Juan Utopia Espanhola
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Resumo: A utopia é um desejo endémico da humanidade; desde o começo dos tempos o homem tem
projetado a sua inquietação por um mundo melhor por meio das artes plásticas, da filosofia, da literatura,
etc. sem que por isso esses artistas sejam hoje reconhecidos como mentores do pensamento utópico. A
consolidação desse pensamento vai se produzir no Humanismo, principalmente a partir da obra prima
de Thomas More. Ela será seguida de uma infinidade de publicações que vão aportando ao tema
inovações de acordo com a época em que foram redigidas. Elas conformaram o corpus de um gênero
que até hoje não deixa de crescer diversificando-se em novas visões entre distópicas e utópicas que
trouxeram novas temáticas como a tecnologia, a psicologia ou as questões meio ambientais. Contudo ao
longo da história da literatura, numerosos escritores têm desenhado, têm projetado um mundo melhor
sem que por isso sejam autores considerados escritores utópicos. Este trabalho, dentro dos limites da
literatura espanhola, pretende aproximar o leitor de alguns desses textos e analisar eles desde a
perspectiva do imaginário utópico que de forma implícita todos eles participam. Autores como o
monarca Alfonso X, Antônio de Guevara ou José de Espronceda estarão entre os autores revisitados.
Resumo: La utopía es un deseo endémico de la humanidad; desde el comienzo de los tiempos el hombre
viene proyectando su inquietud por un mundo mejor por medio de las artes plásticas, de la filosofía, de
la literatura, etc. sin que por eso esos artistas sean hoy reconocidos como mentores do pensamiento
utópico. La consolidación de ese ideario se va a producir en el Humanismo, principalmente a partir dela
obra prima de Tomas Moro. Ésta será seguida por una infinidad de publicaciones que irán aportando al
tema innovaciones de acuerdo con la época en que fueron redactadas. Ellas conformaran el corpus de
un género que hasta hoy no deja de crecer diversificándose en nuevas visiones entre distópicas y utópicas
que trajeron nuevas temáticas como la tecnología, la psicología o las cuestiones medio ambientales. Sin
embargo, a lo largo de la historia de la literatura, numerosos escritores han diseñado, han proyectado un
mundo mejor sin que por eso sean autores considerados escritores utópicos. Este trabajo, dentro de los
límites de la literatura española, pretende aproximar al lector a algunos de esos textos y analizarlos desde
la perspectiva del imaginario utópico del que de forma implícita todos ellos participan. Autores como el
monarca Alfonso X, Antonio de Guevara o José de Espronceda estarán entre los autores revisitados.
“[...] He aquí que veréis en mis versos, princesas, reyes, cosas imperiales, visiones de
países lejanos o imposibles: ¡qué queréis! Yo detesto mi vida y el tiempo en que me
tocó nacer […]” (RUBÉN DARIO, 1998, p.4)
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Professor Adjunto do Departamento de Letras Estrangeiras Modernas da Universidade Federal da Paraíba.
