Jornalismo de Humor No Brasil e o Programa
Jornalismo de Humor No Brasil e o Programa
Jornalismo de Humor No Brasil e o Programa
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
JORNALISMO
RIO DE JANEIRO
2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
JORNALISMO
RIO DE JANEIRO
2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO
TERMO DE APROVAÇÃO
Monografia examinada:
Rio de Janeiro, no dia ........./........./..........
Comissão Examinadora:
RIO DE JANEIRO
2011
FICHA CATALOGRÁFICA
RESUMO
1. INTRODUÇÃO
4. CONCLUSÃO
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. INTRODUÇÃO
4
O presente trabalho, ao ressaltar veículos e personalidades que marcaram a
história da imprensa brasileira por informarem através do humor, busca levantar
discussões sobre a importância do gênero – que tem ganhado cada vez mais
popularidade – na transmissão de notícias no país. Suscitar essa reflexão nada mais é do
que examinar um aspecto que faz parte da comunicação – a dicotomia entre forma e
conteúdo. Assim, este projeto procura revelar que a maior diferença entre o jornalismo
de humor e o tradicional não está no que é noticiado, mas sim em como isso é feito. O
fator para o sucesso e para a audiência crescente pode estar, justamente nesse como
diferenciado e inovador.
5
2. JORNALISMO DE HUMOR NO BRASIL
2.1. O Humor
Segundo um texto grego datado do século III d.C., escrito por um autor anônimo
em um papiro alquímico chamado de “Papiro de Leyde”, o universo seria fruto de uma
série de gargalhadas dadas por Deus. George Minois, em sua obra História do Riso e do
Escárnio, menciona essa bem-humorada teoria da criação do mundo:
“Tendo rido Deus, nasceram os sete deuses que governam o mundo... Quando
ele gargalhou, fez-se a luz... Ele gargalhou pela segunda vez: tudo era água. Na
terceira gargalhada, apareceu Hermes; na quarta, a geração; na quinta, o destino;
na sexta, o tempo.” Depois, pouco antes do sétimo riso, Deus inspira
profundamente, mas ele ri tanto que chora, e de suas lágrimas nasce a alma.
(MINOIS, 2003: 21)
A Grécia pode ser apontada como um dos berços onde, na Antiguidade, o humor
se desenvolveu em suas diversas facetas, desde o mais grosseiro até o mais sutil, sendo
representado por pensadores e autores como Aristófanes e Homero, cujo conto
Batracomiomáquia, publicado somente em 1489, em Veneza, é considerado “a primeira
manifestação humorística da literatura européia” (DA COSTA, 2001: 17).
Originalmente, entretanto, a palavra “humor” possuía um significado diferente
daquele pelo qual é comumente conhecida nos dias de hoje. Na Grécia Antiga, humor
era considerado cada um dos líquidos presentes no corpo humano: a fleuma, a bile
6
amarela, a bile negra e o sangue, e o equilíbrio ou o desequilibro dessas substâncias
afetaria diretamente a saúde e o comportamento dos indivíduos. Os responsáveis por
estudar e tentar controlar de alguma forma os humores eram conhecidos como
humoristas, uma mistura de médico e filósofo. Por essa relação com o comportamento,
a palavra “humor” poderia significar, indiretamente, já naquela época, o estado de
espírito de uma pessoa: “Pelo comportamento do indivíduo, supunha-se qual dos
líquidos poderia estar excedendo-se no organismo: a bile negra promovia o escárnio; a
bile amarela, as lágrimas; a fleuma, o desinteresse geral; e o sangue, patologia cerebral”
(MANFIO, 2006: 25).
O próprio Dicionário Aurélio define a palavra “humor”, primeiramente, como
“substância orgânica líquida ou semilíquida”, para, apenas em seguida, acrescentar os
significados atualmente populares: “disposição de espírito”, “veia cômica; espírito,
graça” e “capacidade de perceber ou expressar o que é cômico ou divertido”. Foi
somente em 1682, na Inglaterra, que “humor” foi registrado, pela primeira vez, com seu
significado contemporâneo, decorrente da palavra inglesa “humour”, definida pelo
Concise Oxford Dictionary como “comicidade”. A obra Sensus communis: an essay on
the freedom of wit and humour (“Sensus communis: um ensaio sobre a liberdade da
graça e do humor”), escrita por Lorde Shaftesbury, em 1709, foi uma das primeiras a
empregar o termo segundo a denominação atual (BRENMER e ROODENBURG, 2000:
13).
Para George Minois, o humor, cuja principal qualidade considera ser,
justamente, o fato de “escapar a todas as definições” que tentam impor-lhe (MINOIS,
2003: 79), nasceu com o ser humano, no momento em que este se tornou consciente de
si mesmo, achando-se incompreensível:
7
Chamamos atenção para isto: não há comicidade fora do que é propriamente
humano. (...) Já se definiu o homem como „um animal que ri‟. Poderia também
ter sido definido como um animal que faz rir, pois se outro animal o
conseguisse, ou algum objeto inanimado, seria por semelhança com o homem,
pela característica impressa pelo homem ou pelo uso que o homem dele faz.
(BERGSON, 1993: 17)
Além de ser uma característica exclusiva do ser humano e que, para existir,
depende de elementos inerentes a este, Bergson afirma que há outro aspecto
fundamental para que o humor seja possível: a insensibilidade. Segundo o autor, “o
maior inimigo do riso é a emoção” e, para que algo seja “risível”, é necessária, por parte
do espectador, uma dose de indiferença, um certo distanciamento do objeto de que se ri.
O humor se destina à inteligência pura e “exige algo como certa anestesia momentânea
do coração para produzir todo o seu efeito” (BERGSON, 1993: 18). Dessa forma, o
homem só riria daquilo com o que não está envolvido emocionalmente ou quando se
distancia dessa posição para adotar, mesmo que momentaneamente, um olhar mais
“neutro”, imparcial.
Talvez por ser uma dádiva que apenas a humanidade recebeu, o humor, de
acordo com Minois, exerce grande poder sobre o homem moderno. Poder este que
reside na incerteza que transmite: “Na encruzilhada do físico e do psíquico, do
individual e do social, do divino e do diabólico, ele flutua no equívoco, na
indeterminação. Portanto, tem tudo para seduzir o espírito moderno” (MINOIS, 2003:
16).
1
Memória Globo – Jornal Nacional. Site Globo.com
(http://memoriaglobo.globo.com/Memoriaglobo/0,27723,GYN0-5273-239077,00.html). Acesso em 12 de
março de 2011.
9
Bernardes interage entre si, como se estivesse conversando sobre aqueles assuntos,
favorecendo a absorção e compreensão das informações.
A despeito da informalidade cada vez mais presente nos veículos considerados
“tradicionais”, o jornalismo de humor, desde o século XIX, procurou reservar um
espaço para chamar só de seu na mídia brasileira E, nesses quase dois séculos, tem
obtido êxito na empreitada, por meio de iniciativas inovadoras e personalidades ousadas
que marcaram a história da imprensa no país. Entre os grandes exemplos estão a revista
Pif-Paf, o jornal O Pasquim, figuras como Aparício Torelly – o Barão de Itararé, Zé
Simão e Ernesto Varella, o programa Casseta & Planeta Urgente! e – a mais recente
aventura do gênero – o noticiário humorístico Custe o que Custar (CQC), veiculado
pela Rede Bandeirantes desde 2008, que vem ganhando maiores audiência e atenção da
mídia e do público.
2.2.1 O início
10
Uma das principais características que pudemos observar neles [periódicos de
humor que circulavam nessa época] é o envolvimento com uma
intelectualidade artística e literária que, por um lado, se mostra desencantada
com os rumos que a República tomou em tão pouco tempo e, por outro, tenta
responder a esse desencanto, buscando novas formas de expressão e de
abordagem do mundo, explorando novas técnicas e novas temáticas. (CASTRO,
2010: 11)
12
risível e inacabado, com maiores chances de atingir a todos, não apenas pela
linguagem, mas por produzir o humor desde as coisas mais triviais e cotidianas
até os trâmites de ordem política, criando então humorísticas que tendem a
inverter, bagunçar os significados presentes nos acontecimentos. (CASTRO,
2010: 14)
14
Segundo Andréa Queiroz, no artigo Pif-Paf e Millôr: a densidade em tempos de
efemeridade, cerca de 150 periódicos criados nessa época tinham como uma de suas
características a oposição à Ditadura.
Para o autor Bernardo Kucinski, a revista Pif-Paf pode ser considerada como um
marco da produção da imprensa alternativa no país. Originalmente, Pif-Paf era uma
seção publicada no semanário O Cruzeiro, lançado por Assis Chateaubriand e que
circulou de 1928 a 1982. Criada por Millôr Fernandes – que assinava sob o pseudônimo
de Emmanuel Vão Gôgo –, a seção estava calcada no humor para desenvolver
interpretações críticas “sobre o imaginário do universo político do populismo”
(KUCINSKI, 1991).
Millôr começou sua história em O Cruzeiro – onde iniciou sua carreira
jornalística –, em 1938, como desenhista e realizou um trabalho em que misturou suas
influências de elementos dinâmicos no desenho com a linguagem humorística. A seção
15
foi publicada até 1963, quando os setores religiosos mais conservadores da sociedade
(como as Ligas Católicas – que apoiaram o golpe de 1964) pressionaram O Cruzeiro
pelo fim de Pif-Paf devido à produção de uma fábula, encomendada pela própria
direção da revista a Millôr, intitulada de A Verdadeira História do Paraíso, em que se
questionava a condição humana e personagens bíblicos. Depois do conflito gerado e
como protesto à sua demissão do semanário, Millôr Fernandes se aventurou e lançou
uma revista autônoma de circulação quinzenal, que levava o mesmo nome de sua antiga
seção. Pif-Paf foi publicada pela primeira vez no dia 21 de maio de 1964, trazendo a
seguinte frase editorial: “Não temos prós nem contras, nem sagrados nem profanos”.
Encabeçada por Millôr, a produção da revista contou com a participação de jornalistas
como Jaguar, Claudius, Ziraldo, Fortuna e Sérgio Porto – que, alguns anos depois,
lançariam O Pasquim.
Figura 2: Edição nº 1 de Pif-Paf, lançada no dia 21 de maio de 1964, por Millôr Fernandes
Apesar de a revista ter sido preparada antes de os militares darem o golpe, sua
posição de crítica aos costumes de então foi interpretada como uma resposta ao novo
16
regime, ganhando, assim, um cunho político – sem defender, contudo, os ideais de
grupos específicos. A postura adotada pela publicação era claramente de oposição ao
novo governo – o que permitiu que circulasse somente por oito edições (uma média de
quatro meses), mas o suficiente para que se revelasse uma possibilidade de busca por
um espaço para manifestação de opiniões diferentes das adotadas oficialmente pelo
Estado e se distinguisse da postura apática da imprensa tradicional.
