Quem É Jesus
Quem É Jesus
Quem É Jesus
ADAPTAÇÃO
86020-908 — Londrina/PR
editorapadrepio.org Douglas Abreu
AUTOR IA
Padre Paulo Ricardo
CAPA
Klaus Bento
QUEM É JESUS: DIAGRAMAÇÃO
CR ISTOLOGIA E SOTER IOLOGIA Eduardo de Oliveira
DIR EÇÃO DE CR IAÇÃO
© Todos os direitos desta edição Luciano Higuchi
pertencem e estão reservados à
Editora Padre Pio EDIÇÃO E R EVISÃO
Éverth Oliveira
Redempti ac vivificati Christi sanguine, nihil Christo R EVISÃO
præponere debemus, quia nec ille quidquam nobis præposuit. Joseph Pereira
Ricardo, Paulo
Quem é Jesus ? [livro eletrônico] Cristologia e
Soteriologia / Padre Paulo Ricardo ; adaptação
Douglas Abreu. – Londrina, PR : Editora Padre Pio,
2023.
PDF
Bibliografia.
ISBN: 978-85-52993-05-6
1. Cristologia 2. Jesus Cristo - Biografia
Ensinamento bíblico 3. Redenção - Cristianismo
I. Abreu, Douglas. II. Título.
23-162851 CDD-232
INTRODUÇÃO
1. POR QUE CONHECER JESUS? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
I. A razão deste curso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
II. O conhecimento de Cristo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
III. O Verbo da vida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
2. CRISTOLOGIA E SOTERIOLOGIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
I. Divisão do curso .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
II. Necessidade da fé. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
III. Observação sobre “o Jesus histórico” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
IV. Soteriologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
PARTE I: CRISTOLOGIA
3. JESUS: UM HOMEM QUALQUER? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
I. O que Jesus diz de si mesmo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
II. A divindade de Jesus Cristo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
III. Corolário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
4. ANIQUILOU-SE A SI MESMO? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
I. O erro do kenotismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
II. O mistério da Encarnação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
III. Corolários . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
6. E AS CRISTOLOGIAS ATUAIS? .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
I. Recapitulação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
II. As cristologias atuais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
7. A GRAÇA DE CRISTO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
I. Recapitulação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
II. A graça de Cristo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
8. A CIÊNCIA DE CRISTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
I. A ciência de Cristo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
II. Quatro classes de ciência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
BIBLIOGRAFIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
INTRODUÇÃO
1. POR QUE CONHECER JESUS?
8
1 . P o r q u e co n h e c er J es u s ?
Também eu, quando fui ter convosco, irmãos, não fui com o
prestígio da eloquência nem da sabedoria anunciar-vos o
testemunho de Deus. Julguei não dever saber coisa alguma
entre vós, senão Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado. Eu me
apresentei em vosso meio num estado de fraqueza, de desas-
sossego e de temor. A minha palavra e a minha pregação lon-
ge estavam da eloquência persuasiva da sabedoria; eram,
antes, uma demonstração do Espírito e do poder divino, para
que vossa fé não se baseasse na sabedoria dos homens, mas
no poder de Deus (1Cor 2, 1-5).
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1 . P o r q u e co n h e c er J es u s ?
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2. CRISTOLOGIA
E SOTERIOLOGIA
I. Divisão do curso
Visto no capítulo passado o objetivo desse curso, explicaremos
agora a sua divisão. Pois bem, dividiremos esses capítulos de
Cristologia em duas partes principais, seguindo o esquema bá-
sico em que estão estruturados os Evangelhos sinóticos. Tanto
Mateus quanto Marcos e Lucas, com efeito, apresentam a vida
de Nosso Senhor em duas seções: a) na primeira, narram o que
Ele fez ao longo de sua vida pública (milagres, profecias, ser-
mões, discursos etc.) para mostrar aos discípulos a sua identi-
dade messiânica e filiação divina; b) na segunda, descrevem o
que Ele fez no final de sua vida neste mundo para consumar a
missão recebida do Pai (são os capítulos da Paixão). Por isso,
dedicaremos uma parte do curso ao estudo de Jesus Cristo em
sua dupla natureza, divina e humana, e outra ao de sua obra
salvífica, cujo ponto culminante é o sacrifício da Cruz.
