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Como um clássico se torna um clássico?

A fronteira entre arte e


entretenimento na literatura
Marina Pastore1

Resumo
Este texto busca analisar as causas e origens da distinção que costuma ser feita entre “alta”
e “baixa” literatura, discutindo também a atual diluição destes conceitos com o avanço das
redes sociais. Alguns gêneros literários, como a autoajuda, a ficção policial ou o romance
feminino, em geral são tidos a priori como de qualidade inferior; o valor literário é
reservado ao domínio dos clássicos e da “literatura de proposta”, expressão sugerida por
Umberto Eco para designar o tipo de literatura que não atende às expectativas do leitor,
mas consegue formar um público próprio e cria novas expectativas para ele. A partir de
conceitos da filosofia da comunicação, este trabalho abordará as origens desta
diferenciação e o processo de revisão que ela sofre atualmente.
Palavras-chave: Literatura; Teoria Literária; Crítica Literária; Arte; Entretenimento.

A ideia de que existe uma verdade que não é visível já está presente no imaginário
humano desde a Grécia antiga: Platão falava de um mundo ideal, acessível apenas pelo ato
de filosofar, onde estariam contidas as verdadeiras essências das coisas. O mundo acessível
pelos sentidos não seria mais do que uma sombra:

Os gregos não se preocuparam em saber por que a realidade fica escondida. Limitaram-se a
constatar que o mundo existe e que a realidade das coisas nem sempre se revela
integralmente. As constatações levaram a problematizar realidade e verdade e, com a
emergência da razão, surge a obsessão de encontrar o princípio das coisas ou a substância,
no interior delas mesmas e não fora, como no mito. (Vasconcellos, 2003: 55).

1
Estudante do 8º semestre do curso de graduação em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo da
ECA- USP.

Revista Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Graduação


Ano 6 - Edição 1 – Setembro-Novembro 2012
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Esta obsessão pela essência das coisas de que fala Vasconcellos, referindo-se a
Platão, pode ser relacionada ao hábito contemporâneo de ler um texto literário procurando
identificar o que o autor “quis dizer”: algum sentido oculto presente num patamar mais
elevado, além do significado imediato das palavras, atingível pela reflexão intelectual. É
como se a literatura entendida como expressão artística fosse definida por um atributo
espiritual – a maneira como é contada, deixando possibilidades de interpretação –,
enquanto a literatura caracterizada por um atributo material – a própria história que é
contada – é vista apenas como entretenimento.
A distinção entre estas duas formas de literatura – obra de arte, de um lado, e
produto comercial de outro – começa a se estabelecer com o aparecimento de um dos
primeiros produtos da cultura de massa: o romance-folhetim. Antes de passar a se referir a
uma narrativa publicada em capítulos diários, o termo feuilleton já era usado para designar
um espaço nos jornais reservado ao entretenimento, à crônica de costumes, às resenhas
literárias e à ficção. A expressão roman-feuilleton teve origem em 1836, no jornal francês
La Presse, e o formato atingiu seu auge no início da década de 1840:

O romance-folhetim, “adaptado às novas condições de corte, suspense, com as necessárias


redundâncias para reativar memórias ou esclarecer o leitor” se tornou a fórmula de sucesso
dos jornais e sua base de sustentação financeira. (…) A consagração desse gênero se deveu,
em grande parte, à sua estrutura narrativa, mas também foi possibilitada pelas
transformações econômicas e sociais que fizeram parte de um processo muito maior: a
revolução industrial que, com sua demanda por trabalhadores melhor qualificados,
promoveu a alfabetização em massa – o que forneceu às empresas jornalísticas um grande
número de leitores (…). (Paz, 2004: 7)

A popularidade do folhetim junto ao grande público trouxe consigo muitas críticas


por parte de intelectuais da época, temerosos de que esta “literatura industrial” tomasse o
lugar da literatura erudita:

A partir desse momento a prosa literária passou a ser dividida, por uma linha de
demarcação que viria a não admitir o borrar de fronteiras, entre textos que se devotam ao
‘consumo fácil’ e narrativas que ‘se consagram à arte’. Essa bipartição, caracteristicamente
maniqueísta e redutora, (…) forneceu munição para que os defensores do cânone literário
conceituassem a literatura de entretenimento como produto de estratagemas
mercadológicos e subproduto da literatura culta, destituída de qualquer valor que não seja o
comercial. (Paz, 2004: 8)

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Desde então, a despeito das mudanças no formato da literatura dita “comercial”,


que saiu dos folhetins para chegar às livrarias em grandes tiragens, perdura a linha que
separa as duas modalidades de literatura. No imaginário, a distinção é clara: a literatura
erudita – ou “de proposta”, nas palavras de Umberto Eco – exige esforço por parte do
leitor, usa a linguagem de forma sofisticada, apresenta uma nova visão de mundo. Já a
literatura comercial, ou de entretenimento, é simples lazer, e explora temas sentimentais ou
divertidos por meio de uma linguagem simples com um único objetivo: vender. Mas, numa
análise empírica, como diferenciar claramente em que lado desta linha está cada obra?
Quais são os critérios que separam um livro clássico, que sobreviverá à passagem do
tempo pelo seu caráter inteligente, de proposta, de um livro que será popular apenas até a
próxima moda?