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No, no es absolutamente cierto, sí, y fue para mí una sorpresa enterarme que existía
una versión, enterarme de que existía esa versión. Fue la primera vez en que yo
descubrí una cosa que es muy bella en el fondo y es la posibilidad de la múltiple
lectura de un texto. O sea descubrir que hay lectores que te siguen como escritor, que
se interesan por lo que tú haces y que, al mismo tiempo están leyendo tus cuentos o
tus novelas desde una perspectiva totalmente diferente de las mías en el momento de
escribirlas, que tienen una segunda o tercera interpretación. Mi interpretación de ese
cuento te la puedo decir, y ha sido dicho ya en otras entrevistas. Eso es el resultado de
una pesadilla. Yo soñé ese cuento, solo que no estaban los hermanos. Había una sola
persona que era yo, y me desplazaba… Algo que no se podía identificar me desplazaba
poco a poco a lo largo de las habitaciones de una casa hasta echarme a la calle. Es
decir, había esa sensación que tienes en las pesadillas que es el espanto total sin que
nada se defina. Es simplemente el miedo en estado puro. Algo espantoso va a suceder
un segundo después y a veces por suerte te despiertas. Casi siempre te despiertas antes
de que eso se produzca. Bueno en este caso era lo mismo: había una cosa espantosa
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que avanzaba. Indefinible, se traducía por ruidos, una sensación de amenaza que
avanzaba, entonces yo me iba creando barricadas. Cerrando y abriendo puertas hasta
que la última puerta era la de la calle. Y en ese momento me desperté, antes de salir a
la calle, me acuerdo muy bien e inmediatamente me fui a la máquina de escribir y
escribí el cuento de una sentada. O sea que esa es mi lectura del cuento. Ahora, esa
interpretación de que quizá yo estaba traduciendo mi reacción como argentino frente
a lo que se sucedía en la política no se puede excluir porque es perfectamente posible
que yo haya tenido esa sensación que en la pesadilla se tradujo de una manera
fantástica, de una manera simbólica. Entonces, a mí me parece válido como posible
explicación. No es la mía. (CORTÁZAR. Entrevista do programa de Televisão
Espanhola “A fondo” realizada em 1977)
Cortázar, homem de seu tempo e atento aos problemas pelos quais passava a
Argentina, seu país de origem apesar de ter nascido na Bruxelas, e de modo inconsciente, como
ele mesmo observa, reflete sobre esses fatos e os deixa transparecer na sua obra levando o leitor
a sua própria reflexão, a sua posição crítica sobre a instabilidade social provocada seja por uma
ditadura, uma guerra ou qualquer outra alteração do bem-estar comum. Assim, o conto citado,
Casa tomada, projeta, no leitor armado como chamava Borges ao ledor mais crítico, na história
dos dois irmãos a crítica velada a um regime militar, que naquele momento sufocava a
Argentina, e clama subliminarmente por um mundo melhor, no qual as pessoas não precisem,
como lhe aconteceu ao próprio escritor, abandonar seus lares pela incompreensão e a arrogância
de um modelo autoritário de governo.
Conforme o dicionário online da Real Academia Espanhola (RAE): a utopia é um
plano, uma doutrina ou um sistema otimista que aparece como inexecutável no momento da sua
realização. Não podemos deixar de dar razão à tão insigne publicação quando nos paramos a
observar o livro que levou a palavra utopia a sua maior projeção. Referimo-nos ao conhecido
libelo redigido por Thomas More em 1516 e que quase imediatamente atingiu uma enorme
recepção que atravessou o oceano e encontrou nas terras americanas um terreno fértil para a sua
consolidação.
Queria eu que alguém aqui ousasse comparar essa justiça dos utopienses ao que se
costuma chamar de justiça que prevalece em outras nações. Que eu morra se encontrar
nelas o menor traço de justiça e equidade. 1) Que justiça é essa na qual um nobre, um
ourives, um usurário, enfim um desses indivíduos que não fazem absolutamente nada,
ou cuja atividade não tem nenhuma utilidade real para a comunidade, leva uma vida
de luxo e de magnificência?
Enquanto isso, 2) um trabalhador, um carroceiro, um carpinteiro ou um fazendeiro
trabalha tanto que até uma besta de carga sucumbiria sob esse esforço. E seu trabalho
é tão necessário, que nenhuma nação sobreviveria um ano sem ele. Apesar disso, esses
trabalhadores ganham tão pouco e levam uma vida tão miserável que realmente a besta
de carga desfruta de uma condição melhor. As bestas não precisam trabalhar cada
minuto e sua comida não é muito pior; na verdade, gostam de sua comida. Além disso,
as bestas não se preocupam com seu futuro. Os trabalhadores, contudo, além de terem
de suar e sofrer sem nenhuma recompensa presente, 3) ainda sofrem as angústias das
perspectivas de uma velhice miserável Seus ganhos são insuficientes para as
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Na extensão deste pequeno fragmento do livro, o autor apresenta três argumentos que
mais parecem ideias proféticas do que propriamente assuntos de um autor do século XVI; uma
época em que os direitos do trabalhador eram uma ilusão, uma fantasia inimaginável para as
camadas mais baixas da população. Nesses três argumentos, More sintetiza alguns dos grandes
problemas da humanidade: a cobiça e o egoísmo que derivam na injustiça social. O autor
arremete contra as classes privilegiadas pelo fato de não fazerem nada de produtivo e viver uma
vida de luxo e despreocupação com os mais desprotegidos, algo que sem dúvida está muito
presente nos dias de hoje nas críticas contra banqueiros, políticos e demais cargos que tem uma
alta remuneração e ainda especulam com o capital e o futuro daqueles que, apesar de realizar
um grande esforço físico que coloca em risco a sua vida, ainda tem que viver em umas
condições insalubres de moradia e não ter a garantia de uns cuidados sanitários, nem no período
produtivo da sua vida nem na velhice quando mais precisara desta ajuda médica. Como já
observamos, em pouco mais de um parágrafo, More faz referência a alguns dos vindouros
grandes logros dos movimentos sociais. Logros que somente se materializarão quatro séculos
depois: a segurança social e a aposentadoria.