O fim das atividades de Pif-Paf em sua oitava edição não foi por um acaso.
Desde a quarta edição, a revista havia instituído o concurso imaginário “Miss Alvorada
65”, numa clara alusão aos pretendentes à Presidência da República. O número 8 (cujos
exemplares foram apreendidos pelo governo), entretanto, foi longe demais, parecendo
querer desafiar e testar os limites da censura imposta pelo Estado. A edição trazia uma
fotomontagem do então Presidente Castelo Branco como mais um suposto
“concorrente” do “Miss Alvorada 65”, além de, em sua última página, um texto ousado
e marcado por um humor irônico:
Cerca de cinco anos após o fechamento da revista Pif-Paf, nasceu outro veículo
que marcou a imprensa brasileira, sendo considerado um dos maiores ícones históricos
do jornalismo no país: O Pasquim. O jornal foi lançado no dia 26 de junho de 1969,
num momento em que a imprensa alternativa havia perdido espaço devido ao grande
número de periódicos, produzidos, principalmente, a partir de 1967, que estavam
vinculados a grupos políticos de esquerda. Essas publicações acabavam servindo como
meios de divulgação da ideologia desses setores, na tentativa de promover uma
revolução contra o governo militar – razão pela qual, geralmente, possuíam uma vida
curta e um alcance pequeno.
O jornal acabou alcançando um sucesso que não havia sido previsto por seus
idealizadores e inédito para um projeto típico da imprensa alternativa no Brasil. Com
uma tiragem inicial de 14 mil exemplares, a primeira edição de O Pasquim se esgotou
em dois dias. Mais 14 mil foram impressos e também se esgotaram. O crescimento da
publicação permitiu que sua tiragem média se estabilizasse, entre a primeira e a sétima
edições, em 200 mil exemplares, o que chamou a atenção de anunciantes, que chegaram
a ocupar 25% do espaço do jornal. Para Diógenes Ferreira, em seu artigo O humor como
resistência ao controle social autoritário no Brasil pós-1964: reflexões sobre a
imprensa alternativa, o grande trunfo de O Pasquim foi a postura diferenciada que
adotou em comparação a outros veículos da imprensa alternativa, especialmente no que
diz respeito à maneira como fez uso do humor em suas páginas. Para o autor, o jornal
20
Esse êxito surpreendente, no entanto, acabou criando problemas que
contribuíram para a decadência do veículo. Ao apresentar um grande crescimento em
pouco tempo, O Pasquim se tornou um alvo especial de controle do Estado, que
realizou diversas ações que visavam ao enfraquecimento do jornal. Por exemplo, no dia
26 de janeiro de 1970, foi instituída a censura prévia (pelo decreto-lei nº 1077), o que
causou, ao longo dos seis meses seguintes, a queda da vendagem de 200 mil para 100
mil exemplares semanais. Em abril do mesmo ano, a coerção ao veículo aumentou, após
a publicação de uma edição que trazia uma capa dedicada a Dom Helder Câmara,
personalidade que não agradava ao governo militar. O ápice foi no dia 1º de novembro
de 1970, com uma operação do DOI-CODI que culminou com a prisão (que durou dois
meses) de todos os membros que estavam presentes na redação naquele momento,
exceto de Tarso de Castro, que conseguiu escapar e continuou produzindo O Pasquim
clandestinamente junto à Millôr Fernandes, Henfil, Miguel Paiva e Martha Alencar.
Bernardo Kucinski afirma que as consequências trazidas pela prisão dos jornalistas
acarretaram no fim da publicação, em 1992:
O Pasquim não terminaria por causa dessas prisões, mas sofreria um baque
profundo, especialmente pelos efeitos de longo prazo nas relações pessoais, na
vontade de alguns de abandonar o Brasil e de não continuar jogando aquele
jogo. As tiragens também caíram drasticamente, devido à censura de muitas das
melhores matérias e charges, e à recusa de muitos jornaleiros em exibir e vender
o jornal. (KUCINSKI, 1991: 164)
21
Ao se observar a atuação da imprensa alternativa no Brasil durante a Ditadura
Militar, com destaque para Pif-Paf e O Pasquim, a linguagem humorística pode ser
considerada um meio de comunicação de idéias contrárias às imposições do Estado. A
utilização do humor como instrumento social de confronto ao regime político instituído
não significava, obviamente, uma liberdade total de ação e de expressão, até porque
aquilo que provoca o riso para determinadas pessoas pode gerar revolta e retaliações
daqueles que são o alvo da piada (tanto que um dos objetos de controle do governo
eram as produções humorísticas). No entanto, é possível dizer que, ao longo dos “anos
de chumbo”, o humor no jornalismo se consolidou como uma ferramenta poderosa para
estabelecer um elo entre o emissor da mensagem e o receptor – possível razão pela qual
um fato abordado através da ótica humorística gerava mais identificação junto ao
público do que a abordagem jornalística tradicional.
2
Disponível em http://www.miniweb.com.br/historia/Artigos/i_contemporanea/globalizacao1.html.
Acesso em 12 de junho de 2011.
23
o surgimento de um público mais crítico” (FECHINE, 2003: 92). E, foi nesse cenário
que visava à transformação da televisão, que Ernesto Varela nasceu, em meio à correria
da produtora para preparar um novo conteúdo para um espaço recém-conquistado em
um programa comandado por Goulart de Andrade. O quadro era escrito, produzido e
dirigido por Marcelo Tas e Fernando Meirelles. Este, aliás, “interpretava” o cinegrafista
Valdeci, com quem o repórter interagia constantemente ao longo das reportagens (as
“respostas” do cinegrafista se davam, muitas vezes, por meio de movimentos de câmera
que se assemelhariam a um movimento de cabeça – os verticais eram “sim” e os
horizontais, “não”). Essas conversas com Valdeci eram um elemento importante na
construção das reportagens de Varela, pois, por meio delas, o repórter tinha a
oportunidade de impor
24
Figura 5: Ernesto Varela entrevista Paulo Maluf
3
Blog Tas Maníacas. Disponível em http://fctasmaniacas.blogspot.com/2011/02/dia-do-reporter-
homenagem-ernesto.html. Acesso em 19 de junho de 2011.
25
jornalística, transformando-a, muitas vezes, em notícia – como quando fizeram questão
de mostrar seguranças se aproximando da equipe e proibindo-a de entrevistarem um
político dentro do Congresso Nacional e, em outra matéria, de filmarem o local onde
seria realizado o primeiro Rock in Rio. Dessa forma, Varela explicita as marcas e
elementos que compõem a construção do jornalismo, ao invés de tentar “apagá-las”,
como fazem os veículos convencionais. Pelo fato de as reportagens se valerem de uma
perspectiva semelhante à paródia da imprensa tradicional, essa construção do processo
jornalístico constituía “um importante agente mobilizador da atenção de Varela”
(BRAGA, 2007: 74). Em uma matéria publicada, em 1984, pelo jornal Folha de São
Paulo4, sobre Ernesto Varela, Marcelo Tas explicou que o sucesso crescente de seu
personagem se dava, justamente, por ele propor uma quebra dos paradigmas
estabelecidos:
"O telespectador gosta de 'Varela' porque compactua com ele", diz Marcelo.
"Há uma empatia. 'Varela' é ingênuo e sincero, e está sempre em busca da
verdade no entrevistado. A maioria dos repórteres de verdade procura limpar a
imagem do entrevistado, e este se sente à vontade para dizer o que quiser.
Quando você tibuteia a pergunta o que o telespectador realmente gostaria de
saber, o entrevistado balança, fica sem saber o que fazer e se entrega".
Ernesto Varela viveu suas peripécias jornalísticas até 1986, quando deixou de
ser produzido pela Olhar Eletrônico. Entretanto, sua veiculação não ficou restrita à TV
Gazeta de São Paulo. As reportagens acabaram sendo exibidas, em séries especiais, em
diversas emissoras, inclusive, em rede nacional, como TV Globo, TV Record, SBT,
Abril Vídeo, MTV Brasil e TVE da Espanha. Esse desdobramento do personagem
reflete sua importância para o jornalismo brasileiro ao propor uma releitura, através do
humor, da forma como os mais diversos fatos que eram comumente noticiados nos
principais veículos.
4
Blog do Tas. Disponível em http://marcelotas.terra.com.br/imprensa-criticas-
interna.php?idConteudo=69. Acesso em junho de 2011.
26
Já a história do humorístico Casseta & Planeta Urgente! começa muito antes de
sua estreia na TV Globo em 1992, tendo início na década de 1980, com o crescimento e,
anos depois, a “união” de dois veículos alternativos no Rio de Janeiro – que, de acordo
com Luís Pimentel, eram frutos da influência gerada por O Pasquim: o jornal Casseta
Popular e a revista Planeta Diário. O primeiro foi criado, em 1978, por três estudantes
da Faculdade de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – Beto
Silva, Hélio de La Peña e Marcelo Madureira. E o segundo foi lançado, em dezembro de
1984, por Hubert de Carvalho e Reinaldo Batista Figueiredo, já sendo vendido nas
bancas de jornal e contando, desde sua primeira edição, com colaborações dos
universitários de Casseta Popular. O jornal, aliás, cujo objetivo era simplesmente
causar o riso nos leitores, passou a contar, a partir de 1980, com a participação de
Cláudio Besserman Viana, o Bussunda, e de Cláudio Manoel, que ajudaram a
transformar a publicação num tablóide vendido em bares e praias cariocas.
Planeta Diário, que possuía uma visibilidade maior do público por ser vendida
em bancas, obteve um bom crescimento, chegando a vender 100 mil exemplares por
mês – um alto número para os padrões de um veículo do jornalismo alternativo. O
5
Disponível em http://nemvem-quenaotem.blogspot.com/2008_06_01_archive.html. Acesso em 2 de
julho de 2011.
27
sucesso da revista, por sua vez, acabou por cooperar com o de Casseta Popular,
nascendo aí o embrião do que viria a ser o Casseta e Planeta Urgente!. Na época, os
grupos da revista e do jornal (que promovia, no restaurante Manga Rosa, em Botafogo,
bairro da Zona Sul do Rio de Janeiro, o show Casseta in Concert: Coral Coro de Pica)
se uniram e criaram a editora Toviassú, nome originado da expressão “todo viado é
surdo”, o que possibilitou, em seguida, que Casseta Popular também chegasse às
bancas, mas sob o formato de revista.
