Parece que o jogo que ele começou está afetando a nós dois.
Eu sorrio.
O que você quer, Caleb Alvarez?
Ele ergue a cabeça e seu nariz esbarra no meu. Tira uma das mãos da curva do
meu braço para acomodá-la no alto das minhas costas, fazendo uma leve pressão
até que eu me curve contra ele. Ele desliza a mão para baixo, para baixo e para
baixo, com os dedos passando pelos cordões do meu avental. Um sorriso surge no
canto de sua boca. Quero mordê-lo.
Agarro a camisa dele.
Eu quero… Seus dedos encontram a ponta do cordão do avental e ele a
puxa.
O tecido que cobre meu peito começa a se soltar. Estou mais excitada do que se
ele tivesse colocado a mão por dentro da minha blusa.
O que você quer? pergunto, a voz falhando.
Ele acaricia meu pescoço com a outra mão. Passa os lábios no contorno do meu
rosto e depois mais para baixo, bem onde pode sentir minha pulsação. Não é bem
um beijo. Só seus lábios roçando a pele macia. Seu suspiro faz cócegas na pele
delicada, um murmúrio baixo de desejo. Meus joelhos fraquejam.
Quero alguns desses biscoitos sussurra em meu ouvido.
Eu resmungo e apoio a testa em seu peito. Ele gargalha na quietude da cozinha,
um som satisfeito, alto e profundo. Inclino a cabeça para trás para poder encará-lo.
Alguém já disse que você é um provocador?
Ele balança a cabeça, os dois braços em volta da minha cintura. Ele nos balança
para a frente e para trás, e eu não posso deixar de sorrir também. Gosto de cada
versão dele que me mostra. Gosto de Caleb Alvarez por completo.
Não, você é a primeira.
Que sorte a minha. Bato os nós dos dedos em sua clavícula e me afasto,
com a intenção de colocar a bancada entre nós. Não sei quando comecei a pensar
em beijar Caleb, só sei que tenho pensado. O tempo todo. É um zumbido sob
minha pele, que ecoa em meu sangue.
Talvez tenha sido na pista de patinação, quando eu o ajudei a se levantar
segurando seus dois braços enquanto ele xingava. Talvez tenha sido no escape
room, quando ele me abraçou pela cintura e me puxou para fora da mesa.
Ou talvez tenha sido naquela primeira noite no bar, com aquela camisa havaiana
ridícula e o cabelo bagunçado, a o calor abafado deixando tudo suado e quente.
Quando ele olhou para mim e realmente me viu.
Eu não sei. Só sei que quero a boca dele na minha. Quero aquele sorriso dele,
que se abre enviesado quando pressionado em minha pele. Mãos ávidas e aquelas
covinhas surgindo com o sorriso. Quero desembaraçar Caleb como se ele fosse os
cordões do meu avental.
É confuso. Surpreendente.
E me distrai.
No que você está pensando? murmura.
Estou pensando em que gosto ele teria após comer alguns dos biscoitos. Se já
tomou café e se eu também conseguiria sentir esse sabor.
Dou um sorriso contido. Ah, se ele soubesse.
Eu o cutuco no peito e depois me afasto.
Em algo delicioso.
10
CALEB

ACHO QUE FORCEI a barra com a Layla.


Depois daquele momento na padaria, ela está diferente. Não chateada. Só…
quieta, acho eu.
O sorriso dela ainda parece ser só meu, e ainda se demora com seus toques nos
nós dos meus dedos ou no meu pulso quando passo para tomar café e comer um
croissant. Temos planos para amanhã à noite, e ela respondeu a todas as minhas
mensagens. Mas ela parece distante.
Tal vez deberías besarla, osezno.
Para deixar claro, eu não pedi conselhos à minha avó.
Ela me viu aqui sentado na pequena e frágil mesa de madeira em sua cozinha e
decidiu me dar um conselho. Junto com um pote inteiro de chilaquiles, um prato
mexicano de tortilhas com molho.
Vim até aqui atrás de só uma dessas coisas.
Tem molho picante? pergunto.
Ela me dá um tapa na orelha com a colher.
Não precisa, já está perfeito responde ela e resmunga algo em espanhol
que soa como mimado e molho picante. Decido car de boca fechada.
Aonde você vai levar a menina amanhã? pergunta.
Não sei murmuro com a boca cheia de comida. Ela disse que queria
escolher dessa vez.
Melhor assim, se levar os últimos dois encontros em consideração. Meu olho
roxo agora assumiu um tom suave de amarelo e o inchaço sumiu quase todo. Já
consigo andar sem mancar. Melhor não abusar da sorte.
Por mais que a sensação seja a de que z besteira.
Minha avó assente em aprovação.
Que bom. Um homem que aceita receber ordens de uma mulher é um
homem que vale a pena.
Gracias, abuela.
Era um elogio pra ela, não pra você.
Gracias, abuela.
Cómete tus chilaquiles diz ela, mexendo na lava-louças. Eu me ofereceria
para ajudar, mas é bem provável que minha avó me bata com a colher de novo se
eu me levantar da mesa antes que o pote esteja vazio. Ela tem todo um lance com
comida.
Você devia ter dado um beijo nela. Ela repete o conselho.
Eu mexo meu garfo no pote.
Não sei, não.
Por quê? Minha avó se vira e ergue uma sobrancelha para mim, com o
cabelo preso em um coque frouxo. Ela está usando os brincos que ganhou do meu
abuelo no aniversário de cinquenta anos de casamento, feitos para parecerem
conchas, que re etem a luz da cozinha. O vestido vermelho-vivo balança em torno
de seus tornozelos, seu rosto suavizado pela idade e pela expressão divertida.
Fui casada por quase setenta anos, não fui? Meus conselhos não são bons?
Por supuesto que sí, abuela. É só que… eu acho que a deixei desconfortável
murmuro. Acho que fui longe demais. Eu queria provocá-la um pouco, mas depois
tudo fugiu do controle.
Eu perdi o controle.
Conseguia sentir o cheiro de açúcar em sua pele. Morangos frescos, biscoitos e o
xampu, algo leve e oral, como pétalas de rosa. Deslizei a palma da mão por suas
costas e senti cada vértebra de sua coluna, a respiração profunda e trêmula que ela
deu quando seu nariz tocou no meu pescoço. Quando baixei a cabeça e ela
murmurou, quase a peguei no colo e a deitei na ilha da cozinha.
Quem você deixou desconfortável?
A porta de tela nos fundos da casa da minha avó se abre e Charlie entra na
cozinha con ante como se zesse isso todos os dias , com um buquê de
ores na mão e o paletó do terno em um dos braços. Ele ignora minha cara de
espanto e entrega as ores à minha avó, com um beijo em ambas as bochechas.
Hermosa como siempre, Mariana diz para ela.
Ela sorri.
Franzo a testa, muito mais que confuso.
O que você está fazendo aqui?
Minha avó faz um som de desaprovação e bate nas minhas costas com a colher. É
um aviso.
No seas grosero, osezno.
Isso mesmo, ursinho. Charlie ergue as sobrancelhas, entretido e
presunçoso. Não seja grosseiro.
Charlie mora em Nova York. E trabalha em Nova York. Não entendo por que ele
está na cozinha da minha avó em uma tarde de dia de semana. Ignoro o fato de
minha avó me chamar de osezno, ursinho, meu apelido de infância na frente dele e
me concentro no que é mais importante. Por exemplo, porque ela tem três potes
de comida prontos para ele enquanto eu só recebi um.
Eres um ángel diz Charlie, melodioso, jogando o que eu presumo ser
milhares de dólares em alfaiataria sobre a cadeira à minha frente. O cara é uma
contradição ambulante. Na última vez que o vi, estava fazendo do armário de
casacos do meu irmão sua nova casa. Fico feliz de ver que se recuperou. Un
tesoro. Una reina.
Minha avó enrubesce em um tom forte de vermelho. Acho que é daí que vem o
meu rubor. Fico olhando para os dois, ainda atônito.
O que está acontecendo?
Charlie desaba em sua cadeira e joga a ponta da gravata sobre o ombro. Ele
reorganiza a tigela à sua frente.
O que parece que está acontecendo? É o meu almoço mensal com sua avó.
Almoço mensal.
Isso.
Com a minha avó.
Isso, Caleb. Foi isso mesmo que eu acabei de dizer. Meus parabéns.
Desde quando?
Desde que ele fez meu imposto de renda no ano passado explica minha
avó do fogão. Ela já está cozinhando outra coisa. Na verdade, é um milagre que
Charlie tenha sido o único a entrar pela porta até agora. Normalmente, a casa
costuma ser um uxo constante dos meus primos entrando e saindo. Acho que
meu tio Benjamín ainda tem um quarto aqui. Ele é um bom menino.
Charlie espeta um tomate com o garfo e o aponta para mim como uma arma.
Viu, ursinho? Eu sou um bom menino.
Não me chame assim.
Tarde demais. Já está gravado na minha mente. Agora você vai ser meu
ursinho pra sempre.
Suspiro e dou outra garfada em meu almoço tardio. Deixo de lado o fato de que
chilaquiles é um prato que se come no café da manhã e que minha avó me disse
que não tinha mais nada para comer. Uma bela de uma mentirosa.
É sério que você dirigiu até aqui só pra almoçar com a minha avó?
É óbvio. Observo minha avó entregar um copo de limonada para ele, que
sussurra algo em espanhol como resposta. Ela dá uma gargalhada alta e vibrante, o
som ecoando nas paredes e janelas. Um sorriso se insinua em meus lábios antes
que eu possa me lembrar de que estou irritado. Sempre amei a risada dela.
Também precisei trazer uns papéis para a Nova acrescenta. Ela está
tentando expandir o estúdio de tatuagem.
Ah, verdade. Ela quer comprar aquele espaço atrás da oricultura, não é?
O plano é esse. Charlie abre a tampa de mais um pote e solta um gemido
profundo e estrondoso de agradecimento. Aquele desgraçado. Minha abuela fez
bolo de tres leches para ele.
Abuela resmungo. Você disse que não tinha sobrado nada.
Ela só afasta metade do corpo do fogão, o rosto de per l.
E não tinha.
Então por que o Charlie tem metade de um bolo?
Porque ele cou com o que sobrou. Ela tira a colher da enorme panela no
fogão e arrasta o dedo pela borda. Prova o molho, faz uma careta, polvilha um
pouco de tempero em pó e volta a mexer. Agora pare com isso, você é um
homem ou uma criança? Por que está sentado aí choramingando?
Tu postre es mi favorito resmungo. Você sabe que eu amo seu tres leches.
Eu não estava falando da sobremesa. Estava falando da mulher.
Charlie apoia o queixo na mão e se balança na cadeira. Um homem do tamanho
dele deveria parecer ridículo fazendo isso, mas é claro que ele não ca. Ele parece
só ansioso e entretido, com o garfo frouxo na mão e as bochechas cheias de
chantili, canela e pão de ló. Babaca. Esse bolo era meu.
Com o cabelo escuro e olhos azuis brilhantes, ele se parece com a meia-irmã,
Stella.
Eles também compartilham a falta de sutileza.
Vamos falar mais dessa mulher pede Charlie.
Não, obrigado.
Ah, relaxe. Charlie abre seu terceiro pote e faz mais uma série de elogios à
minha avó em espanhol. Eu nem sabia que ele falava espanhol. Eu sei que você
e a Layla têm um lance.
Um lance?
Um lance. Mas tenho que dar o braço a torcer. Acho que essa é a primeira vez
que vejo a rede de comunicação secreta perplexa. Ninguém sabe o que está
rolando de verdade com vocês dois. O Gus deu algumas opiniões depois do
escape room, mas…
O quê?!
Mas ninguém tem certeza de nada.
Bom, acho que somos dois então. Ou… seja lá quantas pessoas estejam na rede
de comunicação neste instante.
Mudo de assunto.
Como você entrou na rede de comunicação?
Charlie faz uma careta.
E por que eu não estaria na rede?
Porque você não mora aqui.
Ele bate o punho cerrado no peito duas vezes.
Meu coração mora aqui. É só isso que importa para a rede de comunicação.
Mas pare de enrolar e me conte o que está pegando entre você e a Layla.
Nós estamos… namorando.
Charlie estreita os olhos.
Você não me parece muito convencido disso.
Eu me remexo em meu assento. Acho que não estou. Ainda mais depois do que
aconteceu no outro dia. Ou não aconteceu. Não sei.
É um namoro de mentirinha, pra praticar. Por um mês. Tem prazo de
validade.
Precisa ter. Só tive dois encontros com a Layla e os dois terminaram em
acidentes, mas, ainda assim, sinto que estou me entregando. Gosto de vê-la sorrir.
Gosto de ouvir a risada dela. Gosto de segurar sua mão e encostar meu queixo na
cabeça dela. Gosto de seu humor sarcástico e de como sempre percebe minhas
conversas adas. Gosto de poder descobrir todas as diferentes partes dela. Eu
gosto dela.
Um mês. Vai ser su ciente.
Tem que ser.
Quem teve essa ideia?
Eu. Talvez. Faz sentido que seja assim.
Odeio dar más notícias, meu amigo. Isso não faz sentido nenhum, mas você é
livre pra acreditar no que quiser.
Eles ainda não se beijaram frisa minha avó do fogão. Ela quer ser
beijada.
Charlie se reclina na cadeira com um suspiro pesado de decepção.
Cara diz ele com os olhos arregalados. Se ela quer ser beijada, você tem
que dar um beijo nela.
Eu me ocupo com os talheres, sem desviar o olhar do tampo da mesa.
Eu não sei se ela quer ser beijada.
Charlie e minha avó fazem o mesmo som de desdém. Minha avó acrescenta
alguns palavrões bem criativos junto.
Você sabe insiste Charlie , é só pensar. Ela deu algum sinal?
As mãos dela agarrando a parte de trás da minha camisa. Seu nariz contra o meu.
Aquele som discreto que ela fez, murmurando, quando encontrei a ponta do
avental e a puxei.
Viu? Charlie aponta o garfo para mim de novo. Ela quer ser beijada.
AINDA ESTOU PENSANDO em tudo isso quando entro na garagem da casa de Layla
duas horas depois, segurando um pequeno buquê de lavandas na mão esquerda.
Estou pensando nisso quando bato à porta, e estou pensando nisso quando ouço
passos leves no corredor através da porta da frente.
Layla abre a porta e sorri para mim. Ela está usando um vestido branco curto
que valoriza a cor de sua pele, e também me faz querer me ajoelhar, prender o
tecido entre os dedos e subi-lo até o umbigo.
Engulo em seco.
Pra você.
Ela não faz menção de pegar o buquê, o sorriso oscilando.
Está tudo bem?
Eu assinto. Depois balanço a cabeça. Ela abre um pouco mais a porta e faz sinal
para que eu entre.
Entre. Não precisamos sair agora.
Avanço para o corredor e paro. A casa de Layla se parece tanto com ela, perfeita,
maravilhosa. Há cor por toda parte, desde o tapete rosa-claro sobre o piso de
madeira desgastado até o sofá azul-marinho encostado na parede, coberto com
almofadas de todos os formatos e tamanhos. Há pelo menos cinquenta mantas de
várias cores e texturas em uma cesta ao lado da estante, plantas, livros e porta-
retratos competindo por espaço.
Pego uma foto em uma moldura dourada, com o metal em forma de vinhas
enroladas em volta da imagem. Layla e três mulheres que se parecem com ela. O
mesmo cabelo, os mesmos olhos e o mesmo sorriso, mas Layla ainda se destaca
das demais. Seu sorriso é um pouco mais selvagem, um pouco mais livre.
Suas irmãs?
Layla concorda.
Quando nos reunimos para o aniversário do meu pai.
Você não fala muito delas.
Ela dá de ombros, pega uma manta estendida sobre a poltrona e a dobra em um
quadrado bem arrumado.
Não somos tão próximas quanto eu gostaria. Quando fui para a faculdade,
elas caram perto dos meus pais. Ela arruma o cabelo atrás das orelhas. Já
percebi que faz isso quando está desconfortável. Eu franzo a testa. Ela dá de
ombros e abre um sorriso discreto. Nem todo mundo tem um monte de
primos dispostos a usar camisas havaianas pela gente.
Coloco a foto de volta no lugar.
Elas nunca vieram visitar?
Ela balança a cabeça.
Não, até agora, não. Acho que meu pai ainda torce para que seja uma fase.
Essa coisa de confeitaria.
O que Layla faz é muito mais que confeitaria. Odeio que ela fale da empresa que
criou como uma coisa.
Essa coisa de confeitaria?
Ela murmura e pega um pote de geleia meio vazio em outra mesinha.
Peguei do Becke explica calmamente. Ela expira fundo, para criar
coragem de falar. Estudei matemática e engenharia na faculdade. Não sei se
você sabe disso. Sempre fui muito boa com números, mas, não sei, não era algo
que me empolgava. Estava me sentindo meio perdida no último ano, um pouco
sozinha, e a Stella… a Stella era minha melhor amiga. Então recusei algumas
ofertas de emprego que recebi e decidi vir pra cá atrás dela. Acho que meu pai
ainda não me perdoou por isso.
Ele queria que você fosse engenheira?
Ela concorda.
Acho que tinha esperança que eu me alistasse na Marinha, como ele fez.
Minhas irmãs estão todas envolvidas na vida militar de alguma forma, seja com
emprego, apoiando a base ou casadas com militares. E eu estou aqui, uma
decepção com meu café e meus croissants.
Franzo a testa.
Eu nunca me decepciono com seu café e seus croissants.
Ela abre um sorriso discreto, tímido.
Eu sei que não.
Mas, Layla, falando sério. É importante que ela me ouça. Que ela entenda.
Você sabe que o que você criou vai muito além de uma padaria, né? O seu
negócio.
Ela dá de ombros, e eu engulo o resto da minha curiosidade. Tenho tantas
perguntas para fazer. Por que ela estudou engenharia se nunca gostou? O que ela
queria fazer? Por que achava que uma cidade pequena no litoral de Maryland era o
único lugar para onde poderia ir? É por isso que ela acha que só merece o mínimo
dos homens?
Ao menos me conforta que ela pareça feliz aqui. Que tenha encontrado um lar
em Inglewild. Olho para a foto dela e de suas irmãs mais uma vez e cutuco a
moldura com o polegar até que ela que centralizada na mesinha. É claro que
Layla manteria uma foto delas em sua casa, apesar das decepções.
Azar o deles sussurro baixinho. Tão baixo que ela mal consegue ouvir.
Eu observo enquanto ela caminha para a cozinha, seu vestido branco me
provocando enquanto roça em suas coxas. É muito fácil imaginá-la passando os
dias aqui: recostada no sofá com uma xícara de café; trabalhando na cozinha com
o cabelo solto e um de seus lenços acariciando a pele nua de suas costas;
cantarolando enquanto desenrola uma massa de torta, com farinha em cada canto
da bancada.
E que cara é essa aí?
Você me mostra partes de si mesma que quero colecionar como conchas. Não consigo
parar de pensar em beijar você, e não faço ideia de como você se sentiria se cruzarmos
esse limite. Não quero assustá-la. Não quero me envolver demais.
Se bem que acho que é um pouco tarde para escapar desse último pensamento.
Dou de ombros e me sento em um banco rosa-claro que parece ter saído do
Mundo dos Doces Encantados. Dou uma olhada nas palavras cruzadas que ela
deixou pela metade na bancada. Tenho certeza de que a resposta para a linha sete
horizontal é desesperado. Nada mais apropriado.
Ela para de reorganizar os vasos na bancada. Seis deles, todos repletos de
diferentes tipos de ores. Isso me faz sorrir.
Nosso acordo signi ca que você pode me fazer perguntas, Caleb. Esse é o
objetivo.
Nosso acordo. Fico grato pelo lembrete. Não tenho nada a perder ao falar com
Layla, exceto talvez um pouco da minha sanidade. Limpo a garganta e coloco o
buquê na beirada do balcão.
Você queria que eu beijasse você naquele dia?
Ela se atrapalha com o pote de geleia que havia acabado de colocar de lado,
fazendo-o cair na pia da cozinha em uma cacofonia de sons. Assim que o ajeita,
olha para mim por cima do ombro.
O quê?
Apoio os braços no balcão e retribuo seu olhar.
Você queria que eu beijasse você? Na padaria?
Bom… Ela se vira para mim, as mãos ocupadas com um pano de prato.
Ela hesita, e eu a observo pesar as palavras. Achei que você fosse me beijar.
Isso não responde ao que perguntei. Pensar que alguém ia fazer algo e querer
que a pessoa faça são duas coisas muito diferentes.
Você quer que eu beije você, Layla?
Sinto um arrepio em algum lugar perto da base da minha coluna. Eu sei a minha
resposta para essa pergunta. Quero dar um beijo nela. Quero dar um beijo nela
mais do que quero outro daqueles pães doces de caramelo com or de sal, e isso
quer dizer que quero muito.
Quando as pessoas estão namorando, elas se beijam, não é? A voz dela soa
baixa, provocante. Mas há um fogo em seus olhos que só vi por alguns segundos
antes. Seguro a bancada com força.
Aham.
Então, talvez… Ela pega o buquê que eu trouxe e seus dedos roçam a
parte de cima da minha mão. Ela os leva até meu pulso, dá dois tapinhas e deixa a
mão ali. Fala baixinho, a voz rouca, e sinto minha pele toda se arrepiar. Talvez
seja melhor revisarmos os detalhes do nosso acordo.
Algo em meu peito se abre, se revela, se desenrola. Viro minha mão para segurar
a dela. Envolvo meus dedos nos dela e aperto.
Talvez seja melhor mesmo.
11
LAYLA

ACHEI QUE CALEB fosse me beijar agora.


Depois de desabafar, de repente, sobre a questão da minha família com ele, achei
que se levantaria daquele banco, me encostaria na bancada, en aria a mão no meu
cabelo da mesma forma que fez com o cordão do meu avental e me daria uma
distração e tanto. Pensei que ele me beijaria.
Mas não é o que ele faz. Em vez disso, ele afasta a mão da minha e me conduz
pela porta até o carro como se tivéssemos acabado de conversar sobre os preços
no mercado, e não sobre os pormenores dos limites físicos do nosso
relacionamento.
Ele segura a porta do jipe e coloca a mão na parte inferior de minhas costas
enquanto entro. Ele me deixa escolher a estação de rádio e mantém as duas mãos
no volante enquanto dou as instruções para o local que escolhi. A estrada é ampla,
com campos verdes de ambos os lados. Ele aumenta a velocidade para cem
quilômetros por hora assim que entramos na rodovia que leva ao litoral, o vento
quente fazendo meu cabelo bater e meu lenço se enrolar em mim em uma dança
de rosa e azul. Solto uma risada quando Caleb tenta colocá-lo atrás da minha
orelha, mas só consegue enrolá-lo em seu pulso. Tiro o lenço do cabelo e o coloco
em seu braço, e ele sorri para mim banco do motorista, as bochechas rosadas.
Quanto mais perto chegamos, mais rico de cheiros o ar ca. Sal marinho e
madeira. Caramelo da loja de doces bem na esquina do calçadão. Os campos se
transformam em dunas e salgueiros, estendendo seus longos dedos verdes para o
céu azul in nito acima de nós.
É o trajeto perfeito para o verão.
Mas queria que Caleb me beijasse.
Não entendo. Quero que Caleb me beije. E eu quero beijá-lo. Achei que tinha
deixado isso bem claro. Mas faz quarenta e cinco minutos que ele está dirigindo
até a praia sem encostar os lábios nos meus, e agora estou frustrada.
Você vai me beijar ou não?
Eis a beleza do nosso acordo. Posso perguntar o que quiser, quando quiser, sem
me preocupar com a possibilidade de assustar Caleb. Isso é libertador de uma
forma que eu não esperava. Sei que, não importa o que aconteça, nós dois
estaremos bem no m do mês.
Também me divirto ao vê-lo quase tropeçar e cair enquanto caminhamos do
estacionamento até a praia, com o cascalho pouco a pouco se transformando em
areia. Paramos para comprar guloseimas no quiosque da orla, dois sorvetes com
casquinha sabor laranja nas minhas mãos enquanto Caleb tenta amarrar o lenço
no meu cabelo. O sorvete na minha mão esquerda está começando a derreter e
escorrer pelos dedos.
Caleb termina de arrumar meu cabelo e segura a mão com o sorvete que derrete
devagar, levando meus dedos lambuzados até a boca sem pensar. Quase não
consigo respirar quando ele inclina a boca até a minha mão, o lábio inferior
roçando nos nós dos meus dedos, o lento arrastar da língua onde o sorvete escorre
na minha pele. Ele faz isso sem hesitar como se fosse um costume nosso , e
agora sou eu quem não consegue se equilibrar.
Ainda não responde, afastando a boca da minha mão e me rmando com
o braço nos meus ombros. Com certeza preciso de apoio depois disso. Ele inclina
a casquinha cremosa para o lado e resgata um pouco do sorvete que escorre com
outra lambida obscena. Sinto cada centímetro do meu corpo se arrepiar.
Preciso de um plano.
Não consigo conter a risada.
Ah, é?
Ele assente e lambe o sorvete outra vez.
É. Você merece um beijo dos bons, tipo de cinema.
O peso que nem percebi que carregava de repente deixa meus ombros. Caleb
também quer me beijar. Um sentimento terno e suave se enrola em meu peito.
É mesmo?
Ele concorda e me olha de soslaio.
Fogos de artifício, estrelas cadentes continua ele e sorri por trás de uma
montanha de baunilha que está diminuindo depressa e coisas do tipo.
Adoraria saber o que são coisas do tipo.
Achei que você gostaria mesmo.
Parece bem complicado.
Ele dá de ombros, com o braço encostado no meu. Seus dedos traçam um
padrão preguiçoso na pele nua do meu ombro. Acho que não percebe que está
fazendo isso, o que me faz gostar ainda mais, esses segredos ocultos escritos em
minha pele.
Eu vou planejar. Posso avisar antes, se você preferir.
Seria ótimo, obrigada.
O prazer é todo meu, Layla.
Algo me diz que o prazer também será meu.
Paramos no m da cerca de junco que margeia o pequeno calçadão até a praia,
onde as dunas se transformam em areia leve e na. A praia está quase vazia a esta
hora do dia, as famílias arrumando suas cadeiras, guarda-sóis, toalhas e
brinquedos para voltar para os hotéis. Somos os únicos nos aproximando do mar,
o ruído do quebrar das ondas nos chamando para mais perto.
Pego uma manta na bolsa e depois a garrafa de suco de maçã, entregando ambos
a Caleb. Ele desdobra a manta com um movimento rápido da mão e depois olha
para o suco. Eu não deveria achar isso tão atraente.
Você trouxe suco de maçã?
Vinho corrijo. Não queria trazer a garrafa. É proibido trazer vidro pra
praia.
Linda e inteligente diz. E então tenta espiar na minha bolsa. O que
mais você trouxe?
Um pedaço de queijo. Um pão recém-assado e embrulhado em papel de cera,
amarrado com um pedaço de barbante rosa choque que encontrei em uma gaveta
da ilha da cozinha. Um pouco de salame seco do Luka e…
Isso é bolo de morango?
Estendo o pote para Caleb, que se joga de joelhos na manta, as mãos estendidas.
Fico em pé atrás dele enquanto tiro o restante das coisas da bolsa.
É, sim.
Posso comer esse primeiro?
A gente já tomou sorvete ressalto. Acho que bolo de morango é a
escolha mais lógica depois disso.
Ele faz um som de profunda satisfação e abre a tampa do pote. Paro por um
segundo e o observo enquanto ele pega o garfo. Cabelo despenteado e pele
marrom, a ponta das orelhas já um pouco queimadas do sol. Deixo os nós dos
meus dedos roçarem sua nuca, e ele inclina a cabeça até encostá-la em minha coxa,
os olhos castanhos sorrindo para mim. O ar salgado do mar e o som das ondas tão
alto em meus ouvidos. Aquelas linhas nos olhos de Caleb, surgindo só para mim.
Bom.
Para mim e para o bolo.
Se você não se sentar logo diz, alegre, o sorriso se alargando , vou
comer tudo isso sozinho.
Que bom, porque eu z pra você.
Pego a garrafa de suco de maçã e um dos copos de papel que coloquei na bolsa e
me sento ao lado dele, o joelho encostado em sua coxa. Ele me segura pela cintura
e me puxa um pouco até que eu me aconchegue contra ele, a mão enorme em meu
joelho, nossos braços pressionados confortavelmente um no outro.
Ele parece mais à vontade para demonstrar afeto agora. É como se a nossa
conversa na cozinha tivesse cortado as amarras que o prendiam. Também cortou
algumas das minhas. Sei que Caleb ca preocupado, achando que está apressando
as coisas, mas, para ser sincera, bem que eu queria que ele apressasse um pouco
mais.
Ofereço um gole do vinho.
Me conte, como foi o seu dia?
Seu sorriso se abre mais, como se essa fosse a melhor pergunta que eu poderia
ter feito. Como se ele estivesse esperando desde sempre que alguém perguntasse
isso. Que alguém se importasse com os pequenos detalhes.
Bom, o Jeremy me entregou o primeiro rascunho da tarefa do poema de
amor.
Por favor, por favorzinho, pelo amor de Deus, me diga que você trouxe.
Ele tira um pedaço de papel dobrado do bolso e o entrega para mim. Eu dou um
gritinho de alegria.
Não, não. Pressiono o papel de volta na mão dele. Quero uma leitura
dramática.
Caleb dá uma gargalhada e apoia o papel na manta para desdobrá-lo com uma
das mãos enquanto garfa um pedaço gigantesco do bolo com a outra e o coloca na
boca. Presto bastante atenção na boca dele trabalhando, no creme que ca no
canto dos lábios. Ele pega outra garfada e me oferece. Eu me inclino para a frente e
seguro seu pulso, mantendo o garfo rme entre nós. A acidez do morango, o
creme doce e lisinho. Uma mordida perfeita que me faz murmurar de satisfação.
Arrisco olhar para o rosto de Caleb. Seus olhos estão grudados na minha boca, o
peito subindo e descendo com a respiração ofegante.
Engulo e passo a ponta dos dedos no lábio inferior, certi cando-me de limpar
todo o creme.
Está tudo bem?
Aham, tudo bem responde com a voz baixa. Balança a cabeça e olha para
o pote. Eu vou, ah, vou ler o poema.
Encantada, entrelaço os dedos e apoio o queixo nas mãos, ansiosa. Caleb ri de
como me preparo para ouvir e alisa o papel na perna. Imagino muitas
possibilidades. Jeremy me ajudou na padaria na última primavera, e sei que ele
conhece uma quantidade assustadora de letras do Ja Rule.
Ele limpa a garganta e eu observo seus olhos examinarem o papel. Um sorriso
surge no canto de sua boca, fazendo a covinha aparecer discretamente.
Y yo me voy’a dar un shot por ti, espero que estés bien começa. Yo he estao
con mile y tú sigue en el top ten. Suas bochechas cam de um vermelho-brasa e
ele me lança um olhar rápido antes de voltar a atenção para o papel. No me lo
niegue, baby, que yo también.
Fico olhando para ele, a boca entreaberta. Acho que nunca ouvi Caleb falar
tantas palavras em espanhol antes. Já o ouvi dizer uma ou duas palavras diferentes
em uma conversa, mas nunca algo tão… extenso. Estico minhas pernas contra a
manta e pressiono a ponta dos dedos no pescoço, de repente minha garganta
parece seca. Sinto que preciso de um copo de algo forte. Ou de um cigarro, talvez.
Resisto à vontade de me abanar e me forço a voltar a atenção ao poema.
Eu não entendo espanhol muito bem, mas você disse alguma coisa de top
dez?
Caleb dobra o pedaço de papel e o coloca de volta no bolso.
Disse sim.
E eu ouvi um vem com tudo baby no meio?
Não posso con rmar nem negar. As bochechas de Caleb cam ainda mais
vermelhas, mas ele está sorrindo. É um trabalho em andamento.
Solto uma risada e pego o pão, desembrulhando-o do papel e cortando uma
fatia. Caleb fecha o pote do bolo com um último olhar do mais puro desejo e
depois nos serve mais vinho. Nós nos movemos com perfeição ao redor um do
outro, a ponta de seus dedos em meu ombro, na parte inferior das minhas costas,
na curva do meu pescoço. Ele passa a palma da mão por baixo do meu cabelo e
gira o lenço de seda entre os dedos, arrastando-o pela palma da mão e puxando
com delicadeza.
Estar com ele aqui é tão tranquilo. Compartilhando como foi nosso dia e
observando as ondas. Com os dedos dos pés en ados na areia geladinha,
enquanto o sol se põe cada vez mais baixo no céu, um globo laranja ardente que
projeta a luz dourada em todas as direções.
É tão tranquilo que quase assusta.
Então estamos quase na metade do experimento comenta, a boca a cinco
centímetros do meu ombro. Sinto arrepios. Como estou me saindo?
Quero me recostar em seu peito e sentir seus braços ao meu redor. Quero
deslizar meus dedos entre os botões de sua camisa e ver o rubor tingir suas
bochechas. Quero muitas coisas, mais e mais a cada dia.
Não sei dizer. Ergo as sobrancelhas e corto outro pedaço de pão. Você
ainda não me beijou. Não posso julgar ainda.
A verdade é que não faço ideia de porque todas as outras mulheres abriram mão
de Caleb. Ele é meigo. Gentil. Atencioso de todas as maneiras certas. Ainda que
não tenha me beijado, percebo como me olha às vezes. O desejo comedido. A
consideração cuidadosa. Como se estivesse calculando a rota, todos os lugares em
que pararia e se ocuparia com a boca, a língua e os dentes.
Como é possível que eu não tenha notado esse homem antes? Como todas as
outras mulheres abriram mão dele?
Ele me lança um olhar signi cativo, os olhos castanhos aquecidos como ouro
líquido.
Eu já expliquei.
Aham, tá bom. Balanço a mão entre nós. Fogos de artifício. E coisas do
tipo.
Ele estica as longas pernas e se apoia na palma das mãos, um sorriso secreto
fazendo os lábios se curvarem. Olha para a água por um longo momento, e um
pouco do calor entre nós parece diminuir e se assentar.
Você está preparada para a entrevista?
Assinto. A equipe da Baltimore Magazine visitará a fazenda na próxima semana.
Tenho passado todo o meu tempo livre organizando e reorganizando a padaria.
Testando novas receitas. Praticando expressões normais no espelho para que eu
não pareça maluca nas fotos.
Quase. Estou tentando decidir o que preparar pra eles. Coloco um
morango na boca. Quero que seja surpreendente.
Layla. Caleb ri como se eu tivesse contado uma piada , você é
surpreendente.
Dou de ombros e me ocupo fazendo um castelo de copinhos de papel.
Eu sei. Mas quero que eles quem deslumbrados, sabe? Não quero que
pensem que cometeram um erro quando chegarem e virem a padaria.
Já vi algumas das padarias que costumam mostrar na revista. São grandes,
modernas e bonitas. Com luminárias personalizadas, azulejos pintados à mão e
fogões que não foram resgatados do refeitório da escola da cidade.
Ainda não tenho certeza de que tudo isso não foi fruto de uma grande confusão.
Layla.
Abro outro pote e pego um mirtilo, sem encará-lo.
Estou pensando em usar ores comestíveis nas tortinhas de creme. Ou nos
macarons, quem sabe.
Caleb apoia os dedos no meu joelho. O polegar pressiona a pele macia.
Layla, por que você acha que não merece isso?
Não acho que eu não mereço.
Ele ergue uma sobrancelha. Uma rajada de vento sopra da direção do mar e uma
única mecha de cabelo escuro cai sobre sua testa. Hesito por um instante e depois
a ajeito.
Não é isso digo mais uma vez, sem saber se estou tentando convencer a
mim mesma ou a ele. Eu só co preocupada…
Hesito, sem saber o que falar. Caleb apoia a mão inteira na minha coxa e me
puxa para mais perto.
Preocupada com o quê?
Não quero que seja um erro confesso baixinho. Ele se inclina para a frente
para me ouvir melhor por causa do som das ondas. Tento ser corajosa. Não
quero que eles me vejam e pensem que podem encontrar alguém melhor pra
aparecer na revista. Quero que a minha padaria seja boa o su ciente. Quero ser
boa o su ciente.
Ele tira a mão da minha perna e roça os nós dos dedos no meu queixo. Inclina
meu rosto para cima até que eu esteja olhando para ele.
Isso não é só por causa da revista, né?
Não. São todos os encontros fracassados dos últimos três anos. São os oito
meses que passei com Jacob, tentando fazer com que ele me amasse. São meus
pais, que ngiram interesse quando liguei e contei da entrevista, mas depois me
perguntaram se eu planejava voltar a estudar para fazer mestrado. São minhas
irmãs, que não se dão ao trabalho de retornar minhas ligações. É ver todos ao meu
redor se apaixonarem enquanto tenho di culdade de fazer o mesmo. São todas as
decepções que já tive, empilhadas umas sobre as outras como um castelo de cartas
bambo.
Não admito, por m , não é.
O olhar de Caleb está xo no meu. Nunca o vi tão sério, nem mesmo quando
pensou que alguém estava invadindo a padaria e cogitou usar meu batedor de ovos
gigantesco como arma.
Você merece coisas boas, meu bem. Ele engole em seco, os olhos
procurando os meus. Por que não consegue se enxergar? Por que não consegue
ver como você é incrível?
Porque digo, a voz trêmula. Porque ninguém mais fez questão de me
enxergar.
Ele esfrega o polegar no lábio inferior, e os olhos castanhos cam mais sombrios.
Olha para as ondas, parecendo tentar se recompor antes de voltar a falar.
Você sabe que sempre usa laranja às terças-feiras?
Eu pisco algumas vezes, confusa com a mudança repentina de assunto.
O quê?
Você usa a cor laranja diz ele de novo , às terças-feiras. Às vezes é só um
lenço no cabelo, outras vezes é o vestido, os sapatos ou o avental. Uma vez você
usou uma blusa laranja-vivo e um shortinho laranja que eu juro que diminuiu
minha expectativa de vida em uns dois a sete anos. Ele suspira e coça a nuca.
Você toma chá de camomila à tarde. E tem uma linha de expressão que aparece
bem aqui acrescenta, arrastando a ponta do dedo no canto da minha boca
quando quer tentar esconder a empolgação.
Ele passa o polegar na curva da minha bochecha, descendo pelo maxilar até o
espaço secreto atrás da minha orelha que sempre me faz estremecer. Ele acaricia
esse ponto e depois segura meu rosto com as duas mãos.
Você criou o seu negócio sozinha, com as próprias mãos. Tudo o que tinha
era um galpão velho onde cavam os tratores. E o que você criou também é
incrível para todos nós. Ninguém vai a sua padaria à toa, e ninguém gosta de você
à toa. Eu noto você, Layla Dupree. Ele fala com tanta rmeza, tão determinado,
que não consigo deixar de acreditar. Tão claro como o dia, eu sempre notei
você.
12
LAYLA

SOMOS EXPULSOS DA praia por uma tempestade.