II. Necessidade da fé
Ora, assim como Cristo, em sua vida pública, foi revelando
aos Apóstolos sua identidade divina, não por argumentos ló-
gico-dedutivos, mas por sinais certos de credibilidade (mila-
gres, curas, exorcismos, leitura dos corações, domínio sobre
a natureza etc.), a fim de conduzi-los, com o auxílio de gra-
3
12
2 . C r i s t o l o g i a e S o t er i o l o g i a
ficientes, adequados à inteligência de todos, para crer no que Ele disse sobre
si mesmo: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10, 30). De fato, uma vez que a filia-
ção divina de Nosso Senhor é um mistério intrinsecamente sobrenatural, não
pode ser visto ou demonstrado a partir de razões e evidências naturais, mas
somente corroborado de maneira, por assim dizer, colateral ou extrínseca,
i.e., por sinais que não se podem atribuir nem a causas naturais nem a forças
naturais artificiais.
4.Cf. F. Vizmanos–I. Ruidor, Teología fundamental para seglares. Madrid: BAC,
1963, p. 327, n. 527.
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IV. Soteriologia
Pois bem, como toda a revelação da natureza divino-messiâni-
ca de Nosso Senhor se ordena, fundamentalmente, à sua obra
redentora, depois de termos estudado quem é Cristo, estudare-
mos o que Ele fez, i.e., o mistério de sua Páscoa. Não porque o
episódio da Paixão seja algo isolado e como que “acidental” na
vida de Jesus, mas porque é o ponto culminante de sua missão.
É o ato para o qual Ele se preparou e para o qual quis preparar
seus próprios discípulos, advertindo-os em inúmeras oportu-
nidades de que tudo o que Ele havia de sofrer nas mãos dos
chefes do povo e dos pagãos, Ele o aceitava como mandato do
Pai e a ele se submetia livremente. Foi para isso que Ele veio,
como testemunha o autor da Epístola aos Hebreus: “Ao entrar
no mundo, Cristo diz: Não quiseste sacrifício nem oblação,
mas me formaste um corpo… Eis que venho, venho, ó Deus,
14
2 . C r i s t o l o g i a e S o t er i o l o g i a
para fazer a tua vontade” (10, 5.7), e é para isso que temos de
olhar, se queremos compreender cabalmente quem é Cristo.
Só a fé em sua condição de Filho de Deus encarnado permite
entender corretamente o mistério da Cruz, e só à luz do misté-
rio da Cruz é possível compreender a fundo quem é e o quanto
nos ama o Homem-Deus.
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PARTE I:
CRISTOLOGIA
3. JESUS:
UM HOMEM QUALQUER?
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(cf. Mt 12, 42), o profeta Jonas (cf. Mt 12, 41; Lc 10, 24), os
anjos de Deus (cf. Mt 13, 41; 16, 27) e inclusive o Templo de
Jerusalém, venerado pelo povo como casa de Javé (cf. Mt 12,
8.26; 17, 24-27); b) pôs em exercício poderes físicos próprios da
divindade, como o de curar qualquer doença (cf. Lc 6, 19; Mc
6, 56; Mt 14, 35) e dar ordens aos demônios (cf. Mc 1, 24.34; Lc
4, 41); c) arrogou-se prerrogativas exclusivas de Deus, como a
de legislar e aperfeiçoar a Lei de Moisés (cf. Mt 5, 21.27.31.33),
de julgar todos os homens no fim dos tempos e, sobretudo, de
santificar pelo perdão dos pecados (cf. Mt 9, 3.6; Mc 2, 7; Lc
7, 48s); d) afirmou ser o centro do verdadeiro culto religioso,
meio necessário à salvação de todos os homens (cf. Mt 7, 23;
10, 32s; 25, 35-46) e digno de ser amado sobre todas as coisas
(cf. Mt 10, 37; Lc 12, 26).
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3 . J es u s : u m h o m em q ua l q u er ?
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III. Corolário
Daí se vê o quão falsas são as teorias, hoje tão vulgarizadas,
para as quais Jesus não seria mais do que um judeu entre tan-
tos, que por um dom especial foi adquirindo no decorrer de
sua vida pública, entre períodos de crise e incerteza, consciên-
cia de sua “filiação adotiva”, mas que acabou sendo injustamen-
te silenciado pelas autoridades da época, que viam no movi-
mento por Ele iniciado um perigo para a estabilidade política
de Israel. Nem os Evangelhos permitem falar de uma “evolução
psicológica” nem as motivações dos chefes de Israel foram po-
líticas, mas eminentemente religiosas, inconformadas antes de
tudo com a declaração mais ousada que já ouviu o mundo: “Eu
e o Pai somos um” (Jo 10, 30).
