Raiva Caotica - Se Voce Nunca Se - Lucy Vargas
Raiva Caotica - Se Voce Nunca Se - Lucy Vargas
Raiva Caotica - Se Voce Nunca Se - Lucy Vargas
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Para a matriarca, por ter sido a melhor mãe. Por ter me ensinado a ler e
escrever e por ter me apoiado desde a primeira história que escrevi. Todos
os meus livros serão eternamente para você, mãe. Descanse em paz, você
merece.
Para cada uma de vocês que já perdeu a pessoa mais importante da sua
vida. E que seguem resistindo e buscando sempre as memórias felizes.
Se a dor for demais para carregar, peça ajuda. É o primeiro passo. Eu
pedi. E por isso que esse livro saiu.
Essa história não é sobre pessoas boas. Se você se iludiu
até aqui: Pare.
Quando o silêncio for tão opressivo e ensurdecedor que você não puder
escutar sua respiração ou o som dos seus batimentos.
Quando nada existir além da pressão do silêncio nos seus ouvidos...
Um membro de ACCA acabou de morrer.
Um membro de ACCA nasceu.
A morte está presente. E Tácita também.
A Deusa Silenciosa do Submundo está te convocando.
Corpo é encontrado na entrada de Los Angeles, próximo a I-15 na
pista sentido Nevada.
~ NBC LA
Capítulo 1: Raiva caótica
Antonio = pólvora
◆◆◆
Assim que o barco encostou no iate que esperava perto da costa, eu subi
tão rápido que não vi os degraus e quase fui direto ao quarto, mas estaquei e
voltei. Entrei no banheiro da outra suíte e arranquei as roupas. Estava
coberto de sangue, nos braços, roupas e nas mãos machucadas. Meus sapatos
e calça estavam cheios de poeira do deserto. Mas quando Bellini me ligou e
disse que ela tinha sido liberada da clínica, esqueci o trajeto até ali. Só
lembrava de embarcar e esperar os minutos até chegar à marina.
Saí da ducha, coloquei roupas limpas e entrei no quarto. Rachel estava
deitada de lado na cama, encolhida embaixo das cobertas. Ajoelhei na lateral
e observei seu rosto, devo ter feito algum barulho, pois pouco depois ela
abriu os olhos e focou no meu rosto. O baque no meu peito foi um soco e
uma onda de alívio estremeceu meu corpo só por ver aquele olhar de
gasolina sobre mim novamente.
Achei que a havia perdido. Senti a perda me consumir até depois de tirá-la
daquele buraco. A sensação deixou de ser paralisante e se tornou uma ira
incontrolável enquanto ela era tratada na clínica, mas só passou neste exato
momento em que ela olhou para mim.
Como eu pagaria uma dívida que era maior do que a vida que eu já havia
oferecido? Encarei seus olhos e só pensei no quanto tinha acabado com a
vida dela também. Tácita a devolveu para mim. Agora, nós dois
pertencíamos a ela.
— Rachel — deslizei a mão sobre o pedaço de colchão que a separava da
beira.
Ela nem se moveu, só me observou.
— Fala comigo, qualquer coisa.
A resposta dela foi virar mais o rosto para o travesseiro. Quando fez isso
eu vi de perto o ferimento acima da sua sobrancelha, tinha sido cuidado, mas
a veia vermelha do corte estava lá, o esfolado do lado da sua boca também.
Havia um curativo na parte da frente da sua cabeça. Suas mãos estavam
machucadas, todas as suas unhas quebradas e as pontas dos dedos arrasadas
de tanto que ela bateu e arranhou a tampa de madeira.
Eu queria me rasgar inteiro.
Queria matar todos eles mais dez vezes.
— Nunca mais vai acontecer isso — prometi.
Nervosismo acelerou meus batimentos quando ela fechou os olhos e não
quis mais me ver, nunca a tinha visto triste e miserável. Não sei se além de
tudo ainda sentia dor física. Meu autocontrole era tão prejudicado no que
dizia respeito a ela que se eu não a tocasse ia me desfazer ali mesmo.
— Sente alguma dor? — olhei a mesa de cabeceira, não vi uma receita ou
qualquer indicação. Teria de ligar para o médico se ela não falasse comigo.
Rachel negou com a cabeça e também não reagiu quando toquei seu
braço, evitando o hematoma que havia ali. Ela me rejeitou e pareceu ainda
mais desolada. Aquela agonia que eu sentia só podia ser angústia, não era
uma sensação que conhecia bem, mas por causa dela eu vinha
experimentando sentimentos que não me eram comuns ou eram
absolutamente novos. Não passei uma vida reprimindo e escondendo nada
disso. Se ela voltasse a me olhar, infelizmente veria a confusão exposta no
meu rosto.
— Eu não sei fazer isso, Rachel.
Ela se moveu e eu não sabia se iria se sentar ou me dar as costas. Tive
uma ideia estúpida, fiquei de pé, ajoelhei na cama e a peguei.
— Não, me deixa — reagiu ela.
Uma reação já diminuía em um por cento a estupidez da minha ideia.
Tirei-a da cama e ela lutou comigo, sem convicção. Quando a ergui nos
braços, ela reagiu mais, porém não a soltei.
— Não, não! — Brigou ela, movendo os braços.
Caminhei até a frente das janelas e me sentei, colocando-a no colo. Ao
segurá-la, ela já estava com lágrimas nos olhos.
— Para, para — pedi. — Olha, está chuviscando contra as janelas, do jeito
que você gosta.
Rachel parou de se mover e cobriu o rosto com as mãos, secando os olhos
úmidos. Só depois ela levantou a cabeça e olhou pelas janelas, observou os
pingos de chuva batendo tão levemente que quase não faziam barulho. Ficou
bem quieta, só olhando, eu a mantive segura e no nosso silêncio imóvel, o
balançar do iate se tornou mais perceptível. Ela deitou a cabeça no meu
ombro e ficou olhando para os chuviscos na janela por um tempo. Eu
continuava me sentindo estúpido e desnorteado.
Ela dormiu outra vez, acho que ainda estava sob o efeito dos remédios.
Coloquei-a de volta na cama e me sentei na beira, olhei os nós dos meus
dedos. Tinha voltado de Las Vegas onde resolvi essa questão e criei outra
pior.
Não consegui me levantar dali. Meu corpo não respondia. E tinha de parar
com isso, teria de sair do seu lado. Eu não parei por nada, não senti remorso.
Só uma raiva caótica que ainda queimava no fundo da minha garganta.
As consequências viriam.
Mesmo assim eu faria tudo de novo. Começaria mais dez guerras por ela.
Capítulo 2: Legítimo
pólvora
Horas antes…
Acordei de novo e já era dia, apesar das cortinas fechadas, eu podia ver
que estava ensolarado do lado de fora. Os sons do mar, dos pássaros e o leve
balançar me diziam que era um dia bom, com ondas baixas e o clima que os
turistas esperavam encontrar na orla do sul da Califórnia.
Não sentia vontade de sair da cama. Queria voltar a dormir e acordar
daqui a uns dois dias. Talvez já estivesse melhor. Quem sabe minha coragem
teria retornado. Fechei os olhos, tentando calar aquele dia lindo, não
adiantou muito estar num iate perto da costa.
O iate dele.
E como se conjurado, o desgraçado entrou no quarto e parou ao me ver
acordada. Meu desânimo era tamanho que não consegui me importar por
nem ter ido lavar o rosto depois de ter dormido por horas sob o efeito de
algum remédio abençoado.
Antonio abriu aquele sorriso lindo e se aproximou, eu queria jogar o
abajur nele. Sei lá de onde esse homem veio, talvez houvesse até nadado no
mar ali perto do iate. Pois estava com o cabelo com aspecto de recém-
lavado, camisa leve, pés descalços e todo aquele magnetismo característico.
— Gasolina… — chamou ele, da forma mais dolorosamente carinhosa.
Eu me sentei contra a cabeceira, repuxando o lençol em volta do meu
corpo. Antonio se aproximou e sentou na beira da cama, entrelaçou os dedos
e seu olhar dançou pelo meu rosto, sua expressão era uma mistura de
expectativa e contentamento. Continuei o avaliando, os nós dos seus dedos
estavam arrasados, seus antebraços também estavam machucados, como se
ele tivesse enfiado os braços em destroços e se arranhado. Não estava grave
o suficiente para precisar de pontos, mas dava para ver que pelo menos um
antisséptico teve de ser borrifado ali e gastou o vidro.
— Sente alguma dor?
— Minha cabeça dói um pouco — respondi.
Ele se aproximou mais, para pegar algo na mesinha de cabeceira.
— O médico enviou isso para dor, mas você precisa comer algo.
Não estava nem um pouco animada para ingerir comida.
— Qualquer coisa — incluiu ele, ao ver minha falta de entusiasmo.
Meu apetite não estava funcionando, mas a bexiga estava plena. Deixei a
cama e entrei no banheiro, sentei no vaso e cobri o rosto. Minha mente,
sempre tão cheia de planos e tarefas, estava vazia. Lavei o rosto e encostei a
cabeça no vidro. Eu nem sabia que dia era. Quanto tempo eu dormi desde
que acordei naquela clínica? Eu cheguei lá à noite, passei o dia e na noite
seguinte, o outro careca me trouxe ainda bem grogue e me instalou aqui.
Depois só lembro de Antonio me carregando para ver a chuva. E então,
nada. Só essa manhã.
Eu estava apagando tudo de propósito?
Entrei no chuveiro, fiquei embaixo da água quente, me lavei com o que
encontrei lá, não reconhecia o cheiro do sabonete, não era meu, mas não me
importei. Quando saí, usando o roupão largo, Antonio ainda esperava.
— Eu não sinto fome, posso só tomar o remédio e pronto?
Ele me olhou por um momento e saiu, mas como era um desgraçado
esperto, não deixou os remédios comigo. Era só o que faltava ele achar que
eu ia tomar vários de uma vez. Porque ele estava certo. Encostei contra a
cabeceira e puxei as cobertas, mas ele retornou e eu não esperava pelo seu
golpe baixo. Ele tirou algo de um papel barulhento e balançou a frente dos
meus olhos: um picolé gordo, grande, coberto da mais deliciosa e cheirosa
capa de chocolate.
— Você gosta desse, a baunilha é tão boa que dá para ver as favas,
escondidas junto com os pedaços dos melhores morangos. Você queria levar
uma caixa deles lá do resort. Lembra?
Pelo jeito quem achou a caixa foi ele. Antonio balançou o pedaço de
pecado doce à frente dos meus olhos, como se quisesse me hipnotizar. Eu
acompanhei, como um burrinho enganado por uma cenoura. Então caí na
armadilha e peguei. Ele parecia tremendamente satisfeito enquanto eu
mordia.
Ele voltou com uma toalha e envolveu minha cabeça, eu nem reagi, só
comi outro pedaço enquanto ele secava a umidade do meu cabelo. Quando
ele reapareceu a minha frente, limpei os resquícios com a língua e o encarei:
— Onde você se machucou? — Dei uma olhada na direção das mãos dele.
— No trabalho.
— Qual deles? Não foi cozinhando um belo café da manhã lá na Lorenza.
Ele voltou a sentar, no mesmo lugar de antes.
— O que ele te disse? — Antonio foi direto ao assunto.
— Um bando de merda.
— Sobre mim?
— Exclusivamente sobre você. Eu não sou psicóloga nem nada próximo,
mas ele tem um problema sério com você. Parece um tipo de obsessão.
— É por isso que está me observando como se esperasse que eu
explodisse a qualquer momento?
Não havia nem mais um resquício do contentamento que ele demonstrou
ao me encontrar acordada, foi substituído por suspeita e preocupação.
Só balancei a cabeça e comi mais. Antonio aguardou, com a paciência
enervante de alguém acostumado a observar bem sua presa.
— Você o matou? — também fui direta, mas preferi me concentrar no
meu picolé.
— Sim.
Levantei a cabeça e o encarei. Não havia alterado nada em sua expressão
ao anunciar isso. Ele continuava me observando. Eu sabia que não precisava
fazer nenhuma pergunta inútil como “tem certeza?”, “de verdade?”. Nada
disso. Não com ele.
O que me assustou foi o alívio que senti. Eu não tinha medo de bicho
papão, nunca tive. Mas eu nunca mais queria ver aquele homem ou seus
dois…
— E os outros? E os dois que me botaram no caixão?
— Todos eles.
Eu tive certeza que nunca mais seria a mesma. Pensei que ser vingativa já
era um traço tóxico que eu possuía, mas eu não tinha ideia. Senti aquela
sensação estranha no peito ao se dizer um “bem feito” com o gosto doce de
vingança. Eu queria que eles morressem. O próprio Vito me contou o que o
seu primo faria. Por tudo que ele disse que Antonio fez — alegando o tempo
todo não ser nem metade dos seus pecados — confirmou que esse seria seu
destino se fosse pego.
Mesmo que não fosse por mim. Mesmo que eu não sobrevivesse. Ele não
poderia deixar Vito sair ileso disso. E eu gostava de saber que eles sofreram.
Terminei de comer. No momento era o melhor sabor que senti na vida. Era
a primeira coisa que comia desde aquele burrito antes de me levarem. Eu
devia estar faminta, mas não era assim que me sentia.
— E o meu irmão? — Perguntei, subitamente aflita ao lembrar de tudo.
— Ele está internado.
— Ele sobreviveu! — desencostei num pulo. Tinha sentido medo de
sequer pensar nisso, não achava que aguentaria receber essa notícia. Foi
como acordar meus sentimentos represados, meus olhos encheram de
lágrimas, não tinha perdido o meu irmão.
Deon, seu desgraçado sortudo!
— Sim, está no hospital.
Antonio se levantou e pegou algo na mesa embaixo da TV suspensa.
Voltou e deixou sobre a cama, à minha frente. Era o meu celular. O original,
não o outro que ele me deu só para se comunicar comigo. Os dois ficaram no
carro quando me sequestraram. Era bobo, mas eu senti uma pequena
felicidade de ver o celular que me pertencia e me acompanhava para todo
lado, onde havia parte da minha vida.
— Ligue para a sua mãe. A mentira sobre a gravação fora da cidade já
expirou.
Desbloqueei o celular, não queria falar com ninguém. Mas liguei mesmo
assim.
— Rachel, você já voltou? Até que enfim! — Exclamou ela. — Seu irmão
foi operado!
— Eu sei, mãe.
— Ele foi para o quarto ontem à noite!
— Que ótimo, mãe.
— Eu preciso ir em casa, Nadia não serve para nada. Você tem como vir
aqui?
Hesitei um segundo. Não porque não desejava ver meu irmão, eu só não
queria sair e ver qualquer coisa que estivesse acontecendo lá fora.
— Rachel! — Chamou ela, num som estridente.
— Sim, mãe.
— Hoje?
— Sim.
— Ótimo. Tenho outras coisas para resolver e agora que ele está na
recuperação…
— Sim — respondi, ignorando o resto do que ela disse.
Desliguei e soltei o celular, tentando reunir coragem. Antonio parecia ter
adivinhado o que ia acontecer, pois trouxe uma mala pequena e a colocou
sobre a cama.
— Iana pegou essas coisas no seu armário, não sei se é o que gostaria,
mas segundo ela, tem o básico.
Só olhei a mala e franzi o cenho, levei um minuto para perguntar:
— Quem é essa Iana que entrou no meu apartamento?
— Esposa do Bellini, o outro careca.
— Ele é casado?
— Sim. Vista-se, eu vou com você.
— Por quê?
— Você não vai sozinha.
— Manda um dos seus carecas amedrontadores.
— Não, eu estou aqui. Não vou deixá-la ir sozinha.
No momento minha disposição estava baixa e eu tinha outras batalhas
para vencer. Se ele queria gastar um tempo do seu dia no hospital, era
problema dele. Saí da cama e me vesti com a primeira calça e blusa que
encontrei na mala. Quando me olhei no espelho, vi que tinha hematomas
espalhados, devia estar quente lá fora, mas eu não queria ninguém se
perguntando onde consegui as marcas.
Liguei o secador e sequei um pouco o cabelo, arrumei do melhor jeito em
um coque volumoso, encontrei maquiagem na mala, a mulher simplesmente
pegou minha bolsa com tudo dentro e colocou ali. Escondi as marcas no meu
rosto, fiz a maquiagem rotineira que minha mãe estava acostumava a ver e
estava pronta quando Antonio saiu do pequeno closet com outra camisa e os
sapatos. Ele deu uma batida na porta do quarto e parou atrás de mim, fiquei
surpresa quando vi os carecas, mais o garoto moreno e o outro grandão de
cabelo castanho e cicatriz no maxilar. Dei um passo para trás, apesar de não
ter medo deles, ainda não me sentia no meu normal.
Minhas costas encostaram contra o peito de Antonio e ele me envolveu
com um braço, usando o outro para indicar os homens.
— O careca enorme, é o Ogul — informou ele.
Para minha surpresa, ele pegou minha mão e a beijou. Ogul era o carecão
com quem eu dei de cara no dia que deixei o quarto depois de dormir com
Antonio no InterContinental.
— O “outro careca” que na verdade não é careca, é o Bellini — continuou
Antonio.
Eles trocaram de lugar e eu não recolhi a mão quando ele imitou o gesto e
meneou a cabeça, com um olhar de quem já tinha me visto tantas vezes que
até conhecia meus truques.
— O “garoto moreno” é Pietro, filho de Tommaso, meu sócio. Você ainda
vai conhecê-lo.
O garoto moreno também fez o mesmo e eu pensava que ele era o caçula
da turma que seguia e dirigia para Antonio como um novato aprendiz. Mas
olhando-o agora, calculei que devia ter uns vinte e cinco anos. Para falar a
verdade, fisicamente não era fácil chutar a idade desses caras, todos
pareciam maduros, fortes e saudáveis. Podia chutar desde trinta e algo até
quarenta e um bocado. Era o olhar deles que me dava certeza de uma
maturidade que não vinha só do tempo de vida.
— O grandão com esse cabelo de modelo, é o Denver — Antonio apontou
o cara alto que eu vi menos vezes.
Ele foi o último a repetir o gesto. Então apareceu a mulher, devia ter uns
quarenta e poucos anos, cabelo castanho, estiloso e curto, estatura mediana,
rosto pequeno e expressivo, com olhar de quem entendia das coisas.
— Iana Bellini — disse ele.
Ao menos ela não veio beijar minha mão, mas me cumprimentou como se
já me conhecesse, dois beijos.
— Bom, escolhi bem — ela deu uma olhada no que eu vestia, depois seu
olhar de águia foi direto nos pontos que eu tinha maquiado. Ela pareceu
aprovar, então saiu. Depois de vê-la, eu poderia jurar que não era a primeira
vez, acho que ela estava no iate quando fomos para o resort.
Assim como não era a primeira vez que eu interagia com aqueles homens.
— Tem mais pessoas, mas é com essas que você conta primeiro — disse
Antonio.
— Rachel Lund — Informei, mais por costume. Todos me olhavam como
se já soubessem muito mais do que o meu nome.
— Bem-vinda a ACCA, Raye — o tom dele foi de aviso, não de
cumprimento. — Sinto muito. Não tinha outro jeito.
Os outros assentiram, tive a impressão de que eu era a única que não
compreendia a seriedade da situação.
— Não é a primeira vez que escuto essa palavra por aqui — falei.
— Nem a última. Agora você está com a gente — se o sorriso de Iana era
para me tranquilizar, não funcionou.
Deixamos a marina com Ogul e Pietro. Eu ainda os chamaria de Carecão e
Garoto Moreno. Fomos ao Cedars-Sinai e encontrei Deon em um baita
quarto. Estava ligado a uns aparelhos, mas descobri que os tiros que ele
levou não comprometeram seu sistema respiratório, o mais perigoso foi no
estômago.
— Até que enfim! — Minha mãe me abraçou e machucou nos hematomas
escondidos, eu me encolhi e me livrei do aperto.
Fui até o meu irmão, acariciei seu braço levemente, ainda abalada por
saber que ele ficaria bem. Deon piscou várias vezes antes de me focalizar.
— Oi, Gana — murmurei, só o chamava assim quando queria resumir
carinho e sentimentos em um apelido.
Assim que me viu, Deon perdeu o controle e começou a chorar. Ele tentou
levantar o braço, mas eu o impedi e me inclinei, dando-lhe um ensaio de
abraço, com receio de machucá-lo.
— Aquele gringo desgraçado te trouxe de volta — murmurou em uma voz
rouca e baixa que eu só escutei porque ainda estava inclinada sobre ele. —
Meu Deus, Ibiza…
— Eu estou bem — menti, para tranquilizá-lo.
Acho que nossa mãe não escutou, mas ela ficou confusa ao ver a reação
de Deon. Sequei os olhos dele com um dos lenços da mesinha ao lado, uma
enfermeira entrou e perguntou o que havia acontecido.
— Ele ficou feliz em me ver — resumi.
Mesmo assim, ela não gostou da agitação dele, disse que precisava
descansar, pois estava em recuperação, tinha sido operado. Basicamente nos
expulsou, disse para voltar em meia hora, depois da avaliação do médico e
da medicação. O que só deixou minha mãe com tempo livre para bisbilhotar
a minha vida. Na pior hora possível. Eu estava uma bagunça, ver meu irmão
me deixou perturbada. Ninguém tinha conseguido lhe dizer que eu estava
bem, ele esteve desacordado e depois dopado ou na mesa de cirurgia.
E minha mãe estava em busca de informações. Deve ser por isso que me
esperou, pois jurava tê-la ouvido dizer ao telefone que precisava ir em casa.
— O que você sabe sobre o empregador dele? A enfermeira disse que a
conta do hospital será coberta por eles, deu o nome de uma empresa que
nunca ouvi falar. Aquele clube não tem como bancar isso. O bico que você
arranjou no estúdio, jamais pagaria isso aqui. O que eu preciso saber?
— Ele mudou de emprego, ia te contar, mas sofreu o acidente — eu tinha
de dizer algo, mas só queria sair dali. Não estava me sentindo bem.
Para minha sorte, Nadia deu o ar da graça e ficou irritada por ter que
esperar para ver o pai. Agora havia duas enfermeiras lá dentro. Eu escapuli e
Antonio estava numa das cadeiras do espaço de espera mais próximo, ele
enfiou o celular no bolso assim que me viu e veio ao meu encontro.
— Minha mãe está aqui, eu não sei o que vai acontecer — eu olhava para
os botões na camisa dele.
— Ele vai se recuperar — assegurou ele.
— Não, não é isso.
Ele continuou me olhando, apertei a ponte do meu nariz, estava dolorida.
Um daqueles idiotas tinha me dado uma mãozada na cara e como eu estava
lutando para não entrar na caixa, acertou no meio do meu rosto. Mas ele
nunca mais ia acertar o rosto de ninguém.
— Eu não sei… eu vou ficar — continuei.
— Você quer ficar?
Eu queria voltar para a cama.
— Eu realmente vou ficar, Antonio.
— Esperando no corredor?
— Não, eu vou ficar. E você vai desaparecer. Vai embora.
— Não.
— De vez.
— Isso não vai acontecer.
— Vai sim. Você vai voltar para o inferno onde eu nunca devia ter
entrado.
— Eu não vou deixá-la, Rachel. Não agora, nem em breve. Não até você
estar segura.
Abaixei a cabeça e cobri os olhos. Nem sei como me comportaria se ele
simplesmente assentisse, virasse as costas e fosse embora. Uma parte minha
ainda queria teimar que podia ser a solução.
— Nem quando te mando sumir? — Perguntei.
— Essa sua vontade súbita, eu não vou atender. Não importa o que diga
agora, quando chegar o dia em que eu tiver que sair da sua vida, não vai ser
para te colocarem em outro buraco. Isso eu não vou permitir.
Eu suspirei, toda aquela luz branca do hospital estava me incomodando, o
que era estranho. Porque eu estava fugindo do escuro. Oscilei no lugar e
deixei meu corpo ir para frente, sabia que podia contar com ele para aguentar
meu peso. Encostei a testa contra seu peito e inalei seu cheiro bom e
familiar.
— Então me tira daqui. Eu não quero ficar agora, amanhã eu fico.
Percebi as mãos dele nas minhas costas e me senti mais segura, ao mesmo
tempo escutei minha mãe me chamando. Ela se aproximou e parou a alguns
passos, provavelmente imaginava quem era o novo e desconhecido homem
na minha vida. Eu não estaria me apoiando em um estranho, nem o levaria
ao hospital. Minha mãe me conhecia.
— Rachel.
— Eu vou voltar, mãe — girei para encará-la e cruzei os braços. — Deon
vai ficar bem por hoje. Você devia descansar também.
Ela olhou de mim para Antonio e dele para mim. Ele disse seu nome,
como dissera para mim, mas sem metade do charme, só aquele jeito de quem
achava seu nome suficiente para cobrir todas as lacunas. Eu fechei os olhos
enquanto eles trocavam um aperto de mão. Minha mãe ia jogar no Google, ia
encontrar a Lorenza/ALGN, era o que aparecia nas primeiras páginas. Mas
se clicasse em notícias e fosse persistente o bastante para ler os artigos,
talvez aparecesse lá “Antonio Denaro, sobrinho de Nascari…”. E isso abria
um mar de possibilidades em outra pesquisa no Google.
— Vem aqui comigo um minutinho — ela me pegou pelo pulso e me
levou, como sempre fez.
Quando estávamos longe o suficiente para ninguém nos escutar, ela me
botou na frente dela.
— O que você está escondendo de mim? Não posso pressionar Deon
agora, mas vocês dois sempre se juntaram para esconder as coisas e
resolverem sozinhos. E quem é aquele sujeito ali atrás? O novo homem da
sua vida que você disse que não existiria por um longo tempo? Ele é o quê?
Produtor executivo? Figurão de algum estúdio?
— Não foi exatamente um acidente. Perseguiram a gente.
— Você estava junto? — Ela me pegou pelos braços e me olhou de cima
abaixo. — Não tem nenhum tiro em você!
— Não tem. Deon levou a pior — eu nem sabia se estava mentindo, acho
que preferia ter sobrevivido a um tiro. Estaria na cama, puta da minha vida,
com dor, mas menos desgraçada da cabeça.
Também não saberia de tudo que Vito falou, não estaria com medo de
escuro e pavor de caixões.
— A ambulância veio, eu fiquei com medo de complicar para ele, pois
Deon tinha uma arma. Escondi o carro e a arma. Eu também me machuquei,
sabe. Quando o carro bateu — soltei meus braços do aperto dela e coloquei a
blusa no lugar. — Foi isso.
— Aqueles desgraçados voltaram atrás dele? — Perguntou ela, assumindo
que tinha a ver com o passado de Deon e os caras da sua antiga gangue.
Dessa vez era eu. Ele que se meteu onde não devia.
— Não sei. Fica esperta — eu me virei e ela me segurou. — Mãe,
descansa e deixa a Nadia aqui. Eu quero ficar sozinha, já sei fazer isso há
anos.
Eu me afastei, fugindo de mais perguntas, estava acostumada a resolver as
coisas por minha conta, porque minha mãe sempre teve empregos que a
mantinham longe de casa. E quando eu fiquei mais velha, ela ficava fora por
uma temporada de verão. Isso não diminuía meu amor por ela e nem o dela
por mim; não era um trauma, era um estilo de vida. Por causa disso, aprendi
a ser independente bem cedo. Sempre pude contar com meu irmão e meu
pai, mas era diferente.
Papai estava morto, meu irmão estava internado. Ele precisava mais dela.
Eu estava desesperada para sair daquele hospital.
O que me fez voltar direto para os braços do diabo que me protegia agora.
Capítulo 4: Enterro em Vegas
ANTONIO
◆◆◆
Fui até Culver City ver como estava a obra de reconstrução do meu CDD,
ver minha operação funcionando de forma improvisada me dava nos nervos.
As rotas não eram mais otimizadas, o tempo de entrega estava maior, ver os
caminhões se dividindo e voltando a fazer viagens desnecessárias parecia um
trabalho porco. E eu não suportava isso em lado algum da minha vida.
Não sei até quando ia continuar resolvendo as merdas que meu primo
deixou para trás. Meu maior problema era a forma como Morales trabalhava,
sempre do jeito mais traiçoeiro. Ele não poupava recursos. Dizia ser discreto
e todo aquele papo para boi dormir, mas causava um estrago enorme antes
de chegar ao seu alvo.
Pelo jeito eu era seu novo objetivo. Ia ficar chato para ele ser
desrespeitado assim. O que eu achava um bando de palhaçada, ele me fodeu
primeiro quando embarcou nessa história com o afilhado dele. Era só ele
ficar na dele, mas queria ver tudo desmoronar, sem ter que se envolver
diretamente.
— Vocês o encontraram? — Virei para Denver e Ogul quando os dois
vieram me irritar, parecendo duas torres largas.
Acho que levaria anos para o meu humor voltar ao normal.
— Sim, mas ele se enfiou no território de uma gangue latina, para ter
certeza que ninguém vai matá-lo. Você que vai ter que garantir que só o quer
para o trabalho.
— E quando eu ameacei aquele filho da puta? — Perguntei, com a
paciência embaixo dos meus sapatos.
— Nunca — respondeu Denver, como se precisasse me lembrar quem eu
estive ameaçando, o que nem era uma ideia idiota, dado o tamanho da lista.
Mas eu não ameaçava ninguém que não tinha planos para cumprir a
promessa. — Mas agora que viu as notícias, ele está ainda mais cabreiro.
Eu me virei e xinguei enquanto me afastava. Tudo me irritava e tinha dias
que minha dor de cabeça não passava mais com dois comprimidos.
— Vocês já sumiram com todo mundo que conhecem? — Virei de
repente.
— Sim, chefe. Só tinha uns dois para mandar um aviso — assegurou
Denver.
— Eu já tinha feito isso, também só me sobrou umas duas parentes lá pelo
Havaí — Ogul deu de ombros.
Por “todo mundo que conhecem” eu queria dizer todo mundo com quem
eles se importassem. Diferente de Vito, que agiu para me atingir da forma
mais pessoal que conseguiu pensar. Morales não se importava com quem era
ou se você amava a pessoa. Ou se era alguém do seu passado e já não
importava. Ele ia pegando as pessoas relacionadas aos inimigos e se livrando
delas, era parte da sua assinatura. Em geral, ele nem se envolvia
pessoalmente, delegava tudo aos seus homens e não se importava com as
barbaridades que eles cometessem enquanto cumpriam suas ordens.
Foi exatamente o que fizeram com o meu pai. Começaram pegando todos
com quem ele se importava, até chegarem na esposa e nos filhos. E nele.
Eu entrei no carro para ir resolver outro problema antes de poder voltar
para a marina, meu humor tinha estabilizado, mas tomei quatro comprimidos
para dor de cabeça. Tommaso entrou pela outra porta, tínhamos assuntos
pendentes. Eu finalmente estava disposto a escutar cada pormenor da missão
dele em Las Vegas e o que ele descobriu depois.
Enquanto ele falava, eu pensava. Por que diabos eu precisava ser
escrupuloso com Morales? No minuto em que os médicos declararam a
morte do meu tio, o melhor amigo dele virou minha ameaça de morte.
Mesmo que Vito não tivesse explodido tudo, não ia demorar para ele vir
atrás de mim. A paz durava por causa de Nascari. Eu seria um tolo
inexperiente se ficasse surpreso. Era melhor assim, eu sabia o que estava
atrás de mim.
— Ele é um dos poucos sobreviventes de outro tempo nessa região. O
medo em relação a ele é real. Se ficaram receosos com Vito, vai ser pior com
ele — comentou Tommaso, sempre naquele tom cirúrgico, como um
conselheiro econômico.
— Ele precisa morrer — fechei os olhos e encostei a cabeça, aproveitando
a liberdade que tinha para fazer isso ao lado dele. Se ele quisesse cortar o
meu pescoço, teve 25 anos de oportunidades.
— Antonio…
— Você vai me dizer para mantê-lo vivo?
— Não, eu vou lhe dizer para eliminar as arestas antes. Se ele fosse fácil
de matar, não teríamos essa conversa. O negócio com Vito, aquela reunião e
agora a morte dele. Deixou muita história pendente e gente precisando ser
lembrada disso.
— E você tem nomes e endereços para mim.
— Nomes com certeza. Endereços não, eles seriam tolos de estarem no
mesmo lugar depois do noticiário dessa manhã.
Bebi mais um gole de água com gás, como se pudesse forçar o remédio a
agir mais rápido.
— Não quero soar paternalista, mas se você foi embaixo do tapete de
Morales buscar o afilhado dele, tenho certeza que eles sabem que não tem
onde se esconder.
Abri só um dos olhos.
— Você está tentando me dizer que está orgulhoso? — Perguntei num tom
de provocação.
Ele se remexeu no assento e cruzou os braços.
— Bem, eu não sabia que ia dar nisso quando o trouxe para cá. Espero
que saiba o tamanho do buraco onde se enfiou.
— Eu sei disso desde os catorze anos.
— É muito sério.
— Eu sei.
— E la ragazza? — Indagou ele, que às vezes ainda falava com aquele
sotaque de filho de imigrantes acostumado a falar vários idiomas em vez de
um americano falhando em pronunciar outra língua.
— O nome dela é…
— Rachel, eu sei. Também soube que fiquei de fora da apresentação.
— Você é bem-vindo quando quiser.
Ele tomou um momento para continuar, não sei o que pensava, também
não me importava. Fazia sentido que de todos a minha volta Tommaso fosse
o mais receoso em levar a sério o meu interesse por uma mulher.
— O que você vai fazer? Prendê-la enquanto resolve isso?
— Ela é esperta, muito esperta. Mas ainda não superou o que aconteceu.
Não preciso trancar portas.
— Por enquanto.
— Não pretendo me demorar nisso.
Ele bufou, como se as coisas só ficassem piores. Elas iam piorar sim,
Morales tinha soltado seus cães atrás de mim. Mas eles não sabiam o que eu
estava preparando para eles.
Capítulo 5: Não Duvido
gasolina
◆◆◆
Annika 13:44
CADÊ VOCÊ? Mandou aquela resposta genérica e
sumiu de novo.
Tô indo pra LA! Tô preocupada.
Capítulo 6: Um a menos
pólvora
Quando entrei no carro queria dizer que tinha controle sobre minhas
emoções. Mas eu queria encontrar Vito e matá-lo mais umas dez vezes. Ser
efetivo, às vezes era uma merda. Não sobrou ninguém daquele episódio, não
tinha mais nenhum filho da puta que botou a mão nela ou que sequer
disparou um tiro naquele episódio. Só me restava continuar cortando as
pontas soltas para me distrair e diminuir as perdas.
Tommaso fez uma lista de nomes de traidores que estiveram em Vegas e
debandaram para o lado de Vito, fosse por achar que seria o lado vencedor
ou por pensarem que precisavam seguir o que Morales dizia. Desde a morte
de Nascari e do que aconteceu, era tudo incerto e deveria ser compreensível
as dúvidas e inseguranças. E agora todos já sabiam que Morales viria atrás
de mim, a surpresa seria se anunciássemos uma trégua.
Nada disso lhes compraria mais dias nesse plano.
Cheguei ao heliporto do outro lado da reserva de Ballona. Soube que
Felipe Nicoli achava que estava sendo esperto ao deixar a cidade de
helicóptero, numa imitação malplanejada do plano de Tommaso em Vegas. E
sem saber que ele foi para mais perto de onde eu estava.
Tommaso disse que Nicoli estava em Vegas e sabia sobre o atentado que
eu deveria sofrer caso tentasse ir. E eu sabia que ele era um puxa saco do
Morales e lambe rola do Nascari. Agora tinha só um saco para ele ficar
agarrado e não seria o meu. Ele controlava negócios e homens no norte do
Estado e tinha conexão com Vegas.
Não queria ter problemas com os meus negócios se ele entrasse no meu
caminho, porque ele teria de entrar. Não dava para ficar em cima do muro.
Eu ia me livrar dele, os acordos de negócios feitos entre Nascari e os aliados
do amigo dele estavam encerrados. Seria meu para botar nas mãos de quem
eu quisesse.
— Você sabe que não me dou bem com altura — disse Ogul, ao frear o
carro.
— Vocês vão ficar, saiam da vista — deixei o carro antes de ele parar
completamente.
— Eu me divirto quando ele fica meio doido — disse Denver, enquanto a
porta batia e o carro seguia.
Eu os deixei para trás e me aproximei do helicóptero que aguardava. O
piloto estava a postos, eles não chamaram um cara qualquer, que nunca nos
prestou serviço. Ele era associado, estava acostumado a pilotar dentro do
meu mundo e me conhecia.
— Quando ele aparecer, você vai continuar imóvel — apontei a arma para
o rosto dele.
— Aquele filho da puta… — foi a reação dele.
— De onde ele vem?
— Não sei. Já devia ter chegado, mas ele nunca é pontual.
— Pior para você.
— Eu não sei de nada, nunca sei.
— Continue assim.
Entrei na traseira, era uma aeronave típica, dessas que cortam os céus de
Los Angeles diariamente, fosse em viagens com turistas ou levando os ricos
e famosos.
Demorou uns dez minutos e nesse meio tempo, o piloto conversou como
se eu não houvesse enfiado uma 40 na cara dele. Prova de que ele servia para
o trabalho nesse mundo. Não dava para viver aqui e pular a cada vez que via
um cano na mão de alguém. Ele disse que não era traidor, mas sabia o que
estava rolando e abriu o bico sobre quem esteve levando na última semana e
para onde.
O carro parou ao lado do helicóptero, na distância segura para a nave
decolar. Dava quatro pessoas atrás e eu concluí certo. Nicoli, a amante e um
segurança. O outro iria embora dirigindo o carro. Quando eles se
aproximaram, o piloto não se mexeu e eu abri para recepcioná-los. Atirei na
testa do segurança antes que pudesse reagir. A garota gritou, Nicoli ficou
paralisado.
— Já ia voltar para Vegas, seu rato de merda? — Perguntei.
Quando o cara que ficou no carro viu o que aconteceu e saiu, Ogul e
Denver já estavam encostando o carro ao lado dele.
— Diabolik, sinceramente… — ele conseguiu dizer, se o sorriso no seu
rosto não fosse de nervoso, devia ser sadismo.
— Você — movi a arma, indicando a garota. — Deixa o celular no chão,
pega a grana dele e vai embora. Já sabe como é: não viu nada, não lembra de
nada. Fica sumida uns dias. Não quero ter que descobrir o seu nome.
A garota morena e jovem arregalou os olhos, mas não se fez de sonsa, se
estava para embarcar em um helicóptero para deixar a cidade com Nicoli,
não era sua primeira vez desse lado da fronteira. Ela largou o celular, pegou
a maleta que ele carregava e fugiu na direção do hangar. Escutamos o tiro de
fundo, o outro segurança dele caiu para dentro do carro.
— Vamos negociar — propôs Nicoli, recuperando o movimento da boca.
— Eu espero que o seu filho te odeie o bastante para trair sua memória.
Soube que você é um pai de merda, vive humilhando a mãe dele. Vou ter
certeza de lembrá-lo disso antes que ele faça besteira querendo assumir o seu
lugar.
— Ele não quer, ele é um… É um frouxo… ele não serve pra nada disso.
— Bom pra ele. Entra logo.
Nicoli entrou e mandei o piloto ir para o deserto, a vista no mar era
melhor, mas era Los Angeles. As chances de ter um bando de rico entediado
permeando o mar de barcos e com celulares nas mãos era muito alta nessa
hora da manhã.
— Não adianta ficar puto comigo, Diabolik. Você sabe que era minha
única escolha.
— Você é um chupa saco de velho do caralho. Cansei do seu tipo, nem
competente você é. Está nessa posição por ter passado uma década
engolindo as merdas de Morales e lambendo o chão para Nascari. Se viesse
para o meu lado, eu ia te apagar do mesmo jeito.
— E que merda você esperava agora? Nascari já era. Você não é tão
jovem para não saber que é óbvio que Morales, aquele olho grande, ia querer
tudo.
— E Vito? Você também o achava uma bomba relógio.
— E ele provou ser. Mas você… — ele balançou a cabeça. — Eu nem sei
te descrever. Só agora eu entendi o que Nascari queria dizer sobre nem ele
poder te manipular e porque ele o queria para substituto. Para foder com
tudo! Aquele desgraçado queria ver isso do túmulo!
— É tarde demais. Você devia tê-lo escutado.
— Se você falar com Morales, se aparecer lá com uma bandeira de paz
e…
— Eu não tenho medo dele, seu covarde de merda. Nunca tive. Respeito e
medo são coisas diferentes.
— Eu não vou mudar de lado.
— Você acha que vim aqui para te convencer?
— Você não pode fazer isso, Antonio. Não pode. É você que está errado.
O cenário mudou, você já pensou que é o traidor agora? Acca vai te foder!
— Acca faz o que quiser, aqui fora as regras são minhas agora. Nascari foi
morto, Rosales virou comida de peixe, Nieves virou miúdo, Mariano virou
carvão, eu mandei pendurar a cabeça do meu primo numa estaca. Queimei
todos os seus amigos e traíras. Até para morrer Morales só fodeu com vocês,
ele é o único que vai ter festa e caixão aberto.
— Ele vai te matar, sabe disso. Não tem pra onde correr.
— Ele vai mandar me matar.
— Faz diferença?
— Não tem mais ninguém aqui, tem?
O helicóptero chegou ao que parecia o meio do nada e desceu, pairando a
alguns metros do chão. Nicoli adquiriu alguma coragem e tentou me
enganar, eu dei com a coronha na sua cabeça e o empurrei para a beira. Ele
se segurou.
— Vão achar seu corpo, para os ritos a Acca — avisei.
Atirei na testa dele, tão limpo que ficou só o buraco e ele caiu no meio da
areia. Por um instante, nem o som do helicóptero atravessou a barreira de
silêncio que só eu percebi. Mandei esperar mais uns dois minutos, fiz um
buraco grande e a queda não era pequena, mas eu não duvidava do poder de
Acca e aquele desgraçado também era jurado. Só que o corpo ficou lá, como
um boneco de testes, todo quebrado.
— Uma porra de um traidor a menos para me ferrar. — Retornei ao lugar.
— Pode voltar.
Ogul e Denver esperavam na pista quando o helicóptero pousou. Eles não
gostavam quando eu fazia voos solos — perdão pelo trocadilho — mas
acompanhado ou não, eu ainda limpava minhas merdas pessoalmente.
— Eu piloto para você. Quando quiser, onde for, a hora que for. Pode
contar — disse o piloto.
Parei para olhá-lo antes de descer:
— Eu sei onde e como encontrá-lo — avisei.
Afastei-me da nave, nada disso melhorou meu humor. Eu não movia as
minhas raivas e decepções entre alvos. Nicoli não tinha ido atrás de Rachel,
ele era outro assunto. Cada passo que dava para limpar minha barra, eu me
enrolava de alguma outra forma.
◆◆◆
Raye 15:34
Eu tô bem, de verdade. Só tô meio enrolada e
só posso falar pessoalmente.
Quando você chega? Tá vindo pra alguma
audição?
Depois que saí do hospital, fui direto para o meu apartamento. Fiquei um
tempo com Deon, menti e o tranquilizei. Ele não comprava tudo que eu
dizia, mas estava satisfeito por eu estar protegida. Minha mãe ainda me
encontrou, mas não perguntou onde estava meu “novo cara”.
Pietro e Bellini entraram no prédio comigo, o segundo abriu o
apartamento e vasculhou o local enquanto o outro esperava na porta sem me
deixar entrar. De repente, Bellini apareceu na sala segurando George pelo
cangote e pelo braço torcido, ele estava só de cueca e com cara de sono.
Estava tão chocado que tentava falar, mas mal conseguia se mover no aperto
de Bellini.
Para minha surpresa, ele passou por nós e jogou George pela escada. Eu o
ouvi xingar, então estava vivo, depois ele voltou e jogou as roupas do cara
também.
— Tudo limpo — informou Bellini.
Eu entrei e só então Karen apareceu, com olhos enormes e uma camisa
larga cobrindo-a. Eu não estava com raiva dela, estava mais para
decepcionada. Realmente achei que fôssemos amigas e cúmplices, que se
importam uma com a outra. Ela não se importou comigo. Nem tentou.
— Rachel! É você! — O olhar dela mudava entre mim e o garoto moreno.
Pietro franzia o cenho, deu uma olhada em volta, como se procurasse
alguma arma para Karen pegar e se tornar uma ameaça. Na visão deles, ela
era uma traidora que deu todas as informações de como me encontrar e ainda
aceitou pagamento por isso. No mundo deles, isso era um adeus e um tiro na
cabeça. Apesar de tudo, não ia deixar que a matassem.
— Tudo bem, eu resolvo — eu disse a ele.
— Certeza? — Ele me encarou.
— Claro.
O garoto moreno saiu do apartamento e pelo som dos passos, parou bem
ao lado da porta. Ainda era muito estranho que esses caras automaticamente
entraram no papel de me proteger, da forma mais natural, do jeito que eles
faziam com Antonio. Karen avançou, provavelmente pensando o mesmo,
pois ela disse:
— Quem era aquele homem, Rachel? Ele arrancou George da cama! Por
quê? O que fez com ele? Pegou as roupas dele!
— Cala a boca, estou sem tempo para suas perguntas — olhei em volta e
achei o taco autografado que ganhei numa filmagem com vários jogadores
de beisebol. — Você não sabia onde eu estava, Karen.
— Não, eu achei…
— Eu estava com o meu celular, você não me ligou, não mandou uma
mensagem.
Ela franziu o cenho, procurando uma explicação.
— E enquanto eu estava desaparecida, você estava aqui no apartamento
fodendo com esse seu namoradinho ridículo!
— Não é assim, Raye. Eu fiquei com medo, pedi pro George vir.
— Medo de quê?
— Aconteceu uma coisa estranha.
— Sim, você deu todo o meu itinerário e horários para uns caras.
— Não, eu fiquei com medo deles!
— E deu detalhes! Para eles não se perderem, coitados.
— Para, Rachel, não foi assim — pediu ela, juntando as mãos.
— O que você achou que eles iam fazer?
— Sei lá, não pensei, eles me pararam bem aqui na entrada, sabia? Acho
que me seguiram!
— Mas te deixaram ir. E você não me ligou para avisar. Dava muito
tempo de ter me ligado, sua idiota! Eu poderia ter fugido antes deles
chegarem! Já se passou uma semana! Você não pode ser tão burra assim!
— Para de me insultar, Rachel. Não foi assim! — pediu ela, os olhos
enchendo de lágrimas e a voz afinando.
— Uma semana vivendo com seu namoradinho ridículo aqui. E eu que me
fodesse! — Fui até ela, agarrei seu cabelo e a arrastei comigo, ela soltou um
gritinho. — Se fosse ao contrário, eu teria ligado para todo mundo, teria
chamado sua família, postado pela internet, avisado a polícia. Pelo menos no
dia seguinte quando você não voltasse para casa e eu não conseguisse falar
com você! Era o mínimo!
— Eu não sabia se podia! Fiquei com medo de contar!
Joguei Karen no chão do espaço que era nossa sala de estar, sobre o tapete
em frente a dupla de sofás de dois lugares que formavam um L.
— Rachel! — gritou ela, assustada e esfregando a cabeça.
— Cadê a grana?
— O quê?
— Eu sei que eles te deram um cala boca financeiro, sua recompensa por
dizer o que queriam. E ainda sair viva.
— Raye, você está me assustando. Quem eram aqueles caras?
— Fica no chão — abaixei a frente dela e levantei seu rosto com o taco.
— Cadê a grana?
— Eu…
— Você aceitou, não foi?
— E eu tinha escolha? — ela fugiu do toque do taco. — Enfiaram na
minha mão e me mandaram entrar e ficar quieta! Você queria o quê?
— Então cadê?
— Eu guardei.
— Onde?
Ela engoliu a saliva e ficou com aquela expressão de dor.
— Coloquei no banco, você sabe que tenho medo de assalto!
— Claro, você esteve tremendo de medo e para se consolar, foi botar o
dinheiro no banco e foder com o George aqui no apartamento. Você ia usar a
grana para pagar isso aqui sozinha se eu não voltasse? Dá para quanto? Uns
seis meses de aluguel?
— Não, eu não.
— Porque eu não ia voltar, sua filha da puta burra! Nem para minha mãe
você não ligou! A gente mora junto há meses e se conhece faz tempo!
— Você está me assustando, Rachel! Eu fiquei com medo! Olha, eu te dou
a grana, não gastei, só peguei um pouco para as contas.
— Enfia o dinheiro no seu rabo burro! Você vai precisar dele pra pagar o
seu tratamento!
Ergui o taco e fiquei de pé a frente dela.
— Se quiser permanecer viva, você nunca mais vai abrir a boca para nada.
Aqueles caras não estiveram aqui. Você não me viu hoje. Se o George quiser
continuar vivo e dançando, ele vai fingir que não viu nada.
— Rachel… Para com isso — implorou, apavorada.
— E não importa quem apareça, você vai dizer que eu finalmente saí de
férias depois de anos sem parar de trabalhar. Repete!
— Você saiu de férias!
Eu levantei o taco e a acertei, ela tombou. Ia ficar com uma dor de cabeça
do caramba. Acertei de novo, na perna, ia doer por uns dias. A idiota tentou
fugir e a derrubei com uma porrada nas costas. Quando ela caiu, o último
golpe foi na coxa, para ela ter hematomas também, já que eu ainda tinha
vários. Ela era uma dançarina, eu não queria acabar com sua carreira, então
não tinha coragem de quebrar o seu joelho.
Mas eu a conhecia, terror psicológico fazia o maior efeito em Karen. E ela
passaria dias gemendo de dor, tomando analgésicos e morrendo de medo de
ser uma burra ingrata de novo.
— Eu nem vou te botar para fora — tornei a abaixar, apoiando no taco. —
Agora, sua fama é de linguaruda traidora. Agradeça por ter sido eu a cuidar
de você.