Depois de observar estas, digamos proféticas, predições e após descartar as qualidades
mágicas ou sobrenaturais do pensador humanista, podemos talvez associar o título de visionário
ao de Thomas More à sua capacidade de enxergar situações conflitivas que estavam presentes
no seu tempo e de antecipar as futuras soluções. Hoje, este livro, é para o mundo ocidental um
dos escritos que fazem parte do panteão das mais importantes criações da humanidade. Um
escrito redigido num período da nossa história que alguns críticos consideram como um oásis
no deserto. Esse período está protagonizado por um movimento intelectual conhecido como
Humanismo. Os humanistas legaram ao mundo uma série de obras chave do pensamento
moderno que tem chegado até nós como claros exemplos da eterna necessidade do ser humano
de renovação, de melhorar as suas condições de vida, mesmo que estas sejam, muitas vezes,
produto da fantasia ou de uma quimérica ilusão. Obras como O Príncipe de Nicolau Maquiavel
(1513), O encomio da loucura de Erasmo de Rotterdam (1509) ou O tratado sobre a dignidade
humana de Pico della Mirándola (1486) nos anteciparam aspectos da sociedade que ganharam
importância nos séculos seguintes.
A literatura, como toda a arte, é uma confissão de que a vida não basta. Talhar a obra
literária sobre as próprias formas do que não basta é ser impotente para substituir a
vida. (PESSOA, 1982, p. 504)
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“A literatura existe porque a vida não basta” dizia o escritor português Fernando
Pessoa e nessa insuficiência vital precisamos ter um olhar que possa ir muito além da nossa
limitada visão cotidiana. É aí onde aparece a literatura, o escritor revestido de uns dons que lhe
permitem enxergar e anunciar de modo pioneiro aquilo que para o resto é impossível de ver.
Em outras palavras, o autor é um ser privilegiado, o poeta, que como já foi notado
antes, tem a capacidade de ver o mundo um passo à frente dos outros, porém essa sua capacidade
não teria efeito se ele não se livrasse das ideologias e demais obstáculos antes de proclamar,
por meio da literatura, a sua mensagem. Isto isenta o autor de seus poderes sobrenaturais e o
converte somente em um ousado narrador que dribla os empecilhos que poderiam neutralizar a
sua mensagem e transmite ao leitor a sua particular visão de mundo, construída dentro de um
plano literário que amplifica o interesse do público com a adição de elementos estéticos ou
efeitos estilísticos que animam o leitor a deixar-se seduzir pelas palavras de determinado autor.
Assim podemos sintetizar, antes de entrar estritamente no campo literário, que o autor,
o literato, na sua capacidade de observar o mundo desprovido dos impedimentos, que
tradicionalmente obstaculizam a nossa visão, consegue transmitir uma visão de mundo que,
sem ser premonitória ou profética, consegue proclamar por meio da sua criação literária uma
mensagem que tem a capacidade de desenhar, numa visão entre a realidade e a ficção, um
mundo senão melhor, pelo menos diferente daquele em que tanto eles como os seus
contemporâneos vivem.