20
4. ANIQUILOU-SE A SI MESMO?
I. O erro do kenotismo
Apoiadas em uma conhecida passagem de São Paulo na Epísto-
la aos Filipenses, algumas correntes cristológicas contemporâ-
neas vêm propondo uma interpretação do mistério da Encar-
nação que não só se distancia do entendimento canônico da
Igreja, mas que implica a anulação do próprio mistério de Cris-
to. O texto em questão é o hino cristológico em que o Apósto-
lo das gentes canta em tons poéticos — eco talvez da liturgia
pré-paulina que já se celebrava entre os primeiros cristãos — a
humildade com que o Filho eterno de Deus, assumindo a natu-
reza humana, veio ao mundo para nos redimir: “Sendo Ele de
condição divina”, diz, “não se prevaleceu de sua igualdade com
Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de
escravo e assemelhando-se aos homens. E, sendo exteriormen-
te reconhecido como homem, humilhou-se ainda mais, tor-
nando-se obediente até a morte, e morte de cruz” (Fp 2, 6ss).
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III. Corolários
Disto se depreendem os seguintes corolários:
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4 . A n i q u i l o u - s e a s i m es m o ?
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5. O QUE É A
UNIÃO HIPOSTÁTICA?
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5 . O q u e é a u n i ão h i p o s tát i ca ?
Vale a pena ler por inteiro a definição solene com que a Igreja
Católica, reunida em Concílio ecumênico na cidade de Cal-
cedônia, em 451, declarou e definiu em termos precisos esse
mistério soberano:
III. Corolários
1.º A distinção entre natureza e pessoa também nos ajuda a
compreender melhor em que sentido a Virgem Maria é Mãe de
Deus, como os católicos sempre cremos e professamos. É evi-
dente que Maria não é Mãe de Deus no sentido de ter gerado
a natureza divina, que é necessariamente incriada e ingênita;
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6. E AS CRISTOLOGIAS ATUAIS?
I. Recapitulação
Como vimos no último capítulo, é verdade revelada por Deus
nas Escrituras, contida nos símbolos de fé e definições conci-
liares e proposta pela doutrina constante e universal dos Pa-
dres, que Nosso Senhor Jesus Cristo é uma única hipóstase, na
qual subsistem, inconfusas e indivisas, duas naturezas: a divina
e a humana. Um só pois e o mesmo Verbo é verdadeiro Deus e,
a um tempo, verdadeiro homem, não porque tenha assumido
uma humanidade por união acidental nem, como dito antes,
por união moral ou de inabitação, mas porque a assumiu em
união propriamente substancial, de maneira que há um único
sujeito de atribuição, que possui a divindade e uma humani-
dade. Por isso, embora sejam distintas suas duas naturezas, em
Cristo não há um que seja Deus, e outro que seja homem, se-
não que o mesmo Verbo eterno e subsistente, permanecendo
verdadeiro Deus, começou a ser no tempo verdadeiro homem.
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7. Cf. J. B. Franzelin, Tractatus de Verbo Incarnato. 2.ª ed., Roma: Marietti, 1874,
p. 229s.
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6 . E a s c r i s t o l o g i a s at ua i s ?
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7. A GRAÇA DE CRISTO
I. Recapitulação
Dedicamos os primeiros capítulos do curso ao estudo da união
hipostática em si mesma. Vimos que se trata de uma união pes-
soal, e não moral ou acidental (como é o caso e.g. da união en-
tre Deus e os justos pela graça santificante), e substancial, não
porque em Cristo haja uma só natureza, resultante da fusão
entre a divindade e a humanidade, mas porque esta foi ver-
dadeiramente assumida pelo Verbo, permanecendo íntegras e
inconfusas ambas as naturezas. Daí que o Magistério da Igreja
tenha condenado, nos Concílios de Éfeso e Calcedônia, os er-
ros tanto do nestorianismo como do monofisismo em todas as
suas formas: o primeiro, por ensinar que em Cristo há duas
pessoas distintas, de modo que Ele não seria realmente Deus,
mas um simples teóforo ou um santo de inigualável grandeza;
o segundo, ou por diluir a humanidade na divindade, conver-
tendo Cristo em homem aparente, ou por misturar as duas na-
turezas em uma terceira, negando-lhe com isso a condição de
verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
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7 . A g r aça d e C r i s t o
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Q U EM É J ES U S: C RI S TO LO G I A E S OT ERI O LO G I A
9. Pela plenitude infinita de graça, possuía Jesus Cristo todas as virtudes, salvo
as que eram incompatíveis com o seu estado de comprehensor ou que incluem,
em seu próprio conceito, alguma imperfeição. Assim, e.g., não se pode atri-
buir a Cristo nem fé nem esperança teologais, já que Ele teve a visão beatífica
desde o primeiro instante de sua concepção, nem virtudes como a penitên-
cia, que supõe algum pecado pessoal (impossível a quem é essencialmente
impecável), e a continência, que supõe a existência de movimentos passio-
nais desordenados (impossível em uma humanidade imaculada).
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7 . A g r aça d e C r i s t o
10. Antonio Royo Marín, Jesucristo y la vida cristiana. Madrid: BAC, 1961, p.
90, n. 88, 4.
