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Lidiana da Silva Betega

TRABALHO FINAL DE GRADUAO

O Pasquim nos anos de chumbo (1969 1971): A CHARGE COMO

CRTICA AO REGIME MILITAR

Santa Maria, RS
2012

Lidiana da Silva Betega

O PASQUIM NOS ANOS DE CHUMBO (1969 1971):

A CHARGE COMO CRTICA AO REGIME MILITAR

Trabalho final de graduao apresentado ao Curso de Comunicao Social Jornalismo

rea de Cincias Sociais, do Centro Universitrio Franciscano, como requisito parcial
para obteno do grau de Jornalista Bacharel em Jornalismo.
Orientador: Prof. Dr. Antonio Fausto Neto.

Santa Maria, RS
2012

Lidiana da Silva Betega

O Pasquim nos anos de CHUMBO (1969 1971): A CHARGE COMO

CRTICA AO REGIME MILITAR

Trabalho final de graduao apresentado ao Curso de Comunicao Social Jornalismo

rea de Cincias Sociais, do Centro Universitrio Franciscano, como requisito parcial
para obteno do grau de Jornalista Bacharel em Jornalismo.
Orientador: Prof. Dr. Antonio Fausto Neto.

_________________________________________________
Prof. Dr. Antnio Fausto Neto Orientador (Unisinos)

________________________________________________
Prof. Carlos Alberto Badke (Unifra)

________________________________________________
Prof. Paula Bolzan Jardim (Unifra)

Aprovado em ____ de ________________de 2012

AGRADECIMENTOS
Acredito que tudo na vida tenha um sentido, e que as coisas no acontecem por
acaso. Durante a minha infncia e adolescncia, pude acompanhar a rotina de meu av,
Hlio. Ele era um grande pesquisador da lngua portuguesa e passava o dia dentro do
seu escritrio, em casa, rodeado de livros, coleo de canetas, mquina de escrever e
papel, muito papel. Quando eu entrava nesse mundo dele, sentia uma grande vontade de
ficar, ler as suas anotaes, livros, revistas, enfim, folhear tudo. Meu av viveu a
Ditadura Militar e pesquisou muito sobre esse perodo, acumulando diversas anotaes
sobre o assunto. Sem possuir computador e internet, ele tinha o livro como seu melhor
companheiro. Eu aprendi a apreciar essa adorao dele, tanto pelos livros, como pelos
assuntos e costumes. J falecido, deixou saudades e dele, eu herdei coleo de canetas,
os livros, as anotaes, a paixo pela escrita e o gosto pelo passado. Por isso, agradeo a
ele, que mesmo sem saber, me despertou um grande dom e me fez cursar Jornalismo e
me ajudou na escolha do tema desta monografia.
Agradeo a minha famlia, principalmente ao meu pai, Dagoberto, minha me
Vera e minha av Noemi, pela fora e pelo apoio. Obrigada por entenderem minhas
angstias, reclamaes e falta de tempo.
Tambm dedico este trabalho s minhas amigas e colegas Thays, Fernanda,
Dandara e Luana, que compartilharam desse mesmo sentimento de nervosismo e
dedicao que o TFG exigiu, mas mesmo assim, dedicaram a mim, alguns momentos
dos seus dias com palavras de amizade e companheirismo.
Por ltimo, o meus sinceros agradecimentos ao orientador Antnio Fausto Neto
que teve pacincia e que se dedicou a esta monografia, compartilhando comigo a sua
inteligncia e experincia. Agradeo pelas palavras de compreenso, pelas crticas e
puxes de orelha, e pelo tempo que dedicou ao nosso trabalho. Com toda a certeza,
lembrarei sempre de seus conselhos e ensinamentos. Muito obrigada!

Apesar de voc
Amanh h de ser outro dia
Eu pergunto a voc onde vai se esconder
Da enorme euforia?
Como vai proibir
Quando o galo insistir em cantar?
gua nova brotando
E a gente se amando sem parar

Apesar de voc (Chico Buarque)

RESUMO

O objeto desta pesquisa o jornal O Pasquim e seu objetivo refletir sobre como
tabloide conseguiu atravs da linguagem das charges, desenvolver crticas ao Regime
Militar. Um estudo sobre o funcionamento da imprensa e particularmente da imprensa
alternativa durante esse perodo nos parece importante para a compreenso de pelo
menos dois aspectos. De um lado, os mecanismos institudos pelo ciclo ditatorial, cujo
os principais instrumentos foram os atos institucionais. De outro lado as estratgias
realizadas pelo jornalismo como quelas feitas em O Pasquim, que procuravam produzir
um discurso crtico sobre o Regime pela via do humor segundo o trabalho dos
chargistas. Vrios autores nos auxiliam para o desenvolvimento desta pesquisa e para o
trabalho de anlise da linguagem sobre as charges e do humor nos demos da anlise
interpretativa dos textos jornalsticos visando descrever e compreender os sentidos
enunciados pelas charges.
O trabalho de anlise se far a partir de seis edies do jornal O Pasquim,
compreendidas entre os anos 1969 a 1971, perodo em que o Pasquim constri suas
estratgias de driblagem da censura.
Palavras-chave: jornalismo, censura, Pasquim

ABSTRACT
The object of this research is the newspaper The Pasquim and its purpose is to reflect on
how tabloid got through the language of cartoons, develop criticisms of the military
regime. A study on the functioning of the press and particularly the alternative press
during this period seems to be important for the understanding of at least two respects.
On one hand, the mechanisms imposed by dictatorial cycle, whose main instruments
were the institutional acts. On the other hand the strategies undertaken by journalism as
those made in The Pasquim, which sought to produce a critical discourse about the
scheme via the mood according to the work of cartoonists. Several authors help us to
develop this research and analysis work on the language of cartoons and humor gave us
the interpretative analysis of journalistic texts in order to describe and understand the
directions set by the cartoons. The analysis work will be done from six editions of the
newspaper The Pasquim, between the years 1969 to 1971, during which The Pasquim
builds its strategies to dribble censorship.

Keywords: journalism, censorship, Pasquim

LISTA DE SIGLAS

ABI Associao Brasileira de Imprensa

AI-5 Ato Institucional n5
ARENA Aliana Renovadora Nacional
CIMI Conselho Indigenista Missionrio
DFSP Departamento Federal de Segurana Pblica
DIP Departamento de Imprensa e Propaganda
DOI-CODI Destacamento de Operaes e Informaes e Centro de Operaes de
Defesa Interna
DOPS Delegacia de Ordem Poltica e Social
MDB Movimento Democrtico Brasileiro
SCDP Servio de Censura e Diverses Pblicas
TFG Trabalho Final de Graduao
TCDPs Turmas de Censura de Diverses Pblicas
TV Televiso
UDN Unio Democrtica Nacional
UNIFRA Centro Universitrio Franciscano

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Quadro de datas importantes da histria institucional e legal da censura......33

Figura 2 - Quadro dos segmentos culturais inspecionados e censurados.......................34
Figura 3 - Grfico dos jornais alternativos por tempo de durao................................. 46
Figura 4 - Primeiro exemplar de O Pasquim, veiculado em 26/06/1969......................60
Figura 5 - Mascote do Pasquim Ratinho Sig...............................................................88
Figura 6 - Ratinho Sig por Henfil..................................................................................110
Figura 7 Ratinho Sig por Jaguar................................................................................110

Figura A - A autocensura de Millr................................................................................97

Figura B - Parodiando Drummond................................................................................100
Figura C - Plgio Independncia................................................................................104
Figura D - Um jornal sem jornalistas............................................................................107
Figura E - A sada !! Onde fica a sada?........................................................................109
Figura F E agora?.......................................................................................................112

SUMRIO

1. INTRODUO.........................................................................................9
2. VESTGIOS DE UM PASSADO NEM TO DISTANTE.................13
2.1. O Golpe Militar e as liberdades de expresso.........................................19
2.2. Os fundamentos da censura......................................................................27
3. EMERGNCIA DA IMPRENSA ALTERNATIVA............................36
3.1 Causas do surgimento dos jornais alternativos.......................................40
3.2 Perfil dos jornais alternativos nos anos de chumbo................................43
4. CHEGADA DO PASQUIM......................................................................49
4.1 Como nasceu o Pasquim..........................................................................55
4.2 Histria do Pasquim face poltica.........................................................62
5. A PATOTA ENFRENTA A CENSURA.................................................66
5.1 Humor como linguagem de comunicao...............................................73
5.2 A resistncia atravs do humor................................................................81
5.3 Humor no Pasquim: resistindo a censura................................................84
5.3.1 Uma breve descrio contextual das charges..............................90
5.3.2

A grande sacada............................................................................95

6. CONCLUSO..........................................................................................115
BIBLIOGRAFIA..........................................................................................118
ANEXOS.......................................................................................................126

1. INTRODUO

Este trabalho pretende analisar a utilizao das charges humorsticas no jornal O

Pasquim, visando compreender as estratgias envolvidas pelo jornal para resistir as
formas de censura impostas aos jornais durante o perodo de vigncia do ato
institucional no contexto da Ditadura Militar. Visa tambm construir modos de
aproximao com o leitor, usadas pelos cartunistas e jornalistas que faziam parte da
equipe do semanrio no perodo do Regime Militar do Brasil (1964 1985).
O tema foi escolhido a partir da paixo pelo jornalismo, em primeiro lugar, e
logo, a paixo pelo jornalismo alternativo, que nasceu dos frutos de uma gerao
insatisfeita com o governo, um jornalismo que por si s, se tornou subversivo, baseado
em lutas, movimentos e protestos, almejando sempre a democracia no pas e uma
revoluo no modo de informar.
Esta pesquisa importante para que possamos entender, identificar e
compreender como o jornalismo alternativo do Brasil e como uso das charges no jornal
O Pasquim transformou o jornalismo.
Um estudo sobre o perodo em que a Ditadura Militar se instaurou no pas
fundamental para entendermos como foi a atuao ditatorial do governo que marcou
uma poca, e como o jornal, um dos mais importantes meios de comunicao e de maior
expresso da imprensa atuou nesse perodo. Portanto, considera-se que este estudo
poder contribuir com o resgate histrico do jornalismo e colaborar para o entendimento
de fatos do passado, complementando os registros j existentes sobre o assunto.
O objetivo geral da presente pesquisa analisar as charges enquanto linguagem
em O Pasquim. Como elas driblaram a barreira da censura no pas, produzindo leituras,
conquistando uma legio de leitores e marcando a gerao do jornalismo dos anos de
chumbo.
Entre os objetivos especficos, pretendemos realizar um estudo que pretende
contemplar o jornalismo alternativo no perodo da Ditadura Militar do Brasil (1964
1985), bem como, estudar o histrico do jornal O Pasquim, um dos principais e mais
influente jornal alternativo do pas e usar leitura interpretativa dos textos jornalsticos

10
(charges) enquanto linguagem no perodo de 1969 at 1971, anos de intensa represso
poltica e censura.
Para desenvolver esta monografia, estruturamos a sua realizao atravs de um
sumrio, cujos captulos esto assim organizados: Na introduo apresentamos os
objetivos, justificativa e a estrutura do trabalho. No segundo captulo descrevemos a
situao poltica do pas, contempornea ditadura, bem como, analisamos os fatores
que contriburam para que esse perodo prosseguisse durante tantos anos. No captulo 3,
abordamos o surgimento dos jornais alternativos no pas, que nasceram na efervescncia
de um perodo conturbado do Regime Militar, assim como, quais foram as causas dessa
emergncia e o perfil desses tablides. Ou seja, quais foram os fatores que contriburam
para a sua ascenso, seus propsitos e quais foram s contribuies que essa imprensa
trouxe para a histria do jornalismo e do pas. No captulo 4, o aparecimento do
Pasquim, jornal alternativo que nasceu nessa poca, adquiriu uma identidade que se
tornou to marcante e como o semanrio enfrentou a situao poltica atual do pas.
Enfatizamos dentre outros aspectos, a identidade do semanrio, bem como a histria do
Pasquim face poltica.
No captulo 5, elege-se a questo da censura, apresentando uma relao entre ela
e o semanrio O Pasquim que, atravs do humor, denunciou um perodo de severa
represso produzida pela Ditadura Militar. Para isso, precisamos contextualizar o humor
enquanto linguagem de comunicao e esse captulo nos dar um melhor embasamento
sobre a proposta, uma vez que o humor a estratgia usada pelo semanrio para
enfrentar os anos de chumbo. Ainda nesse captulo, faremos a anlise de seis imagens
que foram publicadas entre os anos de 1970 e 1971. Alm disso, de que forma suas
capas e charges ganharam impacto diante dos tantos olhos sedentos por liberdade de
expresso.
Chamamos ateno particularmente para o papel que a charge tem para discorrer
sobre a crise poltica atravs de recursos e expedientes cujo sentido nem sempre se
manifesta de forma latente.
O corte temporal da pesquisa concentra-se a nos anos de 1969 at 1971 quando
os meios de comunicao sofriam intensa represso e O Pasquim diretamente
atingido. A escolha do semanrio d-se por seu contexto histrico e a importncia no
jornalismo do pas, atuando diretamente com uma linguagem mpar a favor da mudana,
marcando uma gerao e consagrando-se em na histria do jornalismo alternativo
durante o perodo da ditadura militar.

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O momento poltico que retrata o corte temporal da pesquisa aborda a essncia
dos anos 60 e 70, perodo referente a uma intensa represso para as representaes
culturais e jornalsticas. Retrataremos na pesquisa os fatos que o jornal O Pasquim
viveu e que o levou a tomar outros rumos como as leis, a censura, a poltica, a
economia, entre outros.
Atravs de suas charges, o jornal O Pasquim dizia, nas entrelinhas, o que queria
manifestar, o que muitos queriam dizer e calavam. Enfim, o Pasquim enfrentou a
censura com humor e leveza, conquistando uma legio de fs na poca e muitos que o
admiram at os dias de hoje, entre eles artistas, jornalistas e intelectuais.
No captulo de anlise, escolhemos charges que ilustraram o momento em que o
jornal vivia. As imagens esclarecem a situao em que o tabloide se encontrava. A
imagem A, de 12 a 18 de fevereiro de 1970, de Millr Fernandes uma charge feita
antes da priso da equipe do Pasquim, que acontecem em 1 de novembro de 1970. A
imagem B, de 2 a 8 de julho de 1970 mostra uma charge de Jaguar, que contrasta a
campanha de Mdici com a conquista do tricampeonato brasileiro ao ilustrar uma
famlia de favelados e os versos de Carlos Drummond de Andrade. J na imagem C,
Jaguar cria uma fotomontagem que gerou a priso de praticamente toda a equipe do
Pasquim. A imagem mostra a cavalaria de Dom Pedro I no Grito da Independncia do
Brasil. Jaguar para caoar, colocou um balo na imagem de Dom Pedro com a frase Eu
quero mocot, trecho de uma msica de Jorge Ben Jor, bastante conhecida nos anos
70.
A imagem D, de 11 a 17 de novembro ilustra a ausncia da equipe do jornal, em
um momento mpar na trajetria do tablide, no qual os jornalistas e cartunistas que
sobraram, entre eles Miguel Paiva, Henfil e Millr Fernandes, tiveram que produzir o
Pasquim, continuar com seus editoriais, charges, entrevistas e o pior, sem poder noticiar
ao grande pblico que sua equipe havia sido presa. Na frase do editorial desta edio, a
explicao sobre a situao da redao: O Pasquim o jornal com algo menos. O
Pasquim se refere priso como uma gripe que assolou a equipe do jornal.
Na imagem E, de 18 a 24 de novembro, na semana seguinte capa anterior, a
equipe j conta com colaboradores. Jornalistas, artistas, intelectuais e demais pessoas do
meio pblico se solidarizaram com a equipe do Pasquim e resolveram colaborar na
produo de contedo do semanrio. Por ltimo, na imagem F, apresentamos a capa de
O Pasquim, da semana de 21 a 27 de janeiro de 1971 que simboliza a sada da equipe

12
priso e o incio de uma nova fase no semanrio, agora sem o seu diretor, Tarso de
Castro.

13

2. VESTGIOS DE UM PASSADO NEM TO DISTANTE

O paradoxal que tudo j foi escrito. As palavras se gastaram at a ltima

resistncia. No entanto, tudo pode ser refeito, revisto, se sonhamos. As
palavras ento, so meninas no quintal do vento. O texto, de to antigo, se
tornou criana. Entre figueiras e metforas. O leitor que o acorda. E o
texto sabe reconhec-lo. Como um terneiro sem dono.
Carlos Nejar

Estudar o passado uma enorme responsabilidade, afinal, estamos pesquisando

sobre a histria de um pas, seus problemas, acontecimentos e marcos. O Brasil teve
grandes mudanas em sua poltica na dcada de 60 e isso afetou diretamente o
jornalismo, como veremos mais adiante.
Neste captulo vamos englobar os aspectos polticos que anteciparam e estiveram
presentes na Ditadura Militar do Brasil (1964 1985), os presidentes da repblica que
passaram pelos anos de chumbo e os que sucederam esse perodo, j na democracia,
para assim, contextualizarmos por que a ditadura foi to massacrante e chegou a atingir
os meios de comunicao.
Para entendermos ento, esse momento histrico difcil, vivido pelo Brasil,
necessrio resgatarmos alguns acontecimentos da poltica brasileira, que teve incio a
partir da renncia de Jnio Quadros em 1961. Jnio da Silva Quadros foi o primeiro
presidente a tomar posse em Braslia, em janeiro de 1961. Sua renncia em agosto do
mesmo ano foi considerada uma traio pelos eleitores.
De acordo com Koifman (2002), no livro Os presidentes do Brasil, o governo
Quadros percorreu um perodo marcado pela ameaa de grave crise econmica, pela
diversificao dos movimentos sociais, Ligas Camponesas, mudana do sindicalismo
populista urbano, greves, entre outros marcos, alm da crescente interferncia na cena
poltica, tanto de militares quanto da Igreja.
Durante seu governo, Jnio enfrentou no somente os problemas decorrentes da
crise econmica herdada de Juscelino Kubitschek. Durante os sete meses de mandato,
Jnio continuou a poltica internacional que teve incio no mandato de Getlio Vargas e
se aprofundou no governo JK, alm disso, criou as primeiras reservas indgenas, dentre
elas o Parque Nacional do Xingu e os primeiros parques ecolgicos nacionais, entre

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outros feitos. Para renunciar, Jnio alegou que foras terrveis o levaram a tomar esta
deciso. A ao, que abriu caminho para o Golpe Militar de 1964, fez com que Jnio se
tornasse uma das figuras mais complexas da poltica brasileira.
O fim do governo de Jnio deixou marcas no cenrio poltico e sua renncia
provocou intensa transformao na poltica, como a citao abaixo, retirada do livro
sobre o governo de Jnio, explica.

Alm dos assuntos j referidos, e da prpria evidncia da renncia, em toda a

discusso em torno do governo Quadros, transparece uma questo tpica do
autoritarismo personalista do governo Quadros: o desprezo do presidente
pelas instituies, sobretudo pelo Congresso, em favor de um significativo
respeito pelo papel dos militares. Estes se tornariam "sacerdotes de uma santa
inquisio, cada vez mais convencidos de que uma corja de trfegos
assaltantes civis enlameava a puridade nacional. (BENEVIDES, O governo
Jnio Quadros, Ed. Brasiliense, 1982, p. 5).

O estilo de Jnio e sua renncia colaboraram, tambm, para a desmoralizao do

processo eleitoral, reduzindo nas pessoas a f que tinham em relao situao poltica
do Brasil. Com isso, se adquiriu uma percepo negativa dos direitos polticos, ou seja,
se meu voto no vale nada, por que vou votar?
Logo aps esse perodo tumultuoso da poltica, o vice-presidente assume. Joo
Belchior Marques Goulart, nascido em So Borja. Jango, como era conhecido, governou
o pas de 1961 a 1964. Em seu mandato, ocorreu um grande aumento quanto s lutas
populares no pas. Seu governo ficou conhecido por ser reformista. Atravs da chamada
reforma de base (medidas econmicas e sociais que previam uma maior interveno
do Estado na economia), defendia-se o direito do voto para os analfabetos e para os
militares de patentes menores, alm de reformas bancrias, urbanas, fiscais, eleitorais,
agrrias e educacionais.
Em maro de 1964, o governo marcado por incidentes e aes radicalizadas.
Pelo lado da Esquerda, o Comcio da Central do Brasil foi um momento importante e
determinante ara a situao poltica do momento.
J no lado da Direita, o governo de Jango estava muito longe de ser uma
unanimidade e a prova disso foi a Marcha da Famlia com Deus pela Liberdade, que
consistiu em uma srie de manifestaes pblicas organizadas por setores conservadores
da sociedade brasileira em resposta ao Comcio da Central do Brasil. Devido a esse
longo ms de maro com intensas manifestaes, de Esquerda e de Direita. Joo
Goulart, sem demonstrar resistncia, se auto exilou no Uruguai. Como resultado dessa
instabilidade poltica e social que se instaurou no Brasil, em 1 de abril de 1964, Joo

15
Goulart destitudo. Foras politico-militares reagiram diante dessa instabilidade e
aproveitaram o momento de fraqueza de Jango para dar o famoso Golpe Militar.
Segundo Skidmore (1988), os civis a favor do Golpe estavam convencidos, na
dcada de 1960, de que Goulart pretendia tornar o pas um estado socialista, o que iria
eliminar os valores e tradies institucionais do Brasil. Nesse perodo, o Brasil passa
por severas mudanas com o Golpe Militar em 1964 que deu origem a Ditadura Civil.
Com ela, as medidas autoritrias foram legitimadas por meio de atos institucionais
que enumeravam decretos.
O Golpe estabeleceu um Regime alinhado ao dos Estados Unidos e desencadeou
grandes transformaes na poltica. Todos os prximos cinco presidentes que vieram
depois de Jango foram a favor da Ditadura Militar e continuaram a governar o pas com
atos severos de represso, como Castelo Branco, Costa e Silva, Emilio Garrastazu
Mdici, Ernesto Geisel e Joo Figueiredo. Aps Figueiredo em 1985, a Ditadura Militar
acaba e a Nova Repblica se instaura no Brasil. Porm, no restam dvidas que o
governo de Jango foi o mais conturbado de toda a experincia democrtica iniciada aps
a Era Vargas. Para Clvis Rossi (1991), o objetivo do Golpe Militar foi atingir a
democracia, deixando a sociedade cada vez mais longe do governo. Instalou- se no
Poder uma mquina oficial de matar, prender, torturar, fazer desaparecer dissidentes de
qualquer origem poltica (ou at sem filiao poltica) (ROSSI, 1991, p. 24).
O primeiro militar a governar o Brasil ps Jango, foi o Marechal Humberto de
Alencar Castelo Branco. Ele governou o pas at 1967, sendo substitudo pelo General
Costa e Silva que foi eleito pelo Congresso Nacional em 1966. No seu governo, Costa e
Silva aboliu os treze partidos polticos existentes no Brasil atravs do Ato Institucional
n 2. Aps, foram criados os partidos Aliana Renovadora Nacional (ARENA) e o
Movimento Democrtico Brasileiro (MDB) que se mantiveram nicos at 1979. Entre
os objetivos desse mandato, pretendia-se corrigir os males sociais e polticos,
combater a subverso e a corrupo e impedir que se instaurasse um Regime
comunista no Brasil.
Koifman (2002), trata do assunto, no qual afirma que em seu governo, Costa e
Silva instaurou diversas leis e quatro dos cinco atos institucionais que reprimiam as
manifestaes contrrias s atitudes do governo. Entre as represses que fizeram parte
do governo Costa e Silva, a Lei de Imprensa foi um marco na histria do jornalismo do
Brasil, no qual o ento presidente restringiu ainda mais a liberdade de expresso dos
meios de comunicao. A Lei da Segurana Nacional, tambm foi criada em seu

16
governo, que tinha como principal objetivo, proteger o pas da subverso buscando
manter a sua ordem.
J o governo de Emlio Garrastazu Mdici que se instaurou no Brasil de 1969 at
1974, caracterizou-se como perodo de intensa represso da ditadura militar,
fundamentada principalmente no Ato Institucional n. 5 (AI - 5), decreto atribudo em
13 de dezembro de 1968, fazendo com que esse perodo seja chamado por parte da
historiografia como os anos de chumbo. Os famosos pores da ditadura ganhavam
o aval do Estado para promover a tortura e o assassinato no interior de delegacias e
presdios.
A instaurao do AI - 5 marcou o auge das proibies e atingiu o jornalismo,
que deixou de cumprir seus verdadeiros princpios em funo da censura. Esse Regime
Militar durou at 1985, quando o presidente Tancredo Neves foi eleito, indiretamente, o
primeiro presidente civil aps a ditadura.
A Ditadura Militar (1964 1985) com seus instrumentos de exceo, tais como
a Lei de Segurana Nacional, Lei de Imprensa, censura prvia e outros, acabou
excitando um dos fenmenos que marcou a histria do jornalismo brasileiro e a histria
do pas, a chamada Imprensa Alternativa, Popular ou imprensa nanica.
Atravs da Lei de Imprensa de 1967, o Regime Militar, podia atravs do
Ministro da Justia, determinar a apreenso de qualquer jornal ou revista que contivesse
propaganda de guerra, promovesse estmulo subverso da ordem social e poltica e
afrontasse a moral pblica e os bons costumes, sendo que o poder de advertncia foi
reforado com a Lei de Segurana Nacional, no qual o artigo 16 previa a deteno de
at um ano para o jornalista que divulgar, por qualquer meio de comunicao social,
notcia falsa, tendenciosa, ou fato verdadeiro truncado ou deturpado, de modo a indispor
o povo com as autoridades constitudas (BERGER, 2003, p. 58).
Os rgos responsveis pela censura preocuparam-se, primeiramente, com os
chamados grupos subversivos, que seriam todos que tivessem participao ou
simpatia pelo comunismo. Os meios de comunicao viviam um momento
aparentemente esperanoso antes do decreto do AI-5. Lentamente, o cenrio das
redaes dos jornais foi sendo alterado medida que a censura foi se tornando mais
rgida e centralizada. A represso modificou as modos de produo jornalstica e tudo
que fora produzido precisava de um aval do Regime, para ser publicado. Assim,
foram institudos novos elementos ao cotidiano das publicaes.