Em um segundo, Caleb está com meu rosto entre as mãos e, no outro, estamos
tentando pegar a manta enquanto trovões estalam acima de nós, nuvens espessas
deslizando depressa sobre o mar. Caleb pega o pote do bolo e o segura junto ao
peito, como se sua vida dependesse disso, quando as primeiras gotas de chuva
começam a cair.
Um estrondo de trovão ecoa alto. Nós dois congelamos no lugar e olhamos um
para o outro.
A boca de Caleb forma uma linha na e a camisa já molhada começa a grudar na
pele.
Vamos correndo?
Concordo, o vento aumentando. Pego o pote do bolo da mão dele e o en o na
bolsa também, pendurando a bolsa com tudo no ombro. Caleb revira os olhos.
Me dê a bolsa, Layla.
Não. Balanço a cabeça. Eu consigo levar.
Sei que você consegue, mas quero ajudar.
Não quero car discutindo por causa da bolsa. Só quero chegar ao carro logo.
As nuvens no céu estão pesadas, escuras e mais do que um pouco agourentas. É
uma vergonha que eu não tenha percebido antes, mas estava distraída com os
olhos e as mãos de Caleb e…
Eu noto você. Sempre notei.
Há quanto tempo estou olhando para o lugar errado enquanto Caleb olhava
diretamente para mim?
Um relâmpago rasga o céu sobre as ondas agitadas. É como se a Mãe Natureza
tivesse decidido ir de zero a cem em um minuto.
Você tem razão diz Caleb. Ele se abaixa e abraça minhas pernas, a mão
quente na pele nua das minhas coxas. Ele me levanta e me acomoda no ombro
como se eu fosse um saco de farinha, a bolsa batendo na parte inferior de suas
costas. Vamos.
Eu me agarro às laterais da camiseta dele com força, aos berros.
Não foi isso que eu quis dizer!
Ele ri, e o som se perde em meio ao vento, à chuva e aos trovões. Eu solto uma
gargalhada e seguro em sua cintura enquanto ele nos leva para o estacionamento.
Não sei se estou tonta por estar de cabeça para baixo ou pelo eco de suas palavras.
Tudo o que sei é que sinto as gotas frias da chuva em minha pele quente e Caleb,
sua força e sua risada, enquanto ele segue para o estacionamento. Ele me apoia na
lateral do carro, procurando as chaves no bolso enquanto a chuva começa a
encharcar nós dois, o cabelo escuro grudando na testa. Eu o afasto e ele sorri para
mim por baixo dos cílios espessos, um sorriso discreto, tímido e secretamente
satisfeito.
Pode entrar pede, me apressando para entrar no carro, seu corpo
protegendo o meu contra o pior da chuva. Assim que fecho a porta, ele corre para
a frente. A chuva cai sobre o carro, um tamborilar pesado que abafa todo o resto.
Quando Caleb en m consegue se sentar ao meu lado, ele está encharcado nos
braços, no pescoço e no rosto. A camiseta azul-clara está pingando.
Limpo a garganta e desvio o olhar do tecido grudado em seu peito. Dá para ver
tudo. Ele é muito… de nido.
Limpo a garganta de novo.
Você tem alguma toalha aqui? Meus olhos continuam indo parar nele e na
camiseta molhada. Fui hipnotizada por seu peito largo. Incapacitada pelos bíceps
exionados.
Ele passa a mão pelo rosto em um esforço para limpar a chuva dos olhos e pisca
para mim, o olhar se demorando na gola do meu vestido. Suas bochechas cam
vermelhas e ele desvia o olhar, os olhos encontrando o painel e se xando ali
como se o rádio tivesse acabado de revelar todos os segredos do universo. Olho
para baixo, para o meu vestido. A chuva fez com que o tecido branco casse quase
transparente. É possível ver os contornos do meu sutiã rosa-claro, a renda
provocante na parte de cima.
Caleb tateia o banco de trás sem olhar.
Tenho isso aqui responde, a voz rouca. A tensão paira no ar entre nós, me
deixando inquieta, e balanço as pernas sem parar contra o couro. Gosto muito do
jeito que ele fala. Quero saber qual a sensação de ouvir essa voz no meu ouvido,
logo abaixo dele. Se caria mais tensa e o puxaria contra a pele macia da minha
barriga. Entre minhas pernas abertas.
Ele me entrega uma camiseta preta, pego o tecido quente e gasto entre meus
dedos. Fico sentada ali, muda, com a camiseta dele no colo.
Está limpa explica , pode usar por cima do vestido.
Ótimo, obrigada. Tiro o lenço do cabelo e o deixo no porta-copos entre
nós. Enquanto tento colocar a camiseta, bato os cotovelos na janela, no painel, no
ombro de Caleb.
Ele dá uma risada e, em seguida, suas mãos estão ali, guiando o tecido. Braços,
cabeça, ombros. Passo a cabeça pelo buraco e ele tira meu cabelo de dentro da
gola, o toque demorado. Ele traça a base do meu pescoço com o polegar até a
manga da camiseta. Alisa o tecido.
Eu nem sei se estava amassado.
Você está bonita declara, com a voz rouca.
Pareço um rato afogado.
Mas está bonita.
Nós nos olhamos e não desviamos o olhar. Ele cerra o maxilar.
Ele não está me olhando de um jeito educado.
Seria muito fácil diminuir os quinze centímetros de espaço entre nós. Eu poderia
passar a mão por sua camiseta molhada e puxá-lo para mim, a chuva batendo no
teto do carro e os trovões iluminando o vidro embaçado das janelas. Eu pegaria
seu lábio inferior entre os meus e o beijaria como queria ter feito na cozinha.
Sentiria o gosto do bolo em sua língua e veria que tipo de sons ele faz quando
sente desejo.
Layla diz em um som baixo que parece car preso no fundo de sua
garganta. Um som que testa todos os limites da minha compostura.
Eu me inclino para a frente e encosto meu nariz no dele. Quero tanto isso, quero
ele, desesperadamente. Caleb exiona a mão que ainda está no meu braço.
Fogos de artifício? pergunto. E coisas do tipo.
Sinto sua risada roçando em meus lábios. É um som baixo e rouco que me atinge
com tudo.
Ainda não. Ele deposita um beijo na ponta do meu nariz e se reclina.
Coloque o cinto de segurança, sua arruaceira.
Eu faço beicinho.
Você me provoca demais, Caleb Alvarez.
Ele me olha de canto de olho enquanto liga o carro e puxa o cinto de segurança.
Olha xamente para a barra da camiseta em minhas coxas nuas. Pareço muito
menor com ela, o tecido grosso e macio chegando quase até os joelhos. Cobrindo
meu vestido por completo e fazendo parecer que não estou usando nada por
baixo.
Ele suspira como se tivesse resistido a muita coisa.
Digo o mesmo, Layla Dupree.
SÓ ESTOU dizendo que baunilha é uma escolha simples demais digo para
Caleb.
É um clássico retruca.
É sem graça. Pergunto qual sabor de sorvete você escolheria se só pudesse
tomar um pelo resto da vida e a sua resposta é baunilha? Balanço a cabeça
enquanto Caleb estaciona na minha garagem. É quase ofensivo.
Ele puxa o freio de mão e dá um sorriso aberto.
Baunilha não precisa ser sem graça. É muito versátil. Combina com muitas
outras coisas e ca delicioso.
Acho que não estamos mais falando de sabores de sorvete. Algo em minha
barriga se contorce quando ele diz a palavra delicioso, um calor que se espalha,
devagar, por cada centímetro do meu corpo. Caleb lambe o lábio inferior e seu
sorriso aumenta. Eu o cutuco uma vez nas costelas, rápido e com força.
Ele se encolhe e dá um tapinha na minha mão.
Ei, vá com calma. Esse é o primeiro encontro que eu não saí todo
machucado.
Faço questão de veri car meu relógio inexistente.
Ainda.
Espero que não aconteça nada daqui até a sua porta.
Olho pelo para-brisa. A tempestade já cou para trás, mas a chuva ainda
continua. A água escorre pelas janelas, nos mantendo encobertos na entrada da
minha garagem. Parece que estamos em nossa própria bolha particular, longe do
resto do mundo.
Gosto disso. Gosto de estar escondida assim com Caleb.
Eu tenho uma pergunta digo no silêncio do carro. Caleb está ocupado
mexendo no rádio, ngindo que não está me observando com o canto do olho
desde que estacionamos aqui. Gosto desse jeito discreto de ertar. Gosto do fato
de que, às vezes, ele precisa se esforçar para isso. Gosto que as emoções,
pensamentos e sentimentos dele estejam sempre tão óbvios em seu rosto.
Gosto de muitas coisas em Caleb.
Pode falar.
Coloco as mãos no colo e me ajeito no banco do passageiro.
Por que você precisa de ajuda pra namorar?
Observo o sorriso dele vacilar e o maxilar se contrair, os olhos se voltando para
mim e depois para o rádio. Ele pressiona um botão, e Rick Astley irrompe nos
alto-falantes antes de ele desligar tudo.
Como assim?
A pista de patinação, o escape room, o piquenique na praia… Você pode ter
tido alguns problemas com os lugares, mas você foi ótimo. Ótimo não parece o
su ciente para expressar o quanto esses foram alguns dos melhores encontros que
já tive na vida. Não consigo entender por que não existe uma la de mulheres
dando a volta no quarteirão atrás de você.
Ele dá de ombros, obviamente desconfortável.
Eu já disse murmura , sou um pouco demais para algumas pessoas.
Não entendo o que isso quer dizer.
Quer dizer… As palavras saem em um suspiro. Ele olha pela janela, para a
chuva que cai como cascata. Volta a me olhar com seus olhos castanhos e
acolhedores. Não fui cem por cento sincero com você, Layla.
Ai, meu Deus. Sinto todo o meu corpo tensionar contra este belo assento de
couro. Eu sabia que Caleb era bom demais para ser verdade. Será que ele vai tirar
um pequeno boneco de vodu do porta-luvas? Será que vai me dizer que só gosta
de transar usando fantasia de bichinhos fofos e peludos?
O que foi? sussurro, me preparando para o pior.
Caleb olha para baixo, para as pernas. Para cima, para o teto. Por cima do meu
ombro, pela janela e, por m, com relutância, volta a olhar para mim.
Sei muito bem por que as mulheres não querem sair comigo.
Por favor, não me diga que sente tesão em gente vestida de bicho
murmuro para mim mesma.
Suas sobrancelhas se juntam em uma linha grossa.
O quê?
Deixe pra lá. Continue, por favor.
Acho que sou bobo demais explica, por m. Costumo ver só o lado
bom das coisas e… Sua boca se contorce em um sorriso discreto e
autodepreciativo que quase parte meu coração em dois bom, e deixo o resto
pra lá.
Franzo a testa, sem entender qual o problema.
Não há nada de errado em ser otimista. Ainda mais no começo de um
relacionamento.
Isso é verdade. Mas ninguém quer um parceiro que nunca opina em nada,
paralisado pelo medo de que ninguém nunca queira conhecer seu verdadeiro eu.
Caleb. Sinto um aperto no peito. É isso que você acha?
Ele dá de ombros de novo.
Eu não tive sorte com… ninguém. Foi por isso que esse acordo nasceu, não
foi? Acho que estou tentando descobrir como fazer com que minhas peças se
encaixem com as de outra pessoa. Você não tem nenhuma dica pra me dar?
A pergunta sincera faz com que a rachadura em meu coração se aprofunde.
Penso em Caleb nos encontros que fomos: abrindo todas as portas, a mão nas
minhas costas. O olhar curioso e interessado em seu rosto sempre que eu contava
alguma coisa. Como ele se lembra do café que peço, que não gosto de frutos do
mar, que pre ro leite de aveia ao de vaca. Meu sorvete favorito e a que horas
acordo de manhã para chegar à padaria antes da correria matinal.
Não digo baixinho. Não tenho nenhuma dica. Faço uma pausa.
Só que é melhor veri car se seu plano de saúde está em dia antes de começar a
namorar. Você tem uma baita propensão a sofrer acidentes.
Ele dá um meio-sorriso, o olhar pairando em algum lugar perto de seus joelhos.
Isso só acontece quando estou com você murmura.
Caleb digo o nome dele em um suspiro, o que o faz olhar para mim.
Detesto saber que ele se vê dessa forma, que ache que é isso que tem a oferecer
para uma namorada. Porque tudo o que vejo é um homem estável, gentil e
verdadeiro, com um coração tão grande quanto o mar. Talvez você não tenha
descoberto como encaixar suas peças com as de alguém porque ainda não
encontrou o quebra-cabeça certo.
Os lábios dele se curvam nos cantos enquanto me olha, ponderando o que
acabei de dizer.
Você acha?
Acho. Assinto uma vez. Você precisa encontrar seu quebra-cabeça raro,
único, de 808 peças, com pecinhas minúsculas e cores especí cas.
Ele dá uma risada baixa, e é ridículo o quanto me sinto satisfeita. A cada vez que
ouço essa risada, sinto como se tivesse ganhado um presente.
Certo, então. Ele passa a mão pelo cabelo úmido. Eu me deixo distrair pela
camiseta molhada grudada em seus bíceps. Ao que parece, o quebra-cabeça que
estou sugerindo é uma edição limitada. Um pôster de revista. Isso já é alguma
coisa.
Você tem muito a oferecer, Caleb. Não se contente com pouco.
Ele me observa com um olhar caloroso.
Não vou.
Acho bom.
Relaxo no conforto do silêncio entre nós, a chuva no capô do jipe e o leve
estrondo de um trovão a distância. O carro tem cheiro de canela. Canela, café e
Caleb, todos misturados. Adoraria car um bom tempo neste carro, sentada ao
lado dele. Neblina nas janelas e a mão dele a exatos cinco centímetros da minha no
descanso de braço entre nós. Seria muito fácil aproximar meus dedos. Traçar os
nós de seus dedos com a ponta do polegar.
Em vez disso, suspiro e olho pela janela.
Ainda está chovendo.
Está.
Acho que vou entrar correndo.
Ouço o clique de seu cinto de segurança.
Eu acompanho você.
Você não vai me acompanhar até a porta.
Começo a enrolar minhas mãos na bainha da camiseta emprestada, mas Caleb
me impede, a ponta dos dedos suaves nas costas da minha mão.
Pode car. Parece que ele está brigando com a vontade de ver meu vestido
branco de novo. Que bom, co feliz por não ser a única a sofrer aqui. E não seja
ridícula, é claro que eu vou acompanhar você até a porta.
Não vai, não.
Quem você acha que eu sou? O Peter?
Faço uma pausa.
Quem é Peter?
O cara com o removedor de apos.
Ah, como é fácil me esquecer disso diante da ridícula camisa havaiana e das
covinhas em suas bochechas. Coloco a mão sobre a maçaneta da porta.
Não tem porque você tomar chuva.
Ele suspira.
Layla, eu vou acompanhar você até a porta…
Saio do carro antes que ele possa terminar a frase, batendo a porta atrás de mim
e pulando de pedra em pedra no caminho, com os sapatos en ados debaixo do
braço. O chão é quente sob meus pés e a chuva é fresca em minha pele, a grama
recém-cortada, o pavimento molhado e os girassóis se erguendo ao redor. Posso
sentir o cheiro da madressilva dos arbustos nos cantos do quintal. Terra úmida e
um leve aroma cítrico.
Um trovão ressoa ao longe, um último adeus da tempestade de verão.
Ouço a porta do carro batendo.
Layla!
Eu ando mais rápido. Esse homem teimoso pode car na chuva sozinho, se
quiser. Mal coloquei os pés no último degrau da varanda da frente quando dois
braços fortes me puxam pela cintura. Dou uma gargalhada quando Caleb me faz
girar com tudo: a grama, as ores, a chuva e a minha linda casa rosa se
confundindo sob o céu noturno. Um redemoinho de cores, sons e felicidade. Ele
me coloca no degrau mais alto da escada e ca parado enquanto me acomodo em
seus braços.
É a coisa mais fácil do mundo abraçá-lo pelo pescoço.
Sentir a palma de sua mão, grande e quente, pousar na parte de baixo das minhas
costas. Sorrio para ele.
Sua camiseta está cando molhada de novo.
Gotas de chuva cam presas nos cílios dele. Observo uma delas descer por sua
bochecha. Escorregar pela barba por fazer e cair pelo pescoço.
Não me importo com a camiseta.
Não?
Ele balança a cabeça.
Com o que você se importa?
Ele me abraça mais apertado, e a sugestão de um sorriso se forma em seus lábios.
Há um segredo nesse olhar. Uma promessa. É o único aviso que recebo antes de
ele diminuir a distância entre nós e encostar sua boca na minha.
Acho que nunca fui beijada com um sorriso antes. Estou convencida de que
posso sentir esse gosto em seus lábios junto com a água da chuva caindo sobre nós
dois, os vestígios de morango e creme. Nossos lábios se tocam e Caleb emite um
som suave no fundo da garganta. Surpresa, felicidade, o início de uma risada. Ele
desliza uma das mãos pelas minhas costas até meu cabelo, guiando meu rosto para
o lado com gentileza até encontrar um ângulo de que goste. Seu nariz encosta na
minha pele enquanto continua a dar selinhos nos meus lábios, uma, duas, três
vezes.
Beijinhos doces e saborosos.
Ele se afasta e encosta a testa na minha, o polegar traçando uma linha em meu
pescoço.
O que você está esperando? sussurro, atordoada e faminta. Agarro o
tecido da camiseta em seus ombros. Sou dominada pela ganância, por um desejo
intenso.
Ele dá risada e me dá mais selinhos. A mais perfeita imagem do autocontrole. O
homem que pede um único croissant mesmo com tantas opções açucaradas à sua
frente.
Quando estou prestes a entrar em combustão, ele respira fundo e pressiona sua
boca na minha.
E… ah. Ah. O beijo de Caleb é o melhor dos prazeres. É demorado. Lento. Ele
me beija com todo o autocontrole que eu o acusava de ter, mas agora parece
proposital. Parece que estou sendo saboreada. Ele pressiona um beijo na curva do
meu lábio superior, no canto da minha boca, na pequena cicatriz branca na curva
do meu maxilar, fruto de quando, aos sete anos, fui burra e roubei a scooter da
minha irmã mais velha para dar uma volta no bairro.
Pronto, cada beijo diz. Pronto e pronto e pronto.
Eu me sinto como o croissant de manteiga favorito dele.
Cada beijo delicado e perfeito aumenta a minha vontade até que eu esteja
desesperada de desejo. En o a mão em seu cabelo e puxo, solto um gemido preso
no fundo da garganta. Quero mais. Quero tudo.
Sinto o autocontrole de Caleb se estilhaçar sob minhas mãos e contra minha
boca. Quero sorrir em triunfo.
Mas então ele me ergue, um braço envolvendo minha cintura e me inclinando
para trás até que eu tenha que colocar as pernas em volta de sua cintura para me
equilibrar. Sua calça jeans molhada pressiona a pele nua na parte interna dos meus
joelhos, um arrastar áspero que faz meu sangue ferver e arrepia cada centímetro de
minha pele nua.
Beijo de cinema, o pensamento surge em algum lugar do meu cérebro que ainda é
capaz de pensar de forma lógica. Ele me segura rme, um braço forte na minha
bunda enquanto a chuva cai sobre nós, a outra mão segurando meu rosto. Nunca
fui abraçada assim durante um beijo, nunca fui tocada com tanta… necessidade.
Caleb prende meu lábio inferior entre os dentes com um som rouco e eu arqueio
as costas, as mãos agarrando seus ombros. Ele abre minha boca, o polegar em meu
queixo, até que nossas línguas possam se encontrar. Um beijo quente. Urgente.
Úmido.
Todo o meu corpo se tensiona com o prazer. Movemos nossas mãos sem parar,
ambos buscando qualquer pedaço de pele nua que possamos encontrar. A
extensão suave da minha coxa, a curva entre o pescoço e o ombro dele, a parte
inferior das minhas costas e meu braço. É uma luta para ver quem consegue
conquistar um novo terreno primeiro. Quem consegue tocar mais.
Quando en o a mão por baixo da camiseta molhada e apoio a palma em seus
músculos, tão fortes que me surpreendem, ele inclina todo o corpo na minha
direção. Eu o arranho e sua mão procura a minha, parando minha exploração
errante com gentileza. Ele diminui a velocidade de nosso beijo para algo profundo
e úmido, os dedos abertos em meu pescoço e na minha nuca. Ele tem gosto de
sorvete. Tem sabor de doce, de açúcar e uma leve pitada de algo amargo, bem
discreto, como a canela que coloco por cima das minhas tortas de maçã.
Chocolate quente amargo.
Seu polegar vai do meu maxilar até a cavidade entre meus seios. Ele se demora
ali, hesitante. Quero que ele vá mais longe. Quero que passe as mãos por baixo do
tecido macio e úmido dessa camiseta emprestada e roce o polegar nos meus
mamilos. Que me faça arquear, gritar e estremecer.
Mas ele continua me beijando. Ele me beija até que eu não consiga respirar. Até
que eu não consiga lembrar meu próprio nome.
Layla.
Que bom que ele faz isso por mim.
Ele tira minha mão de baixo de sua camiseta e entrelaça nossos dedos. Aperta
com delicadeza, para me acalmar. Para nos acalmarmos. Eu retribuo o aperto e
encosto minha testa na dele.
Layla diz ele de novo, a voz baixa e um pouco rouca.
Humm? Nunca fui beijada dessa forma em toda a minha vida. Eu me sinto
embriagada. Meu corpo inteiro está dormente.
Ele ri e me ajuda a soltar minhas pernas que ainda abraçam sua cintura. Nem me
lembro de como nos enroscamos dessa maneira. Ele me apoia no degrau de baixo
da varanda. Descalça, quase escorrego na madeira molhada. Caleb estende a mão
para me segurar, quase caindo ao tentar evitar que eu caia de cara na grama. É uma
confusão descoordenada e um pouco perfeita.
Consigo me equilibrar, as mãos dele em minha cintura e meu coração indo parar
na garganta.
Caleb me ajeita com delicadeza nos degraus até carmos frente a frente. Nunca
fui beijada dessa maneira e nunca fui cuidada assim. A camiseta que ele me
emprestou. Suas mãos cuidadosas. Os nós de seus dedos roçando meu queixo.
Olho para ele parado na chuva, as gotas ainda caindo sobre sua pele. Suas
bochechas coradas, o cabelo molhado e os lábios machucados. A chuva desliza por
seu rosto e desce pela clavícula. Quero me lembrar dele assim para sempre.
Me diga a verdade tento falar. Minha voz está rouca demais. Você
estava doidinho pra se machucar de novo, me beijando desse jeito. Afasto o
cabelo molhado do rosto dele. Puxo a mecha de leve e seus cílios se agitam.
Interessante. Você tem fetiche em morde e assopra.
Ele pisca algumas vezes.
Fetiche no quê?
A voz dele está deliciosamente rouca, um ronco baixo no fundo do peito. Eu me
arrepio e ele percebe, os olhos escuros brilhando mais. Cacau puro. Cereja preta.
Em morde e assopra repito, tentando me conter para não envolver a
cintura dele com meus joelhos de novo e nos transformar em algo decadente e
satisfatório. Algo com respirações ofegantes e mãos que agarram, a voz dele na
minha orelha e meus dentes em seu pescoço. Eu o olho de cima a baixo. A camisa
dele subiu uns cinco centímetros, revelando um pouco do abdômen. Vejo um
volume grosso e evidente na frente de sua calça jeans.
Agora sou eu que tenho que engolir em seco.
Talvez eu não devesse ter dito a palavra fetiche.
Os olhos escuros me observam com atenção enquanto seus dedos colocam uma
mecha de cabelo molhado atrás da minha orelha. Seu polegar traça meu maxilar e
se detém no meu queixo, na saliência do meu lábio inferior. É como se ele
estivesse memorizando o que aquele beijo fez comigo. Estou corada e sem fôlego,
imagino. Extasiada.
Uma felicidade deliciosa e delirante.
Vou pra casa agora anuncia sem se mexer.
Eu assinto.
Tá bom.
Não tiro meus braços de sua cintura.
Ele acaricia minha bochecha.
Vejo você amanhã?
Tá bom. Ainda não o soltei.
Ele dá risada.
Croissants e café. De manhã. Parece que ele está tentando se convencer.
Assinto de novo e inclino meu rosto em direção ao dele, esperando outro beijo
antes que ele tenha que ir embora. Caleb dá uma risada e se abaixa para encostar a
boca na minha.
Esse beijo é doce. Uma cereja no topo de um sundae de sorvete de baunilha.
Ele passa a língua devagar no meu lábio inferior e me sinto como aquela
casquinha de sorvete que ele estava tomando na praia. Eu me inclino na direção
dele.
Boa noite, Layla diz contra minha boca.
Eu sorrio.
Boa noite, Caleb.
13
CALEB

QUANDO ENTRO EM casa, dou de cara com doze pessoas na minha cozinha.
Ou, melhor dizendo, quando utuo para dentro de casa.
Porque não faço ideia de como consegui vir da casa da Layla até aqui. Não faço
ideia de como coloquei um pé na frente do outro e me afastei dela. Provavelmente
não foi muito seguro eu ter vindo dirigindo. Nem me lembro de ter entrado na
garagem.
Pele quente. Respiração ofegante. A boca de Layla se movendo contra a minha.
Eu queria dar um beijo de cinema, mas a Layla me beijou como se o mundo
estivesse acabando. Um beijo com sabor de aventura. Um beijo que nos lançou no
espaço.
Nunca beijei uma mulher dessa forma antes. E também nunca fui beijado assim.
Esfrego a ponta dos dedos na boca e entro pela porta dos fundos da cozinha, a
mente ainda em algum lugar nos degraus da varanda de Layla, seu corpo envolto
no meu. Suas coxas na minha cintura e a mão na minha barriga. Eu estava a sete
segundos de pressioná-la contra o corrimão da varanda, deslizar minhas mãos por
baixo da camiseta que havia emprestado e sentir toda aquela linda renda me
provocando através do tecido molhado do vestido.
Entro na cozinha e minha família paralisa: um quadro cômico do jantar em
andamento. Minha mãe está segurando uma grande faca sobre um tomate. Luis
está fazendo algo bizarro com um pano de prato e uma espiga de milho. So a está
vasculhando a gaveta da geladeira. E, no meio de tudo isso, como o centro de uma
tempestade perfeita, está minha avó, com as mãos em uma tigela, misturando
alguma coisa. Ela para o que está fazendo e me lança um olhar crítico, a
sobrancelha rme erguida no alto da testa.
Hum. Olho por cima do ombro para veri car se não há ninguém atrás de
mim, se não estraguei, sem querer, uma festa surpresa na minha própria casa.
Reclino o corpo para trás e veri co de novo os números de metal acima da porta.
Sim, é aqui que eu moro. Entro e fecho a porta. O que está acontecendo?
O silêncio toma conta do lugar, um milagre quando todos os meus primos estão
reunidos em um mesmo cômodo. Esta cozinha não foi construída para acomodar
toda a família Alvarez.
Minha avó en m encontra o que estava procurando em meu rosto. Ela assente e
continua misturando o que quer que esteja naquela tigela, com as mangas
arregaçadas até os cotovelos. Espero que seja pozole.
Bien declara. Vocês se beijaram.
Como se ela tivesse acabado de estalar os dedos e dado uma ordem, o
movimento recomeça na cozinha. Minha prima So a se movimenta com a cara
en ada na geladeira, toda a parte da frente do corpo escondida enquanto
reorganiza a comida. Minha mãe se volta para seus tomates e cebolas picados. E
Luis faz… seja lá o que ele esteja fazendo com aquela espiga de milho.
Fico ali parado, confuso.
Alex aparece ao meu lado e me entrega uma das cervejas que pegou na geladeira
da cozinha. Da cozinha onde ele esteve sentado por um bom tempo com o
restante da minha família enquanto eu não estava aqui.
Ainda estou muito confuso.
Coço a nuca e franzo a testa.
Eu esqueci o aniversário de alguém?
Não. Alex dá um longo gole em sua cerveja. A abuela ligou e disse que
você estava em crise. Que a gente tinha que vir pra sua casa e alimentar você.
Ele olha para minha camiseta e faz uma careta. Por que você está ensopado?
Ignoro a pergunta.
Como vocês entraram?
Com a chave.
Que chave?
Todos nós temos uma chave.
Pisco algumas vezes.
Todos vocês?
Alex concorda.
Todos nós.
É claro que eles têm. Minha mãe deve ter ido à loja de ferragens onde meu
primo David trabalha e tirado cópias assim que entreguei a chave reserva nas mãos
dela.
Meu celular vibra no bolso de trás da calça e quase o deixo cair pela janela na
pressa de pegá-lo. É difícil com a calça jeans molhada desse jeito. Alex ri enquanto
me contorço.
Eu o afasto com a mão em seu rosto e en m consigo tirar o celular. É uma
mensagem de Layla.
Layla
O melhor de todos.

Sorrio.
Dios mio resmunga minha prima Adriana no canto. Você já está meio
apaixonado de novo, não é?
Minhas bochechas cam vermelhas e coloco o celular no bolso. Alex olha para
onde ela está sentada, em um banco perto da geladeira. Parece que ela está usando
um dos meus vasos como copo para sua Corona. Que bom.
Não murmuro. Consigo sentir os olhos de todos na cozinha em mim.
Sinto um aperto na garganta e tusso algumas vezes. Claro que não.
Adriana me encara estreitando os olhos, que se parecem muito com os da nossa
avó.
Você sempre faz isso, osezno. Vai a alguns encontros, se diverte e, de repente,
acha que está apaix…
Ah, que quieta corta Alex. Você só está com inveja porque o Frankie
nunca tem tempo pra você.
Ela ergue as sobrancelhas perfeitas e leva meu vaso de ores à boca.
Ele me dá muitas coisas, e nenhuma delas é durante o dia. Alguém
resmunga de novo, desta vez em tom de repulsa. Minha tia revira os olhos e
murmura algo incisivo e rápido em espanhol. Adriana desvia o olhar.
Vamos comer como uma família diz minha avó, uma ordem velada em sua
voz. Basta con eso. Já chega disso.
Há um coro de concordância em resposta. Alguém liga o rádio, e o murmúrio
baixo da estática e das vozes preenche o espaço, o sobe e desce das trombetas
permeando tudo. A risada alegre da minha mãe ressoa com algo que meu pai
sussurra ao seu ouvido. As facas batem em uma tábua de corte e alguém abre uma
garrafa de vinho.
Alex passa o braço em volta do meu ombro e me leva para a sala de jantar. Minha
pobre e despreparada sala de jantar, na qual só deve caber metade da família. Terei
que pegar a mesa dobrável no porão. Algumas cadeiras da garagem. Adriana pode
comer na cozinha.
Ela fez parecer que eu me apaixono duas vezes por semana por qualquer pessoa
que passe por aqui. Sei que posso ser meio precipitado às vezes, mas com a Layla é
diferente. Temos limites muito claros. Nossas expectativas estão de nidas. Não
estou me precipitando.
Não ligue pra Adriana comenta Alex, me entregando uma pilha de pratos
limpos do armário da parede. Essa aí acha que amor é só uma palavra de quatro
letras.
Amor é uma palavra de quatro letras resmungo, me sentindo um
adolescente de novo, discutindo com meus primos na cozinha até que minha avó
puxe nossas orelhas e nos obrigue a nos sentar juntos à mesa.
Minha camiseta molhada está grudada no peito, e eu a puxo com o polegar e o
indicador. A sensação de leveza, felicidade e vertigem com que entrei em casa se
foi, substituída por uma sensação de algo se afundando dentro de mim. Será que
estou me entregando demais por causa de um beijo? Será que esse beijo deveria
mesmo ter acontecido? Sendo bem sincero, não sei dizer.
Alex revira os olhos.
Você entendeu o que eu quis dizer.
Coloco dois pratos, com os garfos inclinados seis milímetros para a direita,
como minha abuela gosta. Meu avô sempre arrumava a mesa desse jeito, e manter
essa pequena tradição a faz sorrir.
Mesmo assim. O jeito como ela falou. Faz parecer que sou um idiota ingênuo.
Alex franze a testa quando vê como arrumei a mesa. Ele demora a responder, e
tudo dentro de mim se revira de forma ainda mais dolorosa.
Não é algo ruim responde, por m querer se apaixonar.
Obrigado.
Mas é melhor ter cuidado, Caleb. Eu conheço você. Você se deixa levar pelo
coração. E essa coisa toda com a Layla… Ele para de falar e olha xamente para
a toalha de mesa que minha avó deve ter trazido. É branca e delicada, e com
certeza não se parece com nada que eu tenha.
O que tem essa coisa toda com a Layla?
Já faz um tempinho que você é a m dela. Vocês estão se conhecendo melhor
agora e eu não acho… não quero que a imagem da Layla que você criou na sua
mente se confunda com a Layla de verdade, uma pessoa com falhas, defeitos e
imperfeições.
Balanço a cabeça, frustrado.
Não é isso que está rolando.
Não é. Eu a estou conhecendo melhor, entendendo quem ela é por trás dos
sorrisinhos e da risada fácil. Não estou projetando nada nela.
Parecia que alguém tinha en ado um raio de sol na sua bunda quando você
entrou em casa hoje. Ele dá um suspiro longo e preocupado. Às vezes, você
tem di culdade em estabelecer limites, ainda mais quando se trata de sentimentos.
Tudo o que quero é que tome cuidado. E que seja justo com a Layla. Ele engole
em seco. Às vezes é difícil estar em seu pedestal.
Você parece a Adriana falando.
Não. Não, não é assim. Ela é uma… o que mamãe sempre diz? Cangrejo
enojón?
Solto uma risada. Adriana parece mesmo um pequeno caranguejo irritado.
Alex sorri e depois aperta os lábios em uma linha na.
Tudo o que estou dizendo é que você precisa ver essa situação pelo que ela é.
Você disse que isso tinha data para acabar, certo?
Concordo.
Acho que é importante se lembrar disso comenta com gentileza. Não
quero que você que cheio de expectativas.
Pois é. Imagino o rosto de Layla entre minhas mãos, os olhos fechados
enquanto as gotas de chuva pintavam sua pele em pinceladas. O sorriso atordoado
em sua boca e como ela se inclinou na minha direção nos degraus da varanda.
Esfrego os olhos e tento apagar essa imagem. Ninguém quer isso.
Olho para os meus pés, para a poça de água que estou deixando na madeira.
Minha avó chamou todos para cá porque achou que eu precisava de apoio
emocional. Adriana riu na minha cara por eu ter esperanças no amor. E meu irmão
mais novo está me dando um sermão sobre limites. Resignado, passo a mão na
parte de trás do meu cabelo molhado.
Acho melhor eu ir me trocar.
Caleb…
Dispenso Alex com a mão.
Eu estou bem.
E estou mesmo. Está tudo bem. Na mais pura e completa perfeição. Eu sabia no
que estava me metendo quando concordei com os encontros com a Layla. A ideia
foi minha. Posso beijá-la na chuva sem sentir nada. Bom, sem sentir mais do que já
sinto. Posso dar tudo o que ela merece sem rabiscar nosso nome em pequenos
corações no caderno.
Eu sou adulto. Ela é adulta. Não preciso disso. Posso lidar com as consequências
das minhas ações.
Entrego o restante dos garfos para Alex sem olhar para ele e vou até a cozinha
para indicar a So a onde está a saladeira. Em vez disso, me distraio com meus pais,
que estão em seu mundinho ao lado da geladeira. Observo meu pai ajeitar uma
mecha de cabelo comprido atrás da orelha da minha mãe, um sussurro
pressionado na pele logo abaixo. Ela ri, alto e feliz, e ele a toma em seus braços. Ela
pousa os braços dela nos ombros do dele, e ele a conduz em uma dança leve e
fácil, girando em torno do minúsculo espaço da cozinha. Ela inclina a cabeça para
trás e ri ainda mais, os olhos do meu pai xos nos dela.
Algo em meu peito se contrai, uma dor discreta.
Não deixe que o tio Benjamín saiba que temos tequila murmuro para
Alex. Já volto.
Eu me afasto antes que ele possa dizer mais alguma coisa e subo a escada para o
quarto. O celular de volta à minha mão vibra mais uma vez e deslizo para
desbloqueá-lo, o brilho intenso na escuridão do corredor.
Layla
Me diverti muito com você essa noite.

Deslizo o polegar sobre as letras do nome dela antes de jogar o celular na cama e
tirar as roupas úmidas do corpo.
Posso car até o m deste mês com Layla sem perder o controle sobre meus
sentimentos. Posso ser tudo o que ela merece sem me machucar no processo. Não
era esse o objetivo do nosso acordo desde o começo? Eu daria a Layla uma
experiência positiva de namoro, e ela me daria um feedback para que eu consiga
ser mais realista.
Tudo está exatamente como deveria estar.
Inclusive meu coração.
14
LAYLA

HÁ QUANTO tempo ela está assim? sussurra Evelyn.


Não faço ideia responde Becke baixinho. Faz meia hora que cheguei.
Ignoro os dois enxeridos do outro lado do balcão, puxando com cuidado uma
or roxa entre as ores comestíveis espalhadas pela superfície de metal. Elas são
muito delicadas, e eu não paro de amassá-las na hora de transferir.
A cara dela congelou nessa posição?
Becke !
Que foi? É uma pergunta sincera.
Evelyn suspira.
Não, eu não acho que a cara dela tenha congelado.
Vocês sabem que estou ouvindo, né?
Eu me endireito da minha posição curvada e levo a mão às costas. Cada
centímetro do meu corpo está doendo. Dou uma olhada na cozinha. O balcão está
quase todo ocupado com tudo o que preparei para a sessão de fotos. Tortinhas,
cremes e cannoli em miniatura. Pães, brioches e bagels. Uma versão um tanto
interessante de um pretzel macio. Parece o Mundo dos Doces Encantados aqui.
Talvez eu tenha exagerado concluo.
Evelyn ri.
Você acha? Faz horas que está cozinhando que nem uma doida. O que você
vai fazer com tudo isso?
Os dedos ávidos de Becke se aproximam de um brownie de chocolate e nozes,
e eu dou um tapa na mão dele.
Vou vender tudo e preparar tudo de novo na semana que vem, quando o
pessoal da Baltimore Magazine vier. Estou decidindo qual vai ser o cardápio.
Giro a minúscula torta de morango e ruibarbo à minha frente, com as ores
comestíveis formando uma linda coroa na parte de baixo. Acho que vai car
bonito nas fotos. O que vocês acham?
Becke está ocupado franzindo a testa para mim, os braços cruzados, um dos
pés no apoio de pé do banco de Evelyn. Ele a arrastou para perto assim que ela
entrou há quinze minutos, com o joelho pressionado contra a coxa dela.
Acho que o que você fazia antes já estava bom.
Reviro os olhos e volto a me abaixar para car na altura dos meus preciosos
bebês. Pego uma pétala amarela seca de minha coleção de ores e a coloco com
delicadeza em cima de outra.
Até parece o Caleb falando.
Evelyn sorri e gira de um lado para o outro em seu assento. Seu longo cabelo
escuro balança em torno dos ombros e Becke se deixa distrair no mesmo
instante. Seus olhos se transformam em corações, e pássaros de desenho animado
começam a voar em torno de sua cabeça. Ele entrelaça os dedos nas mechas
escuras de cabelo dela e puxa de leve. Ela dá um beijo rápido na parte interna do
pulso dele.
O que mais o Caleb faz?
Becke faz um som como se estivesse engasgando. Fico vermelha da cabeça aos
pés.
Gente, pelo amor de Deus Evelyn dá um tapa no peito de Becke , que
ainda está tossindo no punho fechado. Acho que nunca vi o rosto dele dessa cor.
Eu quis dizer que quero as atualizações! Eu não estava aqui quando vocês
começaram a namorar. Sinto que perdi todas as coisas boas.
Não estamos namorando de verdade murmuro. Você sabe que só
escolho caras péssimos pra namorar.
Mas, ao que parece, nos beijamos de verdade. Acho que não podemos chamar o
que aconteceu naquela noite na varanda de treino. Eu não parei de pensar nisso.
Também não parei de desejar que aconteça de novo.
Caleb veio me ver na manhã seguinte ao nosso encontro, me deu um beijo na
bochecha e trouxe outro bagel gorduroso com bacon, ovo e queijo. Ele cava todo
vermelho a cada vez que olhava para mim, das bochechas à ponta das orelhas.
Amei cada segundo.
Becke en m volta a respirar e aponta para mim, o dedo fazendo um círculo na
frente do meu rosto.
Seu rosto diz o contrário.
Dou outro tapa em sua mão.
Meu rosto não diz nada.
Faz três dias que você não para de sorrir.
E daí? Eu não costumo sorrir?
Becke e Evelyn balançam a cabeça. Evelyn está com uma expressão de alegria
no rosto, o queixo apoiado nas mãos fechadas.
Não desse jeito. Evelyn suspira, um pouco sonhadora demais para o meu
gosto. Já faz um bom tempo que não.
Esfrego a ponta dos dedos em meu lábio inferior e estico o pescoço. Tem sido
bom passar um tempo com Caleb. Sair com alguém que parece se importar
comigo de verdade. Por mais que nada disso seja real. Por mais que, depois desse
acordo, eu tenha que voltar a procurar entre os peixes no mar. Ao menos terei as
lembranças.
Suspiro e sigo com o que faço de melhor: mudar de assunto.
O que vocês dois estão fazendo aqui, a nal?
Os dois trocam um olhar rápido. Evie arregala os olhos e se remexe no banco.
Becke coloca a mão em seu joelho.
Ainda não aconselha.
Descon o na mesma hora.
Ainda não o quê? Do que vocês estão falando?
Nada.
Becke .
Calma, eles já vão chegar, só um segundo.
Quem vai chegar em um segundo?
Stella irrompe pela porta de trás como se estivesse esperando pelo aviso de
Becke , Luka vindo logo em seguida. Os dois parecem cansados, as bochechas
rosadas pelo esforço. Os cachos de Stella estão fora de controle com a umidade.
Eu estreito os olhos para eles.
Vocês dois estavam fazendo coisas inapropriadas nos campos de novo?
Luka ri.
Não. Isso é com eles, não com a gente. Ele aponta para Evie e Becke .
Evie ca vermelha e Becke dá de ombros, sem se importar.
Eu já falei pra não car olhando as câmeras de segurança.
Evie ca ainda mais vermelha. Ela abaixa a cabeça e se aproxima de Becke .
Aqui têm câmeras?
Becke segura a nuca dela com a mão e aperta.
Não na nossa casa, querida.
Tudo bem, já ouvi o su ciente, obrigada. Não preciso saber que coisas
estranhas e exibicionistas meus amigos andam fazendo. Por que vocês estão
todos aqui?
Evie e Becke se levantam. Stella passa o braço pelo meu cotovelo e começa a
me puxar para a frente da confeitaria.
Temos uma coisa pra mostrar.
Que ótimo, mas o creme…
Ela me empurra, me conduzindo com força ao redor do balcão e através do
salão, saindo pela porta da frente e descendo a escada. Eu tropeço ao tentar
acompanhá-la e bato em suas costas quando ela para de repente. Stella se vira para
mim e coloca a mão sobre meus olhos.
Ai.
Ela me ignora.
Fizemos uma coisa pra sua sessão de fotos na próxima semana.
Ai, Deus. Da última vez que Becke e Stella tentaram me ajudar com algo na
padaria, acabei com três dúzias de biscoitos queimados, duas tigelas de cerâmica
quebradas e granulados em cada centímetro quadrado do chão da cozinha. Amo a
Stella com todo o meu coração, mas ela não leva jeito para nada na cozinha. E
Becke tem a paciência de uma criança contrariada de três anos.
Nós quem?
Todos nós explica Luka em algum lugar atrás de mim. Fico muito mais
calma ao ouvir isso. Se Luka estava envolvido, o desastre não pode ser tão grande.
Ele ao menos limparia os granulados. Eles me posicionam de frente para a padaria
e me giram de um lado para o outro até eu não ter ideia de para que lado estou
virada. O Caleb também, quando contamos pra ele.
Contaram o que pra ele?
Stella tira a mão do meu rosto. Pisco os olhos contra o sol forte de verão que se
in ltra por entre os galhos das árvores. Estou de pé nos degraus de pedra que
levam à porta principal, com ores e trepadeiras se enroscando e contornando a
pesada estrutura de madeira da padaria. As ores emolduram a entrada como o
mais belo dos quadros, roxo, dourado e azul-claro.
Eu me concentro nas janelas à esquerda.
Hum. Ergo as sobrancelhas, confusa. Eu deveria estar vendo o Gus
fazer coisas inapropriadas com uma quiche?
Stella bufa.
Não. Ali.
Ela chama a minha atenção para a enorme janela no lado oposto da porta, com
grossos feixes de margaridas-amarelas em ambos os lados. Ainda me lembro de
quando as plantei, no dia em que Stella me deu as chaves do celeiro reformado.
Com sujeira até os cotovelos e um sorriso estampado no rosto. Finalmente,
parecia que eu estava no lugar certo e na hora certa. Eu sentia em meu coração e
em meu sangue.
Lar.
Observo o novo acréscimo na janela.
Pintado com cuidado em letra cursiva e dourada, ocupando quase todo o vidro,
está escrito Padaria da Layla. Há uma linha curva abaixo, pontilhada com
pequenas ores brancas. E, logo acima, há uma placa de metal novinha em folha
balançando suavemente para a frente e para trás com a brisa quente. Um círculo de
bronze com a mesma letra cursiva, com uma torta gravada abaixo. Eu apostaria
todos os croissants da cozinha que Becke fez isso.
Preciso pressionar meus dedos sobre as bochechas. Meu rosto inteiro parece
estranhamente tenso.
Você me disse que queria algo que fosse seu comenta Becke baixinho.
Ele passa um braço pelos meus ombros e me puxa para perto. Stella se junta a mim
do outro lado e depois Luka e Evie. Acho que essa coisa de abraço em grupo se
tornou o cial agora. A padaria sempre foi sua. Mas agora está escrito.
CALEB ESTÁ ESPE NDO na frente da minha casa quando chego.
Esparramado nos degraus como o enfeite de jardim mais delicioso que já vi,
Caleb parece cheio de preguiça, iluminado assim pelo sol. Um sorriso discreto no
rosto. Uma perna comprida esticada à sua frente. Tenho que parar e respirar por
um instante antes de sair do carro.
Achei que você ia me levar pra sair hoje comento. Eu me distraio com a
camisa branca de botão, as mangas arregaçadas até os cotovelos e o colarinho
aberto. Ele deve ter vindo direto da escola, com uma manchinha de giz no bolso
esquerdo da calça, que deve ter esbarrado em algum lugar.
Mudança de planos declara com um sorriso e cutuca a sacola de
supermercado perto da cintura.
Paro na base da escada e inclino a cabeça para trás enquanto ele se levanta. Da
última vez que estivemos aqui, eu estava com as pernas em volta da cintura dele,
sua boca contra a minha. Ele respira devagar, com um olhar de profunda
concentração no rosto, a linha entre suas sobrancelhas se aprofundando à medida
que me olha. Acho que também está se lembrando.
Obrigada digo, a voz mais suave do que pretendia.
Ele ergue uma sobrancelha.
Pelo quê?
Caleb pega a sacola de compras enquanto eu o conduzo escada acima. Sinto seu
corpo quente atrás do meu. Firme. Giro a chave na fechadura e nos levo para
dentro.
Pela placa explico. O Becke e a Stella me mostraram hoje. Eles
disseram que você ajudou. Obrigada.
Ah, sim. Caleb coloca a sacola de compras na bancada e começa a tirar o
que trouxe de dentro. Tomates. Arroz. Alguns limões e um saco de tortilhas que
parecem caseiras. Meu estômago ronca de prazer. Não sei se distrair você
enquanto Becke tirava as medidas conta como ajudar.
Pego uma tábua de cortar e levo os ingredientes para a pia.
Quando foi isso?
Sexta-feira revela. Ele abre um saco de nachos e coloca um na frente do
meu rosto enquanto minhas mãos estão na pia. Eu mordo a pontinha, meu lábio
inferior contra o polegar dele. Sua respiração falha quando ele afasta a mão.
Quando você me mostrou como cortava os morangos.
Faz sentido. Caleb agiu como se nunca tivesse visto alguém cortar morangos
antes. Ele deve ter me pedido umas seis vezes para mostrar como eu os corto para
enfeitar. Franzo a testa, uma inquietação surgindo no fundo da minha mente. Já
tive homens que ngiram estar interessados antes, e isso nunca acabou bem para
mim. Sei que estamos só praticando, mas não quero ser uma… tarefa.
Caleb percebe meu desconforto. Ele deixa o saco de nachos de lado e apoia o
quadril no balcão ao meu lado, os olhos escuros estudando meu rosto. O que
foi?
Nada. Sacudo a cabeça e alinho os limões em um pano de prato limpo.
Pressiono com o cotovelo para tirar o suco.
Ele não cai na minha tentativa de mudar de assunto.
Pode falar.
Achei que Caleb quisesse car perto de mim, que estava arrumando uma
desculpa para encostar o queixo no meu ombro e pressionar o corpo no meu,
observando com atenção enquanto eu cortava os morangos frescos. Pensei que
talvez ele quisesse me beijar de novo, mas ele não me beijou.
Na verdade, não nos beijamos desde aquela noite na chuva.
Achei que você estava inventando uma desculpa pra car perto de mim
murmuro, sem conseguir olhar nos olhos dele. Não me dei conta de que fazia
parte de um plano.
Ele imita minha cara emburrada e dá dois passos à frente, me pressionando
contra a pia. Suas mãos encontram a bancada na altura da minha cintura, um
braço de cada lado. Ele tem cheiro de chuva de verão e café recém-passado. Quero
mergulhar meu nariz na base de seu pescoço e respirar fundo.
E eu preciso de uma desculpa pra car perto?
Balanço a cabeça. Ele brinca com meu cabelo, os nós dos dedos roçando em
meu pescoço. Eu estremeço.
O que foi, Layla?
Você não me beijou digo em um rompante. Eu me sinto uma verdadeira
idiota, mas, desde o nosso primeiro beijo, ele não tentou me beijar de novo. Olho
para ele por baixo dos meus cílios. Você… você cou desconfortável, por causa
daquela noite?
Ele solta uma risada e sinto meu estômago se revirar. Uma emoção forte que vai
até os dedos dos pés. Olho para os botões de sua camisa.
Desculpe, eu não percebi…
Layla, não. Ele ergue meu queixo até me fazer olhar em seus olhos de
novo. São tão gentis, de um marrom-dourado quente sob a luz do sol que entra
pelas janelas da cozinha. Se eu pareci desconfortável, é só porque eu queria
muito… Ele engole em seco. É a vez dele de hesitar.
Queria muito o quê?
Se ele disser que quer mais espaço, talvez eu saia pela porta da frente e nunca
mais pare de andar. Acho que nunca quis tanto que um homem me beijasse antes.
É uma sensação angustiante, car à espera de uma resposta.
Queria muito beijar você declara Caleb, a voz rouca. Olho para ele
assustada. Passei todos esses dias querendo beijar você.
O choque frio se transforma em algo líquido e quente.
Pra valer?
É, pra valer. Ele passa a mão pelo maxilar e olha para mim. Um sorriso se
insinua no canto de sua boca. Ele hesita, só por um instante, então se inclina e
encosta o nariz na minha testa. Você não percebeu? Não consigo parar de
pensar nisso. Em você.
Eu o puxo para mais perto, as duas mãos entrelaçadas no tecido branco de sua
camisa. Inclino o rosto em direção ao dele.
Então por que não me beijou de novo?
Suas mãos apertam a beirada da bancada.
Não sei se é uma boa ideia, Layla.
Por quê?
Porque toda vez que estou perto de você, sinto um aperto no peito diz ele
bem na minha têmpora e expira, baixo e devagar. Porque tenho certeza de que,
se eu beijar você de novo, vou querer mais.
Meu corpo inteiro ca quente. Caleb segura meu rosto com uma mão trêmula e
passa o polegar por baixo da minha orelha. Ficamos ali encostados na pia…
presos, na expectativa. Meu coração bate forte, não consigo respirar direito. Eu
também quero mais. O fantasma daquele beijo tem me assombrado nos últimos
dias, lábios quentes e toques fugazes. Quero saber qual é a sensação dos dentes
dele encontrando meu pescoço. Qual é a sensação das mãos dele na pele nua das
minhas coxas e no meu quadril. Qual é a sensação quando Caleb en m se entrega.
O que foi que dissemos na outra noite? Roço os lábios na curva de seu
maxilar. Seu corpo grande estremece e ele pressiona o quadril contra o meu na
pia, um movimento repentino e bruto. Um gemido ca preso no fundo da minha
garganta. Talvez seja melhor revisarmos os detalhes do nosso acordo.
15
CALEB

NÃO CONSIGO RESPI R direito.