Em 1987, veio a oportunidade de os dois grupos realizarem, em parceria, o
primeiro projeto para a televisão. Eles roteirizaram o programa Vandergleison Show,
um especial humorístico de fim de ano da Rede Bandeirantes. A união foi mantida no
ano seguinte, quando a equipe, além de lançar nacionalmente o conjunto musical
“Casseta Popular & Planeta Diário”, assinou contrato com a Rede Globo para assumir a
redação do TV Pirata, programa humorístico dirigido por Guel Arraes e Cláudio Paiva,
junto a figuras como Luís Fernando Guimarães e Patrícia Travassos. Devido ao sucesso
da novela Pantanal, da TV Manchete, exibida no mesmo horário, a série não agüentou a
concorrência e acabou sendo tirada do ar dois anos depois. Também em 1988, ano de
eleições municipais no país, as turmas do Planeta Diário e de Casseta Popular uniram
forças e lançaram a candidatura não-oficial do Macaco Tião (um chimpanzé do
Zoológico do Rio de Janeiro) para prefeito da Cidade Maravilhosa, numa espécie de
protesto político bem-humorado. Surpreendentemente, o animal – que morreu em 1996
– terminou a corrida eleitoral em terceiro lugar, obtendo mais de 400 mil votos, cerca de
9,5% do total.
Em 1989, o nome do conjunto musical foi reduzido para “Casseta & Planeta”,
devido ao lançamento do álbum Preto com um Buraco no Meio, que alcançou certo
sucesso de público (o grupo gravou mais dois discos que, no entanto, não tiveram o
êxito do primeiro). Já em 1990, os “cassetas” participaram da cobertura jornalística do
carnaval para a Rede Globo, no que foi sua primeira aparição televisiva como grupo
cômico. No mesmo ano, eles apresentaram à emissora a proposta de um programa
chamado provisoriamente de Sábado Urgente, que misturaria jornalismo e ficção. A
ideia de fazer um “jornalismo de brincadeira” só foi ao ar, entretanto, em 1991, com o
programa Dóris para Maiores, em que eles levaram para a telinha algo que faziam
desde seus tempos de veículo impresso: ir contra os padrões estabelecidos, misturando
reportagens consideradas sérias e humor. Como ainda não eram figuras conhecidas do
28
grande público, a emissora optou por colocar a atriz Dóris Giesse à frente da atração,
mas ela desistiu do projeto logo em seu primeiro ano de exibição. Em sua temporada de
férias, a Globo acabou decidindo por reprisar o programa, que obteve uma audiência
maior do que o esperado – o que abriu as portas para que Beto Silva, Hélio de La Peña,
Bussunda, Cláudio Manoel, Marcelo Madureira, Hubert de Carvalho e Reinaldo Batista
Figueiredo ganhassem um espaço para chamarem só de seu na televisão.
Escrito por todos os sete, Casseta e Planeta Urgente! estreou, na Rede Globo,
em abril de 1992. Veiculado, inicialmente, uma vez por mês, o programa – que também
contava com uma oitava “casseta”, a jornalista Kátia Maranhão (substituída, em 1994,
pela VJ Maria Paula) – se tornou semanal anos depois. No mesmo ano de estreia da
atração, o grupo voltou a atuar na mídia impressa, com a revista Casseta & Planeta,
publicada até 1995. Em 2003, o grupo alcançou um novo nível: foi para a telona, com o
lançamento do primeiro longa-metragem, Casseta & Planeta: A Taça do Mundo é
Nossa, que teve a participação de nomes como Tony Tornado, Deborah Secco e Carlos
Alberto Torres. Três anos depois, em 2006, foi a vez do lançamento do segundo filme,
Seus Problemas Acabaram!. Aquele ano, porém, foi marcado por outro acontecimento,
a perda de um dos “cassetas” – Bussunda faleceu na Alemanha, durante a cobertura da
Copa do Mundo. Em dezembro de 2010, 18 anos depois de sua estreia, Casseta &
Planeta Urgente! saiu do ar.
Segundo afirma Leonardo de Oliveira Sampaio em seu estudo Casseta & Planeta
Urgente!: do pastiche à carnavalização da televisão, o programa, desde seu nascimento,
desafiou os padrões vistos até então na televisão brasileira. A atração se apropriou e
propôs uma releitura, através do riso, do que era veiculado, sobretudo, pelo jornalismo
(em especial o Jornal Nacional) e pela teledramaturgia (principalmente a “novela das
oito”) da Rede Globo. A intenção era rir da própria televisão, dando a ela novos
significados pela perspectiva do jornalismo de humor (SAMPAIO, 2006: 25). Conforme
a própria emissora explica, a atração seguia “[...] a linha do „jornalismo-mentira e
humorismo-verdade‟. Casseta & Planeta Urgente! busca, por meio de paródias ao
jornalismo convencional e a outros programas televisivos, desenvolver um modo
engraçado e particular de tratar os fatos da atualidade” (PROJETO MEMÓRIAS DAS
ORGANIZAÇÕES GLOBO, 2003: 686).
Além de Ernesto Varela e do Casseta & Planeta Urgente!, outra figura de
destaque do jornalismo de humor nasceu e firmou seu espaço na imprensa brasileira nas
29
décadas de 1980 e 1990: o colunista José Simão – ou, simplesmente, Zé Simão, também
auto-intitulado de Macaco Simão. Nascido em São Paulo, no dia 31 de dezembro de
1943, ele inicialmente pensou em seguir carreira jurídica, tanto que ingressou na
Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em 1969, mas, diante de tanta
formalidade, desistiu pouco tempo depois. Após largar o curso, Simão viveu durante um
ano em Londres, onde realizou alguns trabalhos como freelancer para a BBC,
conceituada rede de televisão britânica, e, como ele mesmo destaca em seu site oficial6,
assistiu ao show dos Rolling Stones no Hyde Park. De volta ao Brasil, no início da
década de 70, auge do tropicalismo no país, ele freqüentou as Dunas da Gal, reduto de
intelectuais e adeptos do movimento, em Ipanema, Zona Sul do Rio de Janeiro. Em
seguida, saiu do Rio e foi para a Bahia, local que considera uma de suas grandes paixões
(SALLUN, 2003)7. Em Salvador, se tornou dono de um bazar de discos, incensos e
roupas, chamado de “Talismã Tropical”. Depois da temporada soteropolitana, Simão
retornou a São Paulo, onde abriu uma filial do bar-restaurante baiano Zanzibar. Foi ali
que ele conheceu alguns jornalistas da Folha de São Paulo, como Matias Suzuki Jr., e,
em 1987, acabou sendo convidado para trabalhar no suplemento Casa & Companhia, ao
lado de outro iniciante, Zeca Camargo, atual apresentador do Fantástico, atração
dominical da TV Globo. Numa entrevista que concedeu à revista Veja São Paulo, na
edição publicada em 17 de dezembro de 2003, ele conta como foi o início de seu
caminho no jornalismo até assinar sua coluna de humor diária, que é uma das mais lidas
da Folha até hoje e é veiculada por outros 19 jornais brasileiros:
6
Site oficial de José Simão. Disponível em http://www2.uol.com.br/josesimao/biografia.htm. Acesso em
21 de junho de 2011.
7
SALLUN, Erika. A língua mais afiada da cidade – Quem é o colunista que ganha a vida debochando de
gente famosa. Veja São Paulo. São Paulo: Editora Abril, 17 de dezembro de 2003. Disponível em
http://veja.abril.com.br/vejasp/171203/perfil.html. Acesso em 21 de junho de 2011.
8
Ibidem.
30
Marcada pela irreverência, a coluna é descrita por Simão, em seu site oficial,
como um “telejornal humorístico. Onde abordo os três temas que mais deliciam os
brasileiros: sexo, política e futebol. Trio elétrico do brasileiro: real, bunda e bola!”
(SIMÃO, 2011). E, não é apenas em veículos impressos que Simão marca presença. Ele
também apresenta um programa no site UOL (Universo Online), chamado de Monkey
News, e o quadro de humor satírico Buemba Buemba, de segunda-feira a sexta-feira, na
Rádio Band News FM, com participação dos jornalistas Ricardo Boechat e Luiz
Megale.
Em cada um de seus projetos, Simão faz uma releitura, através do humor, das
principais notícias do dia. Conforme afirma Maria Teresa Rego de França, no artigo A
construção linguística do riso nas crônicas de José Simão, “o sério (a noticia) aparece
travestido de não-sério, como se uma brincadeira fora” (DE FRANÇA, 2006: 62). As
fontes do riso são, sobretudo, as paródias e as representações e descrições caricatas dos
personagens e protagonistas dessas notícias. O foco está nas pessoas de mais destaque
no país, principalmente os políticos, artistas e atletas, e em menor escala, de
personalidades internacionais. Além disso, o jornalista utiliza diversos bordões
buscando causar o riso no público, sendo que muitos deles já teriam até caído no gosto
popular. No entanto, confirmando a verdade contida num velho ditado – “nada se cria,
9
Site oficial de José Simão. Disponível em http://www2.uol.com.br/josesimao/biografia.htm. Acesso em
21 de junho de 2011.
31
tudo se copia” – a maioria das expressões usadas por Simão não são, propriamente,
criações suas.
10
SALLUN, Erika. A língua mais afiada da cidade – Quem é o colunista que ganha a vida debochando
de gente famosa. Veja São Paulo. São Paulo: Editora Abril, 17 de dezembro de 2003. Disponível em
http://veja.abril.com.br/vejasp/171203/perfil.html. Acesso em 21 de junho de 2011.
32
o português formal preconizado nessas publicações, ele reproduz totalmente a
informalidade inerente à comunicação oral, o que possibilita uma maior identificação e,
consequemente, aproximação do público com o autor. A relação que Simão estabelece
com seus leitores, aliás, é outro aspecto em que rompe com os padrões estabelecidos
pela grande mídia. Para fazer sua coluna diária, ele se baseia não apenas nas
informações contidas nos diversos noticiários, mas, especialmente nas recebidas via e-
mail – são centenas enviados diariamente pelo público – e nas “apuradas” com pessoas
dos mais variados círculos sociais – desde o porteiro e o padeiro até a artista plástica
Pinky Wainer, filha de Samuel Wainer, que foi editor-chefe e diretor do jornal Última
Hora em meados no século XX. Além do mais, por Simão dar as notícias sob a forma
de resumos e memorandos dos fatos, isso requer que o público já tenha o mínimo de
conhecimento prévio sobre os acontecimentos abordados para entenderem as piadas
feitas, como num “contrato estabelecido entre cronista e leitor” (DE FRANÇA, 2006:
86).