A definição de “clássico”
Em seu ABC of Reading, publicado pela primeira vez em 1934, Ezra Pound já
definia a literatura não simplesmente como qualquer obra escrita, mas como uma forma de
arte correspondente a um padrão técnico de linguagem que lhe conferisse uma
concentração de significado:

A palavra literatura, previamente definida por ele como a mais alta das manifestações
humanas, por ser ‘linguagem carregada de significado até o máximo grau possível’ (ABC,
p. 32), passa a ser, para Pound, um qualificativo. Quando ele escreve: ‘A Portrait de Joyce
é literatura’, está feito o maior elogio. (Perrone-Moisés, 1998: 146).

Assim, um paradigma do que é “literário”, isto é, a visão de que só é considerado


como possuidor de valor artístico um texto que corresponda a um cânone pré-estabelecido,
concentra-se na linguagem e opõe o domínio da ação – a história que é contada – ao da
reflexão – a maneira pela qual ela é contada. Julgado a partir desta luz, um livro policial ou
infantojuvenil, cujos objetivos primários concentram-se mais na narrativa do que nas
experimentações linguísticas, dificilmente é considerado “literário”, e cai na denominação
genérica de “literatura comercial” ou “de entretenimento”.
Outros autores também cunharam suas próprias definições do que seria considerado
um livro clássico. Para Borges, “Clássico é aquele livro que uma nação ou grupo de
nações, ou o longo tempo, decidiram ler como se em suas páginas tudo fosse deliberado,

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fatal, profundo como o cosmo e capaz de interpretações sem término” (Borges, 1974 apud
Perrone-Moisés, 1998, p. 149). Novamente a distinção entre o clássico e o não-clássico
recai sobre a linguagem, mas aqui o elemento da decisão tem um papel importante: para
Borges, o que faz uma obra perdurar não é tanto alguma característica intrínseca a ela, e
sim a escolha de lê-la de determinada maneira. Desta forma, ainda que existam autores
clássicos reconhecidos de maneira relativamente universal – como Dante, Balzac, Tolstói
ou o próprio Borges –, outros são elegidos como tais apenas dentro de um país ou grupo de
países.
Calvino vai ainda mais longe ao colocar a definição do clássico não numa esfera
nacional, mas individual:

Os clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são
lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos. Naturalmente isso ocorre
quando um clássico “funciona” como tal, isto é, estabelece uma relação pessoal com quem
o lê. Se a centelha não se dá, nada feito: os clássicos não são lidos por dever ou por respeito
mas só por amor. (Calvino, 2002: 13).

Se uma obra só é clássica quando “funciona” como tal, cada leitor pode eleger sua
própria seleção: Calvino conclui que, hoje, quando nosso ritmo de vida cada vez mais
acelerado não permite uma educação clássica baseada em extensas leituras, “Só nos resta
inventar para cada um de nós uma biblioteca ideal de nossos clássicos” (Calvino, 2002:
16). Assim, ao invés de autores universais, teríamos uma pequena coleção de interesses
individuais. Nos dias de hoje, em que qualquer interesse individual pode encontrar uma
comunidade de adeptos em alguma rede social e, assim, legitimar-se, este confinamento a
uma biblioteca individual parece valer mais do que nunca, como se verá mais adiante.

O papel da crítica
Segundo Danilo Marcondes, é o conceito hermenêutico de interpretação que
formou a base das ciências humanas e sociais:

A cultura é entendida assim como um sistema simbólico, um sistema de significados que


deve ser interpretado. (…) Enquanto as ciências da natureza, de acordo com esta visão, têm
como objeto uma realidade até certo ponto homogênea e imutável em sua constituição
básica, isto é, o mundo natural, as ciências humanas têm como objeto um mundo que
possui uma diversidade, uma multiplicidade de sentidos, devendo ser reflexivas na medida
em que visam em última análise entender o próprio entendimento humano, ver como os
homens se veem a si mesmos. (Marcondes, 2001: 141-142).

