Mcotinguiba, o Carater Educador
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MARGINAL EM FOCO
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo abordar o caráter humanizador e transformador da literatura, em
especial da literatura marginal. Partindo desse ponto aborda-se também a importância dos saraus
literários para a disseminação do conhecimento e acesso à arte. Apresentando um pequeno diálogo
entre a literatura marginal e a literatura canônica, mostrando que ambas têm muito a contribuir e que
as diferenças impostas a estas são feitas por aqueles que detêm o poder e sentem a necessidade de
segregar o conhecimento. Discute-se a questão da representatividade na literatura e que esta pode ser
usada como resistência ao sistema excludente do qual fazemos parte. Além de abordar um breve
diálogo entre o conceito de razão metonímica, saber científico e cânone literário. Para isso estaremos
embasados teoricamente em Antônio Candido, Alfredo Bosi, Paulo Freire, Ferréz, Boaventura de Sousa
Santos e Ivan Illich. Inicia-se apresentando brevemente a literatura e os saraus e sua dimensão
formativa. Faz-se uma discussão entre literatura e cânone, com base na ideia de razão indolente de
Boaventura de Sousa Santos. Em seguida aborda a questão da literatura e seu papel transformador.
Por último, apresenta-se a pesquisa realizada em torno de um sarau poético realizado em Garanhuns
/ PE.
ABSTRACT
This article aims to address the humanizing and transformative character of literature, especially
marginal literature. Starting from this point, we also discuss the importance of literary works for the
dissemination of knowledge and access to art. It presents a small dialogue between marginal literature
and canonical literature, showing that both have much to contribute and that the differences imposed
on them are made by those who hold power and feel the need to segregate knowledge. We also discuss
the question of representativeness in the literature and that it can be used as resistance to the
INTRODUÇÃO
A literatura possibilita àqueles que a ela tem acesso enxergar o mundo de forma
expandida. Quando explorada propicia a formação do homem de forma integral,
proporcionando a transformação da sociedade através do diálogo que há entre o texto
e o mundo. É possível pensar em uma transformação social através da literatura, mas
para isso é necessário repensar as formas de acesso a esta. Tornar a literatura um
bem disponível para todos, possibilitar o verdadeiro direito à literatura que, no mais
das vezes, é negado. Como bem nos diz Candido (2002):
A literatura marginal tem trazido à tona, reflexões que, muitas vezes, são
mascaradas por aqueles que têm interesse de mascarar a realidade. Os saraus
poéticos têm se caracterizado como espaços sociais que dão voz àqueles que
geralmente são excluídos da sociedade. São espaços que além de voz, proporcionam
o primeiro contato de muitos com o universo da literatura. A maior parte desses saraus
traz discussões sociais, debatem o cotidiano, a realidade do país e são, portanto,
espaços formadores de leitores, autores e cidadãos críticos que pensam o que vivem.
Nesses ambientes, a literatura que por muitos é sacralizada, perde esse viés e torna-
se bem comum, direito de todos, como cita Chamone (2016),
Dessa forma, a literatura pode se mostrar como uma forma de resistência, por
abordar temas como o racismo, a homofobia, a política, o machismo, o feminismo, a
corrupção, entre outros que a elite da sociedade busca encobrir. Por incluir aqueles
que estavam às margens, por dar voz, por possibilitar a formação de leitores e também
escritores.
Os espaços de encontros literários têm se propagado e é de importância
tamanha dizer que esses espaços são ambientes riquíssimos para a disseminação do
conhecimento. Não são espaços que formatam pessoas, são espaços que propiciam
o debate construtivo, diferente da escola formadora que fomenta ainda mais as
diferenças de classes e oferecem o conhecimento como se este fosse uma
mercadoria. É sobre isso que Illich (1985) diz que:
O todo é visto como algo completo por partes, porém é como se essas partes
não pudessem sustentar-se fora da totalidade.
Na literatura como um todo, tem-se uma heterogeneidade de textos, estética,
técnicas, porém o que prevalece é aquilo estabelecido pelo cânone, o que é
considerado alta literatura pela crítica literária. O cânone é tido como
A literatura marginal […] é uma literatura feita por minorias, sejam elas raciais
ou socioeconômicas. Literatura feita à margem dos núcleos centrais do saber
e da grande cultura nacional, ou seja, os de grande poder aquisitivo (FERRÉZ,
2005, p. 12).
