Artigo - o Pesamento Político de Celso Furtado
Artigo - o Pesamento Político de Celso Furtado
Artigo - o Pesamento Político de Celso Furtado
Doutoranda em Ciencia Política pela Universidade de Sao Paulo. Este artículo fue publicado
originariamente, en versión digitalizada, en Gramsco e o Brasl, www.artnet.br/gramsci.
Celso Furtado é um autor controverso no debate intelectual brasileiro. Seus primeiros textos,
principalmente depois da publicaçao de Formaçao Econômica do Brasil, tiveram grande impacto no
debate econômico do período e influenciaram a produçao academica da geraça o de intelectuais os
anos 60 e 70. Nos anos 80 e 90, Furtado passou a categoria de clássico, como um autor necessário
para compreender a realidade das décadas que trataram o desenvolvimentismo e a transiçao da
economia mercantil para a economia industrial. Porém, para boa parte dos economistas, as
referancias conceituais de Furtado pouco explicavam os desafios da economia naquele momento. Foi
preciso o desgaste do pensamento único de matriz neoliberal, nos últimos anos, para colocar novamente
em evidancia questaes como o alcance das políticas econômicas como mecanismos de defesa do
espaço da Naçao. Este fenômeno está auxiliando a trazer de novo para discussao os argumentos e a
visao histórica da formaçao do capitalismo brasileiro desenvolvidos por Furtado em mais de cinco
décadas de trabalho engajado e nuo cooptado
Summary
Celso Furtado is a controversial author in the Brazilian intellectual debate. His firsts works, mainly
after the edition of Formaçao Econômica do Brasil, had great impact on the economic debate of the time
and influenced the academic production of a generation of intellectuals of the 60’s and 70’s. In the
80’s and 90’s, Furtado entered the category of “classic”, as a necessary author to understand the
reality of the decades that occupied the development and transition from the mercantile economy to
the industrial economy. However, to a great part of economists, Furtado’s conceptual references
explained little about the challenges of the economy ot the time. It was with the decay of the
neoliberal pensamento único of the last years that questions like the scoop of economic policies as
defense mechanisms in the Nation were pointed out again. This is helping to bring back to
discussion the arguments and historical vision on the formation of Brazilian capitalism developped
by Furtado in more than five decades of independent and committed work
-8-
O pensamento político de Celso Furtado: desenvolvimento e democracia
Vera Alves Cepeda
sociedade brasileira. Nestes textos, fica claro que, sem reformas políticas, no haveria qualquer chance
para o desenvolvimento e para o progresso. As teses contidas nestes trabalhos colocam a democracia
como um instrumento fundamental na soluço dos impasses do subdesenvolvimento, construindo
um projeto de sociedade e de Naço.
A preocupaço com um projeto para o Brasil está presente como uma marca em todo o
pensamento furtadiano, obedecendo ao diálogo que o autor tece com as variaçes da realidade que o
cerca. O movimento de adequaço permite classificar o conjunto da obra de Furtado em trs
momentos distintos: a fase otimista, o pessimismo espantado e a crítica renitente. O primeiro bloco
representa os trabalhos e a participaço política compreendida desde o início da carreira de Furtado
até o golpe de 1964. Sua principal característica era o sentimento de esperança, que partia do
reconhecimento claro dos limites impostos pela herança colonial ao pleno desenvolvimento nacional,
mas que enxergava nos anos 50/60 uma fissura estrutural capaz de permitir o salto para a
modernizaço.1
A segunda fase inicia-se com a cassaço política e vai até os anos 70, e tem um sabor de
amargura. O sentimento de derrota nasce da constataço de que venceu a pior alternativa histórica
desenhada no início dos anos 60 - um regime político fechado. Mais adiante, este sabor amargo vai
ser ainda mais acentuado pela rachadura aberta na teoria formulada por Furtado na véspera do golpe,
de que regimes fechados levariam inevitavelmente ao estrangulamento econômico.2 Este diagnóstico
no ocorreu como o previsto e, anos mais tarde, Furtado rev suas posiçes, introduzindo o
conceito de modernizaço do subdesenvolvimento. Os trabalhos posteriores década de 70 avaliam
que o crescimento da economia brasileira, durante o regime militar, conduziu modernizaço do
subdesenvolvimento. Ou seja, houve adoço de certos aspectos do capitalismo contemporâneo, como novos
padres de consumo, urbanizaço e surgimento de novos segmentos produtivos, mas, nos aspectos
fundamentais, permaneceram defasados os padres tecnológicos e a modernizaço da produço
(aumento da produtividade e técnicas de capital intensivo). Sem transformaçes profundas, distantes
dos padres de modernidade ficaram as questes dos direitos sociais, da participaço política, da
funço social do Estado e o problema da democracia. O corte imposto pelo modelo de
desenvolvimento do regime militar criaria um obstáculo ainda maior para uma verdadeira superaço
do subdesenvolvimento, servindo, ao contrário, para perpetuá-lo.