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Sob esta ótica, parece natural que uma literatura que se volta para fora – para o fato
– seja deixada de lado como objeto de estudo e análise em favor de uma literatura
reflexiva, na qual o protagonismo não cabe ao que é narrado, mas à própria linguagem, a
seus usos, experimentações e interpretações possíveis, ao espaço que ela abre para a
subjetividade. É o uso da linguagem, afinal, que aparece como característica distintiva nas
definições do que é considerado literatura.
Ainda que a crítica literária tenha perdido espaço nos meios de comunicação
tradicionais, durante muito tempo ela foi formadora de opinião do público leitor e, em certa
medida, ainda é, a despeito do círculo restrito em que circulam os cadernos literários e,
mais ainda, as discussões acadêmicas. A quase ausência de determinados gêneros –
autoajuda, romance policial, ficção feminina, ficção científica, fantasia – na produção
crítica contribui para a percepção geral de que estes tipos de livro são algo de diferente dos
romances “literários” cujas resenhas aparecem nos cadernos culturais dos grandes jornais e
nas revistas especializadas.
Segundo Leyla Perrone-Moisés, enquanto a crítica literária tradicional, no meio
acadêmico, torna-se mais analítica e menos judiciativa, os próprios escritores passam a
exercer a atividade de críticos:

Cada vez mais livres, através do século XIX e sobretudo do XX, os escritores sentiram a
necessidade de buscar individualmente suas razões de escrever, e as razões de fazê-lo de
determinada maneira. Decidiram estabelecer eles mesmos seus princípios e valores, e
passaram a desenvolver, paralelamente às suas obras de criação, extensas obras de tipo
teórico e crítico. (Perrone-Moisés, 1998: 11)

Mas a atividade do escritor-crítico é necessariamente parcial, porque está a serviço


de sua própria atividade como autor. Os valores que norteiam o julgamento estão ligados a
seus próprios projetos – e o que une a produção crítica de autores como Pound, Borges e
Calvino é “uma experiência partilhada da linguagem poética e o projeto comum de levá-la
a um ‘padrão universal’ de excelência” (Perrone-Moisés, 1998: 144). Confinando seu
campo de atuação a uma literatura restrita aos clássicos e aos contemporâneos que atingem
um padrão pré-determinado, a crítica literária é levada ao solipsismo, entendido como “o
isolamento da consciência individual em relação ao mundo externo, a tudo que lhe é outro,
diferente do sujeito” (Marcondes, 2001: 142). O outro é ignorado, ainda que apareça nas
listas de mais vendidos – aliás, justamente por aparecer nas listas de mais vendidos;

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também fabricou-se o consenso de que, se um livro é um best-seller, é quase certamente


ruim, sem profundidade, escrito com propósitos estritamente comerciais. Há raras e
notáveis exceções, que são então apropriadas ao campo de estudo da crítica: J. R. R.
Tolkien sai do nicho da fantasia para ser entendido como uma obra essencial da literatura
inglesa, assim como o “1984” de George Orwell pode ser apreciado fora do círculo de
leitores de ficção científica como um clássico.

A questão do preço
Outro consenso – não apenas da literatura, mas que também se aplica a ela – é o de
que o preço diz algo de definitivo sobre a qualidade de um produto. Se algo é barato, é
quase que necessariamente ruim; o preço confunde-se com o valor. Esta percepção se faz
presente no conflito entre as grandes editoras norteamericanas e a Amazon em relação aos
descontos que esta oferecia sobre os e-books à venda. Buscando criar um mercado para os
livros eletrônicos (e garantir uma fatia majoritária nele), até 2010, a Amazon comprava e-
books de grandes editoras pelo valor médio de US$14.99 e os revendia por US$9.99,
arcando com um prejuízo que era, em parte, compensado pelas vendas de seu leitor de
livros digitais, o Kindle. Assim, criou-se o medo de que o valor de US$9.99 se
consolidasse no imaginário do consumidor como o preço correto de um livro, produto que
pareceria desvalorizado.
Foi este um dos fatores que motivou o surgimento de um novo modelo de negócios,
no qual a editora controla o preço de venda e a livraria fica com uma porcentagem do
valor, não podendo oferecer descontos aos consumidores. Hoje, lançamentos de grandes
editoras em formato e-book são vendidos por cerca de US$14.99 e a Amazon – assim
como as demais livrarias - fica com 30% do valor como comissão. A editora ganha menos,
mas o valor percebido do livro é maior.
A nova regra do mercado abriu espaço para que os autores que optam por não
utilizar os serviços de uma editora – os autores independentes, ou selfpublishers –
passassem a usar o preço como diferencial, vendendo seus livros dentro da faixa dos
US$0.99 – US$2.99. Este é o preço que o leitor aceita pagar por um produto que percebe
como inferior, já que não conta com o trabalho editorial profissional; ao mesmo tempo, se
um livro custa US$0.99, a percepção inconsciente é a de que ele deve conter simples
literatura de consumo, nada muito elaborado nem pertencente à “alta” literatura. Daí o