Muitas personalidades não escaparam da língua afiada de Simão (que, por causa
disso, já foi alvo de vários processos judiciais) e, sem dúvida, muitas mais ainda se
tornarão alvo do jornalista – que disse querer ter sido chargista, mas devido à falta de
talento para o desenho, virou um “jornalista-humorista. Intelectual, claro, mas com
humor de sobra” (SALLUN, 2003)11. Independente de quem seja “a bola da vez” na
coluna, no programa ou no quadro que ele apresenta, sua busca por unir o noticiar com
o fazer humor consolidou o espaço do jornalismo de humor na mídia brasileira. E a
designação que atribuiu a si mesmo, a de Macaco Simão, não poderia ser mais adequada
ao papel que desempenha, segundo destaca Maria Teresa Rego de França:
[...] não apenas José Simão se auto-denomina Macaco Simão, mas [...] assume
“tal máscara” e macaqueando, imita, caricaturiza e parodia a realidade
observada. Tudo de forma rápida, por meio de comentários curtos e sempre
variados, como se pulasse de galho em galho. (DE FRANÇA, 2006: 101)
11
Ibidem.
33
se consolidou ao longo desses cem anos, com os veículos e personalidades já destacados
neste capítulo: Barão de Itararé, o jornal O Pasquim, a revista Pif-Paf, o programa
Casseta & Planeta Urgente!, o repórter-personagem Ernesto Varela e o jornalista José
Simão. Em diferentes momentos da história do país, eles exerceram um papel de grande
importância para a sociedade, expressando posicionamentos e opiniões na tentativa de
que o público construísse pensamentos mais críticos acerca de assuntos diversos – tudo,
claro, através da melhor ferramenta para isso: o riso. Atualmente, um dos melhores
exemplos de como fazer jornalismo com humor no Brasil está no programa Custe o que
Custar (CQC), transmitido pela TV Bandeirantes desde 2008 e o qual é o foco deste
projeto experimental.
34
3. CUSTE O QUE CUSTAR – CQC
No Brasil, pode-se dizer que o Custe o que Custar é, atualmente, um dos ícones,
se não o maior, do jornalismo de humor – daí a decisão por dedicar todo um capítulo a
ele neste projeto. Apesar de classificado pela TV Bandeirantes como sendo uma atração
de entretenimento humorística, o CQC pode ser considerado um típico telejornal: possui
apresentadores sentados atrás de uma bancada, um time de repórteres que vão para as
ruas “atrás das notícias” e segue a “agenda” da imprensa tradicional, abordando
assuntos e fatos que também integram a grade do Jornal Nacional, por exemplo. Como
35
o próprio site do programa descreve, trata-se de um “resumo semanal das notícias”12. A
diferença, entretanto (ou será o diferencial?), é que tudo isso é realizado utilizando
como grande trunfo o humor. A graça está presente desde as piadas escrachadas feitas
pelos apresentadores e pelos repórteres até os óculos escuros usados por cada um deles,
passando pela edição das matérias, que se vale de intervenções gráficas para aguçar
ainda mais o aspecto cômico de determinada situação retratada ou personalidade
entrevistada. Conforme explica Diego Barredo, argentino da produtora Cuatro Cabezas
responsável por adaptar e dirigir o formato do CQC para o Brasil:
Acho que o programa é jornalístico. Não diria que usamos o jornalismo para
isso. Acontece que jornalismo e humor não são coisas que andam
necessariamente separadas. Humor é um olhar sobre a realidade, e o jornalismo
é o relato da realidade. Nós contamos uma coisa com esse olhar. Os editores são
jornalistas, as perguntas são jornalísticas. Nós usamos o humor para perguntar
coisas que os jornalistas deveriam perguntar e que muitas vezes não têm
coragem ou não têm suporte editorial das empresas em que trabalham. [...] nós
somos um programa jornalístico de humor. Nós tomamos o formato de um
telejornal, escolhemos a pauta como um telejornal, preparamos as perguntas
sobre a realidade. (RODRIGUES, 2009)13
12
Site oficial do CQC. Disponível em http://cqc.band.com.br/oprograma.asp. Acesso em 24 de junho de
2011.
13
RODRIGUES, Ana Carolina. “Jornalismo e humor não são coisas que andam separadas”. Jornal da
Tarde, 19 de outubro de 2009. Disponível em http://www.jt.com.br/editorias/2009/10/19/var-
1.94.12.20091019.13.1.xml. Acesso em 25 de junho de 2011.
36
Figura 8: Público do CQC na Grande São Paulo segundo classe social, gênero e faixa etária
(dados de maio de 2009)
37
(jornalista, ator e humorista) e Marco Luque (ator, humorista, locutor e apresentador).
Tas se coloca no papel de líder do programa, quem propriamente desempenha o papel
de transmitir as notícias com veracidade, conduzindo a atração, enquanto Bastos e
Luque são responsáveis por fazerem piadas e comentários jocosos sobre as notícias
apresentadas por ele. Enquanto a Bastos fica reservado o humor mais ácido, debochado
e autodepreciativo, Luque é do tipo nonsense, que faz as brincadeiras “bobas”, jogos de
palavras e, muitas vezes, se faz de “burro”, requerendo de Marcelo Tas explicações
mais claras sobre determinados assuntos ou termos. Já o time dos repórteres é formado
por Danilo Gentili (publicitário, humorista, escritor e cartunista), Rafael Cortez
(jornalista, ator e músico), Felipe Andreoli (jornalista), Oscar Filho (ator e humorista) e
Monica Iozzi (atriz). Cada um deles possui seu próprio estilo de abordagem e de fazer
humor, desde o mais “agressivo” e direto (Danilo Gentili) até o mais “cordial” e
simpático (Rafael Cortez), e se revezam periodicamente na cobertura de assuntos das
variadas editorias. Independente de suas personalidades ou se estão atrás da bancada ou
nas ruas, um aspecto é igual para todos e os caracteriza como integrantes do CQC: os
óculos escuros e o terno preto que vestem – tanto que se autodenominam “homens de
preto”, numa referência ao filme MIB – Men In Black, sucesso do cinema no fim dos
anos 1990 dirigido por Barry Sonnenfeld e baseado nas histórias em quadrinho de
Lowel Cunningham.
Figura 9: (Da esquerda para a direita) Oscar Filho, Monica Iozzi, Danilo Gentili, Marco
Luque, Marcelo Tas, Rafael Cortez, Rafinha Bastos e Felipe Andreoli.
38
Além do figurino, outra marca registrada do CQC é seu “mascote”, a mosca. O
inseto, que parece poder estar em todos os lugares, foi escolhido como símbolo do
programa por representar, justamente, o sentido de os repórteres serem quase
onipresentes. Isso passa a idéia de vigilância constante – “Inseto incômodo, indesejável
e capaz de aparecer em qualquer lugar, sem ser chamado, a mosca metaforiza o papel
dos entrevistadores e aparece sempre em movimento, ao lado dos letreiros que indicam
as instituições visitadas pela reportagem” (CAETANO & GUIMARÃES, 2009: 12)14 –
e enfatiza o refrão muito utilizado por Marcelo Tas ao fim de cada edição: “Eles estão à
solta, mas nós estamos correndo atrás”.
O caminho para fazer jornalismo com humor no CQC não é viabilizado penas
pela ousadia de seu time e pela infinita busca de informar causando o riso (ou seria de
fazer rir informando?). A edição e a pós-produção das reportagens são importantes
aspectos do programa, sendo, muitas vezes, as principais responsáveis por uma piada,
pela representação inusitada de algum personagem ou pela exposição bem-sucedida de
informações presentes apenas nas entrelinhas dos depoimentos dados pelos
entrevistados. Tudo isso é realizado por meio de intervenções gráficas diversas, que
muito se assemelham a elementos encontrados em histórias em quadrinho, cujos
significados dependem de um conhecimento prévio por parte do público para serem
compreendidos.
Por não ser um telejornal convencional, Custe o que Custar apresenta não
apenas reportagens e matérias jornalísticas. Muitas vezes, as informações são
transmitidas ao espectador por meio dos quadros que compõe a atração. Desde sua
14
CAETANO, Kati e GUIMARÃES, Denise. Estratégias gráficas e humor sarcástico: a notícia levada a
“sério” no Programa CQC, da TV Bandeirantes, Brasil. Publicado em 2009. Disponível em
http://www.utp.br/interin/EdicoesAnteriores/07/artigos/artigo_livre_denise_e_kati.pdf. Acesso em junho
de 2011.
15
Ibidem.
39
estreia, o programa testou alguns formatos – os que deram certo e alcançaram sucesso
entre o público ainda são exibidos, outros (a exemplo do criticado “Marco Luque
responde”, em que o apresentador dava respostas e explicações absurdas a perguntas
como “Por que os egípcios construíram as pirâmides?” e “Como os peixes respiram
debaixo d‟água?”), por sua vez, não ficaram no ar nem durante uma temporada inteira.
A atual quarta temporada teve início em março de 2011 e trouxe dois novos quadros: o
“Norte Sul”, sobre diferenças regionais do Brasil, e o “Grupo Escolar Custe o que
Custar”, em que Marcelo Tas tenta explicar as notícias para crianças entre 8 e 10 anos.
Além dessas novidades, continuam fazendo parte do programa o “Top Five da TV
Brasileira”, que lista os cinco maiores vexames veiculados pela televisão naquela
semana, o “CQTeste”, uma espécie de quiz com perguntas de conhecimento geral feito
para artistas e celebridades convidadas, o “Proteste Já”, que consiste em reportagens
mais longas cujo objetivo é apurar denúncias de irregularidades públicas em diversas
cidades do país, e “O Povo Quer Saber”, em que pessoas – na maioria, anônimos –
gravam perguntas para uma personalidade, que as assiste e responde diante das câmeras
do CQC (foi neste quadro, exibido na edição de 28 de março de 2011, que o Deputado
Federal Jair Bolsonaro, do Partido Progressista – RJ, deu respostas polêmicas às
perguntas feitas por Preta Gil).