Os anos 80 inauguram a era das reminiscncias. Celso Furtado organiza seu passado e ajusta
as contas com a memória, a sua e a da geraço desenvolvimentista. Terminada a tarefa documental
de um dos momentos de maior importância para a história brasileira, respira fundo e parte
novamente para o ataque frontal - retoma os temas dos anos 50/60 e os ajusta frente aos desafios e
aparncia de progresso unânime apresentados pelo capitalismo globalizado.
Olhando em retrospectiva, podemos observar que os trabalhos produzidos até a década de 60
so aqueles que provocaram um maior impacto no pensamento social brasileiro e que constituem a
espinha dorsal do raciocínio furtadiano. Ganharam roupagens novas, consoante a transformaço da
realidade sua volta, mas estas roupagens mantiveram aceso o fogo das teses iniciais. É por conta
dessa continuidade que, para entender Furtado, hoje é necessário retomar o fio das reflexes que se
forjam naquela época, observando no só as características já amplamente reconhecidas de sua obra,
mas procurando experimentar novos padres de análise que nos revelem novas facetas de um autor
to complexo.
1 Para a análise da mudança social e das concepçes mais diretamente políticas, os textos utilizados foram: Dialética do
Desenvolvimento e A Pré-Revoluo Brasileira. Já para tratar da questo do desenvolvimento como única alternativa de
modernizaço de toda a estrutura nacional, os textos usados foram A Economia Brasileira, Formaço Econômica do Brasil,
Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico, A Operaço Nordeste e Perspectiva da Economia Brasileira.
2
A análise desenvolvida por Furtado em Dialética do Desenvolvimento é um exame atento e acurado sobre as possibilidades
políticas que o autor pressente no conturbado ambiente da época. É nele que o autor aprofunda as diferenças entre
regimes abertos (democráticos) e regimes fechados (de direita ou esquerda) na superaço do subdesenvolvimento.
Os anos 50 foram marcados, em sua maioria, por debates intelectuais que passaram de alguma
forma pela ideologia do desenvolvimentismo. Há, assim, um consenso sobre o momento de transiço e de
ruptura com a renitente herança do passado colonial. Esta discusso no surge do nada, como um
raio em céu azul. Expressa, ao contrário, um profundo revolver de questes candentes, amadurecendo
lentamente desde a Proclamaço da República. De um lado, a metamorfose econômica, que ganha
impulso com a crise cafeeira dos anos 30 e o paulatino fortalecimento industrial, gerava mudanças no
quadro político, forçando a formulaço de um projeto social capaz de alçar o país modernidade.
De outro, encontramos a influncia de um debate mundial aberto sobre a crise dos paradigmas
liberais e o papel regulador do Estado, a discusso sobre a pobreza e o subdesenvolvimento. Neste
campo, rediscute-se o movimento evolutivo do capitalismo como um processo único, passível de ser
assimilado sob as regras do livre mercado e de forma idntica para qualquer realidade.