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Como tudo no pas estava amordaado pela ditadura, a nica forma da
sociedade tomar conhecimento do que estava acontecendo era pela imprensa alternativa,
que noticiava em seus peridicos o que acontecia nas ruas, os crimes que estavam sendo
praticados no Brasil, as mortes de presos polticos, torturas, infrao dos direitos
humanos, entre outros temas de interesse geral da populao.
Durante os anos 70, circularam no Brasil inmeros jornais de tamanho tabloide,
que se caracterizaram pela oposio ao Regime militar, ao modelo econmico,
violao dos direitos humanos e censura.
Em um importante levantamento referente imprensa alternativa, nos anos da
Ditadura Militar no Brasil, especialmente no perodo de 1964 a 1980, Kucinski cita que
nessa poca nasceram mais de 150 peridicos. Abrigando temticas diversas (polticos,
de humor, feministas, homossexuais, culturais), podemos reconhec-los pela postura de
oposio intransigente ao Regime militar (KUCINSKI, 1991, p. 10).
Ao conceituar, na apresentao de seu livro Jornalistas e revolucionrios Nos
tempos da imprensa alternativa, Kucinski (1991) argumenta sobre a palavra nanica. O
autor diz que ela foi inspirada no formato tabloide adotado pela maioria dos jornais
alternativos desse perodo, sendo difundida principalmente por publicitrios (...) que
tambm vivenciavam uma situao difcil e tinham o mesmo desejo das geraes dos
anos 60 e 70, ou seja, de protagonizar as transformaes sociais que pregavam. (1991,
p. 13).
Peruzzo relembra em sua tese, Revisitando os Conceitos de Comunicao
Popular, Alternativa e Comunitria, alguns dos jornais importantes no contexto poltico
e social da poca.
Entre os segmentos vigilantes imprensa poltico-partidria podemos citar os
jornais Voz da Unidade, Tribuna da Luta Operria, Companheiros e Em
Tempo. A imprensa sindical, por seu lado, editou jornais importantes como a
Tribuna Metalrgica e Folha Bancria. (PERUZZO, 2006, p. 8).

De acordo com Peruzzo, o que caracterizava esse tipo de jornalismo era a

opo enquanto fonte de informao, por seu contedo, tipo de abordagem e posio
social e/ou poltica. (PERUZZO, 2006, p. 374).
J Kucinski (1991) analisa a origem dessa imprensa alternativa e o poder
adquirido por ela no decorrer de sua trajetria da seguinte forma:

A imprensa alternativa surgiu da articulao de duas foras igualmente

compulsrias: o desejo dos oposicionistas de protagonizar as transformaes
institucionais que propunham e a busca por jornalistas e intelectuais, de

18
espaos alternativos grande imprensa. nessa dupla oposio ao sistema
representado pelo regime militar e aos limites produo intelectual
jornalstica devido a represso, que se encontra a lgica dessa unio que
movimentou tantas pessoas com os mesmos ideais. (KUCINSKI, 1991: p.
16).

Kucinski foi integrante do movimento jornalstico alternativo dos anos 60 e 70, e

nos dias de hoje pesquisador do assunto. Em sua obra, Jornalistas e Revolucionrios:
Nos tempos da Imprensa Alternativa, ele ressalta que esses peridicos foram chamados
de imprensa nanica devido ao formado pequeno (1991, p. 5). A expresso imprensa
alternativa teria sido intitulada por Dines, conforme citado em Kucinski (1991). Leia
abaixo.
O termo alternativa contm quatro dos significados que podem explicar
esse tipo de imprensa. o de algo que no est ligado a polticas dominantes;
o de uma opo entre duas coisas reciprocamente excludentes; o de nica
sada, para uma situao difcil e, finalmente, o do desejo das geraes dos
anos 60 e 70 de protagonizar as transformaes sociais que pregavam.
(KUCINSKI, 1991, p. 13).

Jornalista e escritor, Dines lanou diversos jornais e revistas no Brasil e tambm

em Portugal. Entre os cargos que ocupou, o jornalista foi editor-chefe do Jornal do
Brasil durante doze anos, inclusive no perodo em que a Ditadura Militar se instaurou
no pas.
Voltando aos impressos alternativos, Braga (1991, p. 22), ressalta que apesar de
ter carter militante, os jornais alternativos tambm so informativos e necessitam
manter-se como empresa para sobreviver, j que no sustentados por um partido.
Esse entendimento importante para enfatizar o papel social do jornalismo
alternativo, que engloba o desejo de reunir-se para fazer alguma coisa quanto s
injustias da ditadura militar e da desigualdade social.
Claro, que no meio dessas vertentes, esto muitos outros fatores envolvidos
como a rebeldia de uma gerao, um desejo de liberdade e da vontade de promover a
reduo das desigualdades existentes no pas e nesse contexto que os jornalistas da
imprensa alternativa se inspiraram e, consequentemente, os jornais, com o seu papel e
trabalho formam as caractersticas de uma imprensa nanica, porm atraente.
No item que segue, iremos continuar contextualizando a poltica no Brasil,
porm, de um novo e severo ponto de vista: o da represso. Com o Golpe Militar em
1964, inicia-se um longo e difcil perodo para a populao brasileira.

19

2.1 O GOLPE MILITAR E AS LIBERDADES DE EXPRESSO

A censura tem um histrico maior do que muitos imaginam. Ela j existia antes
do Golpe de 1964, porm era camuflada, oculta. Comeou nos primeiros governos da
repblica eleita chegando a prejudicar, agredir e assassinar jornalistas. At ento
ningum tinha usado a censura prvia como Getlio Vargas na ditadura do Estado
Novo, criando o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que tinha como
principal funo, controlar a imprensa.
No ano de 1964, o general Castelo Branco foi eleito pelo Congresso Nacional
em 11 de abril e deveria governar o pas at 31 de janeiro de 1966. Porm,
posteriormente, seu mandato foi prorrogado e foram suspensas as eleies presidenciais
diretas previstas para 3 de outubro de 1965. Desse modo, Castelo Branco governou o
Brasil at 15 de maro de 1967, sendo substitudo pelo general Costa e Silva, eleito
pelo Congresso Nacional, em 3 de outubro de 1966.
O Congresso Nacional, a partir de 1964, se formaria apenas de pessoas a favor
do novo Regime que se instaurava, isto , parlamentares de direita, apoiadores do
governo e uma pequena oposio chamada "oposio consentida". Os congressistas que
ousassem fazer oposio mais forte poderiam ser cassados pelo Ato Institucional n 1,
que vigorou at 15 de maro de 1967, e que limitava os poderes do Poder Legislativo e
do Poder Judicirio e tambm atingiu fortemente os movimentos estudantil, operrio e
campons.
Durante seu governo, Castelo Branco promoveu diversas reformas polticas,
tributrias e econmicas. As medidas aplicadas no atingiram somente o poder
legislativo, mas tambm todas as organizaes consideradas pelo governo militar como
prejudiciais ptria, segurana nacional, que pretendia ajustar os males sociais e
polticos, combater a corrupo e a subverso, alm de impedir que se instaurasse um
Regime comunista no Brasil.
J Costa e Silva foi quem estabeleceu de fato a Ditadura Militar no Brasil, em 13
de dezembro de 1968, com o AI-5. Durante os primeiros anos de Regime, permaneceu
um falso clima de liberdade. A imprensa ainda era relativamente independente e os
tribunais prosseguiam em funcionamento. No entanto, logo aps o AI-5, a linha dura
ganhava mais espao no governo.

20
O jornalista Alberto Dines, em uma entrevista concedida ao Jornal da ABI, conta
como recebeu a notcia que a censura seria instaurada no pas e como ela destruiu com a
esperana de uma gerao:
A esperana era de que a democracia fosse restaurada logo, mas o AI-5 em
1968 acabou com essa iluso do modo mais trgico. Quando eu ouvi pelo
rdio, no programa A voz do Brasil, a leitura daquele catatau, disse: Estamos
ferrados. Vem a a censura. (Jornal da ABI - n375 - 21/02/2012)

Dines trabalhava no Jornal do Brasil nessa poca e sofreu intensa represso por
suas publicaes, e como ele mesmo disse na mesma entrevista: A gente tinha que
tomar decises de extrema gravidade, de risco de vida no fazer jornalstico. (DINES,
2012, p. 17).
Marconi (1980) ao se referir expanso da chamada linha dura, defende que o
motivo para tanta violncia era um s: o Regime militar no queria que a imprensa
falasse sobre a poltica interna. (MARCONI, 1980, p. 38). O autor ainda acusa a
censura de uma manobra escusa, cmoda e ilegtima perante a sociedade.
O Golpe Militar no Brasil reprimiu os diversos meios de comunicao e
expresso. O ato gerou um grande descontentamento para a populao, que teve que
ficar calada diante de uma srie de barbaridades, como violncias e at torturas que a
ditadura militar realizou. O ato de informar foi diretamente atingido e os jornais no
podiam informar o que estava acontecendo no pas. Skidmore (1998) explica que,
A priso e tortura de jornalistas, as presses (ou incentivos) sobre os
proprietrios dos jornais, juntamente com a censura direta, haviam reduzido
quase toda a mdia, exceto uns poucos semanrios de pequena circulao,
condio de lderes de torcida do governo ou, no mnimo, de simples caixas
de ressonncia das informaes geradas no palcio presidencial
(SKIDMORE, 1988, p. 266).

O ato veio em represlia deciso da Cmara dos Deputados, que se se negou a

prestar autorizao para que o deputado Mrcio Moreira Alves fosse processado por um
discurso onde interrogava at quando o Exrcito abrigaria torturadores.
Entre tantos decretos, a censura prvia que foi instaurada nesse perodo foi um
dos momentos mais marcantes na histria do Brasil e do jornalismo.
Com esse processo, a populao sofreu com mudana econmica, a falta de
liberdade e a represso policial. Foi criado at decreto-lei contra as greves dos
trabalhadores. O AI-5 estabeleceu os abusos do poder, concedendo ao Presidente da

21
Repblica inmeros domnios, como pontua Evaldo Viera em seu livro A repblica
brasileira 1964-1984:
a) fechar o Congresso Nacional, assembleias estaduais e cmaras municipais;
b) cassar mandatos de parlamentares; c) suspender por dez anos os direitos
polticos de qualquer pessoa;d) demitir, remover, aposentar ou pr em
disponibilidade funcionrios federais, estaduais e municipais; e) demitir ou
remover juzes; f) suspenso das garantias do Poder Judicirio; g) decretar
estado de stio sem qualquer impedimento; h) confiscar bens como punio
p corrupo; i) suspenso do habeas-corpus em crimes contra a segurana
nacional; j) julgamento de crimes polticos por tribunais militares; k) legislar
por decreto e expedir outros atos institucionais ou complementares; l)
proibio de exame, pelo Poder Judicirio, de recursos impetrados por
pessoas acusadas por meio do Ato Institucional nmero 5. (VIERA, 1985, p.
27)

O AI-5 durou at o governo de Ernesto Geisel, que permaneceu no poder at

1979 e o ento presidente Costa e Silva, comeou a sentir os primeiros sintomas de
isquemia, logo falece em 17 de dezembro de 1969. Em 30 de outubro do mesmo ano,
Emlio Garrastazu Mdici toma posse e continuam vigentes os decretos do poderoso AI5.
Neste perodo de censura, foram criados jornais como Opinio, Movimento, Em
Tempo, Coojornal, Informao, Amanh, e O Pasquim.
Sanchotene (2008), em sua monografia sobre o humor das charges na poltica,
reconhece a importncia que o Pasquim teve no perodo da ditadura militar. Em plena
vigncia do AI-5, em 1969, a imprensa brasileira falava baixo. nesse contexto que
surge no Brasil o jornal mais influente de oposio ditadura militar: O Pasquim. O
jornalista enfatiza sobre a importncia que o semanrio teve no contexto poltico e
social do pais, levando-se em conta que o tabloide iniciou sua trajetria em plena
ditadura militar. A marca de mais de 200 mil, em meados dos anos 70 tornou O
Pasquim um dos maiores fenmenos do mercado editorial brasileiro. Criado a partir de
um grupo criativo de jornalistas, o tabloide era composto de ideias, humor, entrevistas e
discusses. (SANCHOTENE, 2008, p. 33).
Em Humor e poltica: a charge como estratgia de editorializao do telejornal,
Sanchotene, analisou dez charges apresentadas no telejornal O Globo, feitas pelo
cartunista Chico Caruso no perodo de maio a julho de 2008. Na pesquisa, Sanchotene
aborda a charge midiatizada no mbito da informao, no qual a mesma busca
editorializar o telejornal pelo vis da comicidade. O autor questiona como o humor se
apresenta e age por meio das charges e de que forma o discurso do humor est

22
representado nessas charges. A investigao da pesquisa de Sanchotene (2008) abrange
a anlise do funcionamento da charge na televiso, no telejornal e as estratgias
humorsticas nelas apresentadas.
Ele analisa imagens mais recentes na nossa memria, imagens que foram
publicadas no ano de 2008. Na nossa pesquisa, o enfoque outro, pois analisamos o
funcionamento discursivo das charges no meio impresso, atravs de imagens que j
foram publicadas h 50 anos, porm, os dois enfoques buscam analisar as charges
enquanto linguagem de comunicao atravs do humor e a contribuio das mesmas
para o jornalismo nesse sentido. Na pesquisa de Sanchotene (2008), os resultados
envolvem o fato de o som, que as charges reproduzem na televiso, ajuda na
compreenso do seu discurso, auxiliando o expectador a compreender o que est sendo
dito. o autor tambm concluiu que a opinio do autor da charge est implcita, assim
como a opinio da ideologia do programa, pois, caso contrrio, a mesma no seria
veiculada. A charge tratada, na pesquisa de Sanchotene, como um meio mais suave de
abordar a opinio poltica na televiso, usando o humor como estratgia.
Retomando o contexto da pesquisa, todas essas transformaes que ocorreram
no jornalismo dos anos de chumbo, marcaram diversas mudanas no modo de informar,
assim como na rotina jornalstica dos meios de comunicao. Com essa intensa censura
prvia, matrias foram vetadas e edies chegaram a ser recolhidas, resultando em um
grande no prejuzo financeiro de produo dos jornais. Se estendendo at imprensa,
msica, teatro e cinema, a censura atuou rigidamente a partir de 1970, na apreenso de
mais de 500 filmes, 400 peas teatrais, 200 livros e centenas de msicas. A liberdade de
expresso, assim como a criatividade dos jovens do pas, se viam castradas.
Todas as investigaes aos oposicionistas ao Regime que ocorreram nesse
perodo eram feitas pela Delegacia de Ordem Poltica e Social (DOPS), a qual tinha
como finalidade investigar os atos tidos como suspeitos e dentro destes poderia estar
intelectuais, jornalistas, artistas, polticos, professores, ou seja, todos que estivessem
relacionados a movimentos sociais. Os DOPS foram orgos criados junto estrutura das
secretarias estaduais de segurana pblica de alguns estados brasileiros. A atribuio
principal dos DOPS era o papel de polcia poltica, uma modalidade especial de polcia, que
desempenha uma funo preventiva e repressiva, criada para entrever e coibir atividades
que colocassem em risco a ordem e a segurana pblica (XAVIER, 1996, p. 32). Esta
atribuio extraoficial estava ligada necessidade dos governos quando decidissem vigiar e

23
punir determinados indivduos, e condenar grupos inteiros, considerados como ameaas
ordem pblica e a to almejada segurana nacional.

Nesse perodo de intensa represso, Dines conta para o jornalista Francisco

Ucha, em entrevista ao Jornal da ABI, em fevereiro de 2012, que foi alvo dos censores e
sua profisso e posio poltica atrapalharam a sua participao em eventos. Tudo isso
gerou a sua priso em 1968, como ele conta:

Na sexta-feira seguinte ao AI-5, eu j tinha sido escolhido paraninfo de uma

turma da PUC, no Rio. Com o AI-5 eu fiquei mortificado. (...) A fiz um
discurso bem contundente e li esse discurso na cerimnia de formatura da
PUC. Marotamente, passei o texto para a Redao e eles escreveram a notcia
de que eu era paraninfo da PUC e reproduziram alguns trechos do meu
discurso. Os milicos viram a noticia, avisaram o secretrio da Marinha e dois
dias depois fui preso. (Jornal da ABI - n 375 21/02/12).

Todo esse clima de suspeita sobre os indivduos e a supresso da liberdade

atingiu no s o meio jornalstico, mas vrios segmentos da sociedade como um todo.
Essa censura se transformou em perseguio real e atingiu artistas da msica popular
brasileira que alm de terem suas msicas censuradas, a sua liberdade de expresso
tambm foi cerceada. Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Geraldo Vandr e
outros artistas que decolam em sua carreira nesse momento, passaram a ser vigiados e
logo tiveram que deixar o pas, buscando um autoexlio.
Para protestar, as pessoas contrrias ao Regime escolheram uma das atividades
cujo controle era mais exercido pelos militares: o jornalismo. O jornalismo se tornou
mais do que nunca, o transmissor das vozes de uma multido que clamava por justia.
Justia aos seus filhos, amigos, e demais pessoas que foram prejudicadas, ameaadas e
mortas na Ditadura Militar.
As barreiras que a censura invocou para o jornalismo, buscava repreender os
chamados subversivos. Ridenti analisa e discute os tipos de censuras predominantes na
ditadura militar.
No houve uma nica censura durante o regime militar, mas duas. A censura
moderna de diverses pblicas existia no Brasil, de maneira oficial, desde
1946. Integrava, por exemplo, a rotina profissional do pessoal do teatro, nada
havendo de novo (aps 1964) na presena de um censor, durante o ensaio
geral, nem os atritos entre a classe e a censura moral das peas, com o tempo
tambm praticada contra o rdio, o cinema, a TV e at mesmo os circos e as
churrascarias com msica ao vivo. De fato, todo um ethos prprio animava a
Diviso de Censura de Diverses Pblicas (DCDP), desde muito antes do
golpe de 1964. A Diviso assumia orgulhosamente seu papel na sociedade
brasileira e supunha realmente expressar a vontade da maioria da populao

24
ao cuidar para que os atentados moral e aos bons costumes fossem
evitados. (RIDENTI, 2004, p. 269)

So diversos os estudos sobre censura no Brasil. Em Minorias Silenciadas, por

exemplo, livro organizado por Carneiro, possvel ver a transformao das limites
imprensa ao longo da histria: do Brasil colonial ao esboo da primeira esfera pblica
brasileira, no comeo do sculo XIX, chegando mais recente experincia de censura
institucionalizada no ps-golpe de 1964. Nesse contexto, a censura j foi bastante
estudada por Ridenti e por outros autores em teses e publicaes.
Trabalhos mais especficos com autores que fazem parte da bibliografia desta
pesquisa, como Aquino em Censura, Imprensa e Estado Autoritrio (1968-1978) e Be
Kucinski, em Jornalistas e Revolucionrios: Nos Tempos da Imprensa Alternativa,
exploram a censura militar sob vises distintas, porm com uma abordagem bastante
ampla.
Diversos estudos sobre a censura contemplam e ampliam o embasamento sobre
um dos piores momentos vividos pelo Brasil, no qual o Golpe militar deu origem a
outro golpe, liberdade de expresso. Uma gerao se calou aos mandos de um
governo, cerceando suas aes, ideais e voz. Porm, um grupo que se uniu para tentar
reverter essa situao e dar ao pas um novo sentido para lutar e conquistar seus direitos.
Esse grupo foi composto por estudantes, jornalistas, intelectuais, artistas, entre outros
brasileiros sedentos por justia.
Com toda a represso instalada no pas, o Regime enxugava as matrias que
seriam publicadas nos jornais, liberando apenas as que lhe convinham. Com o tempo, a
censura aos meios de comunicao se tornou cada vez mais severa.
De acordo com Gentilli (2004, p. 94), o grupo Frias Caldeira, que produzia os
jornais como a Folha de So Paulo, Folha da Tarde, ltima hora, acatava muito bem
as ordens dos militares. Porm, no auge do governo Mdici, um grande jornal como O
Estado de So Paulo, com a intensa represso aos meios de comunicao

decide

enfrentar os militares. Em maro de 2004, no texto que fez parte do especial Maro de
64, o jornal O Estado de So Paulo, conta que a partir de 13 de dezembro houve fortes
intervenes da censura no jornal O Estado de S. Paulo sendo que entre 1972 e 1975
censores foram instalados diretamente na redao.
Com o AI-5, a censura se fez de duas formas: a censura prvia e a autocensura.
Poucos peridicos tiveram coragem de criticar as barbaridades que aconteciam no
Regime e passaram pela censura de uma maneira severa. A censura prvia segundo

25
Aquino, era aplicada com censores, bilhetes e reviso da Polcia Federal, geralmente
vivenciada distncia. J a autocensura consistia em uma linha editorial omissa aos
acontecimentos polticos, que foi um meio utilizado por muitos jornais para no sofrer a
censura prvia. (AQUINO, 1999: 122-123).
A autocensura se tornou um meio alternativo encontrado pelos jornalistas nesse
perodo. Assunto trabalhado por Kucinski, a autocensura, por exemplo, participa da tom
da produo das notcias sob censura militar. No livro Sndrome da Antena Parablica,
ele faz uma referncia ao filsofo alemo Friedrich Engels, dizendo que:
Os melhores textos jornalsticos so aqueles que possuem sinais de censura
prvia, uma vez que as informaes que sofrem tipo de represlia carregam o
fato verdico, por isso, o lugar da autocensura na histria da represso ao
pensamento e informao durante o regime militar acabou saturado pelos
episdios menos frequentes, porm mais espetaculares de censura exgena,
fechamento de jornais e prises de jornalistas. (KUCINSKI, 1998, p. 52).

O autor se refere ao poder da autocensura pelo seu carter transformador, que

atravs de um discurso inteligente, os jornalistas, por julgarem que determinado
contedo no poderia ser divulgado, j o aboliam.
Os processos alternativos de comunicao, por exemplo, englobam-se como
salienta Benevenuto Jr, num momento difcil na poltica brasileira, no qual os militares
dirigiam o programa de desenvolvimento do pas, desrespeitando as instituies
polticas e usando a fora atravs de torturas para eliminar aqueles que criticavam a
represso organizada pela Escola Superior de Guerra. Assim, nasce uma imprensa que
se constitui a partir das organizaes sociais e polticas da oposio (...) e tinha um forte
vis cultural, alm dos especialistas das reas social, econmica e poltica
(BENEVENUTO JUNIOR, 2007, p. 1).
O grande objetivo da imprensa alternativa era justamente ser de maneira
alternativa, ou seja, transformar a situao em que o pas se encontrava, denunciar os
crimes que ocorriam, assim como as mortes de presos polticos, torturas que aconteciam
no Destacamento de Operaes e Informaes e Centro de Operaes de Defesa Interna
(DOI-CODI), lutar contra a censura e o Regime autoritrio, enfim, entre outros
interesses gerais da populao.
Autores como Dionsio (2011, p. 6), discorrem sobre assunto e esclarecem que o
DOI-CODI foi um rgo subordinado do Exrcito, de inteligncia e represso do
governo brasileiro durante o Regime Militar teve sua sede em So Paulo e foi

26
implantado em outros estados do Brasil. Desse modo, cada estado tinha o seu DOI,
subordinado ao CODI, que era o rgo central. Nos pores da ditadura, como eram
chamados as salas que existiam no interior do DOI-CODI, aconteciam as detenes,
depoimentos e torturas. Nessas salas foram realizadas torturas com os mais cruis
instrumentos de represso, atravs da violncia fsica e psicolgica.
Voltando censura aos meios de comunicao, que foi uma das vtimas do
Regime, passa a sofrer os cortes mais severos. Dessa forma, restringiu-se o acesso da
populao aos acontecimentos do momento, ou seja, noticiar as torturas, por exemplo,
Alm disso, o Regime autoritrio ocasionou tambm a perseguio intensa a polticos
de esquerda, estudantes, artistas e intelectuais, cassao de mandatos, medidas
governamentais que afetavam o futuro poltico, econmico e social do Brasil. O
governo tinha plenos poderes sobre os meios de comunicao e apenas concordava em
publicar determinadas notcias quando era conveniente aos mesmos, caso contrrio, os
fatos eram omitidos, distorcidos ou recriados.
Com o acirramento da represso durante o Regime Militar, a informao tornouse cada vez mais comprometida e dependente dos rgos do governo e artifcios da
imprensa para transmitir a notcia.
Os anos em que o Brasil esteve submetido Ditadura Militar significaram um
atraso ao desenvolvimento da estrutura social brasileira e tambm dos modos de
informar no jornalismo que foi um dos setores mais afetados pelos anos de chumbo.
Durante todos esses anos, o pas viveu diversas consequncias, sofrendo com sua
vida profissional e pessoal devido censura instaurada no pas aps o AI-5, como j
vimos neste captulo, porm, no captulo que segue, vamos entender melhor quais foram
os acontecimentos que geraram a censura, e de que forma ela atingiu a vida dos
brasileiros.