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8. A CIÊNCIA DE CRISTO
I. A ciência de Cristo
Se Cristo, como diz João, é “cheio de graça e de verdade” (Jo
1, 14), é evidente que se lhe deve reconhecer um conhecimen-
to elevadíssimo, não somente como Deus, mas também como
homem. É a sentença mais comum entre os Padres, Doutores
e teólogos de todas as épocas, mas que foi posta em xeque a
partir de meados do séc. XIX, com o surgimento da heresia
modernista. Para os modernistas, de modo geral, a Cristo se
deve atribuir não apenas certo grau de ignorância, mas tam-
bém o fato de ter-se realmente equivocado em determinadas
matérias. Prova disso, pensam eles, seriam suas últimas pala-
vras na Cruz, um sinal de que o desiludido rabino galileu, ven-
do-se abandonado pelo Pai, teria finalmente entendido que a
vinda do Reino não era tão iminente como Ele havia imagina-
do. É por isso que o modernismo nega a Jesus toda e qualquer
ciência infalível, ao mesmo tempo que afirma que Ele não teve
sempre consciência de sua dignidade messiânica, senão que a
foi “descobrindo” pouco a pouco (cf. Pio X, Decreto Lamenta-
bili, de 3 jul. 1907, prop. 35: DH 3435).
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8 . A c i ên c i a d e C r i s t o
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Q U EM É J ES U S: C RI S TO LO G I A E S OT ERI O LO G I A
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8 . A c i ên c i a d e C r i s t o
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9. A UNIDADE PSICOLÓGICA
DE CRISTO
I. Uma dificuldade
Em Cristo, como vimos até agora, apesar de haver duas nature-
zas, a divina e a humana, há uma única Pessoa, a do Verbo de
Deus, e por este motivo uma perfeita unidade ontológica: Cris-
to é um só ser, com uma única existência substancial, comum
às duas naturezas. Mas — poderíamos perguntar —, se nele
há duas naturezas distintas, e ambas intelectuais, não se segue
daí que nele há também duas consciências distintas e, portanto,
dois eus diferentes: um próprio da divindade, e outro exclusivo
da humanidade? Em outras palavras, a unidade hipostática é
realmente compatível com a unidade psicológica de Nosso Se-
nhor? Afinal, se em Cristo há somente um eu divino, parece
pouco provável que Ele se soubesse e sentisse como verdadeiro
homem; se, por outro lado, não há mais do que um eu humano,
Ele certamente não poderia nem saber-se nem sentir-se como
verdadeiro Deus; se, enfim, admitimos um duplo eu, um para
cada natureza, introduzimos na consciência de Cristo uma es-
pécie de “esquizofrenia”, pouco conforme à sua própria manei-
ra de referir-se a si mesmo como uma única Pessoa: “Eu sou o
pão vivo que desceu do céu” (Jo 6, 51); “Antes que Abraão fos-
se, eu sou” (Jo 8, 58); “Eu e o Pai somos um” (Jo 10, 3); “Saí do
Pai e vim ao mundo. Agora deixo o mundo e volto para junto
do Pai” (Jo 16, 28).
40
9 . A u n i da d e p s i co l ó g i ca d e C r i s t o
II. Resposta
A solução mais provável e segura a este aparente impasse
afirma que, “embora Jesus Cristo, como verdadeiro Deus e
verdadeiro homem, tenha consciência divina e consciência
humana, goza, não obstante, de uma perfeita unidade psico-
lógica, ou seja: possui um só eu não apenas ontológica, mas
também psicologicamente. Trata-se do eu divino do Verbo”. 11
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Q U EM É J ES U S: C RI S TO LO G I A E S OT ERI O LO G I A
13. Cuervo, Comentario a la Suma Teológica. Madrid: BAC, 1960, vol. 11, p. 430,
apud Antonio Royo Marín, op. cit., p. 162.
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10. A DUPLA VONTADE
DE CRISTO
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1 0 . A d u p l a vo n ta d e d e C r i s t o
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Q U EM É J ES U S: C RI S TO LO G I A E S OT ERI O LO G I A
IV. Corolários
Donde se segue que Cristo foi perfeitamente livre e, ao entre-
gar-se à morte redentora que seu Pai havia decretado, exer-
ceu um ato de verdadeiro livre-arbítrio e, portanto, meritório.