Do ponto de vista econômico, podemos destacar as transformaçes vigentes dentro das
fronteiras do país como resultados da aceleraço do processo de substituiço de importaçes e o
aprofundamento do modelo de produço industrial. Nesse período é visível, através do fôlego
imprimido economia pelo crescimento industrial, que o país no possuía necessária e
exclusivamente uma vocaço rural, como afirmavam os liberais sustentados pela teoria das vantagens
comparativas.
Os anos 40 e 50 assinalam o momento em que toma forma a ideologia do capitalismo
industrial, que vinha desarticulada e desamarrada desde o final do Império. Podemos perceber o
crescimento do projeto de desenvolvimento industrial no país desde os debates do final do século
XIX, acelerando-se a partir das políticas de fomento do governo getulista pós-30 e explodindo de
forma clara, nos anos 40, em duas formulaçes teóricas famosas: o debate Gudin versus Simonsen,3 e
o Manifesto dos Periféricos de 1949.4 Estes dois fatos so importantes porque as manifestaçes originais
de defesa do setor industrial eram absolutamente corporativistas (em geral, setores ligados
produço industrial defendendo a introduço de práticas protecionistas). A partir de 30 temos um
novo arranjo, de acordo com o qual o desenvolvimento industrial era abraçado pelo Estado getulista,
que elege a industrializaço (por motivos diversos) como prioritária. Ainda assim, a fragilidade do
setor impedia a sua imposiço e disseminaço como um discurso hegemônico para a sociedade
brasileira. A celeuma entre Gudin e Simonsen, a criaço da Cepal e a centralidade da questo
desenvolvimentista nos anos 50 produzem um corpo teórico que fundamenta o projeto industrial.
Agora se elabora a viso de um processo, um elo entre passado, presente e futuro amparado por uma
sólida análise científica, que coloca o processo industrial como corolário do desenvolvimento
nacional.
Na posterior reconstituiço furtadiana desta fase, duas ordens de fatores se destacam na
explicaço da converso da industrializaço no ponto nevrálgico do debate intelectual. A primeira é
o reconhecimento do capitalismo como a única fórmula do progresso e, com as mudanças mundiais
oriundas da Primeira e Segunda Revoluçes Industriais, a aceitaço de que capitalismo avançado
significava indústria. Converge na mesma direço a identificaço entre força política e força
econômica. Um Estado fraco seria sinônimo de economia fraca e uma economia fraca impediria a
constituiço de um Estado forte (ou, para Furtado, sequer autônomo). A Alemanha bismarckiana é
um exemplo claro dessa nova concepço, pois foi através da centralizaço política e da intervenço
do Estado na economia, incentivando principalmente a atividade industrial, que se produziu um salto
3 Este é um dos mais importantes e geniais debates econômicos ocorridos no Brasil, por explicitar claramente dois
modelos de desenvolvimento possíveis. De um lado, Eugnio Gudin, de linhagem liberal, defendia a tese das vantagens
comparativas com unhas e dentes, afirmando que a industrializaço no era possível em países de vocaço agrícola -
como o Brasil. Já Roberto Simonsen, eclético pensador e homem de aço, admirador do pensamento de List, percebia
que, sem a passagem da fase de capitalismo mercantil para a fase industrial, o processo de desenvolvimento capitalista no
país estaria impossibilitado.
4
O manifesto formulado por Raul Prebisch, ao garantir a regularizaço definitiva da CEPAL, daria o primeiro empurro
na criaço de uma teoria específica sobre o desenvolvimento econômico dos países latino-americanos, com
características distintas do capitalismo ingls; o manifesto apontava também as desvantagens na posiço dos países
periféricos dentro do comércio mundial
5 Este argumento aparece, de forma refinada, em Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico. Como a dinâmica econômica
dos anos 50 apresenta inúmeros pontos de estrangulamento, a livre deciso do capitalista, a qualquer aquecimento da
demanda, será investir naqueles setores que apresentem maior rendimento de curto prazo. Neste caso, aumentam por sua
vez a presso por insumos e máquinas, exatamente os setores a descoberto no circuito da produço nacional. O
resultado é desastroso. Aumenta-se a importaço (desequilibrando a balança comercial e exportando divisas) e
impulsiona-se o processo inflacionário interno.
radicalmente distinto o poder de deliberaço e controle dos setores produtores sobre o conjunto e o
destino da produço.