A utopia, como se verá nos exemplos literários selecionados, está latente no interior
de cada um dos textos, porém seus autores nunca foram identificados dentro dos denominados
estudos utópicos. Somente, e como já observamos antes, a sua privilegiada visão, afastada de
condicionamentos e veladas censuras lhes permitiu imaginar um mundo melhor, uma
idealização que permitisse, em diferentes âmbitos, uma sociedade mais justa, menos
materialista e mais espiritualista ou mais pacifista e menos belicosa.
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Y otro sí según esta razón dijo que debe el rey hacer en su reino primeramente
haciendo bien a cada uno según lo mereciere; y esto es así como el agua que hace
todas las cosas crecer; y también que adelante los buenos haciéndoles bien y honra, y
corte los malos del reino con la espada de la justicia, y arranque los torticeros
echándolos de la tierra porque no hagan daño en ella. Y para esto hacer, debe tener
tales oficiales que sepan conocer el derecho y juzgarlo; y otrosí debe tener la caballería
presta y los otros hombres de armas para guardar el reino que no reciba daño de los
malhechores de dentro ni de los fuera, que son los enemigos; y débeles otrosí dar leyes
y fueros muy buenos por donde se guíen y usen a vivir derechamente, y no quieran
pasar de más en las cosas. Y sobre todo débeles otrosí dar leyes y fueros muy buenos
por donde se guíen y usen a vivir derechamente, y no quieran pasar de más en las
cosas. (Alfonso X o Sabio, las siete partidas de Alfonso X el sabio)
Numa época marcada por uma hermética pirâmide social, na qual somente os membros
pertencentes a cúpula da mesma tinha seus privilégios garantidos, resulta inaudito pensar que
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um monarca, como observa o fragmento supracitado, mostre a sua vontade de fazer o bem a
todos segundo merecerem e mande acabar com aqueles que exerçam a corrupção em detrimento
do bem comum. A inusitada ordenança que regula a relação entre o rei e seus súbditos nos
parece fora de contexto dentro do panorama da Idade Média e por tanto projeta um extravagante
ideal utópico que ainda hoje nos parece surpreendente, seja no seio de uma monarquia ou de
qualquer outra forma de administração política.
No final da denominada Idade Média, uma nova visão de mundo vai surgir potenciada
por diversos fatores; o modo de entender a nossa passagem pela terra mudará paulatinamente e
este será provocado pelo surgimento de umas linhas de pensamento que vão corromper o
modelo vigente de controle social e vai reconfigurar, durante os próximos séculos, as ideologias
que durante séculos tomaram conta da conduta do povo. Conduta que, desde uma perspectiva
religiosa e hermética e como observa Bennassar (1985, p.14), teve a Santa Inquisição como
uma arma de inestimável ajuda para catequizar e ensinar as orações básicas da fé cristã, mesmo
que de modo lento, às massas. Porém, a cultura fechada, como a denominara Lukács (2000,
p.25), da Idade Média deu passo a um novo modo de enxergar a nossa existência e não somente
no sonho petrarquista do amor celebrado. Na celebração festiva de uma renovada forma de
pensar em nosso passo pelo mundo, uma comemoração que pode ser sintetizada por meio do
slogan mais conhecido dos humanistas: o carpe diem. A locução horaciana se adaptou bem a
um espírito que ansiava por novos modos de entender nossa existência terrenal e deixou de lado
parcialmente aquele passado que sempre foi melhor, como sentenciava o fronteiriço poeta
castelhano Jorge Manrique, e começou a projetar a vida com um ideal mais próximo de um
mesurado epicurismo e cada vez mais distante do dogmatizador ideal anterior.
A corrente humanista, com o seu pensamento entre profano e sagrado, deixou um
legado impressionante nas obras que tratavam sobre uma grande diversidade de assuntos; obras
como as já mencionadas de Nicolau Maquiavel e do neoplatônico Pico della Mirandola. Em
terras hispanas foram muitas as obras de caráter humanista que, com o impulso da nova
tecnologia da imprensa, ganharam rápida divulgação. Dentre toda a produção bibliográfica
espanhola do período temos escolhido uma obra de um dos nossos maiores humanistas: Frei
Antonío de Guevara.
