A Possível Não Autenticidade de I Tessalonicenses
A Possível Não Autenticidade de I Tessalonicenses
A Possível Não Autenticidade de I Tessalonicenses
I Tessalonicenses
Kenner Terra1
Silvio Gomes2
Abstract: The 1Ts is in the list of authentic Paul's letter. But, there is a doubt
about the part 2,13-16, because Paul says severe accusations against Jews.
Paul still calls them Jesus's murderers. There is a doubt because, conform to
the currently resources, at Paul’s time the relationship between Jews and
Introdução
Commentary on the Greek Text. Grand Rapids, Mich.: W.B. Eerdmans, 1990.
p.17
Revista Unitas, v. 10, n. 2, 2022 110
2012, p. 609
7 KOESTER, Helmunt. Introdução ao novo testamento, volume 2 : história,
“cordialidade” entre os grupos judeus. Não se quer dizer que não havia
conflitos, acusações e disputas. Porém, tudo isso se encontra dentro de um
mundo de cultura judaica. O judaísmo compreendia que debater, discutir,
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De fato, usar ideia de que Paulo está preso à sua própria forma
de escrever não parece ser suficiente para justificar uma interpolação.
A ausência de ações de graças na carta aos gálatas deveria, então,
colocar em xeque a sua autenticidade. Logo, o argumento da presença
das duas ações de graças não pode funcionar como defesa em um lado
e não servir de desconfiança em outro. Colocar um autor, quer tenha
sido Paulo, quer não, de uma carta plural, principalmente, como que
“escravo” de sua forma de escrever, não parece o melhor caminho para
definir sua autoria. Uma coisa é construção das palavras, da
argumentação e o raciocínio. Outra coisa é o desenho da carta.
Ademais, esse pormenor das cartas paulinas pode, muito bem, ser
copiado por um outro autor mais hábil, o que se correria o risco de
atribuir cartas deutero-paulinas ao apóstolo.
O segundo ponto importante, para alguns autores, que
demonstra que esse trecho é uma interpolação, pode ser agrupado na
expressão “Problemas gramaticais e sintáticos”, segundo o próprio
Jensen. São argumentos que procuram demonstrar que a construção
dessa passagem foi artificialmente ligada a textos preexistentes da
carta:
Primeiro, a conjunção καί (‘e’) que abre 2.13 não é
usada em nenhum outro lugar em 1 Tessalonicenses
para conectar sentenças matriciais. Em segundo,
nenhuma outra carta indiscutivelmente paulina usa
a combinação καὶ διὰ τοῦτο (‘e por causa de’). Ela
ocorre em 2 Tess. 2.11, mas esta ocorrência não
paulina é uma imitação de 1 Ts 2.13. Terceiro, 1 Tes.
2.13-16 tem sete níveis de incorporação, mais do que
qualquer outro verso na seção de 1.2 – 3.10. Quarto,
a separação de ‘Senhor’ de ‘Jesus’ pelo particípio
‘matar’ na frase τὸν κύριον ἀποκτεινάντων Ἰησοῦν
(‘matar o Senhor Jesus’) não é paulina. Quinto, a
frase τῶν ἐκκκλησιῶν τοῦ θεοῦ τῶν οὐσῶν ἐν τῇ
ἰουδαίᾳ ἐν χριστῷ ἰησοῦ (das igrejas de Deus aqueles
19 JENSEN, 2019, p. 61
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20 JENSEN, 2019, p. 63
21 JENSEN, 2019, p. 64
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Segundo ele, Εἰς τέλος não implica a finalidade da ira que veio sobre
o povo judeu, mas essa ira veio sobre eles “até o fim”. Além isso, para
Wanamaker Pearson parece presumir que Romanos 9–11 representa
uma parte fixa da teologia paulina sobre o assunto de Israel que o
apóstolo manteve durante todo o seu ministério. Mas Romanos 9–11
é uma apresentação contextualmente determinada dos pensamentos de
Paulo sobre o povo judeu, escrita quando o evangelho estava
começando a se espalhar mais rapidamente entre os gentios do que
entre o povo escolhido de Deus25. Assim, ameniza-se, mesmo que
superficialmente, a crítica ou tensão com o judaísmo pressuposta na
perícope.