O termo usado por Furtado para definir as alternativas que se abrem economia nacional é
“internalizaço dos centros de deciso”. A importância deste fato é de tal magnitude que pode dar
resposta a um persistente problema da formaço brasileira, cimentar a nacionalidade.
No debate dos anos 50, revelam-se também influncias internacionais muito fortes. A
perspectiva de determinaço entre desenvolvimento econômico e desenvolvimento do conjunto da
estrutura social normalmente aparece como produto da análise cepalina, quando é um fenômeno que
emerge da conjuntura do pós-guerra, fruto da enorme gama de transformaçes do processo de
acumulaço capitalista durante as crises cíclicas (desde a Grande Depresso de 1873/1886 até a crise
de 29). A novidade é a adoço do consumo, priorizando a renda auferida pelos trabalhadores, como
centro do processo de expanso sem traumas do capital. So expresses desse novo consenso os
instrumentos da teoria keynesiana, o fordismo norte-americano e o compromisso socialdemocrata. A
esta lista somemos a contribuiço do planejamento como mola central do desenvolvimento
econômico, o que acentua o papel da lógica do Estado sobre a lógica do mercado através do
planejamento soviético, da idéia de planejamento racional (Mannheim) ou do planejamento como
raiz do futuro e da pax social (Myrdal).
A discusso brasileira, embora bastante particular, é profundamente influenciada por essa nova
ordem mundial, em que o Estado e o planejamento so colocados como pedra de toque do
desenvolvimento econômico. Tanto é que, quando olhamos a distribuiço das escolas de
pensamento econômico que atuaram no debate dos anos 50, a maioria absoluta delas fazia eco ao
reconhecimento do papel fundamental da aço reguladora estatal.6 Este grande acordo gerado nas
sociedades economicamente mais desenvolvidas, que valoriza a aço coordenadora ou corretiva do
Estado, agiu como um catalisador, criando um espaço de aceitaço e legitimaço das teses do
planejamento desenvolvimentista. Os novos ares do mundo tanto auxiliaram a produço conceitual de
Celso Furtado, quanto permitiram o alto grau de adeso conseguido. Embora esta influncia tenha
sido assimilada por Furtado sob uma ótica particular, transmudando-se numa contribuiço inovadora
e singular (afinal, suas teses constituem uma outra interpretaço da dinâmica capitalista, formulando
projetos diferenciados para as distintas estruturas socioeconômicas dos países periféricos), a força de
seus argumentos repousa, em parte, na afinidade estabelecida com estas novas correntes do
pensamento mundial.
As diferenças da posiço de Furtado ocorrem exatamente no entendimento que o autor tem
sobre o processo de evoluço do capitalismo em condiçes estruturais desiguais. Os países que
originaram o modelo da socialdemocracia precisaram aumentar o tamanho e diversificar as funçes
do Estado como meio de manutenço dos índices de crescimento e como mecanismo de defesa dos
desarranjos inerentes e cíclicos do capitalismo avançado. Há como que uma publicizaço das
decises econômicas, portanto um aumento de incidncia da esfera pública sobre a esfera privada
(via regulaço de direitos trabalhistas, leis assistenciais, salário indireto, etc.). Já nos países
subdesenvolvidos (usando a perspectiva furtadiana), o aumento da aço do Estado no tinha o
cunho providencial, mas fora essencialmente incorporado como ferramenta de desenvolvimento. As
diferenças entre os dois modelos so enormes, começando pelo grau de amadurecimento do
capitalismo industrial e financeiro, pelo nível tecnológico e pela magnitude da renda média dos
trabalhadores (toda a diferença entre uma estrutura socioeconômica moderna e outra arcaica).