Óbvio que ela estava chorando, não esperava menos de Karen, ela chorava
com facilidade. Levantei e fui para o meu quarto, armei duas malas grandes,
uma bolsa de ombro e outra mala de mão só com acessórios. Quando voltei
para a sala, ela estava no canto de sempre do sofá, olhando-me com
desconfiança.
— É melhor você arranjar outro lugar para morar, mas aqueles caras não
vão mais voltar. Usa a grana pra sumir daqui — avisei.
— Para onde você vai?
— Eu disse: tirar férias.
Abri a porta, Bellini e Pietro foram pegar minhas malas pesadas no quarto.
Antes de sair, parei e olhei para ela.
— Boca fechada, Karen. Você não é difícil de achar. Boa sorte com o seu
espetáculo e eu não quero mais te ver.
Deixei o apartamento, levando meu taco autografado. Sabia que não podia
ficar por ali no momento. Sinceramente, ia precisar me mudar, não
conseguiria dormir naquele lugar. O que só me deixava mais irritada, eu
adorava meu canto, morava naquele apartamento desde a época que dividia
com a Annika. Conhecia a dona, ela cobrava um aluguel justo e era ótima.
Estava vivendo o luto adiantado, o que ia fazer? Para onde iria?
Sabia que não ficaria no iate por muito tempo. Nem sei dizer até onde iria
a situação com Antonio. Eu simplesmente não podia pular de conhecer o
cara há uns três meses para morar com ele, forçada pelas circunstâncias. Não
era assim que as coisas funcionavam na minha vida. Eu me relacionei com o
Neil por um bom tempo e nunca quis morar com ele. Como que agora eu
meio que morava num iate de luxo com meu… do que eu devia chamar
aquele homem? Ele era tão atípico que eu sequer conseguia taxá-lo.
Cobri o rosto, sentada no banco de trás enquanto Pietro dirigia e Bellini ia
no banco do carona.
— Você acertou sua colega com um taco? — Perguntou Pietro.
— Sim.
— Ela não estava desacordada — apontou Bellini.
— Eu não bati com esse objetivo.
— Pelo menos doeu? — Pietro parecia curioso.
— Claro que doeu. É para ela nunca mais abrir a boca.
— Bom — aprovou Bellini.
— Dá próxima, bate para a pessoa levar, pelo menos, uns minutos para
acordar — sugeriu Pietro.
— Sim, de preferência. É mais seguro, para a pessoa não levantar e
revidar — concordou Bellini.
— Eu espero não precisar bater em mais ninguém.
— Sim, a gente resolve — Bellini completou.
Com eles resolvendo, a pessoa ia levar muito mais do que uns minutos
para levantar. Esses caras não resolviam traições de supostas amigas, eles
matavam traidores. Ainda havia essa nova herança. Eu tinha o que parecia
ser uma espécie de ficante com quem a relação estava esquisita e junto com
ele, vinham as pessoas que estavam a seu serviço.
Quando um cara matava todo mundo que te machucou e insistia em
continuar envolvido na sua vida, já podia chamá-lo de algo além de affair,
não é?
Neil 16:48
Por onde você anda? Sumiu para todo mundo.
Liguei para Karen ontem e ela disse que você não
estava. Tô preocupado, Raye. Dá sinal.
Capítulo 8: Meu primo, porra!
ANTONIO
◆◆◆
Voltei para o iate e nós zarpamos pela noite, eu sabia que aquilo era
temporário, enquanto minha cisma se acalmava. Havia ido ao depósito do
que sobrou da minha casa em Calabasas para pegar umas coisas. Apesar de
gostar do lugar, não poderia voltar. Não era num local privilegiado para
alguém no meio de uma guerra, servia só a minha vida diária onde alguém
sempre queria me dar um tiro.
Eu tinha um apartamento de frente para a praia, próximo a marina. Porém,
não proporcionava o espaço necessário. Tinha outros locais onde eu não
morava, só passava e ficava umas noites. Dependia do que estivesse
acontecendo na minha vida e de onde precisaria estar.
Eu já tinha uma casa nova, vinha pronta e decorada. Estavam terminando
os sistemas de segurança. Pretendia falar sobre ela no sábado. Pois no
momento, eu achava que Vito podia ter contado a Morales sobre Rachel.
— Foi praticamente uma comitiva para o meu apartamento — Rachel
cruzou os braços e se afastou para olhar pelas janelas. Óbvio que tinha outro
carro atrás deles além de Pietro e Bellini. Quando a sequestraram, usaram
dois carros, eu esperava pelo pior.
Mas ela estava fora da cama e do quarto, isso já me fez ganhar a noite.
Pietro disse que ela deu um jeito na amiga linguaruda e desleal, o que me
fazia pensar que estava recuperando sua personalidade. Eu não tinha
experiência com isso, não sabia de quanto tempo ela precisava ou o que mais
poderia fazer para ajudar. O fato de ela estar viva era suficiente para mim.
Um pensamento simplista, contudo, era o que eu tinha.
Talvez ela precisasse de ajuda profissional. Outro assunto que eu não
dominava, o máximo que tive disso foi na infância, com a conselheira do
colégio para o qual me mandaram quando cheguei. Eu causei problemas
demais, então me fizeram conversar com ela uma vez por semana. Não
ajudou em nada ser mais um desses colégios para ensinar filhos de gente
rica. Onde mais Nascari ia me matricular?
— E o seu irmão? — Perguntei.
— Estável, não deve demorar a receber alta.
— Sua mãe?
— Ainda comprando a história de eu estar de férias no barco do namorado
novo e misterioso — ela se virou e me olhou. — Se ficar aqui por mais
tempo, acho que vou enlouquecer. Por mais maravilhosa que seja a estadia.
— Aproveite as férias para fazer algo que queria há muito tempo, mas não
tinha tempo.
Ela bufou para mim, então se afastou. Eu quis rir, mas a realidade era que
estávamos ali por causa da ideia insistente de que iam vir atrás dela. Não era
algo que diria a nenhum dos meus homens, mas não sei se sairia vivo se algo
assim se repetisse. E ela também não. Rachel já havia sofrido quando Vito a
pegou só para me provocar. Com Morales, ela seria torturada e morta já na
primeira hora, não iam nem me ligar para provocar como fez o meu primo.
Só me mandariam a foto do corpo mutilado.
Ele terceirizava essas barbaridades e estava até hoje se safando. Havia
mais uma regra silenciosa em ACCA. Tinha a ver com a história de Tácita,
ela tinha filhos, mas eram fruto de estupro, do Deus que tinha de levá-la pro
castigo eterno no Hades. Quando ela não era o que se tornou no submundo.
Aconteceram umas mortes horríveis com membros jurados que cometeram
esse tipo de abuso. Então virou uma regra.
Mas com Morales botando seus capangas para cometer abusos e estupros
com mulheres relacionadas a inimigos dele e saindo vivo, tinha gente
achando que podia imitar. Eu estava farto dessas inconsistências. Mentira o
que Vito disse a Rachel, aquele desgraçado não tocou nela por medo de ser
castigado por Tácita.
E já que falávamos sobre ajuda profissional, nenhum médico no mundo
traria minha mente de volta se Morales fizesse com Rachel que eu sabia que
já foi feito com outras. Era melhor arrancar logo a minha cabeça.
Quando Rachel saiu, eu fui tomar banho. Ao menos essa noite consegui
vê-la acordada. Eu chegava tarde, ela esteve fora de órbita. E, sinceramente,
ela estava me rejeitando. Eu já dormia pouco, porque gente jurada para
Tácita perdia a necessidade e até a capacidade de passar longas horas
apagado. Agora estava dormindo ainda menos, porque levantava para checar
se Rachel estava dormindo onde deveria.
Mesmo que o iate não passasse a noite atracado. Isso não importava. Essa
noite eu levei um susto quando escutei o grito e o som de algo caindo.
Peguei a arma e corri para o quarto, acendi a luz e ela estava pendurada para
a lateral da cama, com a mão esticada na direção do abajur e desespero
estampado em sua face. Não tinha ninguém lá, então deixei a arma no móvel
e fui segurá-la antes que tombasse da cama. Raye estava suada e nervosa e
se segurou em mim quando a abracei.
— Eu sonhei com a vala onde me colocaram, queria acender mais luzes
para ter certeza de que estava aqui — explicou ela, numa voz vacilante.
A luz do banheiro estava acesa, a porta estava aberta, mas não foi
suficiente. Ela escondeu o rosto no meu pescoço e suas mãos repuxaram
minha camiseta. Era uma droga saber que ela ainda ia sonhar com aquela
merda de caixa. Era tempo suficiente naquela situação temporária, eu ia tirá-
la dali, talvez isso a ajudasse. Alguma hora eles encontrariam um jeito de
afundar minha ideia e ela poderia estar lá dentro.
— Você nunca mais vai voltar para um buraco como aquele — prometi,
esfregando suas costas.
— Não consigo ficar no escuro, eu adorava dormir sem luz nenhuma.
Agora não consigo mais, fico nervosa e acho que tem uma caixa a minha
volta.
E eu era inútil para isso, não era algo que podia consertar. Ficava
revoltado com coisas que não havia nada que pudesse fazer.
— Não precisamos apagar a luz — falei.
Rachel virou o rosto e descansou a cabeça no meu ombro, continuei a
segurando, enquanto ela não dizia nada e a tensão se esvaia lentamente.
Demorou, mas ela voltou a ficar sonolenta e eu não a soltei. Meu sono não
veio, recostei ao lado dela com a luz acesa até amanhecer. Seu cheiro
acalmou meu caos interno e quando deixei o quarto, sabia o que faria.
Capítulo 9: Medo de escuro
gasolina
Quando acordei, no dia após meu último pesadelo, eu já estava num lugar
novo. Não, eu não me materializei lá. Nós descemos do barco quando ainda
estava escuro, eu tinha tomado um chá que prometia acalmar os nervos,
porque não queria ter pesadelos por duas noites seguidas e nem me entregar
a calmantes diários. Entrei no carro com Antonio e dormi no ombro dele
pelo que pareceu ser um curto trajeto. Lembro perfeitamente dele dizendo:
— Nós vamos ficar aqui por um tempo.
E me tirou do carro enquanto Ogul pegava as minhas malas.
— Que casa é essa, Antonio?
— Daqui dá para ver o mar do mesmo jeito, você vai se sentir melhor fora
de um lugar que balança nas ondas.
— É um lugar bem legal — comentei, falando tanto do iate que parecia
uma casa por dentro quanto do local novo que era uma mansão no alto de
Malibu.
Mesmo que nunca houvesse dito, eu sabia porque Antonio preferiu o iate
naqueles primeiros dias. Ele nunca ficava ancorado à noite, sempre tinha
vigilância e ninguém poderia chegar perto dele sem ser visto de longe. A
menos que viesse por baixo da água. Se estávamos em terra firme, devia ser
seu novo local seguro.
— Tem espaço, um jardim, uma visão ampla. Vai funcionar — comentou,
enquanto subíamos a escadaria principal.
A casa não era massiva, mas era grande, uma mistura de vidros, cômodos
espaçosos, pé direito alto e dava para ver muito verde lá fora. Foi o que eu vi
antes de dormir mais um pouco. Quando acordei, era minha nova realidade.
Tinha quartos suficientes para o garoto moreno, o carecão, o cabelo de
modelo e não sei se Bellini e Iana ficariam por aqui.
O cômodo com o enorme pé direito era tão grande quanto sua altura e
misturava sala de estar com sala de música. A decoração da casa era bonita,
limpa e clara. Muito branco, tons terrosos, mármores e detalhes em madeira.
Com alguns toques de riqueza chamativa, obviamente já vinha pronta para as
necessidades súbitas de algum ricaço. Era LA. Sempre havia alguém cheio
de grana precisando de uma mansão impessoal e pronta para uso.
Isso quando elas não eram locações para filmagem ou para algum ator que
estava na cidade só para aquele trabalho, mas seu passe era tão alto que era
num lugar como aquele que ele passava seus dias entre takes. No momento,
o belo local era o refúgio bem vigiado e que devia caber nas necessidades do
dono da Lorenza/ALGN. Se o vissem pelo bairro, era isso que pensariam.
Eu gostei de ter uma paisagem interminável, dava uma sensação de
liberdade e normalidade. Por mais que o barco fosse legal e tivesse servido
para me sentir segura, ele era uma ilha no mar. Depois de uns dias, o efeito
passou e me senti confinada, como se jamais fosse voltar a segurança.
Também não era prático para Antonio e tenho certeza que preferia ficar em
terra, afinal, se ele gostasse de viver num barco teria feito isso antes. E ele
comentou que só o usava por curtos períodos. Ultimamente, nem isso.
— Que lugar é esse, Antonio? E não diz que daqui dá para ver o mar —
parei ao lado da bancada da cozinha onde ele estava sentado em um banco.
— A vista é linda — ele colocou um pedaço de pão fresco na boca e
mastigou por uns segundos. Para minha sorte, eu tinha parado de me distrair
com a bela paisagem que ele representava. Bem… às vezes ainda acontecia.
— E nós vamos ficar aqui por um tempo — imitei o jeito dele de falar.
Antonio sorriu e cortou uma grossa fatia do pão artesanal, passou o que
ele estava comendo e empurrou para mim, dentro de um pequeno prato. Ele
era sutil, mas vinha tentando me fazer comer desde que voltei da clínica.
— Sim — confirmou ele.
Olhei o pão, bastante tentada pelo aroma fresco e convidativo que
emanava. Aos poucos, ele estava conseguindo trazer meu apetite de volta
com essas opções deliciosas as quais tinha acesso ilimitado.
— Eu não posso ficar aqui assim.
— Não? — sua expressão mostrou confusão.
— Eu preciso ser livre, Antonio. Olhei da janela lá de cima, vi pelo menos
três capangas perto do portão, duvido que vão me deixar entrar e sair.
Ele se divertiu enquanto mastigava, porque ele achava engraçado os jeitos
que eu escolhia chamar seus homens, seguranças, soldados, associados…
seja lá que fossem.
— Você é livre, Raye.
— Não.
— Só precisa de companhia para suas aventuras.
Eu tinha caído na isca dele e mordido um pedaço do pão, a casquinha era
crocante e o miolo estava delicioso e macio, com um sabor leve de ervas e
azeite. Porém, eu o recoloquei no prato e cruzei os braços.
— O que você acha que vou fazer? — Ele pendeu a cabeça. — Amarrá-la
e obrigá-la a participar de jogos sexuais em uma mansão desconhecida?
Coloquei as mãos na cintura, esperando-o levar isso a sério. Não achava
que Antonio ia me amarrar para me manter cativa e jogos sexuais podiam
significar muita coisa, a gente se divertia no sexo de qualquer jeito.
— Eu espero não descobrir que você esteve escondendo algum lado
sádico e abusivo.
Ele descansou a xícara e me olhou, não era aquele seu olhar sério, ainda
era o outro, divertido e interessado.
— Não sei onde você conheceu esses caras do seu passado para essa ser
sua primeira desconfiança, mas se encontrar um puto desses, eu mato.
— Então eu vou embora.
— Não, fica. A comida é boa, a vista também — ele indicou a outra
xícara. — Café?
— Antonio, eu tenho um trabalho.
— Vou resolver tudo isso, para você poder fazer seus filmes. Prometo —
ele virou o bule e derramou o café enquanto me ouvia.
— E eu fico no meio?
— Você não trabalha por produção? Um contrato para cada uma. A última
acabou, certo?
— Desde que saí da casa dos meus pais que não sei o que é não pular de
um contrato para o outro imediatamente. Eu mal termino um e estou
agendada para o próximo. É como um emprego fixo e sem férias, não sei
nem como me comportar em uma pausa.
Ele ficou olhando para mim, como se pensasse no que eu disse.
— Lá no resort, você disse que precisava de mais tempo para se dedicar a
outros tipos de projetos, mas nunca conseguia por causa dessa sua agenda
que nunca para.
— Eu estava sonhando com um futuro distante.
Antonio temperou o café na minha xícara com um pouco de leite e cacau,
empurrou a bandeja com açúcar e adoçantes para eu dosar.
— Droga, Antonio. Sou o tipo que se planeja — sentei no banco alto e
coloquei adoçante demais no café, mas bebi assim mesmo.
— Desculpe, Benzina. Mas nem mesmo um anjo pode sair ileso de salvar
o diabo.
— A opção era te deixar lá para morrer.
Ele moveu os ombros levemente e disse:
— Não estaríamos aqui.
— Você é ridículo — eu virei o rosto.
Ele deixou o banco e me tocou, sua palma grande e quente cobriu a lateral
do meu rosto e pressionou minha mandíbula, queria continuar irritada com
ele, comigo, com a situação. Lutei contra a sensação do seu toque e da
proximidade dele que eu jurava ser como algum tipo de veneno. Eu já o
estava querendo de volta, estava provado que não pensava direito.
Antonio passou os braços em volta da minha cintura e descansou aquele
seu queixo bem cortado no meu ombro, seus lábios encostaram no meu
pescoço e meu corpo acendeu como uma árvore de natal. Fiquei irritada só
de pensar naquela noite no Centro da Cidade. Se precisasse fazer tudo de
novo, eu faria. Não o deixaria lá, arrastando-se no asfalto, com a morte
sentada em suas costas. Só que agora olhava a cena com as cores dos
sentimentos que não existiam naquela noite.
— Eu vou pensar no que preciso fazer — consegui me afastar dele, peguei
a fatia de pão, a xícara com o café e fui embora para olhar o resto da casa e
planejar o que fazer longe da minha rotina. Antonio não disse, mas estava
óbvio que ele pensava que a outra opção era ser sequestrada e voltar para
uma caixa no chão. Ou pior.
◆◆◆
Quando tornei a ver Antonio, era tarde e eu tinha feito uma lista. Não
sabia como ficar de folga, uma coisa era uns dias contados num resort. Outra
era ter tempo para resolver o que eu preferia fazer primeiro. Como velhos
hábitos morrem devagar, liguei para o estúdio e para o meu chefe que já não
era mais. E descobri que perdi a festa de encerramento das filmagens, foi
quando eu estava escondida no meu quarto no iate, sem querer ver ninguém.
Só em um papo consegui uma nova oferta de trabalho se estivesse
interessada em dar uma olhada. Não sabia se poderia ignorar tudo e
embarcar em mais um projeto que ia sugar meus dias e noites num estúdio e
em locações por aí. Essa era uma oportunidade para filmar fora de LA
também. Só que era outra série. Estive tentando voltar a fazer cinema, mas
foi como disse, eu não sabia recusar trabalho. Séries eram projetos longos, a
menos que fosse cancelada já na primeira temporada. Essa poderia me
prender por no mínimo dois anos ou mais se eu não me demitisse para correr
atrás de outras ambições.
Será que se não tivesse me acontecido tudo isso, eu pararia para pensar no
meu futuro profissional ou ia simplesmente engatar outro trabalho
automaticamente como vinha fazendo?
Não sei exatamente o que Antonio andava fazendo por aí, mas estava
tomando seu tempo. Ele voltava e ia tomar banho como se estivesse
contaminado com algum vírus em sua pele e suas roupas. Os nós dos seus
dedos tinham se curado e agora estavam esfolados de novo.
— Isso arde — ele puxou a mão.
— Você andou por aí todo ferrado, fugiu do hospital ainda com a cabeça
remendada e reclama de ardência?
— Eu não fugi, só me dei alta adiantada.
Espirrei o antisséptico na outra mão que deveria ser eternamente marcada
pela queimadura da explosão, mas apresentava um aspecto de ter passado
anos do ferimento em vez de meses. Dessa vez ele só entortou a boca. A
queimadura tinha estragado a beira das tatuagens que cobriam o antebraço
dele, pensei que jamais poderia refazer, mas a pele parecia pronta. Nada
fazia sentido neste homem.
Larguei o vidro sobre a mesa e me afastei para perto das janelas.
— Tem vários dias que não dividimos uma refeição — comentou ele, sem
se dar ao trabalho de perguntar se eu tinha jantado.
Fiquei pensativa, quando foi que sentei e comi? A última vez que comi
algo substancial foi no dia que me levaram e mesmo assim foi um lanche
com o meu irmão. De lá para cá eu beliscava; uma metade de panini aqui,
um biscoito ali, um picolé, alguma fruta, uma fatia de pão…
— Não sinto vontade, sei lá… Parece que não quero mastigar.
— Vou te fazer sopa de tomate. Entregaram pão fresco.
Ele não perguntava, para não me dar a chance de negar. Eu queria falar
sobre algo, uma vulnerabilidade que teria de expôr para ele. Contudo, depois
do que aconteceu nos últimos dias, seria só mais uma, não é? Estava um
tanto vendida para ele.
Voltei até o balcão da cozinha e sentei em um dos bancos, Antonio estava
de costas lavando algo na pia, depois apareceu no balcão com uma cesta
cheia de tomates de dois tipos, um redondo e outro comprido. Não me peça
para conhecer as diferenças. Só sei que ele agarrou um cutelo enorme e
cortou os tomates rapidamente.
— Você vai gostar, vai ver só.
— Você foi comprar esses tomates?
— Estou sem tempo, mas sei que acabaram de chegar das plantações
locais. Agricultura familiar — ele até cheirou um dos tomates antes de soltá-
lo na tábua e descer o cutelo afiado sobre ele.
E eu ri baixinho, não adiantava porque sempre achava graça do absurdo
que era aquele homem falando de empostar, plantar, comprar e tudo mais
que ele sabia em detalhes esquisitos sobre diversos itens alimentícios.
Agricultura familiar? Sério?
— Cebolas orgânicas? — indaguei quando quatro delas apareceram na
tábua.
— Perfeitas, o aroma fala por si — respondeu ele e rodou o cutelo no ar
antes de partir uma delas em quatro numa velocidade que eu via em
programas de TV.
Mas com o conhecimento que tinha adquirido sobre a vida dele, duvido
que Antonio aprendeu a mexer com qualquer ferramenta cortante em uma
cozinha. Uma coisa acabou casando com a outra.
Em pouco tempo, ele tinha colocado tudo numa travessa grande, usou um
abridor de vinhos para abrir um azeite e cheirou assim que conseguiu.
— A ALGN importa esse da Espanha, edição limitada — ele sorriu e eu
me senti um pouco menos incomodada por estar cada dia mais exposta.
— Eu acho que você gosta muito de azeites, nos locais que comemos,
tinha várias garrafas e você tempera a comida com tipos diversos. Não
entendo disso, mas as garrafas eram diferentes.
— Cada azeite é um toque especial — ele pausou e uma grande cabeça de
alho tomou um golpe certeiro do cutelo e foi parar na travessa junto com
umas folhas de um verde vivo. — Um bom azeite.
Enquanto regava tudo com azeite, açúcar, sal e colocava no forno;
Antonio me contou curiosidades sobre azeites de países diversos e eu sabia
que ele estava se esforçando para me fazer rir e provocá-lo por causa das
histórias de importação da ALGN e de sua obsessão por bons azeites.
— Me dá um minuto, Raye — a expressão divertida despencou do rosto
dele quando o celular tocou e ele olhou a tela.
Se ele foi atender, era importante. Ultimamente essa expressão estava
tomando o rosto dele como nunca, me lembrava da corda bamba em que
estávamos. E do que ele andava fazendo por aí enquanto me dizia que ia
“consertar”. Antonio usava essa palavra, não era resolver, terminar,
encerrar… era consertar. Esses detalhes eu ainda não tinha, mas sabia que
desde o dia que o conheci na explosão, algo havia sido danificado
gravemente. E estava piorando.
O forno apitou. O que diabos eu ia fazer com aquele bando de coisa na
travessa? Ele apareceu na cozinha num instante, seu cenho ainda estava
franzido e ele abriu o forno em silêncio. Levou um minuto despindo o que o
tinha chamado ao celular e recolocando o lado que usava comigo.
— Prato de sopa? — Indaguei e levantei.
— E o pão — completou e pegou o mixer, para transformar tudo num
caldo denso.
O som ecoou pela cozinha enquanto eu arrumava os pratos no balcão, ele
derramou tudo numa panela, mexeu no fogo e testou o sal, moeu um pouco
de pimenta e voltou pro balcão. A fumaça da panela subia em ondas suaves.
Quando pegou a concha e derramou sopa nos pratos, nem parecia que tinha
atendido a um telefonema.
Eu ainda não queria saber. Estava com uma pilha de dramas e tinha
certeza que mais breve do que esperava, saberia de tudo. Ele derramou um
pouco de creme de leite fresco, fazendo um círculo fino sobre a sopa em
cada prato. Cortou o pão e derramou um fio de azeite nas fatias. O pão tinha
uma casca tão crocante que se bastava.
Admirei a comida, mas não me movi. Antonio parou ao meu lado, tocou
meu queixo e observou meu rosto.
— Sopa de conforto, faço em minutos. Todo dia se você voltar a jantar.
— Você não tem tempo para isso.
— Experimenta.
Mesmo que ele não soubesse pedir nada, eu ficava presa na combinação
da sua voz e de seus olhos escuros. Ele me disse para tomar a sopa
fumegante, mas em vez de me soltar, aproximou-se e beijou meus lábios. Foi
contido, porque eu sabia como ele beijava, mas ainda foi úmido e cheio de
vontade de me provar, como se estivesse pensando em fazer isso muito antes
de começar a cortar os tomates.
Sentei e provei a sopa. Estava deliciosa e eu só precisava tomar aquela
mistura quentinha e cheia de conforto. Ele fez tão rápido e manejando aquele
cutelo com barulhos secos e repetidos, sabia que ele se virava na cozinha,
mas não esperei por essa paixão instantânea a primeira colherada.
— Prova no pão — ele usou o mesmo abridor do azeite para puxar a
tampa do vinho.
Eu provei. O que ele dissesse nos minutos que eu levaria comendo, eu
faria. A sensação foi mais forte do que lá no barco, não percebi o quanto
precisava sentir meu estômago sendo abraçado pela quentura dessa refeição
até sentir.
— Adorei, obrigada. Vou jantar amanhã, juro.
A expressão dele era de satisfação, mas comeu em silêncio enquanto eu
me reconciliava com o meu apetite. Não pedi mais, foi suficiente, mas tinha
sopa o bastante na panela para eu jantar amanhã. E sabe-se lá se na próxima
noite ele chegaria para o jantar.
Bebi um gole do vinho dele, eu não estava mais tomando remédios que
me impedissem de beber. E olhei para ele como se lhe dissesse isso, mas é
obvio que Antonio não ficou nada afetado. Ele fazia altas merdas com o
próprio bem-estar, mas ai de mim se ficasse mais um dia sem comer. Pois
bem, eu tinha outro problema e não tinha nada a ver com dor física.
— Sobremesa? — indagou ele quando eu não disse mais nada.
— Não consigo — levantei e carreguei a taça dele, havia sobrado só um
pequeno gole e deixei do outro lado do balcão.
Peguei os pratos e botei na lavadora, quando fiquei de pé, tomei coragem
e o encarei.
— Eu preciso fazer algo, antes de todo o resto — ele continuou olhando
para mim, pela sua expressão não dava para saber se esperava escutar algo
absurdo ou a coisa mais trivial do seu dia. — Vou conversar com uma
psicóloga, sobre como me sinto e esse medo ridículo que adquiri.
— Não é ridículo, é uma consequência. Vamos encontrar uma psicóloga.
— Eu pensei que já tivesse uma no seu caderninho de afiliados para
escutar sobre meu problema com uma caixa e uma cova.
— Psicólogos não são os mais necessitados na minha organização,
infelizmente. Pouparia bastante trabalho e enterro. Vamos providenciar uma.
— Onde?
— Eles têm um código, não? De jamais revelar nada.
— Você acreditaria nisso?
— Eu vou te encontrar alguém ótimo.
— Não tem alguém que já te consultou? Em algum momento?
Antonio pendeu a cabeça e apoiou o queixo na mão, ele sabia quando eu
estava escavando por informações.
— Até aprender a fingir, fui uma criança problemática no colégio. Tinha
que ver uma orientadora toda semana, ela era uma psicóloga. Já tem muito
tempo. Com 15 anos, eu fingia bem demais e ela só me arrastava para sua
sala uma vez ao mês. Terminei o colégio e nunca mais.
— Você fingia que estava bem?
— Eu ainda era problemático, mas eram outros tipos de problemas. Com
15 anos, meu tio já me levava com ele para o que tivesse de fazer. Fosse para
cobrar, matar ou ter uma reunião. A criança revoltada ficou nas sessões da
orientadora, comecei a vê-la com 10 anos. O trabalho dela funcionou. Vamos
lhe encontrar alguém para conversar. Eu não sou a sua melhor conversa,
mesmo que quisesse me contar.
— Eu contei… — libertei-me do olhar dele por um tempo e dei a volta no
balcão. Na verdade, não contei nada. Só relatei o que me aconteceu e que
tinha passado a ter medo de escuro.
Não ia dizer a ele como me sentia de outras formas, porque seria abrir um
buraco fundo e lhe dar informação demais. Eu tinha receio porque
desenvolvi sentimentos por ele e se Antonio usasse isso contra mim, iria me
arrasar.
— É só isso que precisa?
— No fundo, eu quero voltar aos meus velhos hábitos. E funcionar no
automático, arranjar algum trabalho ridículo, até voltar a ser assistente de
produção, para ganhar uma mixaria que nem preciso e trabalhar sem parar
em um estúdio que eu já conheço. Empurrando com a barriga tudo que quero
fazer além do trabalho no set. Não pensar em nada. E só perceber quanto
tempo passou quando a produção terminar.
Ele não estava com aquela expressão que agora eu já conhecia, de quando
sua mente buscava uma solução. No fundo, eu queria fazer isso para fugir de
tudo, mas não queria voltar a ser assistente, queria continuar na linha em que
estava. Eu era uma boa profissional, não merecia regredir.
Eu ia falar com uma psicóloga, no momento, pensava nos dias em que
ficava filmando na rua de madrugada, não sei se conseguiria fazer isso e eu
precisava desbravar esse impedimento mental. Esse era o meu trabalho, eu
queria fazer filmes, minisséries, séries de grande orçamento e tudo mais que
pudesse botar minhas mãos. Talvez por coincidência, nunca trabalhei em
uma produção que não precisasse filmar à noite. Nem sempre era
madrugada, mas o problema não era o horário.
— Sinto muito, Rachel. Não posso resolver isso, não com o seu tipo de
trabalho. Posso lhe conseguir quase tudo, só não posso deixá-la morrer.
— Que inferno, Antonio. Esse problema é só meu para resolver — afastei-
me mais, estava frustrada e irritadiça.
Deixei a casa pela porta do jardim e fui me afastando, sentia meus olhos
arderem pelo tamanho da minha frustração. Eu era uma garota de LA, não só
andava como trabalhava pela noite a dentro. Acontecia de tudo à minha volta
naquela cidade e nos sets de filmagens. Tiros simulados, explosões
controladas, corpos de mentira, brigas ensaiadas, sexo coreografado para
câmeras, agressões repetidas dez vezes para o telespectador senti-las como
se fossem reais. E aí, subitamente, eu era capada pela vida real.
— Rachel! — Escutei Antonio chamando.
Continuei pelo caminho do jardim, ele não só chamou, como seus passos
soaram atrás de mim. Travei e encarei o espaço à minha frente, estava
completamente escuro, eu nem conseguia ver por entre a vegetação. Eu tinha
me afastado da área iluminada do jardim. Sabia que se voltasse, poderia ver
tudo, o gramado, a vista para o mar, a piscina… de repente, eu só enxergava
a escuridão. Meus olhos se arregalaram e eu dei um passo para trás, em vez
de frustração, senti opressão. Eu estava livre, em um jardim lindo, mas fiquei
paralisada.
Senti mãos apertando meus braços e me puxando. Antonio me girou no
lugar e me pressionou contra ele. Fechei os olhos e ele deu passos para trás,
enquanto falava comigo.
— Vou colocar luzes automáticas… vamos deixar tudo aceso… tudo bem,
vem… — ele dizia e eu só registrava alguns pedaços.
Abri os olhos, apertava o tecido da camisa dele com tamanha força que só
um ferro consertaria. Percebi que já estava em frente as janelas de dois
andares da sala principal e dali emanava tanta luz que pessoas em um barco
no mar poderiam ver o formato das janelas.
— Vem comigo, Raye — Antonio parou no meio da sala e percorreu meu
rosto com o olhar, eu continuei me segurando nele e saí daquela vertigem
súbita. — Melhor?
— Eu já te disse que essa sala é muito bonita?
— Que bom que gostou dela, tem ainda mais luzes para acender.
— Está bom assim, é claro suficiente para ver até o salpicado dos seus
olhos.
— Eles são só escuros.
— Mas desse escuro eu gosto — murmurei, deixando meu corpo afundar
entre os braços dele.
Ele me segurou sob o brilho forte e amarelado da sala e eu estava pronta
para esquecer o jardim apagado. Antonio me levou para cima, só apagou as
luzes quando eu já estava no corredor iluminado. No quarto, eu ficava com
os dois abajures acesos e Antonio havia dito que dormia em qualquer
iluminação. Subi na cama e fui conscientemente para os braços dele, parecia
fazer uma eternidade que não fazia isso, mas foram só algumas semanas,
desde que ele dormiu no meu apartamento.
— Sinto muito, Raye — Antonio murmurou, com seus lábios próximos a
minha têmpora. — Eu vou resolver isso para você ser livre outra vez.
Eu sabia o que ele estava me prometendo. Antonio me deixaria ir, em
algum momento, eu seria livre. Dele.
— Não se anima, só estou presa com você por uma temporada dessa nossa
série — levantei a cabeça, apoiando as mãos nele.
— Presa comigo — ele sorriu. — Que sina terrível.
— Mas você sabe fazer a minha nova sopa favorita, dá para suportar a
sina um pouco mais.
Antonio sorriu, segurou meu rosto e juntou seus lábios aos meus, suave
como ele podia ser quando queria, viciante como era o tempo inteiro.
Olhei seu rosto demoradamente, ele continuava cheio de planos retos e
bem cortados, com olhos escuros sob sobrancelhas marcantes e pretas que
poderiam pesar o conjunto, mas não podia imaginá-lo de nenhum outro jeito.
Sempre o acharia impactante e atraente. Elegante, afiado e rude num pacote
que eu não esperava achar lindo, mas lá estava ele. Nem seus lábios macios
o suavizavam e eu não sabia quando foi a última vez que o beijei do jeito
que merecíamos.
Saí viva, um pouco mais danificada do que antes, estava morando com
meu affair e não imaginava porque não estava beijando esse homem para me
distrair disso tudo. Ele era uma enorme distração, em todos os sentidos que
eu precisava. Corrigi isso ao tocar seu rosto e beijá-lo, dediquei uns minutos
para me perder na sensação do seu corpo sob o meu, na onda de calor e
excitação que ele provocava em mim.
Antonio me envolveu e eu me abandonei de vez; o corpo sobre seu peito e
entre suas pernas esticadas. Ele não soltou mais, suas mãos me seguravam
como se não fosse suportar perder o contato. Recebi sua entrega em
retribuição à minha, deixei que me beijasse até me deixar com a mente
flutuando e acender minha volúpia a um ponto que comecei a confessar
pecados contra seus lábios.
— A última vez que eu perdi o fôlego não foi tão legal assim — disse
baixo.
Ele tirou os olhos da minha boca e umedeceu os próprios lábios, abriu um
sorriso preguiçoso e satisfeito, dava para ver o efeito do desejo em seus
olhos e sua face.
— Não vou viver esse desespero de novo. Achar que nunca mais sentirei
sua boca na minha — suas mãos passaram pelo meu rosto, seguraram meus
cachos longe do rosto e seus beijos me consumiram.
Subi as mãos pelo seu peito, até descansá-las em seus ombros.
— Pensei em você quando meu ar estava acabando. Mas eu achei que
você não apareceria.
Ele acariciou meu pescoço, sua mão entrou por baixo do meu cabelo, seus
dedos massagearam a raiz, encostei a testa nele e respirei seu cheiro.
— Eu estava lá, transtornado como for, eu sempre estarei lá, Raye.
— Eu acredito — pressionei os lábios nos dele.
Antonio me abraçou e virou de lado, segurando-me contra ele, eu tinha
certeza que ele não me soltaria em momento algum naquela noite. Sabia que
era uma criatura estranha, pois gostava de como ele não nos iludia dizendo
que eu jamais precisaria que ele estivesse em qualquer lugar. Eu o abracei de
volta, deslizei as mãos por baixo da sua camiseta, arranhando suas costas
levemente.
Ele devolveu a carícia, suas mãos subiram a blusa fina do meu pijama
quando se insinuaram por baixo, meus mamilos se eriçaram mais sob a
fricção das palmas dele e ele se livrou da peça, jogando-a para fora da cama.
Antonio deu um beijo nos meus lábios e outro sobre meu mamilo rijo. Ele
sorriu para mim e eu me diverti com a provocação.
Envolvi seu pescoço, sentindo parte do seu peso sobre o meu torso, fechei
os olhos quando sua boca tomou o mesmo mamilo que ele provocou. Meu
corpo correspondeu instantaneamente, Antonio apoiou-se no antebraço e se
inclinou para mim, puxei a camiseta dos seus ombros e ele a tirou. Desci as
mãos pelo seu peitoral e segui pelas entradas macias do seu abdômen,
ultrapassei o cós do calção de pijama que era inútil para esconder o estado
do membro grosso e ereto.
Antonio me empurrou contra o colchão e se inclinou sobre mim, sua mão
deixou meu pescoço e desceu pelo meu seio quando seus lábios cobriram os
meus. Ele me beijou, esfregando a língua na minha e devorou minha boca
com tanto ardor que quando ele parou, não consegui abrir os olhos ou fechar
meus lábios. Sua mão sumiu por dentro do short do meu pijama e ele me
encontrou quente e toda molhada. Meu corpo parecia que entraria em curto
tamanha era a minha excitação.
Puxei-o pelo rosto, incapaz de resistir ao vício nos seus beijos. Seus dedos
giravam gentilmente sobre o meu clitóris inchado e não pude fazer nada
além de deixar ir, um alívio lento e delicioso se espalhou por mim,
satisfazendo e me acendendo ao mesmo tempo. Eu o queria ainda mais.
Antonio empurrou o meu short e eu o dele, até não alcançar mais. Nossas
bocas se encontravam e atrasavam o trabalho.
— Saudade é uma droga — murmurou ele, com suas mãos e seu olhar em
mim agora que não tinha mais nada para impedir.
Sim, saudade era um porre e dava um barato a mais no nosso vício.
— Tudo parece uma eternidade — concordei.
Antonio dominou minha excitação com suas mãos, deu-me conforto e
proteção entre seus braços e venerou meu corpo com sua boca. Ele deu uma
mordida perto do osso do meu quadril, eu sorri e o observei. Senti sua
respiração correndo pelo interior da minha coxa quando ele a elevou e
depois sobre o meu sexo. Ele esfregou a língua vagarosamente no meu
clitóris, Antonio estava com fome e saudade, mas me chupou devagar. Se
antes eu estava molhada, agora parecia que havia derretido em lubrificação.
Ele beijou meu ventre com seu olhar em mim, abri o preservativo e o
segurei entre os dedos como uma isca, mas eu que queria ser fisgada. Ele se
inclinou sobre mim, acariciei seu membro duro enquanto ele enfiava a língua
na minha boca outra vez. Antonio se ajeitou e deslizou para o meu interior,
apoiou as mãos na cama, moveu-se levemente e manteve o olhar fixo em
mim.
— Tudo bem? — Perguntou.
— Sim — minha voz saiu num misto de animação e prazer.
Ele passou o nariz pelo meu, roçou meus lábios e seus movimentos
ficaram mais firmes. Fechei os olhos e abri um sorriso, imersa em sensações.
— Sim, perfeito… — voltei a olhá-lo.
Antonio abriu um sorriso lindo e excitante, observando-me enquanto me
fodia. Prendi as pernas nas dele, meus gemidos repetidos denunciavam tudo.
Ele sussurrou para mim e eu sorri quando ele lambeu minha boca,
divertindo-se, sem parar de me preencher repetidamente. Segurei em seus
braços e mantive o olhar nele, tudo me excitava: seu prazer, seu sorriso
satisfeito, seus sussurros de tesão, o jeito que me olhava e me fodia. Eu só
cerrava os olhos quando ele me beijava. E ele o fez, repetidas vezes até
gozarmos. Cedi primeiro e me abracei a ele, envolvendo-o com as pernas
mesmo depois que ele descansou o rosto na dobra do meu pescoço e relaxou
sobre mim.
Beijei seu rosto e se ele não queria me soltar, eu também não o faria.
Acreditar nele até me faria dormir só com um abajur aceso.
Capítulo 10: Mão na grana
pólvora
◆◆◆
Levou uns dias para o plano de Deon dar frutos, numa terça-feira ele me
ligou no final da manhã e passou o telefone para Farba, o contador que
Nascari tinha arranjado por baixo dos panos e eu sabia porque havia feito o
contato.
— Diabolik, achei que não nos falaríamos mais, eu estava pronto para
fugir do país — ele falou rápido, com seu sotaque carregado.
— De volta para o seu país? Você disse que não pode nem voltar lá.
— Não posso e não quero. Minha indecisão me manteve aqui.
— Você me causou um bocado de atraso, seu neurótico.
— Eu vi o que começou a acontecer, achei melhor correr.
— Não tenho tempo para ficar ao telefone com você, Deon é de
confiança. Vou mandar um carro para pegá-los.
— Você vai me garantir?
— Não quero te matar, quero seu trabalho. Entra na porra do carro, se me
atrasar mais, vou esquecer como você é competente.
Pouco tempo depois, Deon apareceu no meu escritório alternativo junto
com Denver e Ogul que foram buscá-los. Farba entrou entre eles, era um
homem bem magro e alto, tinha uns quarenta e tantos anos, mas sua pele
retinta era lisa como se não soubesse o que era a passagem do tempo. Ele me
disse que era senegalês e, apesar de estar nos Estados Unidos há mais de
uma década, desde que o conheci, seu sotaque continuava tão carregado
quanto.
Ele era um professor substituto na faculdade e também prestava serviços a
indivíduos e empresas. Mas a grana começou a entrar quando ele colocou
sua mente genial a trabalho de contraventores. Foi azar o dele Nascari tê-lo
descoberto. Farba sabia esconder e lavar dinheiro com uma competência
assustadora, mas não era exatamente para isso que eu o queria. Aqueles que
sabiam de sua existência, achavam que esconder e mover o dinheiro era sua
única função. Não era.
Além de mim, só havia mais duas pessoas vivas que sabiam disso. Nós
ficamos sozinhos e eu disse a ele o que queria.
— Se isso vai me manter seguro, eu faço. Não queria fugir do país, fiz
vida aqui.
Mack entrou correndo, com o rosto vermelho e os olhos arregalados.
— Você a trouxe? Meu Deus! — Ele exclamou.
A outra pessoa que sabia era Jeanne, minha prima. Ela estava sentada
numa poltrona ao lado da minha mesa, com os pés para cima e sua gravidez
aparente. Supostamente, ela veio para o enterro do irmão. Mas com Vito
morto, ela queria ficar em LA, mesmo que sob proteção, porque ela não ia
confiar no “titio Morales”, que a embalou desde quando ela era só um bebê.
Mack não tinha ideia das informações que guardava, a esposa achou
melhor não contar, ele já sabia demais. Nascari falou só por cima e deu a
Jeanne a tarefa de esconder as senhas e números de contas. Foi disso que ela
falou no enterro dele, sobre as outras contas, não foi sobre as que pertenciam
ao seu pai e que Vito queria o acesso completo e estava disposto a ferrar com
a irmã para conseguir.
Era um quebra-cabeças. Cada um sabia um pouco e só Nascari sabia o que
planejava fazer se precisasse. Eu não só precisava como ia fazer. Montei o
quebra-cabeça, estava pronto para descobrir o que faltava e tinha todos que
precisava.
Inclusive uma porra de um hacker que tirei da prisão, para aumentar sua
dívida comigo. Ele achava que estava seguro agora, mas se me sacaneasse,
não estaria seguro em lugar nenhum. Ele foi preso por acusações de invadir
bancos, mas não tinham provas suficientes, então a fiança — na casa dos
milhares — estava lá para ser paga. Ele recebia os dados para executar e só,
se soubesse mais teria que ser morto.
— Acalme-se, querido. Eu quis vir, foram meses entediantes. Finalmente
descobri para que todos esses números servem — disse Jeanne, indicando
uma cadeira para ver se Mack parava de ofegar.
Ele não conseguia se decidir se estava desesperado de felicidade ou de
preocupação pôr a esposa ter decidido retornar a LA.
— Então, senhores — eu me sentei e olhei para os três. — É agora que
vamos sumir com o dinheiro deles. Não se faz guerra alguma sem recursos.
◆◆◆
Voltei para a casa e vi que a psicóloga estava lá, ela atendia em horários
alternativos e cada dia fazia uma atividade: na sala, à beira da piscina,
durante uma sessão de ioga, no balcão da cozinha enquanto tomavam café…
Rachel estava contente e parecia até se divertir no tempo da consulta. Por
mais estranho que parecesse, eu estava passando por mais um momento
inédito e inesperado nessa história.
Apesar de estarmos dividindo um quarto, eu estava procurando maneiras
de reconquistá-la, porque essa era a impressão. Um filho da puta a pegou,
deixou-a traumatizada o suficiente para me dizer que precisava ver uma
psicóloga por causa desse evento em especial. Eu tinha instalado luzes
automáticas para todo lado só para ter certeza que ela não teria de entrar em
nenhum local escuro.
Meu tempo se dividia entre a avidez para tocá-la e a necessidade de
encontrar um jeito de não a perder ainda. Minha mente profundamente
egoísta estava afundada em sentimento de culpa e paixão. Eu queria
devolvê-la ao seu mundo brilhante de filmes e holofotes, mas tomava
providências para mantê-la segura no meu submundo cruel e obscuro.
Queria libertá-la e possuí-la ao mesmo tempo.
Ela não devia ter parado de me rejeitar.
— Você voltou mais cedo — disse ela, quando me aproximei.
Olhei em volta, o tempo que levei para subir e tomar banho, a psicóloga
desapareceu, já estava anoitecendo.
— Cansei de te ver só para o jantar — passei a perna sobre o banco junto
a janela onde ela estava sentada.
Rachel destampou um vidro de esmalte num vermelho vivo e terminou de
cobrir as curtas unhas do seu pé direito, ela estava levemente inclinada, com
os joelhos dobrados à frente do corpo e muito concentrada na sua pintura.
— Fiquei sem vontade de encarar o trânsito horrível, a manicure que eu
gosto é tão longe daqui — ela continuou pintando. — Não sei se vai demorar
tempo suficiente para eu precisar de serviços desse lado de LA —
comentava ela, concentrada.
Eu não sabia quanto demoraria, mas não ia perguntar se ela estava
medindo o tempo baseado em quanto ela ficaria ou quanto nós
precisaríamos.
— O que você fez, Antonio? Suas mãos parecem melhores.
Eu não tinha socado a cara de ninguém nos últimos dias, meus punhos não
precisavam mais daquele antisséptico que ela espirrava com um sorriso por
saber que a ardência me desagradava. Era mais fácil esconder a cura rápida
das minhas mãos. Não sei como seria quando Rachel tivesse a oportunidade
de acompanhar o tempo de ferimentos sérios.
— Eu estava ocupado planejando desviar o dinheiro de todos os putos de
merda que estão me atrapalhando — contei, com uma honestidade crua.
Rachel tampou o vidro de esmalte e me olhou por uns segundos, não era
isso que ela esperava ouvir, mas eu podia dizer. Seria estranho ter de contar a
ela que tinha jogado outro traidor de um helicóptero. Ou ter enterrado um
cara de cabeça para baixo, para ele aprender a não me vender. Seria uma
conversa estranha para antes do jantar e para mantê-la próxima.
Ela descansou o vidro do seu lado e juntou as mãos, ao contrário dos seus
pés, suas unhas da mão estavam douradas. Desde que ela tinha machucado
todas elas ao arranhar e bater no interior do caixão, continuavam mais curtas
do que sempre vi desde que a conheci. Era escolha dela, mas me perturbava
imaginar se era mais um desdobramento do seu trauma, suas mãos voltaram
arrasadas. Prova do quanto ela lutou naquela caixa.
— E eles sabem que você está fazendo isso?
— Não.
— Eles vão descobrir?
— Não.
— Tem certeza?
— Não saberão o que os atingiu.
— Isso vai ajudá-lo?
— Com certeza não vai atrapalhar.
— Isso vai terminar o seu problema atual mais rápido?
— Vai.
Ela assentiu e apoiou as mãos nas coxas, eu cheguei mais perto e ela
avisou:
— Minhas unhas.
— Gostei da cor.
— Se você pintasse as unhas eu te emprestaria meu vermelho cor de
sangue, combinaria.
Encostei o queixo no seu joelho, Rachel passou o olhar pelo meu rosto e
ajeitou a frente do meu cabelo com os dedos.
— Gostei desse corte, combina com o seu rosto — elogiou e terminou de
ajeitar.
Passei no barbeiro e mudei para um corte mais rente nas laterais e deixei o
comprimento que estava. Crescia rápido, nem parecia que precisei cortar por
causa do ferimento na cabeça.
— Eu já sei o que vou fazer em minhas férias forçadas — anunciou ela.
Levantei a cabeça e segurei em suas pernas, como se precisasse me
ancorar.
— Quero voltar a estudar atuação, me sinto enferrujada, mesmo nas
pontas ridículas que fiz. Vai me manter afiada. Eu voltei a postar, as pessoas
acham que estou de férias e até fora da cidade. Atuar deveria ser meu
segundo emprego, mas tornou-se o terceiro, depois das minhas redes sociais.
— E do que você precisa para isso?
— Sair todos os dias e ficar horas na rua, participando de oficinas de
atuação até altas horas da noite em teatros minúsculos escondidos pela
cidade. Inclusive em peças em inferninhos de bairros esquisitos onde pouca
gente vai assistir.