27

2.2 OS FUNDAMENTOS DA CENSURA

Neste item, vamos situar e refletir os aspectos que deram origem censura e
qual era sua verdadeira funo no contexto histrico do pas, mais especificamente no
perodo da Ditadura Militar do Brasil (1964 1985). Para contextualizar a censura,
preciso lembrar o seu nascimento, papel e atuao. Para isso, nos valemos de fontes
autorais como Miliandre Garcia, Glucio Soares, Carlos Fico, Alexandre Stephanou,
Zuenir Ventura, entre outros.
Vamos analisar, de que forma a censura afetou o jornalismo, mas tambm outros
modos de fazer cultural, literatura e tambm na msica. Buscamos compreender seus
fundamentos e no que ela resultou.
A censura do perodo, basicamente, instalou-se a partir do Ato institucional n 5
em 13 de dezembro de 1968. Caracterizado por uma srie de atos e leis que
amordaavam a liberdade de expresso, a sociedade passou a sofrer as consequncias
de um Regime arbitrrio, autoritrio e repressivo. Essa liberdade de expresso passou a
ser intensamente combatida pelo governo e os direitos individuais foram abolidos sob o
respaldo da Lei de Segurana Nacional, ao passo que o cidado brasileiro ficou
vulnervel aos desmandos dos militares.
A abertura do texto do AI-5 mostra os motivos que levaram ao decreto. Diz, em
sua abertura:
O presidente da Repblica Federativa do Brasil, ouvido o Conselho de
Segurana Nacional, e:
Considerando que a Revoluo Brasileira de 31 de maro de 1964 teve,
conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e
propsitos que visavam a dar ao pas um regime que, atendendo as exigncias
de um sistema jurdico e poltico, assegurasse autntica ordem democrtica,
baseada na liberdade, no respeito dignidade da pessoa humana, no combate
subverso e s ideologias contrrias s tradies de nosso povo, na luta
contra a corrupo, buscando, deste modo, os meios indispensveis obra
de reconstruo econmica, financeira, poltica e moral do Brasil, de maneira
a poder enfrentar, de modo direto e imediato, os graves e urgentes problemas
de que depende a restaurao da ordem interna e do prestgio internacional da
nossa Ptria (Prembulo do Ato Institucional n 1 de 9 de abril de 1964);
Considerando que o governo da Repblica, responsvel pela execuo
daqueles objetivos e pela ordem e segurana internas, s no pode permitir
que pessoas ou grupos anti-revolucionrios contra ela trabalhem, tramem ou
ajam, sob pena de estar faltando a compromissos que assumiu com o povo
brasileiro, bem como porque o Poder Revolucionrio, ao editar o Ato
Institucional n 2, afirmou categoricamente, que no se disse que a
Revoluo foi, mas que e continuar e, portanto, o processo revolucionrio
em desenvolvimento no pode ser detido;

28
Considerando que esse mesmo Poder Revolucionrio, exercido pelo
presidente da Repblica, ao convocar o Congresso Nacional para discutir,
votar e promulgar a nova Constituio, estabeleceu que esta, alm de
representar a institucionalizao dos ideais e princpios da Revoluo,
deveria assegurar a continuidade da obra revolucionria (Ato Institucional
n 4, de 7 de dezembro de 1966);
Considerando que, assim, se torna imperiosa a adoo de medidas que
impeam sejam frustrados os ideais superiores da Revoluo, preservando a
ordem, a segurana, a tranquilidade, o desenvolvimento econmico e cultural
e a harmonia poltica e social do Pas comprometidos por processos
subversivos e de guerra revolucionria;
Considerando que todos esses fatos perturbadores da ordem so contrrios
aos ideais e consolidao do Movimento de maro de 1964, obrigando os
que por ele se responsabilizaram e juraram defend-lo a adotarem as
providncias necessrias, que evitem sua destruio. (...) (Trecho do AI-5.
Publicado em Braslia, no dia 13 de dezembro de 1968).

Percebemos que a preocupao era, novamente, em relao aos chamados

subversivos. Desse modo, o AI-5 viria para fazer, segundo o Regime, a manuteno da
ordem, da segurana, da tranquilidade, do desenvolvimento e da harmonia da nao.
Porm, parte desse pblico de subversivos, estava preocupado em ocupar uma lacuna
deixada pela imprensa dominante, acrescentando aos jornais considerados pequenos,
nomes importantes ligados ao campo de produo cultural do pas no momento, como
jornalistas e artistas.
Nesse contexto, notamos que os anos em que o Brasil sofreu com a Ditadura
Militar representou um atraso em diversos segmentos, algo que contribui para retardar o
crescimento e desenvolvimento do pas, ao contrrio do que os militares alegavam
almejar, o desenvolvimento e a to sonhada ordem, no vingaram.
Com as ameaas e intervenes sobre as liberdades de expresso, a informao
tornou-se cada vez mais comprometida e os meios de comunicao afetados. O modo de
informar foi duramente afetado por causa do AI-5 deixando muitos reflexos para fases
posteriores sobre as praticas jornalsticas.
Aquino (1999) em seu livro Censura, Imprensa, Estado autoritrio (1968
1978), aborda o AI-5 e suas origens, considera o episdio envolvendo o Deputado
Mrcio Moreira Alves.
O AI-5 foi editado pelo presidente Costa e Silva, em meio ao rumoroso caso
do deputado Mrcio Moreira Alves. O deputado, por poca do 7 de setembro
de 1968, fez um discurso, na Cmara, em que instava a populao a boicotar
a parada militar comemorativa da Independncia e sugeria s mulheres
brasileiras que no namorassem militares envolvidos na represso. O discurso

29
no teve grande repercusso na imprensa. Entretanto, serviu aos setores
interessados no recrudescimento da represso para exercer presses sobre o
presidente, no sentido de que tom asse medidas mais drsticas, pois
consideraram o discurso um grave ultraje s Foras Armadas. Foi requerido
por ministros militares, junto ao Supremo Tribunal Federal, o julgam en to do
deputado por ofensa s Foras Armadas brasileiras. O requerimento, com o
rezava a legislao, foi en caminhado ao Congresso Nacional, que poderia
aceitar a sugesto e levantar a imunidade parlamentar de Mrcio Moreira
Alves, para qu e este pu desse ser processado. Ou ento, o Congresso, por
votao, rejeitaria o pedido, impossibilitando qualquer forma de punio ao
parlamentar. Em uma sesso conturbada e, por maioria esmagadora, o
Congresso optou pela negao da solicitao de punio. A vitria e a
recuperao da dignidade do Poder Legislativo, rapidamente transformaramse em derrota quando, menos de 24 horas aps a votao, o Executivo
publicou o AI-5, concentrando e conferindo excepcionalidade maior ao
presidente; limitando ou extinguindo liberdades democrticas e suspendendo
garantias constitucionais. (AQUINO, 1999, p. 206).

A partir de Aquino (1999) e de tantos outros autores que estudaram esse perodo,
o AI-5 se tornou visvel por todos os brasileiros, que passaram a ficar nas rdeas duras e
repressivas de um Regime Ditatorial.
Com a intensa represso, a censura tomou conta do pas, assolando uma gerao
que se calou aos militares. Hollanda e Gonalves (1991, p. 20) defendem que o Golpe
de 64 trouxe consigo a reordenao dos laos de dependncia, e a regulao
autoritria entre classes e grupos, colocando em vantagem os setores associados ao
capital monopolista ou a eles vinculados. Aps o AI-5, o governo se apoiou nas
doutrinas da segurana nacional, no qual os militares deveriam defender o pas da
baguna dos subversivos.
Para entendermos melhor os fundamentos da censura, precisamos fazer uma
breve explicao de seu histrico no Brasil. Ainda no governo de Getlio Vargas, em
1944, foi criado um departamento para alterar a denominao da Polcia Civil do
Distrito Federal (atual Polcia Civil do Estado do Rio de Janeiro) para Departamento
Federal de Segurana Pblica (DFSP), por meio de um decreto-lei. No governo do
presidente Castelo Branco, foi aprovado o regulamento do DFSP que definia o
organograma da censura. De acordo com Garcia:
na estrutura do Departamento Federal de Segurana Pblica (DFSP) cabia ao
setor da Polcia Federal de Segurana acompanhar o trabalho do Servio de
Censura de Diverses Pblicas (SCDP), principal rgo da censura federal, e
s delegacias regionais as Turmas de Censura de Diverses Pblicas
(TCDPs), braos auxiliares do rgo central. O SCDP era constitudo por
quatro setores (secretaria, sees de censura, seo de fiscalizao e arquivo)
e respondia pela coordenao das atividades da censura, pela unificao dos
trmites burocrticos, pelo cumprimento de determinaes superiores, pela
orientao dos setores regionais e pela sistematizao das normas da censura.

30
As TCDPs, por sua vez, eram compostas por duas sees (secretaria e
arquivo), restringiam-se a cumprir instrues superiores, fiscalizar casas de
espetculos, estabelecimentos pblicos, estaes de rdio e emissoras de
televiso, aplicar penas pecunirias, alm de elaborar relatrios de atividades.
(GARCIA, 2009, p. 23).

Durante o governo do presidente Jnio Quadros, em maio de 1961, foi

concedido aos Estados o direito de exercer a censura. Isso ao mesmo tempo em que a
legislao que, desde 1946, dava Polcia Federal a responsabilidade de realizar a
censura prvia a, peas teatrais, discos, filmes, apresentaes de grupo s musicais,
cartazes e espetculos pblicos em geral. J em abril de 1965 foi inaugurado um prdio
para ser sede do Departamento Federal de Segurana Pblica, onde atuaria o Servio de
Censura e Diverses Pblicas - SCDP, em Braslia. Essa concretizao indica o anseio
do governo federal de centralizar as atividades censrias, como explica Stephanou
Legalmente, a censura era jurisdio do Departamento de Polcia Federal; na prtica,
todos os rgos militares de segurana se achavam no direito de proibir. O autor
salienta que a hierarquia de poderes no era bem organizada nesse departamento, pois
diferentes autoridades, dos mais altos postos ao simples funcionrio pblico, buscavam
vetar produes culturais ou artsticas (STEPHANOU, 2001, p. 293).
Em 1967, ano que antecedia o AI-5, a Constituio oficializou a centralizao da
censura como atividade do Governo Federal, em Braslia. Quando o AI-5 foi decretado,
as aes de censura j se encontravam centralizadas no Governo Federal.
De acordo com Ventura (1988, p. 155), antes do AI-5, duas grandes
manifestaes pblicas contra as arbitrariedades do Regime Militar ocorreram no Rio de
Janeiro: a manifestao Cultura contra Censura, em fevereiro de 1968 que reuniu
membros da classe teatral para manifestarem sua repulsa contra a interdio de oito
peas teatrais e, alguns meses mais tarde, aquela que ficou conhecida como A Passeata
dos Cem Mil, que ocorreu em 26 de junho de 1968.
Dia 13 de dezembro de 1968, o presidente Costa e Silva, alegando que em nome
da autntica ordem democrtica, baseada na liberdade, no respeito dignidade da
pessoa humana, no combate subverso e s ideologias contrrias s tradies de nosso
povo, concretiza o AI-5. Tal ato d plenos poderes aos militares, que a partir desse
momento podem cassar mandatos, suspender direitos polticos e garantias individuais,
alm de criar condies para a censura divulgao da informao, manifestao de
opinies e produes culturais e artsticas. A partir desse momento, se d incio aos

31
chamados anos de chumbo ou, para usar a nomenclatura utilizada por Gaspari (2003, p.
301): a ditadura escancarada.
O Marechal Costa e Silva explicou atravs de diversas transmisses radiofnicas
e televisivas, o quanto o AI-5 era necessrio para a ordem e a segurana do pas. Porm,
os seus depoimentos para a mdia no esclarecem suas aes de quinze dias depois, no
qual o governo cassou 38 mandatos legislativos e interrompeu por dez anos os direitos
polticos de 28 deputados federais, dois senadores e um vereador. Alm disso,
determinou a aposentadoria de trs ministros do Supremo Tribunal Federal e de um do
Supremo Tribunal Militar e suspendeu os direitos polticos da diretora do matutino
Correio da Manh, do Rio de Janeiro. Dois meses se passaram e Costa e Silva assinava
a cassao de mais 95 parlamentares.
De acordo com o texto Assim se passaram dez anos, publicado na Revista Viso
em 11 de maro de 1974, pgina 46: O ano de 1969 foi um ano de cassaes em
massa, rgido controle dos movimentos operrios e estudantis, recrudescimento da
censura, instituio da pena de morte e priso perptua para crimes polticos e
inaugurao, no pas, da prtica de sequestros por parte de guerrilheiros urbanos. (...) As
atividades culturais passaram a ser rigorosamente vigiadas e artistas de projeo
nacional (...) tiveram de deixar o pas. Tudo que tivesse a inteno de ser publicado,
cantado, divulgado, enfim, deveria passar pelas mos de censores e assim, sujeitado
veto.
Estima-se que centenas de pessoas foram efetivamente presas aps o AI-5:
algumas centenas de intelectuais, estudantes, artistas, jornalistas (...) recolhidos s
celas do DOPS, da PM e aos vrios quartis do Exrcito, da Marinha e da Aeronutica
em todo o pas (VENTURA, 1988, p. 46).
Soares (1989) explica que com o passar do tempo, a censura teve seus altos e
baixos. Em alguns momentos, foi de intensa severidade, outros nem tanto. Essa
inconstncia se deu de acordo com o governo vigente do pas e a maneira de governar
de cada presidente, seguindo ou no a linha dura.
A expanso mais acelerada da ao da censura teve lugar durante o perodo
mais negro por que o Pas passou: desde o AI-5, em dezembro de 1968, no
governo Costa e Silva, at o fim do governo Garrastazu Mdici. (...) A partir
de 1976, data em que se afirma, o governo Geisel controlou a linha dura,
houve uma clara diminuio de suas atividades. (...) Foi somente no final do
governo Geisel e incio do governo Figueiredo que a liberdade de imprensa
foi restaurada no Brasil. (SOARES, 1989, p. 22).

32
Segundo Garcia entre os anos de 1964 e 1965, vrias medidas foram tomadas
para sistematizar o trabalho da mesma, entre as quais ele cita:
1) a convocao de servidores para avaliar as normas da censura; 2) a
adequao da estrutura ao regulamento policial; 3) a constituio de
grupos para analisar roteiros de filmes, programas de televiso e scripts
de peas; 4) a criao de uma comisso que visava discutir questes
polmicas e examinar a legislao; e 5) a instituio de um grupo de
trabalho responsvel por uniformizar os critrios da censura e assessorar
as delegacias regionais no exerccio da censura dos filmes que no
ultrapassassem os limites dos estados (GARCIA, 2009, p. 23).

possvel perceber que a censura no afetou apenas o jornalismo, mas todo

sistema informativo, sendo severa e no se importando com as consequncias, ela cala a
voz de um pas, causando medo, mas tambm revolta.
Na opinio de Fico (2002), a censura no se remete apenas ao perodo ditatorial,
e sim, percorre por diversos perodos da histria do Brasil.

A lembrana da censura sempre permanece associada ao ltimo perodo no

qual ela existiu, sendo compreensvel, portanto, que, na imprensa e entre os
mais jovens, a meno ao assunto remeta imediatamente ao regime militar.
Porm, como sabido, a censura sempre esteve ativa no Brasil, e formas
diferenciadas dela persistem mesmo hoje, quando est formalmente abolida.
(FICO, 2002, p. 253).

A censura na imprensa foi o principal alvo aps o AI-5. Fico ainda comenta que
a censura da imprensa sistematizou-se, tornou-se rotineira e passou a obedecer a
instrues especificamente emanadas dos altos escales do poder (2002, p. 253). O
autor explica a chamada Operao Limpeza, que tinha por funo, censurar tudo aquilo
que atrapalhava a ordem do pas.
A histria do perodo tambm pode ser lida como a da trajetria do grupo
mais radical entre os militares que tomaram o poder, conhecido como linha
dura. De fato, ainda em 1964, com a implantao da Operao Limpeza
(prises, cassaes de mandatos e suspenses de direitos polticos dos
inimigos), um grupo de oficiais-superiores foi designado para presidir os
inquritos policiais militares (IPM) que conduziam s punies mencionadas.
A idia (que talvez possa ser chamada de utopia autoritria) era eliminar
todo aquele que dissentisse das bandeiras da Revoluo: combate ao
comunismo, corrupo e outras diretrizes da retrica poltica radical de
direita que, naquele momento, tinha a inspir-la polticos como Carlos
Lacerda. (FICO, 2002, p. 254).

Carlos Lacerda foi poltico e jornalista, membro da Unio Democrtica Nacional

(UDN), vereador, deputado estadual e governador do estado da Guanabara. Como

33
jornalista, Lacerda foi proprietrio do jornal Tribuna da Imprensa e em 1965, criador da
editora Nova Fronteira.
Em seu artigo, Fico (2002) enfatiza que a censura da imprensa engloba tambm
outras controvrsias, sendo uma delas o carter poltico ou moral destas censuras.
Para Soares (1989, p. 34), a DCDP, departamento j citado anteriormente, no exercia
atividades de censura poltica diretamente, e sim, restringia-se a restringir o que
considerava imprprio, do ponto de vista moral, no teatro, no cinema, na TV, etc. Ainda
sobre os fundamentos da censura, segundo Kushnir (2001, p. 127), toda a censura um
ato poltico, independentemente de visar a questes morais ou a temas explicitamente
polticos. Desse modo, interessante analisar, ainda em Soares (1989, p. 23), a
cronologia da censura no Brasil, partindo de 1967, um ano antes do decreto do AI-5, at
1978, fim da censura prvia em diversos jornais do pas, incluindo O Pasquim,
Movimento, Tribuna da Imprensa, entre outros. Confira abaixo:
Figura 1

Analisando o texto acima, possvel perceber que a censura se instaurou no pas

durante muitos anos e privou diversos jornais a cumprirem seu verdadeiro papel. Soares
(1989) examina a durao das proibies e restries aos meios de comunicao, alm
dos governos que a censura percorreu.

34
Estas proibies foram muito numerosas durante a ditadura de Garrastazu
Mdici, mantiveram-se altas durante o primeiro ano de Geisel, declinando
rapidamente a partir de 1975. Se, por um lado, no h dvida de que a
censura durante a ditadura de Geisel foi amena, se comparada com a
existente durante a ditadura de Garrastazu Mdici, evidente que ela
continuou existindo durante todo o seu governo. A censura sobre os meios
eletrnicos continuou, inclusive, durante o governo Figueiredo. (SOARES,
(1989, p. 26).

Soares (1989, p. 30) analisa a censura e os diversos modos de sua atuao. O

autor mostra em um quadro, que a censura afetou o cenrio jornalstico, assim como
afetou o cenrio cultural e literrio. Ele conta que no rdio e na televiso, a censura
atingiu sistematicamente vrios artistas cuja oposio ditadura era conhecida, entre
eles Chico Buarque e Geraldo Vandr. Veja a figura 2 e analise os segmentos que
foram alvo da censura.
Figura 2

possvel perceber que a censura atacou a cultura do pas por diversos lados, e
os livros, campees de vetos, ganham 74 nos dos censores. Segundo Soares (1989, p.
32), Este total refere-se aos livros levados ateno da Diviso de Censura como
"suspeitos" e, consequentemente, com maior probabilidade de serem censurados do que
uma amostra aleatria dos livros publicados.
Quanto s matrias jornalsticas, foram vetadas mais de 1.136, no perodo de 29
de maro a 3 de janeiro de 1975, de acordo com Aquino (1999, p. 59). Segundo a
autora, os temas mais vetados pelos militares eram: questes polticas, questes
econmicas, crticas de oposio, relao Igreja Estado, movimento estudantil, entre
outros.
Em 1988, atravs de Constituio votada pela Assembleia Constituinte, no dia
03 de agosto, a censura se extinguiu no pas, aps os longos anos de vigncia,

35
representando o fim da tortura e aprovao da liberdade intelectual, de expresso e de
imprensa no pas. Kushnir aponta trecho da Carta que revelava que:
Art. 220: A manifestao do pensamento, a criao, a expresso e a
informao, sob qualquer forma, processo ou veculo, no sofrero qualquer
restrio, observado o disposto nesta Constituio.
1 Nenhuma lei conter dispositivo que possa constituir embarao plena
liberdade de informao jornalstica em qualquer veculo de comunicao
social (...).
2 vedada toda e qualquer censura de natureza poltica, ideolgica e
artstica.
3 Compete lei federal: I - regular as diverses e espetculos pblicos,
cabendo ao poder pblico informar sobre a natureza deles, as faixas etrias a
que no se recomendem, locais e horrios em que sua apresentao se mostre
inadequada;
II - estabelecer os meios legais que garantam pessoa e famlia a
possibilidade de se defenderem de programas ou programaes de rdio e
televiso que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de
produtos, prticas e servios que possam ser nocivos
sade e ao meio ambiente. (...)
6 A publicao de veculo impresso de comunicao independe de licena
de autoridade. (KUSHNIR, 2004, p. 121).

Os decretos da censura foram muito mais alm, porm acima podemos perceber
a quantidade de proibies feitas pelo Regime Militar que afetaram a cultura e a
liberdade de expresso do pas.
Para Soares (1989, p. 39), a censura deixou muitos rastros, tanto no jornalismo
quanto em outros meios de informar, como citamos anteriormente. Porm, o autor
sublinha que ela (ao contrrio do que os militares pensavam), prejudicou mais o Regime
do que beneficiou. O autor destaca que os objetivos centrais da censura era reduzir a
oposio ao Regime militar. O alvo era a populao letrada, no caso da imprensa
escrita, e a populao total, no caso do rdio e da televiso. Para ele, o fato de cumprir
ou no este objetivo passava pelos meios de comunicao de massa. A interferncia
com estes meios levou a reaes negativas e, neste sentido, pode ter trazido mais
malefcios do que benefcios para o Regime Militar. Ou seja, a censura contribuiu
consideravelmente os opositores ao Regime e no conseguiu atrair aliados, como era o
verdadeiro intuito dos militares.
Nesse contexto de liberdade de expresso cerceada, entra em cena um novo
modo de informar, com razes e motivos fortes para trazer a mudana para o jornalismo
e para os modos de dizer e informar, o jornalismo alternativo, que vamos contextualizar
no prximo captulo.

36

3. A EMERGNCIA DA IMPRENSA ALTERNATIVA

Neste terceiro captulo, vamos identificar os principais motivos que levaram a
imprensa a inovar a fim de transformar o momento em que o pas vivia, a Ditadura
Militar. Com o AI-5 e a censura, os modos de informar ficaram comprometidos,
trazendo a necessidade de uma mudana, de um modo de informar que atinja o pblico
alvo, os chamados de esquerda. Neste grupo, se encaixam todos aqueles que eram
contra o Regime, contra os mandos dos militares e a favor da liberdade de expresso.
Durante esse perodo, as formas de resistncia encontradas foram inmeras.
Aparece um novo grupo de movimentos sociais, forjados, especialmente a partir de uma
esquerda crist. Quanto aos sindicatos, que criam suas centrais nacionais e grupos de
intelectuais, militantes polticos e jornalistas, do vida e cor a essa imprensa alternativa,
tambm chamada independente e tambm nanica, que at ento, d seus primeiros
passos rumo ao estrelato.
Em um perodo de represso, os jornais alternativos visavam justamente achar
brechas neste modo de controle (que envolvia censura e direitos abolidos). Esses meios
de comunicao transformam a lgica de controle pelo poder cultural: se o Regime
Militar queria esconder certas informaes, os jornais alternativos tinham como papel,
contar, informar a populao. Se o Regime buscava amordaar o jornalismo, os meios
alternativos buscavam meios para fazer um exerccio profissional de jornalismo cada
vez mais livre.
O surgimento dessa imprensa alternativa ocorreu justamente como resultado de
uma comunicao de resistncia, que existiu mesmo nos momentos mais severos da
Ditadura Militar, baseada na msica, filmes, leituras e reflexes acadmicas. A
comunicao de resistncia, conforme Berger o indcio da acumulao de foras pelos
grupos de oposio.
Braga (1991) observa o papel desse tipo de imprensa e o momento em que a
mesma se inseriu no pas. Ele enfatiza que um dos objetivos principais da imprensa
alternativa preenche um espao deixado vago pelas grandes empresas nas condies
polticas dos anos 70, onde as maneiras de ocupar esse espao vo caracteriz-la, e
sorna, por sua prtica, uma crtica imprensa indstria. Desse modo, o autor explica
que:

37
os jornais alternativos feitos em pequenas empresas, onde no h a um
enfrentamento entre patro e empregado, se estabelece uma relao pluralista
de troca de ideias entre jornalistas que buscavam procurar as perspectivas
mais globais sobre o social e o poltico que faz com que se produza uma
viso mais terica das coisas. Essa viso vai direcionar a construo do
pblico alvo, geralmente estudantes, jornalistas, professores e profissionais
liberais. (BRAGA, 1991, p. 293).

Berger (1998) analisa a ideia de lanar uma imprensa alternativa e quais foram
as suas verdadeiras intenes assim como os seus resultados. Contribuiu para que
alguns assimilassem as novas possibilidades tecnolgicas tambm (...) para que os
intelectuais olhassem a imprensa como lugar de exposio de suas ideias. Mas,
principalmente, serviu como estmulo para o investimento poltico e cultural em
peridicos (1998, p. 96).
Na viso de Caparelli (1989, p. 96), esses jornais alternativos so como
micromeios de oposio: so jornais de pequena tiragem, produzidos por profissionais
que utilizam suas horas de lazer na luta por uma ideologia e por isso, sem objetivos de
lucros pessoais.
J Kucinski (2007), discorre sobre a funo econmica desse tipo de jornalismo
e de que forma ele consegue exercer seu papel de forma independente. No alternativo,
jornalistas e intelectuais no so pagos para defender ideias dos outros, so mal pagos
para dizer exatamente o que pensam. Ele enfatiza que no alternativo, a notcia no
merecedora: valor de uso e no de troca. No h nada mais anticapitalista do que isso,
ainda que o alternativo tenha que pagar alguns salrios e aluguis, usar alguma
publicidade (2007, p. 1). Desse modo, possvel compreender que esse tipo de
jornalismo se arriscou em prol de sua nao, a fim de promover transformaes
baseados no talento, inteligncia e fora de vontade, sem depender de terceiros, ou seja,
empresas e principalmente dos governantes.
A imprensa alternativa conquistou um importante papel no perodo do Regime.
Com suas caractersticas marcantes e com um forte grupo seu favor, foi uma grande
aliada dos movimentos sociais, principalmente porque nasceu das ideias de lideranas
populares, estudantis, sindicais, jornalistas, intelectuais e ativistas polticos que agiam
pela necessidade de se engajar em uma causa importante para o pas no momento, a
favor de uma populao que clamava por algum tipo de justia, que tivesse efeito e
conseguisse transformar e dar voz aos que tiveram que se calar.