Não consigo entender como fui de tirar as compras da sacola a prender Layla
contra a pia da cozinha. Paciência, era o que eu dizia a mim mesmo todos os dias
desde o encontro na praia. Caleb, se controle, pode ser que ela não queira beijar você
de novo.
Mas com toda certeza eu queria. Isso mais parece um eufemismo. Meu corpo
inteiro tem me implorado para beijá-la toda vez que a vejo. Quando entrei na
padaria outro dia, ela estava com um lenço laranja-vivo enrolado no cabelo, uma
camiseta de banda velha e desbotada, amarrada com um nó na cintura. Ela sorriu
assim que me viu, e eu quis encostá-la na geladeira nos fundos. Queria enrolar o
lenço em meu punho e puxar.
Sei que deveria me controlar, me lembrar do nosso acordo, como Alex me disse
para fazer, mas, porra. É difícil me manter distante quando é tão bom estar perto
dela. Quando ela olha para mim e tenho a sensação de que talvez ela possa sentir
metade do desejo que eu sinto. Não consigo ngir com Layla, nem quero.
E eu gosto que seja assim, na verdade. Layla não merece que alguém esconda
partes de si mesmo quando está com ela. Se eu quiser, posso beijá-la na pia da
cozinha e aproveitar cada segundo disso.
Passo a mão nas costas dela.
Posso fazer uma pergunta? A voz dela soa baixa, as mãos brincando com a
gola da minha camisa como se Layla se sentisse ofendida por ela. Layla a torce
para um lado e depois para o outro. Arranha minha pele com a unha rosa e eu
quase caio de joelhos.
Engulo em seco.
Você pode perguntar o que quiser.
O que nós estaríamos fazendo se não tivéssemos um acordo? Ela abre um
botão e passa para o próximo. Se eu fosse outra pessoa, me diga o que você
teria feito da última vez que quis me beijar.
Da última vez?
Ela murmura e assente.
Exato.
Bom. Passo os dedos pelo cabelo dela e hesito um instante, então prendo
meus dedos nele. Ela se contorce quando puxo um pouco e solta um gemido
discreto. Meu Deus. Eu teria esperado na frente da sua casa até que você
chegasse do trabalho, com uma sacola de compras do mercado para preparar um
jantar pra você, na sua casa. Porque eu não teria suportado a ideia de estar em um
lugar onde não pudesse tocar você. Porque eu iria querer car sozinho com você.
Layla inclina a cabeça para o lado e eu dou um beijo demorado logo abaixo de
sua orelha. Meu autocontrole está por um o quando minha boca encontra sua
pele macia. Ela tem cheiro de caramelo com or de sal. De uma bandeja inteira de
pães recém-saídos do forno.
Eu teria esperado você fechar a porta da frente e depois colocaria as compras
no chão. Teria segurado sua bolsa e encostado você contra aquela janelinha,
aquela bem do lado da porta. Layla faz outro som maravilhoso, puxando minha
camisa. Quero lamber esse som dos cantos de sua boca, senti-lo em meus lábios
no espaço entre seus seios. Quero mil coisas em mil combinações diferentes.
Teria levantado você e colocado suas pernas na minha cintura. Como
naquela noite, lembra?
Ela concorda.
Eu também lembro. Nós nos encaixamos tão bem desse jeito murmuro.
Desde então, não consigo pensar em mais nada. Vou para a cama à noite e penso
em como Layla se ajustou tão bem aos meus braços. Como cada centímetro dela
se alinhou perfeitamente com cada centímetro meu. Teria segurado você assim
e beijado você. Roço meus lábios nos dela, provocando. Eu teria me
entregado, acho. Teria beijado seu pescoço até a borda dessa linda blusa. Talvez
colocasse minhas mãos por baixo da sua saia para ver se você me deseja tanto
quanto eu desejo você.
Ela suspira.
Caleb.
Eu me agarro ao último apo de autocontrole e tento me manter rme. Então
me afasto um pouco até que nossos quadris não estejam mais juntos, precisando
de espaço. Ela me dá um olhar signi cativo, a expressão cálida enquanto me
analisa. Ombros, peito, barriga. Ela morde a língua quando seus olhos alcançam
meu cinto. E a parte logo abaixo, totalmente desperta.
Apoio uma mão na bancada ao lado da cintura dela e ignoro a necessidade que
percorre cada centímetro do meu corpo.
É isso que eu teria feito.
Ela pisca para mim.
Tudo isso parece muito bom, só pra constar.
Bom saber. De repente, parece que a temperatura na cozinha é de oito mil
graus.
Eu me volto para a tábua de cortar e para os dois tomates recém-lavados que
estão na bancada. Preciso de algo para ocupar as mãos, ou vou erguer a pequena
saia laranja de Layla e ver que sons ela faz quando minha boca está em outro lugar.
Tenho que engolir o som preso em minha garganta.
Com nosso acordo em mente… Layla hesita , tenho uma con ssão a
fazer.
Sou todo ouvidos. E, ao que parece, cheio de dedos, já que o tomate
escapa de mim. Eu estico a faca de cozinha e o pego antes que caia na pia.
Eu nunca tive um parceiro que… Ela para de falar. Fico esperando que
continue, mas ela não diz nada. Olho para ela por cima do ombro.
Nunca teve um parceiro que o quê?
Não sei o que estou esperando que ela diga. Seu histórico com os homens é
famoso e, depois da história do removedor de apos, não sei mais o que esperar.
Ela ca vermelha e ajeita o cabelo atrás das orelhas. Lança um olhar rápido para
mim e depois ca encarando acima do meu ombro. Dá de ombros sem convicção.
Você sabe.
Eu não sei. Talvez eu ainda esteja embriagado com a sensação do corpo dela
pressionado contra o meu, ou vai ver estou cansado, mas não faço a menor ideia
do que ela está querendo dizer.
Franzo a testa.
Não sei.
Ela olha para o teto e respira fundo.
Eu nunca tive um parceiro que me zesse chegar lá. Ela diz a última parte
da frase com os dentes cerrados, como se estivesse sendo sicamente arrancada de
dentro dela. Quando eu não faço nada além de piscar em resposta, ela suspira com
força e cruza os braços. Eu nunca… ninguém nunca me fez gozar, Caleb. O
tomate em minha mão voa pela cozinha, bate na geladeira e depois cai no chão
com um barulho molhado. As sementes e o suco escorrem pelo eletrodoméstico.
Layla e eu camos olhando para ele. Um minuto se passa em completo silêncio.
Depois, mais um.
Eu não devia ter falado nada murmura, sem fôlego.
Não. Não, eu só estou… Estou me recuperando um pouco. Tendo um
ataque cardíaco, talvez. Meu cérebro está preso em uma imagem de Layla
estendida em belos lençóis brancos, com o corpo nu e as costas arqueadas. Estou
pensando em seus joelhos afastados, a mão apoiada na barriga. Meu cérebro está
travado na palavra gozar saindo daqueles lábios.
Limpo a garganta. Depois limpo de novo.
Nunca? Ela balança a cabeça e olha para o azulejo do chão da cozinha.
Não consigo ver muito de seu rosto, mas posso ver que suas bochechas estão de
um vermelho-vivo. Apoio a faca no balcão. Ei, não precisa ter vergonha.
Ela coloca a palma das mãos nos olhos.
Não sei por que contei isso pra você. Nunca contei pra ninguém.
Espero que tenha me contado porque con a em mim. Porque agora se sente
confortável o su ciente para me contar coisas. Diminuo o espaço entre nós e
esfrego minhas mãos em seus braços.
Fico feliz que tenha me contado.
É constrangedor sussurra. É que… por muito tempo, eu… achei que
tinha algo de errado comigo.
Não há nada de errado com você. Aperto os braços dela para tranquilizá-
la.
Não sei por que contei isso, de verdade sussurra ela de novo, a voz
falhando. Suas mãos se entrelaçam entre nós. Eu as seguro nas minhas.
Layla, isso não diz nada sobre você, tá? Diz tudo sobre as pessoas com quem
você esteve. Idiotas, lembra?
Ela solta uma risada discreta, mas não retribui meu olhar.
Olhe pra mim, por favor.
Ela suspira, mas faz o que peço, inclinando a cabeça para trás e olhando para
mim com olhos tímidos e cautelosos. Sinto como se meu coração estivesse na
garganta, pulsando na base do meu crânio. Essa é uma ideia terrível ou boa
demais. Ainda não decidi.
Acho que depende de como ela vai reagir. Se vai me dar um tapa na cara ou não.
Isso é algo que você quer?
Suas sobrancelhas se inclinam para baixo.
Como assim?
O acordo é para a gente praticar, não é? A gente poderia praticar isso
também. Você pode me dizer o que quer. Engulo em seco. A gente poderia
trabalhar junto para descobrir o que você precisa e como você precisa.
Meu Deus. Minha mente vai à loucura com as possibilidades. Layla embaixo de
mim. Layla contra a parede. Layla com as duas pernas cruzadas bem alto em
minhas costas.
Pela cara dela, ainda está confusa.
Caleb, você vai ter que explicar pra mim. Não entendi nada.
Você quer praticar na cama? pergunto. Tento não corar, mas é inevitável.
Não consigo controlar quando nos imagino juntos, entrelaçados em seus lençóis.
Aposto que eles também devem ter estampa de morango. Talvez pequenos
cupcakes. Você quer que nosso acordo seja físico também?
Ela abre a boca. Fecha e abre algumas vezes sem dizer nada, como se as palavras
que busca estivessem em algum lugar fora de alcance. Muito, muito fora de
alcance. Isso… não deve ser um bom sinal.
Tento me afastar, mas ela agarra minhas mãos e as segura com força.
Por quê? En m consegue dizer.
Porque… respondo. Porque você merece que alguém tente.
Seus lábios se contraem nos cantos e seus olhos cor de avelã se estreitam.
Algum outro motivo?
Desta vez, quando solto meus dedos dos dela, ela permite. Passo a mão sobre a
linha suave de seu maxilar, observando como ela reage ao meu toque. Ela inclina a
cabeça para o lado e eu arrasto os nós dos dedos pela pele macia de seu pescoço,
descendo até a delicada saliência de suas clavículas. Arrasto um dedo e depois o
outro, desço até a pele quente entre seus seios. Posso sentir o ritmo constante de
seus batimentos cardíacos. Cada inspiração delicada.
Eu tenho outro motivo. Um motivo egoísta.
Porque eu quero ver você se desfazer confesso com a voz rouca. Ergo a
cabeça e me certi co de olhar nos olhos dela. Porque quero ter o prazer de
fazer isso.
Porra, eu quero isso mais que tudo. Quero saber como ela ca com minhas mãos
tocando sua pele nua. Quero saber que marcas meus polegares podem deixar em
seus quadris, nas coxas, na curva da bunda. Quero saber que som ela faz com
minha boca em seu pescoço e seu corpo corado e quente sob o meu. Se ela suspira
ou geme ou morde a pele melada de suor. Quero conhecer todos os segredos que
ela ainda não compartilhou comigo, tudo o que eu possa desvendar com nossos
corpos juntos.
Com Layla, eu quero tudo.
Seus olhos estão mais escuros. Verde-musgo e dourado. Como galhos grossos
em uma tempestade de verão. Ela abre a boca, os olhos dançando entre os meus,
avaliando a veracidade das minhas palavras.
Essa é uma boa resposta conclui, por m.
Murmuro e dou dois passos para trás. Tenho que fazer isso. Senão, vou colocar
as mãos em suas coxas e levá-la para cima da bancada. Beijar e beijar, e beijar até
obter minha resposta. Não serei o cavalheiro educado que quero ser com ela.
Volto para a tábua de cortar e, às cegas, pego outro tomate. Começo a cortar
com as mãos trêmulas. Sinto como se tivesse acabado de ser chutado de um avião
sem paraquedas. Não sei se estou respirando ou apenas ofegante. Nunca fui tão
ousado com uma mulher em toda a minha vida.
Viro o tomate e corto do outro lado. Os pedaços saem terrivelmente
deformados. É incrível que eu não tenha cortado o polegar fora.
Acho que eu gostaria disso declara Layla, falando mais alto que o som da
faca. Faço uma pausa e olho para ela por cima do ombro. Ela está de costas para a
pia, as duas mãos às costas e os olhos xos nos meus. Seu cabelo está um pouco
bagunçado e a gola da camisa está torcida para o lado, o sobe e desce de seu peito
me colocando em algum tipo de transe hipnótico. De novo.
Ela está linda.
Com você esclarece, e meus ombros relaxam, se acomodam. O peso que
comprimia meus pulmões diminui.
O fato de ela querer fazer isso comigo em especí co é importante. Mostra que
con a em mim.
Layla dá um sorriso discreto e se afasta da pia. Ela examina o balcão, procurando
os vegetais que estava lavando. Seus olhos são contemplativos. Pensativos. Como
se estivesse fazendo uma lista e veri cando-a duas vezes.
Engulo em seco.
Com você, acho que eu gostaria muito disso.
COMEMOS NOSSO JANTAR.
Layla se senta de um lado da mesa, e eu, do outro.
Conversamos como se não tivéssemos concordado, após deixar um tomate se
esmagar no chão, em explorar a parte física do nosso relacionamento.
Falamos das minhas aulas na escola. Do progresso do Jeremy com a Lydia e de
como algumas outras crianças apareceram pedindo minha ajuda para traduzir seus
recadinhos. Layla apelidou isso de clube do amor com uma risada adorável que me
faz sentir como se alguém estivesse tentando arrancar meu coração do peito pela
garganta. Falamos da sessão de fotos que está prestes a acontecer e da receita de
pudim que ela conseguiu aperfeiçoar. De carolinas e brioches e baguetes com
geleia de go.
Só co excitado duas vezes, quando ela usa termos so sticados de confeitaria.
Considero isso um pequeno milagre.
Não voltamos a falar da nossa conversa na cozinha.
Layla quer falar. Posso perceber a cada vez que olha para mim, na expectativa em
seus olhos e na forma de segurar o copo. Um de seus pés com meias cutuca os
meus embaixo da mesa, e meu joelho bate com tanta força no tampo de carvalho
maciço que meu copo quase vira. Eu o pego antes que ele derrame.
Layla esconde seu sorriso presunçoso atrás da ponta dos dedos.
Tudo bem? pergunta de forma um pouco inocente demais.
Tudo.
Eu estou bem. Mais do que bem. Só não consigo parar de pensar no suspiro que
ela deu quando encostei os nós dos dedos em seu pescoço. Não consigo parar de
imaginar o volume suave de seus seios e como ela se arqueou contra mim,
acompanhando meu toque sem nem mesmo perceber.
Ela demonstra tanto o tesão que sente. Ninguém nunca ter dedicado tempo para
recompensá-la por isso é um crime.
Caleb?
Balanço a cabeça. Distraído de novo.
Sim?
Seu sorriso vacila e há insegurança no olhar.
Perguntei se você queria sobremesa.
Sigo a linha da alça de seu vestido ao longo do ombro. É na, de um laranja-
ferrugem que faz sua pele brilhar. Antes do jantar, ela estava usando uma camisa
de botão curtinha enrolada sobre ele, amarrada logo acima da cintura. Ela a tirou
devagar enquanto servia nosso vinho, o tecido deslizando de seus ombros até a
curva dos cotovelos. Roçando em sua pele conforme ela o tirava e colocava na
cadeira.
Fiquei com as mãos coçando de desejo de fazer isso eu mesmo. Eu queria
desembrulhá-la como se fosse um presente.
Você está viajando de novo.
Desculpe. Esfrego a mão na testa. Sei que estou.
Você quer sobremesa?
Balanço a cabeça e ela parece car triste.
Mas eu tenho bolo de chocolate com creme na geladeira.
A prova do meu desejo por ela é o fato de que nem pestanejo ao ouvir isso.
Empurro a cadeira para trás.
Venha aqui um segundinho.
Ela não se move de sua cadeira no outro lado da mesa.
Seu lábio inferior está manchado de um vermelho intenso por causa do vinho.
Por quê?
Porque eu quero beijar você respondo. É melhor ser honesto. Quero
lamber o vinho de seus lábios e envolvê-la pela cintura. A única coisa que estou
interessado em saborear esta noite é Layla, em qualquer versão que ela esteja
disposta a servir.
Ela pisca para mim devagar, os olhos arregalados. Mas seu sorriso é rápido,
como um raio de calor se estendendo pelo céu. Ela me observa por um segundo e
depois empurra a cadeira para trás.
Você poderia ter me dito antes brinca. Antes, presumo que ela queira
dizer, quando eu a encostei na pia da cozinha.
Dou um tapinha em minha coxa e suas sobrancelhas se estreitam.
Bom, estou dizendo agora.
Ela demora a se aproximar, dando a volta na mesa, seus olhos cor de avelã
brilham à luz do sol poente. Os feixes dourado-quentes e vermelho-queimados a
iluminam como se ela fosse uma chama dançante que se aproxima cada vez mais.
Nunca quis tanto me queimar em toda a minha vida.
A ponta de seus dedos roça do meu joelho até o alto da minha coxa. Ela para
bem na minha frente e ca no espaço estreito entre minhas pernas abertas.
Inclino a cabeça para trás e a observo.
Caleb Alvarez, quem diria que você era tão mandão. O sorriso dela diz
que isso não é necessariamente uma coisa ruim. Vai ser assim, é?
Assinto, minhas mãos alcançando a cintura dela. Eu a ajudo a se acomodar em
meu colo, sentando-a de lado em minhas coxas. A curva de sua bunda é um peso
delicioso contra mim, sua boca pairando sobre a minha. Deposito um beijo em
seu queixo. Outro na parte em que o ombro se encontra com o pescoço.
Vai ser assim sussurro, então a beijo.
Achei que seria diferente beijar Layla pela segunda vez.
Foi por isso que me contive durante toda a semana, ainda tomado pela
adrenalina do primeiro beijo.
Achei que a segunda vez seria mais moderada, mais calma, e que nós dois nos
acomodaríamos em nossos respectivos papéis.
Talvez na segunda vez eu não me sentisse tão fora de controle.
Mas, ao que parece, sou um grande idiota.
Porque, no momento em que encosto minha boca na de Layla, estou entregue.
Tudo desaparece até que somos apenas ela e eu, e respirações ofegantes, nossos
corpos criando uma deliciosa fricção enquanto ela enrosca as mãos no meu
cabelo.
Ela se vira em meu colo e eu solto um gemido em sua boca, minha língua
deslizando quente, úmida e devagar contra a dela. Ela tem um gosto tão doce. De
morangos encharcados de vinho. Das fatias de laranja no fundo da minha taça, que
ela pegou escondido quando achou que eu não estava olhando.
Envolvo a mão em torno da pele nua de seu tornozelo e agarro sua perna,
ajustando-a em meu colo até que esteja com o pé pressionado contra o braço da
cadeira e minha palma esteja traçando segredos em sua panturrilha. Ela tem um
sobressalto quando passo o polegar na parte de trás de seu joelho. Uma gargalhada
que passa dela para mim. Isso também tem um sabor doce, como bolhas de
champanhe e a melhor cobertura que já comi na vida.
Subo minha mão e ela afasta um pouco os joelhos. Faço uma pausa, meus dedos
rmes de maneira possessiva em torno de sua coxa.
O que você quer, Layla? pergunto, e depois lambo devagar a parte logo
abaixo da orelha dela. Seu corpo inteiro se arrepia e ela arranha meu couro
cabeludo.
Eu não sei. Isso é bom.
Isso é bom concordo. Chupo a base do pescoço dela, e suas unhas me
arranham com mais força. Se ela continuar se movendo no meu colo desse jeito,
vai ser muito mais que bom. Estou me contendo por um o, dividido entre o
controle e a indulgência selvagem. Mas acho que você deve me dizer o que
quer.
Eu não… Ela corre o nariz pela minha bochecha e encosta a testa na
minha. Eu não sei o que quero.
Deslizo o polegar uns dois centímetros para cima contra a parte de dentro da
coxa. Ela emite um som baixo na garganta, e o desejo fecha o punho em volta do
meu coração e aperta.
Você quer… Preciso engolir duas vezes para terminar a pergunta. Quer
que eu toque você?
Ela concorda avidamente e rebola no meu colo, jogando o quadril para a frente.
Eu a seguro para que que imóvel contra mim.
Preciso que você fale, Layla.
Quero. Ela vira a cabeça e respira a resposta em minha boca, a mão
segurando meu rosto. Quero que você me toque. Deslizo os dedos para
cima, brincando com o tecido frágil de sua saia. Observo o caminho que minha
mão segue com fascinação, meus pulmões ardendo.
Como quer que eu toque você?
Ela engasga com uma risada quando deslizo o polegar de sua coxa até a pele do
quadril, brincando com o elástico no.
Parece que está usando uma calcinha delicada feita com o algodão mais macio
que se possa imaginar. Não sei por que isso me faz passar os dentes contra o
pescoço dela, mas é o que eu faço. Meu autocontrole está seguro por uma linha
tênue.
Eu nem sei como gosto de ser tocada. Ela ainda está rindo de sua piada
particular, com a cabeça inclinada para trás, enquanto me oferece mais pele para
morder, saborear e chupar. Aceito o convite, deixando uma marca logo acima de
sua clavícula. Minha, parece dizer.
Minha por enquanto, uma voz no fundo da minha mente me lembra.
Eu a ignoro.
Layla passa os dedos pelo meu cabelo e estremece.
Eu quero que você me toque. Isso não é… isso pode ser o su ciente por
enquanto?
É uma resposta bastante fácil. Faço com que ela se levante do meu colo,
segurando-a pela cintura. Confusa, ela franze a testa para mim, as mãos correndo
para colocar o cabelo bem-arrumado atrás das orelhas. Eu as seguro e as coloco
contra meu peito. Não quero que ela que insegura. Não quero que se esconda.
Não comigo. Não assim.
Ela aperta o tecido da minha camisa, o olhar de quem tenta entender.
Algum problema? Você mudou de ideia?
É minha vez de rir.
Não respondo. Eu não mudei de ideia. Só estou encontrando uma
posição melhor.
Eu a puxo de volta para mim e a acomodo ajoelhada, uma perna dobrada de
cada lado de minhas coxas na estreita cadeira. Sentada assim no meu colo, ela não
tem como não notar o volume da minha ereção por baixo da calça jeans gasta,
nem tem como não perceber como estamos perfeitamente alinhados. Mas não me
importo. Quero que ela veja o que faz comigo. Quero que saiba o quanto é
desejada.
Assim digo, minha voz rouca.
Deve haver lugares melhores para fazer isso, mas não consigo suportar andar o
metro e meio que nos separa do sofá. Ou colocá-la sobre a mesa à minha frente.
Quero seu peito pressionado contra o meu. Quero sua respiração em meu pescoço
e seus joelhos abraçando meu quadril.
Eu a puxo para baixo, impaciente, com sua saia presa entre nós. Nós dois
gememos ao mesmo tempo: gemidos que ecoam, estrondosos. Layla é tão
gostosa, mesmo com essas camadas de tecido entre nós. Quente, macia e perfeita.
Ela rebola enquanto se acomoda sobre mim, e uma chuva de estrelas explode atrás
dos meus olhos. Não faço ideia de como vou aguentar.
Ela passa os polegares nas laterais do meu rosto. Desce até a curva do meu lábio
inferior. Eu mordisco a ponta de seu dedo e ela solta uma risada.
E agora? pergunta.
Sorrio e deslizo minhas mãos de volta para dentro de sua saia. Suas coxas
estremecem sob minhas palmas, os quadris se contraindo ao meu toque. Meus
polegares encontram as tiras nas em sua cintura e eu estalo o tecido contra sua
pele.
Agora vamos descobrir como você gosta de ser tocada.
16
LAYLA

EU NÃO ESPE VA que fosse acabar a noite sentada no colo de Caleb, com suas
mãos por baixo da minha saia, mas aqui estamos. Com certeza não estou triste por
isso. Seus olhos estão escuros, o cabelo está revirado em todas as direções e ele
tem um chupão se formando logo abaixo da orelha esquerda, fruto da minha
empolgação.
Ele ca lindo assim.
Ele desliza os polegares do alto das minhas coxas até a parte interna dos meus
joelhos, e quase lanço nós dois para fora da cadeira.
Estou nervosa sussurro, decidindo ser honesta. Não quero que ele que
desanimado quando eu não… responder ao seu toque.
Já tive parceiros que caram chateados no passado. Frustrados. Aprendi logo
que ngir costuma ser o caminho mais fácil, sem a complicação de egos feridos.
Mas não quero ngir nada com Caleb.
Por que você está nervosa? Ele desliza as mãos até a minha bunda e
aperta, fazendo faíscas dançarem pela minha coluna. Sou só eu.
Mas esse é o problema, não é? Ao que parece, ele não é só o Caleb.
Ele é um toque cuidadoso e um olhar persistente. Patins no primeiro encontro,
nachos e beijos na chuva. A mão no meu cotovelo e na parte inferior das minhas
costas, os lábios pressionados na minha nuca. Firme. Con ável. Gentil. Muito
gostoso.
Caleb está se revelando muitas coisas para mim.
Às vezes… Reviro os olhos e encaro a luminária acima da mesa da
cozinha em vez de olhar para o rosto dele. Às vezes eu demoro um pouco pra
entrar no clima.
Ele emite um som baixo e mexe os quadris sob os meus. Olho nos olhos dele.
Está um pouco ofegante, os botões da camisa esticados. Parece um tanto
selvagem, um tanto exausto. Com fome de algo que não é a sobremesa.
Isso parece o oposto de um problema, Layla.
É?
Ele concorda, entusiasmado, e se inclina para a frente até que seus lábios
encontrem o ponto em que o decote revela parte dos meus seios. Ele dá um
beijinho acima do meu coração e depois lambe uma faixa quente até o meu
pescoço. Meu corpo todo estremece com força.
Gosto de me esforçar pra conseguir o que quero sussurra em meu ouvido.
Um suspiro escapa da minha boca.
Tudo bem, então.
Ele dá dois tapinhas do meu quadril por baixo da saia, o rosto ainda enterrado
no meu pescoço.
Se levante ordena com gentileza, e eu levanto o quadril, apoiada sobre os
joelhos, para que suas mãos possam se mover. Ele traça a linha da minha calcinha
de um lado ao outro da cintura com uma única e deliberada ponta do dedo.
Você gosta de ser provocada? Os nós de seus dedos roçam a parte da
frente do algodão macio da minha calcinha, quase sem encostar. Respiro fundo e
me arrepio toda. Ou você prefere rápido? Seu polegar pressiona com força o
local onde mais preciso dele, e nós dois gememos de prazer. O meu gemido soa
mais ofegante, o dele, mais baixo e rouco.
Ser provocada respondo com a boca no topo de sua cabeça, minha voz
ofegante e fraca. Acho.
Nunca me zeram essa pergunta antes. Nunca pensei muito sobre o que quero e
o que não quero quando estou com alguém assim. Mas eu gosto desse estímulo,
do desejo contido em minha barriga que aumenta quando seu toque é fugaz e
suave. Gosto do roçar de seu polegar quando ele traça cada centímetro de mim
por baixo da saia, devagar, devagar, devagar. Como se estivesse saboreando. Como
se estivesse memorizando.
Como se quisesse que o momento durasse.
Ele pressiona o polegar de novo e grunhe baixinho quando sente como estou
molhada entre as coxas.
Meu Deus exclama ele. Meu corpo inteiro treme como uma folha ao
vento. Me diga quando estiver bom, tá?
Concordo e me movo contra sua mão.
Tá bom.
Ele tira uma das mãos de debaixo da minha saia e brinca com a alça do vestido
no momento em que os nós de seus dedos roçam meu centro de novo. Eu
contenho um gemido e en o as mãos em seu cabelo, meus quadris indo em
direção ao seu toque e depois se afastando. Essa posição é estranha, meu corpo
está suspenso acima do dele enquanto ele me toca. Eu me sinto desajeitada e
desequilibrada, tudo está muito apertado.
Não, que aqui. A mão de Caleb vai até meu quadril e ele me guia para
baixo, me incentivando a rebolar na mão em seu colo. Mais confortável, envolvo
seu pescoço com os braços e me ajeito. Um meio-sorriso se insinua em seus lábios,
fazendo as covinhas que adoro aparecerem, e eu me acomodo mais um pouco.
É o Caleb, e com Caleb estou segura.
Eu o observo com os olhos semicerrados enquanto rebolo, seu olhar xo em
mim, sentada em seu colo. Sinto seu olhar como sinto os nós dos dedos em minha
pele nua, nos meus ombros. O volume dos meus seios contra o vestido, a saia
subindo pelas coxas. Ele se recosta na cadeira e afasta mais as pernas, fazendo com
que as minhas também se abram mais. Seus dedos têm mais espaço para explorar
sob meu vestido, e quase não consigo respirar.
Você ca tão linda assim diz ele em voz baixa. Está gostoso?
Eu murmuro alegre em resposta e fecho os olhos. Inclino a cabeça para trás
enquanto ele puxa uma das alças do meu vestido para baixo e depois a outra,
ambas se acomodando na curva dos meus cotovelos. Ele roça a boca na minha
clavícula e na pequena cavidade entre meus seios. O tecido do meu vestido se
mantém ali, apertado.
A sensação é incrível. Uma provocação deliciosa, do jeito que eu queria. O calor
se acumula no fundo da minha barriga e em todos os lugares em que meu corpo
está pressionado contra o dele: joelhos, coxas, cabeça e coração.
Responda, Layla. Ele ajusta a mão entre minhas pernas para que eu
pressione diretamente o polegar dele a cada movimento dos quadris. Meu corpo
inteiro estremece.
Está gostoso digo, as palavras arrastadas. É a melhor sensação que já tive
com alguém, e ele nem precisou tirar minhas roupas. Ele não tocou a pele nua por
baixo delas. Um de seus dedos invade a borda da minha calcinha e um som
errático ca preso no fundo da minha garganta.
Gosta quando eu falo com você? Ele segura o decote do meu vestido com
os dentes e puxa o tecido só um pouquinho para baixo. A tensão dos meus
mamilos contra o tecido macio o distrai. Ele passa a língua em um deles sobre o
material frágil do vestido, que está quase caindo, até que eu esteja arqueada em seu
colo.
Gosto quando você fala consigo dizer entre respirações ofegantes. Não
consigo parar de observá-lo. Seu braço exionado entre minhas pernas e a boca
nos meus seios. Ele prende um mamilo entre os dentes, e o calor sobe pela minha
coluna. Nunca me senti assim, nem mesmo sozinha. Deixo escapar um suspiro
trêmulo. Gosto quando você…
Não termino a frase, meus pensamentos se dispersando. Ele encosta a testa no
meu peito e pressiona os quadris contra os meus, com a mão presa entre nós.
Do que você gosta?
Minhas bochechas estão quentes. Eu também nunca disse isso a ninguém.
Gosto quando você também me diz do que gosta.
Acho que gosto do elogio. Gostaria de ouvir todas as coisas boas que o estou
fazendo sentir.
Ele geme, um som impotente. Ele ajusta a mão para que eu rebole em sua palma,
a parte alta roçando em meu clitóris a cada movimento brusco do meu quadril.
Ele pressiona meu pescoço com beijos molhados, chupando.
Quer saber o quanto você é gostosa?
Quero.
Quer saber como estou cando louco só de ver você assim?
Assinto freneticamente. Sim, é disso que eu preciso. Quero saber que Caleb está
sentindo o mesmo que eu. Que ele também se sente fora de controle. A tensão
dentro de mim se agita mais fundo, um frio no fundo da minha barriga. Rebolo
com mais força, perseguindo o toque.
Isso, meu bem. Assim mesmo. A mão por cima do vestido me agarra pela
cintura e me guia para mais perto. Em todo lugar que me movo, sinto uma
sensação diferente. O botão da calça jeans dele quando meus quadris avançam. A
pressão dura de seu pau na parte interna da minha coxa quando eu me inclino para
baixo. Sua boca no meu peito e o cabelo bagunçado no meu pescoço.
Isso incentiva ele, e eu rebolo com mais força. Agarro a parte de cima da
cadeira em que estamos equilibrados e persigo a sensação, fazendo minhas pernas
se contorcerem e tremerem. Persigo aquela deliciosa borda dourada que está fora
do meu alcance. Isso mesmo, Layla. Cavalgue na minha mão até chegar lá.
Caramba murmuro. Acho que é a combinação de seu toque rme e de
suas palavras baixas e murmuradas, elogios sussurrados em meu ouvido,
aumentando meu desejo cada vez mais. Ele não hesita enquanto eu me esforço
contra ele, e o material áspero de sua calça jeans roçando a parte interna de
minhas coxas torna tudo melhor. Eu gosto do ardor. Gosto do desespero.
Eu me movo, e Caleb me diz como sou gostosa, perfeita, como estou toda
quente e que sente que estou molhada através da calcinha. Ele me diz que já está
ansioso por outro momento assim comigo, mas que vai tirar todas as minhas
roupas para que ele possa ver o rubor pintar minha pele de rosa.
Só com um daqueles lenços lindos murmura ele com a boca na base do
meu pescoço, o dedo passando por baixo da bainha da minha calcinha. Nada
mais.
Eu não… Minha voz se eleva em um lamento. Estou tão perto, mas não
consigo me forçar a ultrapassar o limite. Quanto mais me esforço contra ele, mais
longe pareço estar. Meu prazer oscila, a frustração nebulosa embotando a
sensação. Eu me contenho em um gemido que mais parece um soluço.
Caleb me faz desacelerar com toques suaves e cuidadosos. A ponta dos dedos na
parte inferior das minhas costas. Um beijo entre meu ombro e meu pescoço.
Do que você precisa? sussurra ele.
Eu não sei murmuro em seu pescoço, raspando meus dentes em sua
orelha e rebolando com mais força em sua mão. Quero gozar. Quero gozar, quero
gozar, quero gozar. Não sei do que preciso.
Caleb me imobiliza acima dele, e eu me agito em seu aperto, frenética. A
necessidade pulsa bem abaixo da minha pele, um zumbido vertiginoso no fundo
dos meus ossos. Chupo seu pescoço, me atrapalho com os botões de sua camisa.
Sou pura confusão, o puxando e agarrando debaixo de mim. A paciência se foi. A
hesitação também.
Caleb, por favor peço, envergonhada por estar implorando por um
orgasmo, mas também incapaz de parar. Estou tão perto. Por favor, continue.
Ele passa a mão pelas minhas costas e aperta minha bunda por cima do vestido.
Ele me segura com um dos braços e me levanta, mantendo-me rme contra a
frente de seu corpo enquanto se ergue da cadeira. Envolvo seus ombros com meus
braços.
Vou continuar. Ele dá quatro passos em direção ao sofá e caímos nele, nos
acomodando até que eu esteja pressionada contra as almofadas e Caleb esteja
acima de mim, com minhas pernas em volta de sua cintura. Cruzo os tornozelos e
o puxo para mais perto, o pau pesado e duro no espaço entre minhas pernas.
Você vai gozar, eu prometo. Acho que descobri o problema.
Você parou de me tocar reclamo, me sentindo petulante. Ele segura meus
pulsos, guiando meus braços para cima da minha cabeça. Eu os quero embaixo do
meu vestido. Em minha pele. Esse é o problema.
Eu estava fazendo você se esforçar demais diz ele, o olhar xo no deslizar
de suas mãos largas pelos meus braços, então nas laterais do meu corpo. Ele
prende dois dedos na parte de cima do meu vestido e puxa até que meus seios
quem nus sob ele. Solta um grunhido baixo e apreciativo e passa a palma das
mãos de leve nos meus mamilos. Ele me provoca dessa forma, com o peito
ofegando enquanto se mantém acima de mim, de joelhos. Quando en o meus
dedos sob seu cinto e puxo, ele agarra meu pulso e o leva acima da minha cabeça,
me pressionando com mais força contra o sofá. Meu corpo inteiro estremece de
necessidade.
Seus olhos queimam de prazer ao me encarar.
Você não tem que se esforçar, meu bem. Deixe que eu faço o trabalho.
Então Caleb começa.
Ele me segura no sofá e se move contra mim como se estivéssemos em uma
cama. Como se estivéssemos em uma cama e nus, e ele estivesse dentro de mim e
quisesse ir mais fundo. Ele rebola os quadris, chupa meu pescoço e arrasta uma
palma da mão pela linha do meu braço até meu seio. Belisca meu mamilo
enquanto roça o corpo no meu, e tudo se transforma em cores brilhantes, formas,
sensações e o som ofegante de nossas respirações juntas.
Você está tão linda, Layla. Puta merda.
Uma mecha de cabelo escuro cai sobre sua testa quando ele alcança meu
tornozelo. Ele envolve seus longos dedos em torno do osso delicado e o apoia
mais alto nas costas. Dobro os joelhos e quase me engasgo com um gemido.
Aposto que você ca mais linda ainda quando goza. Posso ver? Ele pega o
lóbulo da minha orelha com os dentes e o puxa. Você vai me mostrar?
Caleb. Digo seu nome apenas porque quero. Quero sentir o gosto das
sílabas em minha língua enquanto me movo com mais intensidade. Ele murmura e
pressiona o polegar em meu queixo, guiando minha boca até a dele. O beijo é
lento e profundo, a cadência do corpo se mantendo. Ele não acelera, não
desacelera, apenas continua a me excitar por cima da roupa, naquele ritmo
perfeito, delicioso e pesado.
Você está quase lá?
Eu concordo e depois concordo de novo. Não sei há quanto tempo estamos nos
movendo juntos dessa forma, só sei que é uma sensação muito, muito boa. Caleb é
tão, tão gostoso. Ele roça os dentes na minha orelha e, ao mesmo tempo, desliza a
mão entre nossos quadris, arrastando o polegar com força, o que me faz arquear,
ofegar e gemer sob ele.
Me diga como você quer.
Mais rápido ofego. Ele segue minhas instruções com perfeição, e eu gemo.
Dois dedos, um pouco mais alto. Por favor… eu…
Bom. Isso mesmo diz Caleb. Seus quadris se chocam contra as costas de
sua mão. Quero que você sinta esse prazer, Layla. É seu.
Talvez seja o incentivo dele, ou talvez seja o polegar entrando por baixo da
minha calcinha molhada e retorcida. Talvez seja o primeiro toque dele em minha
pele nua ou o som profundo de prazer que ele emite em resposta. Um palavrão
murmurado, como se ele estivesse tão entregue quanto eu. Não sei dizer. Só sei
que, quando inspiro, estou vendo Caleb se mover acima de mim e, ao soltar o ar,
estou mergulhando rumo ao prazer mais intenso.
Acontece de repente, um solavanco forte bem no centro do meu peito. Como
uma corda sendo puxada. Eu me agarro a Caleb enquanto a sensação me percorre,
um incêndio de prazer e sensações selvagens e confusas. Pode ter começado de
repente, mas se espalha devagar, pela parte de trás das minhas pernas, pela base
dos quadris, ao longo dos meus seios, pressionados contra o tecido frio da camisa
de Caleb. Eu gemo e faço sons que nunca ouvi saírem de minha boca antes.
Quando en m recupero o fôlego, Caleb ainda está por cima de mim, ofegando
em meu pescoço.
Deslizo a palma das mãos pelas costas dele e as en o por baixo da camisa. Seus
quadris se movem e ele se aconchega em mim, a pele quente sob o toque. Ele
parece o cobertor mais pesado e com o cheiro mais delicioso.
Eu sorrio para o teto.
Acho que essa foi a melhor ideia que você já teve.
Ele toca meu pescoço com o nariz, e posso sentir seus lábios se curvarem em um
sorriso.
Melhor que a pista de patinação?
Eu me mexo embaixo dele, muito satisfeita.
Sem dúvida.
Ele ri e leva a mão à base do meu pescoço. Acaricia minha pele com o polegar. É
um conforto e uma marca. Uma garantia suave de que tudo o que acabamos de
fazer foi como deveria ser.
Eu concordo.
Você… Eu me remexo embaixo dele e traço a linha forte de sua coluna até
logo acima da calça jeans. Quero tirar a camisa dele e acariciar essa pele linda.
Engulo em seco. Quer que eu toque você também?
Caleb se apoia sobre os antebraços, com um delicioso rubor nas bochechas, no
pescoço e na ponta das orelhas. Seus lábios estão inchados e o cabelo é uma série
de ondas emaranhadas de suor. Quero me lembrar dele exatamente assim toda vez
que ele estiver do outro lado do balcão na padaria e pedir um croissant.
Se bem que imagino que será um desa o e tanto à minha produtividade.
Eu, hã… Ele morde o lábio inferior. Não precisa.
Ignoro minhas entranhas se revirando, a dor da rejeição, por mais gentil e amável
que ele tenha sido. Tudo bem se ele não quiser que eu o toque da mesma maneira
que ele acabou de me tocar. Sem problema.
Olho xamente para o teto e acalmo minhas mãos.
Layla. Caleb suspira meu nome. Não é nada disso. Eu já, hã… já…
Franzo a testa e vejo o rosto dele se contorcer de vergonha.
O quê?
Ele olha para mim com um sorriso tímido e triste. Ergue a mão e traça as linhas
do meu rosto, o inchaço do meu lábio inferior. Parece encantado. Aquele toque
memorável dele, tudo de novo. Eu o seguro pelo pulso e dou um beijo estalado
bem no centro de sua palma.
Ele apoia a testa na minha clavícula e balança para a frente e para trás.
Eu já gozei explica com muita relutância. Ele esfrega a mão que acabei de
beijar em seu peito. Só precisei ver você. Tocar você foi… Ele suspira
devagar. Incrível, esse som parece dizer. Outro suspiro e uma risada baixa e
estrondosa. Eu me sinto um adolescente.
Uma onda de calor substitui a sensação de vazio no meu peito. Afeição, com
toda a certeza e segurança.
Você deve ter sido divertido na adolescência.
Ele dá de ombros e se apoia nas mãos para erguer o corpo.
Eu era um moleque todo desengonçado. Não sabia como falar com as
pessoas, de verdade. Ainda mais com as garotas.
Acho difícil acreditar nisso quando, há uns três minutos, ele estava me dizendo
para gozar. Mas gosto mesmo assim. Gosto que Caleb se sinta confortável para ser
ele mesmo comigo. Que não se censure nem se molde a algo que acha que eu
quero. Eu entendo Caleb em todos os seus belos e imperfeitos tons.
Ele se ergue até se sentar recostado no sofá, e eu co esparramada sobre as
almofadas, com o vestido erguido até a cintura e o braço estendido acima da
cabeça. Os olhos de Caleb percorrem um caminho sinuoso pelo meu corpo,
detendo-se na curva dos meus seios.
Ele respira fundo, com os olhos turvos e sonolentos. Desejo. E algo mais suave.
Eu sorrio.
Dez de dez digo, me sentindo mal por atribuir uma nota. Mas preciso
lembrar a nossa situação, a base em que nosso relacionamento está sendo
construído. Não vai ser nada bom encarar a realidade no m disso tudo, apesar de
ter sido incrível. Suspiro e passo os dedos pelo cabelo suado. Você é
maravilhoso, merece medalha de ouro.
Ele sorri, com os olhos franzidos no canto.
Eu digo o mesmo. Caleb se vira no sofá com as pernas abertas, uma mão
apoiada na barriga e a outra no espaço de cinco centímetros entre nós. Seu olhar
se detém em todos os lugares que suas mãos tocaram. A inclinação dos meus
ombros e a extensão suave dos meus braços. A cavidade entre meus seios e a pele
macia da minha barriga.
É uma coisa simples ter alguém me observando enquanto me recomponho.
Simples e linda, uma intimidade incrível.
Outra novidade para mim esta noite.
Ele passa a mão no meu tornozelo e tamborila os dedos na minha panturrilha.
Sobe a palma da mão até a parte de baixo do meu joelho e desce de novo
enquanto eu passo os braços pelas alças do vestido. Um tapinha, outro tapinha, até
chegar aos meus pés.
O quê? pergunto enquanto me contorço para colocar a alça teimosa, toda
retorcida.
Caleb tira a mão do meu joelho e segura o tecido teimoso, passando o polegar
pela minha clavícula enquanto o endireita. Ele passa a mão pelos meus ombros,
bem de leve, até o centro do meu peito. Repousa a mão ali até que eu tenha certeza
de que pode sentir as batidas do meu coração.
Nada diz ele, com uma voz profunda , gosto de olhar pra você.
Sorrio e aliso a saia do vestido para cobrir minhas coxas. Seguro a mão dele na
minha e entrelaço nossos dedos, aconchegando-me ao seu lado até que estejamos
enrolados um no outro. Ficamos sentados em meu sofá azul, ouvindo os sons da
casa se acomodando ao nosso redor. O ranger da madeira e os grilos chamando
uns aos outros pela janela aberta acima da pia. Acho que nunca quei tão quieta
com alguém antes. Tão contente só por existirmos.
Inclino a cabeça e dou um beijo nos nós dos dedos de Caleb. Ele emite um som
de satisfação, bem no fundo da garganta, e inclina a cabeça para olhar para mim.
Você ainda tem bolo? pergunta, a voz cheia de esperança.
Solto uma risada.
Tenho. Eu me inclino e deposito um beijo na curva do sorriso dele. Sinto
como se estivesse utuando. Como se estivesse no meio da lagoa que ca nos
extremos do terreno de Lovelight, olhando para os raios de sol que passam por
entre as árvores. Meus lábios percorrem a linha nítida de seu maxilar até o queixo.
Eu me aninho em seu peito e o envolvo em um abraço. Ainda tenho bolo.
17
CALEB

