RELATÓRIO Geoprofiling
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1. DEMANDA
O presente relatório objetiva apresentar um perfil criminal geográfico considerando
três crimes de homicídios ocorridos no Paraná entre 1989 e 1992. Este relatório irá
apresentar o conceito do perfil criminal geográfico, levantamento das evidências
científicas sobre jornada ao crime e aplicação de perfil criminal geográfico em crimes
semelhantes, aplicação de software específico para a produção de perfil criminal
geográfico, opinião quanto à provável área de residência do ofensor.
2. LIMITAÇÕES
Tendo em vista que a produção desse material tem como fonte inferências, ele não
deve ser usado como prova ou evidência de culpa ou inocência de qualquer pessoa.
Da mesma forma, ações legais não devem ser tomadas baseadas unicamente nas
informações apresentadas aqui, o presente relatório é uma ferramenta investigativa
que deve ser usada para auxiliar a tomada de decisão. As informações e conclusões
presentes neste documento são baseadas nos dados fornecidos e explicitados no item
4. A maioria dos dados apresentados são oriundos de estudos em outros países que
não o Brasil, logo, devemos considerar com cautela a “importação” deles em nosso
ambiente cultural.
3. CONCEITOS RELEVANTES
O perfil criminal geográfico é uma técnica que busca identificar a provável área onde
o ofensor possui uma base de operações, a partir de uma análise de onde e quando
seus crimes foram cometidos. Base de operações diz respeito a um local onde o
ofensor passa ou passou boa parte de seu tempo no dia a dia e pode ser a partir de
onde ele planeja seus crimes e sai em busca de vítimas e/ou retorna após o
cometimento de seus crimes. Na maioria das vezes a base é considerada como a
residência do ofensor, porém ela também pode ser seu local de trabalho, um bar que
ele costuma frequentar, a casa de um amigo ou parceiro sexual, ou até mesmo antigas
residências, locais onde ele já morou, mas durante que o cometimento dos crimes, não
mais morava lá (Lino & Matsunaga, 2018).
A aplicação do perfil criminal geográfico é mais comum em casos de crimes em série,
principalmente homicídio e estupro. O objetivo desta técnica é direcionar uma
investigação em andamento ao priorizar suspeitos e melhor utilizar os recursos
policiais. As bases teóricas dessa técnica vêm principalmente da Psicologia e
Criminologia Ambiental, como a Teoria das Atividades de Rotina (Cohen & Felson,
1979); Teoria da Escolha Racional (Cornish & Clarke, 1986) e a Teoria dos Padrões
Criminais (Brantingham & Brantingham, 1993). Em resumo, estas teorias juntas
propõem que os ofensores escolhem onde vão cometer os crimes e como vão fazê-
los, porém a escolha do local é determinada pela área geográfica de conhecimento do
ofensor, e esta área é construída à medida que ele se locomove através de suas
atividades do dia a dia. Logo, há uma relação entre onde os crimes ocorrem e a
movimentação geográfica do ofensor.
O Princípio do Mínimo Esforço (Zipf, 1949) também ajuda a compreender a
locomoção dos ofensores. Este princípio prega que os seres humanos vão buscar uma
estratégia que gaste a menor quantidade de recursos possível para atingir um objetivo,
no contexto de locomoção, isso significa a menor distância. As pesquisas sobre a
jornada ao crime de ofensores (a distância percorrida por ofensores até os locais de
crime) comprovam este princípio ao identificar que a maioria dos ofensores
costumam viajar distâncias curtas para o cometimento de seus crimes (Ackerman &
Rossmo, 2015; Comerford, 2021).
Além disso, a Hipótese do Círculo (Canter & Larkin, 1993) também é utilizada para
analisar a movimentação de ofensores em séire. Esta defende que a maioria dos
ofensores vão agir no modelo marauder (saqueador), isto é, vão ter sua residência
dentro do círculo construído quando se considera a distância entre os dois crimes mais
longes entre si como o diâmetro. Ainda de acordo com essa teoria, a minoria dos
ofensores age no modelo commuter (pendular), aquele que viaja até uma outra
localidade para cometer seus crimes. A figura abaixo retirada de Lino e Matsunaga
(2018) exemplifica os dois tipos de ofensores.