38
Kucinski (1991) refere-se a esse jornalismo de oposio como aquele feito no
perodo de 1970 a 1975, quando os jornais alternativos no eram smbolo, mas a prpria
resistncia tomada face censura (1991, p. 15).
Klein (2006, apud Kucinski, 1991), aponta que este fazer jornalstico
empreendido pelos jornais alternativos que alcanaram grande repercusso (e tiragem)
influenciou no surgimento de prticas diferenciadas, que se expandiram para inmeros
jornais. Esse jornalismo est inserido em um panorama mais amplo de resistncia
cultural: os alternativos tentavam driblar a censura, fugindo das mais variadas formas de
domnio e contando as histrias sob as formas mais variadas.
Na viso de Caparelli, os alternativos geralmente refletem as ideologias dos
grupos que esto por trs desses projetos (1989, p. 96). Nesse grupo de oposio ao
Regime, faziam parte os chamados subversivos, que faziam parte da imprensa em geral
e eram mais dispersos, logo, mais difceis de serem identificados e recriminados. Notase que a censura sobre os jornais e jornalistas dessa imprensa tenha sido mais rgida.
Com isso, a imprensa alternativa no nasce apenas como resultado da represso poltica.
A direta presso econmica dos empresrios de comunicao tambm contribuiu na
formao de um grupo de jornalistas (entre redatores, ilustradores, escritores e
fotgrafos) com grande capacidade de produo que, aos poucos foi sendo afastado da
grande imprensa criando outra forma de trabalho jornalstico no campo alternativo.
A grande sacada desse novo jornalismo, segundo Klein (2006), se deve as
propostas jornalsticas diferenciadas que ele buscava realizar, as quais devem aludir
novas angulaes para a abordagem do cotidiano (portanto, constituindo uma alternativa
frente ao discurso dominante). Assim, a autora enfatiza que ao mesmo tempo em que,
por traduzir um sentimento de mudana e de tentativa de engajamento, estas mesmas
propostas consistem, em si, numa ao especfica para chegar mudana pretendida.
(2006, p. 69). A autora enfatiza que os jornais alternativos se arriscaram a encontrar
formas novas de produo de materiais. Alguns se dedicaram a trabalhar com a charge,
desenhos, contos, crnicas, histrias de vida de pessoas variadas. Desafiaram-se a
buscar um espao que estava fechado e, em boa medida, impulsionaram grandes
aberturas. (2006, p. 76).
A emergncia desse tipo de imprensa foi fundamental para uma grande
transformao no pas. Com essa imprensa, nasceram inmeros jornais que
revolucionaram os modos de dizer no jornalismo e alcanaram seus objetivos para com
a sociedade e a prpria profisso.

39
No item seguinte, iremos contextualizar com nfase, quais foram as causas do
surgimento desse tipo de jornalismo, que foi to peculiar e interessante, visto que
nasceu por uma necessidade de mudana e conseguiu, atravs de seu engajamento,
transformar o modo de informar.

40

3.1 AS

CAUSAS

DO

SURGIMENTO

DOS

JORNAIS

ALTERNATIVOS
No captulo anterior, percebemos que o jornalismo alternativo foi criado como
forma de resistncia, que se encaixa em uma forma de controlar informaes que
afetavam a construo da realidade que est sendo vivida.
Desse modo, pudemos compreender que a Ditadura Militar no representou,
apenas, um perodo de intenso conservadorismo poltico, mas, um momento de moral e
costumes conservadores. Com ela, o silncio foi imposto aos opositores do Regime
poltico e comportamental, e tambm queles que buscavam novos modos de expresso
cultural, artstica e de vida. Para Berger (1991) na imprensa alternativa que os
intelectuais e os militares polticos dos partidos vo buscar material para suas anlises
de conjuntura. Desse modo, o autor ressalta imprensa se torna a leitura predileta dos
estudantes de cincias sociais e o nico espao de trabalho para muitos opositores ao
Regime. (1991, p. 15).
Nessas vertentes, iremos contextualizar o captulo atual nos baseando em
especialistas no assunto, ou seja, que estudam a imprensa alternativa e suas razes e
vertentes.
Benvenuto Junior (2007) trata desse assunto em sua pesquisa, e sobre essas
fortes caractersticas, traou o termo como uma imprensa que se constituiu a partir das
organizaes sociais e polticas da oposio, o autor enfatiza que nesse perodo se tinha
um forte vis cultural, ao contar com a colaborao dos intelectuais do teatro, cinema e
da prpria televiso, alm de especialistas da rea social, econmica e poltica (2007,
p. 1).
De acordo com Festa (1986), a causa dessa imprensa se deu sob o impulso da
promessa da abertura poltica, rearticulao dos movimentos sociais e sindicais, assim
como na tentativa de revelar os pensamentos das diferentes correntes de esquerda,
surgiram muitos jornais alternativos no perodo da Ditadura Militar. A autora analisa
as origens dessa imprensa, assim como seus verdadeiros fundamentos:
A grande proposta dessa imprensa construir um modo prprio de interpretar
a realidade, originrio do campo de contestao Ditadura, lanando ideias
para debater, seja atravs do humor, como o caso do Pasquim ou atravs de
outras vertentes. A verdadeira tarefa de comunicar e relacionar os

41
acontecimentos ocorridos nos crculos do podre, no interior da sociedade
civil e entre os movimentos populares coube, efetivamente, imprensa
alternativa e popular (FESTA, 1986, p. 16).

J, Pereira (1986) associa a imprensa alternativa popular e dos partidos

populares afirmando que elas tm de assumir um compromisso bsico essencial com
seus leitores, de apoiar-se na realidade objetiva, na vida concreta que os leitores tm
diante de si. Quanto aos intuitos dessa imprensa, o autor aborda que elas pretendiam
compreender para libertar-se, ou seja, a realidade objetiva , e no pode deixar de ser, o
ponto de partida (PEREIRA, 1986, p. 75).
Deste modo, os chamados jornalistas-militantes, ou crticos ao Regime, em
parceria com os intelectuais e ativistas polticos, encontraram brechas para agir
politicamente e oferecer novas propostas de informao e cultura atravs dessa
imprensa independente.
Braga (1991, p. 231), ao escrever sua tese de doutoramento sobre o jornal O
Pasquim, traou algumas caracterizaes sobre os jornais alternativos, destacando que
a maior parte deles centrada diretamente na poltica, na anlise dos acontecimentos,
tendendo a privilegiar o ngulo propriamente poltico.
Ento, possvel perceber que a imprensa nanica que brota neste cenrio, tenta,
dentre outras coisas, quebrar justamente com a relao de poder estabelecido entre
empregados e empregadores em uma redao. Os jornais alternativos permitiam uma
estrutura diferente na rotina de produo, ou seja, os prprios jornalistas sendo
proprietrios ou scios da empresa, alguns, em decorrncia da prpria excluso que
sofreram na grande imprensa dominante.
Aps decretada a Lei da Imprensa em 1967, a viso dos jornais alternativos
comeou a se transformar, com a finalidade de cutucar o governo e deixar claro que o
jornalismo no estava de olhos e ouvidos fechados. Desse modo, os jornalistas de
esquerda entram em ao. Cansados do autoritarismo, desejavam um novo sistema
social e procuravam informar a populao dos temas de interesse nacional com um
enfoque crtico e inteligente. Esses jornais alternativos eram vendidos como os outros,
em bancas, por assinatura, nas universidades, centro de convenes, entre outros locais.
Independentemente do estilo seguido, os jornais da imprensa alternativa eram
dirigidos a certos grupos de leitores, especialmente aqueles que se identificavam com as
vertentes e ideias do jornal.

42
Os mandos e desmandos da censura so vistos como relaes de poder na
tentativa de controle das mensagens em relao ao Regime, buscando diminuir a fora
dos opositores. Kucinski explica:
Enquanto a censura exgena do Estado impede o exerccio da liberdade, sem
necessariamente afetar a dignidade do jornalista sua persona de homem
livre, - autocensura vai minando a integridade do ser, porque ele aceita a
restrio a sua liberdade e se torna ao mesmo tempo agente e objeto da
represso. (KUCINSKI, 2003, p. 238).

A importncia histrica da imprensa vinculada gerao de 60 vai alm de seus

elementos de cunho revolucionrio. Os jornais independentes experimentaram diversas
formas de fazer gesto empresarial e de conformao e adaptao aos movimentos
restritos e combativos da censura militar. Os mesmos, precisaram se moldar a uma nova
maneira de fazer jornalismo, sem perder suas origens e anseios, mesmo com a imensa
represso que o perodo ditava.
Trabalhos mais especficos, como de Aquino, em Censura, Imprensa e Estado
Autoritrio (1968-1978), e Kucinski (1991), em Jornalistas e Revolucionrios: Nos
Tempos da Imprensa Alternativa, exploram a censura militar sob vises diferentes,
porm igualmente abertas. A primeira aborda um jornal da chamada grande imprensa e
um da imprensa alternativa. J Kucinski apresenta um olhar para a histria dos jornais
alternativos em uma tentativa de guardar a existncia das mais passageiras publicaes
impressas nos anos de chumbo.
Para os jovens e sonhadores jornalistas, acadmicos, estudantes e profissionais
liberais, este carter de libertao, caracterstica do jornalismo independente, gera
prazer e aproximao da realidade, tornando esse tipo de jornalismo inovador e
transformador por si s.

43

3.2 PERFIL DOS JORNAIS ALTERNATIVOS NOS ANOS DE

CHUMBO

Neste captulo, vamos destacar as principais caractersticas dos jornais que

surgiram durante os anos 60 e 70 no Brasil. O perodo, que se refere ao mais intenso da
Ditadura Militar, fez com que os meios de comunicao procurassem uma sada para
buscar a democracia de volta, ou pelo menos, o direito de informar. Desse modo, os
jornais alternativos entram nesse cenrio para transformar essa situao.
Para entendermos esse contexto preciso conceituar a imprensa alternativa e as
funes que esse tipo de comunicao tinha nesse perodo conturbado do Brasil.
Iniciamos a contextualizao desses jornais, contemplando a comunicao
popular ou alternativa. A mesma se caracteriza por uma forma de expresso de lutas
populares por melhores condies de vida que se iniciam a partir de movimentos sociais
e representam um lugar de participao democrtica de um povo. Peruzzo (2006, p. 9),
conceitua o termo povo como um conceito dinmico, que se origina da ideia do
popular-alternativo e se localiza no universo dos movimentos sociais populares e lutas
por direitos de cidadania.
Para Vieira (2005, p. 8), o termo comunicao alternativa, popular ou
comunitria, na forma como vem se desenvolvendo nos ltimos tempos, constitui-se
por ser o canal de expresso de uma comunidade (independente do seu nvel
socioeconmico e territrio), por meio do qual os prprios indivduos possam
manifestar seus interesses comuns e suas necessidades mais urgentes.
De acordo com Gonalves (2007, p. 11), os 21 anos da Ditadura Militar foram
marcados pela proliferao e auge da imprensa alternativa. A autora enfatiza que nessa
luta contra o poder, Raimundo Rodrigues Pereira foi um dos jornalistas mais
importantes e ativos desta fase. Pereira em Vive a imprensa alternativa. Viva a
imprensa alternativa, publicado no livro Comunicao popular e alternativa no
Brasil, o surgimento dessa imprensa se encaixa no contexto do Regime Militar devido
os seus fundamentos. Essa imprensa, v na censura aos meios de comunicao, na
represso s atividades culturais e intelectuais, o motor para continuar caminhando, ou
seja, a principal razo para jornalistas, intelectuais e setores da esquerda investir nessa
luta.

44
Abaixo, Peruzzo analisa a origem e a funo da comunicao popular ou
alternativa face ao seu pblico alvo e ao momento em que a mesma se insere na
sociedade brasileira:
Sua origem se deu entre 1970 e 1980, no Brasil e na Amrica Latina. Possui
carter mobilizador, com sede de mudana, que visa suprir as necessidades
populares buscando uma insero maior desse povo na sociedade. Esse tipo
de comunicao possui contedo crtico e reivindicativo e tem o povo como
principal agente, o que a torna um processo justo e educativo. Ela no se
caracteriza como um tipo qualquer de mdia, mas como um processo de
comunicao que emerge da ao dos grupos populares (PERUZZO, 2006, p.
2).

A autora analisou o conceito baseado em seu papel face o contexto. A

comunicao

popular

ou

alternativa

possui

contedo

crtico-emancipador

reivindicativo, constituindo o povo como protagonista principal, o que a torna um

processo democrtico e educativo (PERUZZO, 2006, p. 4).
Pereira (1986 : 55-56) analisa esse tipo de imprensa partindo de sua origem,
assim, chegando aos pressupostos de seu papel. Diz que a imprensa alternativa foi
expresso da mdia burguesia, dos trabalhadores e da pequena burguesia Esse tipo de
imprensa, defendeu os interesses nacionais e populares, portanto, condenava o Regime
Militar. Desse modo, o que caracteriza o jornal como alternativo o fato de representar
uma opo enquanto fonte de informao, pelo contedo que oferece e pelo tipo de
enfoque.
Kucinski (1991, p. 15) afirma que parte dos veculos de comunicao alternativa
desse perodo possua jornalistas motivados por ideais polticos de esquerda. No livro
Jornalistas e Revolucionrios nos tempos da imprensa alternativa, ele aponta que
brotaram durante a ditadura, 131 jornais alternativos, sendo que 94 deles sobreviveram
menos de um ano. O autor ressalta que apesar de ter carter militante, como lembra
Braga (1991), os alternativos so tambm informativos e necessitam se manter como
empresa para sobreviver, j que no so sustentados por um partido.
Nos anos 60, em uma poca em que a maioria dos grandes jornais se alinhava viso
oficial do governo, por opo poltico-ideolgico ou devido censura, a imprensa
alternativa representada pelos pequenos jornais, em geral com formato tabloide, ousava
avaliar com crticas os acontecimentos da ditadura. So exemplos, o Pif-Paf, lanado
em 1964; o carioca Pasquim, que nasceu em 1969, Pato Macho (1971), de Porto Alegre
RS ,Opinio (1972), de So Paulo. No ano de 1975, podemos citar o jornal De fato, de
Belo Horizonte, Versus e Movimento, de So Paulo, alm de Coojornal de Porto Alegre.

45
J em 1976, nasceu o tambm porto-alegrense Informao. Em 1977, foi a vez de
Reprter e Em Tempo, ambos de So Paulo. Kucinski analisa, que esses jornais, que se
lanaram na Ditadura Militar, foram quase todos os embries de futuras equipes que
tiveram grande importncia no jornalismo". (KUCINSKI, 1998, p. 192). O autor
distingue os grupos de jornais alternativos do perodo de 1964 e 1980 em relao linha
editorial que seguiram. Alguns eram predominantemente polticos, com razes nos
ideais marxistas que dominavam o ambiente cultural e estudantil desse perodo.
Entre os principais jornais dos anos 60, destacam-se Movimento e Opinio. Esses, foram
os nicos, em toda a imprensa brasileira, que conseguiram publicar sistematicamente
denncias polticas sobre as agresses da ditadura, alm de denncias econmicas sobre
o crescente endividamento externo do Brasil e as movimentaes sociais contra o
sistema. Esses jornais apresentavam e debatiam temas clssicos da esquerda, em um
estilo crtico e carregado de uma ideologias marxistas.
Arajo (1998), em Uma histria do tempo presente: poltica, esquerda e
imprensa alternativa no Brasil dos anos 70, sua tese de doutorado, engloba os diversos
tipos e abordagens desse tipo de jornalismo.
A imprensa alternativa congregava jornais de vrios tipos: 1)
jornais de esquerda que se vinculavam tanto a jornalistas de oposio quanto
aos partidos e organizaes polticas clandestinas; 2) revistas de contracultura, que reuniam e artistas alternativos ou malditos, que produziam
fora do esquema comercial e 3) publicaes de movimentos sociais
englobando neste campo o movimento estudantil, os movimentos de bairro e
os jornais das chamadas minorias polticas, como a imprensa feminista, a
chamada imprensa negra, os jornais de grupos homossexuais organizados,
as publicaes indgenas, etc. (ARAJO, 1998, p. 158-159).

Pode-se entender que o jornalismo alternativo desse perodo alcanou inmeros

leitores, dos mais diferentes modos de pensar, agir, seus anseios e ideais..
As narrativas desses jornais alternativos aproximavam-se dos aspectos literrios
e do jornalismo narrativo, entre eles estavam Bondinho, Ex e Versus. Segundo Kucinski
(1991, p. 123), O Bondinho nasceu, em novembro de 1971, como uma revista
tradicional, voltada para a classe mdia paulistana, produzida por uma empresa
jornalstica alternativa, a Arte & Comunicao (A&C), distribuda no maior
conglomerado de supermercados do Brasil, o Po de Acar.. J o Ex, de acordo com
Kucinski:
realiza em toda sua plenitude o estilo da equipe de Realidade, o jornalismo
de ruptura, a narrativa forte, uma linguagem sem barreiras leitura, a

46
ambio por grandes tiragens. Ex expressa a ansiedade do grupo em produzir
um jornalismo contundente, que v direto ferida, sem metforas, sem
compromissos com a censura. que seja totalmente poltico sem precisar das
muletas do discurso pedaggico. (KUCINSKI, 1991, p. 127).

O jornal mensal Versus, iniciou sua trajetria desvinculado a partidos polticos,

porm com o tempo se tornou partidrio. O jornal passou a atrair ativistas do
movimento clandestino Liga operria, que tornaram-no um jornal organizador de
partido. (KUCINSKI, 1991, p. 69).
Ainda discutindo sobre esses alternativos, o mesmo autor diz eles procuravam
novas categorias explicativas da vida e dos conflitos humanos, que ousaram desafiar a
moral pudica dos marxistas ao abrir a discusso sobre a homossexualidade e o prazer
Entre esses jornais, o autor cita Lampio da Esquina, dirigido por Aguinaldo Silva, que
discutia abertamente temas como a homossexualidade. Mulherio, Brasil Mulher e Ns
Mulheres, inspirados nos movimentos feministas franceses. (KUCINSKI, 1991, p. 72).
Polticos, culturais, literrios, humorsticos, todos os alternativos, de uma forma
ou outra, sofreram, foram recriminados e vigiados pelo Regime militar. No universo dos
jornais alternativos de base filosfica existencialista, destaca-se O Pasquim. Atravs do
humor, criticou paradigmas e enfrentou os tabus da moral vigente liberao sexual,
entre outros temas foram levantados e discutidos, suscitando escndalos e provocando
reaes apaixonadas. (QUEIROZ, 2004, p. 232). Podemos sintetizar a presena no
tempo e diviso do espao da imprensa alternativa, estudado por Kucinski (1991),
atravs do grfico que segue.

NMERO DE JORNAIS ALTERNATIVOS POR TEMPO DE DURAO (19641980)

Figura 3

Mais de 10 anos
De 6 a 10 anos
De 3 a 5 anos
De 1 a 2 anos
Jornais efmeros (menos de
1 ano)

47
Grfico 01: Elaborado a partir dos dados do livro de Bernardo Kucinski, Jornalistas e
Revolucionrios Nos Tempos da Imprensa Alternativa. 2 edio. So Paulo: Edusp, 1993.

No grfico, possvel analisar que os jornais de cunho independente e

alternativo no tiveram uma vida to longa assim. O Pasquim foi exemplo mais
duradouro da histria da imprensa alternativa do pas. O tabloide que trazia o humor
como principal munio, visto como um dos principais jornais alternativos ao lado de
Movimento e Opinio. No total, o Pasquim viveu 22 anos, porm, durante os primeiros
seis anos, foi que o jornal conseguiu transpor de forma mais brilhante o seu papel na
sociedade. Aps o fim da censura prvia para o Pasquim, em 1975, o jornal perde um
pouco sua vertente.
A imprensa alternativa do Brasil foi uma aliada fundamental dos movimentos
sociais, principalmente por ser feita de lideranas de movimentos populares, ativistas
polticos que agiam na ilegalidade por intelectuais que percebiam a necessidade de
engajarem-se na luta pr-democratizao e que, muitas vezes, fizeram isso pela
comunicao. Foram muitos os casos que, como por exemplo, os jornais Amanh, PifPaf e Informao, que exerceram influncia decisiva nos campos da poltica e do
jornalismo em apenas meia dzia de edies. (KUCINSKI, 1991, p. 24).
Os jornais alternativos se desafiaram a encontrar maneiras diferentes de
produo de materiais. Alguns partiram para o lado do humor e trabalharam com
charges, desenhos, outros com contos, crnicas e histrias de vida de pessoas variadas.
Porm, o desejo de liberdade e o anseio de promover a diminuio das desigualdades
que realmente alimentaram os jornalistas da imprensa alternativa desse perodo.
Consequentemente, os jornais frutos de seu trabalho espelham estas caractersticas.
Caparelli (1980) observa que a maioria dos jornais alternativos foi fundada na
passagem do governo Mdici para o governo Geisel. Essa difuso no incio do governo
Geisel expressou tambm a esperana vivida pela sociedade. As pequenas esperanas
que, por esse tempo, levaram luz ao ambiente autoritrio talvez tivessem sido
impossveis um ano antes, durante a censura mais feroz do governo Mdici (1980, p.
54).
Desse modo, apesar da intensa resistncia aos meios alternativos, os jornais
alternativos entraram na pauta da teoria e dos debates acadmicos ganhando destaque na
luta pela liberdade de expresso, porm eles no transformaram o mundo. Mas tambm
verdade que chamaram a ateno da mdia comercial para temticas que no podiam

48
mais ser desconhecidas ou ignoradas e foram impulsos para discusses importantes e
que visavam o futuro de um pas.
Em 1979 com o fim do AI-5 no significou o fim da imprensa alternativa no
pas. A mesma percorreu outros caminhos, tendo papel fundamental na luta pelo retorno
das eleies diretas, que aconteceu em 1984 com a campanha que ficou conhecida como
Diretas J. Porm, a imprensa alternativa s perdeu suas foras com a redemocratizao
do pas, embora no que se refere poltica, os meios de comunicao estaro sempre
alertas para contar o que est acontecendo, afinal, este o papel da imprensa, seja ela
alternativa ou no.
Atravs desse estudo, consideramos o quo importante ressaltar o papel que a
imprensa alternativa teve na histria do Brasil ao longo dos anos em que esteve em
vigor o AI-5, embora com a censura sempre ao lado, essa imprensa esteve sempre na
luta pela democracia e liberdade de nosso pas.
O que se pode observar que o termo imprensa alternativa bastante amplo,
pois a categoria no s ficou ligada aos pequenos jornais que nasceram nos anos da
Ditadura Militar como tambm implica to somente veculos impressos.
As pesquisas sobre esse tipo de imprensa tm sido bastante amplas e diversas,
que buscam novas ideias e perspectivas para se entender um fenmeno que de modo
algum recente na poltica e na cultura. Portanto, a leitura desses autores e suas
abordagens, conservados os enfoques e a opinio de cada um, se completam e
contribuem para clarear os mltiplos objetos alternativos que se fazem presente na
histria do jornalismo brasileiro, na linguagem, na cultura, assim, oferecendo
contribuies para um sistema mais democrtico de comunicao.
Aps contextualizarmos o jornalismo alternativo com suas razes e fundamentos,
partimos para um prximo captulo que nos apresenta o semanrio O Pasquim no
mbito do jornalismo alternativo e de sua importncia no perodo da Ditadura Militar
para o jornalismo e os novos modos de informar.

49

4. CHEGADA DO PASQUIM
Neste captulo, vamos tratar do semanrio O Pasquim, como um dos principais
jornais dos anos 70, e nesse contexto, sendo o mais influente do perodo. Baseado no
humor, o tabloide conseguiu conquistar uma legio de leitores e de fs. Esse jornal foi
escolhido como o tema desta, pelo seu carter transformador, corajoso, inteligente e
irreverente.
Iniciamos o captulo com o histrico do tabloide face ao perodo em que ele se
insere. Ou seja, em plena vigncia do AI-5, em 1969.
Neste perodo, a imprensa brasileira estava amordaada, assim como a classe
artstica, que usava sua criatividade para criar cdigos que pudessem driblar a censura e
alertar a populao dos acontecimentos do Regime. O decreto do AI-5 foi um marco no
Regime militar. A imprensa, que at ento mantinha uma coerente autonomia,
surpreendeu-se com os rigorosos mecanismos de represso do governo. nesse
turbilho de momentos que surge no Brasil o jornal mais influente de oposio
Ditadura Militar: O Pasquim.
O nome do jornal carioca foi escolhido por Jaguar, que criou o jornal juntamente
com o Ivan Lessa. Sobre a origem do Pasquim,tecemos em seguida algumas noes de
carter histrico e lingustico,antes de avanar no captulo. Pasquim vem do italiano
paschino e significa jornal ou panfleto difamador. Porm, a palavra pasquim tem um
histrico que vai alm do semanrio carioca, e neste sentido, relataremos, um breve
apanhado sobre o aparecimento desta modalidade de jornal na imprensa no Brasil.
A noo de Pasquim teve uma grande importncia no contexto histrico do pas,
assim como para o jornalismo, pois a partir dos primeiros Pasquins, diversas tcnicas de
escrita revolucionaram os modos de informar e at hoje so seguidas pelos jornais e
revistas, como no caso da transcrio das entrevistas estilo pergunta e resposta,
originadas dos Pasquins do sculo XIX.
Iniciamos a trajetria da imprensa no pas, a partir da chegada da Corte ao Rio
de Janeiro e do processo que veio a conduzir Independncia do Brasil. Alis, j antes
dessa chegada, em 1917, Baslio de Magalhes tinha escrito sobre Os Jornalistas da
Independncia, no qual relatou a turbulenta atividade dos jornais pr e ps
Independncia. Ou seja, a imprensa j comea a dar seus primeiros passos.

50
Estudos sobre esse perodo foram feitos por Mecenas Dourado, por exemplo, em
1957, com a obra Hyplito da Costa e o Correio Brasiliense, que contava a trajetria do
primeiro jornalista brasileiro. Alm dele, outro autor, dedicou-se a escrever sobre a
imprensa no Brasil. Juarez Bahia, por exemplo, em Trs Fases da Imprensa Brasileira,
lanado em 1960. Porm, autores portugueses iniciaram seus estudos sobre imprensa e
histria do jornalismo, antes, em 1857, ano em que Tito de Noronha escreveu Ensaios
Sobre a Histria da Imprensa. Na obra o autor discute sobre a introduo e evoluo da
tipografia em Portugal, no qual so apresentados dados sobre as primeiras folhas
noticiosas bem como sobre os primeiros jornais do pas.
Outro importante especialista sobre o assunto Nelson Werneck Sodr,
historiador brasileiro e autor da obra Histria da Imprensa Brasileira. Para Sodr, a
imprensa brasileira, nasceu com o capitalismo e acompanhou o seu desenvolvimento
(SODR, 1999, p. 10). Esta frase indica o enquadramento materialista que o autor d
histria da imprensa. O autor discute sobre as tentativas burguesas de controle do
jornalismo, ligadas ao desenvolvimento do capitalismo:
a histria da imprensa a prpria histria do desenvolvimento da sociedade
capitalista. O controle dos meios de difuso de ideias e de informaes que
se verifica ao longo do desenvolvimento da imprensa, como reflexo do
desenvolvimento capitalista (...) uma luta em que aparecem organizaes
e pessoas da mais diversa situao social, cultural e poltica, correspondendo
a diferenas de interesses e aspiraes. Ao lado dessas diferenas, e
correspondendo ainda luta pelo referido controle, evolui a legislao
reguladora da atividade da imprensa (SODR, 1999, p. 1).