ACHO QUE a gente devia… meu Deus, Caleb. Layla ofega meu nome em
minha boca, os dentes em meu lábio inferior e as duas mãos sujas de farinha
agarrando meu cabelo com força. Vai parecer que mergulhei a cabeça em uma
tigela de massa quando sair daqui, mas não consigo me controlar. Na verdade,
desde aquela noite, dois dias atrás, no sofá de Layla, não consigo parar de tocar
nela. Toda vez que fecho os olhos, vejo aquele vestido laranja retorcido em seu
corpo. A pele nua e minhas mãos pressionando as dela contra o sofá. Continuo
ouvindo os sons que ela fazia enquanto se movia em meu colo e buscava o prazer.
Se eu achava que iria desejá-la menos depois que sentisse seu gosto pela
primeira vez, fui um idiota. O desejo só aumentou.
Ainda mais hoje, que ela está usando o avental estampado de morangos. Há algo
de especial no vermelho que se destaca em sua pele macia, nos cordões que dão
duas voltas em sua cintura, amarrados em um laço bem-feito na frente do corpo.
Quero desfazê-lo com os dentes.
Sem mencionar o batom vermelho-cereja e os brincos de argola dourados. O
lenço azul com pequenas bananas amarelas enfeitando seu cabelo curto. Entrei
pela porta e ela me olhou por cima de uma bandeja com forminhas de crème
brûlée de baunilha, um sorriso enorme ao me ver. Precisei parar por um momento
e respirar fundo. Esfregar a palma da mão no peito e tentar colocar tudo de volta
em seu devido lugar.
Tentei me comportar. Fiquei sentado no banquinho e ngi tomar minha xícara
de café, mas, na verdade, estava observando as curvas de seu corpo enquanto ela
se debruçava sobre a bancada. Observei enquanto ela misturava, mexia e
desenrolava a massa fresca para os rolinhos de canela, ignorando a tentação
quando ela pegou um pote de açúcar com canela. Não pude evitar um gemido
fraco quando ela mexeu a manteiga derretida em uma tigela, espalhando-a na
massa com um pincel, em listras largas.
Mas foi o glacê que en m me tirou do sério. Em um segundo, Layla estava
pegando a tigela na geladeira e, no outro, estava estendendo a mão na minha
direção, com uma porção perfeita e imaculada de glacê equilibrada na ponta do
dedo. Eu lambi seu dedo, os cílios dela tremularam e, no instante seguinte,
estávamos nos agarrando, com tigelas e um prato em formato de cupcake indo
parar no chão.
É melhor a gente parar diz ela logo antes de correr os dentes pelo meu
pescoço e guiar minha boca de volta para a sua com a mão em meu queixo,
deixando mais marcas de farinha. Eu a pressiono com força contra a geladeira e
aperto as coxas dela com mais intensidade.
É, é melhor concordo. Empurro seu queixo com o nariz até que ela incline
a cabeça para trás, até que eu possa chupar seu pescoço e sentir o gosto de açúcar
em sua pele. Ela pressiona os quadris contra os meus e estou a quatro segundos de
en ar as mãos por baixo desse avental e descobrir que tipo de calcinha Layla
Dupree usa quando está cozinhando.
Sempre fui meticuloso em questão de autocontrole. Sempre muito educado,
fazendo o que era esperado de mim. Mas Layla faz com que eu me sinta
transtornado. Livre, desconcentrado, desestabilizado. Subo uma das mãos pela
perna dela e depois volto a descer, a barra do vestido roçando nos nós dos meus
dedos.
Ela está ofegante, puxando meu cabelo com força. Uma sensação lenta e quente
se desenrola na base da minha coluna, minha respiração mais acelerada do que um
segundo antes. Há surpresa e encantamento em seu sorriso, e ela puxa de novo,
inclinando minha cabeça para trás, a boca em meu pomo de adão. Seus olhos
estão xos em mim.
Meu corpo inteiro se desfaz contra o dela.
Ela ri, um som rouco logo abaixo do meu ouvido.
Preciso ir trabalhar.
Tá bom. Não desgrudo dela, meu rosto apoiado em seu pescoço.
Caleb. Posso sentir seu sorriso em meu ombro. Ela abraça minha cintura e
me aperta. Vá se sentar no seu banquinho.
Não, valeu.
Não quero ir. Quero car onde estou, abraçado à Layla, sentindo o cheiro de
farinha, açúcar e lavanda em sua pele, o coração dela batendo contra o meu. Alex
tem me dito que preciso controlar minhas expectativas, mas não vejo problema
em me entregar.
Sempre gostei de Layla do jeito que qualquer pessoa gosta de alguém que é bom
e gentil. Um sentimento caloroso, mas, ainda assim, um tanto impessoal. Eu
gostava do sorriso dela, de sua risada. Gostava de como ela sempre cuidava do
caixa, independentemente do quanto a padaria estivesse lotada. Gostava de vê-la
decorar os bolos prendendo a língua entre os dentes e segurando com cuidado
uma espátula pequenina.
Mas agora esse gostar está se transformando em algo mais profundo. Gosto de
como ela segue o que o coração diz, apesar de já ter se machucado tantas vezes. De
como ela ergue o queixo e se esforça para ser corajosa quando está falando da
família. A lealdade inabalável que tem por seus amigos e o orgulho que sente deste
lugar que construiu.
Também gosto do jeito que ela me toca, como passa os dedos para cima e para
baixo no meu braço enquanto estamos sentados no capô do jipe. Gosto de ver o
sol pintar o céu em um caleidoscópio de cores suaves com Layla deitada em meu
ombro. Do polegar dela apertando a pele macia na base do meu pescoço quando
se anima com alguma coisa, a voz subindo um oitavo, em um ritmo mais rápido.
Ela é tudo o que eu pensava que seria e mais um pouco.
Layla começa a cantar o início duvidoso de uma música e se remexe colada a
mim. A ponta dos dedos brinca com o cabelo curto na minha nuca enquanto eu a
envolvo em um balanço para a frente e para trás, bem devagar. Uma dança só
nossa, particular, bem aqui na cozinha da padaria dela. Farinha no meu cabelo e
meu coração batendo acelerado. Melhor que qualquer encontro que eu poderia
ter planejado.
Você acha que… Ela engole a frase, as unhas me arranhando de leve. Solto
um som um pouco constrangedor e me acomodo sob seu toque.
O quê?
Sinto que está hesitando. Percebo pela maneira como seu corpo ca tenso
contra o meu. Eu continuo nosso balanço enquanto ela encontra a forma certa de
dizer o que quer.
Você acha que as coisas têm dado tão certo entre nós por causa do acordo?
Sua voz é um sussurro. Ou você acha que é por nossa causa?
Murmuro, roçando a boca em sua têmpora.
Como assim?
Ela inclina o rosto em direção ao meu, as duas mãos pressionadas em meu peito.
As coisas entre nós parecem… Um sorriso surge no canto de sua boca, e
gosto tanto dele que me abaixo para saboreá-lo. Ela ri em minha boca e me
empurra para trás de novo. Pare de me distrair. Seus lindos olhos procuram
os meus e, quando volta a falar, sua voz é suave, tímida, e tem um tom que eu
nunca tinha ouvido antes. As coisas parecem fáceis demais entre a gente, Caleb.
E não sei quanto disso é por mim, por você ou pelo acordo.
Traço meu polegar pela curva de seu maxilar até o meio do queixo.
Não podem ser as duas coisas?
Ela franze a testa.
Como assim?
Penso bem no que quero falar e decido expressar uma teoria que tenho
analisado.
Pode ser que o acordo tenha ajudado a gente a ser mais sincero um com o
outro, mas não acho que seja só isso. Talvez ele só tenha dado um empurrãozinho
na direção certa.
Ao menos, foi assim que escolhi ver a situação. O acordo pode ter tornado mais
fácil nosso caminho juntos, mas a forma como me sinto quando estou perto dela?
O crédito é cem por cento da Layla.
Eu a mantenho perto de mim com uma mão rme na base de sua coluna.
Ela enterra o rosto na parte da frente da minha camisa. O cabelo curto grudado
nas bochechas até que ela se esconda o máximo que consegue.
Como você sabe disso? murmura em minha camisa.
Eu expiro, baixo e devagar, então crio coragem e confesso.
Dia 17 de fevereiro.
Ela suspira, uma discreta lufada de ar quente em algum lugar sobre meu esterno.
O que aconteceu no dia 17 de fevereiro?
Eu comprei um bolo.
É uma provocação. Quero tentá-la com respostas curtas demais, para que tenha
que se inclinar para trás e olhar para mim. Mas ela se mantém rme no lugar,
erguendo uma mão para bater em minhas costelas em um aviso velado.
Se você me disser que comprou um bolo em uma padaria de supermercado,
vou socar sua cara, Caleb Alvarez.
Solto uma risada, surpreso.
O quê?
Se esse bolo era de mistura pronta ou foi feito por outra pessoa, nunca mais
falo com você.
Não comprei o bolo no supermercado nem de outra pessoa respondo.
Comprei de você.
Ela não diz nada. Deslizo a ponta dos dedos por suas costas, ao longo de sua
coluna. Ela é tão de nida ali, tão rme. Acho que nunca se deu conta disso.
Comprei um bolo no dia 17 de fevereiro. Eu lembro bem a data por causa do
monte de enfeites do Dia dos Namorados que ainda estava pendurado na frente
da padaria. Eu batia a cabeça em um negócio com um cupido de papel o tempo
todo. Acho que você pendura as decorações baixo demais, às vezes.
Ou você que é alto demais argumenta ela, em algum lugar próximo da
minha clavícula.
É, talvez seja isso. Mas alguém estava reclamando com você por causa de um
bolo no balcão. Disse que você errou na cobertura e que não queria o bolo se
estivesse errado, e você… você parecia tão confusa e um pouco triste, e eu
queria… Eu me lembro da raiva queimando em meu peito, descendo para
meus ombros. Uma queimação na palma das mãos. Eu ainda era delegado e
achei que não seria certo dar um soco na cara de alguém… então, esperei. A
pessoa foi embora e não levou o bolo. Quando perguntei o que você ia fazer com
ele, você meio que deu de ombros e olhou para as ores no topo, tão lindas, como
se fossem a pior coisa que já tinha visto, e… E partiu meu coração um pouco,
vê-la atrás do balcão tentando não chorar. Então eu comprei o bolo. E, Layla,
foi o melhor bolo que já comi em toda a minha vida.
As mãos dela vão da minha cintura para as costelas. Ela espalma os dedos.
E eu gostei… Paro de falar. Essa é a parte difícil. A parte que me causa
incerteza. É aqui que sinto cada conversa fracassada com uma mulher como uma
marca em minha pele. Não quero forçar a situação, não com a Layla.
Quero ser o su ciente.
Eu gostava de abrir a geladeira no meio da noite pra pegar um copo d’água e
ver a caixa de bolo lá. Gostava de comer um pedaço de manhã com meu café e
olhar para as pequenas ores no topo. Às vezes, você morde a ponta da língua
quando está fazendo os desenhos no bolo, sabia disso?
De vez em quando, eu chegava mais cedo para pegar meu bolo, só para poder ver
seu rosto se transformar quando ela estava concentrada. Uma alegria tão cheia de
cuidado, disfarçada, que orescia quando ela sorria, como as pequenas margaridas
feitas de glacê.
Mas decido guardar essa parte para mim.
Eu comia só um pedaço por dia. Quando estava acabando, comecei a comer
pedaços cada vez menores. Então, quando comi o último com meu café e não
conseguia aceitar a ideia de esperar até depois do trabalho, olhei para a caixa cheia
de migalhas e pensei: Por que não pedir outro bolo? Eu estava… Solto uma
risada, me sentindo meio constrangido, meio burro e um milhão de outras coisas
confusas que pesam em minha cabeça e em meu coração. Eu estava com tanto
medo de ligar e encomendar outro bolo.
Liguei duas vezes e desliguei, dei uma volta na cozinha, coloquei as mãos na
cintura e encarei o celular na mesa. Quando, por m, decidi ligar, nem foi a Layla
quem anotou meu pedido. Eu me lembro de pensar em como estava sendo idiota
por causa de um bolo.
Eu pensei que você tinha um monte de festas de aniversário dos Alvarez para
ir e tinha cado encarregado dos bolos murmura ela no ombro da minha
camisa, esfregando o nariz no tecido. Sua voz soa um tanto embargada.
Não, eu não estava encarregado dos bolos. Rio de novo. Eu comia todos
aqueles bolos sozinho, e a mudança na largura da minha cintura era a prova disso.
Não sei dizer por que continuei pedindo os bolos. Acho que gostava de ver
você. De estar perto de você. Ainda gosto de tudo isso, Layla.
Ela funga e se agarra a mim com mais força. A cada vez que meu coração bate,
parece que está tentando abrir caminho por entre os músculos, tendões e ossos
para chegar até ela. Estou de pé diante do precipício, esperando…
Não sei o que estou esperando.
Acho que estou apenas esperando.
Faço carinho nas costas dela e en o as mãos por baixo de seu cabelo, encostando
a palma da mão em sua nuca.
Então, é isso. Não acho que tudo que está acontecendo seja por causa do
acordo. Acho que parte disso sou eu, parte é você e parte somos nós. Mas tudo
isso é bom, não é?
É sussurra ela. É bom.
Acho que podemos desbravar essa próxima parte juntos. É só… só continuar
me dizendo do que você precisa.
Ela en m se afasta do meu peito e ergue o queixo, os olhos surpreendentemente
claros e radiantes. Noto um leve vinco sob o olho direito até bochecha, onde seu
rosto estava apoiado na minha camisa, uma delicada linha na parte que estava
grudada em mim. Acho que gosto mais disso do que deveria.
Seus olhos procuram os meus, me encarando. Ela franze o nariz e traço meu
polegar no vinco discreto.
Você também tem que me dizer do que precisa responde, por m. É
assim que vai funcionar. Temos que continuar conversando.
Eu gosto de conversar com você.
Parece ridículo dizer isso, mas percebo que ela está com as bochechas rosadas e
um sorriso tímido surge em sua boca. Seguro seu rosto entre as mãos para que
possa observar o sorriso crescer ainda mais. Ela vira a cabeça e dá um beijo bem
no meio da minha palma. Gostaria de poder segurar esse beijo em minhas mãos
também.
Também gosto de conversar com você.
Suspiro, me sentindo mais leve do que nunca, e me aproximo novamente.
Tenho um pedido, na verdade, já que você disse que posso falar.
Tem, é?
Tenho, sim.
Diga lá, então.
Acaricio a orelha dela com o nariz e dou um único e demorado beijo na pele
macia abaixo dela. Sorrio quando ela agarra a parte da frente da minha camisa e
tenta me puxar para mais perto ainda. Layla pode ter di culdade em verbalizar
sobre o que precisa, mas não é nada tímida na hora de mostrar.
Mais mãos dadas sussurro. Uma de minhas mãos alcança a dela e eu
entrelaço nossos dedos. Mais croissants de manteiga.
Mais corridas na chuva. Mais piqueniques na praia, com os pés na areia e bolo
de morango em potinhos. Menos escape rooms e pistas de patinação, acho eu,
mas sou exível nessa parte, se for algo que ela queira.
Ela dá uma gargalhada.
Mais sorvete exige. Dá um beijo rápido em meu queixo. Mais beijos
sussurra.
Eu a seguro pela nuca e dou um selinho nela.
Acho que podemos começar essa parte agora mesmo.
Ela concorda, o nariz roçando no meu.
Aham, acho que sim.
Então, abaixo a cabeça em direção à dela em um beijo mais lento que o último e
mais doce também. Esse beijo parece ser algo mais.
Mais de Layla. Mais de mim.
Mais de nós dois juntos.
Mais de tudo.
18
LAYLA

TRÊS DIAS DEPOIS, Caleb está parado no meio da minha cozinha de novo. Mas,
desta vez, com as mãos en adas nos bolsos, olhando para a imensidão de tortas de
frutas na bancada, como se estivesse prestes a realizar uma intervenção. Ele coça o
queixo e passa a palma da mão na nuca. Olha para mim e depois para a bancada.
Ele é todo hesitação.
Acho fofo.
Isso é… comida pra caramba diz devagar, com cuidado. Acho que está
com medo de me assustar. Levando em conta meu estado mental nos últimos dias,
não é precaução exagerada. Ele empurra a ponta de uma torre de cupcakes com o
dedo mindinho, a cabeça ligeiramente inclinada para o lado em re exão. Essa torre
é nova e acho que não precisava de mais uma, mas meus cupcakes de abacaxi com
rum cam tão lindos ali, e é isso que importa.
Caleb se vira para mim, parado no lugar. Acho que é a primeira vez que camos
no mesmo cômodo sem nos agarrarmos. Ao que parece, nossa conversa no outro
dia se traduziu em amassos em todas as superfícies da padaria e além. Mas beijar o
Caleb nem passou pela minha cabeça hoje, o que mostra o quanto estou nervosa
para a entrevista da Baltimore Magazine amanhã.
Hoje ele está usando uma camisa de botões. Larga, com as mangas arregaçadas,
dois botões desabotoados na altura do pescoço. Limpo as mãos no avental e dou
uma olhada na cozinha.
Não está tão ruim quanto na manhã em que Evelyn e Becke vieram me visitar,
mas por pouco. Diminuí um pouco o ritmo. Se zer vista grossa, talvez. Ainda
assim, passei metade do dia fazendo seis dúzias de tortinhas de creme, com ores
comestíveis enfeitando as bordas de cada uma delas. Caleb apareceu durante a
última fornada com outro sanduíche gorduroso de café da manhã e um beijo na
minha nuca. Ele se acomodou em um dos banquinhos e me observou com o
queixo apoiado no punho, um olhar preguiçoso em seu belo rosto toda vez que eu
olhava para cima. Um sorriso discreto, olhos carinhosos, só um vislumbre da
covinha. Parecia que ele queria mais a mim do que as tortinhas.
Mas isso não o impediu de pegar uma.
As coisas estão indo bem com Caleb. Mais que bem. Ontem à noite, tomamos
sorvete em um quiosque de madeira a meio caminho da cidade e camos sentados
no estacionamento com os pés balançando no para-choque. Sob o céu de algodão-
doce e uma brisa morna de verão que soprava pelos campos. Eu me sentei com o
joelho encostado em sua coxa, tomei sorvete de nozes e observei como os
salgueiros dançavam com a brisa. A mão de Caleb na minha coxa, o polegar
passeando para a frente e para trás na pele sensível.
Mais sorvete comentou ele com um sorriso, repetindo nossa conversa da
outra noite. Retribuí o sorriso e seus olhos assumiram uma expressão mais suave,
mais séria. Ele passou o polegar em minha bochecha com carinho, inclinou-se
para a frente e deu um beijo no canto da minha boca.
Mais desse sorriso acrescentou.
Nunca me senti tão confortável com um homem. É libertador, agradável,
assustador e maravilhoso.
Principalmente assustador.
Fico esperando pelo pior. É difícil acreditar que, de repente, minha má sorte no
amor tenha evaporado. Adorei a história que Caleb me contou sobre como ele
queria me ver e por isso encomendava os bolos, mas acho que nosso acordo pesa
mais do que ele pensa. Talvez os critérios do nosso relacionamento de mentirinha
nos façam ver tudo pintado de rosa. Talvez o tique-taque do relógio garanta que só
vejamos o melhor um do outro, não sei.
Tudo parece muito fácil agora.
Olho para ele de soslaio, observando-o reorganizar algumas das minhas
espátulas limpas por ordem de tamanho. Ele me viu fazer isso uma vez e agora faz
sempre que está aqui comigo. Outro dia, também encontrei o papel-alumínio no
lugar dentro do armário. Luka caria muito orgulhoso.
Ele me pega olhando e um sorriso se forma no canto de sua boca.
Suas covinhas voltam à vida, e minha barriga dá cambalhotas, um tum-tum
respondendo bem no meu peito.
Deve ser pura química. Já me deixei enganar por isso antes. Ou talvez seja a
liberdade do nosso acordo. A capacidade de sermos exatamente quem somos sem
nenhum tipo de pressão. Um relógio que corre devagar. Deve ser isso, porque esse
tipo de coisa não acontece por acaso.
Não comigo.
Fico com o coração na mão e me concentro em um pedaço de papel-manteiga.
Se o que está acontecendo for só por causa do acordo, esses sentimentos devem se
dissipar quando o mês acabar. Vamos nos separar sem ressentimentos e as coisas
vão voltar a ser como antes. Conversas amigáveis três vezes por semana. Um café
com creme. Um croissant de manteiga.
Terei novos e incríveis parâmetros para comparar meus relacionamentos, e
Caleb vai saber como conquistar a próxima mulher por quem se interessar. Será
como se nada tivesse acontecido entre nós.
O cookie que estou tentando embrulhar se desfaz em minhas mãos. Fico
olhando para as migalhas de aveia e nozes e tento afastar a imagem de Caleb
saindo com outra pessoa. Será que eles vão comprar sorvete de creme com cristais
de laranja na praia? Será que se vão se sentar na lanchonete do Deixa Rolar e
comer nachos meio murchos?
Ei. Caleb toca a ponta do meu nariz, surgindo de repente bem na minha
frente. No que você está pensando?
Pisco algumas vezes e coloco o papel-manteiga no balcão, esfregando a palma da
mão contra a tensão que está se formando na parte de trás do meu pescoço. Não
preciso pensar nisso agora. Essa preocupação ca para outro dia. Algo para a Layla
do futuro resolver. Neste instante, a única coisa em que preciso me concentrar é
na entrevista e em deixar este lugar o mais bonito possível para a sessão de fotos.
Eu estava pensando em ores. É muito fácil distorcer a verdade. Eu estava
pensando vagamente nas ores da frente da loja, no enorme dossel de peônias,
lavanda e margaridas que a Mabel me ajudou a torcer ao longo das vigas. Agora,
quando se entra pela porta da frente, é como se o verão estivesse caindo pelo teto.
Flores e ores por toda parte.
Bom, elas estão lindas. Caleb encosta o quadril no balcão ao meu lado e
arranca uma lasca de chocolate do meu papel-manteiga. A Mabel ajudou você?
Faço que sim com a cabeça. Gus também. Um caminhão inteiro de ores antes
mesmo de o sol nascer esta manhã. Uma dúvida surge em minha mente, uma
coincidência que tem me incomodado.
Ei, você tem recebido notícias da rede de comunicação?
Quando as notícias se espalham, costumo receber ligações de Ma y, mas o
silêncio das últimas semanas parece bastante suspeito. Não sei nem se houve
alguma atualização sobre a situação dos patos de borracha nas fontes.
As sobrancelhas de Caleb se contraem em uma linha funda.
Não. Agora que parei pra pensar, não tenho recebido nada.
É um tanto estranho, você não acha?
Ele concorda e pega mais um pedaço do cookie. Sorte dele, ser tão bonito. Se
fosse o Becke , já teria levado uma colher nos dedos.
É verdade. Também não tenho notícias da Darlene, e ela ligava duas vezes
por dia.
Minha suspeita aumenta.
O que você acha que isso signi ca?
E tem que signi car alguma coisa? Ele dá de ombros. Talvez não haja
nenhuma notícia.
Olho nos olhos dele. Ah, meu querido Caleb.
Lembra aquela vez que houve uma discussão na cidade sobre macarrão com
queijo e o Gus enviou um decreto dizendo que estava expressamente proibido
distribuir macarrão gravatinha?
Caleb mastiga, pensativo.
Lembra aquela vez que o Jesse cou sem cerejas no bar e tentou fazer uma
campanha de doações por telefone? Eu bufo. Becke descobriu e mudou o
número do contato para que as doações fossem direcionadas para a Sociedade
Americana de Prevenção da Crueldade contra os Animais quando a mensagem
chegou até ele. Acho que foram arrecadados mais de setecentos dólares. Pois é,
não acho que seja por falta de notícias ou de qualquer outra coisa em que a rede
tenha se especializado. Faço uma pausa para bocejar, com as costas da mão
contra a boca enquanto meu corpo inteiro arrepia e estremece. É estranho, só
isso.
Estou exausta. Minha lombar está me matando, meu corpo está irritado comigo
por car tanto tempo em pé, erguendo coisas e assando. Eu não lembro a última
vez que saí desta cozinha, agora que parei para pensar. Talvez ontem? Anteontem?
Nem sei que horas são: se é manhã, noite ou o meio da tarde.
Ok, meu bem. Caleb abandona as migalhas de cookie e coloca as duas
mãos nos meus ombros. Agora já chega.
Balanço no lugar, os cookies de aveia com pedaços de chocolate dançando na
frente dos meus olhos.
O que foi?
Esse intensivão de confeitaria que você está se forçando a fazer.
Ele endireita a postura, as mãos espalmadas. Seus polegares vão de um lado para
o outro em minhas clavículas e deslizam um pouco por baixo da gola da minha
camisa. É um toque reconfortante, que me aquece como um cobertor. Um
cobertor alto, minha mente anestesiada de tanto cozinhar suspira com alegria. Um
cobertor bom. A boca dele se contorce em um sorriso.
Espero não ter falado em voz alta.
Você fez comida su ciente para abastecer um pequeno exército. Acho que é
melhor dar a noite por encerrada.
Então é noite, pelo visto. Meus olhos turvos examinam a cozinha antes de
voltar a olhar para o homem alto e bonito que me mantém de pé. Eu ia fazer
um bolo de pêssego agora.
Os olhos de Caleb escurecem um pouco, suas pupilas se dilatando ao ouvir falar
do bolo de pêssego.
Porra murmura baixinho, com um ranger profundo das palavras entre os
dentes cerrados. Ele coloca as mãos nos meus ombros. Não acredito que estou
dizendo isso, mas esqueça o bolo de pêssego. Você precisa dormir um pouco.
Eu só quero que tudo esteja perfeito. Quero que o pessoal da Baltimore
Magazine olhe em volta e veja todas as coisas que tornam este lugar especial.
Quero ser impressionante. Memorável.
Alguém por quem valha a pena car.
Está tudo perfeito, Layla. Ele me puxa para mais perto até que minha testa
encoste em seu queixo. Fecho os olhos e agarro sua camisa sem pensar. Ele é tão
quente. Como um… como um brownie de chocolate. Eu me aconchego em seus
braços e me enrosco nos botões da camisa. Talvez ele esteja certo. Talvez eu
precise dormir um pouco. Mesmo sem todas essas coisas que você fez, este
lugar seria perfeito. Deixe que eu leve você pra casa.
Será que eu penduro alguns cupcakes primeiro? Eu me inclino para trás e
apoio o queixo em seu peito, com os braços em volta de sua cintura Pra
acompanhar as ores?
Agora eu sei que você está delirando. Ele se reclina até conseguir tocar
meu queixo com o polegar, a mão grande segurando meu rosto. Não, você não
precisa desperdiçar cupcakes pendurando alguns no teto.
Semicerro os olhos.
Tem certeza?
Ele sorri. Um sorriso discreto.
Tenho.
Está bom assim?
Está ótimo.
Tem certeza?
Sua risada ressoa baixinho contra meu peito, bem onde meu queixo está
pressionado no corpo dele. Caleb passa a mão pelo meu cabelo e pressiona a
palma nas minhas costas para me acalmar.
Sim, tenho certeza.
Apoio o peso do meu corpo no dele. Ele me envolve em um abraço, me
aconchegando. Acho que nunca me senti tão confortável na vida.
Ouço a porta da cozinha se abrir e botas pesadas na madeira.
Ai, merda. Foi mal. Não quis interromper. Becke parece comicamente
angustiado. Não me dou ao trabalho de olhar, mas parece que ele está falando de
costas para nós. Aposto que está cobrindo os olhos com as mãos. Que ironia,
vindo do homem que sei que adora uma escapadinha romântica com Evie sob as
estrelas no meio de nossos campos de árvores. Eu sorrio para a gola da camisa de
Caleb, com os olhos ainda fechados.
Será que estou dormindo? Estou acordada? Nem sei.
Você não interrompeu nada murmuro, com meus braços ainda presos à
cintura de Caleb. Quero que ele me leve até o carro exatamente assim. Quero que
ele me leve para casa enrolada nele feito um coala.
Isso é contra a lei, meu bem sussurra ele em meu cabelo, com um sorriso
na voz. Acho que falei em voz alta. Os cintos de segurança são importantes.
Eu posso ser o seu cinto de segurança murmuro.
Caleb ri de novo, e Becke emite um som áspero e rouco que se parece
vagamente com uma risada.
Ela está bêbada de açúcar?
Apelidei de intensivão de confeitaria.
Boa.
Estou ouvindo vocês dois. Só não sei dizer quem está falando. E porque a
voz deles soa como se estivesse vindo do m de um túnel muito longo. E alguém
está tocando merengue?
Mãos rmes trabalham nos cordões do meu avental. Deixo Caleb movimentar
meus braços enquanto me guia com cuidado para me livrar do tecido de lona.
Balanço no lugar, abro os olhos e observo enquanto ele passa o polegar sobre um
dos morangos, colocando o avental com cuidado na prateleira ao lado da porta.
Olho para Becke , ainda confusa. Parece mesmo que estou bêbada. Como se
estivesse no fundo do mar.
Você precisa de alguma coisa?
Becke balança a cabeça, observando Caleb pegar algumas tigelas na bancada e
colocá-las na lava-louças industrial: as menores meio inclinadas na prateleira de
cima, do jeito que eu gosto. Vejo um sorriso de cumplicidade nos olhos de Becke
e ele vira o boné até que a aba esteja para trás, com uma pequena árvore de Natal
bordada acima dos fechos.
Ei, cara. Ele inclina o queixo em direção a Caleb. O que você acha de
cachorros?
Caleb dá uma olhada por cima do ombro.
Em geral ou de um cachorro especí co?
Estreito os olhos.
Nem pensar.
Becke me ignora.
Eu conheço um cara que está procurando um lar pra um cachorro que foi
abandonado…
Onde você encontra essas pessoas?
Ele acha que ela deve ter sido um cachorro de polícia. Sabe todos os
comandos. Acha que foi abandonada porque é um pouco pequena e não é
agressiva. É muito meiga. Ela adora borda de pizza e se chama Poppy.
Caleb faz uma pausa e inclina a cabeça para o lado, pensando no assunto.
Eu toparia.
Eu olho para ele, um pouco chocada.
Toparia?
Ele dá de ombros.
Por que não?
Becke concorda e cruza os braços tatuados.
Vou avisar pra ele. Talvez vocês dois possam se conhecer.
Tento imaginar Caleb com um cãozinho de resgate que adora borda de pizza.
Uma risada um tanto histérica brota de mim. É disso mesmo que eu preciso, de
mais um motivo para me sentir atraída por ele.
Becke me olha com preocupação.
Tudo bem aí?
Você jura que veio até aqui pra tentar fazer com que outro animal seja
adotado?
Ele dá de ombros e pega uma das tortas que ainda não guardei na geladeira. Eu
bato em seus dedos com uma toalha.
Ai, Layla. Nossa. Ele leva a mão ao peito. Eu vim dar uma olhada.
Queria ter certeza de que você não ia passar a noite aqui nem ia se esconder na
prateleira da despensa de novo.
Reviro os olhos.
Isso foi só uma vez, porque eu queria car de olho na massa fermentada.
Caleb ca parado de costas para mim, curvado sobre a lava-louças. Ele vira a
cabeça até que eu possa ver seu rosto de per l.
Você dormiu na despensa?
Cruzo os braços, preparada para defender meu compromisso com meu trabalho.
Era a prateleira de baixo, perto do chão, e era muito confortável.
Você me deu um susto e tanto resmungou Becke . Pensei que fosse
um vampiro.
Becke entrou pela porta dos fundos naquela noite e eu saí rolando da
prateleira. Acho que camos os dois gritando por cerca de sete minutos. Sem dizer
nada, só gritos incoerentes.
Caleb termina de arrumar a louça e vem ao meu encontro. Ele se posiciona atrás
de mim e passa um braço sobre meu peito, me puxando até que minhas costas
estejam grudadas em seu corpo. Fecho os olhos e cantarolo enquanto ele dá um
beijo em minha nuca.
É muito bom. Quero fazer isso para sempre.
Como você quer guardar essa comida toda? pergunta ele. Não é uma
pergunta sedutora, mas parece que talvez pudesse ser. Acho que nenhum homem
nunca me perguntou que tipo de pote deveria usar para guardar rolinhos de canela
antes.
Dou algumas instruções e Becke nos ajuda. Juntos, limpamos a cozinha e
guardamos tudo. Estou preocupada com o estado da minha geladeira, mas só
preciso sobreviver até amanhã. Depois disso, Becke pode roubar todas as
tortinhas que quiser.
Becke desaparece com um resmungo e um aceno por cima do ombro assim
que guardamos a última bandeja, provavelmente a caminho de seduzir Evelyn em
um campo em algum lugar. Com sorte, desta vez eles irão para longe das câmeras.
Eu me derreto sob o toque de Caleb em minha nuca e suspiro.
Estou pronta pra ir, só quero dar uma olhada na frente de novo.
Quero ter certeza de que tudo está do jeito que deveria.
Está bem. Ele desliza a mão pelas minhas costas e me segura pela cintura.
Venha comigo.
Caleb me leva para fora pela porta dos fundos, com seus dedos entrelaçados aos
meus, andando pelo caminho de pedra que circunda a padaria até a frente. O
caminho é ladeado por ores silvestres: amarelas, rosas e roxas, reluzentes contra a
madeira desgastada do galpão que, antes da reforma, servia para guardar tratores.
Quando Stella comprou a fazenda, o galpão estava caindo aos pedaços.
Acho que Hank o usava como depósito. Limpamos o galpão por dentro,
colocamos algumas janelas na parte da frente, ligamos a água e a energia,
compramos uma quantidade absurda de tinta e a padaria nasceu.
A mão de Caleb aperta a minha enquanto ele olha para mim por cima do ombro,
a luz da lua deslizando pelas curvas de seu corpo. Ombros. Rosto. O sorriso
discreto. Que se alarga quanto mais ele olha para mim.
Feche os olhos.
Por quê?
Ele bufa e abaixa a cabeça, nos guiando com cuidado ao redor de um arbusto de
lilases rebelde, uma mão segurando a minha e a outra apoiada na minha cintura.
Ele me olha por entre os cílios, permanecendo perfeitamente imóvel enquanto eu
arrasto meus pés sonolentos pelas duas pedras entre nós. Esbarro nele, que me
abraça pela cintura. Apoio a testa em seu queixo e ele ri, um som rouco e baixinho.
Você con a em mim, Layla Dupree?
En o os dedos por baixo de sua camiseta macia até sentir a pele quente. Ele é
como uma fornalha, mais quente que o ar abafado da noite. Traço a ponta dos
meus dedos na base de sua coluna e ele solta um suspiro trêmulo que me agrada
muito.
Eu con o em você, Caleb Alvarez. Encosto o nariz em seu queixo e ele
passa os dedos pelo lenço no meu cabelo. E em algumas outras coisinhas
também.
Ah, é? Sua voz é gentil, divertida, rouca e baixa, soando de algum lugar
acima da minha cabeça. Quer dar uma nota pra isso?
Esfrego o nariz em seu pescoço. Tenho quase certeza de que ele está segurando
todo o peso do meu corpo. De novo.
Agora, não.
Talvez depois, então. Vamos lá, estamos perto. Vamos dar uma última olhada
e depois vamos direto pra casa.
Abrir meus olhos requer um esforço monumental.
Você pode segurar minha mão? Minha voz sai arrastada.
Posso, meu bem. Eu vou segurar a sua mão.
Ele me conduz pelos últimos três passos com meu corpo quase colado ao dele,
meus olhos obedientemente fechados e nossos dedos entrelaçados. Ele me faz
parar com um toque suave em meu ombro e me vira com cuidado sobre a pedra
maior na base da escada. Aquela que eu z Becke arrastar por metade da
propriedade com seu trator depois que a encontrei perto do lago.
Pode olhar sussurra Caleb, e eu abro os olhos.
O lugar inteiro está iluminado. A luz amarela quente se espalha pelas janelas e
dança ao longo das pedras em uma chuva cintilante de ouro.
As ores penduradas no alto parecem perfeitas daqui. Glicínias brancas como a
neve e peônias rosa-pálido. Uma grossa guirlanda verde se enrola ao redor das
vigas de madeira expostas no teto. Tudo isso utuando acima dos sofás
aconchegantes e mesinhas arrumadas, cada cadeira em um estilo e vasos com
padrões antigos. Margaridas e camomilas se espalham pelas bordas lascadas da
cerâmica colorida, um feixe para cada mesa.
Magia. Parece magia.
Meu pé escorrega em um cascalho e Caleb me segura pela cintura de novo, me
puxando mais para perto até que meu corpo esteja pressionado contra o seu. Eu
me agarro a ele enquanto meus olhos percorrem cada or, cada traço de tinta, cada
telha, cada detalhe.
Olhe pra tudo aqui. Caleb me abraça com mais força. Roça a boca na
minha bochecha. Isso é obra sua, Layla.
Com muita ajuda. Tento me esquivar do elogio, mas meus olhos estão
ardendo, uma pressão bem entre as sobrancelhas que me faz saber que estou
prestes a começar a chorar no degrau da frente da padaria.
Caleb ignora a minha fala.
Estou tão orgulhoso de você diz ele, a voz calma e sincera. Suas mãos me
seguram com mais força, e eu me abraço com a mesma intensidade. Algo em meu
peito se desloca, se realinha e se encaixa no lugar.
Uma única lágrima escorre dos meus olhos e desliza pela bochecha.
Quando foi a última vez que ouvi isso de alguém? Quando foi a última vez que
acreditei nisso? Afasto a lágrima com os nós dos dedos e encosto a testa em seu
ombro.
Eu também estou orgulhosa de mim.
19
CALEB

A MANHÃ CHEGOU rápido demais.


Deixar Layla em casa ontem à noite foi difícil. O sol estava se pondo no
horizonte, o céu em um lilás pálido que aos poucos se transformava no azul da
meia-noite. Ela adormecera com o rosto encostado na janela do lado do
passageiro, as duas mãos segurando uma das minhas junto ao peito. Entrei em sua
garagem e desliguei o motor. Fiquei sentado ali, com a noite caindo em pinceladas
de azul-claro, roxo e azul-marinho, assistindo enquanto ela dormia. Minha mão
nas dela, um sorriso discreto no canto da sua boca.
Então ela acordou assustada, gritou Que foi? alto o su ciente para que eu batesse
a cabeça na janela, o que quase me causou uma concussão. Demorou um pouco
para que ela parasse de rir depois disso.
Layla estava embriagada de torta, delirando de donuts. Eu a ajudei a entrar em
casa e ela se agarrou à minha camiseta como um pequeno carrapicho. Ela se
contorceu, puxou e tentou me arrastar para o quarto. Não sei quando Layla cou
tão forte, mas parecia que eu tinha que usar toda a minha força física e mental para
resistir a ela.
Vamos car de conchinha, Caleb, sussurrou na minha orelha, roçando os dentes.
Vou me comportar, eu prometo.
Quase a coloquei no ombro e a carreguei para o quarto.
Mas hoje é um dia importante para ela, e eu não queria ser uma distração.
Além disso, ela adormeceu assim que sua linda cabeça tocou o travesseiro, um
ronco discreto a cada inspiração.
Então tirei suas botas, a cobri com o cobertor e saí pela porta da frente, me
certi cando de que a estava deixando trancada. Programei meu relógio para
despertar cedo demais e agora estou aqui, com os braços cobrindo o rosto,
xingando o zumbido incessante na minha mesa de cabeceira. Dou um tapa no
despertador sem olhar e suspiro quando o barulho para.
Quero ir até a padaria antes da entrevista de Layla. Quero dar um beijo em seu
nariz e fazer com que o nervosismo em seus olhos diminua um pouco. Ela não tem
nada com que se preocupar. A padaria está incrível. Tenho quase certeza de que
tive sonhos eróticos com aquelas tortas de frutas ontem à noite. A Baltimore
Magazine vai ter um dia e tanto na cabana de vidro no meio da oresta de Layla.
Parece que a padaria saiu de um livro, como as histórias que os pais contam aos
lhos na hora de dormir.
Layla no meio do salão, com todas aquelas ores em volta dela como um dossel.
Um sorriso tímido e as bochechas rosadas. Pele nua. Bolo de morango.
Meu celular começa a tocar de novo.
Eu o pego com um olho fechado e me sento quando vejo a tela. Não é meu
alarme, mas uma chamada. Quase me atrapalho quando vejo o nome de Layla
piscando na tela.
Oi atendo e tento não demonstrar que estou excitado só de pensar em sua
pele nua e no bolo. Puxo os cobertores para cima do colo e limpo a garganta duas
vezes, como se ela pudesse me ver através da droga do celular. Bom dia.
Sua respiração está entrecortada do outro lado da linha, e o tesão que sinto
evapora. Em vez disso, sou tomado pela apreensão e, antes que ela diga uma
palavra, já estou vestindo a blusa de moletom.
Caleb.
Sua voz está embargada e irregular. Parece que está chorando.
Pego uma calça jeans qualquer e en o as pernas, o celular entre o ombro e a
orelha. Eu a ouço tentar se recompor e quase enlouqueço com a expectativa.
O que está acontecendo?
Houve… Ela soluça e dá outro suspiro trêmulo. Atravesso a casa como se
estivesse a caminho de sair para cometer um crime. E pode ser que o faça, assim
que descobrir o que é que está acontecendo.
Respire fundo, meu bem. Só me diga onde está e eu vou até você.
Paro no meio do corredor e ouço um soluço abafado. Como se ela tivesse virado
a cabeça para longe do celular, como se estivesse tentando parar de chorar por
tempo su ciente para falar. Um lampejo de calor feroz e, em seguida, um frio de
gelar os ossos percorre meu sangue.
Gosto de pensar que sou um homem moderado, controlado, mas não estou me
sentindo assim neste momento.
Layla suplico. Onde você está?
Na padaria sussurra ela por m. A energia deve ter acabado durante a
noite. Um suspiro pesado e a respiração irregular. Está tudo arruinado.
É PIOR DO que eu pensava.
Sem um controle da temperatura e com as janelas de vidro que vão do chão ao
teto recebendo o calor do lado de fora, todas as ores na frente da loja murcharam.
Impecáveis e brancas na noite passada, agora estão penduradas, murchas e
desbotadas, tingidas de amarelo. Pétalas com bordas secas decoram o chão como
pequenos soldados mortos em batalha, um campo de guerra desordenado que
leva até Layla, sentada no chão da padaria, de costas para o balcão da frente, os
braços sobre os joelhos, a testa en ada entre as coxas.
Meu bem suspiro. Parece que está fazendo quarenta graus aqui dentro, e o
sol ainda está nascendo. Olho para a bancada onde ela empilhou os cookies ontem
à noite. Eles parecem uma bolha amorfa na vitrine de vidro. Eu sinto um arrepio.
As geladeiras pararam de funcionar murmura, sem se preocupar em
erguer o rosto. Eu me agacho na frente dela e passo as mãos pelos seus braços nus.
Ela contorce os dedos, mas não estica as mãos. Todas as tortas estragaram.
Tudo o que eu… Ela solta um suspiro trêmulo. Tudo o que eu z ontem
está estragado. Não sei o que fazer.
A gente… Duas peônias caem do teto e aterrissam com um baque suave
ao nosso lado. Layla ofega, tão triste e derrotada que o som parece se alojar no
meu peito. Uma faca nas minhas costelas. A gente pode dar um jeito nisso.
Layla se inclina para trás e vejo seus olhos vermelhos, os rastros de lágrimas em
suas bochechas. Quero colocá-la no colo e abraçá-la. Ao que parece, quero
arrumar briga com um ar-condicionado quebrado.
Como? pergunta ela baixinho. Como a gente pode consertar isso? Não
tenho energia elétrica. Os fornos não ligam. Não posso usar nenhum dos
ingredientes. Ela pisca, e seus grandes olhos cor de avelã se enchem com mais
lágrimas. O pessoal da revista vai chegar às dez.
Dou uma olhada no relógio acima do balcão antes de lembrar que ele deve ter
parado de funcionar quando a energia acabou. Os ponteiros estão congelados às
22h12. Quase seis horas inteiras sem eletricidade. Isso explica por que tudo está
assim.
Limpo a garganta e veri co meu relógio.
Então ainda temos algumas horas para trabalhar.
Layla seca os olhos. Ela tem pétalas de ores no cabelo e está usando um avental
amassado e solto pendurado na cintura. Como se tivesse entrado e tirado o avental
do gancho, como sempre faz, sem se preocupar em amarrá-lo ao pescoço.
Pra fazer o quê?
Eu me levanto.
Você consegue preparar alguma coisa com o que sobrou? Consegue começar
a fazer alguma coisa?
Ela balança a cabeça, a mão trêmula passando sob os olhos.
Eu não…
Só o primeiro passo, Layla. Você só precisa começar.
Estendo a mão para ela. Ela pisca para mim de seu lugar no chão, com os lábios
curvados para baixo e os ombros caídos para a frente. Parece tão pequena desse
jeito. Pequena, triste e abatida. Nunca mais quero vê-la assim.
Eu já vi os bolos que você faz, Caleb. A voz dela soa lacrimosa, rancorosa,
reprimida. Sua massa de bolo é horrível.
Dou uma gargalhada.
Minha massa de bolo é ótima.
É a pior massa que já vi na minha vida.
Tentei cozinhar com Layla uma vez, e ela acabou rindo tão histérica, que mal
conseguia se segurar.
Tudo bem, então. Que tal você me mostrar como se faz? Eu a chamo com
os dedos até que ela respire fundo e estenda os braços. A seguro pelo pulso e a
puxo para se erguer e car perto de mim. Dou um beijo em sua têmpora e na
ponte do nariz.
Cuide da cozinha, meu bem. Limpo as últimas lágrimas dela com os
polegares. E deixe o resto comigo.
PRIMEIRO VOU À casa de Becke .
Deixo Layla na cozinha com um pequeno ventilador a bateria que encontrei no
painel do carro, preso em uma prateleira e inclinado para soprar o cabelo do
pescoço dela. Ela dá um sorriso fraco, oscilante, mas cheio de gratidão, e eu
desapareço pelos fundos, entro no jipe e atravesso a fazenda a uma velocidade que
testa os limites da suspensão do carro nas estradas de terra esburacadas e rochosas.
Viro na entrada da garagem de Becke com tudo e uma chuva de cascalho voa
sobre os dois últimos degraus da varanda, evitando por pouco a leira de narcisos
que tenho certeza de que foram plantados pela irmã dele, Nova.
Bato com força na porta da frente até ele atender com uma careta e um taco de
beisebol rosa e dourado na mão esquerda. Vejo Evelyn por cima de seu ombro,
com uma camisa xadrez enorme, dois dos gatos empoleirados em seus ombros.
Evelyn dá um aceno discreto.
Becke larga o taco com um suspiro, as mãos nos joelhos.
Que porra…
Você tem um gerador? Posso pedir desculpas depois e, talvez, perguntar
por que ele tem um taco de beisebol rosa coberto de purpurina dourada no
armário da frente. Em algum lugar da fazenda?
Caleb. Becke endireita a postura e coça a nuca. Ele joga o taco em algum
lugar e se abaixa para impedir que um dos gatos saia porta afora. Empinadora mia
para mim e ergue a patinha em sinal de saudação. É fofo, mas não tenho tempo
para isso. Por que você está na minha casa a essa hora da manhã perguntando
sobre geradores?
Evelyn caminha pelo corredor e o afasta da entrada da porta.
Quer café? Temos um bule pronto.
Sacudo a cabeça e olho para os campos, em direção à padaria. Uma espessa
camada de umidade paira sobre os campos de grama, embaçando tudo até que só
seja possível ver faixas de cor: verde-escuro, cobre e dourado.
Mesmo agora, posso sentir o calor na minha pele. Na minha nuca e nos pulsos.
O dia vai ser quente para caramba.
A padaria cou sem energia elétrica durante a noite. Eu me viro para
Becke e Evelyn. O ar-condicionado parou de funcionar, as geladeiras e os
fornos também. Toda a comida estragou.
Evelyn arregala os olhos.
O pessoal da revista… Respira fundo. É hoje a entrevista, não é?
Eu concordo. A boca de Becke forma uma linha rme e determinada. Ele apoia
o gato no ombro e se vira para disparar pelo corredor.
Eu chego lá em quinze minutos fala de longe. Ele pega um molho de
chaves em um pequeno gancho perto da porta dos fundos. Evie, querida, eu
encontro você mais tarde na padaria.
SANDY, PROPRIETÁRIA DA mercearia e a mulher que acordei com uma ligação em um
horário quase obsceno, me encontra na entrada da loja com uma cara um tanto
perplexa, as chaves tilintando no pequeno cordão em seu pulso enquanto ela abre
a série de fechaduras na porta. Ela me conduz para dentro assim que se termina, a
mão pequena no meu cotovelo.
Está tudo bem? Ela olha por cima do meu ombro para o jipe mal
estacionado no meio- o, ocupando parte da rua. Seus olhos se voltam para seu
pequeno e aconchegante sedã estacionado no lugar de sempre, a alguns metros da
entrada da mercearia. Suas sobrancelhas se contraem em uma linha. O que
você precisa comprar tão cedo?
Toda manteiga, açúcar, farinha e ovos que você tiver está bom pra começar,
eu acho. Olho para a seção de hortifrúti e tomo uma decisão. Morangos
também.
Ela pisca para mim.
Todos?
Eu concordo.
Todos.
Você estava com vontade de comer bolo de morango? Ela olha para o
relógio. Caminha em direção às máquinas registradoras e acende as luzes, as
lâmpadas uorescentes zumbindo acima de nós. Às cinco e meia da manhã?
Mal percebo quando um sorriso surge no canto da minha boca.
Mais ou menos.
Quando todas as sacolas lotadas estão no porta-malas e estou dirigindo pela rua
principal, o sol começa a surgir logo acima das árvores. Observo a luz se arrastar
pela calçada e sinto que estou em uma corrida contra o tempo. Espero que Becke
esteja com o gerador ligado. Espero que Layla esteja com seu avental. Se eu entrar
na padaria de novo e vir lágrimas no rosto dela, vou perder a cabeça. É bem capaz
que comece a cozinhar sem parar, na tentativa de ajudar. E ela está certa quando
diz que minha massa de bolo é horrível.
Paro e abro a janela do lado do passageiro. Basta gritar o nome dela da calçada
para chamar sua atenção atrás do balcão.
Beatrice abre a porta da frente da padaria com uma careta, o longo cabelo
grisalho trançado em uma coroa na cabeça. Ela está usando coturnos de novo e
um vestido vermelho-sangue que vai além dos joelhos.
O que está acontecendo?
Entre no carro.
Ela dá um sorriso e cruza os braços.
Por mais que eu adore receber convites de homens bonitos, não posso sair
pra passear com você ao nascer do sol hoje. Ela apoia o ombro na coluna da
varanda da frente. Venha me ver depois que a padaria estiver fechada brinca
com uma piscadela.
É a Layla! grito antes que ela consiga fechar a porta na minha cara. Ela
vai dar uma entrevista pra revista hoje e a energia na padaria acabou. Ela precisa
de ajuda.
É incrível como Beatrice não hesita. Ela tira um molho de chaves de um bolso
escondido em seu vestido e tranca a porta da frente. Desce depressa os degraus de
pedra e praticamente se joga no banco do passageiro do jipe, usando a maçaneta
para içar seu corpo. A vela o cinto de segurança e me lança um olhar impaciente,
com a mão estendida para fora da janela.
O que é que você está esperando? Ande logo.
Só mais uma coisa. Seguro o celular entre a orelha e o ombro, dando ré no
beco entre os prédios. Ele toca duas vezes antes que alguém atenda, uma
enxurrada de palavras em espanhol. Estremeço quando olho para o relógio. Devo
estar interrompendo a reprise matinal da novela.
Sua bronca soa metálica através do celular quando me viro em direção à
Lovelight.
Lo siento, abuela. Preciso de um favor.
20
LAYLA

NÃO SEI DIZER como, mas Caleb conseguiu o impossível.