É insustentável, por outra parte, a opinião dos que afirmam
que, para um ato ser meritório, é preciso que o sujeito tenha a
capacidade de realizar livremente o ato demeritório contrário,
e como Cristo era essencialmente impecável, não poderia me-
recer com nenhuma ação. Com efeito, a capacidade de realizar
ações moralmente imperfeitas não é da essência da liberdade,
mas apenas um sinal de liberdade, a saber: da liberdade finita
própria dos agentes que, por não verem naturalmente o sumo
Bem, podem desviar-se dele ao quererem um bem particular
fora da ordem devida. Ora, uma vez que Jesus Cristo, desde
o primeiro instante de sua concepção, via o sumo Bem, tanto
pela graça de união como pela ciência beata, possuía um li-
vre-arbítrio confirmado no bem e, por isso mesmo, “incapaz”
de pecar, não por defeito, mas por abundância de liberdade:
“Quem de vós me acusará de pecado?” (Jo 8, 46).
46
11. A ORAÇÃO DE CRISTO
I. A oração de Cristo
Estabelecida, no capítulo anterior, a dupla vontade e opera-
ção de Cristo, implicação necessária da união hipostática,
cumpre estudar agora uma segunda consequência da assun-
ção da natureza humana por parte do Verbo, que é a oração
de Nosso Senhor. Vimos, com efeito, que em sua agonia no
Horto das Oliveiras Jesus clamou ao Pai: “Afasta de mim este
cálice” (Lc 22, 42), e em diversas passagens os Evangelhos
atestam que Ele rezava com frequência, às vezes durante noi-
tes inteiras: “Subiu à montanha para orar na solidão” (Mt 14,
23). Mas como entender que, sendo Deus, Cristo rezasse ao
Pai? Afinal, toda oração consiste em manifestar à divindade
os próprios desejos, e não parece coerente que Deus reze a
si mesmo nem que a vontade divina manifeste a si mesma
seus próprios desejos. É evidente, portanto, que Cristo rezava
segundo a sua natureza humana e em razão de sua vontade
humana, já que, enquanto Deus, tinha com o Pai a mesma
vontade e o mesmo poder de realizar tudo o que quisesse.
Por isso, deve-se dizer que a Cristo convinha rezar enquanto
homem, pois a sua vontade humana, naturalmente limitada,
não podia fazer por si só tudo o que quisesse, mas precisava
recorrer ao poder divino, do qual disse o salmista: “O Senhor
faz tudo o que lhe apraz” (Sl 134, 6).
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14. Antonio Royo Marín, Jesucristo y la vida cristiana. Madrid: BAC, 1961, p.
181, n. 160.
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1 1 . A o r ação d e C r i s t o
IV. Corolários
Donde se segue que as orações condicionais de Cristo, pelas
quais expressava a Deus os afetos da sensibilidade ou as incli-
nações da vontade como natureza (voluntas ut natura), nem
sempre foram atendidas, como é o caso da oração no Horto.
Também se deve dizer, por último, que Jesus Cristo continua a
rezar no Céu, intercedendo ao Pai por nós como nosso advoga-
do, a fim de recebermos no tempo oportuno os frutos de seus
méritos redentores. É o que nos dizem as Escrituras: “Cristo
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Q U EM É J ES U S: C RI S TO LO G I A E S OT ERI O LO G I A
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12. O SACERDÓCIO DE CRISTO
I. Noção de sacrifício
A palavra “sacrifício” pode tomar-se em três sentidos, do mais
comum e genérico, aplicável a qualquer tipo de sacrifício, ao
mais restrito e específico, próprio do sacrifício religioso. a) Em
sentido comum e genérico, entende-se por sacrifício a entrega
de algum bem, sensível ou não, motivada por um fim honesto
(assim, e.g., diz-se que faz um sacrifício a criança que renuncia
à sua parte do bolo para que os irmãos possam comer mais); b)
em sentido religioso amplo, entende-se por sacrifício todo ato
interno de entrega de si mesmo a Deus, bem como toda ma-
nifestação externa dessa entrega interior (assim, e.g., diz-se que
faz um sacrifício quem reza, jejua ou dá esmola); c) em sentido
religioso estrito, entende-se por sacrifício todo rito externo em
que se oferece a Deus um dom sensível por intermédio de um
ministro legítimo, com a finalidade de (i) reconhecer o domínio
soberano de Deus e, no estado atual de pecado, de (ii) reconci-
liar-se com Ele pela expiação das culpas (assim, e.g., diz-se que
oferece um sacrifício o padre que celebra a Santa Missa). 16
II. Observação
Embora a oferta a Deus de um sacrifício em sentido estrito seja
competência de um sacerdote — como veremos adiante —,
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Q U EM É J ES U S: C RI S TO LO G I A E S OT ERI O LO G I A
III. O sacerdote
Em sentido restrito e mais específico, todo sacrifício exige um
ministro legítimo, também chamado sacerdote. É sacerdote,
portanto, quem é constituído por mandato de autoridade pú-
blica como intermediário entre Deus e os homens para oferecer
a Deus, em protestação de sua soberania, dons e sacrifícios. Daí
se segue que: a) quem, destituído de mandato público, oferece
a Deus dons e sacrifícios em sentido impróprio (e.g., oblações
espirituais, como a oração) não é propriamente sacerdote, mas
pode assim ser chamado em sentido amplo, em razão de certa
semelhança, como no caso do sacerdócio comum dos fiéis (cf.