O livro de Sodr (1999) divide-se em seis captulos dedicados imprensa

Colonial, imprensa da Independncia, ao pasquim, imprensa no Imprio, Grande
Imprensa e crise da imprensa. Para esse autor, que estudou a imprensa em sua
profundidade, a Independncia do Brasil em 1922, no trouxe liberdade de imprensa ao
pas, e sim, a permanncia da censura e da represso: na medida em que
compreendem a necessidade de limitar a Independncia que os representantes da classe
dominante colonial opem restries liberdade de imprensa (SODR, 1999: 42 - 45).
Sodr (1999) prossegue, discutindo que a Independncia no nem liberdade de
imprensa nem, muito menos, democracia, mas deve ser saudado o perodo rico (...),
quando aparecem, e proliferam, os peridicos (...) de combate, de linguagem virulenta,
em que a historiografia oficial tem visto apenas os aspectos negativos, sem sentir neles
o fecundo exemplo (...) de avano no esclarecimento da opinio. (SODR, 1999, p.
82). O autor discorre que a historiografia oficial v sempre a ordem, a democracia, o

51
desenvolvimento, quando, na verdade, foi a mais (...) atrasada [poca] de nossa histria
(SODR, 1999, p. 85).
Aps a Independncia de 1822, o pas vive um avano liberal que, de acordo
com Sodr, permitiram o surgimento do pasquim, imprensa peculiar, cujos traos de
grandeza e autenticidade so normalmente apresentados como impuros (SODR,
1999, p. 85). A fase dos pasquins encarada pelo autor, como a fase de propagao do
jornalismo no Brasil, produto de iniciativas individuais ou de grupos formados,
geralmente de liberais, de esquerda ou de direita. Sodr ainda classifica os pasquins da
seguinte maneira:

Eram vozes (...) bradando em altos termos e combatendo desatinadamente

pelo poder que lhes assegurasse condies de existncia compatveis ou com
a tradio ou com a necessidade. No encontrando a linguagem precisa (...), a
norma poltica adequada aos seus anseios, e a forma e organizao a isso
necessrias, derivavam para a vala comum da injria, da difamao (...). No
podiam fazer uso de outro processo porque no o conheciam (...) num meio
em que a educao (...) estava pouquissimamente difundida (...), em que os
que sabiam ler no tinham atingido o nvel necessrio ao entendimento das
questes pblicas e em que os que haviam frequentado escolas superiores se
deliciavam em estril formalismo (...), a nica linguagem que todos
compreendiam era mesmo a da injria. (SODR, 1999, p. 157).

J Sousa (2008), professor e pesquisador em Jornalismo, estuda sobre os jornais

de cunho revolucionrio e difamador, como os pasquins. O autor discute sobre o perfil
desses jornais, que tinham uma periodicidade incerta, poucas pginas e que geralmente
eram preenchidas atravs de artigos (SOUSA, 2008, p. 20). O especialista comenta
sobre a origem e trajetria desses peridicos:

Vrios deles nasceram no contexto das revoltas liberais e republicanas que

agitaram o Brasil at estabilizao da situao, j no reinado de D. Pedro II.
Cada nmero podia conter um nico artigo, sendo que no primeiro nmero
era, por regra, apresentado um programa esclarecedor dos motivos pelos
quais um novo peridico vinha a pblico. Normalmente, tinham vida curta e
muitos apenas publicaram um nmero. Eram, com frequncia, produto do
trabalho de um homem s, mas por isso tambm eram livres e
desassombrados, sendo por vezes necessrio recorrer fora para os
silenciar. (SOUSA, 2008, p. 20).

O autor salienta tambm, que alm de artigos, nesse mesmo perodo, comearam
a surgir novas modalidades de pasquins, os humorsticos. (1999:20).
J Sodr (1999, p. 180) classifica a poca de 1830-1850 como o grande
momento da imprensa brasileira, principalmente devido autenticidade e a liberdade
que adotam os pasquins. E to grande a admirao que Sodr tem por esse tipo de

52
jornalismo, que ele sugere que esse foi o jornalismo mais autntico e no o industrial e
informativo. (SODR, 1999: 15 - 16).
Tengarrinha (1989), tambm historiador brasileiro e pesquisador na rea do
jornalismo impresso, classifica os pasquins, antes deles se estenderem aos jornais de
baixa qualidade e pouca moral, como um pequeno texto, com mais frequncia
manuscrita,

contendo

acusao

direta

simples,

sem

fundamentao.

(TENGARRINHA, 1989, p. 75). Desse modo, se traduz que a opinio de Tengarrinha,

tem por trs, uma crtica ao estilo dos pasquins, do contrrio que escreveu Sodr, no
qual preferiu salientar os traos de autenticidade e o esforo que os pasquins faziam
para alimentar e comandar com liberdade as correntes de opinio que traziam em suas
pginas e vertentes.
Esses pasquins, que por vezes continham apenas duas folhas, com formato
tabloide. Esse jornaleco, tambm foi chamado de samizdat. Para organizar o conjunto
expressivo de publicaes recebidas o Centro de Imprensa Alternativa e Cultura Popular
elaborou um instrumento de pesquisa em que esto relacionados todos os jornais,
revistas, cadernos, boletins, suplementos e folhas, trabalho coordenado por Leila
Miccolis e Marcos Augusto Gonalves. Neste acervo, o conceito de imprensa
alternativa engloba todos aqueles peridicos que contestavam diretamente o regime de
exceo imposto a partir de 1964 e os que constituam veculos de movimentos e
correntes de esquerda, que agiam e pensavam de forma independente, que no possuam
ligao a esquemas governamentais ou econmicos, mas sim, ligados ao
comportamento, linguagem, alm de uma diagramao arrojada para a poca.
Os jornais que se caracterizavam samizdat, tinham por caractersticas principais,
folha, tamanho ofcio, grampeada, variando o nmero de pginas de duas a vinte, com
distribuio em So Paulo. Continha esquema de assinaturas, desenhos e textos. De
acordo com Miccolis (1986, p. 148), esses tabloides se caracterizavam por ser um
jornalzinho de linha sem linha. Leila Miccolis escritora, editora e professora de
roteiro em televiso.
Retomando ao jornal O Pasquim, nosso objeto de pesquisa, aps fazer um uma
breve explicao sobre a origem da palavra pasquim, seus significados, assim como as
suas funes dentro do jornalismo. Constatamos, que o jornal O Pasquim foi criado
justamente pelos mesmos embasamentos que o restante dos pasquins. Procurava
transformar, movimentar e acima de tudo informar, seja de forma clandestina ou no.
Para isso, nosso objeto de pesquisa usou o humor, que foi muito bem aceito pelos

53
leitores mais crticos ao regime e at hoje lembrado e estudado devido sua
contribuio para o jornalismo.
Enquanto o Regime militar gerou o estabelecimento de um estado de medo para
extinguir atos de oposio, o humor foi usado pelo Pasquim como ferramenta de
divulgao de um sentimento de descontentamento.

A imprensa inteira mudou depois de O Pasquim. Era difcil voc l uma

entrevista despojada dentro de um grande jornal. O Pasquim trouxe um
frescor maior ao jornalismo. (Angeli cartunista. Documentrio: O Pasquim,
a subverso do humor, 1999).

De acordo com o documentrio, O Pasquim entra no cenrio jornalstico,

reunindo alguns dos mais brilhantes jornalistas, cartunistas e chargistas da poca para
satirizar o opressivo e desconjuntado dia-a-dia nacional. O tabloide surgiu em junho de
1969 como um jornal de bairro. Em especial, de um bairro da Zona Sul da cidade do
Rio de Janeiro, Ipanema. Nem todos seus jornalistas eram cariocas, mas em suas
trajetrias distintas constituram um jornal a partir das referncias da realidade do Rio
de Janeiro e de Ipanema, lugar no qual a maioria residia. Ele foi produzido por Jaguar,
Tarso de Castro, Srgio Cabral, Ziraldo, Millr Fernandes, Claudius Ceccon e Carlos
Prosperi que executou o projeto grfico. Aos poucos, outros profissionais do humor
foram se juntando a estes, formando assim a chamada patota dO Pasquim (A
subverso do humor, TV Cmara, 1999).
At mesmo o mineiro Ziraldo, membro da patota, que no nasceu nesse
ambiente carioca, mas o incorporou em seu cotidiano, declarou que O Pasquim foi
feito pra Ipanema. Naquela poca Ipanema significava o Olimpo. O Pasquim vai
divulgar esse modus vivendi. (ZIRALDO apud STEFANELLI, 2004).
Entre os cargos, o fundador, Jaguar ocupou o cargo de editor de humor, os
jornalistas Tarso de Castro (editor chefe), Srgio Cabral (editor de texto), Carlos
Prosperi (editor grfico) alm dos cartunistas Ziraldo, Henfil e Millr Fernandes, Ivan
Lessa, Miguel Paiva, Claudius, Paulo Francis, Luiz Carlos Maciel. Aos poucos, a
equipe aumenta e chega Srgio Augusto, Caetano Veloso, Vincius de Moraes, Glauber
Rocha, entre outros.
O projeto inicial do jornal era no possuir ideologia nenhuma, e sim, apenas
fazer humor, mas com o tempo foi impossvel no tomar partido do que acontecia na
poca. Com uma linguagem informal foi um peridico que deu voz a jornalistas, artistas

54
e intelectuais e sua primeira edio contava com textos da atriz Odete Lara, que se
encontrava no festival de Cannes, e do cantor e compositor Chico Buarque, direto de
Roma.
A equipe do Pasquim, sem saber no que ia resultar essa unio, tinha um
pensamento de realmente manter o jornal desvinculado da poltica, porm com o passar
do tempo, a patota se tornou assumidamente engajada na luta contra o Regime, usando
o humor como principal arma.

55

4.1 COMO NASCEU O PASQUIM

Neste captulo, vamos voltar no tempo, mais precisamente no ano de 1969,
quando foi o criado o jornal semanrio que contribuiu substancialmente para modificar
o modo de informar no jornalismo e que atravs do humor como linguagem de
comunicao, levou a informao a uma gerao que sofria com os desmandos de um
governo ditatorial.
Poderia parecer loucura, criar um jornal de humor, logo aps o AI-5, decreto que
limitava a liberdade de expresso no pas. Porm, o tabloide conseguiu, com
inteligncia e sutileza, ser o emissor de tantas informaes sobre o pas, atravs do
humor.
Jaguar no documentrio O Pasquim, a revoluo pelo cartum (1999), conta que
foi no bar Jangadeiros, em Ipanema, que ele e Tarso de Castro reuniram-se para discutir
a abertura de um novo jornal. Este mesmo bar, alm de outros do mesmo ambiente
carioca, tornou-se ponto de encontro intelectuais, ligados vida bomia, bebida
alcolica, bares e madrugadas. Os principais frequentadores eram artistas, jornalistas,
escritores, enfim, pessoas vinculadas ao campo de produo cultural e alternativa da
poca. Segundo Flores,
Para os lados do Leblon e Ipanema, tanto as esquerdas quanto as direitas
estariam to prximas nos botecos, na praia, nas redaes que a situao
parecia estimular um paradoxo. [...] Tanto o humor reacionrio quanto o
humor pasquiniano [saram] dos redutos elitizados da zona sul carioca e, no
raras s vezes, se [cruzaram] nos calades das praias, nas redaes dos
jornais e nos botequins do Rio de Janeiro, ainda capital cultural e ideolgica
da Repblica. (FLORES, 2002, p. 170-171).

Desse modo, o Pasquim chega s bancas com uma forma simples: humor, ironia
e entrevistas que formava a principal caracterstica do semanrio. Contava com
ilustraes, textos curtos e frases que tinham vrios sentidos com uma espcie de cdigo
secreto que os editores usavam com os leitores. Na primeira edio do tabloide, em um
texto satrico, editado no alto da primeira pgina, a equipe expunha o seu ideal:
O Pasquim surge com duas vantagens: um semanrio com autocrtica,
planejado e executado s por jornalistas que se consideram geniais e que,
como os donos dos jornais no conhecessem tal fato em termos financeiros,
resolveram ser empresrios. tambm um semanrio definido, a favor dos
leitores e anunciantes, embora no seja to radical quanto o antigo PSD. At
agora o Pasquim vai muito bem, pois conseguimos um prazo de 30 dias para
pagar as faturas. Este primeiro nmero dedicado memria do nosso

56
Srgio Porto, que hoje deveria estar aqui conosco. (O Pasquim, 1 edio em
26 de junho de 1969).

Na ltima pgina, aparecia o expediente: Tarso de Castro (editor), Srgio

Jaguaribe (editor de humor), Srgio Cabral (editor de texto), Carlos Prsperi (editor
grfico), Claudius Ceccon e Murilo Pereira Reis (diretor-responsvel).
O nico jornal da imprensa alternativa que conseguiu, durante a Ditadura
Militar, passar pelos diferentes momentos e formas de censura foi o Pasquim. Baseado
em um discurso humorstico e subjetivo, o semanrio ocupou um espao de produo de
acordo com o perodo e com seu ambiente cultural, tornando-se o porta-voz de uma
gerao que o moldou, o alimentou e o fortaleceu. Suas 300 primeiras edies,
publicadas entre 1969 e 1975, tornam-se fonte e objeto de pesquisa, mostrando os
elementos de contestao dos novos grupos culturais daquele momento e as formas de
represso em relao ao jornal e aos seus redatores, alm de, principalmente, comprovar
que o jornal s sobreviveu porque fazia parte de um grupo cultural forte e engajado,
disposto a ajudar em sua produo, e porque contava com uma linguagem baseada no
humor.
Para Chinem (1995), no h jornal brasileiro importante que no tenha sido
influenciado pelo idioma do Pasquim, direta ou indiretamente (CHINEM, 1995, p. 45).
O Pasquim conseguiu transpor, de forma mpar, os limites de durao e de
alcance da imprensa alternativa, estabelecendo a linguagem do humor como um
elemento importante nas manifestaes de oposio durante a Ditadura Militar brasileira
O semanrio conquistou uma tiragem de 80 mil exemplares j na edio de
nmero 16 e chegou a imprimir, em dezembro do mesmo ano de seu lanamento, 250
mil exemplares semanais, alm de ter recebido anncios de grandes multinacionais,
como a Shell. O tabloide chegou a vender mais do que a famosa revista Veja e tambm
a Manchete, ainda nos primeiros anos de lanamento.
Segundo Jaguar conta no documentrio O Pasquim, a subverso do humor de
1999, no incio da trajetria do jornal, a prpria equipe acreditava que o semanrio seria
um fracasso e seria apenas um jornal comportamental e humorstico (que falava sobre
sexo, drogas, entre outros assuntos), porm aos poucos foi se tornando politizado e
opositor da Ditadura que assolava o pas.
Porm, ao contrrio do que pensavam, o Pasquim carioca passou a ser o porta
voz da indignao social brasileira sendo uma dos principais jornais de resistncia
Ditadura Militar, que atravs da linguagem do humor contestou e protestou junto com

57
um coro de descontentes. Segundo conta o cartunista Cludius (1999), o jornal fazia um
dilogo com os leitores:

Eu acho que o que havia, era uma cumplicidade que ns tnhamos com os
leitores, que era absolutamente extraordinria. A gente sabia muito bem que a
gente podia ser hermtico que o censor no ia perceber isso, mas, ali adiante,
certamente o leitor ia saber o que a gente estava dizendo. Era uma espcie de
um cdigo secreto que a gente utilizava com o leitor (Cludius
Documentrio O Pasquim, a subverso do humor. TV Cmara, 1999).

Kucinski (1991, p. 156) aponta que o Pasquim revolucionou a linguagem do

jornalismo brasileiro, instituindo uma oralidade que ia alm da mera transferncia da
linguagem coloquial para a escrita do jornal. Alm disso, ele aponta alguns traos que
caracterizariam o jornal por toda a sua existncia, dentre os quais a grande entrevista
provocadora e dialogada.
Com essa linguagem inovadora, o jornal conquistou o objetivo de toda
comunicao: a expressividade. O Pasquim gerou uma prosdia, no processo de
retomar a fluidez da escrita. Produziu um tom, uma sonoridade que o distinguia dos
outros jornais da poca. Assim, o tom pasquiniano apareceu como se fosse uma
cacopia, uma pronncia errada, diferentemente da ortopia dos outros peridicos.
Essa distino entre os jornais j bastava para gerar um efeito humorstico, uma vez que,
ao tomar distncia da escrita da imprensa dominante, O Pasquim exerceu um efeito de
stira sobre as normas costumeiras. (QUEIROZ, apud BRAGA, 2009, p. 308).
O Pasquim era representado com uma srie de especificidades que compunham
suas pginas. Estas reunidas caracterizavam o jornal com uma originalidade tamanha, a
qual provocou uma imagem do peridico, enquanto marco do jornalismo no Brasil.
Segundo Queiroz (2008), se por um lado O Pasquim criticava o autoritarismo
do regime que se instalou no poder desde 1964, e depois com o AI-5, em 1968, acabou
com as liberdades civis e polticas (...) e de acordo com a autora por outro lado, o
jornal exerceu um autoritarismo ferrenho no que diz respeito a seu comportamento,
principalmente em relao ao bairro de Ipanema e cidade do Rio de Janeiro
(QUEIROZ, 2008, p. 224).
A autora ainda continua a afirmao, relatando que quando se referiam a outros
bairros, em especial os da Zona Norte carioca, os pasquinianos no os incluam na
memria bomia do Rio, apesar de existirem no jornal, colaboradores vindos dessa
parte da cidade, como no caso de Aldir Blanc (criado na Vila Isabel) e Millr

58
Fernandes, no Mier. Entretanto, Queiroz enfatiza que na maioria das vezes davam
destaque aos bares da Zona Sul, como o Jangadeiros e o Zeppelin. Alm disso,
enfatizavam que, de Ipanema, lanavam moda e regras para outras regies do pas.
Assim, os convencidos da patota, acreditavam que o bairro de Ipanema transmitia
hbitos e costumes, os quais eram divididos no s pela sociedade carioca, como
tambm pelo restante do pas. A autora explica:

A polmica foi instaurada quando os pasquinianos criticaram abertamente

diversas cidades. Mesmo abrindo espao para a rplica de outros jornalistas
no semanrio, prevalecia a opinio de seus colaboradores no final do
confronto, pois quando achavam que o assunto j estava esgotado,
encerravam a discusso. O autoritarismo tambm pode ser observado em suas
entrevistas. Quando no concordavam com alguma opinio do entrevistado,
mudavam a pergunta ou acabavam com a entrevista. (QUEIROZ, 2008, p.
224).

Entre os temas abordados, a stira cidade de So Paulo esteve presente em

diversas edies. O contraponto era feito atravs da consagrao do Rio de Janeiro.
Com o intuito de acabar a discusso entre cariocas e paulistas, que durou cerca de cinco
edies do jornal, Millr Fernandes escreveu duas crnicas, ambas com o mesmo ttulo:
Parem com isso, meninos!. O seu ponto de vista, entretanto, no era a de acalmar os
nimos e, sim, promover uma reao autoritria para que o ponto final fosse dado por
eles (de So Paulo). A primeira crnica terminava com a seguinte reflexo:

Tambm um hbito antigo do paulista se queixar do clima do Rio. E, no

entanto, este se equilibra admiravelmente entre dias infernalmente quentes e
dias de calor insuportvel. Nem todo mundo pode ter aquele clima admirvel
de So Paulo, que vai desde dias de garoa nojenta at noites de umidade
doentia. (O Pasquim - n 14, 1969, p.: 4-5).

Alm desse capacidade, que provinha de uma equipe extremamente talentosa e

criativa, o tablide conseguiu modificar a linguagem jornalstica usada at ento,
reproduzindo a linguagem escrita da oral, e isso acabou por influenciar a propaganda,
como tambm transformou a linguagem coloquial. O Pasquim fez uso de palavres, que
ficavam disfarados atravs de neologismos, que da em diante poderiam ser falados,
publicados e (re) interpretados.
Henfil, integrante da patota, destacou o valor das transformaes de linguagem,
de estilo e de contedo que o semanrio introduziu na cena jornalstica. "O Pasquim foi
a Lei urea da imprensa", avaliaria em depoimento a Jorge Ferreira (julho de 1976). O

59
jornal modificou a linguagem. Nele se escrevia como se falava e isso reformulou a
propaganda no Brasil inteiro, libertou todo mundo com o uso de palavres. Por
exemplo, p, putisgrila, paca. (...) E outra coisa: a gente podia escrever e desenhar de
uma maneira muito pessoal foi essa a chave do negcio e muito irreverente
(Henfil em entrevista a Jorge Ferreira, 1976).
O discurso atravs do humor foi visto como uma arma a favor, pelo menos essa
era a verso que se estabelecia em torno dos intelectuais que faziam parte da equipe do
semanrio. A ruptura da linguagem e a inveno de um novo paradigma textual,
baseados nas artes visuais, foram explicados por Millr Fernandes, na crnica: Uma
senhora efemride, publicada em 26 de maro de 1970, no Pasquim. O cronista
destacaria, de forma satrica, o abalo moral que o jornal produziu por ter libertado a
linguagem escrita e falada da Repblica:
Hoje, por exemplo, nesta fase, posso escrever indiferentemente, uma
senhora efemride ou uma puta efemride. O Pasquim acabou com a
diferena de classe entre puta e senhora. Como adjetivos, claro. Com relao
aos substantivos o jornal altamente conservador. Sobre esta observao
podemos entender que o peridico, apesar de ter rompido com alguns
paradigmas sociais, ainda mantinha um discurso conservador,
principalmente, no que diz respeito ao papel das mulheres e ao dos
homossexuais na sociedade. (FERNANDES, 1970).

Sobre a citao podemos entender que o peridico, apesar de ter rompido com
alguns paradigmas sociais, ainda mantinha um discurso conservador, principalmente, no
que diz respeito ao papel das mulheres e ao dos homossexuais na sociedade.
Desse modo, o semanrio Pasquim foi um gerador de grandes mudanas,
devido, no s de suas influncias nos meios de comunicao, como tambm no
cotidiano da sociedade, que introduziu uma espcie de novo vocabulrio, uma nova fala
pasquiniana. E, diante disso, importante ressaltar que todos aqueles que fizeram parte
do peridico, colaboradores ou leitores, marcaram a histria do jornalismo no Brasil
como a gerao Pasquim.
A linguagem no foi a nica estratgia que o Pasquim usou para conviver com a
censura. A relao com os censores , tambm, cheia de particularidades. A conhecida
censora Dona Marina (Marina Brum Duarte) tornou-se parceira de usque da dos
redatores; o general Juarez Paz Pinto censurava parte do material nas areias da praia.
Srgio Augusto, que tambm participou do Pasquim e recentemente organizou a
coleo O Melhor do Pasquim, juntamente com Jaguar, define no livro que o semanrio
era um jornal sem patro:

60
Suas reunies de pauta, quando havia, eram uma festa ou, melhor, uma
ebrnea. Ainda mais zoneadas eram as entrevista, sempre coletivas e regadas a
Buchanans, e cujo inusitado clima de descontrao outros tentaram em vo imitar. (O
Melhor do Pasquim, Ed. Desiderata, 2005).
A edio n1 sintetiza vrios elementos que foram constantes nas capas
seguintes do seminrio, sob as diferentes formas de censura, como o caso do ratinho
Sig, do humor, da frase-editorial e, principalmente, a participao de dois
colaboradores: Chico Buarque e Odete Lara. A capa da edio nmero 01 chama a
ateno, primeiramente, por uma escolha grfica, intencional ou no, de posicionar o
logotipo do jornal, juntamente com o cabealho e a frase-editorial, quase ao centro da
pgina, no acima, como os peridicos faziam naquela poca e fazem at os dias de
hoje, conforme se v na figura 4.
Figura 4

Primeiro exemplar de O Pasquim 26 de junho de 1969

O ponto de maior destaque nesta primeira edio e que se tornaria um elemento

diferencial do Pasquim foi a entrevista principal realizada com Ibrahim Sued, badalado
e polmico colunista social.
J sob o rigor do AI-5, o primeiro entrevistado do Pasquim, na edio nmero 1,
Ibrahim Sued, forneceu um furo jornalstico que atraiu os olhos do pblico para o novo

61
semanrio. O colunista revelou que Garrastazu Mdici seria o prximo general a
governar o Brasil.
O Pasquim aumentou sua popularidade e comeou a se tornar conhecido nos
crculos culturais cariocas e do pas. Um dos principais motivos que levou a este feito
foi o desconhecimento tcnico de Jaguar. Ou seja, Jaguar por no ser jornalista,
desconhecia as tcnicas de escrita e edio das matrias. Desse modo, as matrias de
Jaguar logo eram reconhecidas pelo improviso na transcrio das entrevistas. Jaguar,
que s queria fazer um jornal de humor, apresentou essa novidade. Jaguar usou a tcnica
de transcrever as entrevistas no estilo pergunta e resposta, algo que depois foi repetido
pela grande mdia impressa, com vrios entrevistadores ao mesmo tempo. Portanto, a
prtica foi adotada por vrios meios de comunicao at os dias de hoje.
O nmero de pginas e o espao ocupado pelos anncios no jornal ao longo dos
diferentes perodos da censura mostram a variao das condies de produo do
Pasquim. Depois do nmero 20, o espao de publicidade comeou a acrescer
significativamente, chegando a ter 25% do jornal, com 17 anunciantes; alguns,
inclusive, de pgina inteira. A partir do nmero 40, a publicidade ocupa um tero do
jornal. O tamanho do jornal tambm variou bastante. A mdia entre as primeiras edies
foi de 30 pginas, depois se estabilizando em 26.
Consideraremos trs fases temporais, determinados a partir do tipo de censura
sobre o semanrio, para examinarmos as maneiras com que o jornal respondeu
represso, sendo classificado como subversivo pelos militares. Assim como as
mensagens que demonstram a represso que sofreu e a colaborao que teve da gerao
de 60: Desse modo: (1) a censura pontual na fase inicial do Pasquim, da primeira 71
edio, quando os seus principais redatores so presos; (2) os quatro anos de censura no
Rio de Janeiro, de janeiro de 1970 a dezembro de 1973, com uma relao prxima e
pessoal com os censores e (3), devido s 1.072 edies publicadas durante mais de 22
anos, sendo mais de cinco delas sob censura direta, seja em decorrncia da
administrao ingnua e nada profissional da empresa, ou devido falta de interesse dos
anunciantes, o jornal consegue passar por proibies e diferentes formas de censura.