Eu mantive o olhar nela, nem senti meus dedos apertarem suas pernas,
pois Rachel começou a rir e eu tinha certeza que estava rindo de mim.
— Eu preciso de um professor. Se fosse para fazer tudo isso agora, era
mais fácil eu pegar logo um roteiro novo no estúdio e voltar pro meu
apartamento.
Expirei lentamente e fingi que naqueles segundos não passou pela minha
mente um episódio em alguma rua escura, onde os homens de Morales
invadiam um desses teatros pequenos que haviam escondidos pela cidade e a
arrancavam de lá a força.
— Você gosta de dizer que eu atuo em muitos ramos, porém, o campo da
atuação para mim é um buraco negro. Você vai ter que me dizer nomes —
falei.
— Ok, eu tenho alguns. Adoraria que Oliver Vilar me treinasse, eu vi que
ele inaugurou seu próprio curso, mas eu não tinha tempo — ela abriu as
mãos ao dizer a palavra-chave: tempo. E seguiu citando outras opções que
achava mais viáveis.
Eu franzi o cenho, tinha muita coisa rodando na minha mente, ainda mais
agora que estava com os assuntos de Nascari no meu prato. Até a produtora
dele tinha virado assunto meu e de Jeanne. Mas aquele nome não era
estranho. Eu era de LA e circulava em meio a estúdios e sets de filmagens,
sabia nomes que importavam pro meu negócio. Mas por que eu reconheceria
o nome de algum professor de teatro que pelo jeito devia ser conhecido no
meio?
— Ok, eu vou providenciar.
— Eu não aguento com você dizendo que vai providenciar coisas,
Antonio. Eu posso me virar nisso, você faz seu papel de prestar atenção no
que eu falo.
Ela tornou a rir e me empurrou com o pé, depois se levantou:
— Vem, hoje eu estou com fome.
Eu enviei uma mensagem para o meu secretário olhar algo para mim e
responder amanhã cedo. Martino estava obcecado com as informações que
sempre quis saber sobre Nascari e seus negócios e agora possuía acesso,
então respondeu em poucos minutos.
◆◆◆
Annika 09:43
Tô aqui na frente!
◆◆◆
Antonio ficou curioso sobre a minha amiga, porque a sorte estava do meu
lado e me ajudou a causar o desencontro entre eles. Para provar que estava
bem e que estava só passando um tempo “com o cara da comida”, eu fui
embora com Annika. Denver fez questão de nos levar e eu continuava sem
saber se era cuidado extra ou se era para prestar atenção na minha amiga.
A minha sorte era que ela tinha uma audição marcada. Fui até seu hotel
para ela se arrumar e ainda chegar ao teste daquela tarde. Esperei até ela
terminar e me senti de volta ao passado: segurei sua mão para ajudá-la a se
acalmar, afirmei que ela conseguiria e depois a levei para um café.
Fui com ela encontrar sua agente, a mulher contou que conseguiu mais
audições para Annika naquela semana. Ela precisaria se concentrar nisso
para conseguir, pelo menos, um dos papéis. Isso me fez ganhar tempo para
arrumar as omissões e vê-la nos intervalos enquanto ela estivesse por Los
Angeles.
— Não precisa fazer malabarismo, Raye. Eu vivo uma vida de fingimento
todo dia, se você quiser, faço o papel de dono da comida para sempre. O
assunto é interminável — ofereceu ele, enquanto eu tomava minha sopa de
tomate e falava de como me sentia culpada.
— É meu jeito de protegê-la. Eu a conheço, ela não conseguiria saber nem
uma parte da verdade e simplesmente ir embora. E faria tantas perguntas…
— coloquei a mão na testa, só de pensar.
Eu amava a minha única amiga verdadeira, ela jamais me trairia como
Karen fez, se fosse ela no lugar, teria sido horrível. Mas não quis contar a
Antonio que disse a Annika que “só estava passando as férias com ele”. Eu
contei que ele era diversão garantida, além dessa casa, ele tinha um barco,
um lugar cativo num resort e comia como ninguém. Ela comprou essa
mentira. Comentou que nunca pensou que eu ia me envolver com um ricaço
de LA só por diversão e esquecer do mundo. Dei um sorriso amarelo.
Quando o conheci, ele só tinha um carro explodido e um corpo coberto de
sangue. Como eu ia saber? Tanto que contei a ela sobre “o cara que salvei”.
A mentira ia vencer em pouco tempo. Eu estava ferrada.
Dava para progredir essa história, mas eu só me sentiria pior. Se mudasse
para a versão sobre meus sentimentos confusos e explosivos em relação ao
meu relacionamento com Antonio, estaria falando a verdade por cima de
uma base fictícia.
Capítulo 12: Você é pólvora para
mim
GASOLINA
◆◆◆
◆◆◆
Eu não fiquei no iate em Los Angeles, mas fiquei no barco que serviria de
fuga. Assim que chegamos, entramos em dois carros e na primeira parada,
Antonio me transferiu para um barco e contou que era assim que iam sair
rápido e sem serem notados. Minha responsabilidade era ficar viva com os
seguranças, garantir que não seríamos descobertos e ter certeza que o barco
estaria no local combinado na hora. Não importava o que tivesse que fazer
para isso.
Então eu tinha uma arma, munições, uns homens e um olhar apreensivo
para tudo a minha volta.
Eu quis vir, não foi?
Já era noite e o barco se aproximou de uma parte daquela área
interminável de ancoradouros. Eu não conhecia Nova York além das ruas
principais de lojas e teatros, não fazia ideia de onde estava, mas sabia o que
era um porto. O barco virou e se aproximou, vi só um dos carros chegando.
Um cara que parecia empregado do porto apareceu com um colete e fez
sinal. O carro parou só um momento, entregaram um envelope a ele. O barco
nem atracou direito, jogaram a corda só para mantê-lo no lugar.
Vi Antonio e Ogul carregarem um corpo, fiquei mal na hora. Estava
rasgado, a roupa suja de sangue, o rosto também. Achei que havíamos feito
tudo isso para Antonio poder buscar o corpo do irmão para enterrar. Não
podia ser.
O barco saiu, o carro foi embora, o funcionário do porto sumiu. Desci as
escadas correndo, a tempo de vê-los soltar o corpo no sofá. Mas ele era
grande demais para o estofado fino e ficou meio tombado. O barco não era
como o iate de Antonio, era pequeno e mil vezes mais discreto, tudo ficava
na parte de baixo. Imagina minha surpresa quando o corpo grunhiu.
Antonio o deixou lá e se afastou, Ogul ficou de pé e o olhou, como se
calculasse quanto tempo tinha de vida. Como já devo ter dito, eu tenho um
raciocínio bom e não sou boba. Eu sabia o quanto aquela viagem precisava
ser secreta, então não trouxemos ninguém extra, só o pessoal essencial e os
homens mais próximos e fiéis.
E lá estava eu.
— Puta merda, ele está vivo — observei, chocada com seu estado.
Geralmente quando alguém estava com esse tipo de maquiagem no set,
estava fazendo o papel de morto. E eu estava tomando outro tapa da vida
real. Peguei uma toalha e empapei na pia, corri até lá e ajoelhei junto ao
cara. Descobri que Antonio tinha ido pegar a caixa de primeiros socorros.
Enquanto isso, o barco se afastava cada vez mais, deixando o Rio Hudson.
Não fazia a menor ideia de para onde estávamos indo, mas eles estavam
seguindo um plano de fuga. Encostei a toalha molhada no rosto do cara e ele
reagiu, levantou a mão e segurou meu pulso, mas levou uns segundos para
abrir os olhos. Senti dor por ele, o olho esquerdo estava tão inchado que
duvido que estivesse me vendo. Ao me focalizar, ele franziu o cenho e
procurou alguma referência em volta.
— Quem é essa? — O “quase morto” perguntou a Antonio, num sotaque
carregado.
— Ela é minha — ele respondeu rápido, enquanto mexia com uma
seringa.
Ninguém confirmou se aquele era realmente o irmão, mas eu sabia que se
fosse, ele se chamava Vittorio.
— Você a comprou? Te pagaram com ela? É confiável?
— Minha namorada. Em LA essas merdas não colam mais — esclareceu
Antonio, o que não me deixou nada aliviada.
O irmão dele soltou meu pulso e me deixou limpar seu rosto, eu sabia que
estava doendo, mas o cara estava tão fodido que o desconforto dos meus
toques leves devia ser o de menos.
Antonio só abaixou a máscara neste momento e o “quase morto” a minha
frente fixou o olho que funcionava no rosto dele. Não sei a visão dele, eu
tinha me habituado a esses caras ao ponto de gostar deles, mas eles eram
intimidantes, até a aura era carregada. E com aquela porra de máscara com
umas fissuras na frente para respirarem, ficavam coisa de pesadelo. O
homem não parecia amedrontado, ele estava mal demais para isso.
— Você tem poder para decidir isso?
— Pagamento bom aqui é dinheiro, poder ou sua vida. Mulheres você
paga o que elas cobrarem e elas tomam o rumo delas.
— Antonio, que porra! — Virei o rosto para ele e abri uma das mãos.
— É a verdade, se ela não for contratada, você pode agir como gente
normal, em que buraco te criaram para cárcere e tráfego humano ser sua
primeira ideia, porra? — Ele levantou a seringa.
— Umas merdas que eu vi. Foi por isso que ela te mandou? Por você ter
recursos? — Perguntou Vittorio e conseguiu abrir melhor o olho direito
depois que eu o limpei.
— Ela me mandou porque ela é uma tremenda de uma filha da puta,
sociopata do caralho e meu nome é Antonio Denaro, prazer em te ver de
novo — ele afundou a seringa nele.
O corpo de Vittorio deu um solavanco e ele conseguiu até arregalar o
olho, nem sei se ele sentiu a dor, porque o que Antonio injetou nele fez
efeito rápido e ele foi apagando. Eu o segurei para impedi-lo de tombar.
— Você não tinha dito a ele ainda? — encarei Antonio, que continuava no
mesmo lugar, olhando para o irmão com a testa franzida e um olhar
indecifrável, uma mistura de raiva e pesar.
— Não tive chance — ele ficou de pé. — Ele é pesado e deve ter algo
quebrado. Ogul, me ajuda a deitá-lo.
Eles o pegaram de novo e o colocaram na cama, esse barco só tinha um
quarto pequeno, com certeza não planejavam passar mais do que uma hora
nele. Eu peguei a mala de primeiros socorros, ela não era um kit simples, era
maior e mais pesada. Com o tipo de coisa que esses homens precisavam para
se manter vivos até chegar num médico que pudesse remendá-los direito.
Fiquei de joelhos na cama e avaliei o cara. Pelo jeito, Antonio estava
lidando com a história como se aquele fosse mesmo o seu irmão. Pedi outra
toalha para limpar mais do sangue.
— Se vamos passar por um terminal, mesmo privado, a gente precisa
lavar melhor esse cara — falei.
Ogul, para minha surpresa, deu uma boa olhada em Vittorio, avaliando
ossos quebrados e outros problemas. Colocamos uma tala em seu braço e
envolvemos sua perna da forma mais firme que conseguimos. O barco
contornou Staten Island enquanto limpávamos Vittorio. Ele parecia ser mais
ou menos do tamanho de Antonio, peguei as mudas de roupa que joguei na
mala de mão sem critério algum e encontrei uma camisa limpa e uma calça
de tecido. Junto com eles, cobri os ferimentos com gazes e esparadrapos.
Vittorio começou a acordar quando eu estava esfregando o sangue seco de
seu cabelo curto e escuro.
— Você tem mãos leves — resmungou ele. — Mas não era só você.
— Lamento se apertei demais — disse Ogul que o segurava com a cabeça
na beira da cama, mas ele parecia tudo menos arrependido.
Sequei seu cabelo com uma toalha limpa, ele fechou os olhos. Não estava
cem por cento, mas era o que dava para fazer.
— Você consegue sentar?
— Não sei — respondeu ele, mas isso não o impediu de tentar.
Antonio tornou a descer a avisou:
— Nossa parada é a próxima.
O barco diminuiu a velocidade, coloquei de volta na bolsa tudo que
peguei, Pietro desceu junto com o cara baixo e começou a recolher tudo, até
o lixo. Não duvidava que alguém ia aparecer ali e desinfetar cada parte,
como se nunca houvéssemos entrado naquele barco.
— Você estava me zoando seu filho da puta? — Vittorio perguntou a
Antonio quando ele o pegou por baixo do braço e o colocou de pé.
— Fica difícil me xingar se tivermos a mesma mãe azarada — ele o
forçou a ir para frente, deu para ver o irmão mais novo trincar os dentes, mas
aguentou a dor. Ele estava se mexendo melhor porque também lhe aplicaram
morfina.
Do lado de fora, Ogul voltou a ajudar. Tommaso estava nos esperando e
pela sua expressão, ele ficou muito perturbado ao ver o corpo que
arrastávamos.
— Estou com os documentos — avisou ele, antes de entrar no banco do
carona.
Nos dividimos em dois novos carros, eu ia entrar no segundo veículo
por causa do espaço, mas Antonio me enfiou no banco de trás do primeiro,
junto com seu irmão quase desacordado. Eu queria saber que horas eles
arrumaram todos esses veículos, tudo bem que havia vários deles e cada um
podia alugar um carro. Ou arranjá-los em algum buraco ilegal que eu nem
fazia ideia que existia. Fato é que não eram carros frios, passamos pela
polícia, depois pela entrada de um terminal privado e ninguém nos parou.
Minha aventura em Nova York terminou na madrugada do dia seguinte à
nossa chegada. Eles entraram, pegaram o pacote, saíram e iam lidar com
possíveis consequências depois.
— É para você — disse Antonio, colocando um telefone no ouvido de
Vittorio que nem se dignou a abrir os olhos. Ele estava recostado, tentava
fazer o atento, mas dava para ver que estava mal.
Ele escutou alguém falar e ao escutar a resposta, eu soube logo que era a
querida e amorosa vovó Cali.
— Você é uma desgraçada, devia ter me deixado morrer. Que merda você
tinha na cabeça? Se eu não fosse pego, algum dia ia me contar? — Ele disse
tudo em italiano e eu achei ter entendido o suficiente. Fez pausa para ouvir e
completou com: — Vai pro inferno.
Antonio colocou o celular no ouvido quando Vittorio deixou a cabeça cair
outra vez.
— Sim, esse foi o seu agradecimento. Eu te ligo se ele não sobreviver —
desligou.
E não houve mais conversa nenhuma, ao menos não entre os irmãos.
Tommaso alternava o olhar entre os dois constantemente e só falou com
Antonio sobre coisas práticas, como a descida em LA e para onde iriam
primeiro.
— Há quanto tempo não te dão água? — Perguntei ao quase morto e novo
membro temporário da gangue.
Ele me olhou pelos cantos dos olhos vermelhos, a essa altura já sabia
quem eu era, só havia uma mulher nesse meio.
— Deixa pra lá, eu… — ele mais grunhiu do que falou e sinceramente, eu
achava que ele estava mais inchado. Agora que o sangue havia saído, dava
para ver melhor.
— Eu tenho um canudo — eu o enfiei na garrafa que tirei do frigobar e o
poupei de continuar a frase.
Ele bebeu pelo canto da boca em sugadas rasas, mas constantes e foi a
garrafa toda. Então me olhou de novo, sem mover a cabeça, com o rosto
ferrado não era fácil distinguir suas expressões. Mas eu achava que ele ainda
estava imaginando se Antonio havia me comprado em algum site.
Horas depois, era LA de novo, baby. Minha casa, capital do cinema
mundial, casa das personalidades mais famosas do entretenimento. E
território de uma organização obscura que meu suposto namorado queria
comandar e estava numa guerra para ter certeza de que nada ia impedi-lo.
Capítulo 15: Vazio
Antonio
Quando tiramos Vittorio do avião, ele não estava mais morto do que
quando o encontrei no chão de cimento daquele buraco sujo de sangue. Mas
estava mais letárgico. Aguentei parte do seu peso outra vez e o coloquei no
carro, fomos direto para a clínica do Dr. Narek, o mesmo médico que salvou
Rachel e também o mesmo local onde ela se recuperou antes de ir para o
iate.
Era legalizada, tinha ótima reputação, mas nós sempre entrávamos pelas
portas de trás que levavam a extensão da clínica, onde tinha os quartos mais
recentes e o centro cirúrgico. Vittorio foi internado. Narek disse que ele
podia ter morrido no avião, mas todos nós podíamos ter nos ferrado ficando
em Nova York por mais tempo do que o necessário. E permanecendo fora de
LA sem deixar ninguém no nosso lugar.
Parei ao lado de Rachel, apesar do clima lá fora, dentro da clínica o ar
condicionado estava forte demais. Ela ficou olhando as portas por onde
levaram o meu irmão, enquanto continuava abraçada a sua bolsa e usava o
seu casaco e o meu por cima dos ombros.
— Obrigado por ser boa para ele — eu a sobressaltei ao falar de repente e
ela derrubou meu casaco.
— Pensei que ele ia ter um colapso a qualquer momento — comentou ela
enquanto eu recuperava o casaco.
— Não sei nada sobre ele, mas parece ser um cara forte e decidido. Se não
fosse, nós teríamos ficado lá mesmo, para despachar seu corpo de volta para
a Itália.
— De volta para a Itália?
— Para ser enterrado perto da nossa mãe. Linda disse que ele cresceu por
lá. Onde mais eu o enterraria?
Ela se virou para mim e observou meu rosto. Meu amargor transbordava,
estive procurando o corpo dele por anos e agora falava sobre enterrá-lo.
— É mesmo ele?
— Eu vou fazer um exame, mas apesar de esperar tudo da minha avó,
acho difícil ela fazer todo aquele teatro e se rebaixar a ter de me pedir algo
tão arriscado, se ele não fosse quem ela diz ser.
Coloquei o casaco em volta dela de novo, encostei ao seu lado e esperei,
não sentia vontade de conversar, mas gravitar a sua volta me confortava.
Não sei resumir em palavras o jeito que me sentia desde que cheguei aquele
lugar e encontrei alguém. Eu segui o plano, sem tempo para pensar demais
além de nos tirar de NY antes que fôssemos descobertos.
Se fosse para resumir, eu diria que estava devastado. Foi como me ferrar
todo de novo. Emocionalmente, esses dois últimos meses estavam uma
droga. Levaram a Rachel e eu me senti como o garoto impotente que teria de
ver outra mulher por quem tinha sentimentos ser levada e morta. Minha
versão adulta pôde trazê-la de volta, mas eu não diria que superei.
Passei os últimos vinte e cinco anos conformado em ter perdido meu
irmão, mas nunca esqueci que não sobrou mais ninguém. Meu pai era
problemático, não foi o marido que minha mãe merecia, mas estava conosco.
Eu enxergava a vida como uma criança e estávamos bem sendo os quatro,
enquanto vivíamos nossas vidas em casa, sem saber exatamente o que meu
pai fazia na rua.
Minha avó se casou com um rival da nossa família e só depois
descobrimos que ele sabia de tudo sobre o plano. Eu voltei aquela cidade
maldita e ao longo de anos, fui descobrindo e matando quem estava
envolvido na morte dos meus pais. Quando falei que apanhei até o ponto em
que encontrei meu irmão, foi numa incursão dessas, quando eu era menos
precavido e errei ao pensar mais na vingança imediata do que a longo prazo.
Sobrevivi e voltei para planejar a morte daqueles que mandaram pegar a
minha mãe. Nesse mundo que a gente vivia, alguns deles morreram sem eu
precisar me envolver. Mas ainda havia gente que se beneficiou da morte dos
meus pais e seus aliados. O marido da minha avó era um deles e só estava
vivo por causa dela.
Quando era mais novo, às vezes pensava sobre como eles teriam matado
um garoto de cinco anos. Teriam quebrado seu pescoço? Teriam dado um
tiro naquela testa minúscula e infantil? Talvez o jogado num galão e o
afogado? Matar um menino como ele seria tão fácil para aqueles homens.
Quando minha mãe não suportou o que lhe fizeram, eu imaginei se eles
tinham a obrigado a assistir a morte do seu caçula. Na época, eu tinha o
dobro do tamanho do meu irmão e ela ainda vinha me tratar como o seu
bebê, porque ela sabia o que ia acontecer. Eu tinha pouco tempo para
continuar sendo criança. Ela não me viu completar 10 anos, só Tommaso
viu. Esse ano não contou.
Agora meu irmão era adulto, eu lembrava quando era o aniversário dele,
Vittorio completou 30 anos há pouco tempo. Como eu devia me sentir sobre
isso? Foram anos de idas e vindas por revolta, dor, ódio, mágoa… Mas no
fim o tempo passou do mesmo jeito, agora eu me considerava pobre no ramo
dos sentimentos e no momento, estava anulado. Era como se só houvesse um
buraco escuro. Até aquela raiva caótica que vinha me alimentando tinha
passado. Eu me sentia vazio.
Capítulo 16: Volte intacta
GASOLINA
PÓLVORA
◆◆◆
Rachel voltou tarde, ela seguiu meu conselho e jantou com a mãe e o
irmão no restaurante do cartão que lhe dei. A cor do seu cabelo estava mais
acesa e o tinham escovado, ou seja, estava mais comprido e sem as ondas, os
cachos espalhados e o volume; fiquei confuso sobre ter sido cortado ou não.
Para piorar, ela parecia chateada, fiquei em território seguro:
— Ficou lindo, Raye — afastei uma mecha grossa de cima do seu ombro
quando ela parou perto de mim.
— Minha mãe anda insuportável, não fazia tanta pergunta nem quando eu
era mais nova e ela ficava fora uma temporada — ela bufou. — Meu irmão
está bem, queria socar aquela cara cínica. E minha sobrinha sumiu junto com
o namorado babaca. De novo — ela revirou os olhos e olhou em volta. — E
o seu irmão?
Ela quase não se referia a ele pelo nome, só dizia “seu irmão”, o que me
fez ter de encarar essa verdade precocemente.
— Deve ter dormido, pelo menos se estiver tomando os remédios direito.
— Eu vi, uma bolsa de remédios, mas para quem parecia um corpo batido,
a opção do coquetel de remédios é melhor.
Rachel ficou me olhando, mas acabou beijando meu rosto e esfregando a
parte de trás do meu pescoço enquanto dizia:
— Vou tomar banho, volto se você for ficar aqui embaixo com essa
expressão de festa infantil que ninguém foi.
Ela se afastou e eu sorri, ainda sentindo o jeito que apertou minha
bochecha. Agora que o alívio por vê-la retornar já havia passado, eu podia
voltar a me sentar naquele vazio. Nem a excitação por meu plano dar frutos
conseguiu me alcançar, eu ia desaparecer com o dinheiro daqueles
desgraçados.
Do jeito que minha vida precisava ser compartimentada, eu podia
descobrir minha mãe vivendo no Caribe que enquanto pegava um avião para
ir ver com meus próprios olhos, ainda estaria ao celular, mandando que
limpassem as contas e continuassem achando e sumindo com uns traidores.
Era assim desde sempre. O jeito como eu estivesse me sentindo não
mudava a realidade e a roda não parava de girar.
A diferença desse ano, era que agora eu provavelmente estaria no avião
com Rachel e meu irmão. O resultado não havia saído, mas eu sabia que já
podia parar de testar o DNA dos ossos de crianças não identificadas e mortas
naquela época, encontradas em volta de Nova York. Só ele tinha ficado sem
um enterro digno. Agora eu sabia o motivo.
Rachel me encontrou na areia sendo um idiota normal por umas horas.
Tinha uma praia na parte de trás da casa, era Malibu, afinal. Ninguém
aparecia daquele lado, menos ainda nesse horário. A casa não era isolada
como a anterior, mas sua rota de fuga era incomparável.
Os imóveis dos dois lados ficavam a uns metros de distância; a família da
direita preferiu ver o fim do verão fora do país. Os donos das duas casas da
esquerda usavam para veraneio, só apareciam às vezes. Então tínhamos
privacidade suficiente naquele pedaço de praia. Eu não me mudava para
lugar algum sem saber tudo sobre os vizinhos.
Os meus soldados que ficaram, disseram que desconfiaram de a outra casa
ter sido visada. Eu não gostava daqui, com ou sem praia na porta de trás.
Mas era normal para alguém que se passava por só mais um rico de LA. Saiu
um artigo sobre mim no jornal e na internet, na parte de gastronomia. E não
foi a minha RP que plantou. Vez ou outra lembravam que existia uma pessoa
real por trás da Lorenza/ALGN. Mas tinha que ser agora? Eu pagava os
diretores da empresa para mostrarem a cara e levarem todo o crédito no meu
lugar.
Rachel viu a matéria, passou o café da manhã lendo em voz alta e
caçoando de cada pequena frase e descrição. Era impossível não rir de sua
voz pomposa e irônica, enquanto comentava cada mentira. E ainda disseram
que eu estava passando por um difícil período de luto com minha tia e prima,
após a morte tão próxima de dois entes queridos. Imagina o que diriam se
soubessem que eu tinha acabado de ressuscitar um irmão caçula.
— Você está parecendo até uma pessoa normal, sentado na areia para
viver sua miséria e beber cerveja barata, imagina se aquela moça do artigo
souber disso — ela se ajeitou ao meu lado, como se lesse meus pensamentos.
— Não é barata, superei essa fase — foi minha única defesa, com tanta
praia nesse lugar e a única oportunidade que eu tinha de frequentar era à
noite, na encolha, pra ser mal-humorado em paz.
Ela tirou uma garrafa do meu pequeno balde da tristeza e olhou o rótulo.
Os bares de bebedores metidos a alternativos e cervejeiros recebiam entregas
dela toda semana, assim como das outras da minha carta. Meu setor de
importações conseguia trazê-las pelo melhor custo-benefício da região e
umas gorjetas nos bolsos certos.
— Claro que não é, seria um absurdo — provocou, procurando outro tipo,
porque ela gostava daquela cerveja cremosa e escura que tinha um fim
melado. Importada, produzida na ilha da rainha. Podia ser bebida na
temperatura ambiente, mas Rachel só consumia seu álcool bem gelado.
Ela abriu a garrafa, bebeu um gole, aconchegou-se ao meu corpo e
descansou a cabeça no meu ombro. Ficou em silêncio e me deixou ficar
também. Larguei minha garrafa vazia de volta no balde e o gelo tintilou.
— Ele deve estar se sentindo pior — ela disse baixo. — Ao menos você
está em casa. Eu sei lá onde é a casa dele, você descobriu?
— Ele preferiu não revelar muito.
— Igual a você.
— Sim.
— Deve ser difícil esse mundo de não confiar em ninguém.
— É assim que você continua vivo.
— Continua ruim.
— Ele não disse as palavras, mas pelo que entendi, não vai voltar para a
Itália por enquanto.
— Para quê? Você está aqui.
— Não funciona assim, Raye.
Ela desencostou do meu ombro e largou a garrafa dela no balde, afastou-
se um pouco, assim podia me ver.
— Você vai contar a ele?
— Contar o quê?
— Tudo que aconteceu e ele não sabe.
— Eu não sei nem por onde começar.
— Sabe sim — ela colocou as mãos em mim e apertou. — Você só está
triste.
— Triste pelo quê? Eu não gosto de não saber dar motivos e soluções para
sentimentos e sensações. Eles te ferram. Acabam com a sua vida.
Ela balançou a cabeça e ficou de joelhos, passou os braços em volta dos
meus ombros e espalhou um conforto quente por mim ao me segurar contra
o seu corpo.
— Que loucura, Pólvora. Você ainda tem um bando de sentimentos aí no
seu cofre. Nem acredito.
— Sério, Rachel? — Eu não sabia se ela estava brincando, mas não movi
a cabeça porque estava contra o centro do seu peito e era bom. Ela seria uma
das poucas pessoas no mundo a defender meus supostos sentimentos. As
outras eram minhas primas, duas crianças que eu tratava como sobrinhas.
— Fale com ele sobre a Lorenza, é sua base em comum, além de tudo
mais.
Dessa vez eu levantei o rosto e a olhei, ela me encarava seriamente. Então
lembrei que agora ela tinha um bando de informações novas e não tinham
saído da minha boca.
— Vito, aquele puto. Eu até esqueci que ele se deu a liberdade de te contar
isso também.
— Tenho certeza que você pode falar com mais verdade e sentimento.
— Não, não posso.
— Pode. Tente comigo.
Eu tentei juntar as palavras num resumo, odiava aquela tarefa. No fim
sempre parecia um relato sem profundidade.
— Do jeito sujo que seu primo contou, não soou verdadeiro — incentivou
ela, mostrando sua sagacidade sobre mim. Eu vivia por trás do que falavam e
inventavam, até incentivava. Mas com Rachel, eu só aceitava que as
narrativas da minha vida partissem de mim.
— Não tenho detalhes. Eu entrei em choque. Fiquei semanas sem
conseguir falar. Quando devolveram a minha mãe, ela só chorava e me
abraçava. Ela contou que tinham levado meu irmão e o matado. Era o que
ela acreditava. Nunca encontraram o corpo. Ela resistiu por dois dias depois
do enterro do meu pai. Mas numa quarta-feira, acabou. Ela estava pendurada
no meio da sala na traseira da casa, no lustre. O chão abaixo dela virou um
mar de sangue que escorria dos seus braços, ao menos é isso que eu lembro.
O pescoço dela quebrou, ela mal se debateu. Eles me encontraram lá, com os
tênis imundos de sangue. Ninguém sabe se eu gritei, eu só não falava.
Rachel continuou me segurando.
— Tommaso me levou embora no mesmo dia. Só deu tempo de eu encher
minha mochila. Ele me escondeu num motel nos arredores da cidade, fiquei
lá por dois dias, ele deixou umas comidas de microondas, nunca tinha
comido aquilo, era horrível. Ele voltou no terceiro dia, com uma mala para
mim, umas roupas extras que comprou em algum lugar. Ele me colocou no
carro e fomos embora.
Ela havia largado a cerveja dela pra lá e eu sabia que assim ficaria, então
bebi um gole, minha garganta costumava secar quando tinha que voltar nesse
episódio. Eu não gostava dessa que ela bebia, mas nem senti o gosto.
— Eu fiz dez anos em uma das paradas do caminho, comemos panqueca
com chocolate. Chegamos em LA uns dias depois, Nascari estava nos
esperando na entrada da cidade. Ele e seus homens. Foi assim que sobrevivi
ao atentado, ele me levou a tempo e me ressuscitaram. Depois fui para sua
casa, conheci minha tia. Minha prima tinha oito anos e meu primo era um
bebê. Meu irmão estava tão morto quanto agora. Mas minha querida avó o
havia despachado para a Itália, mentido para minha mãe. Talvez, ela não
tivesse se matado se não achasse que tinham dilacerado seu filho de cinco
anos.
— E você não precisaria ter fugido de lá.
— Nós íamos fugir de qualquer jeito, eles não iam deixar dois filhos para
voltar e vingar o pai, a ordem era acabar com a família. Nossa mãe deixaria
a cidade nos levando. E se não fugisse do país e desaparecesse, ela viria para
LA. Nascari era meu tio pelo lado materno, era sua única opção se quisesse
ficar no país. Duvido que ela quisesse.
Nascari era tão maquiavélico, que fez o mínimo para vingar a irmã. Disse
que depois do tiroteio na entrada da cidade, fez algum tipo de acordo para
que não viessem atrás de mim. De verdade, ele deixou como estava porque
sabia no que eu precisava me transformar e parte disso incluía voltar e matar
por vingança.
— Eles estavam certos, Antonio — ela apoiou as mãos nos meus ombros.
— Vocês voltaram para se vingar. E se reencontraram porque ele foi
expandir a vingança e foi pego. Do contrário, talvez, sua avó jamais se visse
obrigada a contar a verdade e quem sabe se um dia descobririam. Ela é uma
desgraçada. E você é o irmão mais velho. Comece.
Encostei a cabeça contra ela e disse:
— Se ele resolver ficar por aqui depois de ver o exame, vou contar a
história toda.
— E aí, quando ele te contar a história dele, você me conta para eu saber
se estou escrevendo meu roteiro mental da forma correta. Sua avó ferrou
com a história que eu tinha em mente.
Eu achei graça e a olhei.
— Você está escrevendo um roteiro?
— Mental, claro. Tenho amor pela minha vida.
— Eu leria.
— Eu sei que sim e faria anotações nas bordas.
— Eu pareço com alguém que faz anotações em bordas de trabalhos
alheios?
— Antonio! Você não se enxerga, não é? Você faria anotações e
recomendações cortantes em caneta vermelha — alegou ela, arrancando-me
uma risada.
— Eu sou insuportável e não sabia.
— Não sabia? — Provocou ela.
— Você me suporta.
— Falando nisso… Tem um problema no roteiro. Quando diabos eu disse
que ia te namorar? Você falou disso quando eu estava desacordada?
Inclinei a cabeça e ri. Por algum motivo, sabia que ela ia me dar esse
choque de realidade.
— Jamais.
— E saiu dizendo pro seu irmão que eu mantenho um namoro com você.
Ele acreditou, pensa até que moramos juntos como pessoas normais —
explicou, numa mistura de insulto fingido e sarcasmo.
— Nós moramos juntos.
— Como pessoas normais que namoram e tem essa ideia depois de
profunda consideração?
— A gente não perde tempo e se você mora comigo e está comigo todo
dia, é obviamente minha namorada.
— Desde quando? — Agora ela realmente não estava concordando.
— Você vai me dispensar?
— Claro que vou, é por isso que estou te abraçando na praia atrás da casa.
Desci aqui especialmente para te dar um pé. Bebi a cerveja para tomar
coragem.
Ela segurou o meu rosto e me beijou levemente, o que nunca era
suficiente quando estávamos sozinhos. Esperava que isso passasse depois de
ter me convencido de que ela estava bem e estava comigo, mas eu só queria
me esconder nela.
— Essa cerveja doce não dá coragem para nada — impliquei.
— Conversa! — Ela afastou meu rosto. — Ela é muito melhor.
— Claro que é — eu a mantive segura e a beijei de novo.
— Sai, você só concordou porque quer me beijar — acusou, mas depois
de me retribuir.
— Muito — eu a puxei sobre as minhas pernas e abracei para beijá-la,
esqueci o que estava dizendo assim que ela me abraçou de volta e se
entregou ao beijo.
Apertei-a contra mim, os seus hematomas tinham desaparecido e eu não
estava mais com receio de apertar onde não devia. O que servia ao meu
propósito de me perder nela. Procurei a pele do seu pescoço com meus
lábios e afastei sua blusa, estava atrás de conexão física e emocional, ela
sabia disso e ia me permitir encontrar. Eu a beijei até meu corpo lutar contra
a necessidade de parar, ela havia eriçado tanto o meu cabelo com seus dedos
que estava todo para cima.
Rachel levantou sobre mim, subi as mãos pelas suas pernas e fiquei de pé,
ela me levou pela areia e tornei a puxá-la para perto.
— Entra aqui comigo — ela passou pelo espaço da porta de vidro escuro.
Nós entramos por baixo da casa, o térreo na parte de trás era um espaço
grande, com poucos móveis. Deslizei a porta com uma mão enquanto a
segurava com o outro braço. Rachel me envolveu pelo pescoço e me beijou,
eu podia virar a noite grudado na boca dela. Mesmo sabendo que ela me
beijava e me ferrava.
Eu a encostei no vidro e a observei, Rachel me encarou de volta. Desci o
olhar pela usa blusa e o short claro que usava. Tudo que queria era deixá-la
nua contra aquelas portas de vidro.
— Isso te lembra alguma coisa?
— Você louco de tesão enquanto me levantava contra uma janela a 69
andares de altura — ela me olhava como se me desafiasse a negar.
Apoiei as mãos no vidro e a beijei.
— Eu te fodi louco de tesão até o fim. Aquela loucura só ficou sob
controle quando já estava te chupando na cama. Aí deu para a gente usar
bem o tempo — eu sorri, lembrando que nem vi quando a gente deslizou
para a janela.
— Foi bom — ela deu uma leve risada divertida, de alguém lembrando de
algo sacana.
Escorreguei as mãos por baixo do tecido de sua blusa, resvalando a pele
quente e expondo-a para mim. Rachel levantou os braços e eu arranquei a
peça. Desci as mãos pelo seu torso, beijei seus lábios e depois sobre cada um
de seus mamilos, ela me recompensou com aquele sorriso suave e travesso
que eu gostava. Abri seu short e o empurrei, depois que passou pelos
quadris, ele desceu sozinho. Rachel o empurrou para o lado com o pé.
Ainda queria muito vê-la nua e emoldurada pelo vidro, mas Rachel
colocou as mãos por dentro da minha camiseta, arranhando de leve com as
unhas pontudas que estava usando de novo. Ela levantou a cabeça beijando
meu queixo e mordiscando só para me manter mais aceso do que já estava.
Meu corpo deu uma estremecida, pulsando de excitação.
Rachel jogou minha camiseta para algum lugar atrás de mim. Seus dedos
desceram pela tinta marcada no meu peito, ela gostava de fazer isso, como se
imaginasse um caminho por onde me estimular. Ela fazia o mesmo com a
boca. Funcionava para caralho. Ela me beijou e levantou a cabeça, um olhar
divertido fazendo seus olhos coloridos brilharem.
Desci as mãos pela sua cintura, enfiando os dedos pelas laterais finas da
calcinha azul, empurrei o tecido pelas suas coxas, esse não ajudou em nada,
mas desci até seus tornozelos e quando fiquei de pé, ela encostou contra o
vidro. Admirei seu corpo emoldurado no vidro, com a escuridão noturna e o
pouco de iluminação que ligamos ao entrar.
Levantei seu rosto, o olhar dela sobre mim era de prazer e provocação só
por saber o quanto eu gostava daquilo.
— Bela, Gasolina. Tão bela — desci a mão pelo seu pescoço e deixei ir
entre seus seios e seu abdômen macio.
Eu a cobri com meu corpo, apertando-a contra o vidro, incapaz de resistir
a vontade de foder aquela boca linda. Rachel me abraçou, passando suas
mãos nas minhas costas, até chegar a minha bermuda e abri-la para me
apalpar com as duas mãos. Eu gostava que ela não tinha vergonha de ser
uma gulosa descarada e queria tudo que eu tivesse para lhe dar. Cobri seu
sexo com a mão e deslizei os dedos entre os lábios externos, acariciei seu
clitóris e derramei minha fome em sua boca, ela se segurou nos meus quadris
e se entregou; ao beijo e ao toque.
Ela só parou de me beijar quando estava com a respiração alterada e as
pálpebras baixas de desejo.
— Assim eu vou gozar, Pólvora — murmurou, sua cabeça descansou
contra o vidro, beijei seu pescoço, sentindo o gosto da sua pele e inspirei o
perfume diferente que estava em seu cabelo essa noite.
— Para de tentar não gozar — segurei-a pelo rosto e a beijei, ela reagia
movendo levemente os quadris, acompanhando meus dedos no seu clitóris
inchado e deixando-os molhados da sua excitação.
Rachel já não me afagava levemente, mas apertava e movia a mão pela
minha ereção, ela parou quando virou o rosto e seu gemido baixo foi
acompanhado do estremecer do seu corpo, seus olhos se fecharam enquanto
ela gozava. Essa maldita por quem eu estava obcecado era linda e gozando
era inesquecível.
Eu a beijei e ela liberou meu pau, movendo as mãos por ele e me fazendo
pulsar em seu aperto.
— Duro pra caramba, Pólvora. Isso tudo é para tentar me convencer? —
Ela conseguia me provocar de jeitos diferentes usando meu nome ou o
apelido, era o jeito que falava e me olhava, ela sabia o que estava fazendo. E
funcionava.
Virei-a e a encostei no vidro, Rachel apoiou as mãos e empinou o traseiro,
porque ela não resistia a me provocar. Meu corpo cobriu o seu outra vez,
prendendo-a naquele vidro escuro, deslizei sobre a sua boceta molhada, ela
tornou a se mover, incitando o meu descontrole. Eu queria a conexão, ela ia
me permitir se eu aguentasse.
— Medo de se conectar demais? — Perguntou ela.
— Nós já ultrapassamos esse limite.
Deslizei para dentro dela, o encaixe tão natural e fluído quanto respirar,
afundei o rosto em seu cabelo. Rachel gemeu e pressionou a testa no vidro
da porta. Tirei seu cabelo do caminho e mordi seu pescoço, pressionando seu
corpo na porta. Eu a fodia como se não quisesse terminar nunca, o que era
pura ilusão, ela me apertava e eu pulsava. A gente só tinha decidido guiar o
prazer até ele nos obrigar.
Puxei-a pelos quadris e a inclinei para ter mais dela. Rachel riu com a
bochecha no vidro.
— Você não se contém, não é?
— Admite que você gosta.
Ela sorriu, não admitiu nada. Apoiei uma mão no vidro e deslizei a outra
entre suas pernas, ela remexeu o quadril, acompanhando meu toque e o ritmo
que a fodia.
— Admite que você não resiste.
— Eu quero tudo, não vou resistir a nada.
A maldita virou o rosto, apoiou a testa na porta. Eu me inclinei, o vidro
fez um barulho com a pressão da minha mão, enquanto a empurrava a cada
vez que meu ventre ia contra sua bunda macia. Encostei o rosto no seu
ombro, seu cabelo cobriu meus olhos, deixei seu corpo e nem tentei não
gozar. Pressionei seu clitóris, se não tivesse chegado lá antes, teria feito só
pelo jeito que ela gemeu e esfregou os quadris contra mim, pulsando nos
meus dedos.
Ela murmurou, porque não parei de tocá-la até ela relaxar tanto que nem
se moveu mais. Girei-a no lugar, ela ainda estava com os olhos fechados.
Pressionei seu corpo no vidro outra vez ao beijá-la. Não existia a ideia de
não estar o mais próximo possível quando a beijava. Era doido por essa
maldita provocadora, fissurado na sua boca. Ela segurou minha cabeça e me
retribuiu até quase estarmos a ponto de retomar o que fazíamos. Quando a
olhei, ela me encarou e disse:
— Mas eu não vou te namorar, Pólvora — anunciou, com seus braços em
meus ombros. Eu sorri e a beijei de novo, ela podia negar a verdade o quanto
quisesse.
Annika 09:23
Ah! Então agora você resolveu admitir que
namora o cara!
Raye 09:26
Eu não namorava com ele.
Annika 09:27
Você está morando com ele!
Raye 09:28
Já disse que é complicado. Era pra ser só um
lance, aí eu caí nesse golpe.
Annika 09:30
Não dá pra acreditar nisso!
Capítulo 18: Positivo para Dor
RAye
◆◆◆
Não era o primeiro show do Dr. Narek e ele apareceu com material para
lidar com o meu problema. Trouxe o assistente de sempre e tudo que ia
precisar. Só teve uma novidade.
— Qual de vocês vai ser o felizardo da transfusão? Se tiver um tipo B
aqui, é preferível, se não tiver ninguém compatível, vamos ter de arranjar.
Ele perdeu muito sangue, não deu tempo de buscar bolsas com o nada de
informações que vocês me deram ao me arrastar para cá como se fosse um
sequestro — disse ele, misturando pergunta com crítica. Ninguém se
importou, ele estava certo, mas não fazia diferença.
Eu não precisava de transfusão, sem ela meu corpo só ia demorar mais a
se curar, mas daria seu jeito. Dr. Narek não gostava disso, preferia fazer
transfusão ao vivo e nos ver de pé e fora do caminho dele.
— Aqui — Vittorio deu um tapa na dobra do seu braço bom, usando os
dedos da mão imobilizada. — Você acabou de me testar para um bando de
coisa. Eu sou B+ também.
Eu não disse nada, meu irmão seria outro problema. Se ficasse conosco,
ele conviveria com os homens num nível diferente de Rachel. Quando a
gente começasse a não morrer quando o lógico seria ser enterrado e nos
recuperássemos de ferimentos numa velocidade anormal, contrariando
prognósticos médicos, ele perceberia.
— Você é o menos indicado nesse momento — Narek pegou seu kit. —
Tomou seus remédios hoje?
— Esqueci e ficou tudo lá — ele indicou o braço.
— Ótimo! Mais essa — reclamou o médico.
Além de me consertar, ele colocou o meu ombro de molho e
consequentemente o meu braço e eu fiquei com uma mão para resolver todo
aquele problema. Não obedecia a cem por cento porque minha mão
esquerda, mesmo com o braço no suporte, funcionava perfeitamente. Mas
isso era tudo, eu não podia ficar comprometido, diferente dos filmes, essa
vida me ensinou que o corpo cobrava suas dívidas, eu precisava dos meus
ombros, braços e todo o resto em perfeito estado se quisesse continuar vivo.
— Eu trouxe o almoço para o qual você não apareceu — Rachel colocou
uma bandeja na mesa e sentou.
Ela achava que eu devia me recuperar plenamente, como uma pessoa
normal que sente uma dor de cabeça e se deita um pouco. No meu caso, seria
para tomar um tiro e ficar em repouso. Mas eu não saía do celular e o iate
subitamente tinha ficado pequeno de tanto que eu andava de um lado para o
outro enquanto me sentia enjaulado num lugar que costumava ser o meu
paraíso para relaxar.
A mídia estava me pintando como vítima de um ataque absurdo. Ninguém
me via há cinco dias. Teve gente que ficou esperançosa, achando que minha
assessoria estava mentindo e o tiro foi no coração. Mas, para azar deles,
como diria Mark Twain, os relatos sobre a minha morte eram bastante
exagerados. De novo.
Eu estava vivo e continuava no comando do meu lado “errado” desse jogo
e dos meus territórios, que eram o impedimento entre Morales e o domínio
da Capital de ACCA.
Sentei à mesa e Rachel estava comendo a sobremesa, ela tinha ficado no
iate comigo, mesmo quando atracamos por umas horas. Minha relações
públicas estava trabalhando para que a mídia contasse a narrativa que me
favorecesse e o plano ia como desejado. É claro que, após as notícias das
mortes do meu tio e primo, tinha gente dizendo que o problema era eu saber
mais do que dizia ou estar envolvido no que não devia. Mas era o que
sempre diriam.
Quem acreditaria que o filho de um gangster de NY, sobrinho do cara que
supostamente mandava na costa oeste e primo do babaca que começou um
inferno na cidade, não sabia de nada? Ninguém comprava minha
ingenuidade, eles só não conseguiam provar que eu fazia mais do que
esconder os segredos dos meus familiares. Essa era a vida nesse lado
obscuro do mundo, você não conta os podres da família. Já tinham me
oferecido acordos, tinham dito até que podiam me proteger se eu
testemunhasse. Veja só a ironia.
Se eu era só um cara escondendo segredos familiares e ao mesmo tempo
tinha um negócio legítimo aos olhos da lei e da receita federal, eles sabiam
que eu não ia abrir mão de tudo isso para delatar gente no tribunal. Eles
adorariam botar a mão em mim para perder nosso tempo e parecer que
estavam trabalhando, nada que eles ameaçassem me faria falar. Meu plano
era outro.
Talvez por isso, eu recebi um telefonema enquanto tentava almoçar no
meio da tarde. Rachel havia oficialmente desistido de mim, ela pegou o resto
de sua sobremesa e foi embora e eu atendi ao celular.
— Fiquei sabendo que você morreu de novo — disse o meu contato.
— Dessa vez com menos pirotecnia envolvida.
— Pois é, o ataque à sua casa adiantou outras coisas aqui.
— Estou escutando.
— Vão começar a operação mais cedo, estão com medo que comece tudo
de novo em LA. Vão sair com mandatos e convocações, a polícia e os
federais. Vão conduzir gente para depoimento e desencavar casos antigos.
— Que aventura — respondi.
— Espero que agora estejamos quites.
Eu soltei o ar como se risse da possibilidade.
— Eu te envio um número novo — desliguei.
Depois eu falei com a minha advogada, ela tinha liberado nossos
pertences pessoais da casa que continuava interditada por causa do tiroteio.
E eu queria as malas nos esperando na marina. Para meu azar, atracamos
antes de eu conseguir encontrar Rachel e fazer alguma promessa furada
sobre desligar o celular por umas horas e agir como alguém com um buraco
recém-costurado no peito. Na primeira noite, ela se encolheu junto a mim,
antes de eu adormecer como se tivesse perdido a consciência, mas isso não
durou.
Pietro subiu a bordo junto com Bellini, eu precisava falar com todos eles.
Um carro clássico encostou, um DeTomaso Pantera modificado que eu só
conhecia um. Era o jeito de Alessandro mandar Morales se foder, andando
por aí num dos seus carros mais fáceis de identificar. Ele desceu do lado do
motorista, o segurança ficou, assim como o segundo carro que o seguia e
encostou a uns metros de distância. Ele se aproximou naquele seu passo
calmo, sorri quando fui ao seu encontro. Ao menos um filho da puta do meu
lado do mundo que eu não queria matar e não pretendia me matar.
Atualmente, acho que só tinha ele.
A gente se considerava amigo, mas não precisava ficar emocionado. A
relação funcionava e isso que importava.
— Fiquei sabendo que você está entocado — Alessandro deu uma olhada
no meu ombro, mesmo com a camisa dava para ver que estava com o
curativo.
— Sim, entocado no meio do mar. Nunca havia usado tanto essa casa
flutuante — indiquei o iate.
Eu sentei junto com ele, de frente para o mar e a entrada dos barcos na
marina, o iate só atracava na parte externa, era onde ele cabia.
— Eu imaginei, mandei meu primo dar uma olhada e ele viu essa sua casa
ambulante perto da costa, logo vi que era furada esse negócio de terem te
enchido de tiro — ele sacou o isqueiro de prata e acendeu dois cigarros
manufaturados da sua produção pessoal, ficou com um e me ofereceu o
outro.
— Essa gente acha que um tiro longe da cabeça vai resolver o problema
— eu falei entre a fumaça.
— Porra, não é? Meu tio traíra, acertou um na minha coxa e achou que ia
ter a sorte de eu sangrar até morrer. E ficar morto.
— Rino, aquele seu tio que casou cinco vezes?
— Esse desgraçado mesmo.
— Enterrou?