17.É por isso que o homem teria o dever de sacrificar a Deus ainda que o
pecado não tivesse entrado no mundo. O estado de natureza decaída, em
outras palavras, só acrescenta ao dever de sacrifício a necessidade da expiação
(supondo que Deus exija alguma satisfação pelos pecados dos homens).
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1 2 . O s ac er d ó c i o d e C r i s t o
IV. Conclusão
Com base nestas noções, pode-se afirmar que Jesus Cristo é,
verdadeira e propriamente, sacerdote e mediador perfeitíssimo
entre Deus e os homens. Atestam-no as Escrituras: “O Senhor
jurou e não se arrependerá: Tu és sacerdote para sempre, se-
gundo a ordem de Melquisedec” (Sl 109, 4); “Temos, portanto,
um grande Sumo Sacerdote que penetrou nos céus, Jesus, Fi-
lho de Deus” (Hb 4, 14), e confirma-o a razão teológica. Com
efeito, o ofício próprio do sacerdote é ser mediador entre Deus
e os homens, enquanto dispensa ao povo as coisas sagradas e
apresenta a Deus as preces do povo e oferece-lhe sacrifícios;
ora, tudo isto convém a Cristo por excelência, como está es-
crito: “Aprouve a Deus fazer habitar nele toda a plenitude e
por seu intermédio reconciliar consigo todas as criaturas, por
intermédio daquele que, ao preço do próprio sangue na cruz,
restabeleceu a paz a tudo quanto existe na terra e nos céus”
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PARTE II:
SOTERIOLOGIA
13. POR QUE O VERBO
SE FEZ CARNE?
I. Soteriologia
Com o presente capítulo damos início à segunda parte do nos-
so curso de Cristologia, na qual nos iremos centrar no estudo
da obra da Redenção, também chamado pelos tratadistas de
Soteriologia. É importante recordar, no entanto, que a reflexão
sobre a Encarnação em si mesma, como fizemos até agora, é
inseparável, embora distinta, da reflexão sobre a Encarnação
do ângulo de seu motivo ou finalidade, que foi redimir o gênero
humano. Isso significa que Cristologia e Soteriologia não cons-
tituem, propriamente falando, dois tratados teológicos à parte,
mas dois capítulos ou momentos integrantes de um único tra-
tado, cujo objeto de estudo é o Verbo encarnado, primeiro no
que lhe convém em si mesmo, e depois no que fez para nos sal-
var. A divisão do estudo teológico do Verbo encarnado nestes
dois capítulos se justifica, antes de tudo, por uma questão de
ordem pedagógica: embora o Verbo se tenha encarnado a fim
de nos redimir, para nós é mais conveniente entender primeiro
a Encarnação para só depois, uma vez instruídos no dogma,
compreendermos de modo adequado a sua obra redentora.
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1 3 . P o r q u e o V er b o s e f ez ca r n e ?
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III. Resumo
É evidente, portanto, que a Encarnação do Verbo se ordenou
de fato à redenção humana, e isso de tal maneira — defende
Santo Tomás (cf. STh III 1, 3c.) — que não seria inconveniente
dizer que, se o pecado não tivesse entrado no mundo, na pre-
sente ordem de coisas o Filho não se teria encarnado, o que
não significa, obviamente, que a potência divina esteja como
que limitada ou circunscrita ao pecado do homem, uma vez
que Deus poderia, por força de outro decreto de sua Providên-
cia, encarnar-se mesmo que Adão não tivesse pecado. O fato é,
em todo o caso, que Deus entregou ao mundo seu próprio Fi-
lho em remédio do pecado, e é apenas nele, e em ninguém mais,
que temos “a expiação pelos nossos pecados, e não somente
pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo” (1Jo 2, 2).
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14. O QUE É A REDENÇÃO?