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esforço por parte das editoras, até mesmo no campo legal, em manter os preços de seus e-
books relativamente elevados, ainda que isto signifique receita menor no curto prazo.
Nos EUA, as últimas pesquisas sobre a leitura digital também mostram um dado
interessante: as vendas de e-books são alavancadas pela “genre fiction”, isto é, justamente
pelos gêneros que são tidos como “literatura comercial”. Segundo um estudo de 2011 feito
pelo Publishers Weekly e pela fundação Bowker, toda a “ficção literária” é responsável por
20% das vendas de e-books; já a ficção científica sozinha é responsável por 19%, seguida
por outros gêneros, como a ficção cristã, com 16%.
Este fato pode ser explicado por uma multiplicidade de razões, entre elas o preço
destes livros, que tende a ser baixo, e a rapidez e praticidade com que podem ser
comprados no formato e-book, potencializando as compras por impulso (fator importante
no caso de romances policiais, por exemplo, cujos autores costumam ter muitos leitores
ávidos). Mas estes dados também remetem ao fato de que um livro “literário” é também
um objeto, é algo cujo valor passa tanto (ou mais) pela possibilidade de colocá-lo em
exposição na estante quanto pela leitura. Em contrapartida, um livro “comercial” pode ser
comprado, lido e jogado fora – ou era, no caso dos paperbacks; agora, o contato com o
objeto físico não é mais necessário em nenhum momento. É possível comprar o livro com
poucos cliques, lê-lo e deixá-lo para sempre esquecido numa pasta virtual, ocupando quase
nenhum espaço. Acabou também a vergonha de ler determinados livros em público: num
leitor de livros digitais como o Kindle, ninguém sabe se você está lendo Machado de Assis
ou um romance erótico de banca.

O traço do autor
Qual a real necessidade, porém, de ter nomes diferentes para o que seriam duas
categorias de literatura – uma comercial, de simples entretenimento, e outra tida como
erudita? Seriam estas duas atividades diversas, que geram produtos diferentes com funções
diferentes, um massificado e o outro artístico – e seriam estas dimensões mutuamente
excludentes?
Uma das características que definem o tipo de literatura abordado pela crítica é a
originalidade: o autor que se destaca é o que deixa indícios de si mesmo nos textos,
desenvolvendo um estilo próprio composto de detalhes que revelam a sua individualidade,
de experimentações com a linguagem, de pequenas sutilezas que enriquecem o contexto da
obra e que abrem espaço para interpretações possíveis. É este um dos fatores que fazem

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com que este autor seja reconhecido como artista, diferentemente do escritor de best-sellers
em série.
O tempo de escrita e maturação do livro também tem seu papel nesta distinção:
enquanto a popular escritora Nora Roberts chegou a publicar 10 livros em um único ano,
atingindo um total de mais de 200 obras em toda a sua carreira, Jeffrey Eugenides levou
nove anos entre a publicação de Middesex, seu romance vencedor do Pulitzer de 2002, e
seu último livro, A trama do casamento. Como este fator interfere na obra de cada autor?
Em certa medida, escritores identificados com determinados gêneros não são vistos como
“literários” – mesmo que sua “marca” seja reconhecível numa temática ou maneira de
escrever particular – por se prenderem, em maior ou menor grau, a alguma forma (ou
fórmula) que delimita tal gênero. A produção em série oferece apenas “mais do mesmo”,
encorajando uma visão de mundo passiva e superficial, em oposição a um texto
efetivamente literário, que põe “em crise nossas expectativas”, nos oferece “uma nova
imagem do mundo”, “renova nossas experiências” (Eco, 1989: 120). Se, na literatura
ocidental, a caligrafia perdeu importância em favor da impressão mecânica, padronizada, o
traço deixado pelo autor não – ao menos aos olhos da crítica. A novidade é um dos fatores
presentes nos vagos critérios de julgamento crítico: “Um clássico é um clássico não porque
esteja conforme a certas regras estruturais ou se ajuste a certas definições (das quais o
autor clássico provavelmente jamais teve conhecimento. Ele é clássico devido a uma certa
juventude eterna e irreprimível” (Pound, 1918, apud Perrone-Moisés, 1998: 145).
Este raciocínio, entretanto, supõe que toda ficção de gênero é, por definição,
confinada dentro de um padrão e não abre espaço para o artístico. Esta é uma noção a
priori, que prescinde da experiência – nunca faltaram não-leitores de autoajuda para
criticar este filão do mercado editorial – e que restringe a literatura ao propósito de
experimentar com a linguagem, colocando fora do âmbito do “literário” qualquer obra que
tenha um objetivo diferente, como o de simplesmente contar uma história. O público – ou
parte dele – coloca estes gêneros num patamar inferior porque a crítica os ignora e
continua a ignorá-los a despeito do papel inclusivo que eles podem representar; para um
leitor iniciante, a obrigação de ler apenas os clássicos e romances complexos pode colocar
a literatura como uma atividade exaustiva e penosa. Já uma literatura de linguagem mais
simples pode servir como introdução à atividade de leitura, o que, especialmente no Brasil,
em que poucos são os leitores de qualquer nível, tem sua importância. É o que diz o poeta e
crítico literário José Paulo Paes ao propor uma “teoria do degrau”: a literatura de