— Vovó pediu para poupar. Deixei sem a mão que atira, mas tive que
deixá-lo ir gastar a grana escondida no Mediterrâneo.
— Que merda — franzi o cenho enquanto ele dava uma longa tragada
antes de continuar.
— Falando em grana. Tá sabendo do dinheiro desaparecido? As contas
que estão sendo zeradas, sequestradas, denunciadas… uma merda dessas.
Era uma droga, mas eu ia ter que mentir. Precisava saber se a história já
havia chegado nele. Nem Alessandro podia saber do meu grau de
envolvimento nisso, especialmente quando estávamos só começando. Ele
tinha que poder negar com sinceridade. Ninguém sabia. Só Jeanne e o
contador. Mack e Liu, o hacker, só sabiam o necessário. No futuro, se desse
certo e continuássemos vivos, eu ia contar, ele riria do plano, mas me daria
um soco por não contar para ele se divertir assistindo desde o início.
— Sim, eu soube. Inédito. Acha que são os federais?
— Duvido. É coisa de dentro. Brock acha que pegaram um dos contadores
dos caras e fizeram cantar. Eu não levo fé suficiente naquele rato velho para
ele ter conseguido todo esse acesso, tô errado?
— Eu também não. Mas as minhas contas estão intactas.
— As minhas também. Então eles que se fodam.
Rimos juntos como dois garotos aprontando a última traquinagem. Eu não
ia mexer nas contas de Alessandro, nem dos seus homens ou seus parentes.
Sequer procurei ali. Não era eles que eu precisava quebrar, era o outro lado.
Acredite em mim, dinheiro balançava essa gente, se eu estivesse desfalcando
só as suas contas legalizadas que usavam para as despesas domésticas, eles
já iam pular. Imagina o buraco onde eu estava botando a mão.
Rachel passou pelo deque do último andar, levando seu aparato de câmera
e tripé. Usava uma saída de praia comprida por cima de mais alguma roupa
de banho que expunha sua beleza. Já que não estava em sets de filmagem,
ela focou sua atenção em seu outro trabalho. Eu entendia o que ela fazia para
criar conteúdo, receber por propaganda e manter seus seguidores entretidos,
mas não podia dizer que sabia os pormenores. O que era meu jeito de confiar
nela. Pela liberdade que lhe dava, ela podia até gravar vídeos sobre o que
acontecia a sua volta, mas ela era mais esperta do que isso.
— Fiquei sabendo de uma operação — comentei, enquanto tragava e via
de longe para onde ela estava indo, afastando-se para a parte do iate que
estava de frente para o mar.
— Eu ouvi um zunido sobre isso também.
— Talvez você prefira fazer uma visita ao seu tio no Mediterrâneo em vez
de ficar para assistir.
— É… talvez eu também tenha alguém para levar para viajar — ele
indicou com a mão, na direção do iate. — É ela? O motivo para eu ter
recebido uma foto da cabeça do seu primo na entrada da cidade?
— Aquele cara da polícia ainda te manda essas coisas?
Alessandro deu de ombros, o informante dele mandava tudo que via e
parecesse relevante, para ele saber caso estivesse envolvido. E com a
unidade de crime organizado assumindo o caso, é claro que o cara ia mandar
informações.
— Ele morreu num caixão. O que veio depois, foi só um recado e uma
promessa cumprida.
— Até quando? — Ele terminou seu cigarro e soltou a fumaça
longamente.
Eu não terminei meu fumo, olhei para baixo e dessa vez eu que dei de
ombros. Geralmente não me enganava quando estava conversando com
Alessandro e os últimos meses de caos na cidade tinham nos mantido
relegados a conversas por telefone e rápidos encontros como esse. Antes era
comum nos ver intercalando locais da cidade para jantar e falar de negócios
e vida real.
Nós chamávamos nossa vida pessoal de “vida real” e isso incluía tudo,
como nenhum dos dois tinha espaço para romances, no jeito que as pessoas
normais entendiam a palavra, essa parte ocupava umas poucas frases. Se
tínhamos visto alguém, se a foda valeu a pena, se a pessoa era do nosso
mundo, se conseguiu ser mais furada do que nós já éramos… Por causa do
seu último problema amoroso, Alessandro já esperava que aconteceria o
mesmo comigo. Com razão. Ele não era pessimista, era realista.
Se dissesse a ele como estava me sentindo de verdade, talvez conseguisse
assustá-lo pela primeira vez em anos. Eu sempre tinha um plano, era meu
papel nessa amizade. Eu não tinha nada planejado para Rachel. Ainda.
Porque eu não queria, quando tivesse de planejar, teria de encarar a
realidade. Se começasse a contar nosso tempo, eu ia fazer besteira e papel de
idiota.
— Até minhas opções terminarem e aquele rato velho cair — respondi,
sabendo que juntando as duas coisas, ficava sem perspectiva nenhuma de
data. E era o que eu precisava, não ter prazo para perder Rachel.
— Ela sabe que uma vez dentro, nunca estará completamente fora?
— Você sabe que eu só me atraio por garotas espertas — eu dei uma leve
batida com o indicador, do lado da cabeça.
Ele riu de mim, Vito sempre disse que isso era um defeito, já Alessandro
ficava torcendo para eu tomar na cara e ele poder assistir. Em vez de se
despedir, ele desencostou e deu um leve sorriso, foi até a mala do carro.
Então mostrou a caixa comprida e jogou para mim.
— Trouxe um presente, espero que não seja de despedida.
— Você foi lá de novo? — indaguei, franzindo o cenho para caixa.
— Não preciso, ela segue intacta no meu “aquário” — ele sorriu.
Coloquei a caixa sob o braço, pelo tamanho e peso, tinha quatro pacotes.
A gente não fumava junto por acaso. Quando éramos mais novos e mais
doidos, Alessandro pegou uma muda de uma planta de Tácita. O que todos
sabíamos é que as plantas do santuário morriam no segundo que passavam
da porta dela. Como se tudo ali dentro já estivesse morto, mas permanecesse
vivo sob a influência de Tácita.
A muda permaneceu na mão dele. Eu sempre o zoei por ter um dedo
verde, ele gostava de plantas, desde o colégio que estudava botânica.
Alessandro plantou o negócio e a porra da planta ficou lá como se nunca
tivesse sido “roubada”. Juro que ele pediu, mas pedir algo ao silêncio é uma
roleta russa.
Não satisfeito em ter a vida poupada, ele fez a planta virar fumo. E eu,
sem amor algum a vida, topei usar. Agora era o que preferíamos fumar, até
porque, nada mais fazia efeito na gente. Mas ela era limitada e nem fodendo
que alguém ia pegar mais. Todo mundo achava que era só tabaco e erva.
Poderia ser… Mas tabaco e erva não aliviava minha dor de cabeça.
— Vou ficar fora do radar, com um olho em LA, outro nas minhas contas
enquanto minhas companhias femininas tomam sol ao fundo. Ainda é
verão… — ele fechou a mala e entrou no carro. Parecia ter me dito que ia
tirar férias, quando sabíamos que não era nada disso, por mais que
envolvesse umas horas de diversão.
Ultimamente LA não tinha nada de divertido para nenhum dos dois, era
uma sentença de morte esperando para acontecer.
◆◆◆
Eu cometia muitos erros, com Rachel aprendi que ela podia ser
imprevisível e faria o que quisesse e achasse ser melhor para si. E eu me
identificava. Não cometi o engano de planejar seus próximos passos, mas
eles estavam lá se ela resolvesse não adicionar um infarto ao meu último
tiro.
— Era isso que você estava arrumando com esse celular tocando o dia
todo? — Indagou ela.
— Também.
Ela mudou coisas de lugar, uma prova de que Rachel sabia que não
ficaríamos aqui, era não ter desfeito as malas, só tirou umas peças e
pendurou. Eu também não desfiz e como não mexia tanto nisso, não criei um
terço do caos dela. Agora ela estava com um maiô preto, cheio de pedraria e
que diferente dos outros cobria bastante. Ela moveu o seu mar de roupa de
banho de volta para a mala.
— Eu não sei… — disse ela, com as mãos ocupadas.
Na real, eu nem sabia se podia infartar, nunca vi um desgraçado jurado
para Tácita sofrer disso. Mas se pudesse, ali estava o meu primeiro infarto
oficial, porque depois do que aconteceu quando meu primo a levou, eu
precisava ir ao cardiologista checar o estado do órgão. Agora, ela queria me
deixar.
— Se eu pegasse nossas coisas e a levasse agora para o carro e direto para
o aeroporto você simplesmente iria?
— No automático, talvez. Mas não vai ser assim.
— Ótimo, então vou passar a arrastá-la comigo. Sem aviso. Você vai
adorar.
— Não sei se posso sair do país por uns dias — ela me lançou um olhar
cortante, ignorando meu desvio de humor.
— E o que você vai fazer? Vai ficar escondida em alguma casa?
Ela fechou a mala com a roupa de banho do seu contrato e provavelmente
todas que ela possuía e em vez de dizer algo, foi mexer na mala grande que
estava aberta na cama.
— Eu não vou te largar em Los Angeles, Rachel.
— Eu sei que não — ela cruzou os braços e seu olhar percorreu as malas.
— Eu também não estou te largando para você ir tomar sol no Mediterrâneo
sem mim.
Fui até perto dela e a virei, para ela largar as drogas das malas. Eu só
tomaria algum sol se ela fosse, fora isso, seria como home office fora do
país. Tudo pelo bem do segredo de ACCA. A gente vivia de narrativas.
— Eu não vou te deixar aqui — reiterei.
— Você me disse que eu tinha escolha — ela me encarava.
— Se você está tentando me pegar de calças curtas por coisas que disse,
eu não possuo moral suficiente para isso. Eu disse que ia te contrariar. Não
vou te deixar aqui.
Ela estreitou o olhar para mim e eu não recuei do meu provável novo erro.
— Você está com aquela expressão, de que vai dizer algo só para provar
que pode me enfrentar — apontei.
— Eu posso fazer o que quiser — desafiou ela.
— Nós literalmente fodemos com essa opção há meses. O que eu te disse
no dia que fomos a Nova York?
Rachel tornou a se virar para as malas e eu sentei ao lado da maior que
estava na cama.
— Eu devia ter dormido com você só duas vezes. Uma para matar a
vontade, outra para despedida — ela apoiou as mãos na beira da mala.
— Essas duas fodidas foram na primeira noite. Eu era egoísta demais para
não te ver de novo e continuo o mesmo para abrir mão agora.
— Eu estou acostumada a escolher a música, não a dançar o que estiver
tocando — reclamou ela, desistindo da mala.
— Eu posso não te enfiar em um avião, Rachel. Mas farei alguma outra
coisa terrível para você não me perdoar mais.
Ela se aproximou e descansou as mãos nos meus ombros.
— Você vai me prender numa casa e colocar um bando de capanga em
volta, seu desgraçado doente?
— Vou fazer alguma droga tão ruim quanto.
— Tipo o quê? — Provocou ela, subindo sobre as minhas coxas.
— Eu não sou criativo quando preciso pensar em coisas pra te irritar ao
ponto de nos destruir.
— Claro que é — ela apertou meu rosto e me beijou enquanto puxava o
ar.
Eu a abracei, envolvendo seu torso e apertando-a contra mim, meu ombro
deu uma fisgada, ignorei. Não a deixei ir a lugar nenhum, beijei-a como se
fossem arrancá-la de mim outra vez, até senti-la se abandonar do jeito que eu
adorava, com seus braços jogados nos meus ombros e seus lábios
pressionados nos meus.
— Que porra você quer fazer, Rachel?
— Ferrar com você — murmurou ela, enfiando os dedos pelo meu cabelo
e descendo pelas minhas costas.
— Mais?
— Não é agora que eu desapareço, Pólvora — até soou como uma
promessa, enquanto ela beijava meus lábios e se movia no meu colo,
pressionando minha ereção e escolhendo a pior combinação de palavras.
— Você vai continuar me provocando ou vai responder o que eu quero?
— Apertei sua cintura, mantendo-a no lugar, do jeito que ia, ela me
masturbaria por fricção e me daria uma volta.
— Não, não, não… — ela me pegou pelo rosto de novo e beijou com
carinho, eu apertava seus quadris para ela não sonhar em parar.
O maiô tinha um fecho nas costas, senti os pontos no meu ombro
repuxarem quando fui com sede demais para abri-lo. Usei a outra mão e
expus seus ombros.
— Minhas pedras, vou fotografar com esse — resmungou ela,
empurrando a peça pelos ombros.
O tecido não cedia, as pedras eram bonitas, mas não se comparavam aos
seus mamilos duros de excitação. Rachel empurrou o maiô para sua cintura e
tornou a me beijar enquanto seus dedos soltavam meus botões. Afundei o
rosto no seu colo, ela se inclinou, apoiando a mão no meu joelho e
finalmente capturei seu mamilo entre os lábios. Rachel gemeu e senti suas
unhas marcando minha pele.
Ela abriu minha bermuda e liberou minha ereção, pulsei em suas mãos
enquanto Rachel mordiscava meu queixo. Afastei seu maiô, era sofisticado
na parte de cima, mas embaixo era uma faixa fina sobre o seu sexo.
Encontrei-a molhada e ela gemeu com a pressão dos meus dedos em seu
clitóris sensível.
Procurei sua boca e suguei seus lábios, ela me empurrou pelo peito e se
inclinou sobre mim, beijando-me com o ardor que eu queria. Empurrei uma
mala com o braço, arranjando espaço para minhas costas, caiu alguma coisa
que fez barulho mesmo sobre o tapete.
— Você tem camisinha aí? — Perguntou ela, apoiando-se no meu peito.
— Merda — eu não andava com isso no bolso das duas peças de roupa
que estava usando, nenhum preservativo para transar do nada.
Ela riu e se moveu sobre mim, eu trinquei os dentes com meu membro
pulsando sob o calor do sexo dela.
— Eu jurava que tinha um escondido no meu maiô — brincou ela e enfiou
as mãos nos meus bolsos quando empurrou minha bermuda.
— É claro que eu sou um tarado que anda com camisinha o tempo todo —
respondi.
— Arranja, aí na mala. Encontre — ela desceu mais.
Eu virei a cabeça e me apoiei no cotovelo, outra pontada no ombro, eu
adorava que quando estava com ela não existia um pedaço dormente no meu
corpo. Rachel não ia me ajudar a procurar, ficou óbvio quando escorregou
do meu colo e chupou a cabeça do meu pau com uma lentidão cruel.
— Ah, porra, Rachel… Eu não vou achar nada! — Deitei a cabeça,
rendido como um desgraçado.
— Do seu lado, tem aí, tenho certeza — sugeriu ela, enquanto sua mão
descia numa lentidão torturante pela minha ereção.
Enfiei a mão na mala, joguei tudo para os lados e encontrei uma bolsa
pequena, tive que deixar as costas baterem na cama de novo para poder abri-
la. Rachel montou sobre mim, pegou da minha mão, levantou a embalagem
escura e metálica entre as pontas dos seus dedos e suas unhas longas.
— Um ótimo incentivo, seu garoto mau! — Brincou ela, rasgando o
pacote.
— Sobe mais — segurei a base do pau, meu ombro que se danasse.
A camisinha extra fina desceu e agarrei seu maiô, afastando-o mais para o
lado, acompanhei cheio de tesão enquanto ela se empalava no meu pau.
Rachel apoiou as mãos no meu torso e girou o quadril sobre mim. Era bom
pra caralho, iam precisar me dar muito mais tiros para eu resistir a isso.
Segurei em suas pernas, enquanto ela me cavalgava, meu ombro doeu, mas o
prazer irradiava pelo meu corpo. Prazer e dor me faziam sentir vivo. Puxei-a
para baixo e a beijei, ela retribuiu, mas me empurrou contra a cama.
— Não ouse gozar, vou ficar aqui até você estar acabado — ela prometeu
e ameaçou ao mesmo tempo.
Rachel subiu e desceu, inclinando-se para ter força, mas assim ela me
fodia mais forte. Trinquei os dentes e aguentei o impacto, as malas que
desistiram e foram ao chão. Não estávamos na parte mais firme da cama e
tudo mais balançava sobre o colchão macio. Eu queria segurá-la, ela não
deixava. Queria tocá-la, mas ela não estava atrás disso nessa tarde.
— E você queria que eu descansasse… — virei o rosto e mordi o lábio,
não era a melhor situação e muito menos a posição certa para me fazer durar.
— Caralho, Rachel, você não para de pulsar.
— Sim — ela me apertava repetidamente, parou de subir e descer com
violência e me ferrou quando só rodou o quadril no lugar. Seus gemidos
ficaram mais lentos e suaves.
Estava enterrado nela, não queria nem a olhar, mas não resistia. Eu ficava
doido com seus seios se movendo, sua expressão de prazer, seu corpo
exultando sobre mim, os sons do prazer dela, o jeito como fazia meu pau
entrar e sair de seu sexo molhado. Era o que eu gostava de ver pra gozar. Era
justamente o que eu memorizava.
— Rachel, porra…
Ela apoiou a mão esquerda no alto do meu peito, suas unhas afundaram na
base do meu pescoço. Doía, mas era gostoso, era o mesmo que me segurar
na realidade.
— Eu vou gozar — eu devo ter grunhido esse aviso. Meu ombro fisgou
quando soltei sua coxa para tocá-la e ela me impediu de novo.
— Não — ela me olhou, colocou a outra mão entre as pernas e esfregou o
clitóris, seus lábios se abriram, seus quadris giraram lentamente, fazendo o
oposto do jeito que me fodeu desde que montou sobre mim.
Ela estremeceu, eu nem piscava enquanto a admirava gozar, bebendo cada
centímetro dela, dos seus lábios entreabertos, aos mamilos rijos, a pele
úmida e os dedos cobrindo seu clitóris inchado, enquanto me mantinha preso
dentro dela. E eu já era, só seguraria aquele orgasmo se desconectassem o
membro do meu corpo. Tremi embaixo dela, entre suas coxas e sob sua mão,
com suas unhas ainda fincadas no meu pescoço. Sentia os impulsos
descendo pelo meu corpo enquanto explodia em seu interior. O prazer varria
todas as sensações que eu podia entregar e tudo terminava na conexão entre
nossos corpos.
Rachel se inclinou sobre mim, apoiando sua testa no meu ombro bom,
agora o outro estava dormente. Eu a abracei, ela não ia mais me impedir. Ela
saiu de cima de mim, odiei a desconexão dos nossos corpos. Não tinha mais
nada na cama, as malas tinham escorregado com tudo dentro. Ela empurrou
o maiô pelas pernas e o jogou no chão. De verdade, eu nem tentei me mover.
Ela conseguiu o que queria.
— Vem aqui, não pula da cama agora — levantei a mão.
Ela apoiou a cabeça no meu ombro de novo e sua mão descansou sobre o
meu abdômen.
— Eu tenho certeza que você perdeu algum ponto nesse ombro… Odiei te
ver sangrando daquele jeito.
A resposta certa seria: odiei te ver morta em uma caixa. Pode me chamar
de supersticioso o quanto quiser, mas eu não ia proferir isso em voz alta. Ela
nunca mais ia entrar numa caixa, mas eu ia sangrar outras vezes.
— Você pode tentar não fazer isso de novo?
— Darei o meu melhor — era a promessa mais sincera que podia lhe
fazer.
Resolvemos nosso desejo acumulado dos últimos dias e só isso. Deixei o
resto para resolver outro dia e pedi a Iana para refazer os pontos que
arrebentei nas costas, enquanto Rachel olhava como se jamais pretendesse
pegar uma agulha e enfiar em alguém. Ela odiava agulhas, mas podia atirar
para se defender. Eu adorava suas inconsistências.
Assim que isso terminasse, eu ainda veria aquele cardiologista.
Capítulo 21: Mamãe e uns
Sanduíches
GASOLINA
Annika 09:23
Que história é essa do seu namorado novo ter
levado uns tiros? Eu vi no jornal! Você está
bem? Me atende agora!
*celular tocando*
Eu fiz algo que não devia. Na manhã seguinte, com pontos e tudo,
Antonio voltou para a rua. É claro que eu sabia que depois que aquele
homem se deu alta do hospital ainda todo remendado, não seria um tiro que
o impediria. Mas assim que ele saiu, eu juntei umas coisas e fui para a casa
da minha mãe. Sabia que ela estava fora por causa do seu trabalho de
temporada. E com Deon solto por aí, não tinha ninguém por lá.
Disse a Bellini para ir resolver seus assuntos e voltar no outro dia, ele me
lançou aquele olhar de quem sabia que eu estava aprontando.
— Preciso ir ao meu apartamento amanhã — completei. — Pegar mais
coisas.
— Sua amiga traíra ainda não achou um lugar novo — avisou ele, sobre
Karen.
Era outra coisa que teria de ver, o aluguel estava no meu nome.
— A dona já recebeu o aluguel da temporada. É o prazo que sua amiga
tem para sair e você para colocar seus pertences num depósito ou num local
novo — informou ele.
Eu ia dar um murro no meio do nariz de Antonio e deixá-lo quebrado e
ferrado como o nariz do irmão dele. Mas não disse nada disso a Bellini, só
assenti. Eu resolvia minhas questões com o chefe deles, eles fariam o que ele
mandasse, nesse caso Bellini era só o mensageiro.
— O que você está fazendo aqui? — Perguntou meu irmão ao entrar e me
ver.
Ele andou até a frente da casa, empurrou as cortinas e deu uma olhada na
rua.
— Você está sozinha? — ele se virou para mim.
— Calma — continuei na mesa, comendo meu lanche. — Não vai entrar
ninguém atrás de mim. Você quer um sanduíche?
Deon sentou à mesa, eu tinha pedido lanche a mais e ele abriu a
embalagem transparente que continha os sanduíches.
— Que negócio pálido e cheio de alface é esse aqui? E os tacos?
— Fica quieto, é gostoso. Eu peguei uns contratos de verão, preciso
manter a forma atual — empurrei o copo de suco pra ajudá-lo a descer o
lanche. — Tem pepino, picles, salmão defumado, peito de peru… é só
escolher. Da última vez que comemos taco não deu muito certo.
Ele pegou um dos sanduíches, o pão era claro, mas era de leite com
farinha integral, o molho era light, mas delicioso. Deon deu mordidas
grandes e a gente conversou sobre o que vinha acontecendo; da última vez
que nos vimos, nossa mãe estava junto e não pudemos conversar, dessa vez
falamos com mais liberdade.
— Eu acho que vou, não sei o que me faz não querer deixar a cidade.
Acho que é como um ímã de viciada em trabalho. Não deixo LA por lazer há
anos, desde que fomos visitar nossas tias, porque vivo emendando um
contrato no outro.
Deon tinha criticado meus sanduíches menos calóricos, mas já estava no
segundo, ele bebeu um longo gole da limonada natureba, feita com adoçante
natural, chá-verde e muito gelo.
— Eu acho melhor você não dar a volta numa porra de um gângster, Raye.
— Por quê? Você gosta dele?
— Ele gosta de você.
— Você descobriu isso nesses trabalhos que está fazendo para ele?
— Não estou com ele, estou com um cara que trabalha para ele. Um
contador.
— Você está logo com o contador? Sério, Deon? Não sei o que é mais
perigoso.
— E você está dormindo com o chefe dele. E se gosta tanto assim do cara,
acho melhor continuar lá, quando enjoar dele, aí sim, você some. Até lá ele
já matou todo mundo que ele pensa que vai te sequestrar de novo.
— Que tipo de incentivo é esse, Deon?
— Realidade — ele enfiou o último pedaço do segundo sanduíche na boca
e mastigou, empurrou a massa com mais limonada. — Você tá
apaixonadinha pelo cara, não pode admitir nem pro seu irmão? Senão, já
teria dado um pé nele e até fugido do país sozinha se precisasse.
Eu só balancei meu copo cheio de gelo e suguei a limonada. Agora que
estava melhor, apesar de não ter a pretensão de dizer que minha cabeça
estava no lugar, a ideia parecia absurda. Entretanto, quando acordei depois
de ser tirada daquela caixa, se Antonio e sua bolha não estivessem lá, eu
teria sido capaz de enfiar tudo numa bolsa, pegar minhas economias e sumir
por um tempo.
Em vez disso, eu estava mais exposta do que nunca. No sentido midiático,
por causa das minhas redes sociais. E super protegida, num sentido geral. Eu
não estava sozinha, tinha um carro parado do outro lado da rua, tinha um
rastreador em mim. Talvez tivesse mais coisa. Eu não queria ser levada,
dessa vez não iam me colocar numa caixa. Seria muito pior.
E, sim. Eu gostava do cara. Gostava demais. Estava lutando com meus
sentimentos e a sensação de estar tão emocionalmente atrelada a alguém.
Deon estava certo. Eu ia dar uma volta em Antonio, se ele deixasse. Porque
era assim que eu era. Por mais que tenha namorado Neil e o largado com
razão, eu fiz isso. Ele era “normal” demais para um ego tão grande. Ele que
se danasse pra lá. Com ele eu tentei e me ferrei. Mas eu os deixava e
esquecia rápido, fiz isso desde o primeiro garoto com quem saí na
adolescência.
Porém, minha chance de esquecer Antonio era nula.
Nunca me senti mais envolvida por alguém. O negócio com Antonio era
como uma teia, quanto mais eu me mexia, mais presa ficava. E se me
dessem uma faca, eu não ia cortar direito. Ia desfazer alguns pedaços, como
acabei de fazer, afastando-me dele e passando um tempo aqui, para pensar
longe de sua influência.
Afinal, olha só para o cara. A teia dele não tinha limites, ele controlava
uma organização inteira a sua volta. O poder de influência dele era arrasador.
Mas o que me ferrava eram os malditos sentimentos, essa era a verdadeira
influência que ele tinha sobre mim, eu o queria de qualquer jeito.
Nós escutamos o carro da minha mãe parar na entrada da garagem,
prendendo o carro de Deon de novo, sempre acontecia quando ele aparecia
mais cedo.
— E tem outra coisa — ele empilhou as embalagens e enfiou no saco de
papel vazio. — Quando você está com ele e aqueles caras que te vigiam, eu
fico tranquilo. Se você ficar solta pela cidade, eu não vou nem dormir. Essas
porras desses gringos e essas guerras que eles arrumam — ele resmungou o
final e foi para a cozinha levando o lixo.
Não esperava minha mãe em casa naquela hora e nem naquele dia. Ela
também não esperava me ver por lá, mesmo assim, disse logo:
— Que surpresa, você aparecia mais quando trabalhava dia e noite do que
agora que tirou férias.
— Só tirei férias do estúdio, mãe. Continuo trabalhando em outras coisas.
— Desde que te dê dinheiro, está ótimo. Viu Nadia por aí?
— Não. Ela não devia estar no trabalho?
— Exatamente, devia. Ela disse que ia trabalhar num projeto que você
arranjou para ela.
Deon saiu da cozinha e avisou:
— Deixa que eu vou encontrá-la — o celular dele tocou e ele saiu para
atender.
Quando ficamos sozinhas, minha mãe me levou para a cozinha e disse:
— Acho melhor você ver isso. Seu irmão é muito radical, não o quero
brigando com a filha ou causando problemas.
Eu fiquei quieta, mamãe não tinha ideia que Deon estava ganhando bem
para trabalhar com o tal contador. Eu lembrei algo sobre Antonio dizer que
ia pegar a grana de uns caras e atingi-los onde mais doía. Liguei isso a esse
negócio do contador e concluí que estava relacionado. Ou seja, meu irmão
estava metido até o pescoço em algo mais sério do que ele imaginava.
Informação ali era compartimentada em todos os níveis. Eu duvido que ele
sabia o que o contador estava fazendo.
— Como assim você vai viajar? Rachel, sinceramente. Cheio de coisa
acontecendo e você quer viajar — reclamou minha mãe, enquanto passava
patê importado numa torrada temperada.
— Sempre está cheio de coisa acontecendo quando eu quero fazer algo
além de trabalhar — reclamei.
— Você está sendo egoísta, eu estou ocupada, você sabe que verão é a
época mais atribulada do ano para mim. Seu irmão está na rua faz pouco
tempo, sem estabilidade nenhuma. Nadia está incontrolável, a mãe dela
agora nem quer mais saber. E você quer ir sei lá para onde.
— Todas as pessoas citadas são adultas! — Respondi, irritada. — Vocês
podiam cuidar dos seus problemas, eu já tenho os meus e dou meu jeito de
resolver.
— Você tem estado tão ocupada que eu tinha esquecido de onde saiu a
rebeldia da sua sobrinha. Deon toma as piores decisões, mas nunca foi
rebelde. Seu pai era teimoso, mas calmo. Você tinha que puxar de mim logo
a rebeldia? Eu tinha coisas melhores para oferecer — ela enfiou a torrada na
boca e se afastou.
Eu lidava com esse tipo de papo desde a adolescência, piorou após a
morte do meu pai. Apesar da acusação, eu fugia do conflito com a minha
mãe quando ela estava com humor para isso. A gente tinha temperamento
parecido, sempre dava problema. Peguei minha bolsa e dei no pé. Atravessei
a rua e entrei no banco de trás do carro escuro.
— Vocês estão livres de ficar de tocaia aqui, me leva no estúdio do cara
que me dava aula lá na casa. Garanto que sabem onde é.
Os dois caras, já conhecidos por mim — ainda não gravei seus nomes
porque eles eram só o apoio, mas os chamava de baixinho e bigode — só me
olharam por cima dos ombros, ligaram o carro e nos botaram para rodar.
Annika 18:43
Consegui o papel que mais queria! Não
acredito! Vamos comemorar! Tô chegando em LA!
Raye 18:56
MENTIRAAA!! Vamooos!
Capítulo 22: Boa Sorte, Clarissa
ANTONIO
Para surpresa da polícia, em vez de mandar algo escrito e jogar tudo nas
costas dos meus advogados, no primeiro horário da manhã, atendi ao
chamado para esclarecimentos por livre e espontânea vontade. Mas cheguei
de surpresa. Não tinha ninguém importante me esperando, nem com algum
plano armado para tentar me fazer falar mais do que sobre o ataque que
sofri. Eram os detetives deles que botavam a mão na massa para investigar,
então, com certeza, eram bons o suficiente para colher o depoimento do cara
baleado no ataque. Certo?
— Eles eram seguranças, fizeram o trabalho deles — declarei, sentado ao
lado de Kasumi, minha advogada principal. Havia um time de advogados,
mas ela que resolvia e aparecia para esse tipo de situação.
No tiroteio, quatro dos meus seguranças foram baleados, dois deles de
forma superficial e o cara que estava na UTI não tinha bom prognóstico.
Tinha um morto. Mas eles derrubaram quatro caras e feriram outros que
fugiram. A polícia esperava que eu pudesse dar algum motivo para terem
atacado a minha casa. É claro que eu menti, depois que Kasumi fez o papel
dela de dizer que eu não era adivinho.
— Acredito que tenha relação com o que tem acontecido nos últimos
meses. Os senhores já me fizeram as mesmas perguntas. Dois dos meus
familiares estão mortos.
A ideia era não demorar, para não dar tempo de eles chamarem o
promotor, o chefe da força tarefa, o FBI e isso virar um circo que ia me fazer
perder tempo. Quando as perguntas estritamente relacionadas ao episódio na
casa foram cobertas com interferências dela para se manterem fiéis ao
assunto, Kasumi olhou o relógio:
— Meu cliente ainda está em recuperação, um tiro é algo que precisa ser
cuidado com diligência. Acredito que suas respostas cobrem tudo que
precisam para continuar o caso — ela abriu um leve sorriso, só embelezava
seus traços orientais, mas eu nunca vi ninguém sorrir de volta. Ela fazia isso
quando ia ser desagradável com o outro lado. — E começar a ir nos lugares
certos em vez de perturbar as partes atingidas. Caso precisem de algo mais,
eu sei que infelizmente sabem o meu telefone.
Fiquei de pé junto com ela. Meu papel público era de “parte atingida” e
disposta a cooperar, era assim que sairia nos jornais e noticiários. Kasumi
gostava de fazer a advogada tirânica que comandava o jogo. Não era ironia,
eu a pagava bem para isso e ela era boa. Rachel que era a atriz, eu não
entendia nada de atuação, mas quando você mentia a vida toda, a experiência
vinha.
Quando saímos, a notícia de que eu estava lá já havia se espalhado. Tinha
o dobro de gente no andar só para me ver passar. Não achei que já estava
com status de celebridade da sede da polícia. O promotor não ia gostar
quando soubesse que nem sua assistente principal chegou a tempo, mas o
chefe da operação tinha aparecido. Assim como os superiores dos dois
detetives que tomaram meu depoimento. Kasumi cumprimentava com
meneios de sua cabeça, eu os olhei como se não tivesse interesse particular
no que faziam.
No corredor que levava a saída, pois eu entrei e ia sair pela porta da
frente, tive um encontro mais inesperado do que Deon aparecendo do lado
do meu carro na primeira vez.
— O que você fez com ela? — Perguntou o rapaz, vindo na minha direção
com uma pasta que a alça marrom atravessava seu peito coberto por um
terno.
Kasumi continuou andando, com a atenção nas portas e no seu celular.
Parou alguns passos à frente quando notou minha falta. Eu tinha parado para
olhar o cara assim que o reconheci.
— Rachel! Você fez alguma coisa com ela! Ninguém sabe dela, ela não
está gravando e ela sempre está. Os colegas de trabalho não a veem há uns
dois meses. Karen não faz sentido no que diz. Ela nunca ficaria esse tempo
todo de férias! Você fez algo!
Ele não estava gritando, seu tom era baixo já que não estávamos sozinhos,
mas certamente exclamava perto de mim. Eu podia ter dito que não fazia
ideia do que ele estava falando, mas o idiota era o ex-namorado de Rachel, o
mesmo que vi a abordando no bar no nosso encontro. Bellini disse que ele
ainda frequentava alguns dos locais onde ela ia, como a cafeteria e aquele
bar.
E veja só a ironia, o idiota era assistente da promotoria. Sério, Raye? Ao
menos quando ela teve a péssima ideia de começar a sair com esse cara, ele
ainda não tinha esse emprego.
— Você a segue nas redes sociais? — Pela sua expressão, minha pergunta
o confundiu. Se ele esperava que eu fosse estúpido o suficiente para cair no
seu papo e ameaçá-lo no prédio da polícia, cheio de câmeras e oficiais em
volta, ele era ingênuo demais para o cargo.
— Claro. E daí? Ela desapareceu de todos os lugares onde sempre foi.
Tem dedo seu nisso e eu quero saber se aconteceu algo a ela.
Não pensei mais nesse cara, ele era passado, mas pelo que ele estava
falando, Rachel o bloqueou e não quis me dizer que seu ex-namorado
insistia no contato. E o filho da puta me encontrou dentro da central da
polícia. Por que onde mais ele sairia vivo por usar sua cota de pontos de
exclamações do mês para me incomodar?
— Então você e mais milhões de pessoas com certeza a veem diariamente
em fotos e vídeos. Não precisa ter vergonha de admitir que assiste tudo —
eu até procurei o celular no bolso, como se fosse mostrar.
— Pode ser tudo fabricado! Cadê ela?
Kasumi parou ao nosso lado e olhou o palhaço da promotoria de cima
abaixo.
— Por que você está respondendo um dos robôs do promotor? —
Perguntou ela, sua expressão era de asco.
— É pessoal — ele disse rápido.
Ela cruzou os braços e levantou a sobrancelha.
— Duvido. O Sr. Denaro não vai responder a mais nada. Se quiser o
depoimento, peça a transcrição.
— Eu tenho certeza que a Srta. Lund deve ter um e-mail no perfil para
entrar em contato com a agência que cuida dos negócios dela — avisei.
Kasumi franziu o cenho para mim. Ela só sabia sobre a mulher que estava
comigo na casa e que foi omitida de qualquer depoimento sobre o caso. Eu
não queria a identidade dela exposta. Esse cara me viu com Rachel uma
única vez e há meses. Por que ele achava que continuávamos nos vendo? Só
porque fui o último homem com quem ele a viu?
Esse puto não tinha como me intimidar, mas se Rachel estivesse vendo um
cara regular, ele teria esse comportamento hostil ou o fato de ela sumir era só
desculpa?
— É mentira, como tudo relacionado a você — acusou ele. — Ela não
responde, a mãe só diz que ela saiu de férias. Por qual outro motivo ela
inventaria isso?
Ele nem percebeu o quanto eu achava divertido que ela tivesse lhe dado
um perdido a ponto de deixá-lo desesperado. Para ele ter coragem de falar
comigo, estava obcecado. Rachel tinha esse efeito. Virei para Kasumi, antes
que esquecesse onde estava. Quem esse filho da puta pensava que era para
perturbar até a mãe de Rachel?
— Eu sei que não é a sua área, mas poderia lembrar a esse senhor sobre
leis de assédio e perseguição quando uma pessoa não deixa um antigo
parceiro em paz. Eu acho que ele faltou essa aula.
Kasumi era decidida demais para só “lembrar” e o enxergava como uma
ameaça legal, por causa do promotor. Ela entrou entre nós e apontou para
ele, usando o seu tom de ameaça que eu juro que era um dos melhores que
eu conhecia e olha o meio em que eu andava. Ninguém fazia ameaças leves
aqui.
— Se você assediar o meu cliente outra vez, eu o denuncio e processo. E
pare de perseguir essa moça, se ela não te responde é porque não quer falar
com você. Nós não temos informações sobre ela. Mas se ela quiser, eu dou
um jeito de te ferrar por persegui-la.
Eu o observava sobre a cabeça de Kasumi que só faltava bater com o dedo
no peito dele. Considerei a reação de Rachel se o ex sumisse e ela
desconfiasse que fui eu. Uma merda. Ela odiaria e eu não queria mais
motivos para afastá-la de mim. Só quando o olhar dele encontrou o meu que
o cara deu um passo para trás e eu acredito que ele entendeu ali que a menos
que ele me pegasse primeiro, se ele pensasse em Rachel outra vez, estaria
morto.
Ele deu outro passo para trás, eu suavizei a expressão e o olhar, estava
acostumado a fingir e tranquilizar estranhos.
— Não sei o que você quer, mas eu tenho internet e um celular — eu movi
o aparelho, como se provasse sua existência. — Eu, você e milhões de
pessoas podemos ver que ela fica mais linda a cada dia.
A tensão no corpo dele mostrava que ele não havia comprado meu tom
ameno, pelo menos mostrou que não estava no emprego errado. Kasumi não
tinha cerimônia, devia ser os quase dez anos trabalhando para mim. Ela que
lançou um olhar de ameaça para o assistente do promotor e me levou para as
portas. Rachel podia não gostar o quanto quisesse, se ele não sumisse do
meu radar, eu lhe daria motivos para a hostilidade com que nos olhava.
◆◆◆
Falei que não ia anunciar no jornal das dez que estava vivo e ativo. Em
vez disso, saí para minha ronda diária entre os meus dois mundos. E
aproveitei para admirar meu novo CDD, mais moderno, com espaço bem
aproveitado. Estava quase pronto, faltava o último andar e os prédios
auxiliares que também queimaram. Eu tinha mandado retomarem as rotas
padrão desde o momento que os fiscais saíram de lá, com aprovação para ele
funcionar. Não pagava a aprovação, essa eu preferia conquistar, eu pagava
para eles aparecerem na data que eu queria.
Já que eu ia sair da cidade, adiantamos o evento e o inauguramos quase
como um novo barco, cortei a fita, posei para fotos, estourei o champanhe e
dei declarações para minha assessoria espalhar nos jornais. Aqui na
superfície, esse era o meu papel, mesmo que estivesse oficialmente me
recuperando de um terrível ataque. Pobre Sr. Denaro — diziam nos
escritórios da Lorenza/ALGN. — Não tem um minuto de paz.
Não tinha mesmo.
Antonio 17:12
O que você está aprontando pela cidade?
Gasolina 17:14
Fui ver o Oliver no estúdio dele e vou ver a
Annika. E vc?
Antonio 17:15
Tenho mais uns lugares para ir hoje. Vou te
ver mais tarde?
Gasolina 17:17
Claro, pq não veria?
Ela era uma dissimulada. Bellini me ligou para dizer que ela o mandou
voltar só no dia seguinte, aparentemente tinha mudado de ideia. Entrei no
carro e fui para o próximo compromisso, com a certeza de que ela estava
aprontando algo. Eu não ia jantar com ela essa noite, então ela fingiria que
nada aconteceu. Estava apaixonado até pelas suas mentiras.
Antonio 17:19
Até mais tarde
Antonio 22:04
O bebê da minha prima vai nascer, estarei no
hospital
Gasolina 22:10
Ok, bom parto para ela. Dá notícias
Jeanne não teve um bom parto, o bebê estava adiantado. Ela chegou a LA
falando do seu parto natural, mas foi obrigada a passar por uma cesariana.
Ela passou o tempo todo amaldiçoando uma deusa que ninguém sabia quem
era e a acusando de odiar mulheres. Mas ambos sobreviveram, eu não
poderia dizer o mesmo de Mack que foi parar em um leito para se acalmar
até poder vê-los.
Sentei e esperei, já que eu não ia dormir, trabalhei do celular, as pessoas
que eu precisava também não dormiam cedo. Ainda bem que só os federais
vigiariam nossa ida ao hospital e eles eram péssimos fofoqueiros, se
dependesse da mídia, todos já saberiam que a filha de Nascari estava dando à
luz em um hospital cheio de seguranças.
Nascer na minha família ainda não era ilegal, mas seguro jamais seria.
— Eu queria tanto que fosse uma menina — Jeanne finalmente pode
passar um tempo com a criança, depois das primeiras horas na incubadora.
— Estou tão feliz. Eu também fui a primogênita do meu pai, se fosse homem
ele teria feito comigo o que fez com você. Como odeio matar gente, tomei
conta dos negócios. É isso que ela vai ser. É assim que vai sobreviver no
nosso mundo. Pode me chamar de doida, mas eu quero que Tácita a aceite.
Se eu não fosse jurada, já estaria morta.
Ela olhava firmemente para o bebê minúsculo, planejando como ia
garantir segurança e poder para a pequena. Eu estava encostado na porta,
planejando tirá-la da cidade de novo. Jeanne insistiu em voltar, porque ela
era exatamente assim, mas se tivesse as mesmas ambições do irmão, Vito e
ela já teriam se matado. O pai nunca lhes daria a opção de não se envolver,
para Nascari, ACCA era um legado.
Em vez disso, era a filha em quem Nascari confiou segredos e boa parte
de seus negócios legítimos. Ficar fora de LA a impediu de ficar no comando
do que ela queria e ainda não seria agora que isso ia mudar. Para o meu azar.
Sem ela, continuava tudo no meu prato.
— Meu amor, o que a médica disse, você mal pode se mexer — Mack
voltou com as coisas que a esposa pediu.
Jeanne o ignorou, ela já não sentia dor, estava fingindo para os médicos. A
bebê precisava de cuidados, ela nem tanto. E minha prima só tinha morrido
para ser vista e para jurar, pelo jeito Tácita não a odiava tanto assim.
— Fecha a porta, não posso levantar daqui — mandou ela.
Eu estava justamente na porta, então fechei, entendi que ela me queria do
lado de dentro.
— Eu estou perdendo tempo e dinheiro. Papai odiaria, não foi para isso
que ele me deixou responsável pelo que importava em vez de deixar Vito
tomar tudo. E foi para você poder fazer o seu trabalho — ela apontou para
mim.
— Eu sei, é o que estou fazendo.
— É o que você está tentando fazer e estão tentando te impedir. Primeiro
foi o meu irmão, agora o meu tio. Aquele rato traiçoeiro.
— Você sabia que isso ia acontecer — apontei.
— Sim. Mas eu achei que estaria mais ativa quando acontecesse.
— Por acaso ia dividir tudo com seu irmão ou seu tio?
— Nem ferrando! — Reagiu ela, irritada.
— Jeanne, pelo amor de Deus. Você não pode se alterar — Reclamou
Mack, tentando soar firme. Ele sabia a verdade, mas merecia um desconto,
eu juro que estaria preocupado se fosse a minha esposa. Mesmo que ela
fosse jurada.
Ela respirou, procurando se acalmar. Ainda estava irritada por nada ter
saído como planejou e por ter precisado parir em meio a essa situação toda.
Só relaxava quando olhava para a filha.
— Eu sei que ele não é inexperiente como Vito e está dando muito mais
trabalho. Mas, eu quero ficar em LA e voltar a trabalhar assim que Clarissa e
eu estivermos bem — ela olhou a menina, enrolada de um jeito que mal
aparecia.
— Você não vai ficar em LA agora — informei.
— Isso é ridículo, eu sou parte do seu plano.
— Você fez sua parte. Agora precisa ficar viva.
Jeanne revirou os olhos, mas cedeu porque sabia que era verdade e agora
ela tinha um bebê absolutamente indefeso para priorizar.
— Quando eu voltar do meu período de licença, eu espero que você já
tenha feito o que era impensável até pouco tempo. Arranque a cabeça dele,
Antonio. Senão, estamos ferrados.
— Prometi um enterro limpo.
— Então dê um tiro na testa e espere ele ficar morto. Tem maquiagem
para buraco de bala — respondeu ela.
Eu os deixei com sua adorável e minúscula filha, que agora eu precisava
ter certeza de que cresceria com os pais para criá-la e que não ia sofrer
nenhum susto antes de, pelo menos, completar um ano de vida.
— Preciso de um lugar novo, espaçoso, reservado, luz natural, jardim, tão
normal que seja tedioso. Na costa oposta, território aliado e tão ao norte que
o verão já chega lá com preguiça — disse ao celular e escutei meu secretário
dizer que ia encontrar.
Gasolina 07:34
E a priminha?
Antonio 07:39
Saudável
Gasolina 07:41
Isso é tudo que você pode produzir?
Antonio 07:43
Ela é minúscula e adorável
Gasolina 07:44
Tem foto?
Antonio 07:45
Eu não vou tirar foto da criança alheia
Gasolina 07:46
Sua prima deve ter tirado umas cem só nessa
primeira hora.
Eu quero ver. Pede uma!
Antonio 07:55
[foto]
Gasolina 07:58
AHH!! Que coisa mais miúda e fofucha!
Gasolina 08:03
Você não vai vir para casa dormir?
Antonio 08:05
Eu vou tomar banho no escritório, é um dia
novo
Não posso dormir por metade dele
Capítulo 23: Irada e Apaixonada
RACHEL
O meu celular tocou e quando vi o nome da minha mãe, por algum motivo
já imaginei que era problema. Ultimamente ela só me ligava quando
acontecia algo, fora isso, falava comigo por mensagens.
— Fala, mãe. Como está?
— Você vai ter que voltar aqui, Rachel — avisou ela, naquele tom de
problema.
— Por quê?
— Vem agora e vem rápido. Nadia me ligou.
— O que ela arrumou agora?
— Dessa vez é sério. Ela ligou chorando, disse que pegou o celular
escondido. O namorado bateu nela e não quer deixá-la sair de lá — ela
pausou. — Tenho certeza que ela começou a cheirar também. Você precisa
trazê-la para casa, enquanto a gente pode reverter isso.
— Cadê o Deon?
— Por que acha que te liguei? Seu irmão não pode saber disso! Não fala
nada! Se ele for lá, vai matar esse garoto e vai acabar preso de novo.
— Por que agora você só me liga para resolver problema?
— Você não percebeu? Desde que o seu pai morreu, você resolve as
coisas. Você assumiu esse papel, ainda mais com o seu irmão na cadeia. Vou
enviar o endereço. Vai buscar minha neta, ela ainda te escuta.
Ela desligou e bufei. Eu podia até desconfiar que minha mãe sabia da
suposta outra vida de Antonio, mas como isso podia ser relevante para ela
me enviar a casa de um bandidinho de merda para pegar minha sobrinha sem
juízo? Não importava na mão de quem estava a arma, o tiro que ele desse
podia me matar do mesmo jeito.
Troquei de roupa e fui procurar Bellini, provavelmente estava na sala de
café ou no escritório. Encontrei-o junto com Denver.
— Eu vou sair — informei e continuei porque aprendi que com eles era
melhor dar logo o panorama completo. — Preciso ir à casa de um soldadinho
raso de gangue para buscar a idiota da minha sobrinha. Com certeza tem
armas lá. É capaz de ele não estar sozinho com ela. Nem sei se é onde a
família dele mora. Só sei que ela está lá e eu vou buscá-la. Com ou sem
vocês.
Denver ficou me olhando como se calculasse o tamanho da encrenca.
Bellini parecia ter chegado há pouco tempo, então só tirou a arma do coldre,
checou e guardou, depois tocou os pentes do outro lado para ver se tinha
balas suficientes.
— Vamos — ele ficou de pé e Denver fez o mesmo.
Estávamos atracados na marina desde ontem, Bellini fez uma ligação e
entramos no carro, passei o endereço para ele. Denver parou por uns dez
minutos antes de pegarmos a expressa para os arredores de Watts. Aproveitei
para continuar comparando as opções que eu tinha para a minha sobrinha.
Eu estava decidida a parar de desculpá-la por todas as besteiras que fazia.
Ela não era mais criança e eu ia até o fim para ajudá-la a tomar algum rumo.
Eu não tinha a experiência e muito menos a paciência para lidar com um
filho dessa idade. E com meu pai morto, Deon preso por quase três anos,
minha mãe deixando a cidade para temporadas de trabalho, a mãe de Nadia
super atarefada com dois filhos pequenos e um emprego. Minha mãe tinha
razão quando dizia que eu comecei a “resolver” as questões familiares dos
Lund. Não ia deixar Nadia na mão.
Eles receberam um toque no celular e seguiram viagem. Óbvio que
alguém já havia dito a Antonio no que eu estava me metendo, porque o meu
celular tocou.
— Você ia à casa de um idiota de gangue buscar sua sobrinha só com dois
homens? Você não sabe o que tem lá — disse ele.