A padaria toda está uma loucura, todos em plena atividade. Gus arranca de
forma agressiva as ores murchas na frente, e Beatrice mistura alguma coisa ao
meu lado. Não vi Caleb desde que ele deixou Beatrice na porta dos fundos e saiu
em seu jipe a toda velocidade através dos campos de novo, mas sei que ele tem
entrado e saído. De vez em quando, sinto o cheiro de café. Ouço o som baixo de
sua voz acima do ruído constante do caos organizado que se tornou minha
cozinha.
Sua avó chegou logo depois que ele saiu, com muitos de seus primos. Ela olhou
para mim, agarrou minhas bochechas com suas mãos enrugadas e disse algo feroz
e determinado em espanhol. Deu um tapa na minha bunda e me mandou cortar
morangos.
Então fui cortar morangos.
Beatrice coloca outra bandeja de bolinhos na minha frente e empurra um
cortador redondo em meu peito.
Corte isso ordena , e depois passe adiante.
Não tenho minhas tortinhas perfeitas enfeitadas com ores comestíveis,
tampouco os copinhos de mousse de chocolate que passei um tempo meticuloso
preparando, mas tenho seis bandejas de tortinhas quentes e um gerador que
fornece energia para a padaria. Tenho fornos funcionando e mais ajudantes do
que poderia imaginar, uma verdadeira esteira de produtividade composta por
Stella, Evelyn, Beatrice, dois primos de Caleb e algumas outras pessoas da cidade.
Barney, um dos ajudantes de Becke na fazenda, tem uma surpreendente
habilidade em cortar morangos em pequenas ores. E nunca vi ninguém bater um
recheio de bolo melhor do que Alex Alvarez.
Ao que tudo indica, todos têm talentos ocultos.
Eu corto as fatias de bolo e alguém coloca o recheio. Os morangos são cortados
e acrescentados, e alguém adiciona mais uma camada de bolo. E assim seguimos.
Não terei meu cardápio completo, mas vou ter alguma coisa. E isso é mais do
que eu tinha uma hora atrás.
Eu sabia que algo estava errado assim que cruzei o caminho da entrada hoje de
manhã. A luz da frente, que mantenho sempre acesa, estava apagada, e o ar-
condicionado, silencioso. Abri a porta principal e quei olhando por três longos
segundos para as pétalas no chão. Eu sentia o calor abafado na minha pele, um
cheiro um tanto rançoso e azedo de comida estragada. Pareceu que eu tinha
andado mil quilômetros até chegar aos fundos da padaria.
Conferi as geladeiras, vi as sobremesas destruídas, me sentei no chão e liguei
para Caleb.
Foi a única coisa que consegui pensar em fazer.
O que, por si só, é assustador. Os termos e as condições do nosso acordo são
bastante claros, mas, quando senti tudo desabar, Caleb foi a única pessoa para
quem eu quis ligar. Não queria Stella nem Becke , nem Evie, nem Luka.
Queria o Caleb.
E ele veio. No mesmo instante. Com a camisa vestida do avesso e ao contrário, a
etiqueta logo abaixo do queixo. A cara amassada de sono e com um sapato
diferente em cada pé, mas veio até mim.
Com certeza isso não estava incluso no acordo.
Stella me cutuca com o cotovelo.
Quando os scones cam prontos? Pisco algumas vezes e pressiono outro
círculo no bolo. Olho para o relógio que Becke consertou antes de desaparecer
em algum lugar com Caleb e Luka.
Dez minutos.
O que me dá quase quarenta e cinco minutos antes que a equipe da revista
apareça. Deve ser tempo su ciente para fazer os últimos bolinhos e expulsar todo
mundo. Talvez eu consiga ngir que esta é uma manhã comum, e não o momento
mais estressante da minha vida. Evie aparece do meu outro lado e começa a mexer
no meu cabelo.
Perto da comida, não murmuro. Essa é a última coisa de que preciso.
Então venha aqui um segundo.
Beatrice me afasta com as mãos cobertas de farinha e arranca o bolo com
violência de mim. Eu decido deixar, reviro os olhos e sigo Evelyn até o canto. Se
alguém cou espantado por Beatrice e eu estarmos trabalhando juntas, ninguém
disse nada. Talvez nossa aparente rivalidade não seja tão forte quanto eu pensava.
Talvez eu devesse empurrá-la na prateleira de geleias da próxima vez que nós duas
estivermos no supermercado, só para reforçar a história. Ela com certeza acharia
divertido.
Evelyn me encosta na parede e começa a desembaraçar os nós que formei no
cabelo. Passa os dedos pelo meu couro cabeludo, separando e ajeitando. Suspiro,
ansiosa.
Acho que não tenho tempo pra isso.
Vão tirar fotos suas hoje. Ela me lembra com a sobrancelha escura e
perfeita erguida. Você vai me agradecer por isso quando sua cara estiver na
revista.
Ela está certa, eu acho. Mas isso não torna mais fácil car parada. Pelo menos,
com toda essa loucura, tenho conseguido não pensar em nada. Conseguido conter
os pensamentos que se escondem como sombras desde que Stella me contou
sobre a oportunidade. Eu não mereço isso. Eles vão aparecer e me dizer que foi tudo
um mal-entendido. Meus scones não são nada de mais. Eu não sou nada de mais.
Os pensamentos intrusivos não pararam desde que quei sabendo, há algumas
semanas. Na verdade, eles pioraram, uma enxurrada quase interminável de
dúvidas e descon anças.
Mas co melhor com Caleb, quando ele está por perto. Tento não pensar muito
nisso.
Evelyn pega um batom do bolso da frente do macacão e tira a tampa, batendo-o
no meu lábio inferior.
Qualquer outra pessoa me surpreenderia se, de repente, tirasse um item de
maquiagem da roupa suja de lama, mas não Evie.
Fecho os olhos e inspiro, trêmula, segurando o ar e depois expirando devagar.
Evie afasta a mão do meu rosto.
Layla Abro os olhos, piscando. Evelyn sorri com gentileza. Tudo está
incrível. Sei que não é como você planejou, mas… eles estão vindo aqui por sua
causa, não pelos scones.
Isso não faz com que eu me sinta melhor. A ansiedade aperta em meu peito.
Eles estão vindo por causa dos scones protesto. E bolinhos. E tortas. E
todas as outras coisas do cardápio especial estampado no quadro da frente. Coisas
que agora estão nas latas de lixo nos fundos. Suspiro.
Evie me sacode devagar.
Layla, querida, vai car tudo…
Oi interrompe Caleb com suavidade, surgindo de repente ao nosso lado,
os joelhos e a testa sujos, a camiseta ainda do avesso. Ele me abraça e o alívio que
sinto é imediato. Alguma coisa acontece quando estou em seus braços, em seu
aperto rme e seguro. Uma pressão quente que se expande no centro do meu
peito, desatando os nós mais apertados. Antes que me dê conta, estou retribuindo
o abraço e buscando o pulso dele. Caleb movimenta a mão até nossos dedos
estarem entrelaçados, o polegar roçando para a frente e para trás nos nós dos meus
dedos. Ele inclina a cabeça para mais perto para que eu possa ouvi-lo por cima do
barulho da cozinha. Sendo mais especí ca, do som de Beatrice dando ordens
como um general de guerra.
Posso pegar você emprestada por um segundo?
Concordo.
Evie o cutuca com força no peito enquanto ele me puxa para a porta dos fundos.
Não estrague a maquiagem dela.
Pode deixar. Seus lábios se contraem e seu olhar se xa no meu lábio
inferior, recém-pintado de batom. Não vou car com ela por muito tempo.
A porta se fecha atrás de nós, e ele nos leva pelo mesmo caminho de pedra que
percorremos na noite anterior. Quando ele me abraçou e olhamos para a frente da
padaria como se fosse a realização de todos os meus sonhos. Hoje, parece mais um
pesadelo. Como se eu estivesse usando um par de sapatos que não me serve.
Como se eu fosse uma impostora.
Caleb. Puxo a mão dele, agora certa de suas intenções. Eu não quero.
Ele me ignora e acelera o passo. Eu bufo e sigo atrás dele, arrastando os pés.
Tenho vontade de me agarrar ao arbusto de azaleias e me debater. Talvez eu
desapareça entre os galhos e passe a morar ali. Eles podem me entrevistar por
entre as folhas.
Eu encaro meus pés enquanto contornamos a frente do prédio, e Caleb me
alinha no mesmo lugar em que estivemos doze horas atrás. Ele passa os braços
sobre meus ombros e me puxa para o seu peito.
Olhe.
Eu balanço a cabeça. Não quero ver minhas próprias decepções, minhas
expectativas não atendidas. Não quero ver o resultado de todo o meu esforço
meticuloso reduzido a uma tentativa desorganizada. Caleb bufa e guia meu queixo
com gentileza. Ele beija minha têmpora e me faz erguer o rosto.
Olhe, Layla.
Com relutância, olho para a frente da minha padaria. As ores penduradas que
eu podia ver pelas janelas na noite passada se foram, as pétalas caídas foram
varridas e não há nada no chão. As hastes que estavam em todas as mesas também
sumiram, os potes de conserva voltaram ao seu lugar habitual, empilhados atrás
do balcão. Parece a padaria em qualquer outro dia. Grandes janelas e mesas de
madeira. Pinheiros enormes ao redor.
Perfeitamente comum. Perfeitamente simples.
Estou tão orgulhoso de você diz, a voz quente em minha orelha. A mesma
coisa que disse ontem à noite, quando este lugar parecia mágico.
Apoio a cabeça em seu peito e olho para cima. Só consigo ver a curva de seu
maxilar, as linhas de seu olho esquerdo. Não consigo desvendar se está sendo
sincero.
Por quê? pergunto. Todo o meu trabalho, tudo o que z… foi em vão.
Não foi em vão.
Foi, porque agora isso é o de sempre. Nada de especial.
Ele arfa como se não pudesse acreditar.
Nada de especial? Ele engole em seco, um estalido no fundo da garganta.
Você não precisa de todas aquelas coisas extras. As ores eram bonitas, mas
eram só detalhes. Foi isso que tentei dizer ontem à noite.
Dizer o quê?
É você, Layla. Sem os enfeites, talvez, mas esse lugar é você. Seu coração. Sua
bondade. Seus croissants com manteiga e seu café. Não há uma única pessoa que
suba esses degraus e não que encantada com você.
Solto um suspiro trêmulo e me viro em seus braços. Tento acreditar no que ele
está dizendo, mas é muito difícil.
Você acha isso mesmo?
Ele desliza a mão pelo meio das minhas costas.
Eu tenho certeza que sim, e você também. Onde está a Layla que aceita meus
elogios com um sorriso e um aceno de cabeça porque sabe que são exatamente o
que ela merece?
Se escondendo murmuro. Ela está enterrada sob camadas de dúvida e
exaustão. Melhor você tentar de novo.
Posso sentir o sorriso que faz os ombros dele relaxarem, que tira a tensão de seu
corpo. Abro um pequeno sorriso, encostada bem no meio de seu peito.
Você é incrível, Layla sussurra. Se eu pudesse comer só uma coisa pelo
resto da minha vida, seriam seus croissants de manteiga.
Solto uma risada.
Mentiroso.
É verdade. Quero tirar uma foto de um deles pra guardar na carteira e olhar
quando estiver me sentindo sozinho.
Dou uma gargalhada. Encosto a bochecha no peito dele de novo e o aperto com
força.
Vou pedir pra Nova tatuar um deles em mim.
Gosto bastante dessa ideia. Meu corpo ca quente pensando nas possibilidades.
Talvez nas costelas, na saliência do osso do quadril, naquela linha deliciosa que
corre no meio de seu abdômen. Em algum lugar que eu possa traçar com minha
língua. É uma bela distração.
Dou um suspiro demorado e animador. Toda a minha ansiedade, frustração e
decepção se dissipam no ar do verão.
Obrigada sussurro por estar aqui.
Ele segura minha nuca e aperta. Sinto sua boca em algum ponto em meu cabelo.
Não há nenhum outro lugar em que eu preferiria estar.
O PESSOAL DA Baltimore Magazine chega às dez horas em ponto em uma padaria
limpa e com ar-condicionado. Scones de mirtilo e de morango preenchem cada
centímetro do balcão. A padaria está movimentada, a la saindo porta afora. Acho
que a cidade inteira está aqui esperando por algo para comer. Não apenas as
pessoas que apareceram de madrugada para me ajudar, mas muitos outros clientes
também.
O xerife Dane Jones está no começo da la, a mão segurando o cotovelo de
Ma y, o chapéu en ado debaixo do braço, um sorriso raro, mas radiante, que
surge na lateral da boca quando Ma y se inclina para ele e sussurra algo em seu
ouvido. Jeremy e sua mãe estão em algum lugar no meio, e Jeremy se separa de vez
em quando para car pulando enquanto acena para mim, cheio de energia. E
Charlie, que de alguma forma veio de Nova York para cá, vestindo um terno
escuro bem cortado, com o nariz en ado no celular, encostado na parede, próximo
à cafeteira, com um scone de mirtilo na mão. Ele ergue a cabeça de repente e olha
duas vezes quando vê Nova, a irmã caçula de Becke e tatuadora da cidade,
examinando os desenhos a giz no quadro do meu cardápio.
Mas meus olhos encontram Caleb. Ele está sentado no canto com Becke e
Luka, os três parecendo que acabaram de dar dez voltas em uma quadra de lama,
tomando chá em pequenas xícaras de porcelana. Pelo que entendi, eles
vasculharam os campos em busca de todas as ores silvestres que puderam
encontrar. A padaria está pontilhada com toques de cor, o cheiro de madressilva
misturado com manteiga quente e mirtilos frescos.
Caleb chama a minha atenção com uma piscadela, e me acalmo um pouco mais.
Coloco um buquê de margaridas ao lado da caixa registradora e observo quando
eles se aproximam. São apenas dois, um homem vestido de forma casual, com
cabelo loiro-escuro, e uma mulher pequena com uma câmera pendurada no
pescoço. Observo a cabeça do homem inclinada para trás enquanto olha para as
vigas de madeira restauradas inclinadas no teto, as cestas de vime que
transformamos em luminárias. Um sorriso começa em seus olhos e se insinua em
suas bochechas enquanto ele gira para absorver tudo.
Eles passam pelo aglomerado de pessoas, meus amigos, e eu endireito a postura.
Encontro aquela fonte silenciosa de orgulho que surgiu no meu primeiro dia aqui,
um molho de chaves em minha mão. Eu me afundo nela e meu sorriso se torna
seguro.
Oi, eu sou a Layla. Eu me apresento, os sons da padaria uindo ao meu
redor como a maré. Uma xícara de chá se acomodando em um pires. O moer dos
grãos de café. Uma risada gostosa perto do quadro do cardápio. Bem-vindos à
minha padaria.
VOCÊ VIU a cara dele quando experimentou o scone? Agarro a camiseta de
Caleb com as duas mãos e o balanço para a frente e para trás. Quer dizer, faço o
melhor que posso, mas ele está tão rme quanto uma montanha, apoiado em meu
balcão. Pareceu que tinha transcendido.
Caleb esfrega a nuca.
Eu vi foi a cara dele enquanto ele não parava de olhar pra você resmunga.
Balanço a mão para ele.
Eles pareciam tão felizes. Ficaram mais tempo do que disseram que iam car
e tiraram muitas fotos!
Anita, a fotógrafa, mal parou para comer. Will, o repórter, comeu seis scones e
dois pedaços de bolo. E ainda pediu uma caixa para levar. Sinto a adrenalina baixar
e o relaxamento da exaustão me invadir.
A expressão de Caleb se suaviza.
Foi tudo perfeito.
Acho que a reportagem vai ser boa.
Vai, sim. Ele pressiona as costas da mão contra a boca para abafar um
bocejo, depois balança a cabeça como se estivesse tentando dissipar o cansaço. Ele
pega uma toalha de mão e a dobra em quadrados bem-feitos. Foi ótimo, Layla.
Ainda que o Bill não conseguisse tirar as mãos de você.
Will corrijo com um sorriso discreto e uma cutucada em seu antebraço.
E ele apertou a minha mão. Foi só isso.
Foi um aperto de mão muito amigável insiste Caleb.
Relaxe. Desamarro o avental nas costas e estico o pescoço. Você ainda
tem que me aguentar por mais uma semana. Não pretendo terminar nosso acordo
antes do tempo.
Uma parte de mim está considerando estender o acordo. Pensei nisso mais de
uma vez na última semana. Mas ainda não sei o que, entre nós, funciona por causa
do que combinamos para o acordo e o que funciona de verdade, o que é genuíno.
Ainda não con o que algo tão bom seja real.
Olho para cima e encontro os olhos de Caleb, os lábios curvados para baixo em
uma careta.
O quê?
Ele se afasta do balcão e limpa a palma das mãos na calça jeans. Ainda não
arrumou a camiseta.
Já se passaram três semanas?
Assinto.
Pois é, sua avaliação nal vai ser das boas. A piada morre no espaço entre
nós. Fico desconfortável, me remexendo no lugar à procura de algo para dizer e
me livrar de toda essa tensão incômoda.
O que você… Observo enquanto ele traça uma linha sem rumo na minha
bancada com o dedo indicador, a expressão ainda séria no rosto. O que você
planejou para o nosso último encontro?
Ele pensa na minha pergunta por tempo demais, uma respiração profunda
curvando seus ombros para a frente. Ele se recompõe devagar, um sorriso com
metade de sua potência habitual fazendo as covinhas despertarem. Ele para de
mexer nas coisas que estão na bancada e endireita a postura.
Você vai ver quando chegarmos lá, tá? Não vou entregar meus segredos de
bandeja agora. Ele me olha nos olhos. Castanhos, dourados e quentes.
Manchas de âmbar. Minhas rugas favoritas nos cantos. Que tal eu começar
dando uma carona pra você?
Aliviada, coloco meu avental no gancho.
Ah, isso parece ótimo.
21
CALEB

NÃO TINHA ME dado conta de que só faltava uma semana.


Acho que, depois do incidente no escape room, parei de contar. Ou vai ver foi
depois do piquenique na praia. É muito fácil me deixar levar pela Layla, então não
me culpo por não ter marcado os dias com um X vermelho enorme no calendário
velho grudado na minha geladeira.
Não sei como devo me sentir. A hesitação que cresce em mim parece um pouco
dramática demais, e a ansiedade que sobe pela minha garganta também parece
exagerada. No começo, dissemos que as coisas voltariam ao normal entre nós.
Concordamos que não haveria nenhum ressentimento, mas… Será que vou
conseguir car do outro lado do balcão dela três dias por semana e ngir que está
tudo bem? Como faço para parar de desejá-la tanto assim? Vou conseguir vê-la rir,
gargalhar e perambular pela padaria sem querer encostar a boca na curva de seu
sorriso? Sem querer sentir a alegria que pulsa através dela? Colocar a mão em suas
costas e aconchegá-la mais perto de mim?
Layla já mencionou isso antes, em tom de brincadeira: nosso último encontro.
Talvez seja melhor dar um passo atrás, ver as coisas de outra forma. Não era essa
habilidade que eu estava tentando melhorar?
O m do nosso acordo não precisa ser uma coisa ruim. Na verdade, pode ser
uma coisa muito boa. Talvez… talvez possa ser o início de algo novo. Algo mais
sério e intencional.
Adoraria parar de pensar na palavra algo.
Eu me jogo no sofá de Layla com um suspiro, esfregando os olhos até ver
manchas.
Só preciso convencê-la de que vale a pena me dar uma chance.
No que você está pensando? grita ela da cozinha.
Na minha tatuagem de croissant grito em resposta. Mas, na verdade, estou
sentado no sofá dela, com os pés apoiados na mesa de centro, tentando descobrir
que tipo de encontro poderia fazer a balança da Layla pender a meu favor. O que
poderia fazer com que ela reconsiderasse os termos do nosso acordo.
Também estou tentando não pegar no sono e me perguntando por que ninguém
me avisou que minha camiseta está do avesso e ao contrário. Meus olhos estão
pesados, se fechando cada vez mais. Pego uma das almofadas e a seguro junto ao
peito.
Este sofá é macio. Confortável. Quente.
Talvez o cansaço do dia esteja, en m, começando a bater.
Estou exausto e aninhado em um sofá que cheira a chantili e açúcar, com notas
de pão fresco e massa de torta quente. É como estar em uma nuvem… ou em um
sonho. Na verdade, pode ser um sonho. Talvez seja meu tipo de sonho favorito.
Sobretudo quando Layla vem da cozinha com um prato em cada mão. Eu me
animo um pouco e dou uma olhada nos pedaços de torta que ela está segurando.
As perguntas invadem minha mente como fumaça ou bolhas em uma taça de
champanhe. E cam se revezando em meus pensamentos. Quando foi que ela fez
tudo isso? Onde essas tortas estavam escondidas? Será que ela não está nem um
pouco cansada?
Por sorte, consigo fazer a pergunta mais importante de todas.
Isso é mirtilo?
As palavras saem arrastadas, parece que estou bêbado. Que bebi dezesseis
garrafas sozinho.
É, sim. Ela coloca os pratos na mesa, fora do meu alcance. Se eu tivesse
um pingo de energia, já estaria pegando um pedaço de torta. Mas percorri toda a
fazenda duas vezes colhendo ores silvestres para a padaria e minhas pernas
parecem ter decidido parar de funcionar antes do restante do meu corpo. Layla
desaba ao meu lado no sofá, e tudo o que consigo fazer é inclinar o corpo de leve.
De olhos fechados, apoio o queixo na cabeça dela. Ela se acomoda em mim.
Parece que você precisa mais de um cochilo do que de um pedaço de torta.
Eu sempre preciso de torta murmuro.
Ela passa os dedos pelo meu cabelo, as unhas roçando meu couro cabeludo.
Faço um barulho constrangedor que é parte gemido, parte rosnado. Ela dá risada.
Tire um cochilo. A torta ainda vai estar aqui quando você acordar.
Você pode car comigo um pouco?
Gosto da sensação do corpo dela junto ao meu, com a ponta dos dedos
acariciando meu pescoço, tão suave, tão tranquila.
Claro. Ela dá um beijo no meu pescoço e eu a abraço pela cintura. A
torta pode esperar.
ACORDO DE BRUÇOS no sofá, uma das pernas pendurada na beirada e um cobertor
de tricô grosso jogado sobre metade do corpo. Ouço Layla na cozinha
cantarolando uma música que toca no rádio, uma sequência de palavras
murmuradas de vez em quando, com certeza erradas. Os pés com meias se
arrastam pelo chão, um ritmo irregular que me faz perceber que está dançando.
Ou tentando, acho eu, quando a ouço bater o joelho em um dos armários e xingar
baixinho. Sorrio no travesseiro.
Eu me lembro dos sonhos da noite em ashes de cores e sensações. Sinto um
aperto no peito, uma onda abafada de desejo que aumenta quanto mais ouço
Layla na cozinha. Também me sinto confortável com os sons e cheiros da casa
dela, nesse espacinho que ela arrumou para mim. A simples alegria de ouvir outra
pessoa habitando o espaço ao meu redor.
Layla cantarola um pouco mais alto, um pouquinho desa nada, e um pouco da
solidão que parece ser minha eterna companheira diminui. Um nó se desfaz em
meu coração.
Eu me apoio nos cotovelos e passo a mão pelo rosto. O barulho na cozinha para.
Ei diz ela, com um sorriso na voz ao colocar a cabeça no meu campo de
visão. Você acordou.
Será que acordei?
Minha voz está rouca demais. Não parece que estou acordado. Parece que ainda
estou preso em um sonho. Eu me sento e abro um bocejo tão grande, que meu
maxilar estala.
A risada de Layla é calorosa e serena enquanto ela dá a volta no balcão alto que
separa a cozinha da sala de estar. Deve ter se trocado enquanto eu estava
dormindo. Está vestindo um short minúsculo que parece muito macio e uma
camiseta grande demais, deixando um dos ombros à mostra. Tem um pouco de
farinha no cotovelo e algo que parece geleia de morango no queixo. Meu coração
bate mais forte.
Você está, de fato, acordado responde. Ela para bem na frente das minhas
pernas entreabertas, um dos pés encostando na minha canela. Quer sua torta
agora?
É a tentação de ver tanta pele ou, talvez, o fato de Layla ter mencionado a torta.
Não sei. Não quero torta. Só quero Layla e sua risada, seu sorriso e seus olhos cor
de avelã brilhando de felicidade nesta casinha aconchegante. Quero a farinha de
suas mãos espalhada pelo meu cabelo, talvez aquela geleia de morango na minha
língua.
Ela se inclina mais para mim, e minhas mãos encontram a pele quente atrás de
seus joelhos, a ponta dos dedos traçando dois oitos. Uma de suas pernas se dobra
e ela agarra meus ombros.
Caleb.
Hum?
O que você está fazendo?
Estou tentando me segurar, mas sinto que não vou conseguir. A cada instante
que passo perto dela, a desejo mais e mais. Gosto mais e mais dela. Subo e desço as
mãos em suas pernas, indo cada vez mais alto. Como posso ter passado tantos dias
sem tocá-la? Mereço um prêmio pelo meu controle. Meu nome em um letreiro
luminoso acima do balcão da padaria. Talvez uma daquelas plaquinhas douradas
que vendem na loja de penhores.
Apoio a cabeça no peito dela, que acaricia meu cabelo daquele jeito que eu tanto
gosto.
Você estava cozinhando? pergunto, a voz abafada pelo tecido da camiseta.
Quero morar exatamente aqui pelo resto da minha vida.
Ela hesita.
Talvez.
Você não ca cansada de cozinhar? Esfrego a barra do short entre o
polegar e o indicador. Cinza. Algum tipo de moletom. Quero cravar meus dentes
no cós e puxar.
Na verdade, não. Ela faz uma pausa e pensa. Bom, de vez em quando.
Quando cozinho só pra mim, não gosto tanto. Quando seguro a coxa dela, um
som de satisfação escapa do fundo de sua garganta, os nós dos meus dedos
passando logo abaixo da barra do short. Eu a aperto possessivamente. Mas
você está aqui solta ela enquanto expira.
Eu concordo. Ainda não afastei meu rosto de seu peito. Passo o nariz na curva de
seu seio por cima da camiseta e ela se contorce. Não consigo perceber se está de
sutiã.
O que você estava preparando?
O quê?
Agorinha, o que você estava preparando? Esfrego o queixo no esterno
dela, os dentes quase roçando no volume macio dos seios.
Ela está sem sutiã.
Ah. Ela se inclina na direção da minha boca. Biscoitos recheados.
Dou um gemido. Não consigo evitar. Por causa de Layla e dos biscoitos. Da
risada rouca e perspicaz que ela dá.
Ela abaixa a cabeça até que sua boca esteja bem perto do meu ouvido.
Biscoitos amanteigados sussurra. Sinto arrepios nos braços. Estremeço.
De geleia diz, mais devagar.
Ela emite um som agudo quando me levanto do sofá, as mãos logo abaixo da
curva de sua bunda, jogando as pernas dela em volta da minha cintura. Olho para
a parede perto da janela, depois para a bancada ainda coberta de farinha e um
pequeno pote de geleia de laranja. Nenhuma das opções serve para o que quero
fazer, mas tenho uma ideia um tanto interessante para a colher que repousa sobre a
tampa entreaberta do pote. Quero mais espaço do que a bancada pode me dar.
Não quero me apressar.
Posso fazer você gozar de novo? A pergunta escapa de mim, mais direta
do que eu gostaria. Mas estou louco de desejo, as mãos explorando cada vez mais
e a boca ocupada em seu pescoço entre palavras ofegantes. Layla joga a cabeça
para trás com um gemido e eu cedo à tentação, pressionando-a contra a parede no
início de seu curto corredor. Um dos quadros balança, e ela agarra meu queixo
para guiar minha boca até a dela. Nosso beijo é confuso. Quente, úmido e
desesperado. Não há nada que eu queira mais do que me ajoelhar neste tapete
colorido e macio e apoiar sua coxa no meu ombro. Quero saber qual é o gosto
dela, que sons ela faz, como ca quando está toda nua sob o brilho do sol do m
da tarde.
Layla tem tantos segredos que eu ainda não descobri.
Apalpo a camiseta enorme e a prendo pela cintura. Ela rebola contra meu corpo
sem parar e eu não consigo… não consigo pensar. Só consigo me lembrar da
última vez em que a tive tão perto de mim. Os sons que ela fez com meu corpo
entre suas pernas. A cor em suas bochechas à medida que se aproximava cada vez
mais do que precisava.
Só temos mais uma semana juntos, e pretendo aproveitá-la ao máximo.
Acaricio os seios dela por cima da camiseta e esfrego os polegares logo abaixo
dos mamilos. Ela inclina a cabeça para trás e a apoia na parede, me abraça pelos
ombros, me observando com olhos semiabertos.
O que você estava sonhando no meu sofá? pergunta em um gemido.
Eu sorrio e en o as mãos por baixo da camiseta, o tecido se amontoando em
meus pulsos. Não tiro a roupa dela. Quero só sentir o calor de sua pele em minhas
mãos. Tento memorizar este momento, quando ela está olhando para mim como
se eu fosse alguém que ela pudesse querer.
Bons sonhos respondo.
Por favor, os detalhes.
Bom. Eu nos afasto da parede e sigo em direção ao que presumo ser o
quarto dela. Tinham biscoitos recheados.
Ela ri quando abro a primeira porta do lado esquerdo do corredor e quase a jogo
em uma coleção de casacos de inverno. Roça os dentes na minha clavícula e posso
sentir seu sorriso em minha pele.
Isso é bem especí co. Aconteceu mais alguma coisa nesse seu sonho?
Biscoitos amanteigados digo. Ela ri de novo, uma risada rouca e gostosa.
Com geleia.
Tento outra porta e sou recebido por uma cortina de chuveiro rosa-pálido, uma
leira de plantas arrumadas em uma prateleira abaixo de uma janela de vidro
fosco. Meu olhar vai parar em um interessante pedaço de tecido de renda
pendurado no varão da cortina. Algo com tiras e o menor laço que já vi, bem no
meio.
Fico olhando por um segundo enquanto Layla explora meu pescoço com a
boca. Suas mãos astutas se esgueiram para o cós da minha calça jeans e minha
paciência se esvai.
Layla. Eu a reajusto em meu colo e prendo seus pulsos com uma das
mãos. Preciso que ela pare de me tocar, ou isso vai acabar como da última vez.
Rápido demais e vergonhoso demais, ainda que estranhamente satisfatório.
Um forte brilho de interesse surge em seus olhos, e eu ergo uma sobrancelha,
apertando seus pulsos com um pouco mais de força. Ela arqueia as costas, as
bochechas cando vermelhas.
Arrasto os lábios na curva de seu maxilar.
Preciso que me diga onde ca seu quarto.
Última porta à direita explica.
Solto as mãos de Layla e vou naquela direção, seus braços envolvendo meus
ombros com força. Estamos nos beijando de novo, seus sons famintos presos na
ponta da minha língua, pressionados contra meus dentes. Deslizo uma de minhas
mãos por dentro da parte de trás de seu short, nada além de pele macia e a tira de
elástico mais estreita que já senti em minha vida, recebendo meu toque.
O desejo queima como um incêndio em mim, e praticamente chuto a porta do
quarto dela, que bate com tudo na parede, em outra coleção de quadros, cada um
com uma moldura diferente. Uma foto dela, de Stella e de Becke , que olho
apenas de relance. Enquanto a sala de estar parece um arco-íris, o quarto é simples
e acolhedor. Uma cama grande com um edredom macio, uma pequena montanha
de travesseiros arrumados na cabeceira. Branco e creme, cinza e marrom-claro.
Caímos juntos na cama, e é como cair em uma nuvem. É como girar em uma
daquelas máquinas de algodão-doce, o açúcar pegajoso e grudento em minha pele.
Eu me apoio com os braços ao lado dos ombros dela, que me olha com um
sorriso enorme. É a coisa mais linda que já vi. Brinco com uma mecha de cabelo e
a afasto para trás da orelha.
O que você quer, Layla?
Digo a mim mesmo que, ao perguntar, estou tentando manter viva a base do
nosso relacionamento. Que a intenção é ajudá-la a falar o que quer e o que precisa
na cama. Mas a verdade é que eu quero ver o desejo estampado por toda a sua
pele. Quero ver os lábios dela formarem as palavras e ouvir em detalhes tudo o
que quer que eu faça.
Bom… Ela en a as mãos por baixo da minha camisa, as unhas
arranhando de leve meu torso. O que você me perguntou na sala é um bom
começo.
Perguntei se poderia fazê-la gozar. Todo o meu corpo ca quente e eu cedo,
permitindo que ela tire minha camisa. Ela a joga em algum lugar no canto do
quarto, as mãos percorrendo meu tronco para cima e para baixo. Ela lambe o canto
da boca, os olhos brilhando como duas pedras preciosas.
Como você quer gozar? Ergo o queixo dela e dou um beijo em seu lábio
inferior. Eu o chupo, o polegar descendo por seu pescoço e indo parar na parte de
cima da enorme camiseta. Com as mãos? En o a mão inteira por dentro da
gola da camiseta e acaricio o seio dela. Com a boca?
Ela respira fundo e abre mais as coxas até me encaixar no meio das pernas, meu
pau grosso e pesado em sua parte mais macia e quente.
Preciso confessar mais uma coisa diz, suspirando quando belisco seu
mamilo, as pernas se movendo contra minha cintura. Eu nunca… Ninguém
nunca me chupou antes.
Encosto a testa na clavícula dela com um gemido. Só de pensar que eu poderia
ser o primeiro a conhecê-la assim, o único a fazê-la gozar com a cabeça entre suas
pernas, co sem fôlego. Não consigo pensar. Sou dominado pela necessidade de
tocar e saborear.
Tensiono as mãos.
E isso é o que você quer?
Não sei sussurra , acho que sim.
Eu me levanto até car de joelhos na frente dela, as mãos em sua cintura e meus
polegares entrando por baixo do cós de seu minúsculo e perturbador short.
Podemos tentar digo , que nem antes. Podemos descobrir do que você
gosta juntos.
Ela concorda e eu puxo seu short para baixo mais um centímetro. A camiseta
está embolada perto do umbigo, e tudo o que vejo é pele macia. A curva entre a
cintura e o quadril. A borda da calcinha lilás e a pontinha de uma tatuagem, logo
abaixo do osso do quadril. Minha boca ca seca e eu puxo mais o short para ver
melhor.
A tatuagem é um pouco maior que uma moeda. Um batedor de ovos e uma faca
de cozinha cruzados e rodeados por uma coroa de ores. A pequena tatuagem
logo abaixo do osso do quadril está na suave inclinação ao longo da parte interna
da coxa. Passo o polegar nela, as linhas delicadas em um relevo sob meu toque, e
todo o corpo de Layla parece relaxar.
Foi a Nova quem fez explica. Queria uma tatuagem que fosse só
minha.
Eu me inclino entre suas pernas abertas até conseguir encostar minha boca nela.
Beijo uma vez, duas vezes. No terceiro beijo, cedo à tentação e passo a língua na
tatuagem. Fecho meus dentes em torno do desenho e mordo.
Ninguém mais viu isso?
Ela dá de ombros e deita a cabeça no travesseiro. Apoio o queixo na parte
interna de sua coxa. Quero que todas as nossas conversas sejam exatamente assim.
Os dedos dela no meu cabelo, as unhas arranhando meu couro cabeludo.
Ninguém nunca comentou, mas acho que nunca me olharam do jeito que
você olha.
Que bom. Raspo os dentes na tatuagem de novo e ela ergue os quadris na
minha direção. Então ela é só pra você… e um pouco pra mim também.
Ela faz um som de prazer, eu acho, enquanto termino de tirar o short dela. Deixo
sua linda calcinha roxa onde está, de renda e cetim, com um laço bem pequeno em
cima. Posso ver a rigidez de seus mamilos através do tecido no da camiseta, o
peito se erguendo. Preciso de todo o meu controle para não arrancar a roupa dela
toda e afundá-la nesses travesseiros.
Inspiro fundo e tento me acalmar. Layla merece paciência, e não alguém que vá
transar com ela feito um louco. Quero conhecê-la. Aprender seus gostos. Entender
o que a faz ofegar, gemer, estremecer.
Achei bonita. Passo o polegar pela linha na da calcinha em seu quadril,
seguindo-a até o pequeno laço centralizado. Paro ali e viro a mão. Arrasto o dedo
bem entre suas pernas. Já consigo sentir o quanto está molhada pelo tecido no.
Tão quente. Repito o gesto e uso minha mão livre para abrir o botão de cima da
minha calça jeans.
Gosto de coisas bonitas responde ela, olhando xamente para o local
onde minha cueca aparece por baixo do cós.
Você merece coisas bonitas respondo com uma risada. Se ela quiser mais
essa, também será dela. Mas quero fazê-la gozar primeiro, do jeitinho que pediu.
Mantenho minha mão rme no lugar, passando o polegar de leve em seu centro.
Traço cada centímetro dela até que ela cubra o rosto com o braço, perseguindo
meu toque com movimentos suaves do quadril.
Linda. Ela é linda pra caralho.
Caleb.
Eu dou um beijo na parte interna de seu joelho.
O quê?
Você vai… Ela deixa a pergunta se transformar em um gemido suave.
O quê?
Você sabe.
Eu não sei se você não me perguntar. Continuo beijando, subindo até a
coxa dela. Você não disse que gosta de ser provocada?
É isso que você está fazendo?
Mais ou menos. O principal é que estou tentando não ir rápido demais. Quero
que este momento com Layla dure. Quero me lembrar dela bem assim: pernas
longas, pele nua. As bochechas rosadas e os olhos grudados em mim. Todas essas
partes novas e secretas de si mesma que ela está con ando a mim.
Pressiono seu quadril e ela ergue o joelho, inclinando as pernas para abri-las
mais. Um convite.
Você tem que me dizer o que quer, lembra?
Ela tira o braço do rosto e me olha com um único olho cor de avelã. Os cantos
da boca curvados. Eu a recompenso com um beijo na virilha e ela emite outro som
suave e doce.
Diga o que você quer e eu dou. Subo um pouco mais e dou outro beijo,
bem de leve, por cima da calcinha. Ela rebola com um gemido. Fico feliz em
dar o que você quiser.
Ela estica o braço acima da cabeça, retorcendo o cabelo no travesseiro, e me olha
xamente, com desejo.
Quero sua boca em mim sussurra.
Roço a boca na coxa dela, uma recompensa por sua honestidade.
Onde? Minha voz soa rouca, um comando vindo de algum lugar no fundo
do meu peito.
Quero saber exatamente o que ela quer. Quero que ela peça. Quero ouvi-la dizer
as palavras.
Caleb, por favor.
En o meus polegares por baixo da calcinha e pressiono sua pele. Ela geme,
frustrada, e eu sorrio. Também gosto de provocá-la dessa forma. De ouvi-la
implorar só um pouquinho.
Onde, Layla?
Ela se apoia nos cotovelos e suspira, frustrada.
Bom, se você vai di cultar tanto assim, eu vou resolver sozinha.
O calor desce pela minha coluna e se instala pesado no meio das minhas pernas.
Só de pensar em Layla se tocando enquanto eu assisto… Engulo em seco contra a
onda inebriante de desejo. Ela se acalma, um toque de rosa iluminando suas
bochechas.
Talvez isso não seja tão ameaçador quanto achei que fosse diz.
Não consigo dizer, minha garganta de repente parece seca como o deserto.
Não, não é mesmo. Uma enxurrada de possibilidades passa pela minha
mente.
Mas uma… uma delas me deixa sem fôlego, a pele dela me tentando a meio
centímetro da minha boca. Eu me afasto e subo por seu corpo até colocar as mãos
em seus ombros. Fico ali, meu nariz em sua bochecha e minha boca no canto da
dela. Dou um beijo demorado em seu lábio inferior inchado e depois o pego entre
os dentes. Puxo até fazê-la gemer e me ajoelho para que eu possa ver seu corpo
estendido entre os lençóis. Pele nua, pernas abertas. Olhos semicerrados e uma
mecha de cabelo colada no pescoço.
Meu Deus, ela é linda.
Você poderia me mostrar, Layla? Me mostre do que você gosta.
22
LAYLA