O programa também se diferencia dos noticiários tradicionais no que diz respeito
às fontes e aos entrevistados apresentados. Enquanto a grande mídia mostra,
principalmente, os “oficiais” – políticos, empresários, autoridades governamentais e
civis, por exemplo, não destinando muito espaço para o discurso do cidadão anônimo,
sobretudo o de classes sócio-econômicas mais baixas –, o CQC procura romper com
esse modelo, utilizando personagens que, geralmente, não recebem voz nos principais
veículos, com um leque de abordagem que pode se estender desde socialites até
motoboys. Apesar de contar com mais possibilidades de entrevistados, a atração não
deixa de se basear em informações fornecidas pelas fontes oficiais, como assessorias de
imprensa de personalidades ou instituições. Os personagens muitas vezes “pouco
convencionais” mostrados nas matérias tem a função de fazer o telespectador rir, mas
não é só isso (justamente, por possuírem opiniões e, por vezes, atitudes que fogem ao
visto usualmente nos telejornais), conforme afirma Júlia Silveira de Araújo, no artigo
Informação com humor, custe o que custar – A (des)construção do jornalismo no CQC:
40
A ampliação de vozes que o programa procura desenvolver lança luz inclusive
sobre o conflito de classes, tantas vezes evitado pela abordagem jornalística
convencional, mas evidenciado no programa em diversas coberturas. [...] Ao
contrário da tendência de construir um relato coeso e minimamente harmônico,
o CQC parece interessar-se mais pela exposição do conflito (sem, contudo,
optar por uma abordagem sensacionalista). (DE ARAÚJO, 2010: 22).
16
O recorde de audiência do programa foi alcançado na edição exibida no dia 9 de novembro de 2009,
chamada de “Tolerância Zero”. Nesse dia, o CQC veiculou uma matéria que o repórter Danilo Gentili
gravou na cidade de Assis (São Paulo) para o extinto quadro “CQC Investiga”. Na ocasião, ele foi
maltratado e preso ao se disfarçar de mendigo para fazer uma reportagem sobre uma lei de 1937 (artigos
59 e 60 da Lei das Contravenções Penais) que proíbe a mendicância e a vadiagem.
17
Site do CQC 3.0. Disponível em http://cqc.band.com.br/cqc30.asp. Acesso em 24 de junho de 2011.
41
Mídia Eletrônica para Marcelo Tas (Comunique-se, em 2009) e de Melhor Programa de
Humor (Prêmio Arte Qualidade, em 2010).
Os bons números e o reconhecimento do público e dos críticos refletem a
importância do CQC na mídia brasileira atualmente. Como o próprio site do programa
descreve, a prioridade dos repórteres é sempre “perguntar o que ninguém teve
coragem”18. Talvez aí esteja o ingrediente diferencial que faz de Custe o que Custar um
dos projetos mais inovadores na televisão do país nos dias de hoje – vale lembrar que o
mesmo ingrediente catapultou o repórter-personagem Ernesto Varela, interpretado por
Marcelo Tas, ao sucesso há mais de 20 anos. Tas afirma que a proposta do CQC de
realizar uma abordagem humorística de assuntos convencionalmente tratados como
“sérios” pelos noticiários tradicionais foi um dos aspectos que o levou a aceitar
participar do programa:
Essa contribuição que o humor dá para que o público absorva e compreenda com
mais facilidade as notícias e o atual cenário político, econômico e cultural em que a
sociedade brasileira vive é, segundo Marco Luque, outro âncora da atração, uma das
principais qualidades do programa. Para ele, o riso atrai os telespectadores e os
incentiva a estarem por dentro de assuntos que, se fossem abordados por um viés mais
“sério”, ficariam muito “pesados” – como corre nos telejornais convencionais.
[...] através do humor, você consegue fazer com que as pessoas prestem
atenção. A galera dá risada e, de repente, vem uma coisa forte. O humor serve
pra deixar o clima mais leve. Porque, se a gente fosse tratar a política como ela
precisa, o clima ia ficar bem pesado. O humor é necessário. O humor tem uma
função social. No caso do CQC, é deixar mais leve e tornar mais fácil a
acessibilidade. Principalmente no Brasil, país onde todo mundo gosta de dar
18
Site oficial do CQC. Disponível em http://cqc.band.com.br/oprograma.asp. Acesso em 24 de junho de
2011.
19
Depoimento retirado do site oficial do CQC. Disponível em http://cqc.band.com.br/oprograma.asp.
Acesso em 25 de junho de 2011.
42
risada, de se divertir, de rir. O humor se encaixa muito bem aqui. (DE
ARAÚJO, 2010: 15)
Transmitir notícias dessa maneira mais informal é uma tendência que tem sido
observada no jornalismo como um todo, mesmo nos veículos mais tradicionais. É cada
vez mais comum encontrar apresentadores que buscam informar o público como se
estivessem num diálogo com ele, adotando uma linguagem e postura mais coloquiais.
Numa época em que a internet tem transformado o modo de absorver e divulgar
conteúdo, o jornalismo se redimensiona num processo constante. Assim, não é difícil
perceber que aqueles que se arriscam a inovar têm obtido êxito. No jornalismo
esportivo, por exemplo, Tadeu Schmidt, apresentador do Fantástico, e Tiago Leifert,
apresentador do Globo Esporte de São Paulo, ambos da Rede Globo, se tornaram
sucesso de público por utilizarem certa dose de humor e expressões populares para
transmitirem as notícias sobre esportes. Diante dessa crescente união entre informação,
humor e, pode-se dizer, entretenimento, o Custe o que Custar viabiliza um modo de
fazer jornalismo que, ao mesmo tempo, cumpre a função informativa inerente ao gênero
e também diverte e provoca o riso no telespectador. Desse modo, o programa legitima
“o prazer como forma de recepção” (CAETANO & GUIMARÃES, 2009: 9)20,
rompendo com os padrões pré-estabelecidos pela grande mídia, como a seriedade e a
imparcialidade, os quais têm se mostrado cada vez menos eficazes.
43
interesse para determinado público deve ser uma espécie de “espelho” fiel dos
acontecimentos reais. As notícias são como são porque a realidade assim as determina
(TRAQUINA, 2002: 65). Essa é a idéia, muitas vezes, difundida e defendida por
profissionais e teóricos da área – quem nunca ouviu, durante sua passagem por um
curso de Comunicação Social, que jornalismo e subjetividade são assuntos praticamente
excludentes? –, mas que, cada vez mais, tem se mostrado obsoleta e limitada. A noção
do imparcial e do objetivo é facilmente questionada quando se pensa no simples ato de
escolha das palavras e/ou imagens que irão compor o lead de uma matéria (que,
aparentemente, serviria para ratificar a possibilidade de responder objetivamente às
perguntas: O quê? Quem? Quando? Como? Onde? Por quê?): uma escolha já implica
numa dose, mesmo que mínima, de subjetividade.
Apesar de a isenção do enunciador ser considerada um de seus elementos
essenciais, o jornalismo, por envolver, em algum nível, o fator “subjetivo”, é uma
atividade que passa longe da rigidez e de “certezas infinitas”. Por ser uma ciência
humana, significa que, assim como a humanidade, não é algo que se encaixa em padrões
pré-definidos, pelo contrário. Pode-se dizer, entretanto, que o jornalismo é baseado e
inspirado em certas regras técnicas e concepções que o qualificam e o tornam
reconhecido como tal. Dessa forma, é possível afirmar que o jornalismo, como atividade
intrínseca à sociedade contemporânea, está em constante processo de transformação,
sendo fundamentado por valores socialmente construídos, ou seja, depende de variáveis
diversas e do contexto em que está inserido. O “fazer jornalismo”, como ato de
mediação ou o processo de enunciação de um relato sobre determinado fato, é
condicionado, pois, por aspectos sociais, políticos, econômicos, culturais, geográficos e
temporais, por exemplo. Lidiane Pinheiro, no artigo Cultura popular e entretenimento –
O discurso dominante sobre jornalismo e esfera pública, fortalece essa idéia de que o
jornalismo está num processo de mutação sem fim, justamente, por ser “determinado”
por aspectos variantes:
44
tantos jornalismos quantas são as culturas, as sociedades e os tempos históricos
em que ele é praticado”. (PINHEIRO, 2009)22
22
PINHEIRO, Lidiane Santos de Lima. Cultura popular e entretenimento – O discurso dominante sobre
jornalismo e esfera pública. In: Revista PJ:BR. Nº 11 – Fevereiro de 2009. Publicação Acadêmica de
Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO VI. Disponível em
http://www.eca.usp.br/pjbr/arquivos/artigos11_e.htm. Acesso em 8 de maio de 2011.
23
“A contraposição dos termos sério e não-sério dentro da prática jornalística serve a diversos fins. A
prática séria é aquela que aprofunda, critica e transmite informações novas mesmo utilizando linguagem
informal, servindo como ponto de reflexão; a prática não-séria é a humorística, aquela que diverte – desde
que não espicace demais a boa vontade dos ridicularizados, o que pode resultar em censura econômica,
política e social” (DA SILVA, 2009: 7).
24
Um exemplo que comprova o potencial de crescimento de jornais populares no Brasil é que, em 2010, o
jornal mais vendido do país foi o popular Super Notícia, de Belo Horizonte (MG), com cerca de 296 mil
exemplares por mês, ultrapassando a Folha de São Paulo (cuja tiragem mensal é de quase 295 mil), que
esteve no topo durante 25 anos consecutivos. O êxito de jornais dos jornais populares, como Super
Notícia, Meia Hora e Extra, está baseado, principalmente, nas manchetes sensacionalistas que se valem
45
crédito quando se reflete sobre as mudanças ocorridas nos telejornais brasileiros nas
últimas décadas. No Jornal Nacional dos anos 70, por exemplo, conforme mencionado
neste trabalho, os âncoras utilizavam um português mais “duro”, formal e não
procuravam interagir entre si. O objetivo era meramente emitir uma determinada
mensagem para milhares de receptores. Hoje, os apresentadores adotam um estilo um
pouco mais informal, conversando um com o outro, buscando passar a idéia de que
estão travando um diálogo com os telespectadores, quase como se tentassem fazê-los se
sentirem parte da emissão da mensagem (com o advento da internet e sua popularização,
abriram espaço para o público enviar comentários em algumas seções especiais do
telejornal, promovendo uma interatividade cada vez maior). Conforme afirma Lidiane
Pinheiro:
de uma linguagem coloquial e “jogos de palavras” de duplo sentido e pelo preço baixo (em sua maioria,
menos de R$ 1,00), bem menor do que o cobrado por jornais tradicionais.
25
PINHEIRO, Lidiane Santos de Lima. Cultura popular e entretenimento – O discurso dominante sobre
jornalismo e esfera pública. In: Revista PJ:BR. Nº 11 – Fevereiro de 2009. Publicação Acadêmica de
Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO VI. Disponível em
http://www.eca.usp.br/pjbr/arquivos/artigos11_e.htm. Acesso em 8 de maio de 2011.
46
cotidiano, criando “táticas de resistência interpretativa às mensagens oficiais”
(PINHEIRO, 2009)26.