— Ele é um babaquinha, não tem uma mesa cheia de capangas na
cozinha. Ele se acha muita merda. — Eu estava irritada com a situação toda,
com minha mãe, com as besteiras de Nadia e principalmente com aquele
garoto. — Garanto que Bellini sozinho já dava conta.
— Eles sempre têm algum outro babaca por perto. E você já estará
ocupada com a sua sobrinha.
— Eu vou dar um jeito nisso, antes que lhe aconteça algo ainda pior.
— Cuidado. Entre como se fosse fazer uma visita.
— Claro, uma maravilhosa visita social.
Chegamos à casa do babaca, eu estava tão irada que não conseguia
lembrar o nome dele de jeito nenhum. Era algo com R… Raf… Rag… Acho
que era apelido. E não fazia a menor diferença para mim, eu o chamaria de
babaca. Desci do carro com Bellini e Denver, o outro veículo parou do lado
oposto da rua, como se não tivesse nos seguido.
Bellini deu uma olhada em volta e só tinha umas pessoas passando, a casa
tinha dois andares e era absolutamente normal, parecia pertencer a qualquer
família de posses medianas. Duvido que era aqui que esse babaca morava e
cometia seus delitos. Lembrei que uma vez eu duvidei desse cara e Nadia
informou, como se fosse um grande feito, que ele tinha seu próprio espaço
desde que fez dezoito. Ou seja, 3 anos antes de ela o conhecer.
Denver indicou um portão, vi um corredor independente, cheio de plantas
no topo das paredes. Não estava trancado, o entra e sai devia ser intenso.
Segui pela lateral e fui bater à porta dos fundos de uma casa separada e
menor. Bellini e Denver estavam um de cada lado, fora da visão da janela.
— Quem é? — A voz era de homem. Eu não poderia afirmar que era o
cara.
— Ei, Papi, você não ligou! Vim te ver! — respondi, usando uma adorável
voz feminina, aguda e sugestiva.
A porta abriu e pela expressão dele, ia dizer a qualquer uma das suas
garotas que era para voltar depois. Mas só deu tempo de piscar e uma arma
foi enfiada na boca dele. Bellini o agarrou pelo pescoço e o puxou para fora.
Denver entrou antes e checou o local, eu fui atrás e o cara foi empurrado
para dentro. A porta bateu.
— Mas que porra! — Reagiu ele.
Denver apareceu, segurando um outro garoto pelo cangote. Sobre a mesa
no canto, havia duas armas, umas garrafas de cerveja, embalagens vazias de
comida e uns pacotinhos que pareciam ser cocaína.
— Nadia, sai daí agora! — Chamei.
A casa era pequena, tinha a sala ligada a cozinha e três portas, mas pelo
espaço, só uma podia ser outro cômodo grande e foi dali que Nadia saiu. Já
com aquela cara de choro, seu rosto estava marcado, os olhos estavam roxos,
ela estava maltratada. Minha sobrinha tinha o tom de pele mais escuro que o
meu e mesmo assim eu podia ver as marcas, ou seja, não foram batidas
leves.
— Eu sabia que vovó ia te mandar! Só para aumentar minha humilhação!
— Choramingou ela.
Eu me virei e olhei em volta, tinha uma barra de madeira perto da janela.
Fui até lá e peguei, apontei para o babaca.
— Por que você bateu nela?
Ele ficou quieto, olhando para mim com raiva estampada no rosto.
— Por que caralho você bateu nela? — Perguntei mais alto.
— Ela foi uma vadia mentirosa e malcriada! Não pode me desrespeitar na
frente dos meus...
Eu o acertei com a madeira na lateral da cabeça. Já deu nos meus nervos
na primeira frase.
— Solta ele — disse a Bellini.
Ele soltou e se afastou. Eu segurei a madeira como um taco e bati de
novo. E de novo.
— Rachel! — Gritou Nadia, apavorada.
— Cala a boca! — Apontei para ela.
Ele estava no chão então o empurrei com a sola do tênis.
— Você se acha o foda, né, seu babaca de merda! Quem você pensa que é
para bater na minha sobrinha? É muito homem pra partir pra cima de uma
garota com metade do seu tamanho! Filho da puta de merda! — Bati de novo
e de novo e mais umas cinco vezes até a madeira quebrar e ter algo quebrado
nele também.
Nadia chorava e balbuciava. Bellini observava como se eu estivesse
pintando um quadro e ele fosse obrigado a esperar. Denver só segurava o
outro cara, que respirava como se ele que estivesse apanhando.
— Fica no chão — mandei, como se o cara tivesse condições de levantar.
— Rachel, por favor… — pediu Nadia.
— Ele te bateu, não bateu?
— Sim… — ela passava os dedos embaixo dos olhos machucados.
— E disse que você não podia sair, não foi?
— Eu só queria ir embora — choramingou ela, cobrindo o rosto, até suas
mãos tinham arranhões.
Eu me virei para o outro idiota.
— Por que esse babaca está aqui? Ele te obrigou a foder com ele?
Ela ficou quieta.
— Obrigou ou não? — Insisti, perdendo a paciência que já não tinha.
— Não! Eu não peguei ela! — Reagiu o cara. — Eu só estava aqui!
— E não tocou nela?
— Eu não!
Tornei a me virar para Nadia e perguntei baixo, com todo o tato que eu
tinha escondido em algum lugar do meu ser, mas que desaparecia quando eu
estava irada.
— Não mente para mim. Ele botou a mão em você?
Ela negou com a cabeça.
— Botou ou não? — Repeti.
Minha sobrinha finalmente pareceu entender que nenhum dos dois
babacas podia fazer nada e me olhou.
— Ele só ficou bebendo e cheirando enquanto o amiguinho dele me
machucava.
— Isso é covardia, porra! — Gritou o idiota.
— Ah! Agora é covardia! Quando eram vocês dois com uma garota,
estava tudo certo! — Eu olhei em volta e mirei Bellini. — Quebra aquela
cadeira pra mim.
— Não! — Gritou o amiguinho.
Bellini quebrou a cadeira de péssima qualidade e me deu a perna. Eu a
agarrei, o cara se preparou para levar uma na cabeça, mas eu acertei o saco
dele com a ponta. Ele se dobrou, Denver o soltou, eu o chutei e bati nele
com a perna da cadeira até ele estar dobrado no chão. Bati menos, só porque
não foi ele que deu uma surra na minha sobrinha, mas ficou olhando.
— Pega o que tiver de seu aqui — disse para Nadia. — Anda!
Ela entrou correndo no quarto e voltou com uma mochila, olhou para os
dois caras no chão e chegou perto de mim. Segurei seu queixo e a olhei,
avaliando o estrago.
— Mas que droga, Nadia. Nunca mais, entendeu? Nunca mais vai voltar
aqui, nem se meter com um desses merdas. Ele te trata mal faz tempo. Vai lá
pra fora.
Nadia abraçou a mochila, mais miserável do que nunca. Ela deu uma
olhada nos caras, estava mais impactada pelo que aconteceu do que magoada
como no momento em que saiu do quarto.
— Raye… O que você vai fazer com eles?
— Já fiz. Sai logo.
Ela saiu e eu me virei para os dois.
— Se eu só imaginar que um de vocês ou um desgraçado amigo de vocês
chegou perto dela ou de qualquer um relacionado a gente, eu vou encontrá-
los e enfiar um taco nesses rabos secos até sair na goela. Depois vou botar
fogo nos dois e em quem mais estiver junto — prometi, no tom mais
ameaçador que eu conseguia produzir. Podia até ser um blefe, mas apesar da
carreira em produção, eu ainda era uma atriz.
Deixei a casa e soltei o ar, minhas mãos tremiam e estavam machucadas
por causa da primeira madeira que quebrou no meio. Pergunta se eu me
arrependia. Nem um pouco. Bellini parou ao meu lado. Denver saiu logo
depois, trazendo os dois pedaços da madeira e o resto da cadeira. Ele botou
na mala do carro.
— Eles são uma ponta solta — avisou Bellini. — Nunca deixe pontas,
principalmente quando não tem ligação emocional com elas.
— Eu dou surra em gente quando estou muito irada. Mas eu não mato
ninguém. — disse baixo, olhando os pequenos ferimentos nas minhas mãos.
— Eles não precisam sumir hoje, mas depois eles vão voltar. Acredite.
Eu assenti e dei a volta no carro.
— Você vai para a reabilitação — informei a Nadia, abri a porta e a
coloquei para dentro.
— Rachel, por favor, foi só uma vez. Eu só queria…
Eu respirei fundo enquanto o carro saía e passei o braço em volta dela,
abraçando-a sem apertar muito, não sabia onde mais aquele desgraçado
havia batido. Ela havia levado uma surra, não foi só um soco e eu estava sem
coragem para perguntar se ele tinha abusado dela de mais alguma forma.
Então ia arranjar cuidado para ela.
— Não me importa. Você vai para a reabilitação. Tem psicólogas lá, você
vai conversar com elas. Esquecer esse cara de vez. Lembrar desse episódio
só como aprendizado.
— E o meu pai?
— Ele vai saber depois e é você que vai contar — eu a afastei e a olhei. —
Se o seu pai soubesse disso, ele ia chegar aqui e dar um tiro na cara daqueles
dois. Ia ser muito pior para todos nós.
— O que eu vou fazer? Minha mãe também não pode saber disso, ela já
não acredita em mim. Que droga! — Ela desabou de novo e escondeu o
rosto no meu ombro.
— Ninguém mais vai saber. Eu vou pagar sua reabilitação. Quando voltar,
nós vamos conversar sobre opções, à toa você não pode ficar.
Quando saímos do carro na mesma clínica de sempre, com a entrada
escondida na parte de trás, Antonio estava lá. Ele olhou o rosto da minha
prima e franziu o cenho.
— Quebrou alguma coisa? — Perguntou.
Eu olhei para Nadia, ela ficou confusa ao vê-lo, mas também não tinha
perguntado nada sobre Bellini e Denver.
— Acho que quebrei um dente — murmurou ela, com o olhar voltado
para o chão.
— Eles dão um jeito — ele moveu a cabeça, indicando a passagem
discreta.
Não era minha primeira e nem segunda vez ali, o que me lembrava o
quanto eu estava profundamente envolvida num submundo novo. A
enfermeira vestida de rosa levou Nadia e eu aguardei enquanto ela ia tirar
aquela roupa e ser examinada.
— Eu soube que você matou dois caras — disse Antonio.
— Eles morreram?
Ele cruzou os braços enquanto me olhava.
— Um deles barbarizou com a sua sobrinha e ainda a prendeu. O outro foi
cúmplice. Então você deu uma surra neles. Os dois são envolvidos com
drogas, tem armas e amiguinhos do mesmo mundo. Acha que depois de tudo
que aconteceu, vou deixar dois babacas de merda soltos para foder com a sua
vida?
Eu cobri os olhos com a mão direita e levei uns segundos só respirando.
— Eu estou com muita sede, pode ir à máquina pra mim?
Ele foi, voltou com uma garrafa de água com gás, abriu e me entregou.
Bebi um longo gole e respirei fundo.
— Não dou a mínima para eles, mas é uma merda — declarei.
— Sim, com certeza.
— Não vou resolver mais nada. Esse foi meu ponto final.
— E a sua sobrinha?
— Vai para a reabilitação. Para ver se ela nunca mais cheira nada e nem
dorme com idiotas que descem a mão na cara dela e a tratam como lixo —
balancei a cabeça, lamentando.
Senti uma estranha vontade de chorar, meus olhos arderam. Eu estava
irada e queria arrasar com a vida daqueles dois babacas, mais ainda quando
vi o estado de Nadia. Ver a minha sobrinha toda arrebentada tinha mexido
comigo.
— Droga — eu passei os dedos pelos olhos, tentando não chorar. As
lágrimas eram uma mistura de raiva, decepção e lamento.
— Tudo bem — ele me abraçou e esfregou as mãos nas minhas costas. —
Você já escolheu o lugar?
— Tem dois que são muito legais, eu queria ligar antes.
— Então liga de manhã — ele deu uma olhada no relógio, estava
escurecendo.
Eu ia levar Nadia para a minha mãe e assim que arrumasse o lugar dela na
reabilitação, ia entregá-la. Não faltavam clínicas assim nos arredores da
cidade dos ricos, famosos e viciados em todo tipo de droga. Eu conhecia
duas que ofereciam o que eu precisava para uma garota que não parava de
tomar péssimas decisões, tinha falta de amor-próprio e resolveu cheirar umas
carreiras com o namorado que batia nela.
Afinal, essa era a história de várias artistas mirins, com a mente ferrada
pela fama e vida pública desde muito cedo. Nadia foi poupada da fama,
mesmo assim ela tinha uns 80 mil seguidores no Instagram, que
acompanhavam sua vida de jovem garota bonita e desocupada que ia para a
farra em LA. Era muita gente seguindo uma menina que não postava nada
além de foto de dela e festas com o mesmo grupinho. Os posts sobre a vida
no colégio tinham terminado e ela nunca postava do trabalho que estava em
teste.
Ela até havia ganhado uns trocados com publicidades para seu nicho de
adolescentes impressionáveis, mas eu não queria incentivá-la nisso. Eu
precisava que ela adquirisse bom senso e motivações pessoais.
— Eu devia ter dito isso antes, mas nada é muito normal aqui, não é? —
Eu me afastei dele e bebi mais um gole de água. — Esse negócio entre a
gente…
Eu movi a mão, usando os dedos para nos indicar. Antonio mantinha o
olhar fixo na minha face.
— É algo indescritível e disfuncional. Nada acontece como deveria,
nenhuma expectativa é real e nem sei o pior que poderia acontecer. Você já
disse que me magoaria para me proteger.
— Eu quis dizer que teria de contrariá-la. E eu faria, Rachel.
— Entendi o que você quis dizer. O que só torna tudo mais doido. Mas se
algum dia você me machucar, se sonhar em meter a mão em mim do jeito
que aquele merdinha fez com ela, eu vou embora. Talvez, eu seja o seu
maior arrependimento, Antonio. Porque se vier para cima de mim, eu vou
pegar o que for para me defender e vai ser um desastre. Eu acabei de quebrar
alguns ossos de dois caras, se me bater, eu vou esquecer o que sinto e vou
tentar quebrar em você também. Só que você não é um babaquinha e
estaremos sozinhos, você vai revidar.
— A gente não vai enveredar por esse caminho.
— E nunca deixa de ter uma arma por perto — murmurei.
— É o mundo ao meu redor que é um perigo, Rachel. Eu não vou te
machucar. Não vou bater em você. Não é assim que vai funcionar esse
negócio entre a gente.
Eu cruzei os braços e virei o rosto. Continuava perturbada pelo que
aconteceu a minha sobrinha. Não importava as más decisões dela, nada
justificava isso.
— Rachel… — chamou ele, o tom firme como pedra.
Voltei a olhá-lo, minhas emoções borbulhavam e a tampa tinha caído, não
havia nada para deter minha derrocada.
— Eu sou doida por você, não sei que droga deu em mim que não consigo
mais pensar em não te ver de novo, eu vivo para respirar o mesmo ar que
você, meu corpo até trava com a ideia de te deixar. Mas se você fizesse isso,
eu iria embora na hora. Se tentar me dominar com porrada e me prender, eu
só vou parar de lutar quando você me matar. Enquanto houver vida em mim,
eu não quebro. Não vou querer saber quem vai me encontrar e me pegar, eu
não volto para você nunca mais.
Ele balançou a cabeça e me surpreendeu ao me apertar, ele me abraçou e
me manteve lá, não tentei me mover. Antonio fixou aqueles olhos escuros
em mim, com a testa franzida e preocupação ocupando sua face.
— Essa ideia é tão absurda que meu raciocínio falha, ferra tudo na minha
mente. Eu não estou mais doido por você, já estou fora de mim. Minhas
decisões são por nossa causa.
Eu me movi entre seus braços e ele apertou mais, não sei porquê foi mais
fácil confessar do que suportar a sensação de ouvir a voz dele ao dizer o que
eu preferia não reconhecer. Antonio possuía sentimentos e ele estava
entregando-os para mim.
— Eu possuo coisas, sobrevivo por poder, tenho apego e orgulho de
negócios e conquistas, mas não amo porra nenhuma na minha vida. Só você.
É foda, é errado, é o que você disse: disfuncional. E fico alucinado só de
pensar nisso. Nunca vou superar o que te fizeram. E a merda é que eu vou te
magoar, não tem como eu não ferrar com algo nessa história. Mas não vou te
machucar, não vou deixar mais ninguém te ferir — ele balançou a cabeça. —
Eu acredito em você.
Coloquei as mãos sobre o rosto e balancei a cabeça, a garrafa gelava a
dobra do meu braço. Antonio queria ferrar comigo. Eu não estava com o
emocional controlado o suficiente para lidar com meus sentimentos por ele e
os dele por mim. Era um nocaute. Já podia entrar o comercial com Justin
Timberlake cantando TKO. Eu estava na lona.
— Já pode ficar com ela — disse a enfermeira de rosa, olhando da porta
do consultório.
— Ela já vai — Antonio disse sobre o ombro.
Ele abaixou minhas mãos e disse:
— Vai ficar tudo bem.
— Não, não vai — neguei.
— Nós vamos resolver isso.
— Não! Estamos presos no inferno! Eu também te amo, seu diabo
maldito! — Eu segurei o rosto dele e o beijei repetidas vezes, mas o deixei lá
e entrei no quarto para colocar algum espaço entre nós.
◆◆◆
Pólvora 16:23
Você não fez a mala?
Raye 16:25
Não
Raye 16:25
Mas eu nunca desfiz, não vou ficar no iate
Pólvora 16:26
Deixa tudo aí, vem me encontrar
Raye 16:27
Deixa tudo aqui… você é engraçado. Mas dos
biquínis você gosta
Pólvora 16:28
Eu te compro um mar de biquínis aqui. Vem me
encontrar
Raye 16:29
Que horas são aí?
Pólvora 16:30
Uma e pouca da manhã. As lojas abrem às 9:30,
você tem tempo suficiente para repor tudo
Raye 16:31
Eu consigo viver uns dias só com uma mala
Pólvora 16:32
Duvido. Estarei te esperando em Nápoles
Capítulo 24: A presto, Lorenza
PÓLVORA
— Tem cinco anos que você não vem aqui? — Perguntou Vittorio, quando
já estávamos a caminho do cemitério.
— Sim, conforme as coisas só pioravam, eu fiquei sem tempo de vir
lamentar no colo da minha mãe.
— E nosso pai? Por que ele ficou lá?
— Lorenza nunca quis ser sepultada com ele — eu virei o rosto para ele,
entre todos os assuntos que estávamos tentando colocar em dia, nossos pais
não eram um tópico favorito. — Não era esse tipo de amor.
Eu não tinha ilusão alguma sobre o meu irmão mais novo, ele já tinha sido
corrompido e endurecido. Vittorio não estava imaginando um amor utópico
entre nossos pais, ele simplesmente não tinha informações para imaginar
nada. Eu tive cinco anos a mais para conviver com eles e entender minhas
lembranças com um olhar adulto. Assim como eu, ele nem acreditava nesse
tipo de sentimento que sepulta apaixonados juntos sob o véu do amor eterno.
Se ele precisasse de um exemplo, eu teria de falar sobre meu problema
com Rachel. Era tudo que eu tinha, nada mais. Era poderoso, violento e para
ser vivido intensamente a curto prazo, antes que eu parasse de respirar ou
provocasse sua morte. E ninguém me convenceria que isso não era a
desgraça do amor, obsessão nenhuma me subjugaria assim.
Difícil era saber a hora de parar. Nesse momento eu não conseguiria. Nem
visitar o túmulo da minha mãe me tranquilizou. Estava inquieto e
insatisfeito, minha roupa era sob medida, mas parecia pequena. Eu só
sossegaria quando visse Rachel no mesmo metro quadrado onde eu estava.
Ela ia devolver meu equilíbrio habitual porque eu ia botar as mãos nela e
tragá-la até forçar a serenidade de volta.
— Eles funcionavam do jeito deles. Ela fingia que não sabia se ele traía.
Ele a protegia, dava tudo a ela e as crianças. Eles planejavam mais filhos
enquanto ele incomodava muita gente ao crescer em dinheiro e poder, então
ele não quis dançar conforme a música… o resto você sabe.
— Na verdade, não sei — lembrou ele.
— O que te contaram?
— Quase nada. Nossa avó só falava do nosso pai em termos de perda e no
quanto ele conquistou em vida. E pintou nossa mãe como uma flor bela e
frágil. Porque na cartilha de Linda Cali, se alguém te machuca, você não se
destrói, você se vinga.
— É difícil de engolir, mas ela não está errada, está?
— Não — ele olhou pela janela enquanto balançava a cabeça.
O carro chegou e aquela conversa desconfortável teria que continuar no
cemitério ou em outro dia mórbido. Entramos, com flores novas para
Lorenza e seguimos até seu túmulo. Agora os dois irmãos estavam mortos,
ela e Nascari. Existia mais uma irmã que se mudou para o norte do país. E
outros familiares perdidos.
De um jeito ou de outro, o túmulo estava sempre limpo e bem cuidado.
Um de nós mandava os fundos para a manutenção e pelo pouco contato que
eu tive com meus parentes maternos, os mais velhos ainda visitavam. Era
uma grande construção em mármore, com uma placa em bronze, com
dizeres em sua homenagem e uma representação dela, feita direto no metal.
A família mentiu sobre a morte dela, queriam um enterro católico e sem
perguntas. Seu corpo chegou a Itália com a informação de que ela foi
assassinada. Sinceramente, foi o que fizeram. Deixaram um corpo morto
voltar para casa para se despedir de mim e sofrer por dois dias, antes de não
suportar mais o peso de ter ficado viva. Eu tinha 10 anos e sabia que minha
mãe estava morta, ela não voltaria a ser aquela que eu conhecia.
— Creio que também vou demorar a voltar — Vittorio deixou suas flores,
ele não estava falando comigo.
Era a primeira vez que a visitávamos juntos. Vinte e cinco anos depois de
ela ser enterrada. Não contei ao meu irmão sobre a promessa que fiz de
encontrar seus restos mortais e trazer para enterrar com Lorenza.
Não foi só para isso que voltamos. Estávamos no país há quatro dias,
Vittorio terminou umas questões. Ele não tinha fugido de vez para Nova
York, tinha ido ficar uns dois meses para descobrir mais sobre o passado e
ficar longe do seu trabalho. Em seu último contrato, ele tinha de matar um
traidor, mas percebeu que era uma cilada e ele ia ser exposto como culpado.
A essa hora, estaria na cadeia ou seria um fugitivo procurado. Então ele
matou o cara que o contratou, sumiu com ele e partiu.
Ele ficou de pé, parou ao meu lado e esperou que eu colocasse minhas
flores e fizesse minha oração por ela. Nós sequer orávamos pro mesmo
Deus, mas Lorenza era católica e eu sabia de cor seus ritos preferidos. Não
falei em voz alta, só sentei lá um pouco e passei a mão pelo rosto, enquanto
escutava os pássaros emitindo sons diversos nas árvores em volta. Tinha
uma base mais baixa bem à frente da estrutura, parecia ser feito para isso:
sentar e confessar. O que Lorenza me diria nesse estágio da minha vida? E o
que eu poderia lhe dizer que fosse só sobre mim?
Mãe, milagrosamente, continuo vivo.
Conheci alguém. E eu quero mantê-la comigo.
Acabei cumprindo a promessa que te fiz.
E sinto muito que levou todo esse tempo para virmos aqui.
Se a vida permitir, volto outra vez.
Fiquei de pé e olhei o relógio, não íamos demorar. Minha ligação com
esse país era a minha origem, não estava devendo nada. Mas meu irmão
ainda estava comprometido.
— Eu sabia, antes do DNA. Estava bem ferrado no barco e no avião, não
pensava direito, ainda mais com a injeção que você me deu. Mas naquela
clínica, quando você voltou, vi a tatuagem no seu pescoço. Quem mais ia
tatuar um ALGN?
Ele moveu o braço, indicando o que eu já sabia. Ele teve a mesma ideia
boba e sentimental. Minha sigla estava na vertical, do lado direito do meu
pescoço, mais para a parte de trás, poucos centímetros abaixo da orelha. A
sigla dele estava na parte da frente do braço, na horizontal, dois dedos acima
da dobra do cotovelo.
Todo mundo só a conhecia como Lorenza Denaro, antes disso ela foi
Lorenza Nascari. Mas ela também se chamava Lorenza Alagna por parte de
mãe. Alagna: ALGN. Fiz quando era bem mais novo, imagino que ele
também. Mas não tinha nada a ver com maturidade, eu faria de novo. Mães
são eternas. Especialmente quando as poucas lembranças boas que tem dela
na infância só incluem carinho, cuidado, amor… e uma tragédia.
— Eu só vi a sua tatuagem quando você recebeu alta, pois antes você
estava todo coberto de gaze e esparadrapo — provoquei.
Vittorio sorriu e deu uma olhada no visor do celular para ver a hora. Ele
disse que os desgraçados de NY levaram o relógio que ele gostava, seus
pertences ficaram lá e ele só teve tempo de deixar o barco e comprar o
básico para o seu guarda-roupa. De qualquer forma, segundo ele, não
morava muito tempo em lugar nenhum, suas roupas cabiam numa mala. Mas
trajava um terno para visitar a mãe.
— Vou esperá-lo ali, ela gosta de paz e nós dois somos caos e problemas
— disse ele, dando uma última olhada para o túmulo da nossa mãe.
Éramos dois adultos com problemas de superação sobre o fim brutal da
mãe. Quando eu tinha onze anos, a psicóloga do colégio disse que era
normal eu sentir que a morte da minha mãe era o fim da minha principal e,
talvez, única conexão emocional, mas que eu teria muitas outras. Era
verdade, mas ela também estava errada. Ela não sabia quem eu era. Muito
menos quem eu me tornaria.
Pessoas como nós não forjam conexões com facilidade e nem devem fazê-
lo. Nosso tipo de vida não permite. Vira fraqueza e sentença de morte. Como
disse Vittorio, somos caos na vida de qualquer pessoa, especialmente
daquelas que nos importam.
Chegou uma mensagem no meu celular, olhei e me afastei, para a conexão
que mais me importava.
Capítulo 25: I Fell in love with the
devil
GASOLINA
Deixei o país só com Bellini e Iana, dessa vez nem ela ficaria no iate, mas
não significava que estaria ancorado na marina de Los Angeles o tempo
todo. Seria visto por aí, como uma distração, para não saberem se Antonio
tinha ou não retornado. Ele partiu e a assessoria deixou escapar que ele foi se
recuperar e visitar parentes fora do país. Tudo para manipular a opinião
pública e confundir o tal do Morales que também não era visto há semanas.
Eu não falei mais com ele, só trocamos mensagens quando ele descobriu
que eu não estava pronta nem para ir ao aeroporto. Não falamos muito desde
o dia na clínica, na manhã seguinte eu fui deixar minha sobrinha na
reabilitação e ele deixou a cidade.
Aproveitei que Annika estava na cidade e fui com ela para resolver uns
contratos dos seus novos trabalhos, também a tranquilizei. Já não me sentia
tão culpada por mentir; ela estava feliz com o papel que conseguiu. E eu
estava contente por ela não ter notado meus seguranças ou meu jeito
esquivo. E por saber que ela ia sair da cidade de novo. Não podia perder a
única amiga real que me sobrou, mesmo que precisasse permanecer afastada
por um tempo.
Nós só partimos três dias depois e chegamos lá no quarto dia, eu também
tinha minha vida para resolver e desculpas para inventar antes de deixar LA.
Arrumei para fazer as consultas por vídeo com a psicóloga e os treinamentos
com o professor de teatro que ficou aliviado por não correr o risco de
encontrar Antonio.
Pelas informações que recebemos, quando desci no aeroporto de Nápoles,
estava trajada de acordo com o local onde iam me levar: vestido e chapéu
pretos, com óculos escuros, bolsa e sapatos de acordo. Bellini e Iana também
se vestiram como se a ocasião pedisse. Fazia tempo que eu não ia a um
cemitério, meu pai escolheu a cremação.
Quando passei em meio aos túmulos altos e o vi se aproximando, foi
como se nem um dia tivesse passado e uma eternidade houvesse se
estendido. Parei entre as sepulturas altas, com cruzes em seus topos e
mármore escurecido cobrindo-as. Ele se aproximou em seus trajes escuros e
planejados, escolhidos para a ocasião, uma visita formal depois de tanto
tempo.
Juntei as mãos e apertei o polegar, o que eu disse não foi um impulso
coisa nenhuma. Poderia me arrepender de tudo, mas não de dizer a verdade.
Eu estava apaixonada por aquele maldito diabo e estava para lá de
encrencada. Pode trocar a música, coloca a Avril Lavigne e seu obscuro I
Fell In Love With the Devil. Era meu novo tema e nada poderia me salvar
dele ou de mim mesma.
Levantei o olhar para sua expressão quando ele parou a minha frente e
pousou as mãos nas laterais do meu rosto e pescoço. Antonio me observou
como se pudesse ler as informações que queria estampadas na minha face e
no jeito que eu o encarava. Eu acho que podia.
— Gasolina — murmurou ele.
— Pólvora — respondi.
— Fogo — completou e seu olhar se iluminou. — Você veio.
Suas mãos deslizaram para minhas costas e eu me encaixei naturalmente
entre seus braços. A aba flexível do meu chapéu se dobrou sobre o ombro
dele, encostei o rosto contra ele e fixei o olhar nas flores que deixaram junto
a uma daquelas estruturas.
— Achou que eu ia te dar uma volta?
Ele balançou a cabeça.
— Não, mas com você prefiro ver e sentir em vez de pressupor — suas
mãos desceram pelas minhas costas e senti o aperto na cintura. — Vem
comigo.
Em vez de deixarmos o cemitério, ele me guiou até um espaço mais
afastado e paramos à frente de um túmulo com flores recém-colocadas de tão
frescas, também estava limpo e bem cuidado. O tempo havia agido na pedra,
mas não a degradou. Li o nome e era exatamente quem eu não esperava
“conhecer”, mas sabia estar na sua casa.
Bom dia, Lorenza. É um prazer conhecê-la, mesmo que preferisse que
fosse em outras circunstâncias.
Avistei Vittorio de longe, recostado perto do caminho principal. Não me
importava quem eles eram, meu coração apertou ao ler o nome na sepultura.
Todos esses anos de uma relação inexistente entre eles e era assim que
vinham aqui para visitar a mãe.
Foi uma parada breve, eu não tinha flores para ela, vim direto do
aeroporto. Antonio me levou pelo caminho principal e Vittorio seguiu na
frente. Bellini e Iana deixaram o cemitério uns cinco minutos depois, acho
que também tinham alguém para visitar ali. Eu já tinha parado de me
surpreender em como a vida dessas pessoas era entrelaçada.
— Te encontro no hotel — Antonio avisou ao irmão, enquanto me levava
para o veículo em que eu vim.
Ele abriu a porta e entrou comigo, tirei o chapéu e deixei sobre o colo, ele
sentou junto a mim e passou o braço pelos meus ombros.
— Que hotel é esse? — Perguntei.
— Perto da costa, é discreto.
— Para partir mais rápido?
Antonio só assentiu e me beijou, segurei-me a ele que mantinha meu rosto
em sua mão, apagando meu raciocínio e criando um redemoinho de prazer e
paixão onde eu ficava presa quando ele me fazia mergulhar nele. Senti o
carro entrar em movimento para nos levar ao hotel com o qual não me
importava mais. Ele me puxou para mais perto, meu chapéu caiu no chão do
carro quando me deixei inclinar até seu peitoral ser meu principal suporte.
Não sei o que estava pensando, porém, ao vir encontrá-lo, não sabia o que
esperar e não pensei que ele ia me beijar agora. Não passei um batom seco,
era um gloss hidratante que deixou seus lábios brilhando e avermelhados.
Tateei em busca da abertura da bolsa, lá dentro tinha lenços embalados, não
cabia muito mais além disso e o celular.
Ele me beijou de novo e desisti de nos limpar do brilho do meu gloss. Nós
estávamos em um utilitário escuro com Bellini e Iana nos bancos da frente,
não tinha divisão, não falamos mais nada. Só o usei como minha grande e
quente almofada, que conseguia me abraçar de volta.
O hotel era um perfeito exemplo da arquitetura histórica de Nápoles e
mais parecia uma grande mansão, tinha três andares e uma decoração
organizada, vívida e personalizada que em nada parecia com o estilo
perfeitamente padronizado dos grandes hotéis de redes mundiais. Das janelas
dava para ver o Golfo de Nápoles tomando a paisagem e o Vesúvio ao longe.
Só ao chegarmos que percebi que Vittorio não nos seguiu no outro carro,
pelo que entendi ele costumava morar naquela região, devia ter seus assuntos
para terminar. Pois ele ia voltar para LA conosco e pretendia chamar nossa
cidade de lar.
Se todos nós sobrevivêssemos.
Não vi outras pessoas quando entramos e pelo tamanho do hotel e o
número de quartos necessários, eu nem queria saber como eles reservaram o
que devia ser o local todo no fim de verão numa das cidades turísticas mais
visitadas do sul do país. Uma das coisas que descobri antes de Antonio e eu
nos separarmos, foi que a família materna dele costumava viver em Nápoles,
por isso Lorenza foi enterrada nos arredores da cidade. Quando soube que
Vittorio viveu não muito longe dali, comecei a criar teorias, mas teria de
descobrir mais.
Antonio puxou minha mala tamanho GG: grande, larga e rígida. A suíte
era no terceiro andar, vinha com uma sala contínua, era tão espaçosa que só
tinha duas no hotel. Meu olhar se prendeu num armário de cor vermelho
vívido, na cama branca, no sofá cor de areia e nas vigas de mármore que
pareciam ter séculos. As paredes tinham um padrão branco e azul, mas
apesar do espaço e amenidades, dava impressão de sermos convidados numa
casa tradicional e não hóspedes sem rosto.
— Você continua me levando para os lugares sem me informar o traje
necessário — acusei e ele riu.
— Seu vestido é lindo e eu imagino que caiba muitos trajes numa mala
desse tamanho.
— Eu disse, precisava só de uma mala. Deixei o resto lá — “resto” não
descrevia tudo que ficou, eu estava vivendo com minhas malas, incluindo
itens antigos, novos e recebidos. Era como um closet ambulante. Consegui
resumir tudo em uma mala grande e uma mala de mão que eu trapaceava e
não contava porque parecia uma bolsa de couro. Fiz a seleção imaginando
que permaneceríamos no litoral.
Atravessei o quarto assim que a porta bateu e minha mala enorme estava
segura do lado de dentro, larguei a mala de mão perto da janela, descansei a
clutch de ombro numa mesa e dei uma olhada na costa. O hotel não era
grudado ao mar, mas a vista era desimpedida, o dia só não estava aberto,
estava nublado e prometendo chuva para o fim da tarde.
Antonio se livrou do paletó, estávamos todos com a mesma paleta de
roupas pretas para a ocasião. Ele apareceu atrás de mim, senti seu corpo se
encaixando ao meu, seus braços em volta do meu torso.
— Você demorou — disse ele.
— Demorei?
Ele me girou e eu descansei os antebraços sobre seus ombros enquanto
observava seus olhos de pólvora se fixarem no meu rosto.
— Isso não vai funcionar, eu me arrependi no avião. Posso te dar o que
pedir, mas um tempo, com você em LA e eu do outro lado do oceano; não
vai acontecer mais.
— Foi estranho — prensei os lábios, não estava acostumada com esse tipo
de relação em que a falta da outra pessoa era um incomodo ativo e
verdadeiro. Muito menos em deixar isso transparecer.
— Não consigo relaxar o suficiente para dormir, vou te proteger de mim
de outro jeito. E você vai resolver suas coisas em menos tempo. Quatro dias,
Rachel? Para quê?
— Nós dois sabemos porque eu enrolei e porque você foi sem dizer muito,
a gente se retrai depois de se expor demais.
— Eu ia te buscar se você não aparecesse aqui na hora. Você é um
aprendizado constante para mim, mas não vou assimilar a parte em que nos
separamos.
— Me atrasei só um pouco. Você sai para conquistar sei lá qual mundo,
mas volta para dormir comigo. É assim ultimamente, vir te encontrar em
outro país é admitir de novo que me apeguei a essa realidade.
— Essa se tornou nossa única realidade, Raye. Eu vou voltar para onde
você estiver. Você pode me mandar para o inferno ou me dar um tiro.
— Não… Pode voltar, eu deixo.
Eu o puxei pelo rosto e o beijei, desejava-o exatamente onde estava. Suas
mãos desceram pelo meu corpo com uma familiaridade excitante até
segurarem meu traseiro. Talvez fôssemos matar a saudade de dormir juntos,
mas seria mais tarde. Ele abriu meu vestido e o empurrou dos meus ombros,
esfregou seu rosto no meu colo, senti seus lábios no meu pescoço, beijando
minha pele enquanto ele respirava meu cheiro e me mantinha perto.
Antonio subia pelo meu pescoço e me arrepiava e beijava, eu gostava, ele
dizia gostar do resultado do perfume na minha pele. Usei pouco quando saí
do banho no avião e ele procurou o cheiro, fazendo-me sorrir e me
desmanchar. Sua barba arranhou entre meus seios, eu usava um meia taça
que não cobria muito sem a proteção do vestido.
Ele levantou o rosto e eu o beijei, Antonio me tirou de perto da janela,
meu vestido tomou um fim pelo chão. Até o jeito que ele me abraçava contra
seu corpo era excitante, achei que já teria superado essa fase, mas ele me
tocava e pronto. Abri o cinto dele, desci seu zíper e puxei a camisa para fora,
Antonio não perdeu tempo com os botões. Vislumbrei seu peito exposto e
quis me esfregar nele inteiro.
Envolvi seu pescoço enquanto ele empurrava a camisa pelos braços e
tentava não parar de me beijar. Antonio pegou por baixo do meu traseiro e
me levantou só para me botar mais perto da cama, como se eu não soubesse
que era para lá que ele queria me levar, pelo jeito não seria na janela dessa
vez.
— O ombro, seu doido dormente! — Reagi, me segurando nele.
A gente tombou por cima do pufe comprido que ficava junto aos pés da
cama, eu ri quando caí sobre ele, lá se foi a preocupação com o ombro.
— Passa um tempo por cima em prol do meu ombro — sugeriu o
descarado dormente com ombro de aço e um sorriso enorme.
— Você não tem um pingo de vergonha e autopreservação — eu beijei
seus lábios, sobre o seu resquício de sorriso.
Sentei sobre as coxas dele e Antonio se apoiou nas mãos e me olhou.
— Que sutiã bonito, Raye. Tira pra eu ver.
— Você gosta de me ver tirar a roupa. Confessa — é claro que meu sutiã
era lindo, Savage Fenty nunca decepcionava, nem pra mim que gostava de
me ver na lingerie e nem para o boy sacana com quem eu transava e adorava
ver a beleza da peça saindo do meu corpo.
O olhar dele acompanhou o sutiã descendo pelos meus braços e expondo
meus mamilos eretos. As mãos dele rodearam minha cintura, Antonio beijou
meus lábios, depois beijou sobre o meu mamilo.
— É disso que eu mais gosto, Gasolina — ele me experimentou, lambeu
meu mamilo e o tomou na boca.
Eu apoiei as mãos nele e me ofereci para a exploração. Antonio me
segurou e ficou de pé, colocando-me no pufe e se inclinando sobre mim para
me beijar. Empurrei sua calça que desceu o suficiente para me mostrar mais
daquele corpo que me excitava facilmente. Ele deu uma olhada da minha
calcinha, tão bonita quanto o meu sutiã, mas sorriu quando a puxou pelas
minhas pernas. Eu achei graça da sua satisfação.
Ele me puxou para a beira do pufe e ajoelhou, beijou minha barriga e
desceu até beijar meu ventre, quando deitou a cabeça para trás e me encarou
com aqueles magníficos olhos escuros, salpicados e desejosos, pelos quais
eu tinha uma queda terrível, não pude fazer nada além de me inclinar e beijá-
lo.
Antonio roçou os lábios ainda úmidos do meu beijo pelo interior da minha
coxa e puxou meus quadris para a beira, obrigando-me a inclinar para trás.
Eu senti seus lábios nos meus lábios externos, ele beijou bem na dobra da
minha virilha e elevou as minhas coxas, expondo-me para ele. Sua
respiração quente me causou excitação, sua língua deslizou pelo meu
clitóris, ele repetiu o movimento lento e eu estremeci, um gemido baixo
deixou meus lábios, meus olhos se fecharam enquanto as primeiras
sensações me envolviam como um casulo.
Olhei para baixo, observá-lo ali sempre me deixava super estimulada. Ele
estava de joelhos entre as minhas pernas, seu rosto pressionado no meu sexo,
seus braços contra o meu corpo, suas mãos segurando meus seios. Meus
dedos afundaram nos seus bíceps, ele controlava o meu corpo, mas estava
relaxado. Antonio gostava de me ver ter prazer, mas ele havia fechado os
olhos, com sua testa levemente franzida e seus lábios selados em mim. O
desgraçado era bonito até enquanto chupava uma boceta.
Ele levantou o olhar e apertou meus mamilos, irradiando um choque de
dor prazerosa que desceu pelo meu corpo diretamente para onde a boca dele
estava. Eu reagi, movendo as pernas e ele me conteve.
— Abre as pernas e só se mexe para gozar — ele apertou meu tornozelo,
eu tornei a me expor para ele.
Seus dedos entraram em mim, deslizando facilmente de tão molhada que
estava, Antonio beijou minha coxa e me estimulou com dois dedos.
— Porra, Rachel. Encharcada pra caralho — ele sussurrou com aquele
tom de que tinha exatamente o que queria. — Me dá mais.
Eu não tinha muito mais para dar, ele sabia que eu ia gozar, só não ia me
ceder isso facilmente. O jeito que seus dedos esfregavam e bombeavam,
instigando as partes mais sensíveis na entrada do meu sexo, causando
espasmos de prazer. Ele esfregou sua língua no meu clitóris inchado, o
contato insistente me deixou na beira.
— Por favor, por favor — eu não era de pedir muito, não dava tempo, mas
as vezes a necessidade era maior.
Tombei no pufe, os gemidos saíam sem parar, ele apertava meu tornozelo
para me manter do jeito que queria, com sua boca e seus dedos em mim.
Antonio me chupou até eu explodir em sua boca. Foi uma bagunça, eu gritei
e tentei me segurar, minha boceta pulsava continuamente. Cerrei os olhos e
cobri o rosto, perdi o controle dos músculos das pernas, só sabia estar
tremendo. Ele tirou os dedos e eu estava tão sensível que foi outro tiro no
meu corpo.
Olhei para baixo, ofegante e sem palavras. Estava molhada, causei um
estrago na droga do pufe e não tinha consciência suficiente naquele instante
para sentir culpa. Antonio estava satisfeito e faminto. Ele ficou de pé e
terminou de empurrar a calça, expondo a ereção grossa e dura pra caralho. E
eu não tinha a menor condição. Ele não queria minha boca, não queria um
ótimo oral. Só queria trepar.
Antonio empurrou minhas coxas, nem se preocupou em passar para a
cama. Apoiou os braços por baixo dos meus joelhos e me preencheu. Um
grito curto deixou meus lábios, meus olhos se encheram de lágrimas e eu
latejei em volta do seu pau, apertando-o no meu interior. Aquele desgraçado
maravilhoso se moveu, eu vi estrelas e meus dedos afundaram no pufe.
Ainda achava que ia cair dali, mas que se danasse, porque ele me fodeu.
Minha cabeça dançou no ar e ele me pressionou. Mas quer saber, o pufe
não tinha estrutura para aguentar aquele homem se apoiando por cima de
mim. A gente caiu no tapete felpudo que cobria o chão a frente da cama. Ele
absorveu o impacto e me rolou sobre seu corpo. Apoiei os joelhos no chão,
as mãos sobre a pele tatuada do seu peito, Antonio me pegou pela lateral do
cabelo e pelo quadril. Sentei no seu pau e ele me elevou, ajeitando no lugar.
— Fode rápido, Rachel, porra — mandou ele, puxando meu cabelo entre
os dedos, causando um choque entre a dor, o prazer e a excitação que ele me
causava.
Antonio bombeou e eu revidei. Continuava tão molhada que ele entrava e
saía repetidamente indo até o fundo do meu sexo. Ouvia nossos corpos se
chocando, mas meu corpo nunca desceu daquela nuvem de êxtase, ele só
prensava mais e mais camadas na minha perdição. Ele me puxou para baixo,
doía, droga. Mas eu queria. Vi seus olhos queimando de tesão, nem perto de
estarem anuviados, porque ele precisava de mais. E eu só conseguia gemer
para ele.
— Sentiu tanta falta que não consegue nem falar, sua desgraçada gostosa
— ele me puxou, minha boca cobriu a sua e eu ri um pouco, não conseguia
falar mesmo.
— E você é doido por mim. Só por mim! — consegui dizer, ofegante, só
para desafiá-lo.
— Viciado, caralho! Mais forte! — ele me deu um tapa, bem na parte
mais macia, como se meus quadris precisassem pegar no tranco.
Sua mão desceu do meu cabelo para o meu pescoço e ele apertou,
mantendo-me levemente inclinada do jeito que ele queria assistir. Eu
estremecia sobre ele, incapaz de qualquer controle. Gemi, choraminguei e
gritei, com minhas unhas afundando nele e o gozo me roubando da realidade
outra vez.
Antonio me tombou, apoiou as mãos no tapete e me arrasou quando meteu
de novo. Apertei-o com as pernas e ele tirou de mim até o último resquício
de reações e sensações. Meu corpo tinha virado uma mistura de carne,
nervos e tesão, porque meus ossos e músculos eram gelatina. Ele me marcou
com sua boca em meu pescoço, seus dentes mordiscaram e eu o arranhei tão
forte que ele grunhiu e se arqueou sobre os braços. Ele parou um momento
sobre mim, com todo seu peso, os músculos fortes de suas coxas e braços
mantendo-me no lugar.
Seu corpo inteiro se arrepiou e ele estremeceu tão intensamente que achei
que tombaria sobre mim. Mas ele se moveu, gozando dentro do meu sexo,
inchando, retesando e relaxando por segundos deliciosos que ele cavalgou
até a última gota que seu corpo ia ceder.
Só então ele me cobriu completamente, beijou meu pescoço onde antes
tinha machucado, sua boca grudou na minha e o beijo foi molhado, quente e
caótico. Antonio deixou meu corpo e parecia que eu tinha molhado tudo de
novo. Ficamos no tapete. Aquilo ia doer mais tarde, mas no momento só
respirávamos sob aquela nuvem quente e mágica do pós-orgasmo.
Eu sei que havia saudade e tal. A falta de segurança sobre o nosso
reencontro e ele despejou seus sentimentos sobre mim e também sobre voltar
aqui depois de tantos anos. Mas a realidade é que a gente também não sabia
se comportar depois de se declarar e ia compensando do nosso jeito torto.
— Saudade — foi tudo que ele disse.
— É assim que você sente saudade? — Murmurei.
Não sei se ele me ouviu, mas descansou a mão na minha coxa e virou o
rosto para mim:
— Mente pra mim — juro que não foi um pedido.
Também virei a cabeça para ele e disse:
— Não.
Então voltei a olhar para o teto e falei a verdade:
— Saudade.
Não sei se ele sorriu, mas imaginei que sim.
◆◆◆
Annika 07:35
Como assim saiu da cidade?
Annika 07:38
Você sabe que vou gravar fora de LA, né?
Raye 08:43
Enlouqueci! Fui atrás do cara da comida. Te
encontro na volta. Fica segura!
Nós só ficamos na Itália por mais um dia. Vittorio voltou com uma mala
pequena e disse que era tudo de relevante que tinha para levar dali, porém,
Antonio e ele saíram naquela manhã. Eles continuavam conversando em
italiano em certos momentos, principalmente quando Vittorio estava alterado
e eu só entendia umas partes que me davam pistas do rumo da conversa.
— Usei o Cali enquanto crescia, durante a infância eles nem me disseram
o nome do nosso pai até eu mesmo o aprender no colégio. Então me
instruíram a não contar de onde vinha, para minha segurança. Eu soube mais
quando fui visitar nossa avó em NY, já com uns dezesseis anos e não entendi
porque nunca conheci ninguém mais além dela. Ela que vinha aqui visitar
por uns dias, gostava de passar uma parte do verão.
— Eu não tinha muito contato com ela, vivemos em lados opostos do país
e eu não podia ir a NY. E quanto mais crescia, menos queria me relacionar
com ela. Eu sabia a história, tirando a parte de você não estar perdido numa
vala — disse Antonio.
Eu estava na mesa com eles, entretida no assunto enquanto não parava de
mastigar meu café da manhã.
— Não foi só Linda que mentiu, eles tinham de saber algo ou teriam sido
tão enganados quanto eu. O que seria impossível — Vittorio virou um gole
do seu café. — Eles sabem que você existe, Diabolik.
Eles estavam nesse assunto justamente porque iam até lá juntos, no último
lugar que Vittorio iria antes de partirmos. Antonio ia com ele visitar seus
parentes italianos da parte da sua avó, com quem ele nunca teve contato. E
foi por isso que ela mandou o neto para lá e ela mesma retomou o contato.
Eram relações familiares bem estranhas, Vittorio não foi criado na cidade
grande, mas numa típica cidade do sul italiano, cheia de prédios históricos,
com alguns castelos, palazzos medievais, como ele me disse. E também
igrejas e basílicas.
— Torno presto, Benzina — Antonio beijou meu rosto e se despediu
enquanto falava com o irmão.
Nós nos separamos de novo, dessa vez eu o encontraria no aeroporto. Não
creio que eles achavam que estavam indo para algo perigoso, Vittorio estava
tenso porque voltar ali e encarar a mentira na qual viveu mexia com seus
sentimentos.
— Eu quero sair, vou olhar o que tem por aqui, tem uns prédios históricos
aqui perto — avisei.