OLHO PA CALEB, sem camisa e ajoelhado entre minhas pernas, esperando que eu
responda. Ele é tão gostoso que é quase indecente. A pele marrom, o peito largo. A
calça jeans desabotoada. As entradinhas na cintura que desaparecem logo abaixo
da calça. Olhos escuros e boca inchada.
Tive um sonho assim há quatro dias. No meu sonho, Caleb surgia atrás de mim
enquanto eu misturava uma massa de biscoito e en ava a mão na gola do meu
vestido. Tocava em meu seio, a boca no meu pescoço, os dedos beliscando e
puxando. Ele estava só de avental, tenho certeza. Lembro que tinha calda de
chocolate envolvida.
Isso é melhor. Ele lambe o lábio inferior, os olhos indo da minha testa até o
umbigo e minha calcinha retorcida logo abaixo. Eles grudam ali, brilhando como
brasas na fogueira.
Isso é muito melhor.
Eu me contorço contra ele.
O quê?
Você ouviu. Seu tom rme faz meu coração acelerar. Ele desce as mãos até
minhas coxas, os dedos bem abertos, como se estivesse tentando cobrir o máximo
de pele possível. Nem sei se percebe que está fazendo isso, seus olhos estão
grudados nos meus. Você pode me mostrar como se toca?
Deslizo as pernas nuas contra os cobertores. Uma coisa é sussurrar coisas no
calor do momento, outra é mostrar para ele, no sol da tarde que atravessa minhas
cortinas, como gosto de me tocar. Seus olhos se suavizam conforme ele olha para
mim, e o calor e a necessidade são substituídos por um afeto gentil.
Um sorriso surge no canto de sua boca quando ele se abaixa e toca meu nariz
com o dele.
Você está segura comigo, lembra? Podemos fazer tudo o que você quiser. Ou
podemos parar agora mesmo.
Assinto, mal roçando sua boca com a minha. Levo os dedos até minha barriga
para testá-lo e seu olhar se xa ali, observando. Limpo a garganta e ele volta a olhar
nos meus olhos com uma relutância signi cativa. Percebo como gosto disso.
Gosto do jeito que Caleb me olha, como se eu fosse tudo o que ele poderia querer.
Como se car sentado na beirada da minha cama aprendendo como gosto de ser
tocada fosse o su ciente para ele.
É o su ciente para eu mandar o pouco de hesitação que me restava para longe.
Movo a mão mais para baixo.
Não temos que fazer nada que você não queira, nunca diz ele. É assim
com Caleb, um ir e vir entre se controlar e se entregar. Exigir e desejar. O melhor
tipo de dança.
Eu sei.
Podemos voltar pra cozinha e comer um pedaço daquela torta.
Mordo a bochecha para disfarçar o sorriso.
Vamos car aqui.
Eu quero isso. Quero explorar todas as formas como ele faz eu me sentir
diferente, me sentir melhor, do que qualquer outra pessoa já fez antes. Quero ver o
maxilar dele se contrair conforme movo minhas mãos por meu corpo. Quero ver
seus olhos brilharem em um tom mais escuro e os músculos de seus braços
saltarem. Quero desvendá-lo pouco a pouco. Testar esse seu controle meticuloso.
Quero que ele que tão entregue quanto eu me sinto, um arrepio em minha pele
e um friozinho na barriga. Como se estivéssemos à beira do precipício.
Tudo bem sussurra. Ele traça o polegar pela minha coxa e, em seguida, tira
as mãos de mim. Ele se ajoelha na cama e aperta a nuca. Um homem lutando para
se controlar.
Ah, eu gosto muito disso.
Puxo a barra da camiseta e a ergo de novo. Não sei se devo tirar ou car com ela.
Apesar de todo o meu entusiasmo, na verdade, não faço ideia de por onde
começar.
Quer que eu…
Caleb não desvia o olhar dos cinco centímetros de pele entre meu umbigo e
minha calcinha, mas pisca algumas vezes e me olha quando percebe a hesitação
em minha voz. Um sorriso aparece nas linhas de seus olhos e ele tira a mão da
nuca.
Feche os olhos ordena. Ergo uma sobrancelha e ele me dá um meio-
sorriso, a covinha surgindo na bochecha. Ele arrasta dois dedos do meu joelho até
a coxa. E depois para baixo. Feche os olhos, Layla.
Bufo, a maldita rmeza em sua voz fazendo tudo dentro de mim vibrar.
Você é mais mandão do que parece.
Sua risada é sombria e perversa, uma lufada de ar quente contra meu pescoço
enquanto ele se inclina sobre mim.
Você não faz ideia.
Ele não me dá tempo para pensar nesse pequeno e interessante comentário.
Caleb se inclina e pega minha boca na dele. Ele me lambe como se eu fosse aquela
torta de mirtilo que deixei na mesa de centro na sala. Intenso. Devorando.
Consumindo. Fecho os olhos e o beijo com a mesma avidez.
É mais fácil seguir suas instruções assim. Desligar a parte do meu cérebro que
ainda está cheia de ansiedade por causa da manhã de hoje. A parte que está
analisando as consequências do que estou fazendo com Caleb, examinando cada
ângulo repetidas vezes. Ele me beija e não me importo com nada além de sua boca
na minha, sua mão na minha nuca e a pele quente de seu peito me pressionando
contra a cama.
Eu achei… Caleb leva a boca para o meu pescoço, e eu arqueio sob seu
toque, meus dedos encontrando o cinto em sua calça. Puxo a vela para trazê-lo
mais para perto. Achei que era pra eu me tocar.
Pode começar quando quiser. Caleb ri, suave e caloroso. Parece a primeira
onda de calor que emana do forno, quando estou impaciente demais e o abro para
espiar lá dentro.
Você também pode digo em um suspiro. Me tocar, quero dizer.
Ele toca abaixo da minha orelha com o nariz, sua expiração longa e lenta. Parece
que ele está se segurando. Como se mal estivesse aguentando.
Tá bem, mas você começa, tá?
Estendo a mão entre nós e toco meu seio, roçando o mamilo por cima do tecido
macio da camiseta.
O toque quase inocente ca carregado de eletricidade com os olhos de Caleb
em mim, uma pulsação lenta de calor que se instala entre minhas pernas com uma
dor oca.
Repito o gesto, me demorando um pouco mais, dando um beliscão suave, e
Caleb grunhe como se eu tivesse dado um soco em seu peito.
Mais exige.
Ganancioso. Eu sorrio, ainda de olhos fechados. Vou no meu ritmo,
obrigada.
Ele bufa.
Parece que agora sou eu quem está sendo provocado. Suas palavras saem
cortadas, curtas.
Aham. Tiro a mão esquerda da vela no quadril dele e a en o por baixo da
minha camiseta, segurando meu seio nu. Arrasto o polegar para a frente e para
trás, quase esquecendo que estou sendo assistida. É assim que eu me toco quando
estou sozinha à noite. Quando o desejo, a espera e a solidão se tornam excessivos,
njo que minha mão pertence a outra pessoa. Respiro ofegante e Caleb se vira
sobre mim, os lençóis farfalhando com seu movimento. Sinto a palma de sua mão
ao meu lado, a ponta de seus dedos roçando minhas costelas enquanto ele ergue
minha camiseta.
Posso ver? Faço que sim com a cabeça e ele arrasta minha camiseta para
cima. Posso ver como você gosta de se tocar, Layla?
Pode.
Fico deitada embaixo de Caleb com os olhos fechados, ouvindo o ritmo de sua
respiração enquanto me toco. Acaricio meus seios do jeito que eu gosto, com
toques provocantes e círculos tênues. Belisco meu mamilo e arqueio as costas,
abrindo as pernas e pressionando Caleb, equilibrado acima de mim. Ele segura
minha perna e a mantém ali, seu polegar traçando uma linha na parte de trás do
meu joelho, e a sensação é como se ele estivesse tocando meu clitóris. Abro os
olhos e… Ah, é muito mais gostoso quando o vejo me assistir.
Ele parece absolutamente acabado. A calça puxada para baixo, mais do que
estava antes, como se mãos impacientes a tivessem afastado. Seu corpo é todo de
linhas magras, músculos lisos e pele escura e quente. O zíper está aberto e posso
ver parte da cueca boxer preta, o cós branco e nítido ao redor do quadril. Uma
linha de pelos escuros logo abaixo do umbigo. Meu olhar desce até onde ele está
duro e tenso, e sinto o desejo como uma sgada.
Toque no meio das suas pernas pede ele com a voz baixa. Quero ver ali
também.
En o a mão por dentro da calcinha e consigo me acariciar uma vez, duas vezes,
antes de puxar Caleb com a outra mão. Eu o seguro pela calça jeans e puxo.
Sua boca ofego. Seus olhos se voltam para os meus e se xam. Quero
sua boca em mim. Por favor.
Ah, Layla… Ele praticamente se joga em cima de mim e passa os dentes
na minha tatuagem, a boca indo de um lado ao outro do meu quadril, afastando
minhas pernas com os ombros. Meu corpo todo está pegando fogo, como se
estivesse derretendo. Você não precisa dizer por favor. Mas, porra, amo quando
você diz.
O primeiro toque de sua boca faz minhas pernas se debaterem contra os lençóis,
os calcanhares cravados no colchão, enquanto procuro me rmar. A boca dele é
deliciosa. Nunca senti nada parecido antes. Ele me agarra pela cintura e me prende
contra a cama enquanto me lambe por cima da calcinha, devagar, passando a
língua por tudo, e é divino.
Ele encosta a testa em meu umbigo e suspira, trêmulo.
Layla diz apenas. Aperta meu quadril, os dedos se enroscando no cetim.
Posso tirar?
Pode. Pode, eu quero.
É uma confusão de membros e movimentos quando Caleb puxa minha calcinha
pelas pernas e a torce nos dedos. Observo enquanto ele a en a no bolso de trás da
calça como se eu não fosse me dar conta de que cou com uma das minhas
calcinhas mais caras. Mas eu não ligo. Não ligo, não ligo, não ligo, porque ele me
segura pelos tornozelos e abre minhas pernas, seu corpo grande afundando entre
elas. Observo como sua cabeça se inclina sobre mim, o rubor na ponta das orelhas.
Como suas mãos apertam e soltam minha pele.
Ele solta um gemido baixo de prazer quando encosta a boca de novo, e cada
partícula do meu corpo se acende. Prazer quente, úmido e suave como seda.
Seguro o cabelo dele com força e me contraio contra sua boca ávida, rebolando de
forma discreta e tornando tudo ainda mais incrível.
Solto um gemido abafado.
Ah, meu Deus, Caleb.
Nunca senti nada parecido com isso. Nunca. Beijos úmidos que chupam, cada
movimento da língua deliberado e áspero, do jeito que eu gosto. Do jeitinho que
mostrei.
Isso murmura ele na parte interna da minha coxa, a mão segurando minha
bunda, o polegar alcançando a virilha, perto da minha tatuagem. Ele a traça com o
polegar enquanto morde minha perna. Me mostre como você gosta. É tudo pra
você.
E eu quero tudo. Caleb me dá e eu aceito, aceito e aceito até que meu corpo todo
começa a tremer em sua boca, minhas coxas pressionando suas orelhas. Rebolo,
perseguindo aquela sensação de delírio até me sentir envolvida por ela: vibrando,
alcançando, chegando cada vez mais perto daquele limite que tão raramente
consigo encontrar.
Então Caleb se afasta. Com o peito arfando, ele encosta a testa no meu quadril e
estende a mão entre suas pernas, en ando-a na calça jeans aberta, e observo
enquanto ele se acaricia uma vez e geme.
O-o quê? Minha voz soa sete oitavas mais alta que o normal, ofegante e
na. Caleb, o que você está…
Espere. Ele tira a mão de dentro da calça jeans e passa o polegar nas
minhas costelas, subindo mais e esfregando-a no meu peito. Você vai chegar lá,
meu bem. Eu prometo.
Ele se arrasta pelo meu corpo, depositando beijos como segredos ao longo do
caminho. Na parte que sinto cócegas, do lado esquerdo do quadril. Na mancha de
sardas aglomeradas entre meus seios. Na curva do meu ombro. No meu queixo.
Cada um deles é como o toque em um o exposto, uma lambida de calor elétrico
da ponta dos meus dedos até o cotovelo. Meu prazer se intensi ca.
Caleb.
Às vezes é melhor assim. Sua boca está quente em meu pescoço.
Quando você quase chega lá, mas espera um pouco.
Eu não quero esperar choramingo. Estou tentando puxar o homem mais
teimoso do mundo para cima de mim. Já esperei o su ciente.
Ele ri em algum lugar na minha clavícula.
Tá bom. Ele encosta os lábios no canto da minha boca, e eu gemo quando
sinto meu gosto nele. Ele também faz um som. Algo baixo, profundo e quente.
Vou me lembrar desse som toda vez que ele pedir um croissant do outro lado do
balcão, pelo resto da minha vida. Você tem razão. Estou sendo grosseiro.
Ele desliza a mão entre minhas coxas e eu arqueio as costas de novo, o calor
correndo pelo meu peito e me puxando para baixo. Seu polegar acaricia meu
clitóris enquanto sua boca paira sobre a minha, um dedo e depois dois deslizando
para dentro.
Não acredito… Ele morde meu lábio inferior e o chupa em sua boca. Eu
agarro freneticamente seus ombros. Não acredito que estou aqui com você
ele respira, com um toque de admiração na voz. Não acredito que estou
tocando você assim.
Não acredito que fazíamos qualquer outra coisa que não fosse isso. É tudo tão
bom entre nós, melhor do que eu jamais poderia ter imaginado. Melhor do que
imaginei todas as noites nas últimas semanas, sozinha na escuridão do meu
quarto: sua risada, seu sorriso e aquela maldita camisa havaiana surgindo em
minha mente.
Desta vez, parece que vou chegar lá mais rápido. Meu corpo todo estremece a
cada vez que ele en a os dedos em mim. Respiro seu nome, nossos corpos
balançando juntos.
Então ele para. De novo.
Cravo as unhas no ombro dele e resmungo. Meus olhos se fecham quando a
pulsação entre minhas pernas se intensi ca. Caleb tenta se afastar, mas eu me
agarro a ele com mais força, tentando rebolar em sua mão.
Caleb. Minha voz é um sussurro entrecortado. Não quero mais ser
provocada.
Não foi por sua causa diz ele baixinho, com um sorriso tímido na voz.
Consigo imaginar a expressão em seu rosto, um pouco confusa e um pouco
tímida. Os lábios retorcidos e um tom rosado em suas bochechas. Foi por mim.
Eu… eu preciso de um segundo.
Empurro meus quadris para cima.
Que seja um segundo rápido, então.
Ele solta risada e passa o polegar uma única vez no meu clitóris.
Os gemidos cam presos em nossas gargantas.
Tem certeza de que não quer mais ser provocada?
Balanço a cabeça.
O que você quer, então? Ele passa o polegar de novo e eu abro as pernas.
Ele emite um som de satisfação bem na minha orelha e depois a prende entre os
dentes. Sua mão se move mais devagar, com mais força, e de novo sinto que estou
prestes a gozar.
Eu quero gozar sussurro para a pele quente de seu pescoço. Roço os
dentes ali e me agarro a ele.
Ele suspira, satisfeito, e en a os dedos com mais força. Ele me leva de volta ao
ponto em que eu estava antes de parar e além. A algum lugar com o sol, as nuvens
e todas as estrelas. Um milhão de desejos dançando como cometas no céu.
Você está indo bem, Layla. Ele belisca meu mamilo do jeito que mostrei, e
eu me sinto desmoronar. Respiro fundo, como se não conseguisse puxar ar
su ciente para meus pulmões. Você está se saindo muito, muito bem. Isso, seja
uma boa menina pra mim, meu bem.
Duas palavras boa menina e meu orgasmo vem em um rompante. Eu me
deixo ir em sua onda, as unhas cravadas na parte inferior das costas de Caleb, meu
corpo inteiro encharcado de luz quente e dourada. Posso sentir cada lugar em que
Caleb está me tocando enquanto gozo, quase sem conseguir respirar.
Sua boca logo acima da minha. Seu quadril encostado na minha coxa e seus
dedos no meio das minhas pernas, se movendo devagar, extraindo até o último
instante de prazer de mim. Eu me movimento com ele enquanto o calor e a
pulsação suave ecoam e se espalham.
Caleb suspiro. Eu o seguro pelo rosto e guio sua boca até a minha. Ele me
beija com uma risada calorosa, o sorriso contra a minha boca.
Oi.
Murmuro, saciada e um pouco fraca.
Isso foi bom.
Ele afasta minha coxa com o quadril enquanto se acomoda ao meu lado. En a
um dos braços embaixo do travesseiro, tão lindo que mal consigo suportar.
Bochechas rosadas. Cabelo bagunçado. Uma marca dos meus dentes em seu
ombro que não me lembro de ter deixado.
Eu espero que tenha sido mais que bom.
Foi muito bom corrijo. Tão gostoso quanto cobertura de cream
cheese, quanto o brownie quentinho do meio do tabuleiro.
Ele encosta o nariz no meu ombro e desliza a mão até minha barriga.
Bom que nem croissant de manteiga?
Croissants de manteiga. A coisa não tão especial que faço todos os dias e que
Caleb pede três vezes por semana, sempre. A coisa que ele sempre quis. Uma
balança pesa mais para um lado em meu peito e algo me aperta. Pisco duas vezes
para afastar o que quer que esteja fazendo meus olhos arderem.
Bom que nem croissant de manteiga concordo, minha voz um pouco
rouca. Ele se move contra mim de novo, se ajeitando entre os travesseiros e
cobertores. Seus quadris se contraem para a frente e eu o sinto, ainda pesado e
duro, contra a minha perna. Deslizo a mão pela lateral de seu corpo e brinco com
o elástico de sua cueca. Ele solta um suspiro curto.
Caleb?
Seus olhos estão fechados, um pequeno sulco entre as sobrancelhas.
Hum?
O que você quer que eu faça?
Ele abre os olhos, brilhantes e reluzindo como ouro. Pupilas dilatadas de desejo.
Com o quê?
Eu me viro de lado e traço um único dedo pela linha volumosa de sua ereção por
cima da cueca, minha boca em seu pescoço.
Com isso.
Ele geme, os quadris empurrando contra meu toque. Ele coloca a mão sobre a
minha e aperta, me guiando. Com força, mas lentamente, minha palma roça os
pelos abaixo de seu umbigo a cada movimento para cima.
Que tal dessa vez sussurro contra sua pele. Seguro o cós de sua calça,
empurrando-a para baixo. Que tal você me mostrar do que gosta?
É exatamente nisso que tenho pensado desde que ele me levou para o sofá e
segurou minhas mãos acima da cabeça. Desde que ele me fez gozar sem precisar
tirar minhas roupas. Eu o empurro pelo ombro e rolamos juntos, meus joelhos um
de cada lado de seus quadris. Ele me olha deitado sobre os lençóis emaranhados.
Layla… Ele engole o som do meu nome. Suas mãos apertam meus
quadris enquanto eu luto contra o que falta do zíper de sua calça. Não
precisamos fazer mais nada. Eu posso… Provavelmente vou gozar em três
segundos, se você continuar fazendo isso. Acho que ele está se referindo aos
nós dos meus dedos roçando ao longo de sua ereção em movimentos irregulares e
hesitantes, enquanto puxo seu jeans para baixo. En o minha mão em sua cueca e
envolvo meus dedos em torno de seu volume: quente, duro e deliciosamente
grande. Caleb geme e recosta a cabeça no travesseiro, com os olhos fechados.
Não quero que você goze em três segundos sussurro. Eu o acaricio,
frustrada pela maldita calça jeans que restringe meus movimentos. Eu quero
mais com você. Você não disse que gosta de ouvir o que eu quero?
Seus olhos se abrem em fendas estreitas.
Disse.
Então con e em mim. En m consigo abaixar as calças dele até as coxas, e
Caleb faz o restante do trabalho. Tenho certeza de que as calças foram parar na
luminária perto do meu armário. Não me importo. É isso que eu quero.
Maxilar cerrado, mãos cerradas, todos os músculos de seu corpo tensos…
Caleb me encara com olhos escuros.
É por causa do acordo?
Rebolo em cima dele e nós dois gememos.
O quê?
Se eu for transar com você, Layla as palavras saem roucas e apertadas de
sua garganta , não vai ser pra aprender nada ou por causa de um acordo. Vai ser
porque eu quero você e você também me quer.
Eu expiro, passando os dedos por baixo do elástico de sua cueca. A resposta é
muito fácil.
Bom, eu quero você. Você me quer?
Ele me vira na cama antes mesmo que eu perceba sua intenção, seu corpo
pesado sobre o meu e a mão segurando meu rosto com gentileza. Ele passeia com
o polegar do canto do meu olho até meu maxilar. Dá um beijo suave em meus
lábios e se inclina para trás. Nós dois estamos à beira do precipício, querendo
mais.
Meu meio-sorriso favorito aparece no canto de sua boca.
Não faça perguntas para as quais você já sabe a resposta.
ACHO QUE NUNCA transei assim antes.
Um sexo sincero e livre, e de uma beleza tão fascinante.
Caleb se levanta da cama e tira a cueca, revelando uma timidez deliciosa quando
a cueca cai nos tornozelos. Eu catalogo todas as linhas e músculos de seu corpo
com interesse, com a palma da mão apoiada na minha barriga. Pele marrom.
Músculos de nidos. As entradinhas na cintura e uma cicatriz bem onde suas
costelas se curvam. Ele abaixa a cabeça enquanto eu o encaro, com a mão na nuca.
Venha aqui murmuro.
Ele sobe na cama, um joelho de cada vez, seu corpo grande encobrindo o meu
até que tudo o que eu vejo é marrom e castanho, e o preto como a meia-noite. Ele
passa os dedos em meu lábio inferior enquanto beija minha pele e eu abro as
pernas para recebê-lo, o tornozelo na parte de trás de seu joelho. Tudo alinhado
com perfeição, exatamente onde deveria estar, nós dois gemendo de prazer e
expectativa. Um suspiro que se torna um gemido, bocas abertas sobre a pele
repleta de suor.
Camisinha? pergunta.
Estico o braço para a mesa de cabeceira e pego o pacote de camisinhas que
coloquei ali no dia seguinte àquele em que Caleb me fez gozar no sofá, na
esperança de que algo assim pudesse acontecer. Dirigi por quatro cidades até uma
farmácia vinte e quatro horas na calada da noite, desesperada para não me tornar o
assunto da próxima mensagem da rede de comunicação. Não sei o que faria se o
xerife Jones recebesse uma mensagem de voz informando que andei comprando
camisinhas.
Caleb rasga a embalagem com os dentes e desliza a mão entre minhas coxas,
mexendo com o polegar. Ele geme quando sente como ainda estou molhada, e
tudo o que já zemos juntos não é su ciente para aliviar o desejo.
Você é tão gostosa, Layla. Ele sobe a língua quente pelo meu pescoço até
meu rosto e morde uma vez. Vai me fazer perder a porra da cabeça.
Até que en m murmuro. Talvez assim eu não me sinta a única.
Até que en m concorda ele, com a voz rme e séria. Observo enquanto
ele coloca a camisinha e se acomoda entre minhas coxas. Ele me ajuda a tirar a
camiseta e então somos só nós dois. Pele nua sob a luz difusa de uma tarde de
verão.
Diz que você me quer sussurra.
É a coisa mais fácil que eu já disse a alguém. A verdade em cada sílaba.
Eu quero muito você.
Ele me penetra com um gemido de prazer em meu pescoço, o calor percorrendo
meu corpo e me fazendo agarrar o cobertor de cada lado da minha cabeça. Ele
desliza as mãos pelo meu corpo e segura meus pulsos, depois entrelaça nossos
dedos e aperta. Eu me prendo a ele com as pernas, as costas arqueadas nos
travesseiros, recebendo-o contra mim, dentro de mim, enquanto ele se movimenta
devagar, com cuidado. A sensação é incrível enquanto ele procura a posição certa.
O ritmo certo. O ângulo certo que faz meu corpo se contrair e se curvar contra o
dele.
Porra murmura em meu ouvido, sua voz ávida e baixa. Seus quadris se
chocam contra os meus com um pouco mais de força, e eu perco o fôlego.
Porra, isso é tão…
Tão bom termino. Aperto sua cintura com minhas pernas e Caleb se
move mais rápido, de joelhos na cama, uma mão apoiada na cabeceira. Assim,
consigo observar como ele se move entre minhas pernas abertas. Os músculos se
contraindo e relaxando. As linhas e os sulcos de seu abdômen se esticando e se
retraindo enquanto ele se afunda em mim sem parar. Em um espasmo, bato o pé
no abajur na mesa de cabeceira, que vai parar em algum lugar. Ergo o corpo e
cravo os dentes em seu peito.
Você vai… Ele fecha os olhos com força, se concentrando, o rosto corado.
Observo os cílios dele enquanto persegue o prazer. Você vai me fazer gozar.
Ele consegue dizer.
Tudo bem. Passo as mãos pelo cabelo dele e dou pequenas mordidas no
caminho que vai do pescoço até o lóbulo da orelha. Chupo sua orelha e ele geme,
desamparado. Tudo bem. Eu quero ver você gozar, Caleb. Já imaginei tantas
vezes como você deve car quando goza.
Ele abre os olhos, turvos e ardentes. Eles se xam nos meus e ele penetra com
mais força. A cama inteira balança. Jogo a cabeça para trás quando ele atinge um
ponto que faz faíscas dançarem atrás de minhas pálpebras.
Imaginou? diz ele, arfando.
Assinto.
Isso, imaginei. Inclino a cabeça contra o travesseiro, que agora está na
metade do colchão, e observo Caleb se movendo em cima de mim. Seu corpo é
lindo, o rosto se contorcendo na mais bela imagem de um prazer quase
angustiante. Deslizo as mãos pelo peito dele e o seguro pela cintura. Afundo as
unhas ali e ele emite um som feroz.
Você vai me mostrar? repito suas palavras de antes. Posso ver?
Ele ofega enquanto goza, todo o corpo se inclinando para a frente até que a testa
esteja apoiada na minha clavícula. Seus quadris saltam em movimentos
descoordenados e desordenados. Quase me faz gozar de novo, com o jeito bruto
que ele me empurra na cama e roça em mim, mas não consigo. Não quando ele
diminui o ritmo bem quando meu prazer estava começando a se intensi car. A
tensão em minha barriga se suaviza, meu corpo quase no limite.
O corpo enorme de Caleb desaba no meu e ele solta o ar, o nariz na minha
bochecha.
Eu o abraço pelos ombros. Ele beija a curva do meu pescoço, que ainda está
latejando.
Eu me mexo embaixo dele. Isso é o su ciente. Abraço mais forte. Isso é mais que
su ciente.
Você gozou? pergunta ele baixinho em algum lugar no meu pescoço. Sua
voz soa rouca e áspera, e eu gosto muito, muito disso.
Balanço a cabeça e faço carinho nas costas dele. Sua pele está quente, o coração
ainda batendo forte contra meu peito.
Não, mas tudo bem. Eu ainda…
Não termino minha frase antes que Caleb se levante e se afaste de mim. Franzo a
testa com a perda do peso e do calor dele, o braço cobrindo meus seios nus. Ele
cou… Caleb cou bravo por eu não ter gozado? Um rubor de constrangimento
sobe pelas minhas bochechas e eu viro o rosto para o lado, para o travesseiro.
Ei, não sussurra ele. Não, não. Não faça assim.
Ele vira meu rosto para o dele com a palma da mão e dá um beijo lento e
demorado na minha boca. Seu nariz esbarra no meu e percebo que ele está
sorrindo. Caleb dá outro beijo na minha bochecha, no meu lábio inferior. Dá uma
mordida e então se apoia nos braços, seu corpo se movendo para baixo, para baixo,
para baixo.
Franzo a testa e tento fechar as pernas.
O que você está fazendo?
Ele as mantém abertas, com um beijo pressionado em meu joelho esquerdo e
depois no direito. Ele olha para mim por baixo dos cílios, emoldurado por minhas
coxas abertas e banhadas por uma luz dourada quente. Consigo ver o brilho do
suor em sua pele, o cabelo úmido enrolado atrás das orelhas. A força de seus
braços e os músculos marcados em seu abdômen. Seus olhos escuros estão xos
nos meus.
Não é assim que as coisas funcionam.
Engulo em seco, minha voz em um sussurro.
Que funciona o quê?
Você não vai car passando vontade. Então… Ele mordisca uma vez a
parte interna do meu joelho, arrasta a boca pela minha coxa. Ele sorri para mim,
com os olhos escuros brilhando. Me mostre do que você gosta, Layla.
Então coloca a boca de volta em mim, e eu desabo nos travesseiros.
23
CALEB

POR ALGUMA ZÃO, Charlie e Alex estão esperando na minha sala de aula quando
termino de cuidar dos ônibus. Olho por cima do ombro para o corredor vazio e
depois para os dois sentados nas carteiras na primeira la. Alex entrelaça os dedos
lentamente e olha para mim por cima dos óculos. Charlie não se dá ao trabalho de
olhar na minha direção, ocupado com o que deve ser metade da coleção de potes
da minha avó.
Ela ainda tem feito comida pra você? Fecho a porta e vou até minha mesa.
Não faço ideia do que eles querem, mas é melhor carmos à vontade. Alex não
costuma ser rápido quando tem algo a dizer. Dou uma espiada no que Charlie está
comendo. Minha avó fez tres leches para ele… de novo.
Tento pegar um pouco de creme do topo, mas Charlie bate na minha mão.
Ela fez pra mim.
Franzo a testa e me jogo na minha cadeira.
Você sabe que está na minha sala de aula, né?
E por isso tenho que dividir minha sobremesa com você? Charlie balança
a cabeça com uma risada ameaçadora. Acho que não.
Alex nos ignora.
Nós não estaríamos aqui anuncia ele de sua carteira ao lado de Charlie
se você não estivesse fazendo de tudo para me evitar nos últimos três dias.
Eu não o tenho evitado, só andei ocupado. Os cursos de férias estão acabando,
Jeremy está quase terminando seu projeto de bilhete de amor e Layla…
Layla é incrível. Passo todos os momentos livres que tenho sentado na cozinha
da padaria, comendo croissants de manteiga e observando enquanto ela trabalha.
Ou encostado no balcão da frente, o queixo apoiado nas mãos e o coração na
garganta.
Ou na minha casa, com as pernas dela me envolvendo, suas costas apoiadas na
parede, meus porta-retratos bem organizados caindo de lado quando nos
empolgamos. Sobre sua cama com a mão em seu pescoço, fazendo Layla gozar
enquanto grita meu nome do jeito mais doce que já ouvi em toda a minha vida.
Acordando com o nascer do sol e deslizando a mão pela curva de sua cintura até o
meio das pernas, ouvindo meu nome sair de sua boca em um sussurro enquanto a
luz do início da manhã entra através das cortinas.
Adormecendo com ela em meus braços, um de seus pés frios pressionado entre
minhas panturrilhas, o nariz no meu peito.
Sinto como se tivéssemos deixado de lado todos os termos do nosso acordo… E
a sensação é boa.
É muito boa.
Eu ando bem ocupado murmuro. Viro Fernando de costas no canto da
mesa. Não preciso do julgamento dele neste momento.
Charlie aponta um garfo para mim.
Você só quer saber da Layla Dupree e está ignorando o mundo real, meu
amigo.
Bufo. Não preciso ouvir isso dele, entre todas as pessoas.
Você não tem feito a mesma coisa com a Nova Porter? retruco. Ele acha
que está sendo discreto, mas sei que é por isso que tem vindo de Nova York a cada
dois ns de semana. Quase sempre vejo o carro dele estacionado do lado de fora
do espaço em que a irmã caçula de Becke está de olho para abrir seu novo
estúdio de tatuagens.
Nova Porter não quer saber de mim, mas tudo bem. Charlie dobra
alegremente uma tortilha em um quadrado harmonioso e a en a inteira na boca.
Você tem que pensar a longo prazo, cara protesta com a boca cheia de
comida. E não mude de assunto.
Estou preocupado com você declara Alex, com o rosto sério e os dedos
ainda entrelaçados sobre a mesa. Ele está parecendo meu pai todas as vezes que
tinha uma conversa séria conosco quando éramos crianças. Até os óculos na ponta
do nariz e a boca torta. Essa coisa com a Layla…
Esfrego a mão na testa.
De novo isso.
É, de novo. Alex se reclina na cadeira, os joelhos batendo na parte de
baixo da mesa. Você precisa ouvir. Quando o seu acordo com a Layla acaba?
Eu estava tentando não pensar nisso.
Vai fazer um mês no domingo respondo, relutante.
E o que vocês vão fazer no domingo?
Eu me ocupo com um pacote de post-its na ponta da mesa, virando-o para um
lado e depois para o outro.
Vamos fazer um piquenique murmuro.
Parece divertido comenta Charlie.
Parece que você está torcendo para que a Layla esqueça que esse acordo está
terminando pra vocês dois continuarem o que quer que estejam fazendo, sem
discutir o assunto, como adultos fariam vocifera Alex. A mesa se move dois
centímetros para a frente.
Charlie coloca mais um pedaço de comida na boca.
Também parece divertido. Vocês vão naquele pequeno campo de ores na
fazenda?
Na verdade, vamos para o lago.
Boa.
Caleb chama Alex com a voz suave, tirando os óculos, dois dedos na
ponte do nariz. O que você está fazendo?
Sei o que parece. Sei que meu histórico não é dos melhores com esse tipo de
coisa. Mas Layla é diferente. O que tenho com ela, o que eu sinto por ela, é
diferente. Não estou projetando nada. Acho que o acordo me faz ser mais
verdadeiro e sincero do que o habitual em relação ao que sinto. Layla e eu nunca
tentamos ser nada além de nós mesmos.
Eu não sei. Se as coisas estão dando certo entre a gente, por que acabar?
É isso que tenho pensado em segredo. O que tenho guardado no fundo do peito
nos últimos dias. Por que as coisas têm que mudar? Por que não podemos
continuar saindo para tomar sorvete? Por que não posso me sentar no fundo da
padaria e vê-la cantar totalmente errado baladas dos anos oitenta?
Alex me olha como se eu fosse um idiota. O olhar de Charlie é parecido, com
um pouco de pena. Até Fernando parece me julgar com seus pequenos olhos de
cerâmica.
Não faço ideia de como essa droga dessa tartaruga está virada de novo.
Você precisa colocar um m nesse acordo declara Alex.
Charlie concorda.
É, cara. Não dá para construir algo sobre uma base instável assim.
Mas nossa base não parece instável. Penso na mão dela na minha, a boca abaixo
da minha orelha. No sorriso que ela abre quando entro pela porta da frente da
padaria. Compartilhei mais de mim com Layla do que jamais dividi com outra
pessoa. Pensamentos, segredos e sonhos.
Sinto que nossas peças se encaixam com perfeição.
Não sei murmuro de novo, achando o cadarço dos sapatos mil vezes mais
interessante que os olhares que estou recebendo da primeira la de carteiras da
minha sala de aula.
Você já falou disso com ela? Alex coloca os óculos de volta. Do que vai
acontecer quando o mês acabar?
Mais ou menos, acho. Algumas piadas bobas sobre não ter mais que aturar um
ao outro. Mas já faz algum tempo que não falamos dos detalhes especí cos. A
resposta deve estar estampada no meu rosto, porque Alex suspira de novo,
decepcionado.
Tento me defender.
Eu ia falar.
Ah, é? Quando?
Domingo, talvez. Se ela mencionasse antes.
Charlie olha de soslaio para Alex, um tanto irritado. Está usando um terno de
três peças, o colete por cima da camisa social que parece mais cara do que tudo
que tenho no meu guarda-roupa. Os punhos da camisa estão dobrados, e o paletó
está pendurado no encosto de uma das cadeiras. Espero que não seja aquela em
que Tyler escreveu pênis setenta e cinco vezes. Não parece ser o tipo de terno que
lida bem com transferência de tinta.
O que o Alex está tentando dizer… Charlie limpa a garganta de forma
signi cativa. É que é óbvio que os seus sentimentos pela Layla são verdadeiros.
E, se você quiser ter algo de verdade com ela, precisa falar desse acordo primeiro.
Não pode só continuar do jeito que está… toda essa bobagem de praticar. Você
precisa ser sincero com ela e dizer que quer mais. Acabar com o acordo pra
começar algo novo. Partir para o jogo real.
Não sei por que isso parece tão difícil para mim. Talvez seja medo de que a Layla
ria na minha cara. Ou que diga que não sou o que ela quer. É mais fácil car só na
esperança.
Não posso só continuar de boca fechada e torcer pelo melhor?
Alex dá um sorriso torto.
E isso já funcionou pra você antes? Quando estreito meus olhos para ele,
Alex ergue as mãos e suspira. Não, Caleb, você não pode fazer isso. Diga a ela
como você se sente. Como você se sente de verdade. Olhe só como você tem se
comportado. Nas últimas semanas, anda por aí como se estivesse utuando.
Parece até… até…
Até alguém que acabou de aprender a se masturbar completa Charlie com
a boca cheia de arroz. Você sempre foi um cara feliz, meu amigo. Mas agora
atingiu outro patamar.
Reviro os olhos e me volto para Alex.
E se engulo em seco e reorganizo as canetas na minha xícara. E se ela
não sentir o mesmo?
A minha esperança era a de ignorar esse momento. Se eu nunca tocasse no
assunto, talvez não tivesse que me decepcionar.
Alex suspira.
Seja sincero com ela. Diga o que você quer, mas controle um pouco suas
expectativas, tá? Lembre que tudo isso foi um acordo entre vocês dois. É normal
que os sentimentos sejam um pouco exagerados. Vocês estavam procurando
algum tipo de solução.
Franzo a testa, percebendo o que ele deu a entender.
Você não acha que ela sente o mesmo?
Charlie e Alex trocam outra série de olhares que não consigo interpretar.
Charlie fala alguma coisa e faz um gesto complicado com as mãos. Alex arregala
os olhos, então os dois se perdem em sussurros furiosos. Não é muito diferente
das duas garotas do time de so ball que se sentam nesses mesmos lugares durante
a aula de espanhol.
Isso não me dá muita esperança.
Mas o que é que está acontecendo com vocês dois?
Eles param de repente. Alex olha para mim, mas Charlie olha para o teto, os
lábios em uma linha na.
Fale com a Layla.
QUASE PERCO A coragem.
Layla desce os degraus da casa dela no domingo à tarde com um vestido rosa
pastel com mangas que deixam os ombros à mostra, a luz do sol dançando em sua
pele. Um lenço vermelho-cereja no cabelo. A cesta de piquenique no braço. Ela
está parecendo uma das balinhas de coração que vêm em uma caixa de Dia dos
Namorados, cada uma com uma mensagem. Você é como um sonho, a dela diria.
Fique comigo.
Ela solta uma gargalhada quando abre a porta da frente do carro e vê minha
tentativa fracassada de fazer um bolo de morango no banco do passageiro. Eu
queria adoçá-la, talvez, para essa conversa. Achei que um bolo poderia ajudar. Mas
superestimei minha capacidade.
O que é isso?
Franzo a testa.
É um bolo de morango.
É um bololô de morango, isso, sim diz ela com um sorriso malicioso que
tenho vontade de morder. Ainda assim, ela é cuidadosa ao tirá-lo do assento e
colocá-lo no banco de trás, ao lado da cesta de piquenique. Layla entra no carro e
dá um beijo estalado na minha bochecha. No caminho até aqui, eu disse a mim
mesmo que não iria beijá-la até que tivéssemos a conversa. Não iria tocá-la até
saber em que pé estamos. Não adiantava tornar as coisas mais difíceis para mim.
Mas, no meu coração, deve estar escrito Sou louco por você. Inclino meu rosto
em direção ao dela e pego seus lábios com os meus, minha mão passando por
baixo de seu cabelo para brincar com a ponta do lenço vermelho-cereja. Eu o
enrolo na mão e puxo, sorrindo quando ouço a respiração dela falhar.
O acordo termina hoje, mas não precisamos terminar outras coisas. Por mais
que a abordagem de Charlie e Alex não tenha sido nada sutil, eles estavam certos.
Se eu quiser ter uma chance verdadeira de algo duradouro com Layla, precisamos
ter uma conversa sincera.
Mas tenho di culdade em expressar esses pensamentos quando parece que tudo
está correndo tão bem entre nós. Quanto mais adentramos na Lovelight, mais
minha ansiedade aumenta. Quando chegamos aos campos e ela está me puxando
até o lago no extremo da propriedade, meus pulmões estão apertados e meu
coração está acelerado. Observo a saia rosa do vestido esvoaçar em torno das
coxas, os saltos que ela dá para pular os vegetais que Becke plantou ali no início
da temporada. Aperto a alça da cesta e tento me recompor.
Ela sabe quem eu sou. Ela gosta de quem eu sou, repito como um mantra. Nossas
peças se encaixam. Não vai ser como todas as outras vezes.
Layla começo, mas deixo o vento levar o resto do meu pensamento.
Ela olha para mim por cima do ombro e quase perco o fôlego. A luz do sol que se
põe devagar e o ouro reluzindo no colar que ela tem no pescoço. Uma brisa suave
que serpenteia pela grama alta e levanta a ponta do cabelo dela. Vaga-lumes que
ganham vida no campo ao nosso redor, saindo dos salgueiros como pequenas
estrelas caídas.
O quê? pergunta ela.
Sacudo a cabeça e engulo as palavras. Só preciso de mais alguns minutos.
Nada. Limpo a garganta: Aqui está bom para a gente car?
Está, sim. Ela gira em um círculo, a saia esvoaçante e a cabeça inclinada
para trás para olhar o céu. É tão linda que meu coração marca um único e doloroso
baque bem no centro do meu peito.
Olho para o chão e estendo a manta.
Você vai tirar sarro do meu bolo de novo?
Depende do sabor. Ela se abaixa bem ao lado de onde estou ajoelhado,
com o cotovelo apoiado em meu ombro e a boca em meu ouvido. Um sorriso
surge no canto de seus lábios. Às vezes, as coisas mais saborosas podem não ser
as mais bonitas.
Tenho certeza de que é conversa ada dela, mas, mesmo assim, co agradecido.
Tiro o braço dela do meu ombro e dou um beijo rápido na parte interna de seu
pulso, sem pensar. Meus lábios se demoram e depois me afasto como se ela tivesse
me queimado.
Ela me olha xamente, a confusão estampada em seu rosto. Segura o braço junto
ao peito, a ponta dos dedos roçando o local onde minha boca tocou.
Estou fazendo tudo errado. Não consigo descobrir o que quero dizer nem como.
Seria melhor ter feito anotações e as colocado na cesta.
Ei. Os dedos de Layla estão hesitantes quando ela se aproxima de mim e
traça, sem pensar, um desenho no meu antebraço. O que houve? Você está
meio estranho.
Eu sei murmuro. Passo a mão no rosto e a mantenho no queixo, o olhar
cansado enquanto olho para ela. Layla se mantém rme, me encarando com seus
penetrantes olhos cor de avelã. Deixo a mão cair e tento ser sincero. Preciso
falar com você.
Tá. Eu a observo enquanto se prepara, se sentando na manta com um
pequeno espaço entre nós. Ela segura os cotovelos, o corpo curvando para a
frente. O que foi?
Eu…
Não quero mais que nossos encontros sejam um acordo. Quero ser tudo para você,
minha mente elabora. Assim como você é tudo para mim.
Quero terminar o acordo.
Ela assente, um único cacho escorregando do lenço em seu cabelo e caindo em
seu rosto. Ela o empurra para trás com a mão.
Tudo bem. Esse era o plano, não era? Estava quase completando um mês, eu
acho.
Faz um mês hoje respondo. Ela pisca algumas vezes, os cílios trêmulos.
Preciso me controlar para não gritar as coisas como um lunático. Inspiro fundo
pelo nariz e solto o ar devagar pela boca. Tento de novo. Completou um mês
hoje e eu quero encerrar o nosso acordo.
Ah diz ela. Se eu não estivesse observando com tanta atenção, não notaria
a mudança em sua expressão. O lábio inferior se retorcendo e o rápido lampejo de
dor em seus olhos. Ela ergue os ombros, se preparando. Ah repete.
Eu estava pensando que talvez a gente pudesse…
É claro interrompe ela depressa, as mãos na saia do vestido. Ela cerra os
punhos e depois volta a abrir. Pela primeira vez, noto os pequenos morangos
pintados em suas unhas. De um rosa bem, bem fraco. É claro, você tem razão.
Precisamos encerrar o acordo.
Ela não está olhando para mim, os olhos mirando algum lugar em seus joelhos.
Acabei de dizer exatamente a mesma coisa, mas sua voz soa estranha. O sorriso
também parece estranho, frágil e destroçado.
Certo. Eu…
Eu não sabia que já havia se passado um mês. Achei que estava perto, mas…
Ela balança a cabeça e morde o lábio inferior rapidamente. Me desculpe. Faz
tempo que você estava esperando pra ter essa conversa? Não quis prolongar as
coisas.
O quê?
Você deve estar ansioso pra voltar a procurar por aí.
Olho por cima do meu ombro. Tudo o que vejo são campos dourados, um
grande celeiro vermelho ao longe, perto da estrada.
Procurar o que por aí?
Ela en m me olha nos olhos. Está me observando com atenção, o olhar vagando.
Acho que Layla nunca me olhou desse jeito antes.
Uma namorada diz, estremecendo de leve. De verdade, dessa vez.
Algo brusco e feio me revira por dentro, e preciso engolir em seco três vezes
seguidas antes de conseguir pronunciar alguma coisa.
De verdade repito com a voz fraca. Tudo o que senti por Layla foi o mais
próximo da verdade que já cheguei. Dessa vez.
Ela concorda e brinca com a ponta do lenço em seu pescoço. Movimentos
inquietos e distantes.
Sinto muito por não ter percebido antes e você ser obrigado a falar isso.
Parece que o nosso acordo já estava incomodando você há algum tempo.
Incomodando há algum tempo. Toda vez que fecho os olhos, vejo Layla. Toda
vez que me viro na cama, sinto sua pele nua na ponta dos meus dedos. Toda vez
que vejo esta maldita data em meu calendário, meu peito se aperta e me esqueço
de como respirar. Se está me incomodando, é porque eu quero mais. Quero todas
as partes que ela me deu e o restante também. Quero cada sorriso, cada croissant,
cada toque de sua mão na minha. Quero andar de patins e tomar sorvete
derretendo e escorrendo pelos dedos. Comer nachos nos campos.
Layla no meio da minha cozinha, com um grande sorriso e farinha nas mãos.
É consigo dizer. É verdade.
Ah diz ela mais uma vez, mais baixo. Isso é, hum… Seus olhos se
desviam de mim para a pilha organizada de potes ao nosso lado. Seus ombros se
curvam para trás e ela começa a recolher os itens que acabou de tirar da cesta:
xícaras, pratos e o que parece ser a mesma garrafa de champanhe que comprou
todas aquelas semanas atrás na loja de bebidas, uma garrafa laranja com lacre de
papel-alumínio dourado. Quando ela pega a caixa de doces, eu a seguro pelo pulso
para impedi-la.
Layla, me ouça só por um segundo. Estou nervoso e não estou… não estou
conseguindo me explicar muito bem.
Ela se solta e puxa a caixa de guloseimas para mais perto. Então segura a caixa
contra o peito, como se fosse uma armadura. Como se quisesse desaparecer ali
dentro.
Você não precisa explicar nada.
Layla…
Por favor, Caleb, não explique nada.
Por quê?
Porque está tudo bem, eu entendo. Você não precisa… não precisa me dizer
que não sou a pessoa certa pra você. Ela se afasta de mim e alisa a manta
estendida no chão. Observo a saia dela voar ao sabor do vento, meu cérebro preso
na frase a pessoa certa pra você. Ela se repete como um disco arranhado até que as
palavras percam o sentido. Acho que eu não estava pronta pra isso completa
ela em um sussurro. Não faço ideia se era para eu ter ouvido ou não.
Eu não estou… Espere aí. Estico a mão e a ponta dos meus dedos roça na
barra de seu vestido. Cerro o punho. Não estou terminando com você.
Eu sei, você está terminando o acordo.
É, eu quero terminar o acordo, mas… Suspiro, frustrado. Estamos
rodando em círculos. Talvez Charlie estivesse certo quando disse que eu deveria
praticar em frente ao espelho. Eu estava pensando que talvez a gente pudesse
começar algo novo.
Suas mãos congelam em meio ao movimento por meio segundo, pairando sobre
os potes. Não consigo ver seu rosto encoberto pelo cabelo. Mas posso sentir cada
segundo silencioso como um al nete espetando minha pele. Expectativa, do pior
tipo.
Não sei diz ela devagar. Concordamos que seria um mês. E já se passou
um mês.
Não podemos acrescentar mais um? Arrasto os nós dos dedos pelo braço
dela. Odeio o tom de súplica em minha voz. Engulo em seco. Eu quero tentar
com você.
Ela arregala os olhos cor de avelã. Seu lábio inferior treme, e eu quase rasgo a
manta ao meio. Não quero que ela chore. Não quero que ela chore por minha
causa.
Não sei se eu consigo responde ela, por m.
Por que não?
Porque… Ela olha por cima do meu ombro, as mãos nos cotovelos, se
envolvendo em um abraço. Porque isso está indo além do que concordamos.
Eu nem estou mais avaliando você, Caleb. Era pra ser fácil e divertido, mas
agora…
Ela para no meio da frase e cerra o maxilar. Os nós dos dedos estão brancos de
tanto apertar os braços.
O quê? pergunto. Mas agora o quê?
Fico no limite da incerteza, a respiração presa. Eu me sinto como se estivesse de
novo no escape room e o cotovelo dela tivesse ido direto no meu olho, na minha
garganta no ponto macio e pulsante dentro do meu peito, que parece estar
sendo rasgado. Não consigo dizer mais nada, a angústia bloqueando minha
garganta.
Sei que tenho o hábito de projetar meus sentimentos, imaginando coisas que
não existem. Mas não acho que seja isso. Parece algo completamente diferente.
Layla cou chateada quando pensou que eu estava cancelando o acordo. Achei
que isso pudesse signi car que ela sentia o mesmo que eu. Mas talvez fosse ela
quem queria terminar tudo comigo antes? Não estou entendendo.
Não estou entendendo repito, dessa vez em voz alta.
Ela inspira fundo. Expira, trêmula. Olha para cima, os olhos encontrando os
meus, e depois desvia o olhar, encarando os dedos que se contorcem em seu colo.
Nunca vi Layla Dupree se encolher dessa forma. Isso não combina com ela.
Tudo com você parece fácil demais. Acho que vou car sempre esperando
pelo pior. Sempre quis viver algo assim, mas não… eu não sei se consigo con ar
em mim mesma conclui com um sussurro. Eu… Ela olha para cima e
pisca algumas vezes. Eu não sei fazer isso.
Layla. Seu nome escapa da minha boca. Claro que sabe, você já está
fazendo isso.
Não tenho tanta certeza. Ela passa uma mão trêmula sob o nariz e expira
com di culdade. É mais fácil terminar isso agora, antes que evolua. Antes que
eu… antes que eu… Ela para de falar, emitindo um som agudo tão próximo de
um soluço que quase não consigo suportar. Algo sombrio e muito possessivo
desperta em meu peito. Minhas mãos doem com o esforço de não as estender para
ela.
Antes que você faça o quê? Fale comigo.
Parece extremamente importante que ela termine a frase.
Mas Layla não responde. Só balança a cabeça e coloca as mãos nos joelhos, o
lábio inferior preso entre os dentes.
Do que você tem medo? A pergunta sai de repente, guiada por uma
frustração desesperada.
Layla não hesita. Ela nalmente ergue o queixo, encontra meu olhar e sussurra:
De mim mesma.
Me ajude a entender.
Ela se ajoelha e volta a recolher todos os itens do nosso piquenique. Uma única
lágrima desce por sua bochecha, e meu peito se aperta.
Eu sempre tive um péssimo gosto pra homens. Sei que brinco com isso, mas
meu histórico é o pior, de verdade. Eu… Ela balança a cabeça, com os lábios
apertados, como se estivesse tentando não chorar. Não posso con ar em mim
mesma quando se trata desse tipo de decisão. E não quero machucar você nesse
processo, Caleb.
Estou me agarrando à manta com toda a força, tentando não a tocar. Ela coloca
os talheres enrolados no plástico- lme na cesta, os guardanapos amarrados com
um barbante vermelho. Outra lágrima cai.
Você está me machucando agora, tenho vontade de dizer.
Nada tem que mudar digo baixinho. De verdade. Só o nome que
damos a isso. Tudo o que estamos fazendo juntos… Layla, você pode con ar em
mim.
Eu sei que posso. Ela limpa embaixo dos olhos com as costas da mão e se
levanta com as pernas instáveis. O problema sou eu. Algumas partes de mim
estão despedaçadas e eu não… eu não sei como consertar isso pra você, Caleb.
Você não precisa consertar nada pra mim retruco. Eu a aceitarei por
inteiro, exatamente como ela é. Vamos encaixar nossas peças até que sejamos algo
completo, juntos, com nossas partes quebradas se transformando em algo bonito.
Ela dá um sorriso triste, a cabeça inclinada para o lado e o olhar suave.
Acho que é melhor não irmos além disso se estou… se ainda estou tentando
me descobrir. Você merece alguém que se dê por completo, Caleb.
Eu quero você.
Ela choraminga baixinho.
Sei que você se sente assim agora, eu só… Ela balança a cabeça. Eu
acho que precisamos dar alguns passos para trás. Entender o que sentimos de
verdade.
O que sentimos de verdade? Eu sei o que sinto. E agora, mais do que nunca, sei
como ela se sente também. Vejo a cada vez que olha para mim. A cada vez que
segura minha mão. Eu sei disso.
Layla.
Por favor sussurra ela , por favor, pare de dizer meu nome desse jeito.
O que eu posso fazer?
Quero que ela me diga como consertar essa situação. Quero saber como
podemos voltar aos momentos em que ela corria para me encontrar com um
sorriso radiante. Quero pegar todos os seus medos e amassá-los, fazer uma bolinha
e lançá-los no espaço. Colocar fogo neles. Quero dar um soco em todos os merdas
que a trataram como lixo. Lançá-los no espaço também.
Quero que você… Ela dá um suspiro curto. Quero que você vá até a
padaria todas as segundas, quartas e sextas. Quero que você que do outro lado
do balcão e peça um café, só com creme. Quero que você compre um croissant de
manteiga e não dê a primeira mordida até que esteja na metade da escada da
frente. Quero que tudo que bem entre a gente.
Eu me ergo e me inclino na direção dela. Seguro seu rosto, meu polegar apoiado
em seu queixo. Mais duas lágrimas caem de seus olhos e pousam nas costas da
minha mão.
Não sei se consigo fazer isso, Layla. Não sei se consigo fazer isso e não querer
você.
A expressão em seu rosto parte meu coração em dois.
Com o tempo isso vai passar. Eu prometo. Sempre passa.
Eu não acho que vá passar. Vou car do outro lado do balcão pensando nas
sardas na dobra do seu cotovelo. No som da sua risada abafada pelos meus beijos.
Na tatuagem discreta no quadril e nos patins com caveiras e ossos cruzados em
miniatura. No sorvete de creme na praia. No pacote de comida congelada no meu
olho e na ponta de seus dedos na minha pele.
Estou apaixonado.
No começo, foi devagar, com cuidado. E então aconteceu tudo de uma vez.
Sinto uma pressão bem no meio das minhas costas. Algo que torce e puxa até se
acomodar no meu peito. Layla está acostumada com pessoas que a decepcionam.
Ela está condicionada a se proteger da decepção.
Alguém já lutou por ela da maneira que merece?
Layla segura meu pulso com força e eu encosto minha testa na dela. Nossos
narizes se tocam e ela suspira, trêmula. Não sei se ela está me segurando ou me
afastando. Parece um pouco de cada.
Ainda vou ver você? Seu lábio inferior roça o meu e todo o meu corpo
estremece. Segunda, quarta e sexta?
Se é disso que ela precisa. Se é para isso que se sente pronta, se essa for a forma
de provar que sou o que ela merece ter, então serei o melhor cliente que a sua
padaria já teve.
Sim, meu bem, toda segunda, quarta e sexta.
Ficamos ali, sob a sombra de uma árvore, balançando para a frente e para trás,
abraçados. Os pássaros chamam uns aos outros dos galhos.
A grama roça em nossos tornozelos. Seus lábios estão a milímetros de distância
dos meus. Ela me segura pelos pulsos.
Posso fazer uma pergunta? Mal consigo pronunciar as palavras, vacilantes
e roucas. Antes de irmos embora?
Ela tenta sorrir, mas o sorriso falha nos cantinhos. Um som de dor ca preso no
fundo da minha garganta.
Só uma responde ela.
Limpo a garganta.
Se só posso fazer uma pergunta, tenho que escolher uma das boas.
Ela me olha xamente, lembrando nossa primeira noite juntos.
Também acho.
Passo o dedo em sua bochecha. Da última vez que disse isso, ela estava sorrindo.
Agora, ela fecha os olhos, a respiração irregular enquanto fala.
Posso beijar você? pergunto.
Ela mantém os olhos fechados e concorda.
Eu me mantenho imóvel diante dela e me pergunto como devo beijar Layla
Dupree pela última vez. Qual é a melhor maneira de fazer com que alguém se
lembre de você? Com que queira você de volta?
Pressiono meus lábios contra os dela e coloco a palma da mão em sua nuca.
Ficamos ali no espaço entre as respirações, perfeitamente imóveis, dolorosamente
imóveis. Tenho medo de me mexer. Tenho medo de permitir que o momento
acabe. Mas basta que ela se aproxime mais um centímetro para que eu me liberte
de meu cauteloso controle. Com Layla, não consigo evitar. Nunca consegui.
Inclino a cabeça e ela faz um som, algo baixo e irregular que se prende em meu
coração e me puxa. Tristeza, acho eu. Insegurança. Exalo de forma brusca pelo
nariz e a beijo mais devagar. Implorando.
Não vá embora, tento dizer. Fique comigo.
Con e em mim.
Ela afasta a boca da minha com um suspiro e pressiona as costas da mão nos
lábios. Dá um passo para longe, e depois dois, tropeçando em uma raiz de árvore.
Eu a alcanço, mas ela balança a cabeça. Pega a pilha de potes aos seus pés.
Eu… Ela aponta por cima do ombro com o polegar. Vou pra padaria.
Preciso veri car umas coisas.
En o as mãos nos bolsos.
Pode deixar. Aponto para a manta com o queixo e tento não passar a mão
nos lábios. Quero marcar a sensação dela em mim. Gravá-la em minha pele. Eu
recolho tudo.
Ela pisca algumas vezes, o lábio inferior tremendo. Parece muito distante
quando diz:
Eu sinto muito, de verdade. Gostaria de não me sentir assim.
Balanço a cabeça.
Não precisa se desculpar.
Não precisa, de verdade. Desta vez, eu fui o idiota que partiu o próprio coração.
Quando começamos esse acordo, a intenção era me ajudar a me curar desse
problema, mas, olhe só, mesma coisa aconteceu de novo.
Olho xamente para minhas botas no chão. Para a ponta da manta.
Tá bom. Eu a ouço dizer. Vejo você amanhã, né?
Ela vai me ver amanhã. Ela continuará me vendo. Meu último beijo com Layla
não será no meio de um campo com lágrimas no rosto.
Concordo e olho para ela, com a palma da mão na nuca. Aperto com força para
não ir atrás dela. Ela me encara com o lábio inferior preso entre os dentes, como se
quisesse dizer algo mais.
Mas ela não diz nada. Dá mais um sorriso triste e se vira. Ela se afasta de mim,
seu lindo vestido rosa cando vermelho-escuro sob a luz intensa.
Fico ali parado e a vejo partir.
Eu a vejo ir embora até carmos apenas eu e as árvores.
24
LAYLA