Guevara, membro da ordem franciscana, passou grande parte da sua vida na corte e
serviu pessoalmente o monarca Carlos V como predicador real e conselheiro. Deixou-nos um
dos textos mais ricos sobre as excelências da vida no campo frente a vida citadina, louvando as
virtudes tanto humanas como da natureza. Da condição das pessoas e da sua vida interiorana.
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O autor projeta um mundo de relações marcadas pela cordialidade, a vida sana numa sorte de
oposição com a vida na corte, a vida nos centros urbanos.
Que en el aldea son los días más largos y más claros, y los bastimentos más baratos.
Es privilegio de aldea que el que morare en ella tenga harina para cerner, artesa para
amasar y horno para cocer, del cual privilegio no se goza en la corte ni en los grandes
pueblos, a do de necesidad compran el pan que es duro, o sin sal, o negro o mal iludido,
o avinagrado, o mal cocho, o quemado, o ahumado, o reciente, o mojado, o
desazonado, o húmedo; por manera que están lastimados del pan que compraron y del
dinero que por ello dieron. No es así, por cierto, en el aldea, ado comen el pan de trigo
candeal, molido en buen molino, ahechado muy despacio, pasado por tres cedazos,
cocido en horno grande, tierno del día antes, amasado con buena agua, blanco como
la nieve y fofo como esponja. Los que viven en el aldea y amasan en su casa tienen
abundancia de pan para su gente, no lo piden prestado a los vecinos, tienen que dar a
los pobres, tienen salvados para los puercos, bollos para los niños, tortas para ofrecer,
hogazas para los mozos, ahechaduras para las gallinas, harina para buñuelos y aun
hojaldres para los sábados.
Es privilegio del aldea que el que mora en ella pueda hacer más ejercicio y tenga más
en que embeber el tiempo, del cual privilegio no se goza en los grandes pueblos,
porque allí ha de presumir cada uno de ser muy medido en las palabras, recogido en
la persona, honesto en la vida, ejemplar en las obras, apartado de conversaciones,
paciente en las injurias y no muy visitador de las plazas; por manera que tanto es más
tenido uno en la república cuanto menos sale de casa. ¡Oh!, bienaventurada aldea y
bienaventurado el que mora en ella, a do cada uno se puede poner libremente a la
ventana, mirar desde el corredor, pasearse por la calle, asentarse a la puerta, pedir silla
en la plaza, comer en el portal, andarse por las eras, irse hasta la huerta, beber de
bruces en el caño, mirar cómo bailan las mozas, dejarse convidar en las bodas, hacer
colación en los mortuorios, ser padrino en los bateos y aun probar el vino de sus
vecinos. Todas estas cosas se pueden en el aldea hacer sin que nadie pierda su
autoridad ni aventure su gravedad. (GUEVARA, 2006, p.26)
A fé de alguns críticos, o autor utiliza o contraste entre estes dois modos de vida, o
rural e o urbano, não com o intuito de louvar o primeiro, senão para aproveitar e criticar o
segundo. Não será o primeiro nem o último a fazer este uso da comparação entre as virtudes, a
moralidade do ambiente rural e os vícios e a corrupção das cidades. O gênero picaresco,
contemporâneo a Guevara, colocará o âmbito das suas criações nas cidades como Sevilha,
Salamanca ou Toledo, espaços nos quais o protagonista não só encontra uma variedade de
personagens caracterizados pelos seus hábitos pouco honrados, senão que nesse ambiente
urbano ele pode passar mais despercebido e anônimo evitando a punição pelos seus habituais
delitos. Outros períodos literários, como o Romantismo ou o Realismo decimonónico, também
empregaram este tipo de espaços para contrastar entre a moralidade e as boas costumes da vida
campestre, ainda que em muitas ocasiões um tanto estereotipada. Homem de seu tempo,
Guevara foi testemunha direta de muitos episódios importantes que mudaram, em poucas
décadas, o rumo da humanidade. Um desses cruciais momentos históricos foi, sem dúvida, o
surgimento no imaginário europeu do imprevisível Novo Mundo e o nosso autor não deixou de
observar e refletir sobre o impacto desse fato histórico no velho mundo. Alguns estudos críticos
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sobre a obra deste autor e especialmente do seu Vilão do Danúbio observam que quando o autor
coloca a um rustico que se enfrenta a corte imperial romana para expor as suas reinvindicações,
realmente Guevara está fazendo referência às relações entre os aborígenes do Novo Mundo e
os conquistadores europeus. Na suplica do rustico, na exposição de seus argumentos pode se
vislumbrar um ideal utópico de como deveriam ser as relações entre esses dois mundos que se
encontraram oficialmente após a descoberta colombina em 1492.