— Dá tempo de ver umas butiques — disse Iana, olhando o relógio
delicado e caro em seu pulso. — Butiques italianas e superfaturadas — ela
abriu um sorriso.
Eu ainda não sabia exatamente qual era o trabalho de Iana, atualmente ela
era minha nova babá junto com Bellini, seu marido e minha sombra. Tá, eu
disse “babá” por ironia, ela era um alívio como companhia feminina. Sempre
que estava com Antonio eu ficava rodeada de homens, entrei nessa situação
inesperada de morar com ele e até o chef que vinha umas vezes na semana
preparar a comida e deixar coisas prontas era um homem.
— Ótimo! — Peguei a bolsa e a segui. — Eu marquei algumas coisas no
mapa do celular, queria ver.
— Então vamos lá em cima deixar as malas prontas. Podemos ir de lá.
Flavio não vai nos atrapalhar — ela virou na direção dos elevadores.
Ah, sim, ela só chamava Bellini pelo primeiro nome. O que ainda me
custava segundos para identificar, pois na minha cabeça além do seu
sobrenome, só o chamava de “outro careca”. E a verdade era que Ogul era
realmente careca, já Bellini tinha a sombra do cabelo tão rente em seu couro
cabeludo que eu me recusava a mudar o apelido.
Então, eu vi as butiques sim, várias delas, marcas famosas na via principal
e outras menores e ótimas, espalhadas em ruas finas. Nós duas entramos,
compramos roupas, acessórios, chapéus… depois comemos e vimos alguns
dos locais que marquei no mapa. “Flavio” e o baixinho de bigode não
atrapalharam em nada. Eu estava ficando melhor em fingir que eles não
estavam ali, não sei dizer se isso era bom ou ruim.
Capítulo 26: Arrivederci, Zia
ANTONIO
◆◆◆
◆◆◆
No começo da tarde, ele me levou de volta, pensei que nos separaríamos
pelo resto do dia, era quarta-feira e a Califórnia estava acordada e
trabalhando. Antonio não tirava folga como pessoas ditas normais. Mesmo
numa ilha na Europa, eu podia ver e sentir momentos de tensão entre os
rapazes depois que falavam ao telefone ou saíam do escritório.
Tudo bem para mim, a gente estava conseguindo passar um bom tempo
juntos, mais do que qualquer dia em Los Angeles. E eu tinha roupas para
fotografar, dinheiro para fazer com o contrato de um filtro solar que fechei
pouco antes de deixar LA e vídeos para gravar exaltando a fórmula pensada
para peles étnicas.
E eu tinha um roteiro na mala, nem tinha entrado em pré-produção ainda.
Fui atraída por ser um filme adolescente que seria gravado durante o dia em
locações externas e dentro do estúdio. Não dá para negar o que te move.
Ainda ia pagar menos do que vender meu tempo e imagem na internet, mas
de verdade, era isso que eu gostava de fazer. Era como diziam: o meu
chamado.
— Está com a tarde livre? — Indagou Antonio, aparecendo à frente das
janelas.
Lá estava meu outro chamado, esse se entrelaçou com a minha vida e
encontrou espaço em um terreno que eu achava pertencer só aos sets de
filmagem. Eu vivia e respirava os projetos que ajudava a tornar realidade,
agora meu coração pulsava por esse homem, para viver meu próprio filme
em vez de criar os dos outros.
Quantos minutos teria o filme? Quantas temporadas estavam programadas
para a série? Era informação básica de todo projeto. E eu não sabia dizer
nem se era filme ou série.
— Aqui eu estou sempre livre — eu abri as mãos.
Essa hora o sol estava forte, com tudo aberto até usávamos óculos escuros
dentro da casa. Durante o dia nunca abaixávamos as coberturas, Ibiza estava
sempre dentro da casa conosco.
— Não — ele balançou a cabeça e se aproximou.
— Mas eu posso mover meus horários para quando quero.
Ele subiu as mãos pelo meu torso e me segurou, levantei o rosto e recebi
seu beijo.
— Desde que nossa situação mudou, as coisas têm ido rápido demais —
ele se afastou e foi até o closet.
Eu já havia ouvido essa frase, geralmente ela era o anúncio de uma
conversa complicada que não acabava bem. Ao menos era assim nas séries
de TV.
— E desviou minha atenção para todos os lados — ele continuou ao
retornar para perto de mim.
— Não parece, mas estou perdidinha — comentei.
— Esses desgraçados me mantiveram tão absorto que desviei dos meus
propósitos mais importantes.
Antonio estava com uma caixa azul e eu já tinha visto esse filme, ele não
prometia sem motivo e eu estava pronta para minha nova auréola. Ganhei a
última há poucos meses e também esqueci dessa nossa particularidade, muita
coisa rolando e se aquela houvesse sido a última, para mim tudo bem. Ia
guardá-las como uma lembrança de que existimos juntos.
Tirei a tampa da caixa e encontrei a caixa menor, era coberta com aquele
veludo suave das caixas de joias. Ele tirou de lá para mim e abriu, não era
um arco, era uma tiara.
— Com essa eu acho que não vou poder ir tomar café na esquina —
brinquei.
— Você pode usá-la até para ir tomar café aqui na cozinha.
Eu peguei a tiara, era clara e refletiva. Tinha várias pedrinhas delicadas
que se elevavam sobre ela numa bela arrumação em ouro rose. Algumas
pedras brilhavam como diamantes em tamanhos variados, as outras pareciam
os mais belos cristais e as últimas tinham forma de gotas e uma coloração
leitosa, como se refletissem as cores.
— Coloca, eu quero ver — ajeitei o cabelo, passando os dedos entre as
mechas.
Ele a pousou na minha cabeça até estar firme e eu me virei para o grande
espelho de frente para as janelas e sorri. Realmente gostava das minhas
auréolas e do motivo para ele trazê-las para mim.
— Ficou bom? — Passei as pontas dos dedos sobre ela como fiz com os
arcos e repeti a pergunta que fiz das outras vezes.
— Perfeita — ele sorriu ao parar uns dois passos atrás de mim.
Girei no lugar e beijei seus lábios, voltei para a frente do espelho e sorri
para o meu reflexo e para ele. Não fazia a menor ideia de onde usaria uma
tiara como essa, até para pessoas que viviam em eventos luxuosos, não havia
muitas oportunidades para esse tipo de adorno. Mas que se danasse. Eu iria
usá-la para jantar com ele na sala.
— Vou usá-la naquela banheira, às sete, você pode vir — prometi, dando
uma rápida olhada sobre o ombro, para Antonio e para a banheira branca de
bordas altas que ficava junto as janelas em frente as bancadas.
A gente passava vários minutos nela todo dia, bem cedo porque não
perdíamos tempo. O sol nos acordava, era uma ilha, num quarto feito de
janelas, o sexo matinal parecia mágico.
— Você a usaria para unir-se a mim, ao nascer do sol? — Perguntou ele
Eu tornei a olhá-lo pelo espelho, Antonio observava meu reflexo, com
meu vestido novo e meu cabelo solto e desfeito sob minha nova tiara que
parecia uma coroa.
— Antonio… — eu franzi a testa. — Por que não iria? Aqui nunca é cedo
demais.
— Em matrimônio… Pelo tempo que ainda tivermos.
O silêncio perdurou pelo tempo que eu mantive o olhar no espelho sem
ver nada.
— Em Ibiza — respondi, mas o tom de dúvida soava como uma pergunta.
Ele assentiu, expressão serena, olhar preso em mim. Aquele homem não
tinha resolvido fazer a pior piada de sua vida.
— Ibiza tem a versão paradisíaca e espanhola do lema de Vegas. O que
acontece em Ibiza, fica em Ibiza — comentei, ganhando tempo.
— Você aconteceu aqui e felizmente foi parar em Los Angeles.
— E você me trouxe de volta.
— Sim.
A seriedade me deu um chute e empurrou para a realidade me socar. Ele
continuava atrás de mim, atraente como sempre, sério como um tiro.
— Por quê? — Perguntei, dessa vez não era para ganhar tempo.
— Um dia eu vou pagar por todos os meus pecados e vou merecer. Até lá
só tenho certeza de que continuarei pecando e estarei apaixonado por você.
Nunca deviam ter lhe enviado para me salvar. Eu a cobicei, corrompi e ainda
quero que se prometa a mim.
— Eu já cheguei corrompida à sua vida, minha máscara é boa.
— Você disse que está apaixonada por mim, acredito no que me diz e no
que faz. Eu a corrompi mais. Para sobreviver no meu mundo, você tem de
ser corrompida.
— Apaixonada pelo diabo. Nenhuma auréola vai me salvar — toquei
minha tiara com as pontas dos dedos da mão direita.
— E você usou a sua auréola para me salvar. Só posso lhe dar réplicas,
mas continuarei trazendo-as enquanto eu respirar.
— Eu duvido que um dia eu seja tão doida por alguém como sou por você
— eu o olhava pelo espelho, vendo a imagem do magnetismo que me
cativava.
Eu era…
Loucamente inconsequente.
Eu estava…
Desesperadamente apaixonada.
E profundamente ferrada.
— Mas…? — Perguntou ele, esperando que eu continuasse.
— Mas nada. É verdade.
Vi o leve sorriso em seu rosto pelo espelho quando ele disse:
— É recíproco.
Tornei a me olhar no espelho, ele enfiou as mãos nos bolsos da calça de
linho e me deu o espaço que eu precisava para decidir lhe dizer não. Devia
ser essa expressão que ele fazia quando estava numa reunião fingindo ser
apenas o dono da comida de LA, quando estava mentindo para a polícia,
quando estava de frente para o cano de uma arma. E quando pensava o que
ia fazer quando eu lhe desse um tiro ao lhe dizer não. Eu não ia ficar até ele
parar de respirar. Essa tiara seria minha última auréola.
— Antonio — virei o rosto sobre o ombro, não podia mais olhá-lo pelo
espelho.
— Raye — respondeu ele.
Ele não sentiu necessidade de voltar atrás, de se explicar, de argumentar,
de tentar impedir o que pudesse vir. Esse não seria ele. Antonio fez sua
oferta, era tudo o que ele tinha para botar na mesa.
— Pólvora?
— Gasolina.
Eu me virei e o encarei, sem completar nosso código, sem acender nada.
Seu olhar escuro estava tão cravado no meu rosto que eu não devia ser capaz
de me mover.
— Sim — eu achei ter dito alto, mas saiu uma droga de um sussurro.
Antonio nem se moveu, seu olhar foi para os meus lábios, ele parecia
decidir se havia ouvido corretamente.
— Fogo! — completei com minha voz firme. Se eu ia entrar nisso, meu
tom tinha de ser inabalável.
Ele abriu um sorriso, os dois passos que nos separavam sumiram, não sei
quem se moveu primeiro, mas ele me abraçou, eu toquei seu rosto e o beijei.
— Então está marcado. Você e eu, pelo tempo que tivermos, enquanto eu
respirar — concluiu ele.
Antonio enfiou a mão no bolso, tirou uma caixa fina de lá, puxou um anel
e o deslizou pelo meu dedo anelar. Simples assim, tinha uma pedra na minha
mão. Do mesmo jeito que ele me dizia para deixar tudo, encontrá-lo e
comprar quando chegasse.
Sim ou não. Sem complicação. A vida era muito curta para pensar demais
quando os dois podiam e queriam.
Já havia problemas suficientes nos rodeando.
— Até o último suspiro. Nós dois, ao amanhecer — completei.
— Em um dia.
Eu respirei fundo, enchi os pulmões como se estivesse a ponto de
mergulhar o mais fundo que aguentasse.
◆◆◆
Deixei a casa pouco depois. Não íamos passar o resto do dia remoendo
nossa última loucura. Ele tinha negócios para resolver em outro continente.
Eu tinha que fugir dali. O que significava que peguei o carro com Iana e um
dos seguranças que eu chamava de El Chapo, porque ele era baixo, parrudo e
usava um bigode. Parecia o ator que fez o personagem na série de TV sobre
o chefe do famoso cartel.
Dirigimos por onde as lojas da ilha ficavam, percorrer Ibiza não levava
muito tempo, a demora foi por minha causa. Eu tinha vestidos. Mas eu
queria um só para a ocasião, para olhar eternamente para ele e lembrar que
usei aquela roupa para dizer sim ao amanhecer.
Não sabia como ele ia fazer isso acontecer. Quando convivia com alguém
como Antonio, você passava a ignorar as possibilidades e impedimentos que
regiam as vidas de pessoas normais. Demorei tanto a encontrar o que queria,
que a tarde avançou sobre o anoitecer. As ruas ficaram cheias de gente de
férias, convergindo de hotéis e outros pontos turísticos para beber e se
divertir nas festas.
— Você vai se casar com ele? — Perguntou Iana, quando paramos perto
da orla para beber suco e água de coco.
Eu me virei com o copo gelado nas mãos e ela estava do seu jeito
costumeiro, séria e focada no que precisava fazer. Achei que estava
perguntando para saber o que precisaria para o acontecimento, mas já
tínhamos entrado em três lojas e só agora ela disse algo. Era melhor ela ter
alguma ideia, porque eu nunca me casei, não tinha planejado fazê-lo e era
indiferente aos planos. Tenho certeza que quando propôs isso, Antonio
esqueceu os detalhes que não diziam respeito diretamente a ele.
— Eu vou, aqui, ao amanhecer.
— Sabe que é um caminho sem volta, não é?
Percebi que ela não estava pronta para fazer uma lista de coisas que
encomendaria e prepararia.
— É complicado, mas não se faz isso pensando em terminar — aleguei,
cautelosa.
— Não estou falando sobre vocês se darem bem.
— Nem eu, estou falando da realidade disso tudo.
— Ótimo, porque uma vez dentro, você nunca mais está fora. Não de
verdade. Um dia o segredo vai acabar. Ao menos no nosso mundo, saberão
que você é dele. O feminismo desse lado tem outros princípios, não importa
o quanto seja dona de si no mundo exterior. Aqui dentro, você estará
eternamente relacionada a ele. Não importa o que aconteça, quanto poder
assuma, nem o que ele lhe prometa, mesmo se ele lhe devolver a parte da
liberdade que você perdeu, nunca mais deixará de ser lembrada como a
esposa dele. Pode até refazer sua vida com outro homem, mas no nosso
mundo, sempre saberemos seu nome e você será lembrada como a mulher
com quem Antonio Denaro se casou. No momento, nem ele deve acreditar
que teria tempo de se casar de novo. E isso muda a sua vida para sempre.
Até depois que ele estiver morto.
Nós molhamos as gargantas ao mesmo tempo, com goles curtos de nossas
bebidas geladas.
— É uma experiência própria? — Perguntei.
— Flavio e eu somos importantes um para o outro, para nossos amigos e
aliados. Mas no esquema geral, não somos nada comparado a ele. Podemos
morrer amanhã e pouco vai mudar para os outros. Se Diabolik morrer agora,
eu não sei explicar o tamanho da encrenca em que todos estaremos, o
tamanho da guerra que vai ser e como aquele velho traiçoeiro estará livre
para aterrorizar todos que não estiveram do seu lado. Nós estaremos mortos
sem a proteção dele. E mesmo assim, não é disso que estou falando.
— Você já tentou sair?
— Eu sou um produto desse mundo, e, sinceramente, não estou dizendo
para você não fazer isso. Nesse instante, antes de jurar qualquer coisa, você
já está fundo demais para sair ilesa. O primo dele te pegou por rixa pessoal,
mas daqui em diante é por dor e poder.
— Acho que minha janela de fuga se fechou há algum tempo. Nem ele
acredita mais que eu sou um segredo bem guardado.
— Ele estará sempre com você, mesmo quando estiver longe, mesmo que
vocês terminem, a presença e influência dele nunca mais poderá deixá-la.
Você pode fingir nas redes sociais, pode viver sua vida pública lá fora, pode
voltar a fazer todos os filmes que quiser. Mas nunca mais pertencerá
novamente aquele mundo. Quando as câmeras desligarem, você volta para o
nosso lado da fronteira. Com ou sem ele.
— Assim você poderia me fazer pegar uma mala e fugir agora.
— Você não é o tipo que foge, é por isso que ele vai se casar com você.
— Eu tinha a ilusão de ser por nutrir sentimentos por mim.
— Não tinha não, só amor não mantém ninguém vivo nesse mundo. E
você sabe disso.
— Eu aprendo rápido.
— Ele pode e vai te manter viva. A qualquer custo.
— Eu me apaixonei por ele.
— E ele por você. Para o seu azar.
— Eu não vou deixá-lo, não por isso.
— Eu sei. Todos nós sabemos. E todos entrariam na frente de uma arma
por você, até eu. Só não é mais temporário.
— Mas eu não sei se vamos durar, Iana.
— Você apontou uma arma carregada e engatilhada contra todos nós,
lembra-se? Só para garantir que ele fosse tratado. Não sei quais erros vocês
vão cometer, mas eu sei que vou trabalhar para você enquanto ele respirar e
depois.
Eu gostava da honestidade bruta que vinha dela, dos outros e também de
Antonio. Ninguém estava de pé numa guerra de poder, falando sobre para
sempre, eternamente… Não sei quando ele começou com isso, mas quando
queria falar sobre para sempres, Antonio falava sobre ser até sua última
respiração. Porque podia ser amanhã.
— Agora, eu preciso de flores. Vocês me arranjam cada uma. Vai ser o
que tiver disponível ou que eu conseguir encomendar em um dia por algum
valor indecente — disse ela, sacando o celular e mudando de assunto
naturalmente.
Nós voltamos para o que fui procurar, encontrei uma butique com vestidos
próprios e de grifes variadas que atenderiam a alguém precisando
comparecer a algum evento chique naquela ilha, nas ilhas vizinhas ou onde
fosse no Mediterrâneo. Porque gente procurando esse tipo de coisa
costumava ter planos. No meu caso, eu só tinha um casamento numa colina
ali perto. Coisa pouca.
— É uma daquelas festas do preto e branco, numa mansão maravilhosa.
Quero impressionar o ricaço esquivo que estou de olho. Arranje-me algo
mágico, vou virar a cabeça dele — menti para a dona da loja, fazendo-a rir e
expor tudo que tinha do branco ao perolado.
Mais tarde, quando saí da butique de sandálias, no centro da cidade,
Bellini estava esperando com aquela expressão típica por me buscar em mais
algum canto. Já havia anoitecido e ele estava recostado no carro,
conversando com o Chapo.
— Você não esperava me encontrar fugindo da ilha, confessa —
provoquei.
— Já anoiteceu, Srta. Lund. Vir buscá-la num lugar tão bonito é um
passeio, ainda bem que não precisaremos entrar na água — ele brincou de
volta.
— Espero que vá me levar para jantar, Flavio. Depois que voltarmos a sua
noite está livre — disse Iana, olhando-o de lado antes de entrar no carro.
Ele fechou a porta já que ela entrou no banco do passageiro e eu o olhei:
— Se eu fosse você eu me mexia, perfume no pescoço, chave do carro na
mão e carteira no bolso. Leva a patroa para onde ela quiser — eu assentia
para ele, com as sobrancelhas levantadas.
Consegui fazê-lo rir, ele abriu a porta e entrei no banco de trás, voltamos
direto para a casa. Deixei minhas compras no quarto e procurei Antonio,
descobri que Pietro havia convencido Vittorio a ir com ele “ver Ibiza” à
noite, pois até agora todos eles só tinham usado seu tempo livre para se
revezar em saídas durante o dia. Pelo que sabia de Pietro, apostava que ele ia
era levá-lo onde soubesse que havia mais mulheres solteiras e procurando
diversão. Eu não duvidava por um segundo que mesmo com uma mão
imobilizada, Vittorio podia ser uma boa diversão, sobrava um bocado de
ferramentas para ele usar.
— Eu ia começar a desconfiar que você tinha fugido da ilha, Raye —
gracejou Antonio ao me ver.
— Então estão todos de folga hoje? — Encontrei-o no terraço, no topo da
casa, onde a vista era ainda mais impossível de ignorar.
Ali só havia as espreguiçadeiras e umas amenidades para a pessoa passar
o tempo com bebida gelada e a paisagem.
— Quase todos. Como diz você, es Ibiza, querido. E todos merecem uma
diversão noturna.
Ele estava sentado na beira da espreguiçadeira, mais próximo da beira. Eu
me aproximei e sentei de frente para ele, no outro móvel. Antonio virou o
rosto e soltou a fumaça do que ele fumava para longe de mim.
— Eu gosto do cheiro. Onde você consegue?
— É produção daquele amigo que você disse que tem cara de bad boy
perigoso — lembrou ele, divertindo-se. — É a receita pessoal dele.
— Eu lembro dele. Qual é mesmo o nome? Ele te fornece?
— Alessandro. Ele produz e me manda umas caixas.
— É o negócio dele?
— Esse é por diversão e gosto pessoal — ele tragou.
— E o outro?
— Tem vários. Ele pode conseguir qualquer coisa, depende do que
funciona para você e de quanto puder pagar — ele me olhou enquanto a
fumaça subia, entendi o que ele quis dizer.
— O cheiro é bom, do que é?
— Depende do pacote. Pode ter tabaco importado do melhor que tiver no
mercado, ou só umas ervas e sei lá que merda ele mistura para agradar o
olfato. Ele tem uma loja em Malibu, as leis da Califórnia permitem certas
coisas. Está sempre cheio de gente que só consome plantas — um leve
sorriso mostrou o quanto ele achava isso irônico e cômico.
— Vocês são amigos, na mesma cidade, fumam juntos, você garante o
território… ele te paga.
— Uma porcentagem de tudo.
— Eu vejo um pouco de tudo rolando por aí.
— Esse pessoal do seu ramo já pagaria pelo negócio só por conta deles.
Entretenimento — ele moveu a mão como se continuasse a frase em um
movimento que eu também entendia o que queria dizer.
— Eu sou movida por energéticos em latinhas geladas e uns raros
calmantes — contei.
— Eu distribuo alguns energéticos, para sua festa ou para sua casa —
contou ele, conseguindo me fazer rir. Tinha virado uma piada interna nossa,
quando ele contava que fornecia qualquer item alimentício. — E tomo
alguns. Eu não gosto de comprimidos, estou de saco cheio de tomar
analgésicos todo dia.
— Para sua cabeça — eu encostei a ponta dos dedos na têmpora.
Antonio assentiu, nós estávamos morando junto e ele não se preocupava
em esconder os vidros de analgésico. Nunca contei, mas era lógico, pela
quantidade que vinha num vidro daquele e o número descartado, o fato de
ele tomar de dois em dois, dava uns quatro por dia. Ou seis, quando algo
dava errado, como sermos tirados de casa embaixo de tiro.
— Você precisa voltar ao neurologista. Está aqui em cima porque algo o
estressou ou é só dor?
Ele ficou me olhando, levantou a mão com o cigarro personalizado quase
no fim e disse:
— Agora não dá. Isso já alivia minha dor de cabeça, suaviza o estresse e o
cheiro é reconfortante — ele deu uma longa tragada. — Vito te falou sobre o
nome, lembrei que você citou isso no iate, quando me contou daquela noite.
— Por quê?
Ele ficou olhando para mim, largou a guimba, pegou a carteira ao lado,
apertou o isqueiro, acendeu outro, tragou, fazendo a ponta brilhar na noite.
— Você pode matar sua curiosidade — ele ofereceu o cigarro entre dois
dedos, eu peguei.
Antonio me observou enquanto eu tragava. Não sabia fazer como ele, eu
não fumava cigarros normais e nem esses manufaturados. Mas não podia
dizer que não experimentei um pouco de tudo na época da faculdade. Era
diferente, nunca fumei nada parecido com a receita do amigo dele. Era leve,
não pinicava o nariz, nem ardia na garganta, o cheiro penetrava as narinas e
eu comecei a entender porque aliviava a pulsação dolorosa em sua cabeça.
— Mortes — disse ele, respondendo minha pergunta. — Deram mole, eu
voltei em NY e matei uns caras que consegui pegar e que estavam
envolvidos no sequestro da minha mãe. Eu era novo, não desconfiaram de
mim a princípio. Diziam que a pessoa sumia, começou uns boatos porque
com tantos inimigos, o moleque de 15 anos não seria o primeiro suspeito.
Mas quando eu tinha 16, matei uns três caras. Fui descuidado no último, eles
me descobriram, me pegaram, quebraram e jogaram num buraco, mais ou
menos o que fizeram com Vittorio. Meu tio mandou me trazerem de volta.
— Nascari?
— Sim. Ele fez algo parecido ao que nós fizemos ao buscar Vittorio, mas
ele não foi discreto, eles sabiam de quem eu era sobrinho. Ele tinha que me
pegar de volta e eles tinham obrigação de me fazer pagar.
— Uns três? Você era um adolescente.
Eu escutei direito, mas percebi que aquele cigarro estava me dando uma
onda. E num segundo já pensei como que eles fumavam aquilo sem
demonstrar efeito algum. Devolvi o fumo antes que perdesse a concentração.
— Não — ele tragou e balançou a cabeça. — Três foram para o meu tio
acreditar que eu tinha estômago para derrubar um traidor. No começo você
tem que provar tudo, ou nem teria te conhecido.
Antonio fumou e manteve o olhar em mim enquanto me dizia que era
normal morrer cedo se não puder fazer o que precisa. Vingança, inocências
demolidas e mortes. Os roteiristas das rodinhas que eu frequentava em LA
dariam o braço para ter esse papo.
— Eu diria que você era jovem demais para se vingar, mas… seria
hipócrita da minha parte.
— Começaram com isso, misturaram o personagem com divagações
sobrenaturais de gente que perdeu muito sangue ou levou uma paulada na
cabeça. Não mandei ninguém me chamar de nada. Todo mundo tem algum
tipo de apelido, um codinome. Esse já está público demais, mas cansam de
me chamar de coisas piores.
— Eu vou ter um também?
— Se ainda vai se casar comigo ao amanhecer, vai ter vários.
Não foi uma pergunta, então eu também não precisava confirmar nada.
— Você vai descobrir ao amanhecer.
Ele riu. Nós dois sabíamos que eu não ia desaparecer da casa.
Simplesmente porque não queria. Então fiquei de pé e estendi a mão.
— Vem, voltei a tempo de jantar. E depois eu preciso do banho da noite.
Ele apagou o manufaturado no cinzeiro e pegou minha mão.
— Banheira e água quente também ajudam na dor de cabeça.
— Você conforta minha dor — disse ele, passando o braço pelos meus
ombros.
Capítulo 30: O amanhecer. E Ele.
RACHEL
◆◆◆
Eu costumava acreditar que com Antonio tudo precisava acontecer sob o
véu da noite, com sombras para suavizar suas arestas tão afiadas. Foi assim
no dia que nos conhecemos e no nosso primeiro encontro. A noite em que
nos entranhamos na vida um do outro naquele quarto de hotel. Ele dizia que
aquele foi nosso terceiro encontro, pois não havia como não contar a noite
em que o abracei pela primeira vez. Nem o nosso primeiro café que na
verdade foi ao anoitecer.
Ele quase me enganou naqueles dias de sol no resort onde achei que seria
nossa primeira e última vez juntos dessa forma. Logo depois tornei a ver sua
verdadeira natureza, emoldurado pelas chamas do fogo no meio da noite.
A verdade era que eu estava errada, fui terrivelmente simplista. Antonio
era tudo isso. Era dia e noite. Inferno e paraíso. Era perigo e segurança.
Violência e gentileza. Era o meu maior erro e o amor da minha vida.
Devia ser por isso que eu estava indo me casar ao amanhecer com um rei
do submundo.
Eu não estava louca.
Estava mortalmente apaixonada.
Inconsequência podia até temperar minha vida, mas estava ciente das
consequências de cada passo que dava. Todos me levavam para ele.
Coloquei minha tiara cravejada de pedras claras: diamantes, opalas e
Swarovsks. Diferente dos arcos, ela se elevava sobre a minha cabeça e
brilhava intensamente sob a luz suave do amanhecer. Passei pela grande sala
e com tantas janelas, eu podia ver todos lá fora.
Eu havia comprado um vestido branco e leve como a brisa, com alças
finas e delicadas que seguravam o corpete que era a parte mais rígida e tinha
bordados suaves e algumas pequenas pérolas . Comprei o body opcional que
só aparecia sob a transparência da saia. Combinei com as sandálias novas,
feitas num dourado pálido que se mesclava a minha pele e pedras
transparentes cobriam o topo da tira. Fiz duas tranças finas nas laterais do
cabelo, escondendo com grampos para ele não voar no meu rosto. Coloquei
pequenos brincos de quartzo e um colar longo e quase imperceptível, porque
o protagonismo do dia era da tiara.
A mesa redonda do hall estava com um vaso no meio, tomado de rosas
claras e rosadas. As mesmas rosas que Iana encomendou e usou umas vinte
para me fazer um pequeno e adorável buquê. Ela cortou os cabos bem
curtos, arrumou formando o buquê e amarrou com uma fita de cetim bege. E
era o que eu carregava.
Ibiza foi uma novidade em várias questões, uma delas foi descobrir que os
homens tinham roupas em tons claros, o suficiente para conseguirem
combinar paletas alegres.
Uma tiara. Um buquê. Um vestido. O amanhecer. E ele.
Havia lhe dito que ele só descobriria se eu iria quando ficasse lá me
esperando. Deon me deu a mão para eu descer o degrau da casa e só soltou
quando chegamos onde seria tudo, ele era uma dama de honra atípica e o
único acompanhante possível. A nossa decoração era Ibiza nos envolvendo e
o mar interminável, parecia que todos poderiam ser jogados lá embaixo se o
vento resolvesse soprar. Havia flores em vasos altos para delimitar onde era
o local exato.
Os convidados eram os homens que estavam sempre conosco e tinham
virado parte da minha vida. Iana disse que todos eles tomariam um tiro por
mim, mas eles já estavam se dispondo a isso e eu nem tinha jurado nada. E
meu irmão. Eu já sabia o que ele era capaz de fazer por mim. Não devia ser
assim? Ter no seu casamento só as pessoas que estariam lá para você, que
seriam presentes, rostos que seriam vistos com frequência na sua vida.
Faltava três pessoas com quem valia a pena dividir o champanhe do dia em
que resolvia tomar uma decisão que mudaria minha vida.
Passei entre os homens de pé, Iana estava na frente, junto com Bellini. Eu
me divertia ao ver todos eles arrumados, penteados e com expressões de
seriedade. Também não sabia descrever a sensação de vê-los ali, como se
estivesse me envolvendo em algo além de uma cerimônia que por acaso era
um casamento. Era como se todos fôssemos fazer um novo juramento.
Sequer discutimos como seria realizada a cerimônia, mas tinha um
homem diferente lá, era o único com uma roupa escura. Tenho certeza que
assinaria algo, fosse agora ou outro dia, mas para ter conseguido alguém
para celebrar a união num tempo tão curto, alguém estava com o bolso mais
pesado. E Antonio estava lá, com aquela expressão de que sabia o que fez e
podia repetir.
O desgraçado fabuloso.
— Então, eu vim — disse a ele, ao parar a sua frente.
Ele mostrou aquele sorriso brilhante e segurou minha mão. Estava usando
azul, com uma de suas camisas muito brancas, a gravata prateada que eu
comprei ontem e um botão de rosa na lapela, da cor do meu buquê. Com
certeza um detalhe proporcionado por Iana. Nunca o vi com aquela
combinação, Antonio não era um cara só de preto, cinza e tons fechados. Ele
sabia mesclar, mas tinha combinações típicas de sua personalidade e eu
lembraria dessa como uma especial que provavelmente não tornaria a ver.
O homem de verde-escuro anunciou o motivo para estarmos ali e suas
breves palavras sobre união em vida, sangue e morte não se parecia com
nada que já escutei nos casamentos em que fui. Imagino que ele entendeu
tudo que Antonio disse como uma declaração figurada e puramente
romântica, ele não sabia da verdade por trás das palavras que ele me disse
em vez de recitar votos já escritos.
— Na primeira vez em que nos encontramos, você segurou minha vida em
seus braços. Podia ter sido minha última ilusão, porém, você retornou para
ver se sua missão estava cumprida. E desde então minha missão foi
encontrá-la. Eu não planejei nada disso. Não era para eu ficar tão
desgovernado que não aguentaria imaginá-la longe de mim. Na primeira vez
foi por acaso. Agora, a força do que eu sinto por você me dominou tão
absolutamente que estou lhe pedindo para cometer a loucura de aceitar
segurar a minha vida em suas mãos até o meu último suspiro.
— É uma persuasão? — Sorri, diante do seu tom e do jeito que me olhava.
— Sim — ele assentiu uma vez.
— Eu já entrei de cabeça nisso, mergulhei com meus olhos cerrados e fui
cada vez mais fundo segurando a sua mão. E eu vou ficar, por quanto tempo
tivermos, pelo número de respirações que ainda nos sobrar, eu vou ficar. Eu
abri meus olhos, mas não soltei a sua mão. Não vou empurrá-lo por aquelas
portas, vou segurá-lo aqui, comigo. Sim, Antonio, sim. Vou completar o
código quantas vezes for preciso. Fogo.
— Sim, Rachel, sim — Antonio assentiu. — Fogo.
Foi quando o homem de verde-escuro levantou a mão e mostrou um ramo
cheio de pequenas folhas. Era maleável, comprido o suficiente para cair por
dois lados e tão verde que só podia ser recém-cortado. Antonio segurou
minha mão e uma vez vi num casamento que uniram as mãos dos noivos
com uma fita. Mas eu não esperava que o ramo fosse enrolar em volta da
minha mão e pelo meu antebraço.
Meu olhar alternava entre o rosto de Antonio e o ramo verde. Ele abaixou
o olhar e viu as folhas envolvendo meu pulso, então sorriu para mim. Um
daqueles sorrisos genuínos e raros surgiu tão rápido no seu rosto que fiquei
embasbacada. Ele levantou a minha mão e quando beijou sobre o dorso, seus
lábios tocaram minha pele e as folhas. O ramo continuou em volta do meu
pulso e no meu antebraço, juro que estava úmido, como se o tivessem tirado
da água na hora que o colheram.
Eu fiquei com dois anéis no dedo, a pedra que ele colocou lá e a aliança
igual a dele. Os homens bateram palmas e escolheram me cumprimentar
com breves beijos na mão onde o ramo estava enrolado.
Deon me devolveu meu pequeno buquê. Antonio envolveu minha cintura
com o braço, o dia havia amanhecido e estava lindo. A mesma chef que fez o
bolo e os aperitivos do meu aniversário havia retornado e feito o café da
manhã de comemoração.
Ela fez um novo bolo, branco e rosado, com óbvia inspiração nas rosas
que decoravam pontos específicos. Os detalhes de flores eram feitos a mão e
muitas pérolas o decoravam, pareciam reais, mas eram comestíveis.
Bebemos champanhe às sete da manhã, em volta da mesa principal do lado
de fora, com mesas menores cheias de opções.
Nunca disse antes, mas quando estavam sendo pessoas normais, os
homens eram barulhentos, mais ainda se estivessem contentes. Eu os vi
alternar entre xícaras de café recém-moído e champanhe borbulhante. Pratos
se enchiam, cada hora de uma opção.
Pietro estava de óculos escuros, taça numa mão, um canapé metido a besta
na outra, parecia ótimo. Vittorio ria das provocações do meu irmão e eu
havia pensado que eles nem se entenderiam; Deon com seu inglês rápido e
cheio de expressões e ele alternando entre dois idiomas na mesma
velocidade, com o sotaque mais carregado do grupo.
Ogul e Denver, os maiores caras para cima e para os lados, trocavam dicas
de comida, indicando um para o outro onde ficavam as coisas.
— Vocês podem, por favor, guardar espaço para o bolo. É boa sorte para
os noivos todos comerem um pedaço — eu falava isso enquanto tinha um
doce em cada mão.
Eles riram e levantaram taças, como se a ideia de não conseguirem comer
o bolo fosse minha melhor piada do dia. Antonio também ria ao meu lado,
ele os conhecia melhor do que eu. Aproveitando que estavam todos com as
taças, teve um novo brinde a nossa saúde e felicidade.
E vida longa! — Gritaram ao final.
Levantei a mão com a taça, o ramo estava enrolado até o meu cotovelo.
Esperei que ele caísse sozinho, mas não quis tirá-lo. Queria perguntar se era
superstição deles ou algum costume do país de Antonio. Só que o ramo
simplesmente não caía e eu mal o sentia. Então o deixei ficar comigo.
O ar cheirava a brisa da manhã que vinha do mar, misturada a açúcar,
chocolates, champanhe, massas frescas e recém-saídas do forno, pães
crocantes, azeite e o aroma de cafés deliciosos.
— Eu quero mais fotos com todos vocês — eu dei o celular a Iana
novamente.
Deixei três deles responsáveis por tirarem fotos e fazerem vídeos para
mim. Iana, Pietro e acredite se quiser, o Chapo. Eles sabiam usar muito bem
as funcionalidades dos aparelhos modernos e suas câmeras. Não ia postar
nada disso em lugar nenhum, não ia sequer armazená-las na internet,
guardaria do jeito antigo, num cartão de memória. Era para mim, para
guardar, lembrar e quem sabe colocar as três preferidas em porta-retratos.
Antes de Ibiza, Antonio e eu só tínhamos as poucas fotos que
combinamos de tirar naquela visita ao resort, como um pacto de lembrar um
do outro através delas. Desde então, nós só vivíamos dentro da vida um do
outro, sem registros. Agora eu teria um álbum inteiro de lembranças naquela
ilha.
— O bolo, senhores, vamos nos comportar — disse Iana, indicando a
mesa quadrada onde o bolo estava de protagonista.
Cortar bolo nunca foi minha especialidade, ainda mais quando ele parecia
uma obra perfeitamente redonda, de duas camadas de alturas diferentes, uma
cobertura impecável e pérolas na frente da faca. Dei o primeiro corte, com
um sorriso para a foto, virei o rosto para Antonio e sussurrei:
— Agora você se vira.
Ele cortou o primeiro pedaço, depois Iana assumiu, como fez no meu
aniversário. Todos comeram o bolo de trufas brancas e frutas vermelhas. E
não só uma garfada, mas o pedaço inteiro.
— Dá para acreditar que você está num café da manhã de casamento e não
forneceu a comida — provoquei.
— É um alívio estar de folga — ele riu também. — Mas eu trouxe o
champanhe.
Dei uma boa risada enquanto segurava uma taça gelada. O café da manhã
durou até o horário do brunch. Quando o sol apertou, eles levaram tudo de
volta para dentro. Antonio e eu descemos da casa até a praia logo abaixo,
não era a melhor para banho de sol, era pequena, com mais pedras do que
areia, mas o mar a banhava como em toda a ilha e servia para o propósito.
— Você disse que ela gostava de navegar, que você adquiriu seu gosto por
barcos por causa dela, comentou das suas lembranças de infância preferidas.
E que antes de LA, ela o levava para passear em barcos todo o verão bdesde
que você era um bebê — falei enquanto alternava o olhar entre ele e o mar.
Eu segurava meu adorável buque de grandes rosas enquanto Antonio
olhava para mim numa mistura de surpresa e preocupação porque eu estava
em cima de uma grande pedra, de um lado havia mais pedras e a frente só o
mar. Não era muito alto, tirei as sandálias e subi sozinha, ele fez o mesmo,
mas parou com o pé sobre a última pedra que servia de degrau.
Havia dito a ele que queria ir lá embaixo jogar meu buquê no mar como
uma oferenda, mas nunca disse para quem seria.
— Essas rosas são para Lorenza. Eu não tinha flores para ela naquele dia
que a visitamos, mas hoje eu tenho. Pelo que me contou sobre ela enquanto
navegávamos, acho que ela gostaria de vê-lo se casar em uma ilha no
Mediterrâneo.
Joguei o buquê no mar, ele flutuou, mas conforme as ondas o levavam, foi
afundando. Provavelmente as flores se soltariam e subiriam, mas me virei e
desci, já tinha entregado meu presente. Antonio observou o buquê ir embora,
com aquele olhar distante de quem pensa em algo pessoal.
— Ela adoraria, Gasolina. Obrigada — ele levantou o olhar para mim, sob
a luz da manhã era mais fácil ver os sentimentos brigando na sua expressão.
Quando voltei para perto dele, Antonio afastou o cabelo dos meus
ombros, eu ainda usava a tiara, mas aquela beleza foi feita para enfeitar, não
para manter o cabelo no lugar. Ele havia tirado o paletó e dobrado as
mangas, meu olhar bateu no seu antebraço e a memória voltou na hora.
Claro que não lembrei antes, estava ocupada demais sendo uma tola
apaixonada no próprio casamento.
Entre as tatuagens que cobriam os braços dele, havia ramos que iam até os
seus pulsos. O ramo do braço esquerdo era contínuo, partia desde o peitoral
e foi com essa mão que ele segurou a minha. Só que eu não tinha tatuagem
nos braços, mesmo assim, o ramo estava enrolado em mim como se quisesse
se fundir a minha pele. Igual aos ramos dele.
— Esse ramo não caiu do meu braço até agora, Antonio. Ele tem cola? —
perguntei baixo, parecia até um segredo.
— É incrível como só nos livramos dos ramos quando eles querem —
apesar do que disse, ele desenrolou o ramo do meu braço e o negócio soltou
inteiro ao toque dele.
Antonio jogou o ramo no mar, ele afundou mais rápido do que o buquê.
Meu olhar ficou preso na água, mas senti suas mãos em minhas costas e ele
me beijou, envolvi seu pescoço e me perdi nele. Não estávamos sozinhos,
mas era a maior privacidade que tínhamos desde o amanhecer.
— E agora?
— Agora você passa o dia comigo — disse ele.
— E para onde você quer me levar?
— Para onde você quer ir?
— Para lá — apontei para o mar.
Ele me levou, no mesmo barco rápido que cortava o mar como uma faca.
Era como um carro esporte que só cabia nós dois e que ele estava me
ensinando a guiar. Naquela lancha a gente podia fugir para qualquer lugar e
seria difícil nos pegar, mas usávamos só para fugir do mundo real por umas
horas.
Capítulo 31: Cegamente
GASOLINA
Quando voltamos para a costa, pulamos no mar antes de subir para a casa.
Era nosso mergulho de entardecer, também era o primeiro que dávamos
depois de oficializar nossa nova loucura. Ou eu já devia começar a chamar
de nova vida?
O mar limpa tudo, não limpa? Traz novas energias. Nós vivemos numa
cidade litorânea, acreditamos nesse tipo de coisa. E vamos precisar.
Tivemos um jantar especial com os outros na mesa à beira da piscina.
Depois eles se ocuparam com seus vários assuntos e o que acontecia lá na
Califórnia. Eu não estava preocupada com isso pelo menos enquanto estava
em Ibiza. Mais tarde ganhei tempo para ficar sozinha com Antonio de novo e
custei a crer que eu havia acabado de me casar com ele.
Essa vida com ele era um parque de diversões que incluía a casa do terror
e uma terceira dimensão em 3D. E um cassino. Uma casa dos prazeres. Uma
praça de alimentação gourmet. Provavelmente muito alucinógeno borrifado
no ar. Porque passou uma eternidade em poucos meses.
Eu o encontrei num dos nossos locais preferidos, o topo da casa. Estava
escuro porque ele nem acendia as luzes quando ia lá só para fumar e ver a
vista. A casa abaixo tinha tanta luz que era suficiente se a pessoa não tivesse
medo da penumbra ao ar livre, a três andares do chão, com a sensação de
flutuar em meio a floresta de uma ilha.
— Eu sabia que você não estava lá na embaixada da Califórnia — era o
apelido que dei a sala que eles transformaram em escritório geral.
— Eu sabia que você ia aparecer aqui em cima assim que saísse do banho
— devolveu ele.
Eu sorri e apoiei as mãos na parede baixa.
— O que a gente vai fazer quando voltar, Antonio?
— Sobreviver.
Eu assenti, com meus olhos na paisagem escura ao longe. De lá conseguia
ver os barcos iluminados que estavam ancorados próximo da ilha. Ainda
havia suficiente deles para saber que o verão não havia acabado.
— Quero mais de uma semana com você, Raye.
Eu virei o rosto para ele, mesmo que visse sua expressão coberta de
sombras.
— Iana disse que estou eternamente atrelada a você. Não importa o que
aconteça, eu sempre serei a mulher com quem você se casou primeiro.
— Sim. A única.
— Não importa o caminho que sigamos, mesmo que distinto.
Ele parou com a mão no ar e manteve o olhar em mim.
— Eu ainda estou respirando, Benzina.
Eu sorri. E se ele respirava, eu era dele e ele era meu.
Até o último suspiro. Certo?
Cheguei mais perto, encostei os dedos nos dele, capturei aquele seu
cigarro com a receita secreta e traguei. Soltei a fumaça para o céu, enquanto
mantinha o olhar nele. Senti a mesma onda esquisita, dessa vez já esperava.
Devolvi, colocando entre seus lábios e abri meu robe, retirando o cinto de
cetim. Antonio desceu o olhar, deu para ver sua boca se esticando num
sorriso. Ele deixou seu fumo na parede baixa. Eu levantei a faixa de cetim a
frente dos olhos dele e os cobri. Ele deixou.
— Você se casou comigo e vai confiar em mim. Cegamente.
— Ah, Gasolina. Você vai me arrumar confusão.
— Eu vou usar minha tiara nova e você a venda.
— Um caralho que vou te foder sem te ver usando sua auréola nova.
Dei a volta e amarrei a faixa atrás da cabeça dele. Voltei a parar a sua
frente e fiquei em silêncio, fumei seu cigarro ainda pela metade, acho que
estava começando a gostar da sensação estranha e da fumaça perfumada que
não se parecia com nada que já cheirei na vida. Antonio sabia onde eu
estava, sabia o que eu fazia. Só não podia ver. Apaguei no cinzeiro e
coloquei as mãos nos ombros dele.
— Você se sente bem fumando isso? — indagou ele, um toque de
curiosidade permeou seu tom.
— Agora sim. Você vai confiar em mim para te guiar para o quarto sem
ver nada?
— Vou.
Segurei sua mão, o quarto principal tinha uma ligação direta com o
terraço, era um caminho simples, porém, cheio de degraus. Ele estava
fazendo esse caminho desde que chegamos, assim que alcançou o quarto,
deu para ver que sabia onde estava. Por isso, não emiti nenhum som.
Antonio girou e me seguiu, como se eu o estivesse puxando por um ímã, o
que estragou minha chance de deixá-lo perdido.
— Você também confiaria em mim cegamente? — Ele colocou a mão na
venda, porque era um controlador e queria ver o que eu estava fazendo.
Eu me aproximei silenciosamente, toquei sua mão e disse baixo:
— Eu te disse sim, sabendo quem você é. O que acha?
Antonio me capturou pelo rosto e me beijou ao dizer:
— Perfeita. Eu não te mereço.
Passei os braços pelo pescoço dele e me entreguei ao seu abraço apertado
e beijo faminto. Ele não precisava tirar a venda para isso e eu a deixei lá até
escapulir de seu casulo de desejo.
— Rachel… — ele puxou a venda de cetim por cima da cabeça.
Eu me virei com a tiara na mão e o olhar dele foi descaradamente do
espaço aberto do meu robe para o pequeno sorriso no meu rosto e a joia que
eu segurava.
— Quando subi, notei que tinha algo diferente aqui — dei a volta nele que
me seguia com o olhar, enquanto eu prendia bem a tiara.
— Ninguém vai vir atrás da gente hoje, certo?
— Como é que você diz mesmo? Não quero nenhum de vocês na minha
linha de visão até amanhã — eu o imitei, divertindo-o. — Foi isso que eu
disse.
Antonio fez algo nada típico da gente: acendeu umas velas. Eram
quadradas, baixas e eu até as chamaria de fofas.
— Você vai ser romântico comigo?
— Muito.
Inclinei a cabeça rindo tanto da declaração quanto do tom dele.
— Eu coloquei a tiara, você pode tirar a camiseta.
Ele se virou à frente das velas, puxou a peça pela cabeça e a jogou para
cima da poltrona. Efetivo e natural. Eu gostava assim. Sentei e olhei a
pequena chama balançando na mão dele quando se aproximou. Não sei o
que a gente tinha, que por menor que fosse, sempre tinha fogo envolvido.
Ele derramou a cera na minha coxa, esquentou, mas não queimou. E quando
ele esfregou, deslizou fácil como um óleo suave.
— Eu logo vi que você não ia acender velas só pelo bem da penumbra —
comentei.
Antonio tornou a virar a vela, eu só sentia o toque quente de quando
tocava minha pele.
— E se eu for menos insensível? — Ele descansou a vela e foi espalhando
o que derramou em mim.
— Sabe, Antonio, você é outro tipo de romântico. E também é o tipo que
não acende vela nem para a alma dos seus inimigos partir mais rápido. E eu
gosto. — Eu me inclinei para ele.
Antonio me segurou pelos quadris e me beijou, suas mãos escorregaram
para minha cintura, com os dedos entrando por baixo das tiras da minha
lingerie da Fenty. Usei branco de manhã, mas agora estava de preto com
pontos brilhantes. Como os olhos dele.
Fiquei de joelhos e empurrei o robe, jogando-o pro canto da cama. O olhar
dele deixou meus lábios e passeou pelo meu corpo e traje, voltou para minha
tiara e depois para os meus olhos. Suas mãos foram para o meu traseiro, ele
achou um laço e puxou. Inclinei a cabeça, rindo dele e seu olhar se iluminou.
— Eu já te disse o quanto você estava linda hoje cedo, praticamente
flutuando ao nascer do sol com aquele vestido claro. E continua agora,
brilhando com essa auréola na cabeça.
— E mesmo assim você quer tirar meu figurino! — Eu me soltei na cama
e apoiei as mãos no colchão, empurrei a coxa dele com o pé. — Você estava
muito fora do personagem enquanto me esperava lá no altar.
— Fora do personagem? — Ele riu.
— Sim! Como um Rei do Submundo sendo obrigado a sair das trevas para
se casar ao amanhecer. A gente imagina que não vai dar certo, mas ele
aparece lá, lindo de morrer. E surpreende todo mundo. Menos a noiva, claro.