62

4.2 A HISTRIA DO PASQUIM FACE POLTICA

Como j apresentado anteriormente, com o Golpe Militar em 1964, e com a
chegada do AI-5 em 1968, o Brasil sofreu intensas transformaes. Os meios de
comunicao foram um dos alvos nesse processo de mudana poltica. Os veculos de
comunicao mudaram seus modos de produo assim como os modos de informar.
Com os diversos decretos-leis que privavam os meios de comunicao de divulgar
notcias sobre o Regime, mediante veto da censura. Desse modo, os jornais deixavam de
exercer o seu verdadeiro papel.
Em funo destes aspectos, neste captulo vamos analisar como o semanrio
Pasquim, desde seu nascimento, conseguiu percorrer a trajetria poltica do perodo
mais conturbado dos ltimos tempos, a Ditadura Militar.
Para iniciarmos esse raciocnio, necessrio voltar no tempo para entender o
contexto poltico e como o semanrio se insere.
Este perodo pode ser suprimido, sob a justificativa de uma suposta ameaa
comunista, que promoveria a desordem do pas, a gerao dos anos 60 e 70 foram
submetidas a mais longa e violenta ditadura da histria. Com isso, a liberdade de
expresso ficou intensamente comprometida. O governo deteve o controle dos meios de
comunicao e passou a permitir a publicao de notcias que eram convenientes ao
Regime.
Para iniciarmos esse raciocnio, necessrio voltar no tempo para entender o
contexto poltico, em que semanrio se insere.
O jornal O Pasquim caminhou junto com trs governos militares no perodo de
censura, que alteraram as formas de produo no campo cultural e jornalstico. Os
jornalistas ratificaram as formas de criao e sobrevivncia de uma identidade
construda em torno e em nome do tabloide carioca. Lanado em 26 de junho de 1969,
apenas seis meses aps a publicao do AI-5, que limitava os direitos e liberdades do
cidado brasileiro, o Pasquim nasceu e se fortaleceu durante o endurecimento das
formas ditatoriais: na mutao de poder entre a sada do marechal Arthur da Costa e
Silva (1967 - 1969) e o incio da linha severa do general Emlio Garrastazu Mdici
(outubro 1969-1974). O ltimo governo militar a intervir mais diretamente no jornal, e
que determinou o fim da censura prvia imprensa, foi do general Ernesto Geisel.

63
Gaspari (2002), em A Ditadura Escancarada, ao analisar a ditadura de Mdici,
considerada a mais violenta, compara com os outros militares a quem foi atribudo o
posto, utilizando a nica entrevista concedida pelo general:
A Castello Branco a ditadura parecera um mal. Para Costa e Silva, fora uma
convenincia. Para Mdici, um favor neutro, instrumento da ao burocrtica,
fonte de poder e depsito de fora. No s se orgulhou de ter namorado o AI5 desde antes de sua edio, como sempre viu nele um verdadeiro elixir: Eu
tenho o AI-5 nas mos e, com ele posso tudo, disse certa vez a um de seus
ministros. Eu tinha o AI-5, podia tudo, rememorou na nica entrevista que
concedeu. Teve uma relao natural com a censura, como se ela fizesse parte
de um manual de instruo. (GASPARI, 2002, p. 133).

Desse modo, classificado como imprensa tendenciosa, o Pasquim foi

considerado, nos documentos do presidente Geisel, assim como os jornais Movimento,
Opinio, Crtica e Ex, como uma imprensa tendenciosa que influenciava na formao
dos jovens.
Durante os anos em que o pas esteve no comando dos militares, podemos
mencionar dois tipos de censura: a censura prvia e a autocensura.
Vaucher (2012, p. 4), classifica que a censura prvia determinava que tudo que
o que fosse preparado por um jornal seria examinado pela polcia antes da sua
divulgao. Desse modo, os censores analisavam todo o material que estava sendo
produzido. Liberavam, vetavam ou liberavam com restries, chegando ao ponto de
algumas vezes os cortes eram to drsticos que praticamente inviabilizava a
publicao. O autor enfatiza que esse tipo de censura causou grandes prejuzos
imprensa, por muitas razes muitos jornais deixaram de existir e outros perderam
fora. Esse fato se deu devido a intensa represso aos meios de comunicao, que sem
poder exercer o seu papel, no via mais fundamento em continuar seu ofcio.
Apesar de ter sido um dos alvos da censura O Pasquim permaneceu atuante,
mesmo com grande parte de sua equipe sendo presa, por conta da ajuda de seus
colaboradores. (VAUCHER, 2012, p. 4). Alm do Pasquim, outros jornais sofreram
com a censura prvia, como o Estado de So Paulo, Tribuna de Imprensa, Movimento,
entre outros. De acordo com WEBER (2000, p. 185), essa censura era realizada de
vrias maneiras: atravs de bilhetes, com ou sem assinatura, por telefone, audincia e
gravao, ou diretamente na redao dos veculos.
Retomando aos conceitos de Vaucher (2012), em 1 de novembro de 1970, a
censura e a represso chegaram redao de O Pasquim. Parte dos jornalistas e
cartunistas do jornal foi presa. Apesar disso, o tabloide no saiu de circulao, com o

64
auxilio dos que no haviam sido presos e de outros colaboradores. O Pasquim retomou
os trabalhos sem que os seus leitores soubessem o que havia acontecido. Com a
criatividade que lhes era peculiar, os membros da patota fizeram com que os leitores
soubessem da priso de uma forma que s O Pasquim poderia fazer, por intermdio do
humor, referindo-se a priso como um surto de gripe (VAUCHER, 2012, p. 8).
A repercusso da priso foi grande, e o jornal passou por diversos momentos de
dificuldades, tanto devido represso e censura quanto financeira.
Os atos institucionais assinados nesse perodo, principalmente o n5, foram to
severos quanto censura. Jornais de esquerda e jornais considerados pr Joo Goulart,
como Politika, Folha da Semana e O Semanrio, foram invadidos e destrudos pelos
militares. Jornais respeitados como o ltima hora e Correio da Manh, tiveram suas
redaes destrudas da mesma forma. Nota-se que o Regime no se importava com o
nome e prestgio do veculo. Tudo isso aconteceu nos governos de Castelo Branco e
Costa e Silva, porm, em comparao censura que estava por vir, esse momento no
foi considerado o mais severo.
Apesar de toda essa represso, a cultura e a oposio Ditadura Militar parecem
constituir um grupo que mantinha os cariocas unidos. Instigados pela criatividade e pelo
desejo de mudana, constitui-se uma gerao que tentou negar e, assim, criticar a
violncia das represses culturais com uma receita natural: viver essa liberdade
cotidiana em um vnculo indissocivel com a experincia completa, total, inteira.
Inevitavelmente, as obras destes inovadores culturais retratam, de alguma forma, esse
sentimento (BUZALAF, 2009, p. 42).
O Pasquim conseguiu transmitir esse pensamento e ao mesmo tempo cumprir
uma espcie de semi-papel. J que no conseguia informar a populao com total
liberdade, tentava fazer o mximo possvel para informar usando o humor como
principal arma. O semanrio queria informar ao Regime, que estava vendendo e que
seus leitores eram fiis, como explica Buzalaf.
A frase-editorial da edio 70, publicada em 1970, demonstra, com exagero e
ironia, o momento de crescimento das vendas do jornal: Milhes de leitores
seguram este Pasquim. Em outros nmeros, seus redatores utilizaram a capa
para mostrar a importncia dos leitores no vnculo com o jornal. Na edio
90, publicada em 1971, a frase recorreu ao recurso bastante utilizado da
autopromoo do jornal, diz: Na terra de cego, quem l O Pasquim rei.
(BUZALAF, 2009, p. 42).

Ao ler o Pasquim, se tornava simples de perceber que ali, continha uma equipe
de muito talento e criatividade. Seria impossvel que os militares no detectassem

65
claramente a existncia de uma rede de colaboradores que alimentavam essa imprensa
nesse momento. Apesar de todas as barreiras, o semanrio conseguiu marcar seu
territrio nesse momento conturbado, e sendo ou no de sua origem ou inteno, ele j
nasceu alternativo por si s, e se tornou subversivo por necessidade.

66

5. A PATOTA ENFRENTA A CENSURA

Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silncio na cidade no se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta fora bruta
Como difcil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lanar um grito desumano
Que uma maneira de ser escutado
Esse silncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneo atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa
De muito gorda a porca j no anda
De muito usada a faca j no corta
Como difcil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homrico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bbados do centro da cidade
Talvez o mundo no seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu prprio pecado
Quero morrer do meu prprio veneno
Quero perder de vez tua cabea
Minha cabea perder teu juzo
Quero cheirar fumaa de leo diesel
Me embriagar at que algum me esquea
Pai, afasta de mim esse clice
Pai, afasta de mim esse clice
Pai, afasta de mim esse clice
De vinho tinto de sangue.
Chico Buarque, Clice (1973)

Chico Buarque comps diversas msicas no perodo da Ditadura Militar,

buscando driblar a censura atravs de seus versos e ao mesmo tempo, protestar contra o
Regime Militar. Entre as msicas de Chico no perodo de 1964 a 1980, citamos Clice
logo na introduo do captulo devido sua importncia nesse contexto. A letra, feita por
Chico Buarque, contm em seus versos, pensamentos de revolta sobre o Regime, sendo
que a palavra Clice, est associada foneticamente a outra palavra: Cale-se. Chico refere
censura, que queria calar a voz de uma gerao. Ele argumenta que o silncio
predominava naquele momento do pas.

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Alm de Clice, Apesar de voc, Acorda amor, Deus lhe pague, Quando o
carnaval chegar, Rosa dos ventos, so outras canes de Chico que trazem em suas
letras, versos de protesto nas entrelinhas. .
A relao da msica Clice com o captulo presente visa lembrar a amizade do
compositor Chico Buarque com os jornalistas e cartunistas da equipe. Chico, sempre
ofereceu sua colaborao ao jornal, atravs de artigos, mas tambm colaborou com o
jornal e ajudou a equipe a passar por um momento difcil, como o episdio da priso da
patota em 1969.
Poeta, cantor, compositor (que viria a ser dramaturgo), Chico Buarque de
Hollanda era filho do socilogo Srgio Buarque e da pianista amadora Maria Amlia.
Chico Buarque nasceu e cresceu em um ambiente propcio criao artstica, musical e
visto como um intelectual de alma sensvel.
Apesar de a produo cultural durante a ditadura ter sido influenciada pela
censura, ocorreu a busca por novas linguagens, novas formas de criao que envolveram
vrios campos, temticas e estilos. Temas polticos e sociais estiveram presentes em
quase toda produo cultural da poca. As produes artsticas, musicais, literrias,
cinema e teatro tentavam buscar diferentes caminhos para a construo de uma
sociedade mais justa.
Porm, o Golpe Militar, alm de prejudicar a produo cultural do pas,
estimulou outras alteraes na configurao da sociedade como a mobilizao de
pessoas, maiorias jovens, com ideias novas, com um carter revolucionrio e que se
resistiam ao sistema repressivo, O humor, a subjetividade, a coloquialidade e o
constante deboche aos costumes do perodo poderiam ser percebidos pelos censores que
lidavam diretamente com os jornalistas, como a arma do crime naquele momento. As
provocaes do Pasquim no eram nada discretas. Pelo contrrio. Estavam espalhadas
por todas as pginas do semanrio: nas manchetes, nas frases-editoriais, nas fotos
provocativas, nas ilustraes debochadas e nas constantes referncias ao sexo e
boemia.
Desse modo, os meios visuais e textuais parecem ter funcionado, em alguns
momentos, como uma sada da chamada patota para desviar a censura. Outros veculos
de comunicao que circularam durante aquele mesmo momento, tambm alternativos,
da grande imprensa ou das emissoras pblicas, foram mais incisivamente e rapidamente
repreendidos do que o Pasquim, considerado o grande provocador.

68
Como na primeira edio que foi s bancas depois da priso dos jornalistas, em
maro de 70. A frase demonstrava a ironia da situao e, talvez, um alerta para os
leitores do semanrio: Uma coisa certa: l dentro deve estar muito mais engraado
do que aqui fora. A priso um marco na histria do Pasquim porque , a partir dela,
que uma parte da gerao de 60 se mobiliza fsica e intelectualmente para ajudar o
jornal e justamente neste sentido que este acontecimento utilizado, nesta pesquisa,
como um divisor entre duas fases da censura sobre o semanrio.
O ano de 1970 estava sendo de crescimento do espao do Pasquim: as vendas
aumentavam significativamente e o jornal deixava, aos poucos, de ser limitado ao Rio
de Janeiro e Ipanema e passa a ser aceito em So Paulo, que era objeto de piada para
os redatores cariocas. Em vrios exemplares, e em vrios textos, o jornal no cansava de
repetir, em vrios tons, a sua mxima, Pasquim um ponto de vista carioca.
Os dois ltimos meses do ano, porm, mudaram o rumo dos acontecimentos no
semanrio. No final de outubro, Jaguar publica uma fotomontagem do quadro de Pedro
Amrico, O Grito do Ipiranga, tambm conhecido como Independncia ou Morte.
O cartunista adicionou imagem de Dom Pedro I um balozinho com a frase extrada
da msica de Jorge Ben: EU QUERO MOCOT!, como mostra a figura 6. (ver
Anlise da imagem no capitulo 5 em item especifico)
Devido essa charge, os principais jornalistas do Pasquim, exceto Millr
Fernandes e Henfil, foram presos no incio de novembro de 1970, e foram liberados
dois meses depois. A deteno dos redatores, apesar de no ser acompanhada de
nenhuma forma de tortura, foi uma maneira de silenciar o jornal, que continuou
utilizando o riso para demonstrar a priso dos redatores e as condies de produo nas
quais o jornal estava inserido.
Para justificar, de alguma maneira, o motivos dos jornalistas do Pasquim no
estarem na redao, na edio de nmero 73 (ver imagem em captulo 5.3.2), a capa
anunciava um surto de gripe na redao do Pasquim, ou seja, o Pasquim sem os seus
componentes, em evidente ironia no-presena de Ziraldo, Jaguar, Luiz Carlos Maciel,
Tarso de Castro, Paulo Francis, Srgio Cabral e Fortuna. Mesmo assim, Paiva foi
responsvel por imitar o trao dos ilustradores presos. Alm de Miguel Paiva, Millr e
Henfil, que no haviam sido presos, passaram produzir material suficiente para
conseguir publicar o jornal semanalmente.
A priso dos jornalistas foi publicada pelo jornal New York Times no dia 20 de
novembro de 1970, pouco mais de duas semanas aps o ocorrido. O jornal norte-

69
americano publicou cinco A primeira matria define o Pasquim como um jornal crtico
em relao ao governo ditatorial e satrico em relao aos tabus da sociedade brasileira.
Tambm menciona o sucesso do semanrio, que atingia, naquele momento, a venda de
200 mil exemplares.
Neste momento, entra em cena uma manifestao de apoio ao semanrio, que
talvez s a imprensa alternativa tinha: a colaborao de outros intelectuais cariocas da
mesma rede de sociabilidade. possvel dizer que a cultura e a prpria censura
pareciam ser pontos de convergncia desta gerao. A essa colaborao intensa para
manter o jornal em produo, o prprio Pasquim deu o nome de Rush da Solidariedade.
Por identidade com os jornalistas do semanrio, vrios artistas e intelectuais de
outras reas agregaram-se ao Pasquim. Martha Alencar, jornalista e companheira da
turma do Pasquim, conta que, na manh seguinte da priso dos redatores, Chico
Buarque foi at a redao do jornal. Deixou um bilhete na porta, mesmo correndo o
risco de ser reprimido, avisando que soube da priso e estaria disposto a colaborar com
o jornal. A partir da, outros compositores, deste mesmo grupo social, comearam a se
responsabilizar pelo fechamento de algumas pginas do Pasquim.
Na rea cinematogrfica, uma das mais importantes participaes foi de Glauber
Rocha, porta-voz do conceitual e experimental cinema novo. Quando soube da priso
dos jornalistas, o cineasta foi redao do Pasquim e, esbravejando, segundo conta
Martha Alencar, mostrou sua repulsa em relao ao episdio e comeou a colaborar
com o jornal sistematicamente.
A rede de colaboradores que se uniu para manter o Pasquim conseguiu imprimir
vrias edies do jornal apesar de outras limitaes que a censura imps ao semanrio.
A polcia federal do Rio de Janeiro suspendeu algumas vezes, sem ordem judicial, a
publicao do Pasquim, e grampearam o telefone da redao.
Ao contrrio da violncia que predominou os diferentes perodos de censura no
Brasil, os jornalistas do Pasquim acabaram tendo momentos de relacionamento prximo
com os militares mesmo quando presos. Srgio Cabral lembra, no documentrio O
Pasquim e a subverso do humor, de 1999, que um militar, em um sbado noite, foi
conversar com ele e com Ziraldo, abriu a cela, pediu para trazerem cerveja e um violo.
O grande questionamento dos oficiais, entretanto, era em relao aos vnculos
dos redatores com a esquerda. Segundo Maciel conta, os interrogatrios vinham sempre
acompanhados de uma lista dos envolvimentos de cada um deles com a esquerda e com

70
os grupos revolucionrios, assinatura de listas e abaixo-assinados e participao em
atividades culturais e estudantis.
A censura no assustou o grupo de colaboradores do jornal, que poderia ter
optado por manter-se afastado para no ser associado aos subversivos jornalistas presos.
Pelo contrrio, aproximou e fortaleceu as interaes entre os membros da gerao do
Pasquim, que, neste momento, sentem-se parte do jornal. O termo patota, por mais
generalista que seja, harmnico com esse sentimento e foi impresso diversas vezes nas
edies do tabloide. Tambm fica claro que o momento que dividiu o Pasquim e as
circunstncias da publicao do jornal durante a priso dos jornalistas consolidou a
linguagem e o estilo do jornal.
A mudana da censura do Pasquim para Braslia, em dezembro de 1973, esvazia
o espao de relaes e possibilidades que foi criado quando os redatores entregavam e
buscavam pessoalmente o material vetado. Ali, em alguns momentos, como vimos,
existiu uma interao que, mesmo quando no limitava a ao do censor, possibilitava
um entendimento maior de como a censura interpretava os textos e ilustraes
produzidas.
Com vrios intelectuais no exterior, exilados ou auto-exilados, a redao do
jornal toma um novo ritmo de produo. O Pasquim passa por modificaes que,
ampliadas, revelam momentos de silncio, como edies sem frases-editoriais, na
tentativa de manter o jornal sob o mesmo ritmo.
Quando os jornalistas foram soltos, a censura prvia voltou, mas continuava
sendo executada no Rio de Janeiro. O censor mencionado pelos jornalistas do Pasquim,
em suas memrias, era o General Juarez Paz Pinto, pai da Garota de Ipanema, Hel
Pinheiro, que tambm teve um relacionamento interessante com os jornalistas. No que
ele fosse companheiro de usque, mas existia uma situao que se afasta, e muito, do
que se imagina como um ambiente de censura. A relao com o general, como recorda o
jornalista Srgio Augusto em um documentrio sobre o Pasquim mostra as
particularidades e condies do cotidiano do jornal e dos censores cariocas:
Um dia da semana, o Ivan Lessa ia com o Jaguar l, para ver os cortes e fazer
uma troca de favores. Ai o general dizia: Tem certeza de que no tem
nenhuma sacanagem a, no? (...). Os textos do Francis que chegavam por
ltimo, que vinham de avio pela Varig, ele lia na praia. Ele ficava ali no
Posto 6, jogando biriba com os amigos dele, depois ele ia redao do
Pasquim de calo, toalhinha, p sujo de areia, entregar. (Documentrio O
Pasquim, a subverso do humor. TV Cmara, 1999).

71
A partir do episdio marcante da priso, a censura tentou corroer, e de fato
restringiu, no apenas as mensagens e a criatividade de seus jornalistas, mas,
principalmente, o jornal em si, atravs de represses diretas e indiretas a quem se
envolvia com o jornal (principalmente as bancas de jornal e os anunciantes) e da crise
financeira que, naturalmente, foi vivenciada pelo Pasquim e por grande parte da
imprensa, na medida em que havia atraso na produo e distribuio do jornal.
O artigo de Millr Fernandes, Rquiem para um Jornal Humorstico, abaixo
descrito, na edio de nmero 200, veiculada em junho de 1973, aponta a gravidade do
confronto com os censores e a ameaa constante de fechamento do debochado jornal
carioca:

Sob as mais variadas presses, realmente violentas e sempre parecendo

invencveis, escrevi alguns artigos sobre a vida do Pasquim. Este, dramtico,
tinha sua razo de ser; o jornal estava, mais uma vez, pra ser fechado. Assim,
depois de quatro anos de muitas e gargalhantes pelejas, algumas das quais
foram acompanhadas alegremente pelo leitor, e outras das quais o leitor nem
pode tomar conhecimento, O Pasquim chega ao nmero 200. Chega, no
passa. Este o ltimo nmero do nosso jocoso semanrio. (...) Como todo o
mundo viu, cresceu, diminuiu e cresceu de novo, sempre castigando os
mores, e hoje morre, rindo s bandeiras despregadas. Pois morre vendendo
sade (100.000 exemplares). Morre atropelado. Uma fora de alguns milhes
de toneladas, uma teia de milhares de restries e impedimentos, uma
incalculvel massa de obrigaes e imposies, tornaram irrespirvel a nossa
j modesta rao de ar.
Dos seus quatro anos de hilariante vida, este zombeteiro hebdomadrio pode
contabilizar a glria de ter modificado fundamentalmente a linguagem dos
outros jornais e ter infludo muito na expresso falada da juventude e no
estilo da comunicao publicitria. Durante quatro anos, este risonho jornal
cuja maioria de sorridentes redatores no ligada a nenhum grupo poltico,
econmico, religioso, nacional ou estrangeiro, que tem como nico objetivo o
exerccio de uma crtica geral e democrtica a tudo e a todos (os poderosos e
estabelecidos sendo, naturalmente, os mais criticados, pois, no h graa
nenhuma em criticar os cados), foi combatido pela maioria dos grandes
rgos de imprensa brasileira e por todos os detentores de algum poder,
inconformados com um veculo que no tinha preo de venda a no ser o da
banca e era dirigido por intelectuais inatacveis porque sem fichas pregressas
que os situassem em qualquer esquema de ilegalidade ou qualquer espcie de
criminalidade, mesmo fiscal.
Chegando a circular com um mximo de 64 e um mnimo de 16 pginas, o
risonho Pasquim conseguiu sobreviver a tudo, at mesmo priso de todos
seus redatores, provada intil pelas prprias autoridades num processo que
foi a consagrao deste grupo de profissionais, pois demonstrou que eles
tinham como nico e total objetivo de vida o exerccio de sua apaixonante
profisso.
A coao fsica no impossibilitou a sada do jornal. Durante dois meses, ele
circulou sem a colaborao de qualquer dos seus redatores habituais.
Sobreviveu graas solidariedade de inmeros colegas. Saiu fraco e
sobreviveu mal. Mas sobreviveu com a barriga doendo de tanto rir.
Agora, porm, temos que nos render e afirmamos, humildemente, a nossa
derrota, diante da nica coao irresistvel, a coao intelectual, hoje
absoluta. Uma censura inconstitucional - a Constituio vigente explcita
quanto liberdade plena de jornais e revistas circularem sem qualquer

72
censura, os responsveis respondendo, naturalmente, diante da lei, pelos
desmandos que cometerem - j vinha sendo exercida de maneira sufocante.
Jornais pobres, como este, resistiam debilmente, gastando 20 horas para
refazer um trabalho anteriormente feito em 10 e tendo o dobro e, s vezes, o
triplo de gastos para a confeco do material de suas folhas. Coincidindo com
o nmero 200, atingimos o limite das nossas possibilidades, fronteira natural
de nossas ilimitadas impossibilidades. As poucas normas que ainda havia
foram substitudas por um desvairo total das canetas pilotis, em que no h
nem mesmo aquilo que se poderia exigir como ltimo direito do cidado o
respeito ao seu trabalho. Nosso trabalho, mesmo os nossos piores adversrios
reconhecem que o fazemos com conhecimento e seriedade. Trabalho de
criao, nico, pois artigos e desenhos humorsticos no podem ser
substitudos de um momento para o outro como se fossem simples
reprodues de discursos ou resenhas de acontecimentos sociais. (MILLR
FERNANDES, Rquiem para um Jornal Humorstico, 1973).

Millr havia assumido a diretoria do jornal em outubro de 1972. Apesar do

episdio, o jornal continua a circular mantendo a mesma linha editorial baseada no
humor e no deboche, o que fica claro nas capas publicadas nesse perodo. Millr (1999)
conta que a equipe do jornal foi sempre muito unida. Todos nos ramos bons
companheiros de certa maneira, apesar de todas as divergncias que pudesse haver,
todos os humoristas sempre se deram bem. (Documentrio Humor com gosto de
Pasquim, SESC TV, 1999).
A importncia do Pasquim na histria da imprensa brasileira est registrada em
suas imagens. At seus textos eram imagticos, na medida em que eram repletos de
smbolos grficos e compunham as pginas como um quadro, sem muita concordncia
ou sentido. O jornal foi publicado durante mais de 20 anos, em diferentes condies de
produo e suas capas se tornaram histricas, polmicas e at enigmticas, no qual
mostraram a participao de uma gerao que ajudou a fazer o semanrio seja como
personagens ou colaborao direta nas edies. So imagens que, ainda hoje,
surpreendem os olhos acostumados com o jornalismo politicamente e graficamente
correto. Com improviso e falta de padronizao, o jornal ajudou a posicionar a
naturalidade da oralidade e das grias no papel impresso pela primeira vez no
jornalismo.

73

5.1 O HUMOR COMO LINGUAGEM DE COMUNICAO

O tirano pode evitar uma fotografia. jamais poder impedir uma
caricatura Millr Fernandes.