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entretenimento estimularia o hábito da leitura, que permitiria, então, o acesso ao patamar


da literatura erudita. Mas mesmo esta não deixa de ser uma visão um pouco
preconceituosa, colocando certos gêneros como uma etapa de transição rumo a outros mais
“elevados”. A validade desta percepção merece ser posta em discussão.

O questionamento
Em seu Altas literaturas, Leyla Perrone-Moisés apresenta um rápido panorama da
crítica que ajuda a compreender por que ela vem perdendo espaço na formação do leitor
contemporâneo:

Pela própria etimologia da palavra, crítica implica julgamento (krinein = julgar). Desde sua
prática autoritária no século XVII, sob a forma de decretos da Academia, passando pelas
escolhas já pessoais dos críticos do século XVIII, até o fim do século XIX, quando ela
atingiu a plenitude de seus meios e de seu poder como instituição autônoma, a crítica
literária reivindicou e exerceu a função de julgar. (…) Ao longo do século XX, essa certeza
foi sendo abalada. No mal-estar de um julgamento cada vez mais desprovido de critérios
estáveis, a crítica, modesta, contentou-se em explicar os textos ou, ‘científica’, pôs-se a
analisar. Até que a desconstruíssem, indagando se “o simples projeto de um krinein não
pertenceria ao mimetologismo metafísico”. (Perrone-Moisés, 1998: 9)

Diversos sinais em várias frentes indicam que o paradigma do “literário” começa a


ser, por um lado, questionado, e por outro, deixado de lado por uma comunidade de
leitores que se une em torno de certos livros, sem se importar com a classificação deles
como obras “comerciais” ou não.
O gênero dos quadrinhos, historicamente marginalizado, saiu do domínio exclusivo
das editoras especializadas para ganhar espaço dentro de grandes casas editorais, e teve seu
valor literário legitimado por prêmios importantes: a edição número 19 de Sandman, de
Neil Gaiman, ganhou o World Fantasy Awards de 1991 por melhor ficção curta; Maus, de
Art Spiegelman, ganhou inúmeros prêmios, incluindo o Pulitzer de 1992. Estes autores e
outros, como Robert Crumb e Marjane Satrapi, já são reconhecidos por sua obra e são
abordados pela crítica. Mas mesmo aqui há uma seleção: quadrinhos “sérios” de um lado,
histórias de super-herói do outro.
Entre os próprios escritores, a possibilidade de figurar entre os clássicos da
literatura já não é mais o objetivo primário. Em 1998, Leyla Perrone-Moisés já falava do
afastamento entre o cânone e a produção contemporânea:

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Os novos escritores não estão nem um pouco interessados em ingressar futuramente no


cânone; interessa-lhes ter seus livros rapidamente publicados, traduzidos em línguas
hegemônicas, adaptados para o cinema e a televisão; para conseguir esses objetivos, não é
necessário ‘um longo assentimento’, basta figurar na lista dos mais vendidos. (Perrone-
Moisés, 1998: 176)

Os livros ditos “comerciais” também vêm ganhando espaço, assim, dentro das
próprias editoras, inclusive com a criação de selos próprios dedicados a eles – caso da
Editora Paralela, selo inaugurado recentemente pela Companhia das Letras. Mas se, por
um lado, as editoras se voltam clara e conscientemente para este mercado, por outro, ainda
sentem a necessidade de separar os livros de entretenimento sob a alçada de um novo selo,
mantendo sua marca principal e já consagrada associada a obras “literárias”. Esta é uma
discussão que precisa se fazer mais presente. Será que o fato de nenhuma obra de ficção ter
ganho o prêmio Pulitzer deste ano não é indicativo de uma crise do gênero, ou ao menos de
um descompasso entre produção e crítica?