Talvez essa “resistência interpretativa” à mídia tradicional não se restrinja
apenas ao que diz respeito à atenção que grande parte do povo dá aos fatos da vida
cotidiana, mas também esteja ligado à forma como as notícias – mesmo de
acontecimentos considerados “sérios” – são dadas, seguindo os parâmetros da
(contestável) imparcialidade e objetividade jornalísticas, tão defendidas na imprensa
tradicional. Ao destacar veículos de sucesso do jornalismo de humor, como o CQC e o
Daily Show, apresentado pelo comediante John Stuart nos Estados Unidos, Lidiane
Pinheiro (2009) atenta para a questão de que esses programas – que têm se firmado no
contexto midiático dos países onde são veiculados e alcançado cada vez mais sucesso –
rompem com os paradigmas conceituais do jornalismo (a objetividade e a neutralidade)
e “violam os padrões de diminuição das possibilidades de múltiplas interpretações”. Ela
reforça essa idéia com um exemplo dado pelo especialista em estudos de mídia
Geoffrey Baym (2004) sobre o programa apresentado por John Stuart – mas que pode
servir de referência para muitas outras atrações que seguem o mesmo estilo: “Enquanto
a meta das notícias paródicas do Daily Show pode ser para gerar uma risada, sua
punhalada mais funda é a subversão, um ataque nas pretensões e convenções das
notícias, de um modo a desconstruir o paradigma de autoridade jornalística” (BAYM,
2004: 15).
Essa fórmula “subversiva” aos padrões impostos pelo jornalismo tradicional
também é utilizada pelo CQC e tem gerado bons resultados e garantido o sucesso
crescente da versão brasileira deste noticiário humorístico: em sua estréia, na Band, no
dia 17 de março de 2008, o programa marcou dois pontos no Ibope. Já a estréia da
quarta temporada, no dia 14 de março de 2011, registrou picos de oito pontos, uma
audiência quatro vezes maior em apenas três anos. Os bons frutos não se restringem a
um público cada vez maior, conforme dito anteriormente, mas também são percebidos
na receita publicitária. Segundo uma matéria publicada na Folha Online, as ações de
merchandising do programa variam, segundo preço de tabela, de R$ 360 mil a R$ 2,4
milhões, sendo que, quem estiver disposto a pagar, terá que “enfrentar uma fila de até
26
Ibidem.
47
seis meses, a depender de que algum dos 12 anunciantes atuais abra mão da vaga”
(KACHANI & MAZZUCCO, 2011) 27.
Independente da popularidade crescente que alcançam, Pinheiro (2009) destaca
que essas atrações do jornalismo de humor, justamente por terem a possibilidade de
fugirem dos paradigmas dos veículos tradicionais, exercem a “arte do noticiar” através
de detalhes que requerem um envolvimento até maior por parte do público – levado a
ocupar uma posição um pouco mais crítica em relação ao conteúdo transmitido, já que
tais atrações permitem um leque maior de interpretações comparativamente ao
“jornalismo sério”.
Dessa forma, seria possível dizer que a grande diferença entre o jornalismo
tradicional e o jornalismo de humor não está no que é noticiado, mas em como isso é
feito. Trata-se da questão – tão discutida em estudos da comunicação – da relação entre
conteúdo e forma. Os fatos e acontecimentos abordados são, muitas vezes, os mesmos
(assuntos sobre política, esportes, economia, cultura e até as hardnews). Os aspectos
“variantes” entre um gênero e outro estão, justamente, no estilo de linguagem (culto ou
informal), nas imagens, nos sons, nas críticas e comentários subjetivos feitos sem pudor,
nos personagens que recebem voz e nos elementos gráficos utilizados para noticiar esses
fatos e acontecimentos. Josimey Costa da Silva, em seu artigo O humor nada objetivo e
um jornalismo muito sério, reforça essa idéia sobre a divergência entre ambos os
gêneros, chamando a atenção para as características jornalísticas implícitas no
27
KACHANI, Morris e MAZZUCCO, Samia. Mesmo com piadas controversas, comediantes do “CQC”
faturam alto. Matéria publicada na Folha.com, no dia 22 de maio de 2011. Disponível em
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/918622-mesmo-com-piadas-controversas-comediantes-do-cqc-
faturam-alto.shtml. Acesso em 22 de maio de 2011.
28
PINHEIRO, Lidiane Santos de Lima. Cultura popular e entretenimento – O discurso dominante sobre
jornalismo e esfera pública. In: Revista PJ:BR. Nº 11 – Fevereiro de 2009. Publicação Acadêmica de
Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO VI. Disponível em
http://www.eca.usp.br/pjbr/arquivos/artigos11_e.htm. Acesso em 8 de maio de 2011.
48
“jornalismo não-sério”, mesmo quando este não noticia algo inédito, mas quando faz
uma releitura – única – daquilo que a mídia “séria” já está divulgando:
O jornalismo, por ser uma atividade que está em constante transformação, acaba
permitindo a criação de novas formas de praticá-lo. Essa releitura diferenciada e, na
maioria das vezes, criativa dos acontecimentos que o jornalismo “não sério” se propõe a
fazer prende a atenção do público por promover a renovação de um modelo que já
estava estagnado e havia se tornado cansativo para grande parte do público. Kati
Caetano e Denise Guimarães destacam, no artigo Estratégias gráficas e humor
sarcástico: a notícia levada a “sério” no Programa CQC, da TV Bandeirantes, Brasil,
os elementos que tornam o Custe o que Custar um bom exemplo dessa renovação
promovida pelo jornalismo “não sério”:
Desde sua estreia, em 2008, o Custe o que Custar mantém em sua pauta os
principais acontecimentos e informações que, de algum modo, estejam relacionados à
política (ou aos políticos) brasileira. Seja realizando a cobertura de um encontro de
líderes da América Latina ou, simplesmente, entrando no Congresso Nacional para
perguntar a senadores e deputados federais o significado da sigla Enade (Exame
Nacional de Desempenho de Estudantes), por exemplo. Justamente por ser um
noticiário, os assuntos ligados ao campo político não poderiam deixar de ser abordados
e o são, com grande destaque. Todas as edições do programa apresentam, pelo menos,
uma matéria ou quadro que tratam dessa editoria. A cada temporada, um repórter é
“escolhido” para ser o “correspondente” em Brasília (DF), a fim de realizar entrevistas
sobre os fatos do momento ou para averiguar – através de perguntas “capciosas”, como
a do Enade – a qualidade dos políticos escolhidos pelo povo para estarem à frente do
país. O primeiro foi Danilo Gentili, em 2008, encarregado de apresentar a equipe dos
“homens de preto” aos governantes, já que a atração era novidade. No ano seguinte,
Gentili revezou seu posto de repórter na capital federal com Rafael Cortez e, em 2010,
foi a vez da Monica Iozzi, que, na quarta temporada, continua sendo a principal enviada
do CQC a Brasília.
A importância que o programa dá à política pôde ser comprovada quando, na
época das Eleições 2010 (em que a população votou para decidir quem seriam o
Presidente da República, Governadores, Senadores e Deputados Federais e Estaduais),
50
dedicou toda uma edição especialmente para tratar do assunto e veicular reportagens a
respeito dos candidatos e da campanha eleitoral em diversos locais do país. O “Especial
Eleições 2010” foi ao ar em 4 de outubro, um dia após a realização do primeiro turno, e
trouxe entrevistas com políticos como Lula (que, enquanto ocupou o cargo da
Presidência, era figura constante na atração e demonstrou, em diversos depoimentos à
trupe do CQC que assistia ao programa), Marina Silva, Sérgio Cabral, Tiririca, Paulo
Maluf (outra “figurinha fácil” no atração, especialmente nas duas primeiras temporadas)
e personalidades como Eike Batista e Dunga.
As Eleições de 2010, aliás, renderam muito “pano pra manga” não só para o
Custe o que Custar, mas para a mídia como um todo, devido a um assunto que, há
muitos anos, não era pauta: a censura. Numa prova de que o humor é uma ferramenta
poderosa e influente na sociedade, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) proibiu, durante
a campanha eleitoral, a veiculação de comentários, representações ou quaisquer tipos de
divulgação com tom humorístico dos candidatos e dos partidos na televisão e no rádio.
A atitude, caracterizada como censura ao humor, foi amplamente criticada pelos meios
de comunicação e pela população em geral. O TSE havia se baseado nos incisos II e III
do parágrafo 45 da Lei das Eleições (Lei 9.504/1997), que proíbem o uso de trucagens,
montagens ou qualquer recurso de edição que pudesse ser considerado como uma
difamação ao candidato, partido ou coligação. Essa restrição atingia, pois, diretamente
as sátiras políticas feitas por diversos programas de humor: “Na Rede Globo, a trupe do
„Casseta & Planeta‟ havia cancelado as imitações dos presidenciáveis. Na Rede TV, o
„Pânico‟ deixou de tratar das eleições. E, na Band, o „CQC‟ suavizou o tom das
perguntas a candidatos durante a campanha eleitoral” (BRISOLLA & DAMÉ, 2010). O
que era questionado era o fato de que, apesar de a Lei ser datada de 1997, essa proibição
nunca havia sido imposta, além de ferir o princípio da liberdade de expressão previsto
na Constituição de 1988. Com o objetivo de protestarem contra a decisão do TSE,
dezenas de humoristas (entre eles, Danilo Gentili, que, inclusive, fez a cobertura do
evento para o CQC) promoveram, na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, no dia 22
de agosto de 2010, uma passeata que contou com a participação de centenas de pessoas.
A situação começou a ser revertida quando o ministro Ayres Britto, do STF (Supremo
Tribunal Federal), concedeu, em 27 de agosto, uma liminar que suspendeu a censura ao
humor, atendendo a uma ação de inconstitucionalidade proposta pela Abert (Associação
Brasileira das Emissoras de Rádio e TV). O caso foi julgado, no dia 2 de setembro, pelo
51
plenário do STF, que votou no sentido de permitir a veiculação dos candidatos e
partidos através do viés cômico por emissoras de rádio e TV. Assim, ainda com a
campanha eleitoral em vigor, as atrações humorísticas puderam exercer novamente suas
atividades com total liberdade.
Não foi apenas durante as Eleições de 2010 que o CQC sofreu uma “censura”
política. A irreverência e as perguntas diretas e críticas dos repórteres não foram bem
vistas pelos políticos, que, em abril de 2009, expulsaram a equipe do programa do
Congresso Nacional enquanto gravava uma matéria e cancelaram sua permissão de
entrar na “Casa do Povo”. A edição de Custe o que Custar que mostra o ocorrido foi
exibida no dia 14 de abril daquele ano. Durante as nove semanas seguintes, diante da
proibição, o noticiário-humorístico promoveu a campanha “CQC no Congresso”, que
visava a obter o apoio do público. Além de veicular entrevistas e depoimentos de
personalidades e, até mesmo, de políticos favoráveis à sua “causa”, a atração contava
com uma página na internet29 em que a população poderia dar seu voto mostrando seu
apoio à volta do CQC ao Congresso Nacional. Como era de se esperar, diante da
pressão pública, a permissão foi novamente concedida.