Neste captulo, antes de fazer a anlise das estratgias do Pasquim, via humor,
estudamos o humor como forma de comunicao. vale lembrar que, dentro da formao
de estilos de oposio durante a Ditadura Militar no Brasil, notvel o uso do elemento
humorstico como instrumento de manifestaes contra o Regime, e em alguns casos,
como o do jornal O Pasquim, no qual a linguagem do humor tornou-se o veculo de
comunicao entre as ideias de oposio de um pequeno grupo, os humoristas do jornal,
e o pblico leitor.
A palavra humor deriva do latim, e significa liquido, fluido (ZILLES, 2003, p.
1). Para falarmos sobre os recursos de linguagem do humor grfico, a melhor maneira
de iniciar essa discusso justamente sobre esse aspecto fludo que o humor apresenta.
Ao afirmar essa caracterstica, procuramos na verdade ressaltar os atributos que fazem
da comicidade um meio de comunicao de possibilidades flexveis.
Em uma mesma obra que apresente o humor como caracterstica principal, pode
apresentar uma variedade de fins atravs do uso de recursos que se limitam pelo
imaginrio, conhecimento prvio e criatividade do autor. Apesar de tais caractersticas
no serem uma exclusividade do humor, estudos como os de Freud sobre a natureza do
humor nos apontam que o desenvolvimento da fluidez do efeito cmico, principal
veculo do humor, se d por meio de recursos necessrios a esta forma de comunicao,
principalmente o humor grfico.
Partindo do pressuposto que a charge uma crtica a determinada situao ou
pessoa atravs do humor, nos apoiamos em uma das teorias do jornalismo, a
newsmaking, identificando os valores noticia, ou seja, os critrios de seleo das
charges, visamos com isso situar o humor dentro de um contexto jornalstico. Segundo
Wolf (2005, p. 202), esses valores [...] representam a resposta seguinte pergunta:
quais acontecimentos so considerados suficientemente interessantes, significativos,
relevantes para serem transformados em noticia? Desse modo, um critrio de
relevncia discutido entre os jornalistas ao longo do processo de produo. O valornotcia ajuda os profissionais de imprensa decidir quais notcias sero publicadas.

74
Para Srio Possenti (2010), no livro Humor, Lngua e Discurso, os textos
humorsticos tm cada vez mais surgido no meio jornalstico e tambm em diversos
campos de pesquisa (estudos culturais, Histria, Sociologia, Psicanlise, Psicologia) e
estudos de linguagem, classifica a charge como textos humorsticos:
Os textos humorsticos, embora, evidentemente, no sejam sempre
referenciais, guardam algum tipo de relao (a ser explicitada, j que
humor no Sociologia nem Histria) com os diversos tipos de
acontecimento. As charges, por exemplo, so tipicamente relativas a fatos
do dia. (POSSENTI, 2010, p. 27).

O autor contempla em seu livro, os sentidos que um texto ou imagem pode ter.
Ele diz que:
as tcnicas humorsticas fundamentais consistem em permitir a descoberta de
outro sentido, de preferncia inesperado, frequentemente distante daquele que
o expresso em primeiro plano, e que, at o desfecho da piada, parecia ser o
nico possvel. (POSSENTI, 2010, p. 61)

atravs dessas construes que o humor se remete raiz de seu significado

original, a liquidez, capaz de se adaptar a forma do espao que o contm, e onde coisas
to distintas quanto uma ofensa e um alento podem misturar-se e provocar risos, e numa
gama de formas de expresso to variadas quanto uma msica, um texto ou uma charge.
Possenti analisa o humor como uma esfera, dividida em gneros, dentre quais as
piadas. Ele explica.
Para caracterizar o humor como uma esfera, creio que o exemplo mais tpico
para construir uma analogia a literatura. Tambm nessa esfera se trata de
muitos temas de quase tudo e isso se faz por meio de muitos gneros.
Correlativamente, o humor trata de quase tudo e tambm o faz por meio de
muitos gneros, da comdia charge. (POSSENTI, 2010, p. 104).

Englobada no conceito de humor, objeto da nossa anlise, a charge uma das

tcnicas mais usadas como humor, no qual o desenho se torna o grande meio de
comunicao e informa tanto quanto um texto. Sanchotene apresenta o humor e suas
vias, na monografia Humor e Poltica: a charge como estratgia de editorializao do
telejornal, da seguinte forma. O primeiro aspecto a abordar quando se fala de charge
procurar defini-la. Isso porque a categoria que engloba o humor grfico pode ser
representada de diversas formas. Desse modo, o autor contempla que essas definies
so, antes de tudo, uma questo de categorias distintas do desenho grfico que
compreende o cartum, a histria em quadrinhos, a caricatura e a charge.
(SANCHOTENE, 2008, p. 76).

75
O autor se refere charge ento, como a tcnica que mais ilustra o papel do
humor como linguagem, porm, o autor aborda as demais categorias e seus papis no
humor grfico e no jornalismo.
J Marques de Melo afirma que:
As charges, caricaturas e ilustraes editoriais so um meio visual e muito
eloquente de expressar opinies, geralmente pela forma de humor. O uso da
imagem como instrumento de opinio atende, muitas vezes ao imperativo de
influenciar um pblico maior que aquele dedicado leitura atenta dos
gneros opinativos convencionais: editorial, artigo, crnica etc. (MARQUES
DE MELO, 1985, p. 120).

O mesmo autor define a caricatura como a forma de expresso artstica atravs

do desenho que tem por fim o humor. (1985, p. 123). Grudzinski, trata a charge
enquanto gnero jornalstico, to importante quanto os outros gneros opinativos. Isso
tudo porque a imagem um instrumento ainda mais eficaz de convencimento, devido
assimilao que a charge d ao leitor de perceber a opinio expressa (2009: 3-4).
Desse modo, a linguagem das charges e caricaturas pode ser entendida como um
gnero opinativo no jornalismo, devido ao seu poder de informar tanto quanto um texto.
Elas ocupam um lugar significante dentro de um jornal, sendo o mesmo espao do
editorial, comentrios e artigos. A riqueza existente em uma charge to valiosa quanto
a riqueza de um texto, porm preciso saber interpret-la. A mensagem crtica que uma
charge pode exercer bastante grande e pode valer por mil palavras.

Oliveira e

Almeida (2006), no artigo Gneros Jornalsticos opinativos do humor: caricaturas e

charges, tratam o humor como uma linguagem de comunicao muito poderosa e na
forma de charge, consegue transpor mais ainda a sua real inteno.
A charge sentencia e mostra os fatos pelo ngulo da indignao e da ironia.
No desenho, as atitudes duvidosas dos donos do poder so divulgadas sem
qualquer tentativa de suavizao ou de imparcialidade. Esse o espao para a
crtica e para os juzos de valor. (OLIVEIRA; ALMEIDA, 2006, p. 78).

Segundo esta perspectiva, observa-se a articulao existente entre texto e humor

para a captao de um entendimento ou de efeito de uma mensagem. Articulao esta,
que rene comicidade e analogia, caractersticas da charge, baseados em atos,
acontecimentos e fatos. O sentido a que envolve a charge aquele que prope uma
produo de verdade nica atravs da sua penetrao na realidade poltica e social. Na
maior parte de seu caminho, a charge interpreta o real de maneira combativa, crtica e
atrativa. Combativa por subverter a realidade e tomar isso como uma denncia de

76
verdade; crtica por confrontar o bom-senso e senso comum; e atrativa por se debruar
sobre a realidade e dela suscitar novos olhares sobre os acontecimentos.
Atravs das charges, que desempenharam um papel muito importante na
estratgia do jornal O Pasquim (apesar da censura prvia imposta pelo governo Mdici),
os humoristas do jornal optaram pela tentativa de driblar os censores com seus
instrumentos de crtica:o humor e a stira. Para Bakhtin (1999), o riso popular, por ser
ambivalente expressaria uma opinio sobre o mundo, no qual os que riem estariam
includos. O riso popular seria a imagem do riso carnavalesco, visto que ele
universal, festivo, e ao mesmo tempo sarcstico e burlador. (BAKHTIN, 1999: 8-11).
Porm este no seria o caso do humor pasquiniano. Seria mais prudente creditar aos
cronistas e caricaturistas, que se resistiriam ao moralismo da Ditadura e aos censores
formais e informais, a condio de intelectuais que descreviam o comportamento das
pessoas reais ou imaginrias de modo humorstico. Assim, estas prprias pessoas
representadas no precisariam demonstrar humor algum, seriam elas, censores e
representantes do Regime.
Para Nery (1998, p. 39), a charge uma interpretao crtica, inteligente e
irnica. Interpretando a definio de Nery em seu livro Charge e caricatura na
construo de imagens pblicas, acrescentamos que a charge crtica, pois discute e
opina sobre acontecimentos noticiosos, usando a linguagem do desenho. inteligente
porque consegue resumir e criticar no pequeno espao do desenho o que h de teor
relevante em um fato, de forma que o leitor compreenda do que se trata, e fique
informado sobre algo importante que se passa no seu pas ou no mundo naquele dia.
De acordo com Nery (1998, p. 41), [...] a charge insere-se ento a favor dos
grupos ou partidos que editam o jornal e contra seus adversrios. Todavia, o autor
aborda a charge como uma linguagem de comunicao que no sobrevive em meio s
ditaduras. Ele acredita que as charges no conseguem exercer seu papel diante de um
governo ditatorial baseado em censura. O mesmo autor explica de forma mais detalhada
o assunto:
A exarcebao no trao e nas aes que compem perfil poltico e
psicolgico de suas vitimas, permite a charge expor as peas da
personalidade, objetivos, desvios de informao que o enfocado queira
manter em segredo. Nas ditaduras, comumente elimina-se a charge e o
incmodo que ela pode causar aos ditadores [...] Em sociedades
democrticas, a charge um importante instrumento de expresso da
heterogeneidade cultural e de pensamentos, pois ridiculariza o
comportamento poltico dos donos do poder e compe novas cenas no
espetculo poltico. (Nery, 1998, p. 187).

77

Entende-se por exacerbao, um recurso utilizado em caricaturas e charges, no

qual os traos fsicos ou ideolgicos dos personagens reais apresentados so
propositalmente exagerados e/ou agravados.
J Bakhtin (1997:31-36 apud MIANI, 2001, p. 6) visualiza um outro ponto de
discusso e de compreenso da imagem. Ele procura entender a relao entre o trao e o
armamento ideolgico que este carrega.
Como vimos, qualquer imagem pode comunicar algo tanto quanto um texto
escrito e, portanto pode ser classificada como uma forma de emisso de mensagens.
No muito diferente o desenho de charge, pois comunica, especialmente, um discurso
ideolgico de determinado chargista, que pertence a um veculo de comunicao, logo,
aceita e defende a linha editorial que pertence.
Basicamente, o chargista encontra no cotidiano os elementos para a construo
do seu discurso, com olhar atento aos problemas sociais, realizando assim, quase um
trabalho artesanal, misturando traos e cores, fazendo com que a crtica, disfarada no
riso, se torne eficaz.
Nery (1998) ainda explica sobre o grau de dificuldade existente para
compreender uma charge (1998, p. 71-72), Para ser decodificada, a charge necessita
manter uma relao estreita com o cotidiano e o universo cultural do leitor. Afirmam
os tericos que para a compreenso da charge h necessidade de entender o seu contexto
histrico/temporal.
Com o tempo, a charge foi ganhando mais importncia, que um estudo realizado
por Agostinho (1993, p. 314) constatou que o pblico, em reconhecimento, a v como
matria jornalstica inserida nas pginas de jornais e revistas. O autor ainda explica que
a charge se constitui de uma realidade inquestionvel no universo da comunicao, e
um dos seus principais objetivos no apenas distrair, mas, ao contrrio, alertar,
denunciar, coibir e levar reflexo (AGOSTINHO, 1993, p. 229).
Quanto aos elementos estticos da charge como linguagem, o mesmo autor
analisa que ela geralmente apresentada em desenho, atravs de linhas, o espaos, o
planos, ponto de enfoque, volume, luz, sombra, movimento, narrativa, bales,
onomatopia e o texto verbal, no aparecendo, necessariamente, todos estes elementos
em todas as charges.

78
Enfim, segundo Agostinho, [...] os elementos que estruturam a charge podem
ser materiais - que constituem a estrutura - objeto - ou pertencentes a outros
nveis de elementos, tais como: sistema de referncia ao qual a charg recorre,
ou ainda, aos sistemas de reaes psicolgicas contidas no desenho. Estes
nveis podem tambm se subdividir em tantos outros, como os nveis de
ritmo, de sons, de enredo, de ideologia etc (AGOSTINHO, 1993, p. 227).

No ponto de vista de Nery (1998, p. 189), que discute a charge inserida no

jornalismo, a imprensa brasileira assimilou a charge como gnero opinativo e inseriu-a
em suas pginas, criando condies para que se estabelecesse o hbito de sua leitura
como parte do hbito de ler jornal ou revista.
Desse modo, importante observarmos a construo de uma linguagem do
humor e a presena do ridculo no discurso das obras cmicas. A apropriao do humor
na divulgao ou contestao de ideias, no ataque contra inimigos polticos, por
exemplo, como no caso das charges no perodo do Regime Militar, tem o ato de
ridicularizar como um caminho seguro para a produo dessas obras cmicas. Porm,
necessrio entender que a utilizao do humor como instrumento social no implica,
claro, numa liberdade total de ao, ou seja, aquilo que produz um efeito cmico para
determinado grupo, pode gerar revolta em outros, como aconteceu nesse perodo do
Regime.
A censura instituda durante a Ditadura Militar tinha, dentre outras obrigaes, o
controle dos possveis excessos que poderiam ser cometidos pelo uso do Estado como
alvo de produes de cunho humorstico. O senso de humor do cartunista atribui a sua
obra uma ao capaz de gerar uma interpretao diferente da ideia inserida nessa mesma
obra, multiplicando os seus sentidos.
Chartier (1990, p. 19), em A Histria Cultural Entre Prticas e
Representaes, discute a necessidade de identificao dos cdigos criados entre
cartunistas e leitores, quando afirma que vital considerar como simblicos todos os
signos, atos ou objetos, todas as figuras intelectuais ou representaes coletivas, graas
aos quais os grupos fornecem uma organizao conceptual ao mundo social ou natural.
Freud mostra, em sua obra Os chistes e sua relao com o inconsciente
(1927), os domnios do risvel. Para ele, so trs as formas de manifestao cmica do
inconsciente: o chiste, considerado piada ou anedota; o cmico, que a manifestao com contrastes - de carter alegre; e, por fim, o humor, que existe quando h
intencionalidade de uma leitura stira de fatos negativos. O humor goza das nossas
dificuldades e ao fazer isso diminui os nossos problemas, e mesmo que sejam alvios
temporrios, fazem muito bem para a vida. Porque viver os problemas com bom humor

79
sempre viver melhor (FREUD, 1927, p. 192). O autor ainda distingue o humor tanto
do efeito dos chistes quanto do cmico. O que caracteriza os chistes serem
manifestaes do inconsciente, formas de escapar da represso e do controle. O humor,
ao contrrio, embora tenha como os chistes e o cmico algo de libertador.
Possui tambm qualquer coisa de grandeza e elevao, que faltam s outras
duas maneiras de obter prazer na atividade intelectual. Essa grandeza reside
claramente no triunfo do narcisismo, na afirmao vitoriosa da
invulnerabilidade do ego. O ego se recusa a ser afligido pelas provocaes da
realidade, a permitir que seja compelido a sofrer. Insiste em que no pode ser
afetado pelos traumas do mundo extremo; demonstra, na verdade, que esses
traumas para ele no passam de ocasies para obter prazer. (Freud,
1974[1927]:190).

A charge, por ter um catater imediatista, expressa a situao do pas e do mundo

com os mesmos critrios de noticiabilidade de um texto, ou seja, (proximidade,
atualidade, impacto, conflito, interesse pessoal, entre outros), assim, representa com
humor uma situao, um contexto social ou poltico. Por ser imediatista, apresentada
no jornal do dia, e dias depois perde seu valor e se torna uma fonte histrica.
Como artista do riso e sujeito politicamente ativo, Henfil assinalou
repetidamente o seu entendimento de que todo humor poltico. No como defensor de
determinadas plataformas partidrias, mas como a afirmao de uma postura perante os
acontecimentos imediatos. Em suas palavras,
bvio que a chave para se fazer humor engajado voc estar engajado. No
h chance de voc ficar na sua casa vendo os engajamentos l fora, e
conseguir fazer algo. Esse talvez seja o humor panfletrio. o humor que
voc faz de fora (...) Voc no participa, voc no age. Voc desenha a ao.
(Como se faz humor poltico. Henfil em depoimento a Tarik de Souza.
Petrpolis: Vozes, 1984, p. 40).

No Pasquim, Henfil encontrou espao para apresentar de forma mais aberta sua
armadura tanto contra as prticas polticas e econmicas do Regime, como
jornalsticas e comportamentais. Ao convite de Srgio Cabral que, como Jaguar,
acreditava que o tipo de humor produzido por Henfil, humor porrada, se ajustava como
uma luva ao perfil do Pasquim.
A manifestao do humor como uma forma de oposio dentro do perodo
ditatorial brasileiro no se estabelece num carter revolucionrio, nem se apresenta
como uma voz universal dos que no apoiavam o Regime. O jornal O Pasquim,
principal referncia do humor oposicionista, direcionava a sua produo a uma
populao bomia, intelectualizada e de classe mdia do Rio de Janeiro, no
representando uma fora ordenada para a construo de uma nova hegemonia.

80
Essa uma caracterstica que se apresenta com grande fora no humor de
oposio utilizado no perodo de 1969 at 1974 pelo jornal O Pasquim. Alm das
crticas atravs da ridicularizao, o riso provocado pelos trabalhos humorsticos
desencadeava um efeito de catarse sobre as presses e medos desenvolvidos dentro de
um Regime que passa a utilizar o terror como forma de controle.
A utilizao do humor na expresso textual, visual e social bastante explorada
por Bergson (2004) em O Riso, ensaio sobre o significado do cmico. Nesta obra, o
autor busca definir os efeitos do cmico, ou seja, analisa as estratgias atravs das quais
o cmico obtido.
O riso, portanto, formado no apenas como a linha editorial escolhida pelo
Pasquim, mas, principalmente, como meio de sobrevivncia e de comunicao de um
pblico, alm de estabelecer uma relao de dilogo e no dilogo com a censura
carioca.
Neste captulo nos baseamos em conceitos sobre humor e riso face a censura e o
que realmente esses dois conceitos fazem para deixar nas entrelinhas uma informao
que no pode ser percebida. Para isso, procuramos como suporte, conceitos de autores
estudiosos do assunto como Sigmund Freud, Henri Bergson, Roger Chartier, Aucione
Agostinho, entre outros.
No captulo que segue, vamos aprofundar os conceitos de censura e humor como
linguagem. Demonstrar como o humor conseguiu estar a servio de prticas
jornalsticas, agindo como uma linguagem militante durante o perodo militar. Para isso,
nos basearemos em autores como Rozinaldo Miani, Luiz Guilherme Teixeira, Gilberto
Maringoni, Marcos Silva, Eloisa Klein, Maria Conceio Pires, Bernardo Kucinski,
entre outros, que nos trazem alguns aportes empricos para a anlise que segue no
captulos abaixo.

81

5.2 A RESISTNCIA ATRAVS DO HUMOR

Partimos do pressuposto que o humor tratado nessa pesquisa humor como
forma de protesto, como elemento de comunicao fundamental no perodo de censura
no pas. Esse conceito vem sendo tratado no decorrer da pesquisa e neste captulo
damos ao mesmo um enfoque mais especfico, destacando o seu modo de fazer, ou seja,
como esteve presente na prtica do Pasquim, enfrentando ou desvencilhando-se da
censura que se instaurou no pas aps o decreto do AI-5.
Para apresentarmos tal singularidade, lembramos alguns fundamentos sobre o
conceito de informao. Segundo Maringoni (1996), a informao por si s no
totalmente neutra. Ele explica o conceito, alegando que o prprio editor do jornal se
autoposiciona ao escrever a matria:
Um redator ou um editor, quando escreve uma matria, j toma diversas
opes subjetivas sobre que aspecto do fato realar, que ponto reforar no
ttulo e em que lugar da pgina colocar a matria. Estas opes induzem a
uma determinada compreenso do fato narrado. (MARINGONI, 1996, p. 86).

Desse modo, podemos entender que a informao no totalmente imparcial.

Assim, no perodo da Ditadura Militar, esse jornalismo teve que se adaptar s ideias e
ideais de uma populao que clamava por justia. O humor entrou nesse processo, como
pea chave, criando um carter transformador e importante para o jornalismo da poca.
Desse modo, a produo das notcias, alm do aparecimento dos jornais
alternativos, foi baseada pelos processos desencadeados a partir da severidade da
ditadura e da resistncia. Na imprensa, assim como na poltica, a dcada de 1970 foi
uma poca bastante rica, complexa, que definiu os caminhos que o pas percorreria no
futuro.
Gentilli (2004) explica que a imprensa, como uma espcie de porta-voz de seu
tempo, acompanha as ambivalncias do momento. O autor comenta sobre a
cumplicidade do emissor, no caso o Pasquim, e o receptor, que seriam os leitores. Ora
adere ou simplesmente se cala, ora reage, sinalizando para o leitor os acontecimentos, s
vezes buscando sua cumplicidade (GENTILLI, 2004, p. 90-91).
Com os diversos enfoques que o jornalismo alternativo apresentou, abordou
diferentes vises e defendeu diferentes direitos dentro do contexto poltico dos anos 60
e 70. Pires (2008), em seu artigo Humor, Participao e Engajamento Poltico na
Imprensa Alternativa debate o humor como forma de resistncia no perodo da Ditadura

82
Militar, e mais especificamente, o mesmo do cartunista Henfil, um dos integrantes do
jornal O Pasquim. Pires (2008) destaca a importncia que o jornalismo independente ou
alternativo, teve nesse perodo de transformaes polticas no pas:
Durante a ditadura militar brasileira, a imprensa alternativa mostrou-se
fundamental para a viabilizao de importantes canais de expresso para
grupos marginalizados como negros, mulheres e homossexuais, favorecendo,
ao mesmo tempo, a consolidao de uma cultura afirmativa e de confrontao
ao carter liberal-conservador do discurso poltico hegemnico. (PIRES,
2008, p. 1).

Como j foi citado anteriormente, foram inmeros jornais que nasceram nesse
perodo, com ou sem uma ideologia, porm com o passar do tempo, foram tomando
forma e enfatizando seus ideais. Entre os diferentes enfoques ainda citamos os jornais
feministas, indgenas, estudantis, entre outros.
Quando se fala em produo humorstica em prol de denncia ou protesto, os
jornais alternativos buscaram no humor, atravs de linguagens de charges e de cartuns,
expor suas ideias, mesmo sendo de forma subentendida, disfarada. De acordo com
Oliveira (2011, p. 2972), Henfil, em suas charges no jornal O Pasquim, buscou mostrar
atravs do humor, a insegurana poltica que o pas viveu tanto na instaurao quanto
no momento de abertura do Regime Militar.
Maringoni (1996) aborda que o humor deve seguir uma espcie de cdigo, em
cada publicao, para que assim, o seu objetivo seja realmente alcanado:
Para se fazer humor preciso haver cumplicidade com o pblico. Ningum ri
da piada que voc conta, se no existe um cdigo prvio entre voc e seus
ouvintes. Muitas vezes, este cdigo est baseado no mais repugnante dos
preconceitos, mas ele - o vnculo - deve existir. (MARINGONI, 1996, p. 88).

A citao aponta uma das principais caractersticas desse tipo de humor: o

humor como forma de resistncia. O cdigo, que o autor trata, realmente o diferencial
desse modo de fazer, no qual as charges e cartuns apresentados nos jornais do perodo
ditatorial.
Kucinski (1991) tambm aborda esse humor, dotado de caractersticas libertrias
e transformadoras. Cnicos e libertrios, os escritores satricos e cartunistas
desempenharam um papel central na resistncia ditadura brasileira (KUCINSKI,
1991, p. 26). De acordo com o autor, nenhuma outra categoria se ops de forma to
coerente.

83
Kucinski (1991, p. 26) ainda salienta que os humoristas criaram uma imprensa
prpria, alternativa e com ela, driblaram o poder, num exerccio ldico tpico de seu
ofcio. Porm, para fazer parte dessa imprensa de resistncia, esses jornalistas e
cartunistas sofreram consequncias, como a priso. O autor ressalta que apesar das
dificuldades, esses jornalistas no desistiram e fizeram do humor brasileiro dos anos de
1970, um ato coletivo contra a ditadura, extravasando os limites no confrontacionais
do humor poltico clssico.

84

5.3 HUMOR NO PASQUIM: RESISTINDO A CENSURA

Neste captulo vamos apresentar a anlise das charges no jornal O Pasquim no
perodo de 1969 at 1971, formando uma ordem cronolgica de acontecimentos que
marcaram a trajetria do semanrio carioca. Dessa forma, vamos examinar as imagens,
em termos de forma e de contedo, alinhando as mesmas na sequncia de textos, cada
uma delas ser identificada atravs de subttulos. Para tanto nos apoiaremos em alguns
conceitos que foram mapeados no captulo anterior e que vo nos ajudar na leitura dos
materiais.
Nestas condies, o objetivo deste captulo analisar algumas aspectos dos
construdos pelos jornalistas e cartunistas, na forma de charges, visando, sobretudo
identificar os propsitos dos autores, ao fazer uso desta estratgia. Segundo nossa
hiptese, o recurso a esta linguagem visa, dentre outras coisas, apresentar formas de
resistncia censura. Recordemos que o humor trabalhado conforme vimos acima com
a produo do segundo sentido, ou seja, algo que no est na aparentemente visvel, mas
que se explica a partir de articulaes de linguagens e seus protocolos. Iremos fazer a
leitura das imagens para desvendar como elas conseguiram informar apesar da censura
imposta.
O jornal O Pasquim utilizou esse segundo sentido na construo humorstica de
suas charges, com mensagens implcitas como um mecanismo de se fazer entender
diante da censura. A maneira encontrada pela equipe do jornal foi utilizar largamente
deste recurso de linguagem para produzir mensagens nas quais deixava a posio
subentendida, como forma de driblar a censura. O humor foi a grande carta da manga,
enquanto estratgia discursiva do Pasquim. Muitos termos textuais contidos nas
entrevistas e as jogadas de mestre das charges conseguiram passar despercebidos pelos
censores.
No ambiente sufocante em que o pas se encontrava, O Pasquim cumpriria a
misso de produzir novas condies para informar os leitores, reunindo alguns dos mais
brilhantes jornalistas, cartunistas e chargistas da poca. Nomes como Srgio Cabral,
Tarso de Castro, Millr Fernandes, Jaguar, Ziraldo Alves Pinto, Srgio Augusto,
Fortuna, Claudius Ceccon, Miguel Paiva, Paulo Francis, Luiz Carlos Maciel, Martha
Alencar, Ivan Lessa e Henfil.