Literatura nas redes


O desenvolvimento e a popularização da internet e de suas ferramentas fez com que
o público leitor passasse a ter à mão diversos meios para sobrepôr-se à crítica na decisão
do que é e não é relevante. Segundo Calvino, “Os clássicos são aqueles livros que chegam
até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os
traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na
linguagem ou nos costumes)” (Calvino, 2002: 11). Esta definição coloca o leitor no centro
do palco que irá decidir se uma obra passa ou não à categoria dos clássicos da literatura;
mas não qualquer leitor: apenas o grupo restrito daqueles que tornarão públicas as suas
ideias, ou, nas palavras de Leyla Perrone-Moisés, o leitor-escritor-crítico:

Não é o leitor comum (…), mas sim o leitor que se torna escritor quem define o futuro das
formas e dos valores. O que leva a literatura a prosseguir sua história não são as leituras
anônimas e tácitas (que têm um efeito inverificável e uma influência duvidosa, em termos
estéticos), mas as leituras ativas daqueles que se prolongarão, por escrito, em novas obras.
(Perrone-Moisés, 1998: 13)

A questão da autoridade levantada por este trecho é extremamente válida num


contexto em que a circulação de ideias escritas está reservada a quem consegue publicar

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um texto num livro, jornal ou revista. Quando há um espaço impresso limitado a


preencher, o próprio ato de escolher uma obra como objeto de crítica já traz implicitamente
uma valoração. Mas hoje, quando qualquer um que tenha um computador com conexão à
internet é um potencial escritor, a autoridade da crítica se dilui:

O compartilhamento de informações nas sociedades de massa contemporâneas vem


migrando do broadcasting unidirecional das empresas de comunicação ao microcasting
multidirecional e dos usuários das redes, em que cada um dos participantes tem a liberdade
para se conectar aos demais, ao mesmo tempo em que desaparece o conceito de
centralidade: nas redes sociais, o centro está em todas as partes. (Romanini, 2011-2012: 62)

As recomendações feitas pelo boca-a-boca, que sempre existiram, são


potencializadas pelas redes sociais: algumas plataformas de leitura online permitem o
compartilhamento imediato de trechos de texto, estimulando o marketing espontâneo feito
por cada leitor. É o caso da própria Amazon, que dá grande relevância às resenhas de
leitores na página dedicada a cada livro; do Kobo, leitor de e-books que traz a integração
com o Facebook, permitindo o compartilhamento de textos e de “prêmios” virtuais que são
ganhos à medida que se lê; e do Citia, aplicativo para iPad que potencializa ainda mais o
aspecto fragmentado e compartilhável da leitura contemporânea: o programa oferece
versões de livros reorganizadas na forma de decks de cartas, cada um explorando um dos
conceitos discutidos na obra original. Cada um destes cartões pode ser enviado facilmente
para o Twitter, Facebook ou por e-mail.
Por outro lado, os clássicos da literatura não deixam de estar presentes nestas
mesmas redes, mas também em formato curto, de leitura fácil, rápida e compartilhável:
“Sua dose de Clarice Lispector”, “Frases de Fernando Pessoa”, “Devaneios de
Dostoiévski”, estão todos ao alcance de um clique no Facebook.
É preciso destacar também a importância das redes sociais voltadas especificamente
à leitura, como o Goodreads e os brasileiros Skoob e O Livreiro, nas quais se constroem
fortes comunidades de leitores que partilham os mesmos interesses – e, assim, cada leitor
pode construir a biblioteca individual de que falava Calvino, cada vez mais ensimesmada
dentro de um nicho seguro e agradável. Mais ainda, vêm surgindo novas redes cada vez
mais específicas, especializadas apenas num gênero: The Dark Pages, voltada a livros
policiais; Books and the City, relacionada a romances femininos; e, extrapolando ainda
mais esta tendência, Pottermore, dedicada exclusivamente à série infantojuvenil de J. K.
Rowling.