Regra infalível que aquele que toma do outro o alheio pela força perca o direito que
ele tem do seu próprio. Olhai romanos, eu, mesmo que seja vilão para conhecer quem
está certo no que tem ou quem é tirano no que possui, esta regra tenho: tudo o que os
maus com a sua tirania juntarem em muitos dias de eles seja removido pelos deuses
em um dia, e de outra forma, tudo de bom em muitos anos perdidos seja estornado
pelos deuses em uma hora. Acreditem numa coisa, e não duvidem dela, que depois
da injusta ganancia dos pais vem logo a justa perda nas crianças, e se os deuses não
removerem os maus caras tudo o que ganharem mais tarde com a mesma rapidez como
a ganharam, é por isso que dissimulando juntem pouco a pouco muitas coisas, e então,
quando eles estão mais desavisados lhes sejam retiradas todas as coisas juntas. E este
é somente o juízo dos deuses, pois eles fizeram ruindade a muitos, tem que existir
alguém que faça mal para eles. (...) há de fazer assim, romanos. Antes, a terra tomada
por força deve ser muito melhor governada, porque os prisioneiros miseráveis,
percebendo que a justiça é administrada de modo reto, esquecerão a tirania passada e
acostumarão seus corações à servidão perpétua. (GUEVARA, 1994, C.XXI)
Em 1719 Daniel Defoe publica Robson Crusoé e antecipa, por meio da literatura, as
teorias do bom selvagem de Jean Jacques Rousseau e desenha através da relação entre o
protagonista e do personagem de Sexta feira e do entorno natural o esboço de uma civilização
exemplar que se afasta dos padrões ocidentais de vício e corrupção. A mente do naufrago
enxerga nesse entorno um possível projeto de convivência de um modo diferente. Uma vivencia
com outros valores morais e que permite, como já foi constatado em obras anteriores como a
própria Utopia de More, a comparação entre duas visões de mundo que leva o leitor a pensar
na sua própria utopia, independente de que a obra seja ou não considerada dentro do gênero.
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moderna. Textos que dão conta do interesse pelo revisionismo crítico a que a história e
principalmente as relações humanas serão submetidas durante este período. Os livres-
pensadores que protagonizaram o ideário ilustrado submeterão a revisão crítica muitos dos
velhos dogmas e crenças anteriores.
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entrever nas entrelinhas do pensamento humano e a literatura novamente seria um dos canais
mais importantes para a sua transmissão.
Jose de Espronceda, o nosso autor escolhido, vive de perto e respira frugalmente esses
novos ares revolucionários que se vivem no continente europeu. A sua breve existência de trinta
e quatro anos não lhe impediu viver com intensidade os cruciais momentos históricos que
marcaram a primeira metade do século XIX na Europa. Desterrado por causa das suas ideais
liberais, o autor passa por diferentes países europeus como Portugal, França ou Inglaterra, esses
países acolhem o jovem poeta que se deixa deslumbrar pelos ideais libertários que sonham com
um novo regime. O convívio tão próximo com o ideário liberal se impregnou fortemente em
algumas das suas criações literárias que por meio da fuga, da idealização de espaços imaginados
e valores renovados, projeta a sua particular utopia, metaforizada na nossa escolha, pela
idealização de um pirata transgressor das normas sociais num metaforizado mar infinito que
permite ao protagonista do poema projetar seu particular mundo ideal. Um mundo no qual não
seja preciso batalhar por umas terras, pois desapareceriam as fronteiras e as leis que as definem,
no qual não exista mais a escravatura que impede a plena liberdade do homem e diante de um
mundo tumultuado ele pode dormir tranquilo.
al rebramar,
yo me duermo
sosegado
arrullado
por el mar.