VOU QUERER UM croissant de manteiga.


Nem me dou ao trabalho de erguer os olhos do meu bloco de anotações, em que
estou fazendo uma lista dos ingredientes que preciso comprar da próxima vez que
for para Annapolis. Vou precisar de mais açúcar desta vez. E talvez laranjas em
atacado.
E, quem sabe, uma alma nova para a dona da padaria que parte o coração de
homens meigos e gentis em seu tempo livre.
Estamos sem croissant de manteiga.
Gus resmunga. Ele não costuma estar de bom humor pelas manhãs.
Então por que estou olhando para uma caixa cheia de croissants de
manteiga?
Não são pra você.
Cheguei mais cedo que o habitual e z três bandejas de croissants de manteiga.
Mantive minhas mãos ocupadas para ignorar o aperto no peito, o aperto na
garganta toda vez que pensava no rosto dele sob a luz do sol que se punha, as mãos
estendidas para mim. A dor em seus olhos conforme eu me afastava.
E isso funcionou por um tempo. Os croissants. Foi distração su ciente para me
impedir de pensar demais em tudo aquilo que eu disse ontem à tarde tudo
aquilo que ele disse ontem à tarde. Preparei uma bandeja inteira e coloquei no
forno. Fiquei observando através do vidro enquanto assavam e, no mesmo
instante, senti a pressão do silêncio da madrugada. Silencioso demais.
Fiquei ali parada, sentindo todas as minhas dores. Meu ombro, meu pescoço,
meu coração: tudo estava dolorido. Acho que a pior coisa que se pode fazer depois
de tomar uma decisão duvidosa é se dar tempo para pensar.
Então preparei outra bandeja.
E mais uma.
Tentei cronometrar para que a última fornada casse pronta na hora em que ele
chegasse, para que os croissants ainda estivessem quentes. Um péssimo prêmio de
consolação, acho eu, pela forma como agi no nosso encontro. Mas, ainda assim,
um pedido de desculpas.
Fiquei assustada com Caleb ontem à tarde, sei que quei. Quando ele se sentou
na manta e disse que tinha algo para falar comigo, pensei logo no pior. Ele disse
que queria terminar o acordo, então me senti como em todos os rompimentos
ruins que já tive, ainda pior. Depois de um mês, eu não tinha percebido quanto
havia me apaixonado por Caleb até aquele exato momento. Essa revelação não
veio com alegria, mas com o mais profundo pânico.
Acho que não estou pronta para dar ao Caleb tudo o que ele merece. Quando
disse que achava que algo estava despedaçado em mim, eu estava falando sério.
São pra quem, então?
Não são pra você, Gus.
Não estou entendendo.
A lembrança me atinge com força. A voz de Caleb, a dor quando disse Não estou
entendendo. Pisco e sacudo a cabeça. Ontem à noite, quei sentada no sofá
comendo o bolo de morango horrível de Caleb direto do pote, enquanto olhava
para a televisão sem piscar.
Não estou entendendo.
Fale comigo.
Layla…
Sobrou um pedaço do bolo na minha bancada, ao lado de uma sacola de papel
amassada que tinha um sanduíche de ovo e um buquê de lavanda meio seco.
Você pode comer um muffin de mirtilo.
Gus franze a testa.
Eu não quero um muffin de mirtilo.
Estou prestes a fazê-lo comer o muffin, queira ele ou não, nem vou dizer por
onde. Mas então ouço os sinos acima da porta anunciando a chegada de alguém.
Veri co o relógio: 7h43 em ponto. Tempo su ciente para ele pegar o que costuma
comer e ir para a escola.
Tenho que reunir toda a minha coragem para erguer os olhos do balcão. Seus
passos parecem ecoar no pequeno espaço. Casual. Controlados como sempre.
Meu olhar se xa em algum lugar ao redor de sua cintura quando ele para. Cinto
de couro marrom. Camisa de botão azul-clara. Seus óculos de sol favoritos presos
na gola. Engulo em seco e ergo meus olhos até os dele.
Oi.
Ele apoia a mão no balcão. Seus olhos castanhos estão em um tom de âmbar,
com traços dourados.
Oi.
Ficamos ali olhando um para o outro. Parece que o mundo inteiro parou. Eu o
observo como se não o visse há doze anos, e não há doze horas. Sua camisa está
amassada na parte de baixo, como se ele a tivesse tirado das profundezas da gaveta
da cômoda. A segunda de baixo para cima, talvez, onde ele guarda as camisas
bonitas para o trabalho de um lado e as camisetas velhas e desbotadas do outro. Eu
o vi abrir essa gaveta há três dias, enquanto estava nua em sua cama, com os
lençóis até o queixo. Ele estava só de calça jeans, pendendo larga da cintura. Tirou
uma camiseta velha de banda e a jogou na minha direção com um brilho perverso
no olhar. Uma sugestão na forma como suas sobrancelhas se ergueram. Acho que
nem sequer saí totalmente de debaixo dos lençóis antes que ele já estivesse me
jogando de volta na cama.
Afasto a lembrança e observo como essa versão de Caleb passa os dedos pelo
cabelo. Sua mão treme, a única indicação de que ele talvez esteja tão nervoso
quanto eu.
Procuro algo para dizer.
O que você vai querer?
Ele abre a boca e depois fecha. Desvia os olhos e olha para o cardápio acima da
minha cabeça. Algo em meu peito se rompe e tento não olhar para o balcão
repleto de croissants de manteiga.
Não importa, digo a mim mesma. Ele não precisa comer um croissant.
Acho que vou comer uma torrada com abacate. Sua voz normalmente
grave está rouca. Ele limpa a garganta e passa o polegar sobre a sobrancelha
esquerda, ainda estreitando os olhos. E um chá verde pra levar.
Não me movo nem um centímetro para pegar qualquer uma das coisas que ele
acabou de pedir. Por alguma razão, tenho vontade de chorar.
Não é o que você costuma pedir.
Ele abaixa a mão.
O quê?
Não é o quê… Você sempre pede croissant de manteiga e um café com
creme. Caleb olha nos meus olhos, procurando algo. Seus lábios se contraem
em uma expressão séria demais para seu rosto bonito, sem covinhas à vista. Não
gosto de vê-lo tão sério.
Ele também parecia sério na tarde de ontem. Sério e triste.
Sinto um aperto no peito.
Ele não desvia o olhar quando diz:
Acho que quero provar algo diferente.
Por quê?
A pergunta escapa de meus lábios sem permissão. Ele tensiona a mão apoiada no
balcão.
Porque é bom mudar de vez em quando responde ele, a sobrancelha
ligeiramente erguida, com um leve toque de rosa em suas bochechas. Esse
homem. Sempre uma contradição.
Demoro mais algum tempo olhando para ele e pego um dos copos para viagem
debaixo do balcão. Preparo a torrada, pego o chá e coloco ambos bem arrumados
na frente dele. Até alinho as bordas da torrada para que quem paralelas, do jeito
que ele gosta. Mas ele não olha para o pedido, continua olhando para mim. Acho
que, desde que entrou, não parou de me olhar nem por um instante.
E acho que também deixei de respirar desde que ele entrou.
Ele pega o pedido no balcão, a mão encontrando a minha. Meu corpo inteiro
estremece, surpreso. Sua mão grande envolve meu pulso e ele passa o polegar na
parte em que pode sentir minha pulsação, devagar, com intenção. Seu toque utua
e ele traça os nós dos meus dedos, os espaços entre eles. Sinto arrepios que sobem
até meus ombros, apesar de estar quase mil graus lá fora e de eu ter passado a
manhã inteira na frente de um forno.
Você lembra o que eu disse? pergunta, com a voz baixa. Seu polegar
pressiona o meio da minha mão. Naquele dia em que você estava assando
aquela comida toda?
Balanço a cabeça. Para ser sincera, ele já me disse muitas coisas, a maioria delas
enquanto eu estava assando alguma coisa. As rugas de um sorriso surgem ao lado
de seus olhos, como se soubesse em que estou pensando. Mas o sorriso não se
re ete em sua boca.
Eu aceito isso. É um passo na direção certa.
Eu disse que você merece coisas boas acrescenta ele baixinho. E acho
que eu poderia ser uma dessas coisas boas pra você. Tenho certeza disso, na
verdade. Você merece que alguém tente, e merece que alguém se importe com
você. Eu. Ele suspira, lenta e profundamente, o olhar tão cheio de cautela que
preciso enrolar minha mão no pano de prato velho e maltrapilho amarrado ao
meu avental.
Quero pressionar meu rosto na curva de seu pescoço e sentir o cheiro dele.
Quero seus dedos emaranhados no meu cabelo. Sinto muita saudade dele. E isso
não é assustador? De uma agonia de tirar o fôlego? Sentir saudade da pessoa que
está bem na sua frente.
Sei que às vezes sou um pouco exagerado nos sentimentos, mas acho que
pode dar certo com você. Não quero forçar você a nada acrescenta ele. Mas
quero que saiba que esse último mês com você foi o melhor que já tive. Eu devia
ter dito isso ontem à noite, mas estava ansioso e bem nervoso, e tudo saiu meio
errado. Com ou sem acordo, tudo o que senti por você, tudo o que disse pra
você… Ele balança a cabeça devagar, o sorriso en m saindo de seus olhos e
indo parar nas bochechas. Vejo um leve indício das covinhas antes que voltem a
desaparecer.
Foi a coisa mais sincera, mais verdadeira que já senti. Ele olha por cima do
ombro para a padaria meio cheia e depois de volta para mim, inclinando a cabeça
para a frente e abaixando a voz. Talvez porque Cindy Croswell está imóvel no
balcão de condimentos, com suas orelhinhas maliciosas atentas à nossa conversa.
Eu me inclino para ele, seu nariz roçando minha orelha. Meus arrepios se
transformam em um tremor de corpo inteiro. Se ele percebe, tem a decência de
não comentar.
Sei que você não está pronta agora, e tudo bem. Eu vou… vou continuar
vindo aqui. Toda segunda, quarta e sexta. É só me avisar quando estiver pronta.
Ele solta minha mão sem dizer mais nada e pega o pedido, se vira e atravessa o
pequeno salão, saindo pela porta da frente sem olhar para trás. Minha coroa de
peônias balança devagar para a frente e para trás quando ele sai. Fico olhando para
ela por um longo tempo, para o tremular das pétalas e para o arranhar da ta
contra a janela. Fico olhando e olhando e olhando, minha garganta apertada.
Gus tosse. Acho que ele não se mexeu durante todo esse tempo.
Posso comer um croissant de manteiga agora?
Pisco os olhos para a porta e volto à minha lista.
A resposta ainda é não.
STELLA ME ENCONT na despensa, sentada de pernas cruzadas em cima do saco
de farinha. Se eu tivesse o hábito de fumar, provavelmente estaria com um cigarro
pendurado na boca neste instante. Mas tudo o que consegui encontrar foi uma
embalagem velha de alcaçuz, que devoro como o grande desastre que sou.
Stella está na porta, com um halo de luz atrás de seu cabelo ondulado. Ela parece
a santa padroeira do julgamento.
Nossa, uau. Isso é… Layla, isso é um pouco demais.
Só posso presumir que esteja falando da assadeira cheia de migalhas aos meus
pés. Aquela que com certeza estava forrada com biscoitos amanteigados quando
entrei aqui. Decidi que o melhor caminho a seguir seria comer até esquecer meus
sentimentos, e comecei com o que tinha à minha frente.
Biscoitos, doces, vai saber o que mais.
É um mundo de possibilidades.
O Caleb veio me ver comento sem nenhum contexto. Stella fecha a porta
com cuidado atrás de si, nos envolvendo na escuridão e no brilho das luzes em
cordas de pisca-pisca que coloquei nas bordas das prateleiras há cerca de seis
meses. É o meu lugar favorito para um cochilo no meio da tarde.
Ou para um colapso emocional.
Tanto faz.
Ele… sempre vem à padaria.
Concordo.
Stella espera apoiando o ombro em uma prateleira cheia de sacos de farinha. Ela
passou quase uma década apaixonada pelo mesmo homem. Ninguém tem tanta
paciência quanto Stella Bloom.
Nosso acordo terminou ontem.
Já?
Dou de ombros e traço a abertura da embalagem de alcaçuz em minhas mãos.
Já faz um mês, foi o combinado.
Stella dá um passo para a frente e se aconchega na prateleira ao meu lado. Ela
tenta afofar um saco de açúcar como se fosse um travesseiro, e tudo o que
consegue fazer é com que ele comece a vazar devagar. Uma bela analogia de como
as coisas estão. Ela bufa e tenta consertar o buraco, mas só piora a situação.
Arrasto uma tigela com o pé e a coloco no lugar em que o açúcar cai. Mais tarde
arrumo isso.
É por isso que você está aqui comendo doces e biscoitos contrabandeados?
Não são contrabandeados murmuro, segurando o doce. São meus.
Obtidos de forma justa e dentro da lei.
Tá bom, bom saber disso. Mas… e o Caleb?
Suspiro e cato algumas migalhas que caíram na manga da camisa.
Será que sou uma hipócrita?
A pobre Stella nem vacila quando mudo o rumo da conversa de repente.
Layla, você é uma daquelas raras pessoas que se deixam guiar pelo coração.
Não, você não é hipócrita.
Mas não parece que meu coração está me guiando. Assim que percebi que algo
de verdade poderia rolar com Caleb, meu coração pareceu correr na direção
oposta.
Como se estivesse em uma droga de uma maratona.
Contra a equipe masculina.
Sinto que estou esperando há muito tempo pelo amor. Eu me entreguei… de
novo e de novo, e de novo. Uma vez saí com um cara que passou o caminho todo
até o restaurante tentando adivinhar meu peso. E concordei em sair com ele de
novo. Tiro outro pedaço de alcaçuz da embalagem. Estou acostumada a
torcer para o tempo passar logo e não percebi que meu mês com Caleb estava
acabando. Acho… acho que esqueci que era um acordo.
Stella procura um pedaço de alcaçuz na embalagem.
E o Caleb queria que as coisas continuassem como vocês tinham
combinado?
Balanço a cabeça.
Foi a coisa mais sincera, mais verdadeira que já senti.
Não, ele não queria. É por isso que sou hipócrita. Eu me sinto tão burra
respondo. Stella me entrega um pequeno travesseiro que ela tirou de… algum
lugar. Eu o abraço junto ao peito. Tudo o que eu sempre quis foi um
relacionamento bom e, quando encontrei um, decidi me sabotar.
O primeiro passo é admitir pra si mesma murmura Stella, ajeitando meu
cabelo atrás da orelha.
Por que eu me sabotei?
Porque você está com medo responde ela baixinho, os olhos azuis tão
amorosos. Sob o brilho das luzes cintilantes penduradas nas vigas de metal, ela
parece um anjo de Natal, algo que se encontraria em um globo de neve. E
porque você namorou um monte de caras horríveis que maltrataram você,
machucaram você. É normal sentir medo quando seu coração se deixa envolver.
Acho que eu gosto demais dele sussurro.
Stella murmura.
Como posso con ar no meu coração? A cada vez que penso que z uma boa
escolha, tudo vai pelos ares, em uma explosão das grandes. Meu coração nunca me
indicou a direção certa. Todos esses relacionamentos que fracassaram pareciam
bons no começo, sinto que tudo isso acabou comigo. Só sobraram pedaços de
mim, Stella. E tenho medo de que, se eu entregar esses pedaços para o Caleb…
Minha voz falha ao pensar nisso. Acho que não sobraria nada de mim.
É melhor me decepcionar agora que depois. É mais seguro assim, mais fácil.
Stella ca em silêncio, pensativa enquanto mastiga um biscoito amanteigado que
devo ter deixado passar.
Quantos pedaços você ainda tem?
O quê?
Os pedaços de você. Ela aponta para meu peito, bem onde está meu
coração. Quantos você acha que ainda restaram?
Pisco algumas vezes para ela.
Não sei se consigo contar quantos sobraram.
Tente.
Estou tentando.
Bom, se esforce mais.
Quero agarrar minha melhor amiga pelos braços e sacudi-la.
Stella.
Se você acha que sobraram poucos, eu entendo. Entendo de verdade, você
sabe disso. É difícil criar coragem quando sentimos que a próxima decepção vai
acabar com a gente.
Quando Luka confessou que a amava, Stella literalmente correu para as colinas.
Não acreditava que pudesse ser amada pela mesma pessoa que estava amando.
Achava que aquilo que sentia não era recíproco e cou aterrorizada pensando no
que poderia dar errado e…
De repente, a cha cai.
Ah.
Ela assente e dá outra mordida enorme no biscoito.
É isso aí.
Por que eu sinto que você tem mais alguma coisa a dizer?
Porque tenho mais uma coisa a dizer. Ela se afasta da prateleira e ca de pé
na minha frente, passando as mãos na bunda para limpar o short. Seus lábios se
curvam em um sorriso gentil e ela pega outro pedaço do doce na embalagem.
Eu ia dizer que tudo bem se você quiser proteger alguns desses pedaços. Mas acho
que precisa parar pra pensar em quantos deles ainda são seus e quantos você já
entregou ao Caleb. E con ar que, talvez, seu coração nalmente tenha encontrado
a pessoa certa pra arriscar.
25
LAYLA

ESSAS TORTAS estão horríveis.


Suspiro e resisto à vontade de bater com a testa na mesa de metal em que estão
as tortas horríveis que estou confeitando. É uma mesa reluzente, e dar com a cara
ali provavelmente deixaria um amassado muito satisfatório. Mas Stella pagou a
mais pelo polimento do metal, e eu odiaria que ela desperdiçasse dinheiro por
causa de danos causados por minha testa.
Beatrice. Eu me endireito da posição de confeitar e estico o pescoço. É um
milagre que eu ainda consiga car em pé após passar tantas horas na padaria. A
que devo o prazer?
Ela me olha da entrada, com uma pilha de biscoitos amanteigados debaixo do
braço.
É quarta-feira.
É. Esfrego a mão no local dolorido. Mas não é a terceira quarta-feira do
mês. A não ser que eu tenha entrado em um coma induzido e, de alguma forma,
tenha acordado sem saber.
Isso não seria bom? Eu adoraria dormir durante os próximos três a seis meses.
Enterrar minha cabeça num buraco até que esse aperto em meu peito desapareça.
Caleb apareceu todas as segundas, quartas e sextas-feiras no mesmo horário,
como disse que faria, como pedi que zesse. Ele ca do outro lado do balcão e
olha para o cardápio como se não soubesse de cor o que está escrito. E, quando
pega qualquer bobagem que eu tenha assado em excesso por puro estresse na
noite anterior, movimenta a mão só um pouquinho para passar os dedos na parte
interna do meu pulso, no dorso da minha mão, no meu polegar. Um toque
aparentemente inocente, mas que, combinado com seu olhar signi cativo e
paciência in nita, me faz…
Estou prestes a enlouquecer. A cada vez que ele chega, co em dúvida se devo
suspirar de alívio ou chorar. Estou dividida entre esquecer tudo o que vivemos e
pedir para começarmos de novo. Estou confusa. E chateada. E não tenho dormido
muito bem sem meu nariz pressionado em suas costas fortes, meu braço em volta
da cintura dele. Tudo isso tem se manifestado na minha falta de paciência e…
minhas tortas estão horríveis.
Beatrice ri e fecha a porta atrás de si com um movimento da mão. Ela amontoa
as caixas de biscoito de qualquer jeito no balcão, amassando os cantos. Estremeço.
Tenho certeza de que ela faz isso de propósito, porque sabe como sou meticulosa
com barbante e papelão.
E o quanto valorizo um biscoito amanteigado.
Não faça isso protesto.
Isso o quê? Ela pisca algumas vezes de um jeito inocente e abre a
geladeira, inclinando-se para inspecionar a prateleira de baixo. Faz uma careta e
fecha a porta de novo.
Você sabe.
Ela leva as mãos à cintura.
Não estou gostando nadinha do seu tom. Ela me lança um olhar que faria
qualquer outra pessoa tremer de medo. Mas, a esta altura, sei que ela tricota em
segredo e que foi ela quem fez os suéteres minúsculos para os gatos do Becke .
Não poderia ser menos assustadora nem se tentasse. O que deu em você?
Estupidez. Medo. Uma completa e total incapacidade de entender o que quero.
Uma pitada de frustração e uma boa quantidade de autopiedade.
Nada, eu estou… Passo a mão na testa e sinto o toque de algo gelado. Que
maravilha, tenho quase certeza de que acabei de passar creme de limão na testa.
Talvez eu devesse mergulhar de cara nele. Assim, vou car parecida com a
palhaça que sou.
Eu estou bem concluo.
Beatrice circunda a grande ilha em minha pequena cozinha e para bem na minha
frente. Ela é um pouco mais baixa que eu, mas o que falta em centímetros,
compensa em presença. Ela ergue o queixo, uma mecha de cabelo grisalho
roçando na bochecha. Parece uma pintura a óleo de um guerreiro antigo. Sinto
que ela deveria estar segurando uma bandeira e uma espada.
Acho que você gosta de namorar caras babacas vocifera. Ela arranca o
saco de confeitar das minhas mãos e me empurra para fora do caminho.
Endireito a postura. Ergo as sobrancelhas. Uma dose de irritação que se assoma
ao inferno em meu peito. Não durmo bem há dias, e Beatrice acha que é uma boa
ideia entrar na minha cozinha e me insultar?
Como é que é?
Ela estreita os olhos e inclina a cabeça para o lado, consertando o trabalho
horrível que eu estava fazendo ao colocar a cobertura na torta. A ideia era fazer
alguns corações, mas caram mais parecidos com fantasmas tristes. Nada mais
justo.
Beatrice não ergue o olhar.
Isso mesmo que você ouviu.
É, eu ouvi.
Então qual é a dúvida?
Hum, minha primeira pergunta é: do que é que você está falando? Dou
uma bundada nela para que saia do caminho, mas ela dá a volta para o outro lado e
puxa a bandeja junto. A segunda pergunta é: por que é que está falando disso?
A rede de comunicação todinha está falando disso murmura ela. E
você não devia fazer trabalhos que exigem habilidade quando está acabada desse
jeito acrescenta, falando mais alto.
A rede de comunicação? Não vale a pena mencionar o comentário sobre
estar acabada, ela está certa.
Beatrice ergue a cabeça com um suspiro.
É, a rede de comunicação. Já ouviu falar?
Eu conheço, mas não recebi nenhuma mensagem desde…
Tento lembrar. A última mensagem que recebi falava alguma coisa da nova pizza
de frango ao pesto na pizzaria do Ma y. Luka ligou para Jesse no bar, que ligou
para Dane, que com certeza cou chocado com a notícia, considerando que ele
dorme na mesma cama que Ma y todas as noites, que então ligou para Susie, que
então me ligou. Isso deve ter sido…
Paraliso quando me dou conta, de repente. Não recebi uma única mensagem
desde que Caleb e eu começamos o acordo. Caleb mencionou há algumas
semanas que não estava recebendo nenhuma notícia, e eu sei que Darlene adora
encher a cabeça dele com informações bobas. Beatrice ri de novo, baixinho, se
divertindo.
A cha caiu?
É sério que ninguém tem nada melhor pra fazer nessa cidade do que car
passando adiante fofocas sobre pessoas que podem ou não estar namorando?
Não acredito que você precise fazer essa pergunta responde Beatrice. E
eram vocês que insistiam que não estavam namorando. Para a gente, parecia muito
um namoro.
Tudo bem, eu… Ainda estou tentando assimilar tudo, mas meu cérebro
volta para o início dessa conversa injusta. Espere aí, volte um pouquinho.
Achei que você ia querer voltar mesmo.
Não gosto de namorar babacas.
Ah, gosta, sim.
Não, não gosto. Foi por isso que aceitei sair com o Caleb, pra começo de
conversa. Queria tentar algo diferente. Queria me sentir bem, pelo menos uma
vez.
Beatrice coloca o saco de confeitar no balcão e move a torta nalizada para a
bandeja em que eu as estava alinhando. Ela pega outra torta, mas não tenta
consertar as linhas tortas. Só passa algum tempo olhando para ela, depois a gira
para a esquerda e para a direita. Então a coloca com delicadeza ao lado da torta
perfeita.
E você ainda está namorando o Caleb?
Meu coração acelera. Parece que estou naquele campo de novo, no dia do
piquenique, vendo o rosto dele franzir em confusão, e depois assumir um ar de
frustração ao compreender tudo. Como se tivesse previsto aquela situação muito
antes. Como se os termos de nosso acordo fossem tudo o que poderíamos ter.
Não. Minha voz falha no início e no m dessa palavra tão curta.
Então o que eu disse ainda é verdade. Beatrice empurra a bandeja de volta
em minha direção e pega uma de suas caixas jogadas. Ela a abre e retira um
biscoito amanteigado quadrado e perfeito. Coloca-o na frente dela e pega outro
saco de confeitar que eu não me preocupei em encher até o nal.
Você gosta de sair com esses caras babacas e idiotas porque é mais fácil. É
mais fácil ter um homem estúpido que a decepcione do que um homem bom que
parta seu coração.
Pisco uma vez e depois duas. Apoio os dedos na assadeira.
Você acha que eu estou com medo?
Acho.
Algo em meu peito se agita e depois silencia. A compreensão, parece. O silêncio
aumenta entre nós enquanto co parada ali, Beatrice ainda se dedicando aos
biscoitos que trouxe. Acho que, do seu jeito teimoso, agressivo e rabugento, ela
veio me fazer companhia.
Eu a observo trabalhar e as palavras escapam.
Eu não quero mais sentir medo sussurro. Quando isso vai passar?
Beatrice sorri e me entrega o biscoito no qual estava trabalhando. Uma or com
pétalas roxas que se estendem para cima e para cima, para um céu invisível.
Becke já me ensinou o su ciente sobre ores para que eu saiba que essa oresce
nos meses de verão. Uma or teimosa que pode desabrochar várias vezes se
sobreviver aos meses frios do inverno.
Esse é o problema de se apaixonar. É dar o passo em falso, confuso e
deselegante em direção ao centro do caos. A sensação nem sempre é boa. É como
cair. Ela pega outro biscoito amanteigado com um sorriso no canto da boca.
Seus olhos estão distantes, vidrados pela lembrança. Eu me pergunto em quem
está pensando com essa expressão no rosto.
Por quem Beatrice se apaixonou. Quem a fez cair.
Você só precisa con ar que a pessoa por quem se apaixonou é inteligente o
bastante para segurar você antes que bata no chão e se machuque sério.
ELE SE AT SA na segunda-feira.
Treze minutos.
Tento não passar o tempo todo olhando para o relógio, mas estou muito
nervosa. Fico apertando o tecido do avental, amarrando e desamarrando o lenço
no meu cabelo. Na terceira vez que o tiro e passo entre os dedos, Gus faz tsc-tsc do
sofá no canto, o mais distante. Ele se senta ali todas as manhãs como uma gárgula
mal-humorada, comendo todos os croissants de manteiga que Caleb abandonou e
tecendo comentários que com certeza deve achar divertidos, mas que, na verdade,
só servem para me deixar ainda mais agitada.
Ele nem vai ligar para o que você está vestindo dispara Gus. Minhas
bochechas queimam de vergonha e olho na direção dele. Ele dá de ombros e ergue
as mãos. É só o que eu acho.
É, você sempre diz o que acha, mas ninguém quer saber.
Muitas pessoas querem saber o que eu acho.
Continue se enganando.
Caleb aparece sete minutos e dois lenços de cabelo depois. Vejo o topo de sua
cabeça enquanto ele se move pelo denso conjunto de árvores que circunda a
padaria. Cabelo bagunçado, como se tivesse passado as mãos por eles muitas
vezes. Meu coração acelera na mesma hora e pressiono a palma da mão contra o
peito. Não deve ser saudável me sentir assim toda vez que vejo o rosto dele.
Mas é o que temos para hoje.
Ele dobra a esquina, onde um belo abeto azul estende seus galhos como braços
abertos a árvore que Luka apelidou de Spruce Springsteen , enquanto njo
reabastecer os canudos de papel com listras vermelhas ao lado da caixa
registradora. Ele ajusta a alça da mochila em seu peito e inclina a cabeça para
baixo, sorrindo para alguma coisa, para alguém, me dou conta. E é então que a
vejo.
Emma Waterson. A professora de inglês da oitava série. Colega de trabalho de
Caleb. A colega de trabalho de Caleb, muito bonita, que deve ser bem centrada e
ter todas as emoções no lugar.
Eles caminham pelas árvores lado a lado e param no primeiro degrau. Como
alguém que parece adorar se torturar, continuo olhando, paralisada com um
punhado de canudos a meio caminho do pote. Observo quando Emma avança em
direção a ele, inclina a cabeça para trás e gesticula alguma coisa. Observo o rosto
de Caleb se contorcer em diversão, a leve inclinação da cabeça para a direita que
me diz que ele está, de fato, prestando atenção. Curioso e sincero, e todas as coisas
adoráveis que fazem de Caleb quem ele é.
Enquanto isso, tenho a sensação de que engoli bolinhas de gude. Uma dor de
cabeça ameaça surgir na base do meu pescoço. Estou dividida entre me esconder
embaixo da bancada e me jogar pelos degraus da frente. Acho que é com isso que
preciso me acostumar, com essa sensação de ferro quente bem no centro do meu
peito. Deve ser ciúme, com uma pitada de arrependimento.
Mal consigo colocar os canudos no lugar antes de ouvir a gargalhada de Caleb.
Ouço através do vidro grosso das janelas. Quente e grave, divertida. Posso contar
nos dedos de uma só mão as vezes em que ouvi Caleb gargalhar, e todas foram
comigo. Guardo cada uma dessas lembranças em um lugar secreto e sagrado perto
do coração: para mim, e só para mim.
E agora ele está gargalhando com outra pessoa.
Toda a minha determinação ardente de seguir em ente tropeça e cai de cabeça
em meu coração partido.
Olho para o balcão quando ouço o barulho do sino acima da porta. Passos
pesados e o cotovelo dele batendo em um dos potes de vidro transparentes com
biscoitos. Ele sempre esbarra ali, não importa quantas vezes eu afaste o pote para
não car no caminho.
Oi, Layla.
Sua voz é calorosa, amigável.
Mantenho os olhos rmes no balcão e cutuco alguns dos canudos que deixei
cair do pote.
Oi respondo, uma tempestade de sentimentos. O que eu posso
oferecer a vocês dois?
Não tenho por que car chateada, eu disse a Caleb que nosso acordo havia
terminado. Ele está livre para fazer o que quiser. Emma é linda, gentil e uma
excelente escolha para tudo o que Caleb tem a oferecer. Ela é exatamente o que ele
merece. E deve ser bem o que ele está procurando.
Mas aposto que os croissants dela têm gosto de lixo.
Dois? Caleb parece confuso.
Eu consigo olhar para cima até a altura de seu queixo. Mantenho meus olhos
rmes ali, sem querer olhar para outro lugar.
É, o que posso oferecer a vocês dois?
Ah, ah… Observo enquanto ele passa a mão do ombro até a nuca, a
palma grande massageando os músculos. Um tique nervoso de quando não sabe
direito o que dizer. Eu estou sozinho, mas poderia pedir dois de alguma coisa,
se você quiser.
Olho nos olhos dele.
Cadê a Emma?
Caleb olha para mim como se eu tivesse acabado de perguntar o horóscopo do
dia.
O quê?
A Emma explico devagar. Não acho que a imaginei com ele, mas não ando
dormindo muito bem. A mulher com quem você estava rindo lá fora.
Ah. Ele olha por cima do ombro. Ah, sim. Eu encontrei com ela
quando estava chegando.
Hum.
Ele se vira de volta para mim e observa minha expressão. Não tenho espelho,
mas deve ser um misto de Acabei de comer um biscoito que achava que era de gotas
de chocolate, mas era de aveia com passas e Os biscoito no pote acabaram.
Seus olhos se estreitam.
Que som foi esse?
Que som?
O hum.
Dou de ombros e tento suprimir a dor que aumenta quanto mais eu olho para
ele.
Não foi nada, foi só um som que eu z. Pego um copo de papel debaixo
do balcão com força demais. Quando o solto, está amassado de um dos lados. Eu o
jogo na lata de lixo e pego outro. Você quer chá ou café?
Quero saber por que você está tão chateada.
Não estou chateada. Minha voz oscila no m, como a traidora que é.
Layla.
Ótimo, vou pegar um café pra você.
Layla diz ele de novo, a voz mais suave dessa vez. Ele me segura pelo pulso
antes que eu possa me dirigir até a máquina de café expresso. Aperta de leve e eu
ergo o queixo, com a intenção de criar uma máscara de absoluta indiferença. Mas a
sensação quente, vergonhosa e feia em meu peito se espalha quanto mais eu olho
para ele, e sinto meu lábio inferior tremer. Ele olha para baixo e xa o olhar. Seu
corpo inteiro desaba, curvando-se em minha direção.
Layla repete ele, dessa vez em tom de súplica.
Não. Puxo a mão para fora de seu alcance. Não sei para o que estou
dizendo não. Este dia, talvez. Toda essa situação. Esse ciúme, essa tristeza e a
sensação permanente de que estou sempre indo na direção errada. Quero parar de
ter medo, mas não sei como. Quero acreditar no que Beatrice disse sobre con ar,
mas não sei como. Quero aceitar que talvez eu tenha en m escolhido o homem
certo, mas não sei como.
Limpo a garganta.
Tenho bolo de café na cozinha digo em voz baixa. Já volto.
Desapareço pela porta antes que ele possa dizer mais alguma coisa. Aqui é mais
fácil pressionar as mãos contra a testa e tentar juntar os pedaços dispersos de mim
mesma. Inspiro fundo e tento contar até doze. Tento canalizar alguns daqueles
vídeos antigos de ioga que enviei para Stella há muito tempo.
Isso vai desaparecer, não é? Essa sensação? Tem que desaparecer.
Layla, espere um segundo. Eu quero…
Caleb entra com tudo pela porta dos fundos e esbarra em mim, nós dois
desabando contra a ilha. Da última vez que estivemos aqui, ele me encostou na
parede ao lado da geladeira, com o braço embaixo da minha bunda e a boca no
meu pescoço. Beijos molhados e chupões que me marcaram por dias.
Acho que ele também se lembrou disso, porque sinto sua respiração trêmula em
minha nuca enquanto ele me segura com rmeza, as mãos apertando meus braços
com suavidade. Estamos pressionados um contra o outro dos ombros até o
quadril, seu peito nas minhas costas.
Ficamos ali juntos, respirando. Faz quase uma semana que ele não me toca de
forma nenhuma, e não consigo acreditar no quanto já tinha me esquecido. A
sensação de quando ele encosta a cabeça em meu pescoço, de como é bom, rme
e quente.
Layla. Ele sopra meu nome logo abaixo da minha orelha, o nariz me
tocando. Envolve minha cintura com os dois braços e me aperta. Por que você
está chateada?
Não estou respondo na mesma hora, com a voz embargada e as mãos
trêmulas. Eu deveria me soltar de seus braços. Deveria agir como se estivesse bem.
Mas não consigo. Não consigo.
Você está. Por quê?
Porque vi você com outra pessoa e não gostei, penso. Porque não sei como deixar de
ter medo.
Eu não sei respondo. Uma mentira. Não estou. Outra mentira.
Ele se afasta com um suspiro, mas mantém as mãos rmes em meus braços.
Caleb me vira até que eu não tenha escolha a não ser olhar para ele. A linha severa
das sobrancelhas e os lábios apertados em uma linha na.
Quero passar meu polegar sobre elas até que desapareçam.
Quero que ele saia da minha cozinha e nja que esta manhã nunca aconteceu.
Não sei o que quero.
Por que você não pode me falar a verdade?
Eu estou falando a verdade.
Estremeço no m da frase. Não estou falando a verdade, nem um pouco. Estou
sendo covarde mais uma vez.
Caleb me aperta e depois relaxa as mãos.
Você cou chateada porque me viu com a Emma?
Não. Sim. Desejo que vocês sejam felizes juntos. Espero que use todas
as dicas e truques que aprendeu durante nosso tempo juntos.
Eu me sinto mal só de dizer isso. É grosseiro e maldoso, e não é como me sinto
de fato, mas estou confusa. Eu me sinto como se estivesse em uma máquina de
lavar, girando de um lado para o outro. Caleb dá meio passo para trás e me olha
como se eu tivesse dado um soco em sua cara.
É isso que você acha? Ele esfrega o rosto com a palma da mão. Acha
que eu consigo encontrar outra pessoa fácil assim? Que tudo o que queria de você
eram dicas e truques?
E não era? Dou a volta até que haja uma tigela e um metro e meio de
balcão entre nós. Você disse que queria ser melhor em encontros. Então vá, se
jogue e faço um gesto estranho com a mão aproveite.
Ele cerra o maxilar, os olhos ardentes. Não diz nada por um longo tempo até que
en m começa a falar, a voz baixa, quase sem conseguir se conter.
Não era só isso que eu queria de você.
O quê?
Ele caminha ao redor do balcão, o queixo erguido, ombros para trás. É de tirar o
fôlego em sua calma, em sua con ança.
Não era só isso que eu queria de você repete, soando calmo, avançando
até que eu tenha que inclinar a cabeça para trás para encará-lo. Não sugeri
começarmos isso tudo porque eu queria dicas, Layla. Eu gostava de você. Desde o
começo.
Eu…
A Emma é a m de outro professor da escola… o Gabe interrompe Caleb.
Faz semanas que ela tenta criar coragem pra falar com ele. E a sala dele ca
duas portas depois da minha. Ela para na minha sala quando ca nervosa e puxa
assunto comigo. Por acaso, ela estava ali fora quando eu ia entrar na padaria hoje
de manhã e achou melhor pedir desculpas por passar na minha sala tantas vezes.
Ela nalmente falou com o Gabe na sexta, eles vão sair pra jantar essa semana.
O alívio faz meus joelhos fraquejarem. Procuro algo por cima de seu ombro para
olhar, enquanto o constrangimento domina minhas bochechas. Caleb se
aproxima, segura meu rosto e guia meus olhos de volta para os dele.
Pare de me tratar como se eu fosse o cara com o removedor de apos ou o
cara do bar na praia. Pare de agir como se você fosse alguém de quem eu pudesse
me afastar. Não quero estar em nenhum outro lugar que não seja com você. Ele
passa o polegar pelas minhas bochechas vermelhas, os olhos cando mais suaves.
Não subestime quanto tempo posso esperar por você.
Eu não…
E, por favor, não minta pra mim.
Fecho a boca.
Ele desliza a mão para a parte de trás da minha cabeça e me observa com
cuidado, em silêncio, os olhos observando cada centímetro do meu rosto. Ele
suspira e me puxa para a frente, dando um beijo rme no meio da minha testa.
Meus braços estão soltos nas laterais do corpo. Meu coração está em algum lugar
em minha garganta.
Eu sinto saudade de você diz em um sussurro rouco em minha pele, quase
como se eu não devesse ouvir essas palavras. Um suspiro surge do fundo de seu
peito e ele me solta. Dá dois passos para trás e olha para a porta.
Agora só depende de você, Layla, o que vai acontecer daqui para a frente.
Ele esfrega os nós dos dedos no peito e dá um tapinha em cima do coração. Como
se estivesse tentando desfazer um nó. Olha de novo para mim, com um sorriso um
tanto triste. Só depende de você repete.
Então me dou conta do que estava esperando quando o vi lá fora com outra
pessoa. O que eu achava que queria, mas que, na verdade, não quero de jeito
nenhum.
Caleb vai embora e eu co sozinha.
26
CALEB

ACORDO COM O barulho de panelas e frigideiras na cozinha.