Ela sabe para quem está prometendo o resto da sua vida.
Ele ficou com um sorriso, divertindo-se com a minha leitura da situação.
E me sobressaltou quando pingou a cera quente bem no osso interno do meu
tornozelo que ele segurava.
— E você foi se casar comigo ao amanhecer e com uma tiara porque vai
voltar para as trevas na minha companhia e usá-la como uma coroa, certo?
— O olhar dele parou no meu rosto.
Eu gostava de como ele dava corda para minhas histórias. Só que era
verdade, era exatamente o que eu faria. E era o que ele era. Não adiantava
negar.
— Certo — assenti.
Ele foi pingando aquela vela e massageando, espalhou o óleo quente que
adquiriu a temperatura da minha pele, mas conforme ele subia, comecei a
desmanchar. Até que ele colocou as duas mãos em mim, começando meu
desmanche completo. Deixou meu “figurino” em paz e massageou minhas
pernas, subiu pelos meus quadris e me virou. Acho que soltou cada músculo
das minhas costas e do meu pescoço. Quando as gotas quentes caíram pela
minha coluna, eu me arrepiei inteira e sequer o senti soltar os fechos.
Seus dedos desceram para o meu cóccix e eu me arqueei, aquele óleo
sumia na pele, igualava-se a temperatura do meu corpo e depois esquentava
de novo. Ou era eu que estava super estimulada. Provavelmente era as duas
coisas. As alças escorregaram pelos meus ombros e deixei que ele me
despisse e massageasse o resto do meu corpo. Antonio instigou meus
mamilos eriçados por muito mais do que a temperatura ambiente.
— Deixa as mãos aqui — ele colocou minhas mãos ansiosas em seu peito,
impedindo outra vez que eu me tocasse, porque era um bandido que queria
me torturar. E ele me distraiu quando lambeu a gota da vela no interior da
minha coxa.
Tinha cheiro de mel e descobri ali que era comestível, porque ele fez um
caminho com a boca antes de me segurar contra ele outra vez. Suas mãos
escorregavam do que sobrou da vela e quando me tocou, ele sabia que me
encontraria encharcada. Eu estava super excitada e quase gozei com a
facilidade que seus dedos deslizaram no meu sexo. Não adiantou nada
segurar, ele estimulou meu clitóris inchado com três dedos e eu fiquei mais
líquida que aquele óleo que ele usou.
— Adoro esse som que você faz quando goza assim — ele mordiscou
meu pescoço e eu apertei as mãos dele entre as coxas.
Escapei do aperto dele, pois Antonio adorava me fazer gozar e me
dominar. Mas ele teria o que queria do jeito mais difícil. Peguei outra vela e
me virei para ele. Fiz um caminho de cera quente sobre as tatuagens no seu
peitoral até deixar cair bem em cima dos mamilos e vê-lo puxar o ar. Era só
um instante de quentura, porém, ele era sensível a estímulos bem ali. Passei
a mão sobre a pele, espalhando o óleo para os seus ombros. Cheguei mais
perto e excitei seus mamilos com a língua, constatando que tinha sim um
leve sabor de mel.
— Solta isso, vem aqui — pediu ele, querendo me ter junto ao seu corpo.
Seu olhar de tesão era um feitiço difícil de resistir.
— Nada disso — balancei a cabeça.
Pinguei um caminho de gotas quentes, mostrando para onde ia e delineei
seu membro duro. O short do seu pijama parecia um céu estrelado. E não
tinha nada por baixo. Deixei-o nu enquanto eu ainda tinha minha tiara. Virei
a vela uma última vez e deslizei as mãos pelas suas coxas fortes que
retesavam pro meu toque, até eu segurar sua ereção e ver seu corpo reagir.
Eu o estimulei, aproveitando o quanto minhas mãos deslizavam facilmente.
Antonio me pegou pelo pescoço e puxou para cima dele, beijou meus
lábios e segurou meus quadris, ajeitando-me onde ele queria. O corpo dele
era uma fraqueza verdadeira para mim, depois que me tinha onde queria, eu
não desejava mais nada. Passei os braços em volta do seu pescoço e ele me
beijou até eu ter certeza que a sensação não sumiria dos meus lábios. Aquele
óleo caía quente, era suave na pele e também era um ótimo lubrificante.
Como se eu já não estivesse molhada o suficiente. Ele me preencheu,
encaixando perfeitamente.
Fechei os olhos por um momento, deixando meu corpo responder ao
prazer se irradiando por mim e a profunda conexão entre nós. Antes que ele
me tragasse completamente, plantei as mãos no seu peito e o empurrei para a
cama. Continuei por cima e acariciei seu rosto anguloso, afundei as unhas
abaixo do seu queixo e ele puxou o ar entre os dentes antes de trincá-los e
empurrar os quadris, segurando-me pelas coxas. Olhei para baixo e vi seus
olhos em mim, abri um sorriso.
— Esse rosto lindo, cheio de tesão, perfeito para tomar um tapa por ser
um desalmado gostoso e convencido — dei um tapa com os dedos e ele
sorriu.
— Minha vingativa preferida. Me fode, porra, não para — mandou ele.
— Você está no talo — eu pulsava em volta dele. — Goza. Bem aí — eu
girei os quadris no lugar, só para prendê-lo ainda mais.
Ele estava tão excitado quanto eu desde antes de tomar meu corpo, agora
podia assistir o orgasmo o dominando, sentia na força dos seus dedos
afundando em mim, no seu latejar no meu interior, nos sons dele e no retesar
insistente dos seus músculos. Seu olhar se manteve fixo em mim e seus
lábios se entreabriram.
— Eu quero te fazer gozar e cavalgar a sua cara — apertei as unhas nele.
Seus olhos se fecharam e ele pulsou, um gemido grosso de prazer se
misturou ao seu ofegar e o alívio dele encheu meus ouvidos enquanto ele
explodia. Eu o cavalguei até seu último espasmo.
— Vem logo. Sobe aqui — mandou ele.
Como se ele me desse opção. Antonio me movia em cima dele com
facilidade. E eu queria muito. Apoiei as mãos e os joelhos na cama e me
ajeitei para encaixar na boca dele, sobre a sua cabeça. Eu ainda estava
sensível do jeito que a gente fodeu, quando seus lábios roçaram meu clitóris
rijo, senti um choque de prazer que me avisava que não ia durar naquela
posição. Ele lambeu um caminho até aquele botão excitado, provocando
antes de me destruir.
Antonio subiu as mãos pelo meu corpo, afagou meus seios, apertou meus
mamilos entre os dedos enquanto eu estava no céu, movendo os quadris
suavemente, com meu sexo na sua boca. Ele me chupou, no ritmo mais
delicioso e contínuo, com sua língua esfregando meu clitóris sensível. Ele
sabia que eu ia gozar bem ali e me manteve no lugar. Eu não alcançava a
cabeceira da cama, só pude apoiar as mãos e afastar mais os joelhos,
estremecendo inteira enquanto tinha um orgasmo na boca dele, gemendo de
um jeito agudo que o som até falhava porque meu corpo não deu conta de
fazer tudo ao mesmo tempo.
Tombei na cama e virei de lado. Antonio se apoiou nos braços, deu um
beijo na lateral do meu quadril e deitou atrás de mim.
— A tiara não caiu — comentei, quando recuperei o fôlego.
Ouvi sua risada instantânea. Eu a adorava, ainda mais quando saía assim,
súbita.
— Passou no teste, foi feita para você — ele brincou de volta.
A gente levantou e foi dar show no vidro do box. Dessa vez sem a tiara
porque eu não ia molhar meu presente. Bebemos metade do champanhe do
bar do quarto. Fodemos na janela. Recoloquei a tiara, porque ele adorava. E
disse que se eu a usasse, ele ia me foder até a gente apagar ou a tiara cair.
Dessa vez ela caiu. Botei de volta. Bebemos o que sobrou do champanhe. A
gente apagou por um tempo. A tiara dormiu na minha cabeça. Torta, mas
ficou.
O dia estava amanhecendo de novo e nós estávamos sentados na beira da
cama, de frente para as paredes de vidro. Eu apoiei os braços nos joelhos e
observei aquela paisagem linda clarear. Antonio estava sentado tão perto de
mim que sua perna descansava contra a minha, ele mantinha as mãos juntas
e o olhar nos vidros. A gente estava com sono, mas só continuamos ali
sentados enquanto o tempo passava.
— Feliz vinte e quatro horas de matrimônio, Gasolina — cumprimentou
ele.
— Feliz um dia de casamento, Pólvora — eu sorri.
Antonio virou o rosto para mim, com aquele sorriso genuíno que franzia
seu nariz do jeito que só eu achava adorável, até porque não o via sorrir
assim para mais ninguém. Ele tomou coragem para ficar de pé primeiro,
puxando-me pela mão. Foi nosso primeiro dia em Ibiza fazendo o contrário
de acordar cedo para aproveitar. Valeu a pena.
Capítulo 32: Ela sabe?
Antonio
◆◆◆
Deixei Rachel na casa com os seguranças e Iana. Mal entrei para dar uma
olhada no lugar onde iria morar por um tempo. Voltei para o carro e parti
com os outros. Já comecei mal no meu novo papel na vida dela, quem diabos
traz a esposa de viagem, entrega numa casa nova e desaparece logo depois?
Eu sei, um cara como eu faz essas merdas. Eu ia dar um jeito nisso, assim
que resolvesse outros problemas urgentes.
Chegamos ao motel no sul da cidade para onde minha tia havia sido
levada sem que ninguém mais soubesse. Encontramos os homens de
Alessandro garantindo a segurança dela. Ele seria o único em quem ela
confiaria na minha ausência.
— Por que me deixou aqui um dia inteiro? — Perguntou Marzia, com os
olhos transbordando de lágrimas.
— Eu não estava no país, tia.
Ela se soltou contra mim e chorou no meu peito.
— Jeane também não está aqui, eu fiquei sozinha! Alessandro me trouxe
para cá e disse que ninguém me encontraria, mas o problema não sou eu.
— Ele disse que pegaram as meninas. Como isso aconteceu?
Ela secou o rosto e olhou para baixo, diferente do que eu estava
acostumado a ver dela. Tia Marzia não mostrava esse tipo de vulnerabilidade
em público, ela estava acostumada com essa vida, eram muitos anos casada
com Nascari.
— Eu fui enganada. Não tenho como dizer de outra forma — ela se
afastou e passou a mão pelo cabelo que costumava estar sempre arrumado e
com um volume característico. No momento só estava preso num coque alto.
— Tem de entender que sempre fomos muito próximos, são mais de trinta
anos, você nem era nascido e eles já se conheciam, nós casamos cedo e…
— Tia, para de se explicar. O que ele fez?
— Ele me enganou, disse que independentemente do que acontecesse
entre vocês dois, eu estava fora disso. Disse que nossa relação vinha muito
antes, então abaixei a guarda. Contei que as meninas e eu estaríamos em LA
e que eu queria muito ver Jeane e seu novo bebê.
— Você disse a ele onde ela está? — Perguntei, sem conseguir evitar o
tom de julgamento.
— Eu não sou uma velha idiota!
— Você sequer é velha, tia. Ele sabe ou não?
— Eu sou velha, uma velha com filhas menores de idade que eu perdi! —
Ela se exaltou. — Ele levou minhas meninas! Enfiou as duas num carro e me
largou! Eu não contei nada!
— E o que ele disse?
— Mandou que você resolvesse se as quisesse de volta.
— Fica aqui — eu voltei para a porta.
— Antonio, não ouse me largar aqui! Eu quero as minhas filhas!
Deixei tia Marzia e quando saí do quarto, Alessandro estava do lado de
fora, encostado na cerca com os braços e os tornozelos cruzados.
— E então? — Perguntou ele.
— Cadê o cara que vocês pegaram a vigiando? Ainda está vivo?
— Falei que não ia matar ninguém até você chegar — ele foi na frente.
Eles tinham fechado o motel que era gerenciado por um dos homens de
Alessandro, era uma rede espalhada por LA e arredores que nos servia para
muita coisa. O cara estava no pior quarto do local, na parte de trás, com vista
para os fundos que tinha um jardim ridículo que os hóspedes só usavam para
beber e fumar.
O cara não estava em bom estado, mas respirava e raciocinava o suficiente
para o que eu queria.
— Liga para ele — mandei.
— Vão pro caralho, vocês vão me matar!
— Você decide se é rápido ou lento.
— Eu não sei para onde levaram as garotas.
— Qual desses números é do Calogero? Se me fizer perder tempo, vou
começar pela sua orelha — avisei, pois é claro que o celular dele só tinha
códigos e números.
— Não foi ele que mandou pegá-las.
— Eu sei — mostrei a tela. — Qual número?
Ele me encarou com o olho que ainda funcionava.
— Você vai ter que ligar para os cinco — informou, com o gosto de
contrariar.
Nunca achei que ele me diria, mas não custava tentar, fiz um sinal para
Ogul.
— Arranca a orelha dele para pagar o tempo que vou gastar.
Depois de dois toques, na segunda tentativa, falei com quem eu queria. O
segundo no comando. Morales tinha a fama, mas as coisas não funcionavam
direito sem seu sócio desprezado. Calogero não tinha todo o poder que
Tommaso possuía, nunca soube que Morales o deixou no comando absoluto
em sua ausência.
— Por que você está me ligando? — Perguntou Calogero, pensando que
falaria com um dos homens de Morales.
— Ele não vai voltar — respondi.
— Diabolik?
— Quem você esperava?
— Não é comigo que você tem que falar, não mandei fazer nada.
— Sim, mas você vai ser meu garoto de recados.
— Ele não vai recuar, tem que mostrar para todo mundo o que vai
acontecer com o próximo garoto que sair da linha.
— Diz a ele que se tocar nelas, o acordo está desfeito. Tudo que vocês
fizerem com elas eu vou fazer em dobro com cada um de vocês. Cada
pequena merda. E eu vou começar por você.
— Não me ameaça, eu não mando fazer showzinho de entrada, não sou o
Morales.
— Nem eu. Se alguém tocar nelas, você vai me pedir para morrer,
desgraçado. Enfia a conta no rabo do seu sócio.
Eu desliguei e olhei para Pietro.
— Fala com o Martino que eu quero todas as informações do Calogero.
Esse puto não para quieto, acabou o salvo-conduto dele no meu território.
Voltei para o quarto e peguei tia Marzia, tinha várias perguntas. Se ela
pensava que ninguém estava achando buracos naquela história, então estava
mesmo transtornada. Ela me agarrou pela camisa assim que entrei e
perguntou:
— Você o matou pessoalmente? Diz que teve a decência de fazer com
suas próprias mãos e não relegar a um subalterno! — Demandou ela,
obviamente falando de Vito.
— Fui eu.
Ela se virou e cobriu o rosto.
— Eu achei que você ia devolver na mesma moeda e explodi-lo em vários
pedaços e eu não teria o que cremar.
Continuei olhando para ela.
— Eu não posso perder minhas filhas. Elas são inocentes nessa história.
— Vamos — indiquei a porta.
— Você vai me enfiar em outro buraco, Antonio? Eu sou família! Já basta
não poder ficar com a minha filha que acabou de ter um bebê!
— Você estaria com ela se isso não tivesse acontecido, tia. Vem, vou te
levar para onde estou morando.
— Você encontrou uma casa nova?
— Sim.
Eles a varreram de novo e tia Marzia ficou com aquela expressão de
traição, mas ela esteve onde não devia. E eu ia levá-la para casa, ela só tinha
seus pertences, pois já ia viajar e seu celular de emergência. Antes de levá-la
para o motel, já tinham desligado seus aparelhos, mas ela disse que ninguém
pegou ou mexeu em nada seu, só levaram as meninas.
— Começa no início, ele te ligou e você acreditou nele…
— Ele era meu amigo também, sabe? Eu o conheço desde sempre, Nascari
e ele ficaram amigos pouco depois de nos casarmos. Ele me disse que
independentemente do que acontecesse, as crianças e eu estávamos de fora.
E que nada nos aconteceria…
— Você sabe onde ele está?
— Ele não é tão bom assim, eu devia ter começado a desconfiar aí.
Marzia narrou o que aconteceu quando encontrou Morales e que tudo
correu bem. Ele não pediu informações, disse que sabia que eu as havia
tirado da cidade por causa de Vito. E estava na hora de elas poderem voltar
para casa, que Jeanne estava errada e apesar de ela não ter ficado do lado
dele, não ia machucá-la. Então, na hora de ir embora, ele simplesmente a
separou das meninas e avisou que elas iam com ele.
E mandou que me desse o recado. Seria minha responsabilidade se
qualquer coisa acontecesse a elas. Era para mim me render, podia até fugir
da cidade e largar tudo. Olha só, que desgraçado clemente.
— Ele disso que te pega depois. Se você sair de LA, ele te acha, mas
devolve as minhas filhas antes.
— E você acreditou nele?
— Não sei — ela desabou mais um pouco. — Não o estou reconhecendo.
Nascari nunca pegaria as filhas do melhor amigo, Antonio! Nunca!
Não respondi nada, mas não tinha um desgraçado nessa história por quem
eu colocaria a mão no fogo. Não juraria nem por mim. Eu ia pegar alguma
coisa de Morales, dependeria de onde minhas mãos chegariam. E todo
mundo era filho de alguém.
Quando nos aproximamos da casa, achei melhor informar logo:
— Eu me casei.
— O quê? — Ela deu um pulo no banco e virou o corpo para mim, sua
expressão de choque era o esperado.
— O nome dela é Rachel.
— Desde quando você tinha uma namorada?
— Tem meses.
— Antonio…
— Você vai ficar com ela.
— Ela sabe?
— Como não saberia?
— Tudo?
— Praticamente.
— Sabe do que estou falando.
— Tácita já a viu, se é isso que está perguntando. O resto é questão de
tempo.
Tia Marzia balançou a cabeça, tão chocada que ficou sem perguntas,
resolveu pagar para ver. Eu não lhe dei mais informações, não sabia que tipo
de mulher ela esperava que eu tivesse em minha vida. Queria vê-la descobrir
tarde demais com quem estava se metendo. Rachel era atenta, inteligente e
esperta. Mas se ela entrasse lá esperando algo diferente, melhor ainda.
Capítulo 33: Tia Marzia
Rachel
◆◆◆
Annika 20:48
Calma aí. Espera.
Annika 20:49
Você SE CASOU COM O HOMI DA COMIDA? Aquele
BANDIDO?!
Annika 20:49
Ele não tinha levado uns tiros? Como que já tá
casando?
Annika 20:50
Eu vou te matar assim que chegar em LA!
◆◆◆
No dia seguinte, eu saí com Vittorio pela manhã. Ele foi à clínica do
doutor Narek, fez novos exames e se livrou de quase tudo. Ficou só com
uma tala móvel que pegava sua mão e o início do seu antebraço direito,
aparentemente foi o pior dano. Mas já não precisava de mais nada, ou seja,
ele estava livre para se envolver ainda mais onde não devia. Ou…
exatamente onde sempre deveria ter estado.
Nós paramos num café onde Deon foi nos encontrar.
— Mamãe ligou, perguntou sobre você — contou ele.
Nossa mãe estava num iate de luxo que deixou Los Angeles e por isso mal
notou que eu fiquei fora por uns dias.
— Pensei que ela ia entrar pelo Outono a dentro.
— Ela vai — ele deu uma olhada em Vittorio, que estava nos dando
privacidade enquanto comia um sanduíche, bebia café e olhava a TV que
passava o noticiário.
E adivinha só, estavam dando novidades sobre a operação da unidade de
crime organizado que tinha apreendido pessoas envolvidas no que eles ainda
chamavam de desdobramento das explosões dos meses anteriores e da
investigação do ataque em Malibu. Parecia fazer uma eternidade, por causa
dos poucos dias que passamos escondidos no paraíso onde eu nasci. Porém,
em LA o tempo passou do jeito normal e a polícia ainda estava só no
começo do escândalo que era o crime organizado ter deixado sua guerra sair
do submundo e estourar em um tiroteio numa mansão no bairro onde os
ricos e famosos moravam.
— Cadê o careca? Agora sua companhia é só o irmão italiano? —
Perguntou ele, sabendo que tinha um carro lá fora com mais dois caras.
— O careca está muito ocupado no momento. Eu levei meu cunhado ao
médico, ele é muito pequeno para ir sozinho, afinal, é o caçula — sorri.
Vittorio se divertia com minhas provocações, até porque além de ser bem
maior do que eu, ele também era mais velho. Mas eu que conhecia LA, nisso
aí o novato era ele. E eu que aproveitei sua saída “inocente” para ir o médico
para marcar um café com meu irmão.
— Falando em família… Minha mãe também quer saber o que você fez
com Nadia.
— Por quê?
— Segundo ela, Nadia está quase outra pessoa. Até foi trabalhar e tem
estado na dela.
— De nada.
Ele franziu o cenho para mim, esperando explicações.
— Eu te falei do spa e reabilitação. Ela me jurou que vai continuar a
terapia. Dei um tempo para se resolver, enquanto isso, ela vai continuar
naqueles bicos que arranjei no estúdio.
— Daqui a pouco ela vai querer seguir a mesma carreira que você.
Dei de ombros.
— Tem muitas ramificações para ela seguir se quiser trabalhar no meu
ramo — aleguei.
O celular de Vittorio tocou e ele só o levou ao ouvido, depois levantou e
parou ao nosso lado.
— Vamos. Tenho uma tarefa, vou deixá-la em casa — avisou.
— Olha só, do gesso direto para as tarefas — levantei as sobrancelhas
para ele. Tenho certeza que apesar do tanto de informações que estavam
enchendo o cérebro dele, Vittorio era um cara de ação.
— Você vem? — Ele perguntou a Deon.
— Não, vou pegar o contador — parecia código, mas sabíamos do que se
tratava.
Voltei com Vittorio para casa, ainda era meio da manhã, pois o horário
dele no médico foi bem cedo. Não encontrei mais Antonio, mas Marzia
pareceu atarantada ao me ver.
— Você saiu! — Ela entrou rapidamente na sala. — Tomei um calmante
para conseguir dormir, quando acordei não escutei nenhum som.
— Fui ao médico.
— Você está bem?
— Ótima — não era mentira, quando me tiraram daquela caixa, fizeram
todos os exames e apesar de tudo, minha saúde física estava boa.
Ela sentou para tomar o desjejum e eu sentei junto, já tinha bebido todo o
café que precisava, mas belisquei um biscoito para puxar conversa. Puxei o
assunto sobre tempos melhores, para levantar um pouco seu humor. Evitei
falar sobre Vito, por motivos óbvios. Eu desconfiava que ninguém havia dito
a ela que ele me sequestrou, trancou numa caixa, enterrou e me deixou lá
para morrer.
— Eu não sei onde estava com a cabeça, estava com quarenta anos e
grávida — contou ela, falando de sua filha de 14 anos.
— A medicina avançou bastante, são outros tempos — dei corda.
— Eu sei, porque engravidei de novo. Tínhamos só dois filhos ainda
jovens, então não me protegi e… Francesco ficou tão animado — ela
balançou a cabeça enquanto olhava para a xícara.
Servi mais café, não era a obra de arte em forma de cafeína que Antonio
gostava de fazer para mim, mas também era ótimo, fiz uma capsula dupla e o
cheiro permeava o ar. Alimentei a conversa até ela começar a falar do
sobrinho e sua chegada aos 10 anos.
— Foi difícil e ao mesmo tempo não foi. Ele quase não falou por meses, o
rapaz que o trouxe na época, Tommaso, disse que era uma criança ativa e
brincalhona, mas o menino que chegou aqui não era. E meus dois filhos
eram mais novos, um ainda de colo. Não sabia bem o que fazer com ele, o
que só tornou mais fácil para Francesco tomá-lo para si e para seus
objetivos.
— De qualquer forma era mais uma criança… — continuei prestando
atenção e deixando-a falar. — Tinha que educar, mandar pro colégio…
— Eu o adotei, uma criança chega à sua casa aos 10 anos, traumatizada e
sozinha, com gente querendo matá-la. — Ela balançou a cabeça rapidamente
e me olhou. — Francesco o tomou, mas ao mesmo tempo ainda era um
garoto. No resto do tempo, ele era meu para educar, alimentar, vestir, por
mais assustadoramente independente que ele fosse já tão novo. — Ela
pausou e bebeu — Achei que ia perder os três.
Ela confessou essa última frase, saiu mais baixa, com seu olhar cravado
em meu rosto. Não estava tão longe assim de acontecer isso, em menos de
um ano o marido dela faleceu, seu filho morreu e seu sobrinho estava jurado
de morte. Sendo que o filho dela matou o próprio pai, tentou matar o primo e
acabou morto por ele. Agora o melhor amigo da família, tio por afinidade
dos filhos dela, padrinho de um deles, era o cara que ia matar o sobrinho que
ela criou.
Se conseguisse.
Sinceramente, eu estava esperando abrir vaga para trabalhar na produção
dessa trama, eu que ia matar alguém pelo trabalho. Problema era que, o
destino e minhas decisões me colocaram em um dos papéis principais e eu
não confiava na roteirista. A vaca ainda ia me ferrar. Certeza.
— Francesco se foi, Vito já havia começado a sair da linha, a desrespeitar
o pai e a tentar predar o primo. Mas ele não era o predador que pensava, não
é?
— Creio que não… — murmurei, era mais fácil eu lhe contar o que
predadorzinho de merda do seu filho fez comigo do que revelar que ele
matou o pai. Talvez ela desconfiasse, só não ia me dizer.
Ela bebeu o café e sua expressão era uma mistura crua de desgosto e
aceitação de quem já viu muita coisa.
— Se não fosse Antonio, seria outro. E é melhor que as coisas sejam
resolvidas dentro da família — ela voltou a me olhar. — Ele aprendeu com o
tio, mas é como o pai. Subiu cedo na vida, doa a quem doer, custe o que
custar. E por isso Gregorio foi morto. Talvez por isso tantos queiram impedi-
lo. Mas são outros tempos e aqui é Los Angeles. Temos nossas próprias
regras, nós nem existimos. Se ninguém o impedir, ele será o novo rei da
máfia morta — ela deu um sorriso amargo, com os lábios prensados.
Não consegui dizer nada, só continuei a observando. Marzia havia perdido
o marido e o filho, mas se o sobrinho vencesse, ela estaria orgulhosa e
segura. Ela podia contar as histórias que quisesse e narrar toda a vida de
Antonio. Havia algo errado ali.
Capítulo 34: Sem Devolução pro
Enterro
PÓLVORA
◆◆◆
Antonio 10:02
Gasolina?
Gasolina 10:04
Pólvora
Antonio 10:05
Fogo?
Gasolina 10:05
Fogo
Antonio 10:06
Tudo bem?
Gasolina 10:07
Sua tia está escondendo alguma coisa
Antonio 10:07
Sim, está. Mas eles realmente pegaram as
garotas
Gasolina 10:08
Que droga
— Eu estou sabendo que ele vacilou e a polícia está de olho nele, mas eu
vou chegar primeiro — falei com meu fofoqueiro preferido depois que ele
ligou de volta.
Nós fomos para o escritório de Tommaso em vez do meu, se alguém
conseguisse me seguir sem ser notado, meus itinerários não fariam sentido.
Voltei a cidade, mas não podia ser encontrado onde deveria. Nesse horário,
eu estaria no Centro da Cidade, chances altas de uns detetives à paisana da
Unidade de Crime Organizado estarem passando por lá regularmente para
ver se eu estava vivendo normalmente como dizia a mídia.
Minha assessoria já tinha deixado “escapar” a notícia de que eu retornei
ao trabalho e alguém vazou os supostos exames que comprovavam que fui
baleado no ataque em Malibu. Minha assessora colocou a culpa do
vazamento na polícia, que tinha acabado de negar e colocado a culpa na
clínica que não era a do Dr. Narek.
— Eu não posso impedi-lo, mas não recomendo — Tommaso recostou em
sua mesa e cruzou os braços.
Pietro estava sentado na poltrona do pai e só olhava, sem conseguir
decidir pela cautela ou pela ousadia. Ogul estava num sofá de dois lugares,
mas ele fazia parecer que era uma poltrona larga, só bebia café e olhava a
cena. Eu andava de um lado para o outro, irritado e sem paciência, uma
péssima combinação. Na verdade, eu estava de saco cheio, isso descrevia
melhor.
— Não sei se notou, mas estão todos recuados — disse Tommaso. —
Prestei atenção em todo mundo pelos poucos dias que você esteve fora. E
eles te obedeceram, estão tão fora do radar que dá para acreditar no que o
Prefeito fala sobre ser invenção da mídia para derrubá-lo. E a gente sabe que
não é por medo da polícia. Eles não têm nada para provar, só pegaram peixe
pequeno e por coisa dos últimos meses.
Ainda bem que havia Tommaso para ser a minha contrapartida, o cara que
tinha coragem e conhecimento para me dizer o que pensava. Mas eu
continuava de saco cheio de seguir uma linha que traçaram antes que eu
pegasse o giz.
— Morreu todo mundo — eu abri os braços. — Esqueceu disso? Vito
matou todos os caras que teriam o culhão de sair na rua com Morales atrás
deles e Tácita deixando todos morrerem. Depois eu matei os idiotas que
ficaram e me traíram ou não iam servir de nada. Aqueles que me são úteis,
eu mesmo mandei sumirem. Sobrou eu, você e o Alessandro na linha de
frente.
— Todos disponibilizaram os homens que tem se você precisar. Mas é
isso, se você for lá, eu não duvido que eles entrem atirando em LA. Ele não
perde a paciência há anos, mas você vai conseguir o feito. Tem uma linha,
Antonio, pode cruzá-la, mas não tem volta.
Eu consegui parar de andar de um lado para o outro e o encarei.
— Por que eu preciso ter qualquer tipo de deferência por ele? Por que eu
que preciso respeitar regras que ele não respeitaria para ter o que quer? O
amigo dele era o meu tio e assim que ele entrou em coma, Morales já
preparou o terreno para entrar nos territórios e nos negócios dele. Ele só não
contava com Vito no meio do caminho atrapalhando todo mundo. Ele ia vir
pra cima de mim, ia mandar meu primo escolher um lado. E teria tentado me
matar muito antes, só ficou quieto para ver se Vito daria a sorte de conseguir.
Ele quase conseguiu. Não devo porra nenhuma a Morales. Se alguém
ultrapassou a linha primeiro foi ele.
Tommaso não se abalava quando eu ficava puto, seu lado sentimental
atacava por outros motivos. No momento, ele estava trabalhando.
— Ele vai vir atrás do meu pai — disse Pietro, juntando os culhões para
abrir a boca. — Ele é o equivalente a Colagero para ele.
Eu parei na beira do tapete que ficava em frente à mesa de Tommaso.
— Eu sei — olhei para Tommaso e avisei: — Você vai sumir.
— Não, eu estou ocupado. Você sabe que não posso sair agora. Precisa de
mim tomando conta de todo o resto enquanto resolve essa merda.
— É sua vez de sumir. Leva aquela sua amante para passear já que duvido
que vá para onde enviou sua esposa.
Pietro olhou para o pai, a “esposa” era a mãe dele. Mas eles tinham um
acordo e até ela sabia que o marido tinha alguém, o filho preferia não se
meter nisso. A mãe preferia continuar viva, protegida e gastando o que
quisesse longe da gente. A irmã de Pietro também não estava no país, foi
enviada para um intercâmbio compulsório, sob um nome falso. Até a amante
dele estava entocada numa casa segura, porque ele se importava com ela.
Tudo porque Morales mandava varrer a vida da pessoa e usava todo
mundo que pudesse. Para azar dele, eu andava com um bando desgarrado
que quase não tinha relações próximas. Assim como eu. O que me sobrou
além das poucas pessoas que já estavam a minha volta?
— Vai, pai, porra. A gente vai fazer o que precisar — não parecia, mas
Pietro estava pedindo.
Tommaso desencostou da mesa, pegou o telefone e discou, ele precisava
arrumar sua saída da cidade, para ninguém saber para onde foi.
— Preciso de um dia ou dois e não vou sair da cidade sem ir ao Teatro, já
ando em dívida com ela — resmungou ele, mas levantou a cabeça e me
olhou. — Tem um vazamento em algum lugar.
Como se eu não estivesse pensando nisso desde que li o bilhete
ensanguentado. Um dos telefonemas que dei no carro foi para casa, para os
seguranças.
— Eu vou resolver — dei uma olhada no relógio. — Esses filhos da puta
conseguiram me deixar sem cabeça para pensar em comida. Vou passar no
Centro de Distribuição e vou para casa. Amanhã vou resolver isso e você
precisa desaparecer antes que eu volte.
Capítulo 35: Promessas Infundadas
GASOLINA
Antonio ficou um tempo com a tia, ele a consolou e disse que ia resolver
tudo. Marzia estava irritada e exigia respostas e informações. Ela fazia isso
constantemente e todos entendiam seu estresse. Ele a olhava como se
estivesse culpado e intrigado ao mesmo tempo.
Não fiquei prestando atenção na conversa deles porque eu tinha mais o
que fazer. Continuava me considerando destemida, mas a diferença de
dosagem entre coragem e estupidez era feita a conta-gotas. Algumas vezes
na vida a sorte vai te ajudar, outras vezes o bom senso vai entrar e te salvar
de dosar demais. Eu não ia queimar a minha próxima chance com a sorte por
pouca coisa.
Então, eu estava em casa com tia Marzia. A psicóloga falou comigo pelo
Zoom. Oliver fez seu show através do Meet. Annika estava fora gravando e
eu menti sobre estar em LA. Não podia encontrá-la agora.
Meus conhecidos e colegas de trabalhos mandavam mensagens e
deixavam ligações perdidas. Todos me convidavam, eu prometia um dia na
outra semana. Estava em LA, mas tinha acabado de postar uma foto marcada
em Palermo. Nenhum deles podia afirmar meu paradeiro.
Minha mãe estava navegando fora da cidade e eu fiz Nadia ficar na
encolha, Deon disse que estava tomando conta dela. Só meu irmão sabia
tudo. E Antonio havia me dito que ficaria fora também.
— E ele estará lá? — abracei os joelhos e fiquei sentada sobre a base em
volta de onde a banheira ficava, ele estava no chuveiro, no canto do cômodo.
— Ele tem locais preferidos, não importa qual seja, vou encontrá-lo — ele
parou de falar quando enfiou a cabeça embaixo da ducha para tirar o xampu.
Seu cabelo tinha crescido de novo e prova de que ele estava sobrecarregado
era que estava fazendo uso do barbeador elétrico em vez de ver o barbeiro de
sempre.
Só retomei a conversa quando ele já estava se secando do lado de fora.
— Eu sei que tudo que você faz é complicado, mas isso parece como um
dos pontos finais que essa disputa terá antes de fechar todos os arcos.
Antonio sentou a minha frente com uma toalha na cintura e a outra ainda
em volta do pescoço, ele me observou daquele jeito que eu podia ver a
diversão em seus olhos escuros. Não resisti e passei os dedos pela frente do
seu cabelo, afastando-o da testa, eu gostava desse corte com as laterais
batidas, também gostei quando ele usou mais curto. Droga, eu gostava dele
de todo jeito, mas cada dia ele vinha com um novo problema que o faria
sumir. De vez.
— Você vai continuar escrevendo aquele roteiro para fechar os arcos da
trama? — Antonio acariciou meu rosto e sua outra mão segurou por trás da
minha perna, como ele sempre fazia quando eu me sentava assim, parecia
que se ancorava a mim. E eu gostava, restaurava minha sensação de
segurança e conexão.
— Eu não seria uma boa roteirista, mas estou nesse ramo há um tempo, eu
sei quando os arcos começam a fechar e nem sempre é bonito.
— Bonito não vai ser, Raye. Eu só preciso que a gente caiba dentro desse
arco.
Ele levantou e esfregou a toalha pelo cabelo.
— Para com isso, vem cá — eu fui para o quarto.
Antonio vestiu a calça de pijama e uma camiseta, apareci com o secador
na mão, ele passou o braço em volta do meu pescoço, capturando-me com
cabelo e tudo e me beijou. Eu o abracei de um lado e segurei o aparelho do
outro. Ele continuou me beijando até eu não saber se passou um minuto ou
uns quinze. Encostei a testa nele e levei uns segundos lembrando do que ia
fazer.
— Senta aqui perto da mesa de cabeceira — apontei.
Liguei o secador, subi na cama atrás dele e sequei seu cabelo escuro, só
passando os dedos entre as mechas curtas. Antonio nem se mexeu, ficou bem
quieto até eu terminar, no mínimo pensava em toda a merda na qual já estava
afundado e em como ia mergulhar mais fundo ainda. Segundo ele, quando
saísse dessa areia movediça ao menos esse buraco estaria fechado.
— Você está me penteando para dormir? — Ele riu porque não resisti e
peguei a escova quando terminei.
Eu ri atrás dele e larguei a escova na mesinha, Antonio subiu na cama e
recostou contra a cabeceira.
— Vem pra cá — ele estendeu o braço e me pegou, eu me deixei recostar
contra ele. — Vai ser rápido, um dia, no máximo — contou ele, retomando o
assunto de ir resolver um negócio com o tal de Calogero.
— Não quero ficar sozinha com a tia Marzia. Tem algo estranho nela.
— Está desconfiando dela?
— E você não?
— Sim. Eu a pressionei, ela chorou. Jogou a história das filhas na minha
cara. Vou resolver isso e volto para lidar com ela.
— Promete? — Fiquei apoiada nele, olhando-o de perto.
— Ficar longe de você não era o plano. Nem deixá-la com os problemas
da minha tia. Volto rápido.
Eu abri um sorriso.
— Agora você vai prometer que vai voltar e fazer o marido que fica em
casa? — Provoquei, ele riu.
— Claro que sim — ele me apertou sob seus braços cruzados nas minhas
costas e me beijou. — Apaga essas luzes, vou te fazer um bando de
promessa infundada no escuro.
Fiquei de joelhos na cama enquanto sorria, girei o botão perto da
cabeceira que apagava as luzes do quarto, ficou só o abajur no canto. Desde
que vim morar com ele, sempre havia alguma luz onde dormíamos. Mas eu
estava melhor, com o tempo fui diminuindo as luzes até chegar ao ponto que
colocava o abajur na menor claridade. Especialmente quando ele estava
comigo.
— Vai, começa. Eu vou fingir que acredito — eu me soltei contra os
travesseiros.
Antonio se recostou junto a mim, segurou minha cintura e me olhou de
cima.
— E quando foi que fiz promessa furada?
— Casou, já era. Começa as historinhas. Eu tô só vendo.
Ele sorriu, deitou junto a mim, me beijou de novo e fez sua primeira
promessa supostamente furada:
— Vou voltar e passar um dia inteiro aqui com você — ele disse baixo.
— Ibiza foi bom — murmurei e empurrei seu cabelo macio e seco,
acariciando até o pescoço. — Você era só meu.
— Eu sou só seu, Gasolina — seus lábios roçaram os meus.
— Continua prometendo, eu tô gostando.
Ele prometeu que voltaria, que ia se livrar disso, que íamos ficar sozinhos
de novo, que ia devolver minha liberdade e me levaria café no estúdio…
fechei os olhos e o deixei me despir e prometer tudo contra a minha pele. Ele
nunca tinha deixado de cumprir.
Capítulo 36: Calogero
Antonio
ANTONIO
Não olhei a TV para ver quais eram os novos coitados que seriam
expostos para cobrir a narrativa que estávamos vendendo para cobrir os
danos. A situação estava tão fora de controle que versões conflitantes
estavam saindo da própria organização. Inédito.
— Do jeito que vai, ninguém precisará lhe dar um tiro na cabeça. Você já
se encarrega disso — reclamou Rachel.
Terminei de me vestir e ela estava pelo quarto usando o roupão do hotel e
soando frustrada. Eu sempre tinha uma mala com uma muda de roupa,
dinheiro e um celular extra. Os pertences dela chegariam logo, eu não queria
que ela fosse até a casa. Minha tia havia feito o favor de comprometer o
melhor local que encontrei como casa temporária para a minha esposa.
Desde a noite passada que ela não queria saber da minha existência,
mesmo quando voltei melhor. Só ganhei seu interesse quando falei sobre o
Teatro, como o local de encontro de todos na minha organização. Não falei
de Acca, porque elas ainda não seriam apresentadas. Depois apaguei perto
dela e dormi como se tivessem me dopado.
— Preciso garantir que minhas primas sejam devolvidas.
Ela girou no lugar e me olhou. De verdade, eu queria ficar com ela.
Rachel estava chateada, frustrada e com medo. Onde eu estava com a cabeça
quando achei que poderia compartimentar o suficiente para poupá-la de se
envolver tanto? Eu não era o meu tio, que apesar de tudo que Marzia viu,
ainda manteve minha tia em uma bolha enquanto ela criava as crianças e se
importava mais com seus passatempos e interesses pessoais.
Rachel não ia criar crianças agora, ela criava filmes e séries e prometi que
lhe devolveria isso. Eu não era o meu tio, estava mais próximo de viver o
desastre do meu pai. Porém, eram outros tempos, eu era minha própria
tragédia encenada na capital mundial do cinema. E não ia quebrar minha
promessa.
— Ele cedeu? — Perguntou ela.
— A contragosto.
Fui até ela e acariciei seu rosto, Rachel me olhou com irritação e uma
expressão de desagrado. Beijei-a para me despedir, enquanto pudesse, eu não
ia sair sem beijá-la, muito menos agora. Ela voltou a me olhar, então beijei
mais duas vezes.
— Sai de perto de mim — ela me afastou e se virou.
Vesti a jaqueta e fui para a porta.
— Tia Marzia ligou, ela seguiu suas instruções. E está impressionada.
Rachel girou para mim outra vez.
— Então ela se virou e não foi pega.
— São mais de 30 anos nisso. Transtornada ou não, ela tem que dar um
jeito. E agora todos os nossos homens sabem que nunca devem te
subestimar. Estão impressionados e apreensivos. Porquê da próxima vez que
a perderem, eles não terão outra chance.
— Azar o deles — resmungou ela, pronta para arrumar mais confusão.
Deixei o hotel e fui até o CDD que estava inaugurado, mas inacabado. O
que faltava estava indo o mais rápido que o dinheiro podia pagar. Meu
escritório estava pronto e eu tinha coisas para fazer. Supostamente é onde
ficaria o dia todo, mas na hora do almoço, saí em outro carro e peguei tia
Marzia. Ela possuía seus recursos, era preciso ter jeitos de se virar quando
entrava nessa vida. Marzia não dormiu na rua, estava limpa, alimentada e
usando roupas novas.
— Cadê as minhas filhas? — Perguntou ela.
— Vou pegá-las.
— Por que ele vai devolvê-las?
— Não por você, tia. Eu também peguei algo dele.
— Você vai me julgar agora?
— Longe de mim, são suas filhas.
— Você tem alguma ideia do que a sua esposa fez comigo? Estou cheia de
hematomas — Ela apontou, como se pudesse ver Rachel dali.
— Ela conseguiu te assustar, não foi? — Levantei a sobrancelha para ela.
— Ela encostou uma arma na minha cabeça! Disse que ia estourar o meu
joelho! E eu não sei como não nos matou na estrada! — Ela não conseguia
conter sua revolta.
— Não foi diferente do que você mandaria alguém fazer se Nascari
estivesse no meu lugar. Era a vida dela em jogo também, ela fez o que achou
preciso. Agora entra no carro, temos de ir.
Entrei logo depois dela e partimos.
— E cadê ela?
— Em segurança. Não graças a você, tia. Ia entregar a minha esposa.
— São minhas filhas, você mesmo disse. Eu entregaria essa sua Deusa se
precisasse — alegou, irritada e inconsequente.
Tia Marzia era uma mistura incrível de experiência e de ignorância. Ao
mesmo tempo que invejava o tanto que meu tio conseguiu resguardá-la sem
esconder a verdade, pensava no quanto isso a prejudicou. Mas as pessoas
eram diferentes, ela não sobreviveria ao que Rachel já passou ou ao modo
como Iana vivia. E elas não saberiam viver como Marzia para chegar viva
até aqui.
— Eu sei, não significa que aprecio. Um pouco mais de confiança em
mim seria apreciado.
— Eu não sou o seu tio, Antonio. Não penso como vocês. Ele pegou
minhas filhas e me chantageou. Eu fiquei tão nervosa e culpada que a
maldita da sua mulher enxergou e usou isso para descobrir o que queria.
— Eu sabia que você estava escondendo alguma coisa, mas errei em achar
que ia confiar em mim antes de tomar medidas drásticas. Vou te mandar para
o aeroporto, o avião está esperando. De um jeito ou de outro, vou pegar
minhas primas. Vocês vão deixar o país.
— Nossa vida é aqui. Tudo que temos está aqui.
— E só retornarão quando eu mandar. Não vai lhes faltar nada.
— Antonio… Eu não vou me despedir de Jeanne?
— Não. Fale com ela por vídeo, a internet é ótima onde ela está.
O carro parou e Pietro assentiu para mim.
— Entra no carro que está atrás, tia — beijei sua mão em despedida. —
Até breve.
Marzia apertou minha mão e me encarou.
— Você é o último ainda vivo na nossa família, não perca — ela desceu.
◆◆◆
◆◆◆
Fiquei sabendo que Rachel saiu durante o dia para realocar a sobrinha.
Minha tia me assegurou que não deu informações pessoais de Rachel e só
falou do meu casamento. Ninguém confiava.
Quando voltei pro hotel, Rachel estava no quarto com suas malas abertas
e tombadas a sua volta, enquanto ela estava sentada sobre o tapete, com as
costas contra a frente da cama. Entrei e ela só me olhou criticamente, mas
por hoje não tinha nada errado comigo.
— Tudo bem por aqui? — Ajoelhei ao lado dela.
Ela assentiu e eu a abracei, não tinha sentido nenhum em fingir que não
era isso que queria. Apertei seu corpo no meu e voltei a me sentir normal,
sensibilidade e desejo ainda funcionavam. Rachel encostou a testa no meu
ombro e perguntou:
— Você devolveu suas primas a mãe?
— Sim.
— Elas estavam bem?
— Entediadas.
— Ótimo.
Eu a afastei e a olhei. Antes de ir a São Francisco, já havia dito a ela para
esconder a sobrinha. Pelo menos sua mãe estava em alto-mar e Deon
trabalhava para mim, o único jeito de sumir com ele seria o sequestrando.
Mas ele estava entocado com o contador.
— Para onde você mandou a sua sobrinha dessa vez?
— Para terminar a reabilitação, naquele lugar caro que falei. Disse até que
ela ia encontrar uns famosos lá. Como não querem que a mídia descubra
quem dá entrada, ela estará entocada com nome falso. Igual as queridinha de
Hollywood que escondem que cheiram mais pó do que bebem água.
— Espero que ela não faça muitas amigas por lá.
Rachel riu um pouco e assentiu.
— Um problema de cada vez — ela colocou as pontas dos dedos nas
laterais da minha têmpora. — Tudo bem aí dentro?
— Por enquanto sim.
— Fica por aqui… Declara todos os incêndios apagados por hoje.
— Já me perdoou?
— Claro que não, mas dane-se. Prefiro te odiar de perto.
Eu a beijei só por isso, antes que ela mudasse de ideia. Entrelacei as mãos
pelos seus cachos e não lhe dei oportunidade de fugir. Rachel esfregou as
pontas das unhas no meu couro cabeludo, por cima da cicatriz do estilhaço,
do jeito que fez quando não me aguentei e a beijei no nosso primeiro jantar.
— Não vão me tirar daqui — sentei no tapete e a mantive perto. — A
gente também é uma urgência.
Estiquei as pernas e dei uma olhada nas nossas companheiras.
— E essas malas?
— Eu vou dar um nome para elas, de tanto que andam com a gente.
— Quais? Enorme, gigante e monstruosa? — Perguntei, dado o tamanho
GG das três malas.
— Não, elas são lindas e me salvam o tempo todo. É a Florzinha,
Lindinha e Docinho — ela apontou cada uma e nomeou.
Gargalhei, deixando a cabeça encostar contra a cama. Não me pergunte
porque eu sabia o nome das Meninas Superpoderosas, não era o que eu
assistia na TV na infância, talvez fosse por ter sobrinhas e em algum
momento nessa minha vida adulta de merda isso entrou na minha mente. Eu
simplesmente entendi a referência.
— E as suas três malas mal-encaradas que eu juro que são mais duras do
que as minhas; são o Durão, Explosão e o Fortão — ela nomeou-as também,
dessa vez não reconheci os nomes, deduzi que ainda fosse do mesmo
desenho.
— E aquela mala vermelha e menor que você teve que comprar na Itália e
acha que eu não notei? — Indaguei, apesar de a mala não estar à vista.
— Ela é linda, vai ser a Srta. Belo. Não espero que você saiba do que eu
estou falando — concluiu ela.
— Não, depois das três primeiras não faço ideia de quem sejam os outros.
— Justo.
Passei o braço em volta dela e continuamos olhando as malas e vivendo
um pouco de silêncio na companhia um do outro. Eu pensava que meu
tempo estava acabando e calculava todas as probabilidades dos meus planos
darem errado. Não era pessimismo, se quiser voltar para casa em algum
momento, tem de pensar nas perdas e mesmo assim a conta ainda será só
probabilidade.
◆◆◆
RACHEL
Eu estava pronta para passar o dia no hotel e ganhar uma grana com umas
publicidades que fechei. Tinha conseguido me organizar de novo e superado
a irritação por ser obrigada a sair da casa que mais gostei das três que
usamos na cidade. Eram todas lindas, mas essa era a mais aconchegante, não
estávamos seguros em lugar nenhum e ela conseguia passar a impressão de
que podíamos viver nela, apesar de tudo. E maldita tia Marzia tinha que
estragar.