Y no me olvidaré jamás del día en que diciéndole yo: «Pero, Don Manuel, la verdad,
la verdad ante todo», él, temblando, me susurró al oído -y eso que estábamos solos en
medio del campo-: «¿La verdad? La verdad, Lázaro, es acaso algo terrible, algo
intolerable, algo mortal; la gente sencilla no podría vivir con ella». (...) ¿Religión
verdadera? Todas las religiones son verdaderas en cuanto hacen vivir espiritualmente
a los pueblos que las profesan, en cuanto les consuelan de haber tenido que nacer para
morir, y para cada pueblo la religión más verdadera es la suya, la que le ha hecho. ¿Y
la mía? La mía es consolarme en consolar a los demás, aunque el consuelo que les
doy no sea el mío». Jamás olvidaré estas sus palabras. (Unamuno, 1984, p.43)
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O dilema de Dom Manuel, a ideia de uma religião que só serve como elemento
consolador diante da grande dúvida que é a nossa própria existência, nos remete como já foi
observado anteriormente ao ideário dos filósofos irracionalistas como Feuerbach, quem
defendia a inversão da tradicional ideia da criação divina do homem pela ideia da criação
humana desse ser superior que chamamos de Deus. Desse modo, na figura do criador se
materializa a nossa própria inteligência e podemos assim projetar ele como o nosso próprio
álter-ego, uma idealização necessária para nos dar sossego diante do nosso inevitável destino.
Nos sete séculos recorridos ao longo das páginas anteriores temos observado a
projeção subliminar feita por diferentes escritores de um mundo melhor, autores que
desenharam ao longo das suas páginas a idealização de diferentes ingredientes que deveriam
fazer parte da receita que conformasse a nossa sociedade, aspectos como a equidade, a
liberdade, a religião observada como um elemento de harmonia e sossego e não como um
incentivo para o ódio e a violência. Contudo, apesar desses desejos ganharem matizes utópicos
os autores que reunimos nesta reflexão, a exceção de Thomas More e Daniel Defoe, não
conformam e seguramente nunca conformaram o conjunto de obras do gênero utópico. E essa
constatação nos serve para reforçar o argumento, que com o apoio do pensamento dos críticos
que apresentamos ao longo destas páginas, de que cabe o papel de enxergar o mundo numa
visão às vezes quixotesca e deslocada e a partir desse esdrúxulo panorama projetar alternativas
que nos permitam sonhar, que nos permitam seguir em frente e ter esperança, mesmo que essa
esperança seja às vezes muito difícil de alcançar.
A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos.
Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais
alcançarei. (Fernando Birri)
Referências:
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1999.
BENNASSAR, B. Santa Teresa y su época. Cuadernos de Historia, 16. Vol. 110. Madrid: Ed.
Historia 16, 1985.
CORTÁZAR, J. (Entrevista). DVD Grandes personajes a fondo. España: Gran vía musical,
2004.
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DARÍO, R. Prosas profanas y otros poemas de Rubén Darío. Madrid. Ed. Castalia, 1983.
DEFOE, D. Las aventuras de Robinson Crusoe. Madrid: Ediciones del barco, 2002.
ESPRONCEDA, J.de. Obras completas de José de Esproncedad. Madrid: Ed. Atlas, 1954.
MORE, T. Utopia. Trad.: Anah de Melo Franco. Brasília: Editora Universidade de Brasília:
Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, 2004
PESSOA, F. Obras em prosa. Organização, introdução e notas de. Cleonice Berardinelli. Rio
de Janeiro: Nova Aguiar, 1982.
REDONDO, F. Gomez. Historia de la prosa medieval castellana. Vol.1 Madrid: Ed. Castália,
1998.
UNAMUNO, Miguel de. San Manuel Bueno Mártir y tres historias más. Madrid: Col.
Austral, Espasa Calpe, 1984.
Recebido em 24/06/2017
Aceito para publicação em 07/12/2017
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