A abordagem da política no CQC se revela importante não apenas do ponto de
vista do fornecimento de informações com irreverência e crítica, diferente do que é
oferecido pelos veículos tradicionais. Tratar de assuntos como esse num noticiário,
através do humor, também pode atrair a atenção de uma parcela do público que,
normalmente, não se interessaria em acompanhá-los ou se manter informada a respeito
deles, segundo afirma Marcio Acserald e Gabriela Dourado, no artigo O humor
corrosivo dos meios e a política: o CQC vai ao Congresso Nacional:
29
O site da campanha “CQC no Congresso”, divulgado como http://www.cqcnocongresso.com.br, não
estava disponível durante as datas de acesso, em junho de 2011.
52
reforçada quando se observa a faixa etária em que o programa obtém a maior audiência:
pessoas dos 18 aos 49 anos, que são cerca de 63% dos telespectadores (NETO, 2010)30.
Independente da classe social (no caso, o CQC foca na parcela da população das classes
A e B), essa é a faixa etária que concentra o maior número de eleitores no país. No caso,
a parcela da população que tem entre 18 e 44 anos representa aproximadamente 60%
dos eleitores brasileiros31. Isso quer dizer que a maioria do público que assiste ao CQC
é de pessoas que exercem seu papel político e, a cada eleição, precisam comparecer às
zonas eleitorais, seja para dar seu voto ou justificar uma ausência. Dessa forma, por
estar falando diretamente com pessoas que efetivamente precisam participar do processo
político (obrigadas ou não, visto que o voto é obrigatório no Brasil), o programa ratifica
a necessidade de mostrar o atual cenário criticamente.
O impacto e a influência que atrações como o Custe o que Custar possuem junto
ao público ao pautarem política se deve ao fato de fazer um jornalismo através do
humor. Isso significaria que buscam algo que os veículos da grande mídia não estão
dispostos a procurar – o enfrentamento político. Lidiane Pinheiro, citando o autor,
explica como essas atrações atuam: “Eles atacam as falhas dos atores públicos, mas
usam táticas para reduzir a sensação de compromisso com a esfera pública política,
recusando a seriedade e investindo na subjetividade – e de forma surpreendente, se
tornam uma fonte influente de informação política” (PINHEIRO, 2009)32. Esses
programas adotam formatos híbridos para informar, num misto de jornalismo e
entretenimento, e, para Jacobs (2003)33, estaria aí seu grande fator de sucesso – eles
levam a discussão política até o telespectador, que fica mais motivado a participar do
debate de assuntos de interesse público. Os mais jovens seriam os que mais se engajam
mediante essas atrações, pois eles “não têm interesse nas notícias tradicionais e
30
NETO, Custódio. Pesquisa aponta “CQC” como o humorístico com público mais qualificado. Site TV
Aqui, 26 de outubro de 2010. Disponível em http://www.tvaqui.com.br/index.php/televisao/pesquisa-
aponta-cqc-como-o-humoristico-com-publico-mais-qualificado/. Acesso em 25 de junho de 2011.
31
Dados obtidos divulgados pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) referentes a novembro de 2010.
Disponível em http://www.tse.gov.br./sieeeleitoradoweb/eleitorado/sexo_faixa_etaria/resultado.jsp.
Acesso em novembro de 2010.
32
PINHEIRO, Lidiane Santos de Lima. Cultura popular e entretenimento – O discurso dominante sobre
jornalismo e esfera pública. In: Revista PJ:BR. Nº 11 – Fevereiro de 2009. Publicação Acadêmica de
Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO VI. Disponível em
http://www.eca.usp.br/pjbr/arquivos/artigos11_e.htm. Acesso em 8 de maio de 2011.
33
JACOBS, R. N. On television, and the Death of News (and why I am not in mourning). Artigo
apresentado no encontro anual da American Sociological Association, San Francisco, California, EUA,
ago. 2004. Disponível em: www.allacademic.com/p108476_index.html. Acesso em maio de 2011.
53
aprendem sobre política em talk shows noturnos e comédias; por isso, a forma híbrida
dos programas que misturam discursos diversos em inimagináveis combinações garante
seu sucesso comercial e a participação política da audiência” (PINHEIRO, 2009)34.
Para Marcelo Tas, o formato do CQC colabora com a divulgação de notícias
sobre política porque o humor seria a forma mais eficiente de comunicação, razão pela
qual a audiência e a popularidade do programa estariam crescendo. Em entrevista
publicada no site Portal CQC35, o âncora de Custe o que Custar afirma que pessoas que
estavam desacreditadas com a política contam que voltaram a acompanhar o noticiário
motivadas pela forma como o assunto é abordado pelo programa. Do mesmo modo, ele
diz que os jovens que assistem ao noticiário-humorístico “andam mais ligados”:
Temos crianças e adolescentes que nos escrevem dizendo que não tinham
nenhum interesse no noticiário, principalmente o político, e agora passaram a
ler jornais por causa do “CQC”. É uma coisa interessante. Penso que há uma
enorme janela de oportunidades para essa geração, que é muito crítica, muito
ligada às redes sociais, para conversar com eles de outra maneira,
principalmente sobre política e cidadania, que são assuntos às vezes tratados
com muito conservadorismo. (TAS, 2009)36
34
Ibidem.
35
Site Portal CQC. Disponível em http://portalcqc.wordpress.com/2009/06/28/cqc-faz-os-jovens-
redescobrirem-a-politica/. Acesso em 25 de junho de 2011.
36
Entrevista publicada no site Portal CQC. Disponível em
http://portalcqc.wordpress.com/2009/11/29/jornalismo-com-humor/. Acesso em 25 de junho de 2011.
54
Pouco conhecido do grande público até então, Jair Messias Bolsonaro nasceu em
Campinas (São Paulo), em 21 de março de 1955, é militar do Exército Brasileiro e, após
entrar para a reserva, optou por seguir carreira na política, iniciada em 1991, quando
exerceu seu primeiro mandado de deputado federal pelo PDC (Partido Democrata
Cristão) – RJ. Trata-se de uma figura que aparenta ter opiniões firmes – e controversas –
a respeito de muitos temas: ele defende a tortura, a pena de morte e a censura dos meios
de comunicação, por exemplo (CARNEIRO, 2000)37. Sem falar em seu posicionamento
sobre assuntos discutidos em âmbito nacional pela mídia, especialmente o preconceito
contra os homossexuais e o kit-gay que seria distribuído em escolas públicas com o
suposto objetivo de combater a homofobia já na infância. Sem dúvida, unir a
sinceridade do deputado e a irreverência do CQC daria o que falar. E, foi provavelmente
atraído por isso que o programa resolveu convidar o deputado para participar do quadro
“O Povo Quer Saber”, em que ele deveria responder a diversas perguntas previamente
gravadas por algumas pessoas, entre elas, Preta Gil, cantora e filha do ex-Ministro da
Cultura Gilberto Gil. Com exceção de Preta, todos os demais eram anônimos.
É possível que o Custe o que Custar estivesse mesmo em busca e que já previsse
a polêmica que seria gerada com a veiculação do quadro com Bolsonaro. A própria
seleção das perguntas feitas a ele leva a crer nisso. Durante a gravação do quadro, pelo
que se tenha conhecimento, o convidado não pode escolher quais questionamentos
responderá ou não. As declarações dadas a cada indagação são gravadas e, depois,
editadas e pós-produzidas pela equipe da atração. Em algumas edições do programa,
Marcelo Tas já afirmou que as respostas são exibidas na íntegra, sem “cortes e
colagens” na edição, o que poderia resultar em depoimentos manipulados e
parcialmente verdadeiros por estarem fora do contexto original exposto pelo convidado.
Entretanto, algumas intervenções sonoras (como a expressão “olha!”, com sentido de
chamar atenção para algo negativamente, e o som, muito utilizado em desenhos
animados infantis, para denotar uma “espetada com agulha”) adicionados às declarações
do Deputado poderiam induzir o público a uma interpretação pré-determinada pelo
programa. Ao todo, o político respondeu a 19 perguntas, num formato que se assemelha
entrevista “pingue-pongue”. Foram destacadas abaixo as indagações cujas respostas de
Bolsonaro geraram mais polêmica (ou que tinham esse intuito) na mídia e na sociedade:
37
CARNEIRO, Cláudia. “Eu defendo a tortura”. Entrevista com Jair Bolsonaro para a Revista Isto É
Gente, 14 de fevereiro de 2000. Disponível em
http://www.terra.com.br/istoegente/28/reportagens/entrev_jair.htm. Acesso em 26 de junho de 2011.
55
Pergunta 1: Quem é o seu guru na política?
Bolsonaro: Os militares que foram Presidentes de nosso país.
Pergunta 11: O que você faria se pegasse seu filho fumando “umzinho”?
Bolsonaro: Eu daria umas porradas nele, tenha certeza disso!
Pergunta 16: Se convidarem para sair num desfile gay, você iria?
Bolsonaro: Eu não iria porque eu não participo de promover os maus costumes.
Até porque acredito em Deus, tenho uma família e a família tem que ser
preservada a qualquer custo, se não uma nação simplesmente ruirá.
Pergunta 19 (feita por Preta Gil): Se seu filho de apaixonasse por uma negra,
o que você faria?
56
Bolsonaro: Ô, Preta, eu não vou discutir promiscuidade com quem quer que
seja. Eu não corro esse risco porque meus filhos foram mito bem educados e
não viveram em ambiente como lamentavelmente é o teu.38
O deputado mostrou uma foto de uma pessoa pra justificar que ele não é racista.
Eu gostaria de mostrar pro senhor, Deputado Bolsonaro, uma foto, e que o
senhor soubesse o seguinte: essa pessoa que está aqui comigo se chama Luiza,
ela é minha filha, ela estuda Direito. Essa foto foi feita em Washington, onde
ela vive hoje. Ela ganhou uma bolsa pra ser bolsista da American University, é
38
Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=UrLpLXe-q08. Acesso em 26 de junho de 2011.
39
JORNAL DO BRASIL. Jair Bolsonaro dá entrevista polêmica no “CQC”. Veja. Publicado em 29 de
março de 2011. Disponível em http://www.jb.com.br/cultura/noticias/2011/03/29/jair-bolsonaro-da-
entrevista-polemica-no-cqc-veja/. Acesso em 26 de junho de 2011.
