28529-Texto Do Artigo-111599-1-10-20190927
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NO FORMIGUEIRO OS SONHOS SÃO OBRIGATÓRIOS: MEMÓRIAS DO FUTURO DA
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Elizabeth Orofino Lucio
Resumo
O artigo discute as políticas contemporâneas de formação continuada docente por meio de um texto de
experiência que levanta estratégias didáticas de formação, construídas a partir de atos singulares dos
encontros do programa, por meio de eventos originados no contexto de formação do Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa. Ancora-se na perspectiva bakhtiniana, para analisar como formadores elaboram
suas estratégias formativas. Com esse arcabouço teórico, a autora desenvolve algumas proposições para a
formação continuada dos docentes de leitura e escrita, organizadas nas seguintes categorias: formação
enquanto encontro e estratégias didáticas dialógicas de leitura literária como direito.
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Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Professora Adjunta da Universidade Federal do
Pará/IEMCI, na Licenciatura Integrada em Educação, Matemática, Ciências e Linguagens, Supervisora do PNAIC/UFRJ Sul e
Sudoeste Fluminense no ano de 2013, orofinolucio@ufpa.br.
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1. (Trans)formação docente
respeito do ensino, especificamente no caso desse estudo, a área de ensino inicial da leitura e da
escrita, e os saberes desenvolvidos pelos professores em sua prática cotidiana.
Especificamente no quadro nacional, direciona-se um interesse especial nos programas,
editais e nas ações do Ministério da Educação, para os estudos e pesquisas sobre os processos de
alfabetização e de domínio da Língua Portuguesa, confirmando a necessidade de “produção de
conhecimentos e pesquisas aplicadas em educação, especificamente no campo interdisciplinar e
multidisciplinar da alfabetização – abrangendo áreas que contribuem para o processo de
alfabetização e letramento” (CAPES, EDITAL 38/2010).
É na lógica das reformas educacionais (LEHER, 2010; EVANGELISTA & SHIROMA, 2007;
FREITAS, 2002; BARRETO, 2015; entre outros) que são pensados os programas de formação, de um
modo geral, para os professores e professoras, e não com eles/elas. Existe, portanto, uma tentativa
de homogeneizar os espaços de formação e os docentes, fazendo com que a atuação desses
profissionais seja cada vez menos autônoma, culminando em maneiras de ensinar, avaliar e
aprender, no que os professores não pensaram, não refletiram e não criaram. Nesse sentido,
trazemos duas questões que nos parecem pertinentes: quais os limites e possibilidades da formação
no modelo estabelecido pela RNFC no contexto brasileiro? Quais foram os percursos de autoria dos
diversos grupos em distintas instâncias desta formação no contexto brasileiro?
Apesar das tentativas de homogeneização e engessamento, há sempre possibilidades de
busca de novos sentidos e da vida que pulsa na formação, o que impulsiona autorias transgressoras
(FOUCAULT, 2002), fazendo com que grupos de instâncias universitárias e de secretarias municipais e
estaduais, envolvidos na formação, construam formações docentes de perspectivas autorais,
autônomas e emancipadoras.
Com base na análise documental dos programas de formação no campo da alfabetização,
podemos depreender, sobretudo, que a partir do PPL e do PNAIC, os programas de formação
docente no campo da alfabetização submetem-se ao par formação e avaliação docente, o que,
muitas vezes, transforma a formação na “ovelha negra” das críticas ao sistema educacional, como
assistimos no ano de 2015, com a crítica aos resultados dos alunos brasileiros na primeira Avaliação
Nacional da Alfabetização (ANA), amplamente divulgados pela mídia nacional, e a manifestação das
universidades por meio da Carta Aberta ao Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa1.
Ir de encontro ao viés gerencialista das políticas educacionais (GERALDI & GERALDI, 2012) é
dar uma contrapalavra à homogeneização da formação docente. Sendo a educação e a formação
sempre relativamente emancipadoras, a justiça na pesquisa e na formação relacionam-se à empatia,
vivência e não-indiferença entre orientador de estudos, professor da educação básica e professor
universitário.
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contemporâneo que, muitas vezes, existe na escola em que eles trabalham, mas que ainda
desconhecem.