Por um único e doloroso instante, penso que pode ser a Layla, usando a chave
que guardo embaixo do capacho da entrada. A chave que mostrei para ela dois
dias antes de tudo ir por água abaixo e disse, gaguejando, balbuciando, que ela
poderia usar quando quisesse.
Viro de um lado para o outro na cama e me deixo levar pela fantasia. Eu me
imagino descendo a escada e encontrando Layla perto do fogão, com a camiseta
grande e macia que ela gostava de roubar da minha gaveta. Nada por baixo. Meu
queixo em seu ombro e meu braço em volta de sua cintura. Uma música tocando
baixinho no rádio. Café quente na bancada. A luz do sol entrando pelas janelas e
seu sorriso como uma marca em minha pele.
Mas então ouço os sons abafados da novela uma sequência de xingamentos
em espanhol e o arrastar dos chinelos de dentro de casa da minha avó contra o
chão limpinho e enterro o rosto no travesseiro.
Abuela digo assim que consigo reunir forças para sair do quarto, olhando
para as quatro panelas que ela já está preparando no fogão. Dou um beijo em cada
bochecha dela e vou direto para a máquina de café. O que está fazendo aqui tão
cedo? pergunto em espanhol.
No es temprano responde ela. Não está cedo. Ela se vira para mim e ergue a
sobrancelha. Onde está sua camisa?
Solto uma risada e aponto com a cabeça para o casaco pendurado no encosto de
uma das cadeiras da cozinha. Estou surpreso que ainda esteja aqui e que ela não
tenha tentado lavar todas as roupas que encontrasse pela frente. Eu o visto sobre o
peito nu e fecho o zíper até a metade.
Melhor assim?
Sí. Ela me entrega um prato cheio de ovos, chouriço e tetelas, triângulos
recheados com feijão e queijo, ainda quentes da frigideira. Eu me sento em uma
cadeira e tento me acomodar no conforto de uma refeição quente preparada pela
minha avó, com um episódio antigo de seu programa favorito soando ao fundo, as
notas estranhas de uma música que ela cantava às vezes quando éramos crianças,
preocupada enquanto mexia a comida.
Já contei pra você como seu avô e eu nos conhecemos?
Faço uma pausa com o garfo a meio caminho da boca, com as sobrancelhas
erguidas.
Já.
Umas sete mil vezes. É uma das minhas histórias favoritas. Eu fazia com que ela
repetisse várias vezes quando me colocava na cama.
Os cobertores bem afofados até meu queixo e a mão gentil em meu cabelo.
Foi na feira começa ela, como se eu não tivesse acabado de responder à
sua pergunta. Ele…
Comprou todos os sapatos que você estava vendendo respondo, sabendo
de cor a história. Acompanhou você até em casa e voltou no dia seguinte. E
voltou várias vezes depois disso.
Minha avó bate com a colher de pau na borda da panela e a coloca de lado.
Não retruca ela. Não foi assim que aconteceu.
Eu franzo a testa.
Foi, sim.
Ah, é? Ela se vira para mim com os braços cruzados. E você por acaso
estava lá?
En o uma garfada de ovos na boca, devidamente repreendido. Tenho certeza de
que minha avó foi a criadora do olhar severo quando teve lhos e o aperfeiçoou
com os netos.
Não, abuela, lo siento. Por favor, continue.
Ela faz um som de clique com a língua.
Ele não comprou todos os meus sapatos porque queria me cortejar. Ele
tropeçou na banca porque não estava prestando atenção. Derrubou um lado
inteiro e teve que comprar os meus sapatos porque estragou todos eles. Seu abuelo
não olhou pra mim com adoração quando me conheceu, olhou com medo.
Pouso meu garfo na mesa e a encaro.
Como é que é?
Ela dá de ombros e volta a mexer a panela.
Pensei que ele fosse um peinabombillas.
Alguém que penteia lâmpadas. É o insulto favorito da minha avó e não faz o
menor sentido.
Porque… tento engolir cerca de trinta anos de mentiras. Por que você
me contou uma história diferente?
Porque o seu avô era um homem romântico. Minha avó sorri. É um
sorriso suave e triste, do tipo que ecoa no fundo do coração quando você se
lembra de alguém que amou e perdeu. Uma dor agridoce que se espalha.
Porque ele gostava de ser o herói da história. A história que ele contou sobre o
tubarão também era mentira.
Ele não deu um soco no nariz de um tubarão enquanto salvava um barco
cheio de crianças?
Ela solta uma gargalhada.
Não. Você viu aquele homem, osezno. Ela revira os olhos. Ele quase
não tinha força nos braços. Era um amante, não um lutador.
Nossa.
Não acredito que você nunca tenha descon ado disso durante tanto tempo.
Nem eu.
É bom saber que minha vida inteira foi uma mentira. Cruzo os braços e me
recosto na cadeira. Minha avó olha por cima do ombro e faz outro som de tsc-tsc,
desliga o fogão e se junta a mim à mesa. Ela coloca uma tigela na minha frente e
outra na frente dela.
Estou contando isso porque… Ela passa a colher nas bordas da tigela com
o olhar distante. Estou contando isso porque você é muito parecido com o seu
avô.
Enxergo coisas que não existem de verdade? Meu estômago revira.
Floreio as coisas?
Não responde ela com determinação. Porque você ama com todo o seu
coração. E isso é lindo.
Pego meu garfo de novo com a testa franzida e cutuco alguns dos ovos.
Não me parece uma coisa tão boa assim.
Parece ser a pior coisa do mundo. Parece ser o que continua me machucando
repetidas vezes. Não faço ideia se a Layla vai ou não mudar de ideia. Se algum dia
ela vai me querer da mesma maneira como eu a quero. Neste momento, meu
grande coração parece mais uma grande maldição.
Minha avó estende a mão e segura a minha. Ela aperta.
É a melhor coisa diz ela com rmeza. Sei que nossa família se
preocupa com você, com seu coração desprotegido. Mas isso faz de você uma
pessoa gentil e generosa. Ela respira fundo e vacilante. Seu avô caria muito
orgulhoso do homem que você se tornou. Só precisa me prometer que nunca vai
deixar de con ar no seu coração.
Penso no rosto de Layla atrás do balcão quando entrei na padaria ontem. As
lágrimas que ela estava tentando desesperadamente esconder, o tremor em suas
mãos. Penso em meus lábios em sua testa, meu corpo apertado contra o dela.
Como me senti ao ter que me afastar dela.
E se eu estiver errado dessa vez?
Não está responde ela, rápida e incisiva. Você não acha que aquela
garota merece alguém que ofereça todo o coração? Você não acha que, depois de
todos esses homens com quem ela perdeu tempo, ela merece alguém que retribua
o carinho sem pensar duas vezes?
Algo em meu peito se acalma.
É, é isso mesmo. É exatamente isso que ela merece. Respiro fundo e olho
para o tampo da mesa. Vale a pena esperar por Layla. Eu sei disso. Só que é difícil
vê-la e sentir toda a distância que nos separa. Quase uma dor fantasma. Bem no
centro do meu peito. Olho de relance para minha avó. Eu vou continuar
con ando no meu coração.
Minha avó assente.
Bueno. Ela pega uma colherada de comida da tigela e a coloca na boca.
Posso sentir que está me analisando, os olhos quentes semicerrados em
concentração.
O que foi?
Talvez seja por isso que você teve tantos problemas com mulheres no
passado.
Por quê?
Ela sorri, as rugas de seus olhos se aprofundando.
Porque nunca foi a mulher certa.
ESTOU NA METADE da minha corrida matinal pelo parque quando meu celular toca.
Olho para a tela, vejo que é Charlie e prontamente o ignoro.
Preciso de tempo para relaxar, não de discussões ridículas. Da última vez que ele
ligou, tentou explicar as vantagens de fazer arminha com a mão como ferramenta
de pegação. Em outra ocasião, foi uma chamada de vídeo de dentro de um
provador, e ele queria saber qual suéter de malha combinava mais com seus olhos.
En o o celular no cós da bermuda e faço a curva sem perder o ritmo. A cada vez
que meus tênis batem no asfalto, penso em Layla. Sua risada. Seu sorriso. Em seus
malditos croissants de manteiga que estou desejando como se fosse um viciado.
Não sei por que achei que seria uma boa ideia me abster deles enquanto
estivéssemos separados. Acho que uma parte de mim queria mostrar a ela que
posso experimentar coisas novas. Não sei. Parecia uma boa ideia.
Mas, porra, sinto falta daqueles croissants.
Meu celular toca de novo, vibrando contra a parte inferior das minhas costas. Eu
o ignoro.
Ele vibra mais uma vez. E de novo.
Resisto ao impulso de arremessá-lo longe na oresta, mas por pouco. Atendo
com uma respiração frustrada e ofegante, meu cabelo encharcado de suor caindo
nos olhos. Eu os ajeito para trás.
O que você quer?
Rede de comunicação de Inglewild chamando anuncia Charlie. Estou
aqui pra passar uma mensagem.
Desde quando?
Desde quando o quê?
Você não costuma me ligar. É a Darlene quem liga.
Ah. Há um som abafado do outro lado da linha. Como se ele estivesse
caindo de um lance de escadas ou lutando sozinho contra uma família de
guaxinins. Bom, houve uma reestruturação.
Reestruturação?
Você ouviu, ursinho. Chega de perguntas. Você quer a mensagem ou não?
Aperto a ponte do nariz. Nos últimos dias, estou com uma dor de cabeça
permanente.
Qual é a mensagem, Charlie?
Estão falando por aí que a Layla se trancou no freezer da padaria.
Sinto meu estômago se revirar. O pânico faz cada centímetro do meu corpo se
tensionar. Imagino o pior, seu pequeno corpo encolhido no canto do freezer
industrial.
O quê? Solto num suspiro.
Há mais agitação do outro lado da linha, então ouço claramente a voz de Stella
sussurrando:
Charlie, que merda é essa?
O quê? sussurra ele de volta, com o telefone ligeiramente afastado da
boca. Sua voz soa fraca e distante. Ela disse pra fazer com que ele vá até a
padaria.
É, mas não pra causar um ataque cardíaco nele.
Tudo bem. Sua expiração é alta em meu ouvido. Ei, Caleb, foi mal por
isso, cara. Você precisa ir até a padaria, há um incêndio rolando.
Charlie!
Há uma briga do outro lado da linha. Ouço xingamentos abafados, um som
como se alguém tivesse acabado de mergulhar a cabeça na água e um baque. Em
seguida, a voz de Stella está na linha, suave, como quem pede desculpas.
Caleb?
Não faço ideia do que está acontecendo.
A Layla está bem?
Ela está ótima. Não ligue para o que o Charlie disse. Ela suspira e
murmura algo do outro lado que não consigo captar. Você acha que pode dar
uma passada na padaria? A Layla quer ver você.
Meu coração acelera. É uma combinação de tensão da minha corrida, adrenalina
do susto que Charlie me deu e apreensão por Layla querer me ver. Uma suspeita
surge.
Vocês estão se metendo nessa história?
Stella murmura.
Deve ter uns vinte e cinco por cento de intromissão nossa, mas com a melhor
das intenções. Ela faz uma pausa e abaixa a voz. A Layla só precisa de um
empurrãozinho. Eu juro que ela quer ver você, Caleb.
Tem certeza?
Tenho.
É A MEIA hora mais longa da minha vida.
Deixo todos os vestígios de apreensão para trás na segunda metade da corrida.
Estabeleço um novo recorde pessoal no caminho de volta para casa e praticamente
caio nos degraus da varanda, derrubando um vaso e um guarda-chuva assim que
chego à porta de entrada. Tomo um banho rápido, coloco uma camiseta qualquer
e corro para o jipe como se a padaria estivesse, de fato, pegando fogo. Como se
minha casa também estivesse pegando fogo.
Quando paro no pequeno estacionamento de cascalho atrás da padaria, meu
coração está disparado. Tento controlar minhas expectativas, com as mãos
apertando o volante. É possível que isso não seja nada. Talvez eu tenha esquecido
algo aqui no começo da semana. Talvez ela precise que eu experimente uma
receita nova.
Ou talvez ela queira me dizer que cometeu um erro ao me pedir para vir três dias
por semana. Talvez ela queira me dizer para car longe.
Respiro fundo.
É melhor acabar logo com isso.
Passo as mãos sobre os galhos enquanto caminho pela trilha. É uma das minhas
partes favoritas deste lugar, as enormes pedras planas colocadas com todo o
cuidado entre as árvores. É como se perder da melhor maneira possível, vagando
por um caminho que é familiar e precioso. As pegadas dos que já passaram por
aqui nesta manhã pontilham os dois lados do caminho. A luz do sol fraca,
sombreada por galhos grossos. É como estar em um lugar completamente
diferente. Dentro de um globo de neve, talvez. Ou em um cartão-postal.
Viro a última esquina e essa é minha segunda parte favorita da caminhada até a
padaria da Layla. Através das grandes janelas da frente, posso vê-la em pé atrás do
balcão, com um lenço no cabelo e a cabeça abaixada em concentração. Mesmo
aqui de longe, percebo que está com a língua entre os dentes. Seu corpo está
ligeiramente inclinado para a esquerda enquanto trabalha.
Ela é a coisa mais linda que já vi. A coisa mais linda que jamais verei.
Ela ergue o olhar de relance e me vê parado do lado de fora, entre as árvores.
Enquanto coloca o saco de confeitar de lado, um sorriso discreto surge e se alarga
conforme ela olha para mim. Vou em sua direção.
Sinto que sempre estive me movendo em sua direção.
Ela se afasta do balcão e logo coloca a cabeça para fora da porta da frente.
Oi diz ela, com aquele sorriso ainda no rosto, como se estivesse feliz em
me ver. A esperança bate como um tambor de guerra em meu peito. O que
você está fazendo aqui?
Você estava presa no freezer respondo. Ela franze o rosto em confusão.
Não importa. O Charlie estava sendo… o Charlie. Coço a nuca e tento me
livrar de todo o meu nervosismo. É só a Layla. Você queria me ver?
Ela morde o lábio inferior. Minha esperança se esvai como um balãozinho triste.
Ah, entendi… Olho por cima do ombro. Talvez seja melhor vagar por
entre as árvores e continuar andando. Passar pelo jipe e ir em direção aos campos,
deixar a Mãe Natureza fazer o que quiser comigo. Eu só vou…
Não, Caleb. Espere um pouco. Observo Layla mexendo nos cordões do
avental na porta aberta. Fique aí, eu tenho uma coisa pra você.
Ela desaparece antes que eu possa dizer mais alguma coisa. A porta se fecha atrás
dela, os sinos logo acima emitindo um som suave através do vidro grosso. Fico ali
parado e tento não olhar para o lugar onde ela estava, mas meus olhos correm
pelas janelas sem meu consentimento. Eu a observo contornar o balcão e procurar
atrás da caixa registradora. Ela ergue um bule de café e olha por baixo dela.
Reorganiza os potes grandes no balcão até que seu rosto se ilumina com um
sorriso.
E lá vamos nós. Ela surge de novo, afobada, descendo os degraus e
aterrissando com um leve salto no cascalho do caminho. Ela se aproxima e me
entrega uma folha de papel grossa e branca, dobrada ao meio. Sua mão treme
enquanto ela espera.
Fico olhando para o papel.
O que é isso?
Ela o empurra para mim.
Abra.
O que é isso?
Ela puxa a mão de volta.
Você não tem imaginação, vou ler pra você. Seus olhos piscam para os
meus antes de se desviarem e se concentrarem no papel. É um boletim
murmura ela.
Pra quê?
Suas bochechas cam rosadas.
Para o nosso experimento.
Ah. Não era isso que eu estava esperando. Pra mim?
Ela assente e leva o polegar à boca, mordendo a pontinha. De alguma forma, isso
é, ao mesmo tempo, muito sedutor e cativante.
Talvez isso seja uma péssima ideia diz ela, tão baixo que tenho que me
esforçar para ouvi-la.
Não, não. Tento esticar mais as costas e reúno toda a minha coragem. Eu
queria que ela me dissesse como ser melhor em encontros. Foi assim que tudo
isso começou. E vale terminar. Eu quero ouvir.
Está bem, então. Ela olha para o papel de novo, a cor mais intensa em suas
bochechas. Observo com interesse o vermelho descer até suas clavículas. É
meio ridículo, mas…
Layla, não é ridículo, leia.
Dividi tudo em categorias confessa com pressa. Sua nota nal.
Entusiasmo, originalidade, simpatia e uma… uma categoria bônus. Suas mãos
se atrapalham com a borda do papel.
Inclino a cabeça para o lado.
Essas não são as categorias do Miss América?
Não. Ela esfrega a palma da mão na testa. Talvez, eu não sei. Só… só
entre nessa por um minuto, pode ser? Estou tentando… estou tentando fazer uma
coisa. Estou tentando me desculpar.
Franzo a testa.
Eu já disse: você não tem nada pelo que se desculpar.
Eu sei. Você também disse que o que vai acontecer agora depende de mim.
Seu nervosismo diminui e o sorriso se torna mais fácil. Quando ela volta a
olhar para mim, consegue sustentar meu olhar por um pouco mais de tempo. Os
olhos cor de avelã como pedras preciosas, cristalinos e seguros. Certo. Vamos
lá, então. Na categoria entusiasmo, você recebe dez de dez. Excede as expectativas.
De acordo com os comentários… bom, de acordo com os comentários, você
sempre demonstrou prazer e entusiasmo em estar presente. Você parece mesmo
interessado em todos os aspectos do processo de namoro.
Essa é uma boa notícia. Mas a maneira como ela falou de acordo com os
comentários faz parecer que a opinião dela não importa. Dou meio passo à
frente.
E quanto a você, Layla? O que você tem a dizer?
Eu digo… Ela suspira devagar, os olhos ainda no papel. Amassa a
pontinha e depois tentar endireitar. Digo que nunca me senti tão especial para
alguém em toda a minha vida sussurra. Digo que o jeito como você sorriu
pra mim no seu carro naquela primeira noite me fez pensar que eu poderia amar
você, só um pouquinho.
Sinto todo o ar se esvair dos meus pulmões em uma expiração lenta e trêmula.
Só um pouquinho?
Apesar da camisa havaiana.
É claro.
Um sorriso surge no canto de sua boca. Ela continua olhando para o papel em
suas mãos.
Próximo: originalidade. Mais um dez de dez. De acordo com os comentários,
os encontros nunca pareceram orquestrados ou planejados demais. Os interesses
do par foram levados em consideração e aplicados com atenção.
E você?
E eu. Layla en m me olha nos olhos. Acho que nunca ri tanto. Pensei
que poderia amar você ainda mais quando estava com aquela embalagem de
milho congelado na cara.
Meu coração bate cada vez mais forte, em um ritmo rápido e estrondoso.
O que vem agora?
Simpatia diz em um suspiro , oito de dez. E, de acordo com os
comentários, só estão dizendo isso porque você é gentil até demais. E porque
deveria se esforçar mais para se proteger de coisas que podem machucar você.
Humm. Dou mais um passo para perto dela e seguro sua mão esquerda.
Com gentileza, abro seu punho com a palma virada para baixo e traço a ponta do
dedo nos nós dos dedos dela.
Desta vez, não preciso perguntar. Ela diz logo em seguida:
Eu digo que sua bondade, seu coração aberto, sua capacidade de cuidar e
amar… são suas maiores qualidades. Eu tenho… tenho passado por momentos
muito difíceis, Caleb, tentando criar coragem para con ar em mim mesma, para
con ar em nós dois. Eu quero tanto que isso seja de verdade.
Entrelaço meus dedos nos dela.
E é, meu bem. É de verdade, eu prometo.
Ela aperta minha mão.
O que me leva ao último ponto: a categoria bônus. Ela engole em seco e
solta o papel, deixando-o à mercê do vento. Observo enquanto ele oscila de um
lado para o outro, até que meu olhar seja engolido por Layla sob o sol da manhã,
pintada em tons de dourado, rosa e azul fortes do verão. Um sorriso hesitante e o
amor brilhando como um farol em seus lindos olhos. Parece que meu coração vai
escapar do peito.
Esse tempo todo… acho que eu estava me apaixonando por você diz ela.
Não consegui reconhecer porque nunca senti isso antes. E, quando percebi,
quando me dei conta, meio que me apavorei. Ainda estou um pouco assustada
com isso. No m, o que eu mais queria é bastante assustador quando é pra valer.
Você vai precisar ser paciente comigo.
Eu consigo ser paciente respondo, a voz embargada. Acho que estou
me apaixonando por você há algum tempo, Layla. Um croissant de manteiga por
vez.
Um sorriso, um segredo, um toque suave por vez.
Seu sorriso é tão acolhedor, tímido. Quero traçá-lo com o polegar. Quero pintá-
lo no céu. Quero que seja a cobertura de um bolo.
Que bom retruca ela , porque eu gostaria de discutir os termos de um
novo acordo.
Eu me aproximo e seguro uma mecha de seu cabelo cor de caramelo. Esfrego
com cuidado entre o polegar e o indicador, giro duas vezes e puxo com delicadeza.
Ela sorri e algo se libera em meu peito, quente e amoroso.
Um novo acordo, é?
Ela concorda e agarra minha camiseta com as duas mãos, me puxando para
ainda mais perto.
Isso.
Meu nariz esbarra no dela.
Achei que você não quisesse mais acordos entre nós.
Esse é diferente.
Pode falar.
Bom, pra começar… Ela empurra meu queixo com o nariz até que eu
incline o rosto para cima, sua boca no espaço logo acima do meu coração. Ela me
abraça pela cintura e deposita um beijo suave ali. Encontros murmura em
minha camiseta. Quero muitos deles.
Eu murmuro enquanto balanço nós dois para a frente e para trás.
Acho que podemos fazer isso. Faço uma pausa. Desde que não seja no
escape room de novo.
Não posso prometer nada. Tirando o olho roxo, acho que foi muito bom.
Ah, sim, tirando o olho roxo.
Ela sorri, e seus olhos se suavizam.
Chega de notas. Chega de faz de conta. De agora em diante, somos você e eu
sendo sinceros com nós mesmos e um com o outro.
Encosto meu nariz em sua têmpora. Deslizo a palma da mão para a parte inferior
de suas costas e a aconchego ainda mais. Ficamos juntos entre as árvores.
Eu gosto dessa ideia.
Ela solta minha camisa e coloca a mão na minha nuca. Sua palma é fresca no
calor abafado do verão, os dedos tamborilando.
Sorvete de creme com casquinha de laranja na praia acrescenta ela ,
beijos na chuva. O som que sai de você, bem aqui… Ela passa um dedo pela
linha do meu pescoço e toca na frente, na direção da garganta. Quando eu faço
você se sentir bem.
Eu faço uma versão mais discreta desse som agora, algo profundo e cheio de
desejo. Eu a puxo com mais força contra mim.
Croissants de manteiga falo, a voz baixa. Bolos de morango com
creme. Você vai me dizer o que precisa, sempre que precisar. Estarei bem aqui com
você.
Ela concorda. Inclina a cabeça para trás até que possa encontrar meu olhar com
olhos amplos e abertos sob o céu in nito de verão. Meu coração dispara, e eu
pertenço a ela.
Mais uma coisa diz ela.
Concordo e ajeito o cabelo dela com cuidado atrás das orelhas.
O quê?
Nos apaixonar diz ela. Nos apaixonarmos juntos.
Deslizo a mão pelo pescoço de Layla até o centro de seu peito. Meu mindinho se
prende na gola do vestido. Abro bem os dedos até sentir a pulsação suave de seu
coração.
Concordo com essas condições.
Ótimo diz ela.
Então roça a boca na minha, de um lado para o outro. Ela tem gosto de morango
e champanhe. De glacê. Meu tipo favorito de para sempre.
Porque esses termos não são negociáveis.
Estou de acordo.
Ela sorri enquanto nos beijamos, uma lágrima escorrendo pelo seu rosto.
Alívio. Felicidade pura e perfeita. Eu sorrio e puxo seu rosto para o meu.
O melhor acordo que já z.
EPÍLOGO
LAYLA
Dois anos depois

O QUE está acontecendo?


Estou paralisada na entrada da cozinha, com a camisa de Caleb roçando nas
minhas coxas e uma xícara de café morno na mão esquerda. Ele acordou antes de
mim esta manhã e deixou o café na mesa de cabeceira, como sempre faz, junto
com as palavras cruzadas e um beijo suave logo abaixo da minha orelha. É a minha
maneira favorita de acordar.
Bom, a segunda maneira favorita de acordar. Minha maneira favorita envolve
Caleb e sua boca traçando um caminho sinuoso pela pele macia da minha barriga,
suas mãos empurrando minhas coxas e seus dentes roçando minha tatuagem.
Caleb vira metade do corpo e olha para mim por cima do ombro.
O quê?
Assim de pé, consigo ver o quadro pendurado sobre o fogão. Um recorte da
revista Baltimore Magazine com uma das fotos que eles tiraram.
Minha foto favorita.
Nela, Caleb está sentado àquela mesinha no canto, com uma xícara de chá
orida na mão, a calça suja de lama e sujeira, o rosto exausto. Mas ele está olhando
para mim com tanta ternura, que sinto como um beijo em minha nuca. Os nós dos
dedos em meu queixo. Na foto, estou atrás do balcão e ele está sentado à mesa, me
olhando como se eu fosse a própria lua.
Acho que tenho umas quarenta e sete cópias dessa revista.
Dou dois passos arrastados para a frente e deslizo para um banquinho. Quando
decidimos morar juntos, não escolhemos a casa dele nem a minha. Escolhemos
uma casa nova, bem atrás da padaria, no meio da Fazenda Lovelight. A construção
demorou um pouco, mas a cozinha é enorme, e eu posso dormir até um pouco
mais tarde pela manhã.
E Caleb pode me acompanhar ao trabalho todos os dias.
Apoio o queixo nas mãos e abro um sorriso.
Você está usando um cinto de segurança?
Ele se vira por completo e en m consigo dar uma boa olhada nas tiras pretas
sobre seus ombros. É uma mochilinha de cachorro, e bem no meio de seu peito nu
está Poppy, a pequenina que Becke resgatou e coagiu Caleb a adotar. Ele disse
que ela devia ser um cão policial, mas não consigo imaginar isso.
Primeiro porque acho que ela deve pesar uns três quilos e meio, ou menos. E,
segundo, acho que nunca a ouvi latir.
Ela é uma coisinha meiga demais. Fui com Caleb no dia em que ele a conheceu.
Ele se ajoelhou e estendeu a mão para ela, com a palma para cima. Ela olhou para
ele, se enrolou em seu colo e caiu no sono. Desde então, os dois não se separaram
mais.
Pelo que parece, nem na hora de preparar o café da manhã.
Caleb se vira de um lado para outro, com Poppy presa em segurança ao peito
com uma série de velas. Ela inclina a cabeça para cima e o encara com adoração.
O quê? pergunta. É demais?
Eu balanço a cabeça e solto uma risada.
É ótimo assim.
Ele sorri para mim. Meu meio-sorriso favorito que faz suas covinhas surgirem
discretas.
Ótimo, porque o café da manhã está pronto.
Ele desliza um bagel gorduroso com bacon, ovos e queijo pelo balcão para mim,
e meu estômago ronca em agradecimento. Aparentemente, Caleb fez todos
aqueles sanduíches de bagel que me trouxe quando começamos a namorar. Agora
ele os faz para mim nos ns de semana. E em ocasiões especiais.
Hoje não é nenhuma dessas coisas.
Ele tira Poppy da mochila em seu peito e dá um beijo rápido em seu focinho,
deixando-a na cama fofa em forma de muffin no canto da cozinha. Ela está
perfeitamente posicionada em um feixe de luz, as orelhinhas se erguendo quando
ela dá três voltinhas e se joga na cama. Seus olhos acompanham Caleb enquanto
ele se movimenta pela cozinha, limpando as coisas e guardando os ingredientes.
Os meus também.
Observo a exão de seus ombros nus quando ele alcança a geladeira. A linha
forte de seus bíceps enquanto se serve de outra xícara de café. Estamos juntos há
dois anos e ainda co boba olhando para ele. Amar Caleb é como como um
sonho, cupcakes e um vinho muito bom. Um calor que começa em algum lugar do
meu peito e vai se espalhando até que eu o sinta como o sol em minha pele.
Constante. Incrível. Adorável.
Ainda co insegura. Ainda tenho dúvidas sobre mim mesma e sobre como nos
encaixamos. Mas ele me ajuda a superar esse sentimento. Seus lábios na minha
nuca e os braços fortes em volta da minha cintura me ajudam.
Passei muito tempo procurando o tipo certo de amor, até que ele entrou pela
porta da frente da minha padaria todas as segundas, quartas e sextas-feiras.
Falamos muito disso. Eu gosto de reclamar do tempo que levei para enxergá-lo do
outro lado do balcão. Caleb gosta de sorrir, passar o polegar sob minha orelha e
me dizer: “No m, deu tudo certo”.
Ele me vê olhando e ergue a sobrancelha escura, com um rubor em resposta.
Adoro o fato de ele ainda corar por minha causa. De eu ainda conseguir fazer com
que o rosa ganhe vida em suas bochechas com um simples olhar.
Dou uma mordida monstruosa em meu bagel.
Qu’ é a ca sião?
O sorriso de Caleb se alarga.
O que você disse? Ele pega o jornal dobrado na ponta da bancada e o
folheia até encontrar a seção de receitas. Entrega para mim sem dizer uma palavra,
colocando-a com cuidado perto do prato.
Engulo o bacon de uma crocância perfeita e o ovo com queijo.
Qual é a ocasião?
Não posso fazer um bagel pra você só porque eu quis?
A suspeita aumenta. Estreito os olhos.
Claro que pode, sempre. É que… você também está sem camisa.
Ele olha para seu peito nu com as sobrancelhas erguidas. Passa a mão no
peitoral, descendo pela linha do abdômen até o umbigo. Estou hipnotizada.
Tenho certeza de que um pedacinho de pão cai da minha boca e vai parar na beira
da bancada.
Estou sem camisa.
Coloco meu sanduíche no prato e pego o copo de suco de laranja de Caleb. Meu
olhar ainda está preso em algum lugar entre seus braços e o cós de sua calça de
pijama.
Isso me faz pensar que você quer pedir alguma coisa.
Sanduíches de bagel e Caleb sem camisa são uma maneira praticamente certa de
me fazer concordar com qualquer coisa. Foi assim que ele conseguiu que eu
diminuísse minhas horas na padaria no verão passado, quando eu adormecia em
pé na frente da batedeira. Também foi assim que ele me fez concordar com uma
pescaria em casal com Becke e Evelyn.
Nunca mais.
Ah, pois é, sobre isso. Ele apoia os dois braços na bancada, com o rosto
sério. Meu coração dá cambalhotas no peito. Um pouco de apreensão, mas
principalmente muita alegria. Felicidade também. É mais fácil con ar em mim
mesma quando acordo ao lado desse homem. Quando seu rosto é a primeira coisa
que vejo pela manhã e a última antes de dormir.
Eu queria pedir uma coisa.
Se for pra fazer outra viagem de casal com Becke , eu vou…
Não, não. O sorriso dele se alarga até que as linhas de seus olhos se
aprofundam. Não é isso.
Ah, o que é, então?
Caleb se afasta da bancada e en a a mão no bolso da calça de pijama de anela
desbotada. Estou ocupada fazendo caras e bocas para o meu sanduíche, então
quase não percebo quando ele coloca alguma coisa na bancada e a desliza para o
outro lado. Ela esbarra nos meus nós dos dedos e quase me atrapalho com o copo
de suco de laranja quando percebo o que é.
Uma pequena caixa preta que não é maior que a minha espátula favorita. De
veludo.
Com uma dobradiça em um dos lados.
Fico olhando para a caixinha e depois olho mais um pouco. Meu coração dispara
no peito. Caleb limpa a garganta.
Olho para ele: bochechas rosadas, cabelo bagunçado, minhas duas covinhas
favoritas. Ele está sorrindo para mim com o coração nos olhos aquele coração
grande e lindo que esperou e esperou por mim. Aquele que mudou minha vida.
Ele limpa a garganta mais duas vezes antes de conseguir dizer o que quer.
Layla. Sua voz soa abafada no silêncio da nossa cozinha, com um sorriso
discreto. Talvez seja melhor revisarmos os detalhes do nosso acordo.
CAPÍTULO EXTRA
Este capítulo extra é a perspectiva de Layla sobre o retorno deles ao escape
room, após um ano de namoro.

LAYLA

A SALA TROPICAL não se parece em nada com a sala dos zumbis.


Não há partes de corpos de mentira penduradas no teto. Não há trilha sonora de
gemidos e lamentações. Em vez disso, há folhas de palmeira gigantes. Um navio
naufragado bastante impressionante feito de caixas velhas de produtos da Fazenda
Lovelight, uma praia improvisada com areia e palmeiras enormes ancoradas em
cestas de vime que se aglomeram nas laterais da sala.
É agradável, aconchegante. Mesmo com as gaivotas que grasnam nos
minúsculos alto-falantes perto do teto.
Passo a ponta dos dedos sobre a tampa de um baú de tesouro fechado com um
enorme cadeado na frente. O relógio da nossa sala começou a funcionar assim que
Eric fechou a porta atrás de nós com um aviso vago para não fazermos nada de
impróprio, mas não tenho pressa. Acho que eles acabaram com a exigência de no
mínimo quatro pessoas em todas as salas. Ou talvez Caleb tenha subornado o Eric.
De qualquer forma, estou feliz por sermos apenas nós dois hoje.
Já o Caleb… Caleb parece estar com pressa. Assim que os grandes números
vermelhos surgiram no relógio gigante no centro da sala, ele foi até uma das
palmeiras, tentando descobrir como poderia escalá-la. Seu corpo alto está
enrolado no tronco, com as mãos correndo para cima e para baixo na casca áspera,
procurando em que se apoiar. Acho que ele pensa que um dos cocos no topo é
uma pista. E deve estar certo.
Sorrio enquanto o observo.
Não acredito que você quis voltar aqui depois da última vez.
Da última vez… quando fomos expulsos da sala por termos destruído metade
dela e Caleb saiu com um olho roxo.
Sua cabeça aparece ao redor do tronco da árvore.
Você gosta de fazer isso.
Dou de ombros.
Gosto mais de fazer outras coisas.
Como me deitar no sofá com Caleb ao meu lado, com a ponta de seus dedos
deslizando no meu braço enquanto compartilhamos o jornal. Croissants na mesa
e nosso café morno quando ele inevitavelmente joga o jornal do outro lado da sala
e me aconchega sob seu corpo.
Eu vou resolver isso diz ele, me tirando do meu devaneio. Vou vencer
esse negócio.
Tá bom. Eu me coloco em cima do baú do tesouro e balanço as pernas
para a frente e para trás, os calcanhares batendo contra a madeira grossa. Parece
oco, mas com certeza há algo dentro dele. Acho que você planejou tudo isso só
porque queria me ver com essa camisa.
Os olhos de Caleb se voltam para o meu peito.
Isso também é verdade.
Quando Caleb me disse que me levaria para o escape room, na mesma hora
procurei em nosso armário a camisa havaiana que ele usava na noite em que tudo
mudou entre nós. Por coincidência, também decidi desabotoá-la de forma
indecente, com a bainha amarrada em um laço na minha cintura.
Estendo a mão.
Você pode sair dessa árvore, por favor? Está muito longe de mim.
As bochechas de Caleb cam rosadas, um sorriso de satisfação que ele faz o
possível para esconder. Estamos juntos há quase um ano e ele ainda ca corado
toda vez que dou a entender que o quero por perto.
Nós deveríamos descobrir onde está o tesouro escondido.
É uma pausa rápida.
Mal começamos, por que você já precisa de um intervalo?
Estou trabalhando muito duro aqui.
Caleb atende meu pedido com um suspiro fofo, afastando-se da árvore e vindo
em minha direção, cruzando a areia. Ele evita a pequena piscina in ável que acho
que deveria ser uma espécie de lagoa e o jacaré gigante de plástico saindo dela,
com as mandíbulas bem abertas. Algo range, Caleb escorrega e tenho de segurá-lo
com as mãos em sua cintura.
Ele me dá um sorriso envergonhado, coçando uma vez atrás da orelha.
Ah, é difícil se livrar de velhos hábitos.
Eu o abraço pela cintura e o puxo para mim até que seus quadris estejam entre
minhas coxas, meu queixo encostado em seu peito enquanto olho para ele.
Seus velhos e desajeitados hábitos? Odeio ter que dizer, amor, mas você
ainda é muito desajeitado.
Seus olhos brilham na luz fraca da sala. O grasnar das gaivotas na trilha sonora é
substituído pelo suave barulho das ondas quebrando na praia. Um ukulele em
algum lugar ao longe.
Ele passa os dedos pelo meu cabelo e inclina meu rosto para mais perto do seu.
Acho que você nunca me chamou assim antes.
Como?
O rubor se intensi ca até a ponta de suas orelhas, um vermelho intenso.
Acompanho sua progressão com a ponta de um único dedo. Ele toma minha
mão na dele e entrelaça nossos dedos.
De amor diz. Ele se inclina para a frente e dá um beijo rápido e
provocante em minha boca. Acho que gostei admite baixinho.
Ah, gostou, é?
Ele concorda e abaixa o rosto ainda mais em meu pescoço. Apesar de toda a
alegria que Caleb tem em descobrir o que eu gosto e como gosto, ele ainda é um
pouco relutante em me deixar fazer o mesmo. Sinto seus dentes raspando logo
acima do meu ponto de pulsação e meu corpo inteiro estremece.
Talvez você possa dizer isso de novo mais tarde, quando eu estiver com a
cabeça entre essas lindas pernas.
Um som escapa de mim, algo entre uma risada e um gemido. Eu não teria
imaginado isso há um ano, mas Caleb adora provocar. Há poucas coisas de que ele
goste mais do que me deixar na expectativa, contente em me desvendar pouco a
pouco assim que estamos sozinhos.
Eu me satisfaço com o calor que se instala em minha barriga, com a sensação de
Caleb aconchegado em mim. Arranho a pele quente de seus braços e inclino a
cabeça mais para trás, incentivando os beijos lentos e fáceis que ele dá em minha
clavícula.
Quer saber por que eu trouxe você aqui?
Murmuro.
Para se vingar pelo péssimo desempenho da última vez que esteve em um
escape room?
Ele balança a cabeça, e aquelas covinhas bonitas em suas bochechas ganham
vida quando ele se inclina para trás para sustentar meu olhar. Puxo a camisa dele.
Já sei, você queria dar uns amassos em cima de um baú do tesouro.
Ele ri.
Mais ou menos.
Solto uma risada contra o pescoço dele, minhas mãos encostadas em seu peito.
Estendo meus dedos ali e sinto o ritmo constante de seus batimentos cardíacos.
Ele nos balança para a frente e para trás, e o material áspero do baú em que estou
sentada roça minhas coxas. Mas Caleb é quente e rme contra mim. Ele tem o
cheiro das panquecas que queimou no café da manhã e dos morangos com creme
que comemos. O lar que zemos juntos. O espaço que criamos.
Da última vez que a gente veio aqui, eu queria beijar você e achei que não
conseguiria comenta ele baixinho, com o queixo apoiado no topo da minha
cabeça. Ele me abraça apertado. Eu não achei que… Bom. Que você queria.
Nada estava indo como deveria.
Ele foi agredido verbalmente por um dos bombeiros da cidade e depois
sicamente com um pé falso. Mas, mesmo assim, mesmo com tudo que havia
dado errado, foi um dos melhores encontros que eu já tive.
Sempre me esforcei muito para ser exatamente o que as pessoas querem
acrescenta. Não achei que fosse possível encontrar alguém que me quisesse do
jeito que sou. Eu me lembro de estar no canto da sala, olhando para você e
esperando.
Esperando o quê? pergunto em voz baixa.
Só… esperando que você me notasse.
Eu o aperto de volta, com uma pressão quente e ardente nos olhos. Aperto até
que meus braços tremam com o esforço.
Eu noto você digo, com a voz embargada.
Ele se reclina e toma meu rosto entre as mãos. Passa o polegar sobre minha
bochecha.
Eu sei que nota.
Eu vejo você e amo você complemento , cada pedacinho.
Seu sorriso é lento. Começa no canto da boca e vai se abrindo até aparecer todo
para mim, torto e adorável. Faz algo dentro de mim se retorcer com força. As peças
que ele juntou de novo, onde escreveu o nome dele.
Eu também queria dar uns amassos em cima de um baú do tesouro
acrescenta.
Eu sabia. Solto uma risada assim que ele se inclina para a frente e pega
minha boca com a dele. Estamos rindo um contra o outro, bagunçados e perfeitos,
até não estarmos mais. A mão de Caleb desce da minha bochecha até meu queixo
e ele me agarra ali, inclinando meu rosto do jeito que gosta para que nosso beijo
seja mais profundo, mais molhado, mais quente. Abro as pernas para que
pressione mais forte contra mim, um som vindo do fundo de sua garganta. Um
som rouco que se torna mais profundo quando coloco minha mão entre nós e
traço a cintura de sua calça jeans desgastada.
Espere aí um segundo sussurro, me inclinando para trás. Caleb me segue,
outro beijo ardente que me faz perder a linha de raciocínio. Sua língua desliza
contra a minha, e estou a segundos de escalá-lo como ele queria escalar aquela
palmeira.
Espere aí um segundo repito, a palma das mãos contra seu peito. Ele para
na mesma hora, as mãos apertando meus quadris.
O que foi? pergunta, parecendo atordoado.
A sala não tem câmeras? Olho para a luz fraca nos cantos da sala,
procurando por um ponto vermelho piscando. Da última vez que estivemos aqui,
Eric disse que estaria observando se precisássemos de ajuda.
Ah. Os ombros de Caleb relaxam. Sim, mas ninguém está vendo.
Eu estreito os olhos.
Como você sabe?
Eu sei.
Ele não diz mais nada.
Por quê?
Ele suspira.
Porque eu pedi ao Charlie para ir para outra sala e criar uma distração para
que eu pudesse ter alguma privacidade com você aqui dentro. Ele dá de
ombros. Porque eu sabia que provavelmente iria querer dar uns amassos com
você em um baú do tesouro.
Solto uma gargalhada.
Como é que é?
Caleb sorri para mim, parecendo tímido do jeito que só ele consegue. Suas
bochechas estão coradas, as covinhas suavizadas, os olhos castanhos brilhando
com uma travessura silenciosa.
Acho que ele está na sala do James Bond. Ele levou o papel bem a sério. Ele e
o Alex devem estar trajados a caráter, tenho certeza disso.
O Alex também está aqui?
Caleb assente.
Ouvi alguns gritos não faz muito tempo. Estou preocupado com o Eric.
Ele inclina a cabeça enquanto pensa. Também estou preocupado com o
Charlie.
Eu me inclino para cima até conseguir pegar sua boca com a minha de novo. Ele
afunda a mão em meu cabelo e me beija. E me beija e me beija até que eu que
tonta com ele e a luz, uma sensação de calor em meu peito. Caleb diz que nunca
pensou que encontraria alguém que quisesse todas as partes dele, mas eu nunca
pensei que encontraria isto. Um homem bom que se esforçasse. Que tentasse
todos os dias, de pequenas e grandes maneiras. Que me zesse sentir que eu valho
esse esforço.
Você é um gênio sussurro contra sua boca.
Seu sorriso parece o melhor tipo de promessa.
Só com você, meu bem.
AGRADECIMENTOS

AG DEÇO DO FUNDO do meu coração por você ter acolhido Lovelight com amor.
Espero que saiba que isso signi ca muito para mim.
E eu sei que é difícil me perder para outros mundos durante os meses que passo
escrevendo esses livros, mas saiba que as histórias de amor que escrevo só são
possíveis por causa do amor que temos e do amor que cultivamos juntos. Nossa
pequena família é minha história de amor favorita.
Annie, compartilhar isso com você é o melhor presente. Sou grata por isso,
sobretudo neste ano, e por quão altruísta você continua a ser, apesar do seu
universo ter sido abalado. Sua capacidade de amar, sua generosidade e sua
bondade são o que mais brilha ao seu redor. Espero que você saiba sempre o
quanto valorizo você e nossa amizade. Eu a guardo bem no fundo do coração. Há
um canto em Lovelight com um jardim esperando, e as ores estão sempre
desabrochando.
Sam, seu talento só é superado por sua bondade. Eu valorizo cada uma das obras
de arte que você cria para mim e as guardo com carinho.
Bri , foi um prazer trabalhar com você neste projeto. Adorei cada segundo e sou
muito grata por seu trabalho, seu grande coração e seu entusiasmo em fazer as
coisas rapidamente. Obrigada por ser exível com um cronograma tão caótico e
por sempre me dar o seu melhor.
Sarah, obrigada por segurar minha mão e ouvir minhas mensagens desconexas e
por se sentar comigo em bares da cidade enquanto conversamos sobre
personagens ctícios. Meu lugar favorito é na poltrona ao seu lado, falando de
pessoas, lugares e coisas que só existem em nosso coração e em nossa cabeça.
Adri, sempre haverá bordas de pizza esperando pela Poppy na pizzaria do Ma y.
Obrigada por me emprestar seu bebê e dá-la ao Caleb.
E, por último, mas não menos importante, um enorme agradecimento a Kelsey e
Marisol, por participarem e ajudarem a melhorar esta história. Kelsey, na minha
opinião, você é o melhor que o Canadá já exportou. Tem sido incrível ter você em
minha vida, e sou grata por isso. Marisol, sua visão deste livro é muito especial
para mim, e não tenho como agradecer o su ciente por dedicar seu tempo.
Eu não conseguiria fazer nada disso sem todos vocês. Obrigada por me deixarem
contar histórias.
Este e-book foi desenvolvido em formato ePub
pela Distribuidora Record de Serviços de Imprensa S. A.
Um namoro de mentirinha
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Página do livro no Skoob


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Página da autora no Skoob


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Página do livro no Goodreads


https://www.goodreads.com/book/show/121764710-mixed-signals

Página da autora no Goodreads


https://www.goodreads.com/author/show/21951491.B_K_Borison

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