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É sintomático que boa parte destas redes sociais específicas tenham sido criadas,
desenvolvidas e organizadas por grandes editoras, que vêm tentando transformar a ameaça
do digital em oportunidade. Se, hoje, autores independentes podem identificar um bom
nicho de mercado, escrever especificamente para ele e publicar seus próprios livros de
maneira autônoma, não resta muita escolha às editoras a não ser também marcar presença
nestes nichos, sob pena de ver-se ilhada e de ter sua autoridade cada vez mais ameaçada:

A busca pela comunicação a todo custo também produziu uma progressiva confusão nos
papéis sociais que, no passado, eram muito mais bem definidos entre profissionais da
informação (jornalistas, radialistas, edtores, publicitários etc.), profissionais do
conhecimento (cientistas, intelectuais, professores etc.) e profissionais da ação (políticos,
governantes, burocratas etc.). A ágora mediática e em tempo real da democracia
informatizada embaralhou de tal forma esses papéis, aproximou-os tanto que o público já
não reconhece mais sua autoridade. (Romanini, 2008: 234)

O empoderamento do leitor – que, agora mais do que nunca, dita a escolha dos
próximos livros a serem contratados pelas editoras – acaba criando até mesmo novas
formas de escrita. É o caso do Book Country, site desenvolvido pela editora Penguin que
permite a publicação de autores independentes, em gêneros que transitam principalmente
entre a fantasia e a ficção científica. O modelo se aproxima dos sites de fanfiction, em que
as histórias costumam ser publicadas de forma seriada e os autores recebem feedback
instantâneo de seus leitores. A diferença, aqui, é que a curadoria fica a cargo da equipe de
uma grande editora – e quem se destaca tem a chance de ser publicado de maneira
tradicional, fato que aconteceu pela primeira vez com a romancista Kerry Schafer em
janeiro de 2012. Na era da autopublicação, em que as próprias livrarias oferecem
ferramentas para que autores independentes enviem seus arquivos de texto e vejam-nos
transformados em livros digitais ou impressos sob demanda, a nova função do editor
parece ser a de indicar ao público o que é bom no meio de uma infinidade de textos – mas,
neste caso, a autoridade editorial veio legitimar algo que o público já aprovara. A lógica de
poder começa a inverter-se:

A emergência de movimentos e grupos auto-organizados nas redes sociais demonstra a


transformação no conceito de líder de opinião, o gatekeeper, que na teoria tradicional da
comunicação de massa assumia um papel de amplificador de opiniões e difusor de hábitos
políticos ou culturais. Identificado por Lazarsfeld na década de 50, o líder de opinião tinha
um rosto e uma posição social bem definida, e por isso mesmo era capaz de amplificar e
direcionar os efeitos da comunicação, determinando em grande parte o sucesso de uma
mensagem. Nas redes sociais, qualquer dos usuários é um potencial gatekeeper e pode por
algum tempo assumir o papel de hub numa teia de conexões. Esse é um tipo de
‘empoderamento’ novo na história da humanidade (Romanini, 2011-2012: 63).

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As grandes editoras, que antes eram os gatekeepers que decidiam o que chegaria ou
não ao público, agora veem-se submetidas ao que quer o público – que já tem acesso ao
conteúdo e já sabe do que gosta, mas, ao menos por enquanto, ainda está disposto a pagar
pelo tratamento editorial profissional.

O futuro da literatura
Diante da perda de espaço da crítica nos meios de comunicação e da ascensão da
literatura de entretenimento, os prognósticos para o futuro da literatura como arte tendem a
ser pessimistas:

A cultura de massa, sobre a qual os artistas modernos depositavam esperanças de


renovação de formas e técnicas, de democratização, ampliação e educação do público,
tornou-se industrial em escala planetária e, como tal, fornecedora de produtos padronizados
segundo uma demanda de baixa qualidade estética, que ela ao mesmo tempo cria e satisfaz.
As relações que os escritores modernos mantiveram com a cultura de massa foi muito
diversa da que mantêm os ‘pós-modernos’. Enquanto aqueles exploravam, em
equivalências de linguagem verbal, as possibilidades imaginárias e estéticas do cinema e da
televisão nascente, estes apenas mimetizam o baixo teor informativo da maior parte desses
meios, ou conformam-se à sua lógica mercadológica: já escrevem tendo em mente a
passagem direta para esses veículos de comunicação. (Perrone-Moisés, 1998: 203)

Hoje, a mídia com que a literatura encontra relação mais próxima é a internet, com
escritores produzindo especialmente para suas ferramentas. Ocorre que ter sucesso
escrevendo para a internet exige, primeiro, que o autor concentre parte de seus esforços no
marketing, que antes era responsabilidade da editora; e, para se destacar entre um número
enorme de obras disponíveis, é desejável que se escreva várias obras rapidamente, e é
grande a tentação de basear seus temas e modo de escrever não numa preferência ou
talento individual, mas nos gêneros que já têm interesse comprovado do público, o que
acaba alimentando a noção de que tais livros seriam produzidos unicamente com intuito
comercial.
Diante deste cenário, não faltam prognósticos sobre o fim do livro. Desde os anos
50, o escritor-crítico Maurice Blanchot já refletia sobre as transformações e o possível
desaparecimento da literatura. “O prognóstico de Blanchot sobre o ‘livro do futuro’ não
era, entretanto, melancólico; depois da literatura, viria ‘outra coisa’ ainda sem nome, ‘num
futuro que não devemos imobilizar na tradição de nossas velhas estruturas’” (Perrone-
Moisés, 1998: 210).