Figura 2: Mapa de Guaratuba de 2001 com a indicação dos locais relevantes aos crimes que
vitimaram Leandro Bossi e Evandro Ramos Caetano. Mapa gerado no Google Earth.
Diante dessa falta de locais relevantes ao crime e da proximidade entre eles, fica
prejudicada a análise a partir da hipótese do círculo (marauder vs commuter) ou
do Dragnet, tendo em vista que a área imediatamente ao redor e entre os dois
pontos será considerada como a alta prioridade, quando na realidade trata-se
apenas de terrenos baldios ou de anexos do posto 22. Apesar disso, ainda é
possível realizar apontamentos sobre o perfil geográfico do ofensor.
Primeiramente, é relevante a escolha do ofensor de onde raptar e desovar o corpo
da vítima. Apesar de haver uma diferença de nove dias entre rapto e a descoberta
do corpo, os dois ocorreram praticamente na mesma área. Diante da localização
do corpo e da fácil acessibilidade e visibilidade, além dos atos sexuais e mutilação
post-mortem, é bastante improvável que tenha sido um homicídio em que a vítima
foi rapidamente morta e deixada no local próximo onde ocorreu o rapto. É muito
mais provável que o agressor tenha raptado a vítima, levado a um outro local onde
a manteve em cárcere privado, a matou, realizou as mutilações e depois foi ao
terreno baldio para deixar o corpo. Isto porque os atos realizados demandam
tempo e deixam diversas evidências forenses do sangue da vítima, necessitando
de um local apropriado e, possivelmente, fechado para a realização dessas
atividades criminosas.
Apesar do rapto ter ocorrido às margens de uma rodovia, o que possibilita fácil
acesso a outras cidades e rotas de fuga, o ofensor escolheu retornar o corpo
próximo onde ocorreu o rapto. Isto indica que provavelmente esse ofensor é da
localidade, pois dificilmente ele estaria viajando com corpo da criança entre
cidades, onde há maior fiscalização de estradas. Partindo da perspectiva da Teoria
da Escolha Racional (Cornish & Clarke, 1986), as chances de a polícia vir a
identificar o ofensor reduziria significativamente, se o corpo fosse deixado em
uma outra cidade ou estado e não fosse identificado como sendo de Sandra.
Oposto a isto, deixar o corpo próximo à residência da vítima facilitou sua
identificação e aumentou o risco para o ofensor. Este ato pode tanto significar uma
afronta à polícia e esforços investigativos, mas é muito mais provável que seja um
descuido, tendo em vista que os demais crimes na série (Leandro e Evandro)
tiveram os corpos deixados em locais mais bem escondidos, desejando evitar sua
descoberta.
Considerando o Princípio do Mínimo Esforço (Zipf, 1949) é sensato inferir que o
agressor não é um viajante, mas sim alguém que tem uma base próxima aos locais
do crime. Partindo das pesquisas com assassinos em série brasileiros, metade deles
percorreram até 600m para o cometimento de seus crimes, com média de 1,8km
(Lino, et al., 2018; 2022). Logo, é provável que o ofensor tenha esta base em até
600m do local do rapto e altamente provável que sua base esteja até 1,8km do
local do rapto.
Pensando ainda nas Teorias das Atividades de Rotina e dos Padrões Criminais, é
possível que o ofensor escolheu esses locais para raptar a vítima e deixar o seu
corpo, pois as suas atividades de rotina o colocam naquela região. Ele pode
frequentar o posto para abastecer, se alimentar no restaurante de frente ao posto,
se reunir com amigos nos bares das redondezas, trabalhar nas proximidades, entre
outras possibilidades. Tendo em vista que o rapto ocorreu em um domingo à noite
e os crimes desse tipo são oportunistas, é mais improvável que ele tenha estado na
região por motivos de trabalho, a não ser que seu trabalho o colocasse naquela
região tarde da noite de um fim de semana. Logo, é mais provável que ele estava
realizando atividades de rotinas diversas nessas horas do dia, como atividades de
lazer ou compras. O corpo também foi deixado, muito provavelmente, na
madrugada de um domingo para a segunda, indicando que o ofensor poderia estar
na região novamente sem levantar suspeitas e/ou porque sabia, pelo fim de semana
anterior quando houve o rapto, que era seguro estar lá cometendo crimes e que
não seria descoberto.
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