6
Este amplo e heterodoxo leque vai dos intelectuais de esquerda (que desejam a aceleraço da revoluço burguesa) até o
centro (tomado aqui como a produço intelectual do ISEB e dos desenvolvimentistas que procuravam limitar a
intervenço do Estado -em especial, a corrente liderada por Roberto Campos). Ainda neste campo teórico se situa a
corrente mais progressista dos desenvolvimentistas, encabeçada pela linhagem cepalina e por Furtado. De fora e
contrário intervenço estatal, apenas o bloco liberal (ou o grupo dos monetaristas) liderado por Gudin. O quadro
traçado é tomado de empréstimo a Ricardo Bielschowsky (1998) em Pensamento Econômico Brasileiro - O ciclo ideológico do
desenvolvimentismo, Rio de Janeiro: Ipea-Inpes.
O caráter providencial no era preponderante porque, segundo a viso geral, a repartiço da
riqueza seria um fenômeno posterior implantaço do modelo industrial.7 Tanto é assim que o
regime militar preconizava a aço do Estado, muito embora tenha sido responsável pelo
aprofundamento da desigualdade social e o empobrecimento das camadas populares. É nesse sentido
que se torna necessário analisar melhor qual é exatamente o papel do planejamento, do Estado e da
burocracia estatal, porque numa primeira leitura os projetos políticos aparecem como indistintos
(colocando lado a lado, por exemplo, a tese keynesiana e o New Deal americano, o projeto furtadiano
e o planejamento Roberto Campos e Delfim Neto), o que permite o desvio conceitual de
considerar toda aço reguladora do Estado intrinsecamente perversa, como na atual e superficial crítica de
cunho neoliberal.
Da afirmaço acima seria importante reter algumas consideraçes. A primeira diz respeito
adoço, por Furtado, do mito do progresso (conceito que será repensado nos anos 70). Em sua
viso, há um "caminho sem tropeços" para a expanso exponencial das forças produtivas do
capitalismo. Em segundo lugar, para desgosto dos que afirmam a filiaço de Furtado aos interesses
da burguesia industrial, a distribuiço de renda é defendida como princípio fundamental do
equilíbrio dinâmico do capitalismo, colocando nfase no na acumulaço, mas na distribuiço de
riquezas. Em terceiro lugar, para desgosto dos que afirmam o economicismo de Furtado, as questes
políticas tm um peso determinante no desenvolvimento econômico, possibilitando reduzir e
eliminar a influncia política dos setores mais atrasados da sociedade, ao mesmo tempo que checam
a eficincia dos projetos de modernizaço do país: a participaço exige ganhos para as classes
trabalhadoras, que só poderiam ser satisfeitos como o desenvolvimento econômico.
Obviamente, as críticas ao conjunto da obra de Celso Furtado no so de maneira nenhuma
gratuitas. O problema é que, no af de debaterem suas teses, alguns autores acabam por perder de
vista muito da importante contribuiço legada por Furtado em termos da defesa de um projeto que
possui muito de progressista até mesmo para os dias de hoje. As críticas mais pertinentes ao trabalho
de Furtado referem-se a trs postulados importantes 1) que a superaço do subdesenvolvimento
passaria por mudanças sociais e políticas radicais, derrubando em sua passagem todos os grupos de
poder anacrônicos, regionais e latifundiários - que se mantiveram no arco de alianças forjado no pós-
64; b) que o desenvolvimento da produço capitalista teria como condiço necessária o aumento da
renda dos trabalhadores - quando o que se viu, na realidade, foi o crescimento econômico sem
"desenvolvimento" ou expanso da renda, como preconizado por Furtado; c) a afirmaço de que o
caminho para sair do subdesenvolvimento passaria pela flexibilizaço do marco institucional e pela
democratizaço da sociedade - quando tivemos nada menos que duas décadas de ditadura com
crescimento econômico, acompanhando os ventos autoritários que varreram toda a América Latina.