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Hoje, muitos vêm tentando apostar no que seria esta “outra coisa”. No campo da
não-ficção, seria algo utilitário, nos moldes do já mencionado Citia, a que os leitores
recorrem quando precisam de um conceito presente em determinado livro? E, no campo da
ficção - tomando como exemplo a autora Jennifer Egan, que no último mês de maio
publicou um conto inteiro em pequenos pedaços no Twitter da revista The New Yorker -,
seria um retorno a algo próximo do folhetim, mas aproveitando-se das ferramentas
proporcionadas pelas redes sociais?
Com a popularização dos dispositivos móveis, em especial dos tablets, surgiram
empresas especializadas em produzir aplicativos de livros, em especial infantis e
infantojuvenis, que trazem elementos interativos, sons e vídeos. As próprias editoras
tradicionais começaram a apostar neste setor também; o auge deste movimento foi o
lançamento do livro Chopsticks, de Jessica Anthony, desenvolvido pela editora Penguin. O
livro – se é que se pode chamá-lo assim – usa fotos, vídeos e músicas para contar uma
história; não há texto exceto por pequenos bilhetes e mensagens de texto trocadas pelos
protagonistas. Felizmente para a literatura como a conhecemos, o aplicativo gerou um
certo “buzz” antes do lançamento, em fevereiro de 2012, mas depois disso os comentários
aquietaram e os resultados não parecem ter sido satisfatórios em termos de vendas.
Outra tendência que vem ganhando terreno é a das narrativas curtas e fragmentadas,
pensadas para o público da internet, que não está acostumado a pagar por conteúdo e nem a
ler extensões grandes de texto no computador. Foi pensando neste público que a Amazon
criou os Kindle Singles, pequenas novelas, contos ou textos jornalísticos com extensão
entre 3 mil e 30 mil palavras e preço, em geral, abaixo dos três dólares. Este modelo foi
seguido por diversas editoras e extrapolou o campo da internet, chegando ao Brasil na
forma de livros impressos, como a coleção “64 páginas” da L&PM, com cada exemplar
vendido a R$5.
Ainda assim, as tendências de fragmentação e interatividade parecem destinadas
não a substituir, mas a conviver com o livro tradicional. As já mencionadas comunidades
de leitores na internet costumam ser estruturadas em torno de grandes sagas, trilogias ou
séries de obras de um mesmo autor, o que aponta para a popularidade da literatura em
formato longo. Se as grandes editoras, que veem sua função como a de curadoras de
conteúdo, parecem legitimar a tendência de crescimento da literatura de entretenimento,
criando sites e selos especialmente dedicados àquilo que o público espera, por outro lado
elas continuam a manter os autores clássicos e menos populares no catálogo – muitas vezes

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financiados justamente pela vendas dos livros “comerciais”. Este é outro fator que indica
uma convivência entre estes dois tipos de literatura e pode incentivar a circulação de
leitores entre os gêneros, ainda que não um apagamento das fronteiras entre eles – ao
menos não por enquanto.

Referências Bibliográficas

ECO, Umberto. Sobre os espelhos e outros ensaios. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.

CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

GINZBURG, Carlo. Chaves do mistério: Morelli, Freud e Sherlock Holmes. In: ECO,
Umberto e SEBEOK, Thomas (org). O signo de três. São Paulo: Perspectiva, 1991.

MARCONDES, Danilo. Filosofia, linguagem e comunicação. São Paulo: Cortez, 2001.

PAZ, Eliane. Massa de qualidade.


http://www.livroehistoriaeditorial.pro.br/pdf/elianehpaz.pdf. Acessado em 30/04/2012.

PERRONE-MOISÉS, Leyla. Altas literaturas. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

ROMANINI, Vinícius. Só o receptor salva a comunicação. Revista Matrizes, Vol. 1, nº 2,


2008.

__________________. Tudo azul no universo das redes. Revista USP, nº 92, 2011-2012.

VASCONCELLOS, Maria J. Esteves. Pensamento sistêmico – o novo paradigma da


ciência. São Paulo: Papirus, 2003.

WOLTON, Dominique. É preciso salvar a comunicação. São Paulo: Paulus, 2006.

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