Jogando contra a massificação que domina e aliena cada vez mais os assim
chamados por eles de “excluídos sociais” e para nos certificar que o povo da
periferia/favela/gueto tenha sua colocação na história, e que não fique mais
500 anos jogado no limbo cultural de um país que tem nojo de sua própria
cultura, a literatura marginal se faz presente para representar a cultura de um
povo, composto de minorias, mas em seu todo uma maioria. (FERRÉZ, 2005,
p. 11).
Podemos citar como exemplo de conquista desse espaço, dessa literatura que
liberta, a experiência do Sarau da Cooperifa, realizado em um bar da periferia de São
Paulo ou também o Projeto Poesia na Rua, realizado na cidade de Garanhuns, interior
de Pernambuco. Apesar de o Poesia na Rua não se reconhecer como projeto que
propaga a literatura marginal, este o faz. O objetivo do projeto é o incentivo à leitura e
criação poética, além de, a divulgação dos escritores que se encontram à margem do
sistema editorial – característica da literatura marginal. Os espaços de acesso à arte
multiplicam-se e, sobretudo, entre aqueles que não tinham acesso ou que o acesso
era raro. Para Heloísa Buarque de Hollanda (2007), a poesia marginal da década de
1970
A literatura é dama triste que atravessa a rua sem olhar para os pedintes,
famintos por conhecimento, que se amontoam nas calçadas frias da senzala
moderna chamada periferia. Frequenta os casarões, bibliotecas inacessíveis
ao olho nu e prateleiras de livrarias que crianças não alcançam com os pés
descalços. Dentro do livro ou sob o cárcere do privilégio, ela se deita com
Victor Hugo, mas não com os Miseráveis. Beija a boca de Dante, mas não
desce até o inferno. Faz sexo com Cervantes e ri da cara do Quixote. É triste,
mas A rosa do povo não floresce no jardim plantado por Drummond. Quanto
a nós, Capitães da areia e amados por Jorge, não restou outra alternativa a
não ser criar o nosso próprio espaço para a morada da poesia. Assim nasceu
o sarau da Cooperifa. Nasceu da mesma Emergência de Mário Quintana e
antes que todos fossem embora pra Passárgada, transformamos o boteco do
Zé Batidão num grande centro cultural. Agora, todas às quartas-feiras,
guerreiros e guerreiras de todos os lados e de todas as quebradas vem
comungar o pão da sabedoria que é repartido em partes iguais, entre velhos
e novos poetas sob a benção da comunidade. Professores, metalúrgicos,
donas de casa, taxistas, vigilantes, bancários, desempregados, aposentados,
mecânicos, estudantes, jornalistas, advogados, entre outros, exercem a sua
cidadania através da poesia. Muita gente que nunca havia lido um livro, nunca
tinha assistido uma peça de teatro, ou que nunca tinha feito um poema,
começou, a partir desse instante, a se interessar por arte e cultura. O sarau
da cooperifa é nosso quilombo cultural. A bússola que guia a nossa nau pela
selva escura da mediocridade. Somos o grito de um povo que se recusa a
andar de cabeça baixa e se prostra de joelhos. Somos o poema sujo de
Ferreira Gullar. Somos o Rastilho da Pólvora. Somos um punhado de ossos,
de Ivan Junqueira Tecendo a manhã de João Cabral de Melo Neto. Neste
instante, neste país cheio de Machados se achando serra elétrica, nós somos
a poesia. Essa árvore de raízes profundas regada com a água que o povo
lava o rosto depois do trabalho (VAZ, 2008, p. 12).
O texto reflete o cansaço dos julgamentos, dos rótulos que diariamente nos são
impostos. Reflete o cansaço e a luta das mulheres negras que são postas à prova
todos os dias. Os outros textos presentes no zine são de conteúdos variados, a poesia
que versa sobre o amor, sobre os cansaços do dia a dia, sobre as decepções, sobre
ser gente na sociedade em que vivemos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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- Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 2016. Disponível em:
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-21122016-110935/pt-br.php.
Acesso em: maio 2017.
FERRÉZ (org.). Literatura Marginal: talentos da escrita periférica. Rio de Janeiro: Agir,
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HOLLANDA, Heloísa Buarque de. 26 Poetas hoje. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2007.
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MOISÉS, Leyla Perrone. Altas literaturas. São Paulo: Companhia da Letras, 2009.