Nos eventos de formação, a estratégia de Leitura Literária constituía-se em preocupações
com um caminho que garantisse o direito à literatura e assegurasse ao docente a vivência estética do
texto literário, assim como a possibilidade de criação de novas práticas efetivas no processo
alfabetizador. Discutíamos de que forma a literatura poderia contribuir para a criação de situações
contextualizadas de linguagem, ao relatarmos a potencialidade do trabalho pedagógico que vai além
das intencionalidades formadoras e didatizantes, pois o ato/acontecimento proporciona fruição
estética dos docentes leitores e uma ancoragem de experiência ético-estética do outro e não a
“instrumentalização docente”.
Uma das perspectivas que norteiam este estudo é a de que a Literatura, tal como argumenta
Candido (1972, p. 805), seja uma força humanizadora, que revela o ser humano e, ao mesmo tempo,
“pode formar”, pois “ a literatura, como a vida, ensina na medida em que atua em toda sua gama”,
ela levanta questões, tensões, conflitos, potencializa sentidos, ajuda-nos a compreender o mundo
que nos cerca e quem somos ou poderemos ser, faz-nos entrar em contato com outras realidades,
“humaniza em sentido profundo”, “faz viver” (Ibidem).
Esta compreensão converge com a concepção de letramento literário como “o processo de
apropriação da literatura enquanto construção literária de sentidos” (PAULINO & COSSON, 2009), e
mobiliza-nos na busca por um caminho que garanta o direito à literatura, de uma vivência estética do
texto literário.
No evento "Literatura para que", compusemos um espaço formativo em que se tornou
possível à vivência de uma obra literária como estratégia didática. A obra Poema no Caminho, de
Tiago Cardoso Gomes4, foi o disparador da vivência, como podemos ver nas fotografias reproduzidas
adiante:
Fotografia 1: acervo pessoal da pesquisadora relativo ao ano de 2013, registrando o momento de vivência
estética da obra Poema no Caminho, de Tiago Cardoso Gomes, e do espaço de formação contendo o acervo
complementar de livros de literatura do PNAIC.
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Na formação, os orientadores de estudo são analisados por meio do portfólio, tanto pelo
foco dos conhecimentos didáticos quanto pelas concepções que embasam o material didático da
política proposta, nos seguintes aspectos: definição dos conteúdos tratados; seleção das estratégias
utilizadas em cada proposta; caminhos autorais na confecção dos encontros de formação e as
intervenções previstas diante da realidade local e aquelas realizadas nos eventos da formação.
Ao final da vivência estética do espaço e da obra, ao analisarmos os portfólios dos vinte
cinco municípios, avaliando o encontro de formação, destacamos os enunciados dos participantes
sobre a seguinte questão: Ensinar literatura para quê?
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Fotografia 2: acervo pessoal da pesquisadora do ano de 2013, contendo o momento de escrita do enunciado
“Abaixo as migalhas do saber, literatura na escola, ler produzir e escrever".
Abstract
The article discusses the contemporary policies of continuing teacher education through a text of experience
that raises didactic training strategies constructed from singular acts of the pact meetings through events
originated in the context of the formation of the Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. It is
anchored in the Bakinian perspective and its triad art, life and knowledge, to analyze how trainers elaborate
their formative strategies. With this theoretical framework, the author develops some proposals for the
continuous formation of teachers of reading and writing, organized in the following categories: formation as a
meeting and dialogical didactic strategies of literary reading as a right in the formation.
Key words: public policy; Continuing teacher education; reading; Writing; literature.
Notas Explicativas
1 A Carta Aberta em defesa do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa encontra-se disponível em:
http://www.anpae.org.br/website/documentos/CartaAbertaemDefesadoPNAIC.pdf . Acesso em: 25 de
setembro de 2015.
2 As categorias de simetria e dissimetria, foram discutidas por Adail Sobral (2015), ao refletir sobre as
condições da interação nas práticas pedagógicas na escola. A primeira refere-se à premissa da igualdade entre
os seres humanos, e a segunda diz respeito às posições distintas estabelecidas pelas relações sociais entre os
participantes da interação, valorizando os saberes docentes construídos em diferentes contextos nos quais
estão inseridos: na escola, nos curso de formação, nas leituras, nos debates políticos, ou seja, na imersão da
vida.
3 A equipe de formadoras era constituída, no ano de 2013, por cinco docentes vinculadas a instituições
públicas de ensino no Rio de Janeiro e a grupos de pesquisa. Duas atuavam no ensino fundamental, três no
ensino superior e uma atuava em um grupo de pesquisa.
4 Tiago Cardoso Gomes é doutorando em Artes Visuais pela Escola de Comunicações e Artes de Universidade
de São Paulo, Mestre em Artes Visuais pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo
(2013) e Bacharel em gravura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2005).
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