Dada a quantidade de conseqüncias no previstas nas teses formuladas no início dos anos 60,
algumas de suas premissas deviam estar equivocadas: o papel das classes (e sua posiço na luta
política), a funço modernizadora atribuída burguesia industrial e a aço imparcial dos técnicos.
Neste caso, as críticas de Francisco de Oliveira (Crítica Razo Dualista e Condiçes Institucionais do
Planejamento), de Simon Schwartzman (Bases do Autoritarismo Brasileiro), de Wanderley G. Santos (Ordem
Burguesa e Liberalismo Político), de Guido Mantega (A Economia Política Brasileira) e de A. Borón (Estado,
Capitalismo e Democracia na América Latina) so pertinentes, mas no suficientes quando se avalia o
legado e o impacto deixado na teoria social brasileira.
O que considero inadequadas so as críticas que colocam Furtado como um pensador
autoritário, como um defensor da supremacia do técnico sobre o político. Isto parece desmerecer todo o
esforço teórico de estabelecer caminhos mais progressistas e com maior responsabilidade social para
o país. Afinal, uma das contribuiçes mais significativas de Celso Furtado foi ter retirado “o Estado
da boca da direita”. A lógica de seu raciocínio coloca - ao contrário de autores como Oliveira Vianna
e Alberto Torres, do caldo ideológico getulista e dos argumentos do autoritarismo militar - a esfera
com o volume de produço. Por outro lado, o medo das soluçes radicais tornou o capitalista mais maleável s
negociaçes com as classes trabalhadoras
ento existe em termos, com políticas desencontradas e esparsas que so incapazes de atingir o
ponto nevrálgico das mudanças, sofrendo sérias limitaçes nas suas açes. Em segundo lugar, o
controle ou limitaço da aço corretiva do Estado frente aos interesses reforça o perfil econômico
do subemprego, do pequeno mercado consumidor, da industrializaço problemática, da falta de
investimento, do pequeno escopo tecnológico, do dualismo econômico (e sua ampla camada de
subsistncia), mantendo, portanto, os trabalhadores em número muito maior que o nível de
produtividade da economia. O resultado é um círculo vicioso - exército industrial de reserva; mo-
de-obra barata; nenhuma distribuiço de renda; nenhum incentivo ao investimento tecnológico;
baixa produtividade; reforço do subdesenvolvimento. E voltamos ao ciclo infernal que caracteriza o
subdesenvolvimento.
Bibliografía
Bielschowsky, Ricardo (1988). Pensamento Econômico Brasileiro. O Ciclo Ideológico do
Desenvolvimentismo., Rio de Janeiro: Ipea-Inpes.
Borón, Atilio (1994). Estado, Capitalismo e Democracia na América Latina. Rio de Janeiro: Paz e
Terra.
Furtado, Celso (1962). A Pré-Revoluço Brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura.
Furtado, Celso (1958). Perspectiva da Economia Brasileira. Rio de Janeiro: Dasp.
Furtado, Celso (1959). Operaço Nordeste. Rio de Janeiro: Iseb.
Furtado, Celso (1964). Dialética do Desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura.
Furtado, Celso (1968). Subdesenvolvimento e Estagnaço na América Latina, 2ª ed., Rio de Janeiro:
Civilizaço Brasileira.
10
“O Estado social ou Estado de Bem-Estar tornou-se um modelo de Estado mais solicitado e mais difuso nas
sociedades evoluídas; por isso, pode ser considerado como sucessor do Estado abstencionista liberal. O Estado Social
prope, de fato, uma intervenço sistemática com o objetivo de promover e garantir o bem-estar [...] uma característica
saliente do Estado do Bem-Estar é a dimenso economicista que nele assume a atividade política” (Cerroni. Política, p.
154).