20
I. Noções gerais
a) A honra divina ultrajada. — Pelo pecado, o homem viola a
honra devida a Deus e, com isso, torna-se réu de uma injúria
que, segundo a medida da pessoa ofendida, possui certa gra-
vidade infinita. Deus, com efeito, tem pleno direito a que as
criaturas racionais a Ele se submetam como à causa primeira
e fim último do universo, e nesta livre submissão, que não é
mais do que o reconhecimento teórico e prático de sua exce-
lência e domínio supremos, consiste formalmente a glória ou
honra externa de Deus. Por isso, negar-lhe tal reconhecimen-
to implica, por si só, a violação de um direito divino à livre
sujeição do homem, o que pode caracterizar-se propriamente
como injúria, i.e., como lesão de um direito alheio. Ora, dado
que a gravidade da injúria se mede por comparação ao grau de
dependência do agravante em relação ao agravado, de maneira
que será tanto mais grave a injúria quanto mais essencial for a
dependência do primeiro com respeito ao segundo, é evidente
que o pecado constitui a injúria mais séria possível e tem, ade-
mais, certa gravidade infinita, fundada na infinitude do ofen-
dido, que é o próprio Deus (cf. STh III 1, 2 ad 2).
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60
1 4 . O q u e é a R ed en ção ?
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15. COMO CRISTO SATISFEZ
À JUSTIÇA DIVINA?
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21. Antonio Royo Marín, Jesucristo y la vida cristiana, Madrid: BAC, 1961, p. 29.
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1 5 . Co m o C r i s t o s at i s f ez à j u s t i ça d i v i n a ?
IV. Observação
Daí se vê em que sentido se costuma dizer que, na Cruz, Cristo
satisfez à justiça divina, a saber: não por ter recaído sobre Ele
a justiça vindicativa, condenando-o, embora inocente, às penas
e tormentos devidas ao homem culpado (isto seria, pelo con-
trário, a suma injustiça), mas porque Cristo, sendo inocente,
se entregou à morte voluntariamente, satisfazendo pelo homem
culpado, que não poderia fazê-lo por si mesmo de modo sufi-
ciente, e ofereceu ao Pai, como Cabeça da nova humanidade,
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16. QUEM NOS SEPARARÁ
DO AMOR DE CRISTO?
I. Recapitulação
Vimos no capítulo passado que a Redenção operada pelo Fi-
lho encarnado (ou por alguma das três Pessoas divinas) era
necessária hipoteticamente após o pecado original, i.e., sob a
condição de que Deus, para reparar a injúria do pecado, te-
nha querido exigir uma satisfação adequada em todo o rigor
de justiça, embora pudesse fazê-lo de muitas outras formas
(e.g., perdoando gratuitamente nossas culpas ou exigindo-nos
uma satisfação relativa, imperfeita e, por isso, inadequada). As
fontes da Revelação, por sua vez, nos mostram sem sombra de
dúvida que o Verbo se encarnou, de fato, para padecer e mor-
rer segundo a carne, ou seja, em sua natureza humana, com
o fim precípuo de satisfazer verdadeira e propriamente pelos
nossos pecados, oferecendo à majestade divina uma satisfação
adequada e estritamente proporcional à gravidade da ofensa.
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II. Erros
a) O protestantismo histórico. — Os primeiros protestantes, so-
bretudo os de orientação calvinista, chegaram ao extremo de
afirmar que Nosso Senhor Jesus Cristo, cobrindo-se com os
nossos pecados, fez-se odioso e maldito aos olhos de Deus e,
cravando-se na Cruz como verdadeiro pecador, suportou na
condição de culpado a pena que deveria recair, não sobre si,
mas sobre os homens. Não é nesse sentido que os católicos fa-
lamos de “satisfação vicária”, cujo conceito explicaremos abaixo
em nota à parte. Qualquer um é capaz de ver, além disso, que
a noção calvinista de expiação converte o sacrifício redentor
de Cristo em um ato de suma injustiça por parte de Deus, que
teria disposto, como meio e condição necessária para restaurar
o gênero humano, a condenação de um inocente às penas de-
vidas à culpa de outrem.
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1 6 . Q u em n o s s epa r a r á d o a m o r d e C r i s t o ?
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24. Cf. Antonio Royo Marín, Jesucristo y la vida cristiana. Madrid: BAC, 1961,
p. 325s, n. 298.
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1 6 . Q u em n o s s epa r a r á d o a m o r d e C r i s t o ?
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17. JESUS FOI ABANDONADO
PELO PAI?
I. Viator et comprehensor
Vimos na parte cristológica do curso que, em virtude da união
hipostática, há em Cristo uma dupla ordem de operações e,
portanto, de intelecções e volições, sem prejuízo da unidade
pessoal do Verbo encarnado: uma segundo a natureza divina,
outra segundo a natureza humana. Além disso, os teólogos
costumam distinguir na mesma natureza humana de Cristo
uma dupla série de operações e, igualmente, de intelecções e
volições, por conta do duplo estado em que Ele se encontrava
nesta vida mortal, i.e., antes da Ressurreição: uma segundo o
estado de compreensor (comprehensor), outra segundo o esta-
do de viandante (viator). É doutrina comum e certa, com efei-
to, que Nosso Senhor Jesus Cristo vivenciou simultaneamente
esse duplo estado, o que Tomás de Aquino argumenta com as
seguintes considerações:
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1 7. J es u s f o i a ba n d o n a d o p el o Pa i ?