Paulo se identificava como judeu e, inclusive, esperava pela
sua redenção e não pela sua condenação – como esse trecho faz
entender. Do mesmo modo, não há indícios de uma perseguição contra
os cristãos da Judeia. De fato, se alguém pode falar de perseguição na
Judeia, nesse período, só se poderia falar do próprio Paulo como
perseguidor. Todavia, ao que parece, o perseguidor Paulo, que
assolava a igreja, está muito mais próximo de um adversário
ideológico do que aquele “respira ameaças de morte” (Atos 9,1),
idealizado e exagerado nas linhas de Lucas, em Atos dos Apóstolos.
A história apoia isso, na existência de pesquisas que mostram a
convivência cordial entre demais judeus e judeus seguidores de Jesus.
Win J. Weren, na sua tese sobre a formação do evangelho de
Mateus, vai dizer que há, dentro do evangelho, materiais que podem
datar antes de 70 e que apontam para essa harmonia:
Nos anos anteriores a 70, muitos seguidores de
Jesus, que eram judeus, se consideravam
plenamente como membros da comunidade
judaica, que formava um todo multiforme com
inúmeros subgrupos e movimentos
contemporâneos. Esses seguidores de Jesus foram
aceitos por outros judeus sem qualquer questão
substancial. (...) este grupo pertencia ao contexto
Judaico mais amplo e não se percebia como
liderando um novo movimento religioso26.
2. O ladrão na noite
Jesus está vindo e que a guerra judaica é o sinal do fim. Kümmel vai
falar sobre isso: “Marcos alerta claramente contra o erro que proclama
o início do fim já em ação (13,6s.21-23) e substitui a expectativa
próxima com a indicação de uma proximidade do fim não sujeita a
cálculo”29.
Marcos não poderia ser mais claro: “Quando ouvirdes falar de
guerras e rumores de guerra não nos alarmeis: é preciso que
aconteçam, mas não é o fim. (...) Então, se alguém vos disser ‘Eis o
Messias aqui!’ ou ‘Ei-lo ali!’, não creiais” (Mc 13,7-21). A ideia da
chegada a qualquer momento, antecedida por uma guerra e, no caso,
pela guerra judaica, é desencorajada por Marcos – contrariando, assim,
o entendimento de Crossan. E aqui, provavelmente, nasce o
ensinamento que mais tarde ganharia a comparação com o ladrão na
noite.
Pode-se, todavia, notar a mudança de tom de Marcos: de uma
expectativa calculável para uma que é impossível de ser prevista. Um
ensinamento sobre a chegada de forma inesperada, onde sinal algum
poderá ser claro (daí a necessidade de interpretar não literal os
acontecimentos astronômicos e mesmo a ideia de “geração”). Isso
pode ser visto em Mc 13,32-37:
Quando à data e à hora, ninguém sabe, nem os anjos
dos céus nem o Filho, somente o Pai. Atenção, e
vigiai, pois não sabeis quando será o momento. Será
como um homem que partiu de viagem: deixou sua
casa, deu autoridade a seus servos, distribuiu, a
cada um, sua responsabilidade e ao porteiro
ordenou que vigiasse. Vigiai, portanto, porque não
sabeis quando o senhor da casa voltará: à tarde, à
meia-noite, ao canto do galo, ou amanhã, para que,
vindo de repente, não vos encontre dormindo. E o
que vos digo, digo a todos: vigiai!