40
Em seu blog, Marcelo Tas se manifestou contra as declarações dadas por Bolsonaro: “Ao contrário
dele, eu repudio a ditadura e o preconceito de qualquer natureza. Inclusive o preconceito de alguns que
acreditam que um programa de humor não deva tratar desse assunto”. Disponível em
http://cqc.band.com.br/post.asp?id=454590. Acesso em 26 de junho de 2011.
57
estagiária da OEA, da Organização dos Estados Americanos. Ela é gay e eu
tenho muito orgulho de ser pai da Luiza. Tá certo, deputado?! (TAS, 2011)41
41
Depoimento retirado do vídeo publicada pela Band no YouTube com trechos da edição do CQC
veiculada no dia 4 de abril de 2011. Disponível em
http://www.youtube.com/watch?v=GwqQuMMUhag&feature=related. Acesso em 26 de junho de 2011.
58
4. CONCLUSÃO
59
que impôs a censura aos meios de comunicação. A ousadia do Barão em expor a
realidade do país sob uma ótica irreverente – principalmente nas páginas do seu jornal A
Manha –, buscando romper com os limites, acabou causando sua prisão na década de
1930, numa retaliação do governo às piadas feitas às suas custas.
Prisão e retaliação, aliás, foram experiências vividas também pelos responsáveis
por dois veículos pioneiros no país no tocante ao jornalismo de humor: a revista Pif-Paf
e o jornal O Pasquim. A primeira, criada por Millôr Fernandes, assumiu uma posição
crítica aos costumes defendidos pela sociedade na época e é considerada um marco na
imprensa alternativa brasileira. O segundo, fruto do trabalho de um grupo composto por
nomes como Ziraldo, Sérgio Cabral, Jaguar, Tarso de Castro e Henfil, significou uma
verdadeira inovação no jornalismo ao defender a liberdade de estilo e a informalidade e
fazer do humor não apenas mais um de seus elementos integrantes (como ocorria com
os demais veículos do gênero), mas sua linguagem oficial. Essas publicações se
destacaram durante a Ditadura Militar por proporem uma confrontação, mesmo que
indireta, ao regime político, estabelecendo uma espécie de embate entre a cultura do
medo promovida pelo governo e o riso que causavam com suas críticas presentes nas
entrelinhas de textos e charges bem-humorados.
Nas décadas de 1980 e 1990, com o fim do regime ditatorial e da censura aos
meios de comunicação, a liberdade de expressão possibilitou que o humor no jornalismo
fosse muito mais escrachado, com a veiculação de opiniões e críticas mordazes
dirigidas, sem rodeios, aos mais variados assuntos (e pessoas) – englobando desde um
escândalo protagonizado por uma celebridade até as medidas de política externa do país
– modelo que tem permanecido em voga na primeira década dos anos 2000. Ao longo
desses últimos vinte anos do século XX, o jornalismo de humor contou com
representantes que, por estarem na “era na informação”, atuaram (ou, no caso de José
Simão, ainda atuam) em diferentes meios – do impresso até a internet, passando pela
televisão e pelo rádio.
O programa Casseta & Planeta Urgente!, exibido pela Rede Globo durante 18
anos, resultou da união de duas publicações típicas da imprensa alternativa produzidas,
no Rio de Janeiro, no fim da década de 1970 – o jornal Casseta Popular e a revista
Planeta Diário. Os grupos responsáveis pelos veículos se uniram em 1987 para o
primeiro trabalho na TV, até que, em 1992, estrearam o humorístico. A proposta da
turma dos cassetas (Beto Silva, Hélio de La Peña, Bussunda, Cláudio Manoel, Marcelo
60
Madureira, Hubert de Carvalho, Reinaldo Batista Figueiredo e Maria Paula) era fazer
uma releitura dos noticiários e da teledramaturgia (principalmente da TV Globo) por
meio da paródia.
Quase dez anos antes do lançamento de Casseta & Planeta Urgente!, a televisão
brasileira foi apresentada ao repórter-personagem Ernesto Varela, interpretado por
Marcelo Tas e caracterizado por abordar os entrevistados de uma maneira pouco
ortodoxa em comparação aos veículos convencionais do telejornalismo. O repórter se
destacou e se tornou referência no jornalismo de humor pelas indagações inesperadas e
recheadas de humor irônico que fazia, perguntando a personalidades como o então
deputado Paulo Maluf aquilo que todos os demais jornalistas gostariam de saber, mas
não o faziam pela falta de coragem ou por terem de seguir aos protocolos estabelecidos
pelos meios tradicionais em que atuavam.
Outra figura que fez e ainda faz história é o jornalista José Simão, que, desde
1987, escreve uma coluna diária de humor ácido para o jornal Folha de São Paulo e que
é republicada em outros dezenove veículos brasileiros. O texto, que possui uma
estrutura fragmentada, é composto por uma espécie de resumo sobre os principais
acontecimentos do dia, acompanhado de comentários jocosos e representações caricatas
dos protagonistas das notícias, no que o próprio Simão denomina de “telejornal
humorístico”. Além da coluna, ele também apresenta programas na Rádio Band News
FM e no site UOL (Universo Online), todos seguindo o mesmo estilo irreverente e
paródico que tornaram Zé Simão um dos colunistas de maior sucesso atualmente.
Ao realizar esta exposição, mesmo que não aprofundadamente, da proposta
desses veículos e personagens que fazem parte da história do jornalismo de humor
brasileiro, o presente trabalho teve o intuito de demonstrar e reforçar a grande
contribuição de cada um deles para a consolidação e o desenvolvimento do gênero no
país, o que possibilitou o surgimento e o sucesso de novas iniciativas, como é o caso do
programa Custe o que Custar (CQC), foco deste projeto. Segundo explicado
anteriormente, a escolha por dedicar todo um capítulo para discorrer sobre o CQC se
deve ao fato de que, atualmente, ele é um dos maiores ícones – se não o maior – do
jornalismo de humor no Brasil e tem conquistado cada vez mais popularidade e espaço
na mídia – o que, por si só, já valeria a atenção dada à atração.
Exibido pela TV Bandeirantes desde março de 2008, o CQC é um exemplo bem-
sucedido da união entre jornalismo e humor, representando um verdadeiro híbrido por
61
utilizar a estrutura típica de um telejornal (como a bancada com os âncoras que
“costuram” os diversos assuntos tratados pelas matérias, repórteres e a abordagem da
mesma “agenda” que a imprensa tradicional), só que usando um viés satírico e cômico,
repleto de piadas e comentários subjetivos, fugindo daquela imparcialidade e
objetividade preconizadas pelo jornalismo convencional. Autointitulado “resumo
semanal de notícias”, o programa contempla assuntos das mais variadas editorias, como
esportes, cultura, entretenimento, cidadania e política, tema que recebe uma atenção
especial na “pauta” de Custe o que Custar. A importância que a atração dá para o
conteúdo de cunho político pôde ser confirmada quando, na época das Eleições de 2010,
veiculou uma edição especial inteiramente dedicada à corrida eleitoral e ao primeiro
turno. E, pelo fato de, em todas as edições transmitidas desde a sua estreia, haver, pelo
menos, uma matéria ou quadro que fale sobre o tema.
Devido ao espaço reservado para a política no programa, este projeto tratou
também do episódio de censura ao humor durante as Eleições de 2010, em que o STE
(Supremo Tribunal Eleitoral) havia proibido a veiculação da imagem de candidatos e
partidos humoristicamente por emissoras de rádio e TV durante a campanha eleitoral.
Ao destacar este fato, o presente trabalho teve o objetivo de ratificar o humor como um
elemento de suma importância nos meios de comunicação e o seu grande poder de
influenciar uma sociedade.
Atentando ainda mais para a abordagem do CQC no tocante ao cenário político
brasileiro, decidiu-se fazer uma exposição sobre a participação do deputado federal Jair
Bolsonaro no quadro “O Povo Quer Saber”, que obteve uma grande repercussão em
todo o país devido às declarações controversas dadas pelo político. A polêmica gerada
pelo caso, que virou notícias nos principais veículos, e, depois, pelo próprio CQC, prova
a capacidade do programa de romper com as barreiras do humor e da simples
transmissão de informações com irreverência, gerando debates em âmbito nacional
sobre assuntos como racismo, violência e preconceito. Ao expor a participação de
Bolsonaro no CQC e suas conseqüências na mídia, este projeto quis destacar o poder de
alcance e influência do noticiário-humorístico na sociedade, demonstrando a
necessidade de uma contínua pesquisa e novos estudos que investiguem, num grau de
detalhamento superior ao feito aqui, o programa e o papel que este desempenha no atual
contexto social e político brasileiro.
62
As exposições e as constatações iniciais realizadas pelo presente trabalho foram
fruto de uma pesquisada inspirada e motivada pelo questionamento acerca da influência
que o humor no jornalismo pode exercer sobre o público. Será que uma notícia
transmitida humoristicamente causaria mais impacto no telespectador do que se o fosse
segundo os parâmetros do jornalismo tradicional, calcado nos princípios da objetividade
e da imparcialidade? O objetivo não é responder a essa indagação nem descartar
conceitos teóricos propostos por estudiosos anteriormente, mas apenas suscitar uma
discussão sobre a importância do humor e do riso enquanto meios de informar os fatos
na sociedade contemporânea. Trata-se, na verdade, de uma questão ligada à dicotomia
entre forma e conteúdo na comunicação. Veículos distintos podem abordar o mesmo
assunto, mas as diferenças em como farão isso podem gerar mais ou menos interesse no
público. Quando se diz respeito a temas como a política, por exemplo, pode-se
considerar até mesmo a possibilidade de a abordagem humorística resultar em
telespectadores mais ou menos engajados nesses temas – aspecto que merece ser
analisado com mais complexidade em estudos futuros.
A crescente popularidade de veículos que informam provocando o riso e a
audiência em queda dos tradicionais – que tem adotado, cada vez mais, a informalidade
na transmissão das notícias –, revela a necessidade de continuação deste projeto de
pesquisa, que, certamente, trará novos questionamentos a respeito não apenas do
jornalismo de humor, mas da mídia como um todo. As análises feitas pelo presente
trabalho, porém, permitem concluir que a forma de se noticiar, mais especificamente a
forma do humor, tem se mostrado um diferencial positivo para o jornalismo, propondo a
união bem-sucedida da informação e do riso, em que uma não prejudica ou impede o
cumprimento das funções e objetivos da outra, mas sim o contrário, potencializando-os.
63
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