Agora eu estava vendida, Antonio não mentia, então não podia mais
garantir que eu não estava exposta. Não importavam os seus esforços para
minha identidade ficar em segredo. Eu queria que minha irritação fosse só
xingar mentalmente, mas minha sobrinha me ligou:
— Eu fiz uma merda! Promete que não vai ficar puta comigo! — Para ela
começar a ligação assim, eu já estava irritada.
— Fala logo — mandei.
— Eu saí lá do spa chato. Tinha uma festa que eu queria muito ir! Minhas
amigas conseguiram convites! Tinha um bando de gente legal e famosa!
— O que você fez, Nadia?
— Eu ia voltar para a droga da reabilitação que você me colocou e nem
era pra você saber que saí!
— Nadia!
— Você disse para eu ficar ligada. Tia, tem alguém atrás de mim! Eu juro
que tem! Deve ser algum amigo do meu ex. Se me alcançarem, vão me levar.
Tenho certeza! Vem me pegar, por favor!
— Onde você está? — coloquei o celular no viva voz e já fui atrás de
roupas para me trocar.
— Perto da praia. Dormi no sofá da casa de um cara!
— Um cara? — gritei na direção do aparelho.
— O namorado da minha amiga! Vim com ela! E ela ficou lá com ele!
Acordei pra ir embora! Eu juro!
— Entra em algum lugar aí. Anda! Um lugar com muita gente!
Eu estava me arrumando para tirar umas fotos novas para uma
propaganda, arranquei tudo, enfiei jeans, camisa e tênis e larguei tudo para
trás. Peguei só o celular e a minha arma. A primeira pessoa que encontrei ao
sair foi Pietro. Ele estava no quarto ao lado do nosso e eu colidi com ele que
parecia só estar indo tomar café. Mas assim que me viu, ele franziu o cenho.
— Para onde você vai com essa pressa?
— Minha sobrinha…
— De novo?
— Se não a pegarem, eu que vou matá-la — passei por ele.
— Sozinha? Quer assinar a minha morte?
— Eu preciso ir pegá-la. Ela me ligou, disse que tem alguém atrás dela.
— Fica parada aí, dois minutos — ele abriu a porta do quarto dele. — Não
me ferra! Espera!
Eu fiquei balançando as pernas no lugar, numa mistura de raiva e
nervosismo. É claro que eu já tive 18 anos e já fiz burradas. Mas caramba,
isso cansava. Quando que ela ia escutar e parar de fazer merda? Essa fase
terminava? Pietro entrou no quarto uma pessoa e saiu outra: outra camisa,
sapatos e mais armado do que antes.
— A gente vai pegar sua sobrinha e levar para outro lugar. Não vamos
trazê-la para cá. Corre o risco de ela nos entregar igual à viúva, só que sem
querer, e denunciar nossa localização — disse ele, seguindo comigo.
— Vamos deixá-la onde ela deveria estar. Ela fugiu de lá, não devem
saber onde é.
— E a gente não sabe quem está atrás dela ou se realmente estão. Eu sei a
história do namorado dela que você matou.
— Eu não matei ninguém, só dei uma surra nele.
Ele teve tempo de me olhar seriamente enquanto ia para o carro.
— Fato é que ele não está mais nesse mundo. Algum aliado pode ter
conectado as coisas e querer perguntar se ela sabe algo. Ou pior — disse ele,
realista.
Nós entramos no carro, ele informou por mensagem que ia sair comigo.
Eu tinha garantido que não ia sair nesse dia. Os homens que costumavam
andar comigo não estavam. Pietro avisou para onde ir, para o outro carro
seguir. Não estávamos mais no litoral e o trânsito matinal de LA não era o
seu melhor amigo. Mandei várias mensagens para Nadia enquanto Pietro
dirigia, mas ela não me respondeu. Liguei e ela não atendeu.
Resolvi, ao menos dessa vez, dividir a carga com o pai dela. Agora, ele
estava na rua e se a encontrássemos, ele poderia levá-la para um lugar
seguro.
— Mas que caralho, Rachel! Eu tô indo pra lá! — Foi tudo que Deon
disse.
Soube que Antonio estava ocupado essa manhã, ele tinha ido mover
Calogero, algo sobre o plano que ia se desenrolar e precisava ser adiantado,
pois Morales tinha perdido a paciência e a discrição. Mesmo assim, ele me
mandou uma mensagem:
Pólvora 10:23
Me liga assim que encontrá-la.
Especialmente se descobrir quem quer pegá-la.
Chegamos ao local indicado por ela. Não era para eu ficar dando mole na
rua, eram dias críticos. Isso acabaria agora. De um jeito ou de outro. Para o
nosso bem ou nosso fim. No entanto, lá estava eu como uma idiota andando
pela Ocean Drive, de frente para a praia, tentando localizar a minha
sobrinha. Mais exposta, impossível. E ela não estava onde devia.
Capítulo 41: Uma Arma, uma Bala
PÓLVORA
Calogero tinha mantido a calma, por mais que ele pudesse sentir o bafo da
morte no seu cangote. Quando mais um dia amanheceu e ele continuou vivo,
ele adquiriu um pouco de confiança no negócio.
— Eu estou falando muito sério. Morto ou vivo, você vai me garantir —
disse ele.
O estresse tinha lhe dado olheiras e aquele cabelo com jeito de escovado
tinha perdido o volume. Mas com roupas limpas e a barriga cheia, ele estava
digno para continuar o plano de ser um traidor vivo. Traidor ele já era, dado
como morto ele já estava. Mas Morales era desconfiado, eu não apresentei
um corpo. Ele o queria para matá-lo por sua conta, ou para cremá-lo com
honrarias, como faria por seu amigo e segundo no comando.
Verdade era que esse título servia mais como status, Morales não dividia
comando com ninguém. E só delegava para fazerem tudo exatamente como
ele queria. Daí a surpresa da harmonia entre ele e Nascari no mesmo lado do
país ser surpreendente.
Calogero nunca foi o terceiro amigo, com equivalência de poder, ele era o
cara que ficava de vela no banco da frente. Excluído no tabuleiro dos dois
grandes, mas podia sentar na mesma mesa no jantar e casar dentro da
família. Olhando de fora, sua posição era ótima, bonita, dava respeito. Muito
poder. Olhando por dentro era que os vermes apareciam. E foi nesse ponto
fraco que enfiei minha faca.
— Se eu cair, você tem três opções. Esperar te tirarem do seu
“cativeiro”para fingir que não sabe de nada desde que mandei aquela foto e
torcer para acreditarem. Fugir e desaparecer; pega sua grana escondida, sai
do país, muda de nome e se arranja com Tácita. Ou dar um tiro na cabeça e
torcer pra ficar morto.
— E se você, seu azarão dos infernos, sair vivo disso. Qual a minha
opção?
— Eu te chuto daqui e descarrego em Vegas. Mas os seus problemas por
lá é você quem resolve. Eu já estou com o prato cheio.
— E depois?
— Depois o quê? Você está emocionado demais com essas perguntas, isso
não é discussão de relação — levantei e olhei o relógio. — Se te derem um
tiro depois, é problema seu. Com todo esse tempo de rua você tem que ter
terreno para voltar e assumir o seu lugar. Se for dar para trás agora, eu te dou
uma arma, uma bala e a gente poupa tempo.
— A finesse para negociação que dizem que você tem, foi enfiada no
rabo?
— Meu estoque acabou desde que meu primo queimou a porra do meu
centro de distribuição com ajuda do seu amigo. Não é mais negociação. É
pegar ou largar.
Coloquei uma arma sobre a mesa e deixei uma bala em pé, ao lado dela.
— E se ela me devolver? — indagou ele, iludido.
— Você sabe que ela não gosta de gastar energia com gente que escolhe
deixá-la. É o único jeito de se livrar do juramento. Acca não vai te querer de
volta.
Fui em direção a porta quando meu celular tocou.
— O terno está aí. Coloque-o para usar a arma ou fique pronto para
quando eu te chamar — avisei.
Deixei a sala e escutei a voz aflita do primo de Alessandro, o mais velho,
irmão do “primo do meio” que tinha morrido pelas mãos dos homens de
Morales.
— Pegaram ele! Aqueles ratos meteram a mão no distribuidor dele. Ele
ficou puto e foi lá! Pegaram ele!
— Onde?
— Rastreamos até Inglewood! No lado Sul.
— Perto do cemitério? Tem certeza que ele não largou o celular?
— Não muito longe de lá. Ele está off em todos os celulares.
— Continua procurando.
Desliguei e quase joguei o celular no chão. Abaixei o braço antes de fazer
merda. Eu precisava continuar ativo naquele número.
— Merda! Vem! — Saí da casa atrás de um hotel pequeno em Arlington.
Ogul me seguiu e entramos no carro, eu precisava de mais informações,
precisava ter certeza que tinham conseguido matar os homens dele e pegá-lo.
A tarefa não era fácil. Se fosse verdade, eu estava fodido. Eles não iam
devolvê-lo, essa possibilidade não existia. Sabiam que ele era meu amigo e
que eu iria atrás dele. Se queriam me atrair, haviam conseguido.
Capítulo 42: Enforcado
RACHEL
Tudo que eu queria era achar um calmante e tomar. Mas tinha medo de
apagar ou ficar lenta e não responder prontamente a situação em que havia
caído. Minha sobrinha tinha desaparecido. Pietro estava comigo, junto com
os dois caras do outro carro, mas os outros estavam ocupados em algum
problema que parecia tão ruim quanto.
— Vamos, achei o celular. Está parado — disse Pietro.
Ele ligou para alguém que rastreou o celular dela, partimos em
perseguição ao celular, esperando que estivesse com ela. Não sabíamos com
quem Nadia estava ou sequer o que havia acontecido.
— Você precisa voltar para onde está segura — Antonio disse ao telefone.
Eu podia dizer que ele estava irado e falava mais baixo ao celular, como
se precisasse manter dois humores sob controle: um para o que ele estava
resolvendo e outro para tentar me explicar porque eu não podia dar mole na
rua. Mas ele não precisava se dar ao trabalho. Eu sabia. Porém, estava sem
escolha.
— Vou voltar, vou pegá-la e vou voltar. Prometo — respondi.
Não sei se ele não tinha como continuar conversando ou se não tinha
paciência para tentar me convencer, sabendo que era inútil. Logo depois
chegaram várias mensagens para Pietro, eu tenho certeza que ele estava
mandando me apagar e levar de volta se precisasse. Mas eu precisava achar a
minha sobrinha. Estava tão focada nisso, que se ele apagasse as duas e
jogasse num carro para tirar da rua, eu não ia causar problemas quando
acordasse, desde que a encontrasse primeiro.
Nós passamos pelo cemitério e entramos em uma rua fina ao lado de um
motel amarelo que eu nunca tinha visto, porque aquela área da cidade nunca
foi meu caminho para nada. Não era um local barra pesada, era uma área de
baixa densidade, com casas e negócios pequenos. Então eu não podia
imaginar porque Nadia estaria ali.
— Eu não vou ficar para trás — avisei a Pietro.
— Se alguém não arranjar a minha morte, você vai dar conta disso —
resmungou ele.
O carro de apoio parou na beira da rua e Pietro botou o carro na entrada
do que parecia um beco. Olhando de fora, eu juraria que eram só casas, onde
morava gente e pronto. Mas até parece que nunca tinha visto a polícia
tirando as pessoas e coisas mais inacreditáveis de locais que pareciam só
“casas”. Não era o típico beco esquisito do Centro da Cidade, era um beco
residencial, com saída dos dois lados e cara de atalho local. Começamos a
escutar os latidos de ao menos dois cachorros. Normal, pessoas tinham cães.
Esses soavam grandes, mas ok…
Eu estava com um péssimo pressentimento, meu coração acelerou, tinha
medo de encontrar o corpo da minha sobrinha jogado depois das lixeiras
grandes, ou talvez dentro delas. Respirei algumas vezes, mantendo a calma e
depois da lixeira demos de cara com uma entrada, com a cerca de metal
aberta.
— Liga pra ela — Pietro sacou a arma.
Os caras do carro de apoio vieram atrás de nós. Infelizmente o Chapo
ainda estava internado e eu não tinha nomes para esses dois. Fiz a ligação, o
celular tocou, a música veio lá de dentro.
— Essa porra não está boa — disse ele. — Essa área não é comum para
aqueles bandidinhos com quem o namorado dela andava.
Nós entramos, o som do celular ficou mais forte até que eu o vi no
chão. Nem sinal dela. Pietro atendeu uma ligação, o celular dele só vibrava.
— O quê? — Exclamou ele. — Aonde?
A pessoa respondeu algo e ele disse:
— Só estou com mais dois homens. E Rachel. Não é cobertura suficiente.
Ele abaixou o celular e mexeu na tela, mandando uma mensagem. Meu
coração martelava. Ele levantou a cabeça e me encarou, eu me preparei, ele
não ia me olhar assim para me dizer que encontraram Nadia tomando
sorvete.
— Não foram os amigos do namorado dela — informou ele.
Não sei porque diabos ele parecia calmo, ele terminou a frase e eu escutei
o som dos tiros. Alguém estava atirando no nosso apoio. Ele correu na
minha direção e me puxou pelo braço. Os tiros continuaram. Escutei um som
de carro se aproximando em alta velocidade pela outra entrada do beco, ele
passou com tanta rapidez pelo portão e as grades de metal que carregou
quase tudo.
A porta do motorista abriu e o amigo de Antonio — agora eu já sabia que
era Alessandro — saiu de lá com uma arma na mão e abriu fogo na direção
da saída do lugar. Sua camisa estava coberta de sangue, seu cabelo
despenteado e sua ira era uma aura vermelha. O pior foi quando ele abriu a
porta do passageiro e arrancou Nadia de lá. Ela gritou, assustada com o som
dos tiros, mas ele não lhe deu escolha. Arrancou-a do carro de qualquer jeito
e a puxou bruscamente na nossa direção.
Pietro estava de pé, com a arma apontada para a entrada e Alessandro
empurrou a minha sobrinha na minha direção.
— Encontrei essa aqui no mesmo lugar que eles pensaram que iam me
matar, é caminho daqui, eles se entocaram nessa área desde que entraram na
cidade — contou ele. — Temos que ir agora.
Ela começou a choramingar assim que me viu, estava com o rosto sujo de
lágrimas que desceram levando seu rímel.
— Desculpa, eu só queria ficar na cidade mais um dia! Era importante!
Estapeei o lado direito do seu rosto, o estalo foi mais alto do que a força,
mas ela calou a boca imediatamente.
— Quando eu mandar fazer algo, você faz — rosnei.
Ela só continuou me olhando, agora bem alerta, tão chocada que não
conseguia se mexer, amedrontada demais para se afastar.
— É a última vez que me arrisco para limpar a sua barra. Chega — avisei.
— Não vai dar tempo de encontros familiares — avisou Alessandro.
E uma rajada de tiros veio na nossa direção e outra atingiu o carro que ele
chegou. Eu me abaixei mais e puxei Nadia que havia coberto os ouvidos.
— Você disse que estava em três. Não está mais. Vamos! — Avisou
Alessandro.
Nós tivemos de entrar mais no local e descobrimos de onde vinham os
latidos, havia uma espécie de canil ali, mas só vi dois espaços ocupados por
cachorros, as gaiolas grandes estavam vazias. Encontramos a saída para o
outro lado, uma porta dupla de garagem e uma menor. Pietro arrebentou a
porta com um tiro e um chute.
Havia outra cerca, mas essa era baixa e de madeira, do outro lado havia
jardim e uma casa. Era como se o terreno fosse dividido em duas funções,
residencial na frente e comercial atrás.
— Eles vão nos cercar — avisou Alessandro. — E o reforço?
— Estava a caminho.
— Tire-a daqui. Agora! — Falei para Pietro, empurrando Nadia em seus
braços.
— Não! — Ela choramingou.
— Esconda-a em algum lugar, faz qualquer coisa — pedi.
— Não posso deixá-la aqui! — disse ele.
— Para de perder tempo! Vai logo! Você só tem essa chance! — Gritei.
Escutamos os carros chegando, podia ser o nosso reforço, podiam ser os
outros. Alessandro me pegou pelo braço e me puxou para a passagem frontal
da garagem, talvez pudéssemos sair e ainda atraí-los para longe. Minhas
pernas se moveram, mas meus olhos estavam arregalados. O tempo havia
fechado e tinha um bando de espaços sem iluminação atrás da casa. Eu não
queria ir para lá de jeito nenhum.
Pietro levou Nadia na direção da cerca que dava em outra casa. Notei que
Alessandro estava mancando, mas ele se movia rápido assim mesmo. Só que
no final do caminho, apareceu um grupo de homens que eu não reconheci,
mas ele sim. Pois me puxou e a única rota que tínhamos era de volta para a
garagem que também fazia papel de canil.
Os cachorros eram grandes e deviam ser ameaçadores, mas os coitados
estavam desesperados com o barulho e ouvi um ganido assustado quando os
homens entraram.
— Você atira? — Indagou Alessandro, abaixado ao meu lado.
— Sim, só não tenho a melhor mira — resumi.
— É suficiente — ele trincou os dentes e tirou outra arma da parte de trás
do cós da calça, colocou-a na minha mão. Eu podia ver o sangue manchando
cada vez mais a sua camisa. — Seu rastreador está ativo, certo?
— Sim.
— Precisamos ganhar tempo.
— Para quê?
— Eles estão vindo.
— Mesmo?
— Foi uma armadilha. Para Antonio e eu. Acho que deram sorte de a
garota dar mole. Quando ela disse o seu nome, eu soube que era ruim. Mas
foi o que me deu a oportunidade… — ele nem terminou a frase, passou os
braços por cima da caixa de madeira e atirou.
Os homens que eu não conhecia apareceram dentro da garagem, alguém
do lado do beco atirou na direção deles. Talvez os seguranças do carro de
apoio não estivessem mortos ou já fosse um reforço. Mas eles atiraram de
volta. Percebi na hora o tamanho da nossa desvantagem numérica.
Estávamos encurralados.
Olhei pela lateral da caixa, levantei a arma e atirei. Acertei alguém na
perna. Lembrei da promessa que não tive tempo de cumprir, mas se saísse
dessa eu ia aprender a mirar tão bem com uma arma que seria capaz de
acertar um desgraçado daqueles em movimento e à distância.
— Ei! Chega! — Um deles gritou, depois que atirei.
Os tiros pararam. Não tínhamos bala suficiente para impedi-los. Acho que
agora eles tinham realmente matado os caras do apoio. Eles se aproximaram,
por três lados, com armas em punho. Meu coração batia na minha garganta,
eles podiam simplesmente ter nos dado um tiro na cabeça. No entanto, só
nos arrancaram de lá. Dois homens arrastaram Alessandro e um terceiro me
levantou e arrastou enquanto eu me debatia à toa.
Desde que encontramos o celular, até sermos pegos não foram nem dez
minutos e parecia uma vida de adrenalina correndo nas minhas veias.
— Precisamos de mais gente! — Gritou um deles.
O homem me obrigou a ficar ereta para ver alguém e vi a morte de pé à
minha frente. Aquele velho traiçoeiro. Morales finalmente resolveu colocar a
mão na massa. Assim como a maioria deles, não conseguia estimar sua
idade; podia jogar desde os cinquenta e tantos de uma vida de excessos até
os setenta e poucos de boa genética e procedimentos estéticos. Sua postura
era ereta, o cabelo era grisalho e abundante. E as rugas não eram suficientes
para a estimativa.
— Mantenham esse desgraçado bem preso dessa vez! É minha moeda de
troca por Calogero — ele se virou e sorriu para mim, mudando para um falso
tom agradável. — Sra. Denaro, mas que prazer encontrá-la pessoalmente. Eu
não esperava conhecê-la hoje.
— Seu mentiroso de merda — acusei.
— Ora, não seja rebelde. Eu sou um homem de idade. Já que não
pudemos encontrá-la em sua casa, estava planejando cumprimentá-la no
velório do seu marido. Mas já que resolveu vir até aqui — ele tornou a se
virar. — Aliás, onde está a garota idiota que vocês seguiram mais cedo?
— Não a encontramos mais — respondeu um dos homens.
Ele deu de ombros, pouco se importava com Nadia agora, mas senti alívio
por saber que ela e Pietro haviam conseguido fugir. Não passou um segundo
dessa breve notícia boa e escutei dois tiros na parte da frente, que daria na
casa.
— Aponta a arma para a cabeça dele! Me dá o telefone! Prende a esposa
que ela vai ter serventia — ordenou Morales.
Eles me arrastaram e jogaram dentro de uma das gaiolas grandes do canil.
Fui trancada ali dentro, não dava para ficar de pé, mas eu conseguia ficar de
joelhos. E dali assistia tudo. Eles obrigaram Alessandro a ajoelhar e
apontaram a arma para testa dele. Ele olhava para cima, encarando o homem
que segurava a arma.
Morales fez uma ligação e se afastou com o celular no ouvido. Um deles
correu para a porta que Pietro havia arrebentado e ouvi um carro cantar
pneu, pelo som, derrubou o resto da cerca que Alessandro havia carregado
quando chegou.
Ouvi mais tiros. Os homens se moveram, um deles gritou um aviso.
— Chefe! Não atira!
Eu pisquei e toda a situação a frente das grades mudou.
— Se você fizer qualquer besteira, eu mato os dois! — Avisaram.
Um homem apontou uma metralhadora na direção da gaiola onde eu
estava presa. Ele estava de pé lá no meio da garagem e as quatro gaiolas
eram construídas contra a parede esquerda, ao lado dos dois espaços que
continham os cães. Eu estava na primeira gaiola de baixo. Eram uns dois
metros de distância, mas com uma arma daquele tamanho, ele ia me
transformar numa peneira.
Foi quando vi Antonio. Ele entrou pelos fundos, com as mãos pro alto.
— Chuta a arma para cá — gritou um deles.
Ele chutou e continuou se aproximando. Morales sorriu, mas também não
se mexeu para chegar perto dele. Parou mais próximo de onde eu estava e
consequentemente das portas frontais, que dariam na casa.
— Você não veio aqui se trocar pelo seu amiguinho traficante, não é? —
O tom de Morales era puro sarcasmo misturado a muita condescendência. A
verdade era que ele sempre teve certeza que venceria.
— Deixe a minha esposa ir — disse Antonio.
— Sinceramente, Diabolik, eu achei um insulto não ser convidado para o
seu casamento. Sempre conseguimos deixar diferenças de lado para celebrar
momentos tão importantes — o sorriso em sua face fazia seu tom soar
estranhamente agradável.
Eu podia ouvir o tique-taque ressoando nos meus ouvidos.
— Sou o único que você quer, corta a palhaçada — mandou Antonio.
Aquilo não estava certo e todos ali sabiam. Morales assumiu um tom
direto e cortante quando os segundos de provocação terminaram.
— Calogero? — Perguntou.
— Uma arma, uma bala. Escolha dele. Acca não devolveu — informou
Antonio.
— Desgraçado — Morales rosnou baixo, mas também assentiu, como se
fosse algo esperado do seu homem mais valioso. — Atira nos dois. Ele vai
comigo para levarmos o corpo de volta.
O cara puxou o gatilho e foi só barulho e caos. Alessandro não aceitou
morrer de joelhos. Quando ouviu a ordem, ele pulou na direção do homem
armado a sua frente. Eles lutaram pela arma, mas ele caiu, baleado. Eu
deixei de ver tudo por uns cinco segundos, quando me encolhi e cobri a
cabeça com os braços.
Ouvi os tiros acertando a parte de cima da minha gaiola. Não ouvi mais
carros chegando, mas um tiroteio pesado irrompeu. Não eram mais pistolas e
não eram só os homens de Morales com armas grandes. Quando olhei
novamente, vi que Pietro havia voltado, ele estava brigando com um dos
homens.
Concluí que não fui atingida porque Antonio pulou contra o cara, a arma
tinha voado longe e ele socava o rosto do homem furiosamente.
— Matem-no agora! E vamos logo! — Ordenou Morales, mudando suas
ordens ao perceber que não tinha mais tempo de levar seus reféns.
Eu gritei como se pudesse avisar e tentei sair. Três homens avançaram
sobre Antonio e não deu tempo de fugir de tantas mãos. Eles o pegaram por
trás, enquanto ele socava, chutava, desviava e levava golpes. Com quatro
caras se engalfinhando, eu não via nada além de uma porradaria
generalizada.
Um deles conseguiu puxar Antonio violentamente para trás e só então os
outros dois pararam de lutar e focaram em contê-lo. Eles usaram um cabo de
aço fino, preso a uma haste rígida do mesmo material. Igual aqueles
utilizados para capturar animais selvagens e cachorros perigosos pelo
pescoço. Passavam o laço pela cabeça do animal e puxavam rápido pela
haste e estava preso, não tinha como soltar.
Mas Antonio era um humano e tinha braços e pernas. E ele lutou, mesmo
sendo puxado como um bicho que queriam matar e não apenas capturar. Eles
o prenderam por trás, apertando seu pescoço e o imobilizaram. Um segundo
depois, o penduraram no gancho que eu nem tinha visto até aquele momento.
Então o soltaram e o gancho subiu, tirando-o do chão.
— Rápido — gritou outro.
Eles correram na direção de Morales que assistiu com pura satisfação. Eu
gritei, meus olhos fixados em Antonio. Eles o enforcaram. Ele estava
pendurado no ar, só pelo pescoço, seu corpo estava rígido, cada músculo
tensionado para tentar vencer a gravidade, seus dedos agarrados a coleira de
aço em volta de sua garganta.
— Não! — Eu gritei mais alto, balancei a grade da gaiola com toda a
minha força, mas ela não soltou.
As pernas dele se moviam no ar, toda a tensão do mundo estava contida
em seu corpo. De onde estava eu não podia ouvi-lo sufocar, mas dava para
ver. E ele começou a perder a briga. Não havia como afrouxar ou ceder, era
aço e ele estava pendurado pelo pescoço, com todo o seu peso puxando-o
para a morte.
Mudei de posição e chutei as grades, fez um barulho enorme, entortou,
mas não soltou o suficiente para eu sair. Voltei a ficar de joelhos e gritar.
Minha testa grudou na grade, as lágrimas desciam tão profusamente que eu
via tudo embaçado. Mas era suficiente para enxergar o meu marido
morrendo. Ele teve um espasmo e eu continuava gritando e balançando a
grade.
Eu estava assistindo o fim da promessa que ele me fez.
Enquanto eu respirar. Até meu último suspiro.
Antonio estava literalmente parando de respirar a minha frente. Da forma
mais dolorosa. Ele lutou mais do que parecia possível para uma pessoa, mas
tive de assistir seus sentidos irem embora.
Sequer notei os tiros cessando e os homens de Morales recuando, não vi
quando ele saiu. Só escutei um som de algo arrebentando, como se tivessem
explodido uma porta, uma parede, qualquer coisa. Vi Pietro acordar e
levantar, todo fodido, para ir na direção de Antonio. Vittorio entrou correndo
e agarrou o irmão pelas pernas. Elevando-o.
Antonio não se moveu, Bellini correu e também o segurou, elevando
ainda mais, para cessar a pressão no pescoço. Mas era aço, eles tinham que
soltar o gancho. Eu acho que estava gritando isso, mas na verdade, eu só
chorava desesperadamente, agarrada as grades, com os dedos machucados
da força que fiz para sair.
Não sei quantos segundos alguém levava para morrer sufocado quando
seu pescoço não quebrava no enforcamento. Mas esses segundos passaram,
vi seu corpo tremendo no ar e perdendo as forças.
Até o último suspiro.
Eu o perdi como se ele tivesse previsto que seria assim.
E eu não pude fazer nada. Foi como morrer junto. Só que eu ainda
respirava. E doía tanto que um daqueles tiros só podia ter perfurado o meu
peito.
Vi através das lágrimas que soltaram o gancho e o peso de Antonio
desabou sobre eles. Bellini, Ogul e Vittorio o ampararam e o deitaram no
chão enquanto Denver corria para eles. Com todos em volta, não pude ver
mais nada, não sei se sequer tentaram ressuscitá-lo com massagem cardíaca.
Mais homens entraram, pegaram Alessandro e levaram embora, eu
também não sabia se ele estava morto ou desacordado. Mas havia sangue
nele e uma poça no lugar onde ele esteve. Eu sabia que Pietro estava vivo
porque ele estava de joelhos perto dos outros. Ele tentou levantar e ir, mas
parecia desorientado, acho que o acertaram na cabeça, dava para ver sangue
descendo nas laterais do seu rosto.
Não me mexi mais, continuei chorando junto a grade. Só escutei o som da
voz de Bellini quando ele abaixou a minha frente. Havia sangue nele
também, mas não sei se lhe pertencia.
— Vai pro fundo, Rachel. Vou te tirar daí.
Eu não respondi prontamente, era como se meu corpo estivesse dormente.
Reagi porque ele foi soltando meus dedos da grade como se houvesse cola
neles. Sentei com as costas contra o fundo da gaiola, ela só tinha grade na
frente, as laterais eram lisas, frias e feitas de metal. Ele quebrou o cadeado
com a arma, depois quebrou também os fechos e fez força para soltar a porta
emperrada. Eu nunca teria saído dali por conta própria.
Bellini esticou os braços e me tirou de lá. Quando fiquei livre, minhas
pernas funcionaram e eu corri para onde Antonio estava deitado com os
outros ajoelhados em volta. Não estava tão firme assim, pois fui ajoelhar de
novo e tombei mais do que qualquer coisa.
Logo depois, eles o seguraram e sentaram.
Paralisei de choque, susto, alívio, confusão.
— Respire, respire devagar — instruía Denver, com uma das mãos em
suas costas, aparentemente ele que aplicou os primeiros socorros. Ogul e
Vittorio ainda seguravam cada um num ombro dele, mantendo-o estável.
Observei seu rosto, ele estava vermelho, não de um jeito normal, mas
como se tivesse feito tanta força que os vasos de sangue estouraram,
principalmente no topo de suas bochechas. Ele abriu os olhos, lágrimas
desceram, daquelas incontroláveis que aparecem quando nos engasgamos.
Ou somos enforcados.
Fiquei assustada quando vi seus olhos escuros e achei que estivesse vendo
coisas. Estavam pretos. Só pretos. Completamente. Eu esperava vermelhidão
e vasos estourados, não aquilo.
Mas o seu pescoço.… minha nossa, o seu pescoço estava arrasado. Era
como se tivessem tentado degolá-lo só com a pressão do fio de aço. Tenho
certeza que é o que teriam feito se não fossem interrompidos, puxariam até
apertar tanto que a cabeça desconectaria do corpo.
E ele ainda parecia sem ar.
Passei as mãos pelos meus olhos, continuavam embaçados das lágrimas.
Pensei que estava alucinando. Mas foquei o olhar no seu peito, procurando
sinal de respiração. Voltei a reparar seu rosto.
Antonio olhou para mim, sinceramente, não achava que ele tinha
condições de esboçar qualquer reação. E não podia falar, nem tentou. Mas
ele piscou, o branco dos seus olhos reapareceu, coberto de vermelhidão e ele
continuou olhando fixamente para mim.
A última vez que senti esse nível de pavor, eu estava morrendo numa
caixa escura. No estado em que estava agora, eu só consegui tocar sua perna
e murmurar seu nome, tinha até medo de tocá-lo.
— Antonio… — meus olhos ardiam, mas ainda caiu mais uma lágrima
enquanto o olhava.
— A polícia está quase aqui, vão entrar pela frente da casa — Avisaram.
Eu não tinha a menor noção de tempo, estava tudo suspenso. Mas se a
polícia estava quase chegando, tudo aconteceu num redemoinho ou
demoraram para chamar.
Eles o levantaram, seus homens mais fiéis agarrados em seus ombros e
braços como se precisassem tocá-lo. Foi nessa hora que vi o chão sob os pés
dele. Aquilo era água? Havia uma poça onde ele esteve deitado. Não tinha
como ele ter suado tanto. E seu cabelo estava mais úmido do que era
possível apenas para suor.
Mas que…?
Havia diversos homens na entrada que dava no beco, eu não registrava
seus rostos, mas eles foram abrindo caminho, olhando Antonio como se ele
tivesse acabado de levantar da morte.
Denver e os outros o levaram para um dos carros, havia alguns parados
dos dois lados do beco e alguém trouxe para o mais perto possível e o
enfiaram no banco de trás.
— Não se mexe, por favor — pedi ao me sentar ao lado dele.
Pietro foi no carro conosco, nós nos separamos, não sei para onde foram
os outros carros. Eles não deixaram nem o veículo que Alessandro veio.
Também não deixaram os corpos dos nossos ou as armas. Se tivessem
arranjado uma torneira ali dentro e lavado o chão para receber a visita da
polícia, eu não ficaria surpresa.
Havia um hospital próximo dali, mas não havia a menor possibilidade de
interná-lo lá. Atravessamos a cidade, numa velocidade estável e torturante.
Descobri que Pietro não teve tempo de tirar Nadia dali, os homens de
Morales os teriam visto. Ele a escondeu na casa e mandou que ela não se
mexesse para nada se quisesse continuar viva.
— Ela ficou lá?
— Mandei um dos homens tirá-la pela casa ao lado e levá-la embora —
respondeu ele, sentado no banco da frente com um pano pressionado contra
a lateral de sua cabeça para conter o sangramento.
— E ele fez isso?
— Sim, deu tempo.
— Acho que o local para onde ia enviá-la não é mais seguro — contei,
sem confiar em mais nada. Afinal, ela ferrou tudo ao aparecer na cidade, mas
eles já estavam no seu rastro para pegar esse deslize.
Depois que Marzia contou sobre mim, foi questão de tempo para Morales
descobrir minhas conexões. Por isso eu tinha praticamente cortado
comunicação com Annika, ela não sabia onde eu estava mesmo que
ameaçasse voltar a LA o tempo todo. Mas minha sobrinha era outra história.
— Não deu tempo de conversar, não sabemos se ela disse algo.
— Ela não sabe nada. Nunca contaria, porque jamais confiaria nela para
isso. O pior que ela viu foi hoje. Entregue-a pro meu irmão, ele deve estar
desesperado. Não pude mais mandar notícias.
— Ótimo, vamos deixá-la de molho até você poder falar com ela e
lembrá-la de como a vida dela foi salva por você duas vezes. Costuma
funcionar — disse Bellini, sentado ao volante.
Quando encostamos na clínica, já estavam nos esperando. Vittorio e Ogul
tinham chegado antes. Dessa vez, colocaram Antonio numa maca e o
levaram. Minhas mãos tremiam enquanto uma enfermeira limpava os cortes
com antisséptico e cuidava das minhas unhas quebradas. De novo. Dessa vez
não chegou perto dos machucados da caixa, mas fazia diferença?
— Mas que diabos vocês fizeram dessa vez? Não era mais fácil usar um
machado afiado? — Dr. Narek cuidava dos ferimentos no pescoço de
Antonio depois de fazerem exames de imagem para avaliar os danos
internos.
Eu fiquei olhando da porta, Vittorio estava sentado perto da janela e
Bellini estava de braços cruzados, só observando a uns passos de distância.
Nenhum dos dois dizia nada enquanto o médico citava inchaço, laringe
lesionada, anti-inflamatórios que passaria e toda sorte de linguagem médica
que ele dizia para a enfermeira que o assistia.
— Você voltou, não foi? Nem ferrando que isso foi só dano, ninguém
sobrevive a isso — resmungou o Dr. Narek.
Eu havia visto Antonio tomar um tiro, ele havia sangrado sob as minhas
mãos. Eu o conheci mais ferrado do que nunca, com um estilhaço na cabeça
e vários ferimentos potencialmente mortais. Vazando o dobro de sangue
daquele último tiro. No entanto, eu não conseguia explicar o fato de não
suportar olhar o seu pescoço. Eu o vi morrer pendurado num gancho.
O médico envolveu o pescoço dele com um curativo e disse mais umas
coisas estranhas sobre os remédios. Eu me aproximei e o olhei, Antonio não
havia esboçado qualquer reação enquanto o médico falava e cuidava dele.
Ele parecia triste desde o momento que o sentaram ainda lá na garagem. Mas
quem não estaria miserável?
Além do pescoço, ele tinha um olho roxo e hematomas. Ele
provavelmente estava vivo porque se comprou tempo ao brigar e dar um
trabalho do caralho aos três homens que conseguiram pendurá-lo no gancho.
Eu queria que eles morressem do pior jeito, igual aos dois caras que me
colocaram na caixa.
Toquei a mão dele e esfreguei o polegar sobre os caminhos eternamente
marcados pela queimadura da explosão do dia que o conheci. Suas tatuagens
chegavam até o pulso e a queimadura tinha estragado a beira do desenho do
artista. Inclusive da folha final de um dos ramos. Até hoje ele ainda não
tinha pensado em retocar. Tinha tanta coisa acontecendo.
Antonio manteve o olhar em mim, acho que depois dos remédios, ele não
sentia mais dor, ele podia agir como se a dor fosse mais um estado pelo qual
precisava passar. Porém, eu não enxergava assim. Ele moveu os lábios e eu
não escutei nada, mas entendi o que ele disse.
— Rachel — ele segurou minha mão e apertou, dessa vez era diferente.
Ele estava numa cama de hospital, mas estava lúcido. — Gasolina.
Ele levantou a outra mão e fez um sinal para Bellini que deixou o quarto.
Eu me inclinei e encostei os lábios na testa dele, depois o beijei ali e
mergulhei o nariz no seu cabelo escuro. Antonio continuava apertando
minha mão.
Bellini voltou com um bloco e uma caneta. Antonio me soltou para
escrever, suas mãos estavam marcadas de novo, de socar a cara daqueles
desgraçados.
Como você está? — Ele virou o bloco para mim.
Eu dei de ombros, não sabia dizer, meu humor estava no pé, minha
energia também. Mas eu estava fisicamente intacta, enquanto ele estava
naquela cama, Alessandro estava na mesa de operação, Pietro estava levando
pontos na cabeça, outros estavam tendo balas retiradas do corpo. E ainda
havia aqueles que a família ia receber a notificação. Mas eu estava uma
merda mesmo assim.
— Arrasada e viva — respondi.
Antonio manteve o olhar em mim, como se lesse tudo que eu não falei
passando num letreiro na minha testa.
E Alessandro? — ele escreveu e mostrou.
— Ainda estão costurando os estragos — informou Bellini e seu tom era
tão estranho. Como ninguém estava levantando a possibilidade de
Alessandro não sobreviver? Pelo que escutei sobre a gravidade dos seus
ferimentos, era para ele estar num saco de cadáver.
Antonio escreveu umas ordens; sobre os homens, a proteção, quem e o
que precisavam checar, quais informantes precisavam contatar e o que
diriam e como esperariam amanhecer para ver no que ia dar. Depois
escreveu em outra folha:
Leve-a para outro lugar. Agora.
— Não. Por quê? — Reagi.
Você precisa ir descansar. Num lugar seguro.
— A clínica não é segura?
Não. Por enquanto, não.
— Você só quer que eu aceite ir — resmunguei. — Não quero ficar
sozinha agora.
A tristeza derrubou meus ombros, não queria ir a lugar algum. Não me
importava de ficar na clínica, mas preferia ficar com ele em vez de separar o
grupo para me levarem para ficar sozinha. Antonio levantou a mão e cobriu
o lado esquerdo do meu rosto, descansei o peso da cabeça na palma dele. Ele
levantou a outra mão, com o papel que continha as ordens, entregou e fez um
sinal para os outros voltarem depois.
Ele tirou a mão do meu rosto e escreveu novamente.
Sobe aqui.
— Não. E se pressionar seu pescoço.
Antonio só franziu o cenho para mim e escreveu:
Não me obrigue a tentar balançar a cabeça. Sobe na cama.
Eu sorri com sua tentativa de humor, mas não queria que ele tentasse, a
gente nem notava o quanto nosso pescoço trabalhava para mover a cabeça.
Pelo menos não até ter um torcicolo, dar mau jeito ou quase ser morto com
um estrangulador de aço.
Deixei meus tênis e só então vi as meias coloridas e de cores trocadas,
quem sabe elas ajudaram a ter um pouco de sorte. Ajeitei-me junto a ele e
encostei a cabeça no seu peito, longe suficiente do seu pescoço, pois deve ter
dado para notar o quanto eu estava impressionada e temerosa sobre isso. Um
mar de emoções me afogou quando encostei o rosto nele e senti sua quentura
e a realidade do seu corpo junto ao meu, das batidas do seu coração soando
sob o meu ouvido.
Chorei no peito dele, de alívio, de medo, de exaustão… Sentia a mão dele
acariciando o meu braço, sabia que ia amanhecer e ficaria de pé para
enfrentar o que fosse acontecer. Mas naquela noite, chorei até apagar.
Capítulo 43: Não Persiga os Mortos
Antonio
— Eu não quero lanchar, Iana. Vou ficar aqui postando umas coisas —
continuei olhando a tela do celular.
Tentei me distrair no mundo de mentiras perfeitas que era o Instagram,
mas deixei a TV ligada porque vez ou outra o noticiário dava algo
interessante. Postei uma foto de Ibiza em que eu estava glamorosa, com um
chapéu enorme, óculos escuros de grife, um biquíni lindo que fui paga para
usar; daqueles que eram só beleza para foto, pois se tentasse tomar sol nele
ficaria com várias marcas nos quadris e torso.
No mundo real, eu estava em um quarto de hotel bacana, vista para a
piscina, mas com as cortinas claras fechadas e sem nenhuma vontade de
comer. Iana tinha ficado comigo depois do episódio naquela garagem.
Toda a nossa estrutura caiu assim que os homens saíram, levaram quem
precisava pro hospital e se desfizeram das provas. Todos desapareceram.
Juro, foi como mágica. Nem em filmes vi uma operação tão organizada.
O iate zarpou e deixou as águas da Califórnia. O hotel em que estávamos
foi esvaziado. A casa que tínhamos gostado e foi exposta por tia Marzia,
estava vazia e tão limpa que nem encontrariam digitais. Iana apareceu para
me buscar na clínica, junto com três carros de homens armados e minhas
malas prontas.
Deon sumiu com Nadia e o contador, soube que deixaram a cidade. Minha
mãe nem voltou aos Estados Unidos, ela recebeu uma proposta que para ela
pareceu normal e estava administrando um iate enorme que nem eu sabia por
qual mar estava.
Jeanne, Mack e Clarissa tinham sido movidos de novo e ninguém sabia a
nova localização. Até meu antigo apartamento foi esvaziado e devolvido
para a proprietária, Karen já tinha dado o fora. Cada pessoa relacionada a
gente sumiu, os locais foram limpos e no caso de carros e aparelhos, até
destruídos.
Era como se nunca houvéssemos vivido nada do que aconteceu.
— Trouxe algo diferente do café — uma pequena garrafa de suco
gaseificado e gelado apareceu a minha frente.
Levantei a cabeça, Antonio estava sorrindo para mim. Eu escutei o que ele
disse porque o único barulho era o som baixo da TV, mas sua voz era só um
sussurro rouco. Fiquei de pé e o abracei, mantendo minha cabeça longe do
curativo limpo e novo que estava em seu pescoço. Ele me envolveu e senti
aquele conforto e alívio de quando se abraça a pessoa que ama depois de um
tempo sem vê-la. Antonio aceitou continuar em recuperação no hospital por
mais dois dias, em compensação, eu não podia ir vê-lo. Não seria inteligente
para nenhum dos dois.
Afastei-me e aceitei o suco, fez um leve som de estouro quando abri.
Consegui rir um pouco ao olhar para a garrafa. Era uma daquelas que a
Lorenza fornecia. Foi como lembrar nossa piada interna. Bebi um longo gole
e deixei-a na mesa, voltei e o encarei. Antonio não estava falante por
motivos fáceis de ver, mas seu olhar estava pregado em mim e eu já
conseguia entender páginas e páginas de coisas só em seus olhos escuros e
sua expressão.
— Diz que você não vai entrar aqui, trocar de roupa e cair no mundo.
— Hoje não — ele tocou meu rosto, olhando-me de perto, sua outra mão
desceu pelas minhas costas e seu braço me envolveu.
Seus lábios tocaram os meus e ele me beijou devagar e decididamente,
como sempre fazia, sem hesitação alguma sobre poder fazê-lo ou sobre
como eu o receberia. Ele sabia. E eu perdi tudo quando o beijei de volta. O
desgraçado ainda estava com o rosto machucado, o pescoço envolvido por
uma bandagem e hematomas novos, mas exercia todo esse controle sobre
mim. Meus sentimentos, minhas reações e sensações pertenciam a ele.
— Então vamos fingir que você é uma pessoa que se recupera de
ferimentos como gente normal — dei um passo para trás e desabotoei sua
camisa.
— Você vai ficar de molho junto comigo? — Perguntou ele.
— Claro.
Antonio tossiu ao tentar rir quando tirei uma calça de pijama da mala e lhe
dei, após ele dizer que precisava tirar o cheiro de hospital antes de virar o
meu enfermo.
— E agora? — Perguntei quando me estiquei na cama ao lado dele.
— Eu vou terminar esse assunto, Rachel.
Fiquei olhando para ele, sabendo que ferido ou não, Antonio não ia passar
outro dia descansando naquela cama comigo. Provavelmente não podia. Eu
só não sabia se o seu corpo iria aguentar o próximo golpe. Desde que o
conheci, ele não parava de se machucar, fossem tiros, explosões,
enforcamentos ou só os arranhões. Eu conheci aquele homem coberto de
sangue. Era muito sangue para pavimentar aquele caminho de poder.
Cheguei mais perto e o beijei nos lábios, ele estava recostado no
travesseiro, ao menos por hoje seguia a recomendação de não ficar mexendo
demais aquele pescoço lesionado. Antonio passou os dedos pelas laterais do
meu cabelo, prendendo-o atrás da minha orelha, depois enfiou as mãos entre
as mechas e me puxou de volta, beijando meus lábios com suavidade e
demorando na tarefa.
— Você está bem? — Sussurrou ele.
Assenti.
— Mesmo? Eles te prenderam de novo. Quando te vi naquela gaiola, quis
matar todo mundo ali dentro, mas seria inútil.
— Foi diferente, eu podia ver tudo e só me importava que você não
morresse ali — encostei a testa no peito dele, aceitando novamente a
realidade de que ele estava vivo, mas voltei a olhá-lo. — Por que você
entrou daquele jeito?
— Porque você estava lá dentro — resumiu ele. — E eu me troco por
você a qualquer hora.
Balancei a cabeça, argumentar era perda de tempo. Ele faria o que
considerava necessário e eu não era inconsequente o suficiente para fingir
que me viraria muito bem sozinha nesse mundo dele.
— Você não precisa continuar forçando a garganta, vou te buscar um
bloco.
Antonio me abraçou pela cintura, mantendo-me no lugar e nos beijamos
numa lentidão carinhosa, como se pudéssemos estender o momento. Ao
menos ganhamos um desconto para fazer o que mais gostávamos, quando a
vida nos dava folga, a gente se engolia e não dava a mínima para lábios
esfolados.
— Nunca escrevi para ninguém e as coisas que digo por aí não me
ajudariam em nada com você.
— Eu não sou o tipo de pessoa que precisa escutar a mesma coisa várias
vezes — mantive um olhar travesso nele. — Até o último suspiro? —
Perguntei
Antonio sorriu levemente.
— Para você eu me repito, Raye. A gente não tem tempo para se esconder
um do outro. Sou doido por você. E sinto muito que meu amor te machuque.
Não são eles que vão conseguir me quebrar, é te amar e te ferir que me ferra.
Apoiei as mãos nele e o beijei, Antonio manteve a mão na lateral do meu
pescoço.
— E se eu te amar e te remendar?
— Remendar? — Ele sorriu.
— Achei que te amar e te salvar seria um pouco demais.
— Você já me salvou, do único jeito possível — ele apoiou a outra mão na
minha nuca. — Me beija de novo, não me obrigue a tirar a cabeça do
travesseiro.
Eu ri dele e o beijei.
— Então você está a minha mercê?
— Completamente. Agora sobe um pouco mais para eu sentir seu cheiro e
esquecer aquele odor de antisséptico da clínica.
Eu me ajeitei na cama e passei os dedos pelo rosto dele, estava melhor,
mas ainda dava para ver os hematomas.
— Como é que você deixou socarem esse rosto bonito?
Antonio mantinha uma expressão divertida quando disse:
— Eram seis punhos, chega uma hora que não dá mais para desviar.
— Se eu deixá-lo enfiar esse rosto socado no meu pescoço, você tira a
soneca da tarde ou isso não funciona?
Ele virou o rosto e tossiu um pouco, mas ainda deu para escutar uma
risada rouca e baixa.
— Vai ser um sono tão sereno que vai parecer Ibiza outra vez.
Eu suspirei. Em Ibiza nós tirávamos sonecas juntos a hora que desse, na
cama, nas espreguiçadeiras no topo da casa… A real é que começamos com
isso ainda naquele resort, quando dormimos à beira da piscina numa cama
diurna, com nossos drinks derretendo ao nosso lado. Não foi nada planejado,
acordamos e começamos a rir. Éramos pessoas com horários doidos, a noite
nem sempre era para dormir. A gente relaxava junto, esquecia o resto do
mundo por um tempo e ia embora.
Eu não estava com sono, mas me ajeitei para manter seu rosto junto a
mim, senti o ar quente de sua respiração aquecendo minha pele, enfiei os
dedos no seu cabelo escuro e adormeci.
◆◆◆
Ela deixa todo o romantismo que existe nela nas páginas dos livros e adora
misturar romance com doses generosas de suspense, mistério, ação e paixão.
Quando Eu Te Encontrar
Quando Eu Olhar Para Você
Quando Eu Te Beijar
Quando Eu Te Abraçar
Indestrutível
A Perdição do Barão
A Desilusão do Espião
Enlace Entre Inimigos
Um Acordo de Cavalheiros
Série Warrington
Cartas do Passado
Cartas da Condessa
Os Preston
O Refúgio do Marquês
Uma Dama Imperfeita
Um Amor Para Lady Ruth
A Herdeira Rebelde
Rosa Entre Margaridas (spin-off dos Preston)
Encontre-me ao Entardecer