judeus. Contudo, o uso dessa forma de falar pode estar vinculada sim
a um judeu criticando outros judeus. João utiliza a expressão “judeus”
deste mesmo jeito, como se ele não fizesse parte do grupo – ainda que
fazendo. Contudo, a citação desta tradição sobre o arrebatamento não
está vinculada apenas a esse ponto que, de verdade, não ajuda em nada
a datar esse texto. A ideia da trombeta vinculada a vinda de Cristo está
presente em Paulo e em Mateus: “Eis aqui vos digo um mistério: Na
verdade, nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados;
Num momento, num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta;
porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e
nós seremos transformados” (1 Cor 15,51-52). “Então aparecerá no
céu o sinal do Filho do homem; e todas as tribos da terra se lamentarão,
e verão o Filho do homem, vindo sobre as nuvens do céu, com poder
e grande glória. E ele enviará os seus anjos com rijo clamor de
trombeta, os quais ajuntarão os seus escolhidos desde os quatro ventos,
de uma à outra extremidade dos céus” (Mt 24,30,31).
Portanto, 1Ts conhece essa tradição que é bastante antiga. Isso
não é suficiente para afirmar ou negar sua autoria paulina . Contudo,
há algo diferente em 1Ts em relação ao texto de 1Cor. A tradição
citada autenticamente por Paulo, portanto, 1Cor, não vincula esse
ensinamento a Jesus, diferente de 1Ts que afirma que o que ele está
para revelar aos tessalonicenses é uma lembrança “segundo a palavra
do Senhor”.
Quando se parte do princípio de que 1Ts é paulina, tem que se
procurar compreender o que Paulo quis dizer com “segundo a palavra
do Senhor”. Para sustentar essa datação e autoria, muitas justificativas
foram dadas. Thomas Scott Caulley, que aceita a autoria paulina, lista
os argumentos que sustentam o que seriam essas palavras atribuídas a
Jesus:
A referência em 1 Tessalonicenses 4.15 ("isto nós
declaramos a vocês pela palavra do Senhor", ênfase
adicionada) tem sido muito debatida. P.
Stuhlmacher argumentou que a frase significa “na
autoridade do Senhor”, o que Walter toma como
implicando que Paulo não estava citando um ditado
do Jesus terreno. Mas S. Kim rebateu de forma
convincente que, dentro do contexto mais amplo do
material, incluindo 5.2 (o ditado do ladrão da noite),
é muito mais provável que Paulo tenha em mente
um dito do Jesus terreno, em vez de um oráculo
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31 CAULLEY, Thomas Scott, A Thief in the Night: Paul and Jesus; Leaven: v.
23, n. 1, 2015, p. 31
32 SEYOON, KIM. The Jesus Tradition in 1 Thess 4.13–5.11. New Testament
normalmente, 1Ts é datada no ano 50, o que faria com que a fonte de
1Cor fosse pós e não antes de 1Ts. Apesar disso, em 1Cor não há o
vínculo desse ensinamento apocalíptico como que vindo diretamente
das palavras tradicionalmente atribuídas a Jesus. Pelo contrário, lá, o
autêntico Paulo afirma estar trazendo uma revelação. Já em 1Ts essas
palavras são atribuídas a Jesus, algo que só acontece em Mateus.
Este último item parece pequeno, se visto isoladamente.
Contudo, ao que parece, o autor de 1Ts parece ter nas tradições de
Mateus um lugar comum, além de conhecer a situação histórica desta
comunidade da Judeia (mateana?). Não seria muito estranho supor
que, talvez, o autor possuísse uma proximidade com esta comunidade?
Isso, porém, fica difícil afirmar. Por ora, contudo, o que importa é
demonstrar que 1Ts possui alguns argumentos vinculados ao trecho
contra os judeus que a posiciona, possivelmente, décadas após a morte
de Paulo. Sendo assim, talvez, uma carta não autêntica, escrita por um
autor próximo ou bem consciente das tradições e da história da
comunidade mateana, mas que se sente vinculado a Paulo.
Referências