25. J. B. Franzelin, Tractatus de Verbo Incarnato. 2.ª ed., Roma: Marietti, 1874,
p. 433.
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27. Essas palavras, como se sabe, são uma citação dos primeiros versículos
do Sl 21, de teor messiânico, que, longe de expressar desespero, descreve os
padecimentos de Cristo, vítima e vencedor: vítima, por fazer-se maldição
por obediência a Deus e amor a nós (cf. Gl 3, 13); e vencedor do demônio,
do pecado e da morte: “Vós, Senhor, não vos afasteis de mim… Ele não re-
jeitou nem desprezou a miséria do infeliz, nem dele desviou a sua face, mas
o ouviu, quando lhe suplicava” (Sl 21, 20.25), palavras não de quem desespe-
ra, mas de quem tem esperança certíssima da presença e do socorro divino,
mesmo em meio à provação.
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1 7. J es u s f o i a ba n d o n a d o p el o Pa i ?
c) Isso não impede que a parte inferior de sua alma, i.e., a par-
te de sua natureza humana em estado de via, tenha expe-
rimentado, para complemento da obra redentora, a deso-
lação que nós muitas vezes sentimos, quando somos por
algum motivo privados da presença consoladora de Deus.
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1 7. J es u s f o i a ba n d o n a d o p el o Pa i ?
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III. Corolários
1.º Cristo, enquanto compreensor, não podia padecer na razão
superior, i.e., na “região” mais alta de sua inteligência e von-
tade, onde fruía da visão facial da essência divina; mas, como
viandante, não se limitou a sofrer no apetite sensitivo, senão
que padeceu também na chamada razão inferior (ratio infe-
rior), ou seja, na mesma potência racional enquanto voltada
para as coisas temporais e, portanto, subordinada às verdades
eternas na ordem especulativa, das quais toma, na ordem prá-
tica, seus princípios de ação. Logo, Cristo sofreu realmente pe-
los nossos pecados como algo temporal (quid temporale), i.e.,
como ofensas a Deus; mas, à luz de sua razão superior beatifi-
cada, via com singular clareza toda a maldade e malícia deles
e podia, por isso mesmo, entristecer-se com mais profunda e
redentora tristeza.
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1 7. J es u s f o i a ba n d o n a d o p el o Pa i ?
33. Cf., e.g., Eusébio, Demonstr. Ev. IV, 12s: MG 22, 281s.287s; Epifânio, Hær.
II, 62: MG 42, 305ss, além de Hilário, Ambrósio etc.
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18. O QUE PENSAR
DA RESSURREIÇÃO?
I. Recapitulação
Vimos no último capítulo que Nosso Senhor Jesus Cristo, sen-
do a um tempo compreensor e viandante, foi, mesmo durante
a Paixão, plenamente bem-aventurado e, por esse motivo, não
experimentou nunca a interrupção da visão beatífica, da qual
gozou sempre, desde o primeiríssimo instante de sua concep-
ção no seio da Virgem Maria; e que às suas dores e tristezas re-
dentoras estavam intimamente unidas a mais perfeita alegria e
uma paz imperturbável. Trata-se, segundo a sentença comum
dos teólogos, que nisso seguem o Doutor Angélico, de um
grandíssimo mistério, na medida em que, “à margem das leis
naturais da vida da alma, ou seja, milagrosamente, Cristo vian-
dante impedia voluntária e liberrimamente a redundância da
glória da parte superior sobre a inferior, para entregar-se mais
plenamente ao sofrimento, como vítima voluntária oferecida
em holocausto. Era, portanto, um milagre e, ao mesmo tempo,
um mistério essencialmente sobrenatural, já que os dois extre-
mos unidos”, i.e., a visão beatífica e a dor sobrenatural pelos
pecados, “eram ambos intrinsecamente sobrenaturais”. 34
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1 8 . O q u e p en s a r da R es s u r r ei ção ?
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III. Conclusão
Assim ressurgiu vencedor da morte o que, morrendo, triunfa-
ra do pecado e do diabo, em comprovação admirável de sua
missão divina e da verdade de seus ensinamentos. Ele, que por
amor e obediência se humilhara até a morte de Cruz, mereceu
ser exaltado por Deus à glória da Ressurreição, na qual temos
uma confirmação certíssima de sua divindade, um fundamento
inabalável para a nossa esperança, a causa exemplar e meritória
da nossa própria ressurreição futura e o estímulo eficaz para vi-
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1 8 . O q u e p en s a r da R es s u r r ei ção ?
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BIBLIOGRAFIA
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B i b li o g r a f i a
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