85
Antes de procedermos anlise, desenvolveremos alguns pargrafos sobre a
pertinncia dos conceitos levantados para a anlise, de um modo breve, uma vez que
voltaremos aos mesmos no exame das charges, procurando localizar a ligao das
mesmas para as charges escolhidas.
O jornal O Pasquim, diante da necessidade de um modo de informar que
conseguisse revelar a indignao para com o perodo em que o pas vivia, conseguiu
reunir os elementos humorsticos com carter oposicionista como nenhum outro jornal.
No documentrio sobre o tabloide, os cartunistas analisam a forma de humor
apresentada no semanrio.

O humor extremamente transformador. O humor uma linguagem

subversiva por si s. Ele vai sempre descobrir uma maneira de pular aquele
muro que construram na frente dele. No h maior alimento de incentivo ao
humor que a censura. (Miguel Paiva - Documentrio: O Pasquim - A
Subverso do Humor. TV Cmara, 1999).

Miguel Paiva foi um dos componentes da patota e um dos poucos cartunistas

que no foram presos em 1970.
Alm das tcnicas criativas para lidar com as presses vindas da Ditadura
Militar, as histrias sobre o Pasquim e seus editores vm de relatos de que o humor foi
fundamental na relao com os censores e colaborou na determinao de quais textos
seriam publicados.
atravs do humor que o semanrio elege suas rotinas e inicia sua campanha
para mobilizar as pessoas, alertar para a poltica instaurada no momento e lembrar aos
desinformados, que rir era uma estratgia para no chorar diante do que estava
acontecendo. Ou seja, os jornalistas e cartunistas do Pasquim, acreditavam que era
preciso um pouco mais de graa e leveza para que a vida seja percebida em certos
detalhes incapazes de serem notados diante da Ditadura em que o Brasil vivia.
Desse modo, o humor e a gerao que criou e alimentou o Pasquim parecem ser
elementos fundamentais para entender a resistncia do seu discurso de contestao
durante o perodo da censura e os relacionamentos que permearam as publicaes do
jornal. So histrias impressas em frases e imagens que desmascaram o silncio do
Regime.
Apesar de ter o humor como linha editorial, o Pasquim comportava diferentes
estilos jornalsticos embora todos os textos e as imagens se enquadravam na categoria.
Maciel, Paulo Francis e Ivan Lessa faziam parte desses espaos que se diferenciavam

86
das pginas fortemente ilustradas, do riso constante e das crticas aos costumes
brasileiros. Os trs editavam as pginas geralmente repletas de texto, com uma
abordagem mais caracterstica do que o restante do jornal e dos redatores.
Bergson (2004) enfatiza ainda mais a funo da comicidade quando explica que
essa deve ser a funo do riso. Sempre um pouco humilhante para quem seu objeto, o
riso de fato uma espcie de trote social (BERGSON, 2004, p. 101). Ele ainda
complementa, enfatizando que quando se trata de comicidade de formas e movimentos,
certas imagens por mais simples que sejam, so risveis por si mesmas. Desse modo, o
autor nos ajuda a compreender melhor a ideia de humor trazida pelo personagem do
ratinho Sig e toda sua autocomicidade, caracterizada em seus traos.
O jornal O Pasquim trazia bastante dessa comicidade em suas pginas. Alm do
ratinho Sig, conforme vimos anteriormente, as charges eram o grande carro chefe do
semanrio. Braga (1991, p. 162) enfatiza que as imagens do desenho pasquiniano e
suas intenes satricas levaram, geralmente, a uma integrao entre as imagens e seu
texto. Quanto s editorias, o tablide trazia geralmente surpresas, seja com uma foto
de impacto, uma declarao chocante ou uma frase logo abaixo do nome do jornal,
chamada por Braga (1991) de "frases-lema", que mudavam a cada edio. A chamada
principal do semanrio geralmente vinha da entrevista principal. O semanrio propunha
uma linguagem visual e textual diferentes que permeavam o jornal inteiro.
Os elementos acima descritos fazem parte do estilo visual e textual do jornal, e
esto diretamente ligados a dois aspectos opostos da vida cotidiana, a represso e a
cultura alternativa. Ambos fazem parte das principais caractersticas que determinaram
a linha editorial do Pasquim, o humor.
Outro atrativo do tablide eram as famosas frases-editoriais que examinaremos
mais abaixo. Elas dividem-se pelos diferentes perodos de censura sobre o semanrio. O
que se percebe a permanncia da estrutura subjetiva do auto-discurso, na construo
da frase de capa do jornal seguida de uma definio.
Braga (1991: 135-136) trata das frases editoriais de capa, como uma redefinio
semanal por parte do semanrio. Ao fazer essa redefinio, o jornal exprime tambm
uma opinio sobre sua atualidade poltica: que exige de um jornal o esforo de renascer
(ou no morrer) semanalmente, repensando-se a cada exemplar. A frase editorial da
edio n 16, de 1969 estampa a frase que explica a afirmao de Braga (1991): O
Pasquim, um jornal que sente o drama de escolher um lema por semana.

87
Trs frases-editoriais do perodo em que a censura estava centralizada em
Braslia contam a dificuldade do processo de produo do jornal naquele momento: O
Pasquim um jornal que no editado por seus editores (edio 261, publicada em
1974); O Pasquim um jornal que balana, mas no cai (edio 264, de 1974); e
Cumprimos o doloroso dever de informar que estamos vivos (edio 279, de 1974).
As campanhas institucionais do perodo Mdici tambm eram alvo das piadas do
jornal. Pasquim: ame-o ou deixe-o, era uma clara meno propaganda realizada pela
Assessoria Especial de Relaes Pblicas (AERP). Esta assessoria era composta por
jornalistas, psiclogos e socilogos que determinavam sobre os temas e o enfoque geral,
contratando em seguida, agncias de propaganda para produzir documentrios para a
televiso e o cinema, alm de matrias para os jornais.
O governo gastava milhes de cruzeiros em propagandas destinadas a melhorar
sua imagem junto ao povo. Atravs do humor, O Pasquim usou dessa mesma frase para
ressaltar que o pas teria que aguent-lo, como a frase: Pasquim, ame-o ou deixe-o,
fazendo uma espcie de releitura da famosa frase citada anteriormente.
Os jornalistas no poderiam se arriscar e correr o risco de perder o jornal, assim,
mais uma vez a autocensura foi o meio encontrado na frase editorial. Nela eles
demonstram que sim, tinham medo de tudo que estava acontecendo.
A frase da edio n 131, de 1972 diz: O PASQUIM sai todas as teras, ou
quartas, ou se calhar, quintas, se origina pelo fato de o jornal no ter o costume de
realizar reunies de pauta, e por vezes o material atrasava, pois era necessrio que os
censores lessem todo antes de ir para a impresso. O Pasquim no tinha um dia certo
para ir para as bancas. Geralmente era nas quintas-feiras, mas como nunca se sabia se
tudo ia dar certo com as publicaes, a pontualidade nunca foi a maior virtude do
semanrio.
Outra frase que estampou a capa do Pasquim foi: O importante no vencer,
sair vivo. O ano desta publicao 1972, na edio n 168. Os jornalistas tinham um
humor mpar para enfrentar a represso que assolava o pas. Devido a tantos sumios,
violncias e mortes, o jornal driblava todo esse processo alertando que s queria sair
vivo disso tudo.
O ratinho Sig, uma espcie de mascote smbolo do Pasquim, estava presente em
todas as edies do semanrio estando presente nas charges, entrevistas, capas, tendo
como principal funo, ilustrar a opinio do jornal de uma forma irnica e engraada.

88
Na frase editorial Pasquim corajoso como um rato, os jornalistas se referiram
ao Sig para dizer o quanto estavam amordaados e ameaados pela represso, atravs de
bales de fala no ratinho. Os traos do mascote criado em homenagem ao psicanalista
Sigmund Freud no incitam nenhuma reao cmica, sendo um conjunto de atitudes e
dilogos representados pelo personagem, para seu grupo de leitores, que reside o humor
do mascote do semanrio. Os traos do mascote, criado por Jaguar, manteve-se durante
toda a trajetria do tabloide. Em todas as edies ele estava presente, tanto nos artigos,
capa, charges, e demais editorias. Visualize a seguir.

Figura 5

Mascote do humor pasquiniano

A interao do ratinho Sig com as entrevistas, fotomontagens e/ou de fotos de

bastidores (recurso raramente usado na poca), fica evidente em vrias edies do
peridico.
Um dos atrativos do Pasquim tambm estava relacionado s frases editoriais e
sempre continham uma ideia implcita a ser desvendada. A frase editorial Quem vivo
sempre desaparece, que foi publicada na edio n 174 do ano de 1972, referiu-se aos
sumios na Ditadura Militar. Nesse perodo houve perseguio lideranas polticas,
torturas, mortes misteriosas. Ou seja, falar, escrever, desenhar e publicar, tornaram-se
atos de resistncia e por consequncia, de medo.
O Pasquim tirou o formalismo do texto jornalstico utilizando o humor como
linha editorial. E no poderia ser diferente, j que grande parte dos jornalistas que se
juntaram para produzir o semanrio j vinha de experincias com o jornalismo
humorstico.
O riso do jornal podia ser percebido na ao humorstica direta, mas
facilmente desvendvel. J a indireta, na qual destacamos as entrelinhas que, uma vez

89
percebidas pelo leitor, provocavam com o mesmo efeito o riso, e cumpriam como disse
Braga (1999, p. 200), afirmando que as tcnicas do jornal, essencialmente voltadas
para a produo de subentendidos (a implicitao humorstica), tiveram que chegar a
um nvel de refinamento muito grande, em consequncia da censura.
Desse modo, O Pasquim trabalhou de um lado com o explcito, que era o
assunto mesmo tratado e tambm com o implcito. No podendo manifestar uma
posio direta contra o Regime, a linha editorial avaliava, criticava e combatia a sua
lgica deixando a informao subentendida nas entrelinhas.
Os assuntos abordados no tabloide, geralmente envolviam temas polmicos e
proibidos pela censura, como as atividades ligadas aos movimentos estudantis e
trabalhistas, crticas economia, entre outros. Alm disso, a censura proibia crticas ao
sistema habitacional,

propaganda sobre homossexualidade e divulgao das

divergncias da Igreja com o Regime. As notcias mais perigosas eram as que faziam
referncia aos militares e ao sistema. Qualquer assunto que pudesse causar a bravura nas
Foras Armadas, ou tenso entre os militares, era censurado.
Com a finalidade de intensificar a represso, a censura prvia, na qual era
exigido o envio de todos os originais dos materiais Braslia, foi instalada no Pasquim
e em outros jornais da imprensa alternativa. Contudo, os jornalistas e humoristas do
tablide no podiam evidenciar que o jornal estava sendo censurado. No lugar de
diversas matrias, a equipe colocava poesias de Cames ou as receitas de culinria. Isso
se repetiu por diversas edies.
Atravs da censura prvia, o Regime Militar foi submetendo aos poucos a
imprensa alternativa cada vez mais represso. Aos censores era recomendado que, na
dvida, deviam cortar a material.
Esse momento marcou consideravelmente a produo jornalstica, que recebeu
inmeros vetos e tinha suas matrias rabiscadas com um X. Gentilli (2006) analisa a
importncia e o papel que a imprensa alternativa teve nesse perodo. Ao mesmo tempo
em que, por traduzir um sentimento de mudana e de tentativa de engajamento, as
propostas dos jornais independentes, tiveram uma ao especfica para chegar
mudana pretendida. (GENTILLI, 2006, p. 69).
Nessas propostas, os membros da patota do Pasquim, atravs do humor,
conseguiram transpor o sentimento de revolta, sentido por uma gerao insatisfeita com
o governo vigente.

90

5.3.1 UMA BREVE DESCRIO CONTEXTUAL DAS

CHARGES
Nossa anlise das charges envolve tambm um registro de contextualizao das
mesmas, algo a ser feito nos prximos pargrafos. Este captulo a pea chave desta
pesquisa, pois engloba o grande objetivo do trabalho, ou seja, descrever as charges
atravs do humor usado como linguagem e como essas charges ajudaram a disfarar o
momento de represso vivido pelo pas entre os anos de 1969 a 1972. A importncia em
tratar de um assunto to delicado quanto censura, est na complexidade dos materiais
criados durante o perodo, no qual tiveram que mudar o seu modo de informar para se
adaptar aos mandos do governo.
As charges ilustram os momentos importantes vividos pelo semanrio,
Pasquim,a de que marcaram a gerao dos anos 70 e revolucionaram o modo de
informar, contando com uma equipe cheia de talentos, formada por jornalistas e
cartunistas.
A primeira charge, a ser analisada - A autocensura de Millr, de 1970. Ela
aponta a autocensura que Millr Fernandes faz em relao ao governo. A segunda
charge, nomeada de Parodiando Drummond, apresenta uma relao inteligente que o
cartunista Jaguar fez com os versos de Drummond e o tricampeonato brasileiro de
futebol. J na terceira charge, que recebeu o nome de Plgio independncia, talvez a
mais importante dessa ordem cronolgica que montamos, pelo fato dela ser a pea
chave que levou os jornalistas e cartunistas priso em 1970. A quarta imagem,
intitulada Um jornal sem jornalistas, foi uma charge produzida enquanto a equipe
estava presa e desconhecemos o autor da mesma. Ressaltamos que apenas Miguel Paiva,
Millr Fernandes, Martha Alencar e Henfil ficaram livres da priso. Millr organiza a
capa da edio n 73 que ilustra um desenho antigo da fbula do lobo e do cordeiro, no
qual um balo de fala colocado no personagem do cordeiro: Enfim, um Pasquim
inteiramente automtico. J a frase editorial desta edio dizia: Pasquim, um jornal com
algo a menos. A quinta imagem, nomeada de A sada !! Onde fica a sada?, ilustra
outro momento marcante da trajetria do Pasquim. O chamado Rush da Solidariedade
foi um episdio importante na histria do semanrio e consistiu na ajuda que o tabloide
recebeu quando a maioria de seus jornalistas e cartunistas estavam presos. Nesse Rush,

91
estavam presentes jornalistas, artistas, escritores e demais pessoas influentes do cenrio
cultural brasileiros dos anos 70. J na sexta e ltima imagem, recebeu o nome de E
agora?, o ratinho Sig acompanha um alvo centralizado cheio de tiros, com o anncio
TARSO SOLTA. A imagem simboliza a liberdade dos componentes do jornal, que
haviam sido liberados da priso h poucos dias, e o nome de Tarso foi usado
especialmente, pela sua sada do jornal, logo aps perceber que o mesmo encontrava-se
em crise, devido priso de grande maioria da equipe.
Para a anlise das charges, ns voltaremos a alguns conceitos que descreveremos
abaixo.
Entre os conceitos que j apresentados nesta pesquisa, destacaremos sempre,
pelo vis do humor, em qualquer um deles. importante retomarmos alguns conceitos
de humor, baseados em autores como Freud, Bergson, Possenti, Maringoni, Sanchotene,
alm de autores que debatem o humor, enquanto linguagem de comunicao atravs da
qual se d a resistncia a censura, j que nosso enfoque na pesquisa o perodo da
Ditadura Militar. Entre esses autores podemos citar, Ferreira, Malachias e Bedin, entre
outros. Tambm iremos relembrar os conceitos de charge, com autores como Arrigoni,
Liebel, Miani, entre outros. Para isso, poderemos entender melhor o que, afinal, o que
provoca o riso?
Para fazer nossa anlise, vamos nos valer dos conceitos de Freud (2004), grande
pesquisador do assunto, que contempla o humor em seus pressupostos, ou seja, o que
ele busca e o que ele provoca. Para Freud (2004, p. 99-100) o riso tem significado e
alcance sociais, ou seja, que a comicidade exprime acima de tudo, a inadaptao
particular da pessoa sociedade, o autor complementa que, no h comicidade fora do
homem e que o homem o carter que visado em primeiro lugar. O autor contempla o
humor, com a comdia, como o gnero que mais se aproxima da vida real.

A ele se mistura uma segunda inteno que a sociedade tem em relao a ns

quando ns mesmos no temos. Mistura-se a inteno inconfessa de
humilhar, portanto, verdade, de corrigir pelo menos exteriormente. Por isso
a comdia est bem mais perto da vida real que o drama. (FREUD, 2004, p.
102).

Desse modo, Freud diz relata que os elementos que contemplam o carter
cmico sero os mesmos tanto na vida quanto no teatro. Na opinio de Firmino (2000,
p. 19), uma das capacidades que distinguem o ser humano de qualquer outra criatura da

92
terra, sem dvida o riso. A autora enfatiza ainda que alguns filsofos definiram o
Homem como um animal que sabe rir.
Possenti, (2009), que estudou o humor em mais de uma obra, cr que o mesmo
uma questo de cultura, devido ao seu desconhecimento dos dados, ou seja:
no caso do humor h uma manifestao clara de seu funcionamento, o riso.
Quando no ocorre, atribumos esse fato a uma diferena de cultura. Mas
creio que confundimos o que apenas uma manifestao mais ou menos
lateral como que seria uma caracterstica definidora. (POSSENTI, 2009, p.
226).

Em outra obra, Possenti (2010) analisa os ingredientes dos textos

humorsticos, contrastando sua relao com as questes de ordem lingustica, em
primeiro lugar, mas tambm pragmticas, textuais, discursivas, cognitivas e histricas.
O autor enfatiza que esse tema tem atrado muitos estudiosos e tem se percebido que o
assunto trata de um corpus privilegiado para uma espcie de tese de diversas teorias ou
de avaliao de prticas como a leitura. Possenti contempla que:

Os textos humorsticos evidencialmente no sejam sempre referenciais,,

guardam algum tipo de relao (a ser explicitada j que humor no
Sociologia nem Histria) com os diversos tipos de acontecimento. As
charges, por exemplo, so tipicamente relativas aos fatos do dia. (2010, p.
27).

Possenti complementa que apesar dos assuntos ligados ao cotidiano, as charges

tambm abordam temas de mdia durao como um governo, um regime, o tempo de
destaque de uma personalidade, como um mandato governamental (2010, p. 28). O
autor contempla nesta mesma obra, chamada Humor, lngua e discurso, que as tcnicas
humorsticas nem sempre apresentam os todos os que escondem. Ou seja, elas permitem
a descoberta de outro sentido, que geralmente, inesperado, frequentemente distante
daquele que expresso em primeiro plano e que, at o desfecho da piada, parece ser o
nico possvel. (2010, p. 61).
As charges, como tcnicas humorsticas, analisadas nesta monografia, tambm
apresentam um duplo sentido, ou seja, mais de um discurso, juntamente com o duplo
sentido, quando usadas involuntariamente, podem causar uma grande confuso, porm,
se inseridas intencionalmente, com a habilidade de poucos, podem gerar uma grande
gargalhada.

93
A charge, objeto de estudo desta monografia, tem como principal caracterstica,
compreender a mescla das linguagens verbais e no verbais. Desse modo, essa
construo hbrida aponta que a charge tem uma dupla dimenso: a explcita e a
implcita. Combinando elementos de cunho explcito e implcito, segundo Vedovatto
(2000, p. 64), a configurao estratgica decorre da instncia responsvel pelo que
dito (enunciado) com aquela responsvel pelos modos de dizer (enunciao).
Para Machado (2006), o discurso em si, no existe por si mesmo, ele s existe
em um espao entre sujeitos. Ou seja, se o discurso depende dos sujeitos para existir,
isso significa que produzido por esses sujeitos, no apenas pelo autor da fala ou
enunciador, mas tambm pelo sujeito que l o discurso (MACHADO, 2006, p. 3).
Mattos e Teodoro (2006, p. 3) discorrem sobre a funo das charges, no qual
afirmam que as charges tm o objetivo de persuadir, influenciar ideologicamente o
imaginrio do interlocutor. Assim, elas se mostram como um poderoso instrumento de
crtica. Diante dessas caractersticas, as autoras afirmam que uma a mais marcante:
o aspecto irnico e denunciador que tem a charge. Desse modo, as autoras
complementam se apoiando em Castro (2005) que diz que:
a ironia um caso tpico de discurso bivocal. Nela a palavra tem
duplo sentido: volta-se para o objeto do discurso como palavra comum e para
um outro discurso. Essa definio pode ser mais completa se acrescentarmos
que ironia a afirmao de algo diferente do que se deseja comunicar,
geralmente contrrio, na qual o emissor deixa transparecer a contrariedade
por meio do contexto, do discurso ou da entonao. A funo da ironia,
geralmente, criticar, impressionar e provocar humor. (CASTRO, 2005, p.
120)

Entre tantos conceitos de humor, duplo sentido, ironia, comicidade e demais

teses que nos apoiamos para construir esta pesquisa, com esses e outros pressupostos,
vamos dar continuidade ao nosso intuito neste captulo, a anlise das charges
escolhidas. Ressaltamos que esses conceitos sero vislumbrados adiante.
Para fazermos a anlise dessas charges, vamos assim, englobar diversos
conceitos para assim, entend-las melhor. Ao falarmos de interpretao das frases
contidas em charges, por exemplo, podemos contextualizar o enunciado. Caracterizado
como a manifestao das frases, a enunciao se d atravs de frases, sendo estas,
caracterizadas como partes da lngua, portanto o enunciado pode ser caracterizado como
uma realidade emprica. De acordo com Vedovatto (2000), o enunciado um
fragmento do discurso, uma manifestao particular.

94
Desse modo, nos prximos captulos, discorreremos sobre uma anlise
especfica de seis charges importantes no contexto desse trabalho e do jornalismo
brasileiro dos anos 70.

95

5.3.2 A GRANDE SACADA

Antes de comear a anlise, faamos alguns esclarecimentos sobre alguns

procedimentos metodolgicos que envolvem a leitura das charges. Lembro ao leitor que
a metodologia sobre a qual esta monografia constituda repousa em inspiraes
qualitativas, isto , renem duas orientaes, alm do recurso obrigatrio a
documentao, histria, os arquivos, etc. As duas orientaes as quais eu me reporto,
envolvem a importncia que tem para esta pesquisa o estudo de caso e a anlise de
discurso. Ou seja, uma vez que o meu objeto esta centrado em uma pesquisa sobre o
Pasquim e, particularmente, em uma de suas fases, significa dizer que estou trabalhando
com questes relativas a um estudo de caso, compreendendo por este conceito a
seguinte noo.
um mtodo de pesquisa que se concentra em um nico caso, e no um
censo de populao ou numa amostra representativa. Este estudo til nos
primeiros estgios de uma pesquisa, quando o objetivo consiste em explorar
ideias, submeter a teste e aperfeioar instrumentos de medio e
qualificaes observacionais, e preparar um estudo com base mais ampla.
(JOHNSON, 1995, p. 32).

Tratando-se de uma monografia de final de graduao, no poderia estudar o

Pasquim em sua abrangncia, o que envolveria muitos aspectos, histrico, poltico,
tico, organizacional, etc. Em funo desta ampla possibilidade, elegemos um aspecto
desse caso, o estudo das charges e para tal fim teria que fazer tambm uma escolha de
uma tcnica para examin-las. Neste caso optei tambm por um certo tipo de anlise de
discurso. Ou seja, descrio das caractersticas em termos de linguagem, de um certo
corpus de uma determinada forma de discurso jornalstico. No se trata de uma
anlise de discurso rigidamente aplicando princpios lingusticos e gramaticais, mas de
uma tentativa de interpretao que extrasse dos materiais das charges aqueles
elementos de linguagens em torno das quais se manifestaria uma certa produo de
sentidos. Trata-se de uma anlise que desafiada pela singularidade de um determinado
texto, no caso, o jornalstico, na forma de charge. Estou vendo a charge, mas no em
qualquer lugar, como em uma parede, televiso outdoor, entre outros. No. Estou vendo
a charge no jornal, e a se constitui a sua matria prima.
Desse modo, a nfase da minha pesquisa responder como o Pasquim dribla a
censura, atravs da descrio de textos (charges), onde o Pasquim constri mensagens
com fim de driblar a censura e que so examinadas por mim. Para isso, usaremos a

96
enunciao para entender melhor o modo de dizer dessas mensagens. Para Benveniste
(1970), o termo enunciao envolve diversos aspectos, como a relao do locutor com a
lngua determinada, que de acordo com a autora, determina os caracteres lingusticos da
enunciao. O ato individual pelo qual se utiliza a lngua introduz em primeiro lugar o
locutor como parmetro nas condies necessrias da enunciao (BENVENISTE,
1970, p. 83). O autor ainda elenca alguns conceitos sobre o termo.
Antes da enunciao, a lngua no seno possibilidade de lngua. Depois da
enunciao, a lngua efetuada uma instncia de discurso, que emana de um
locutor, forma sonora que atinge um ouvinte e que suscita uma outra
enunciao de retorno. Enquanto realizao individual, a enunciao pode se
definir, em relao a lngua, como um processo de apropriao. O locutor se
apropria do aparelho formal da lngua e enuncia sua posio de locutor por
meio de ndices especficos, de um lado e por meio de procedimentos
acessrios, de outro. Por fim, na enunciao, a lngua se acha empregada para
a expresso de uma certa relao com o mundo. A condio mesma dessa
mobilizao e dessa apropriao da lngua , para o outro, a possibilidade de
co-referir identicamente, no consenso pragmtico que faz de cada locutor um
co-locutor. A referncia parte integrante da enunciao. Seria preciso
tambm distinguir a enunciao falada da enunciao escrita. Esta se situa em
dois planos: o que escreve se enuncia ao escrever e, no interior de sua escrita,
ele faz os indivduos se enunciarem. (BENVENISTE, 1970: 82-90).

J para os autores do livro Dicionrio de Lingustica, Dubois, Giacomo,

Guespin, Marcelessi e Mevel (1973, p. 218), enunciao o ato individual de
utilizao da lngua, enquanto enunciado o resultado desse ato, o ato de criao do
falante. Desse modo, os autores enfatizam que, a enunciao constituda pelo
conjunto dos fatores e dos atos que provocam a produo de um enunciado.
Assim, a partir dos conceitos estudados acima, constitumos um melhor
entendimento de algumas ferramentas sobre a metodologia usada nesta monografia.
O esprito deste captulo que segue, justamente aprofundar nossos
conhecimentos sobre charge e o poder que o humor como linguagem tem para a
construo da mesma. Assim, vamos analisar seis imagens a partir de suas
particularidades, seus detalhes e suas ambiguidades dentro do discurso jornalstico
aplicado no contexto histrico e social em questo. Para aplicarmos essas estratgias
discursivas, iniciamos a anlise das charges com a charge A, de acordo com explicao
feita no captulo anterior, no qual iniciamos pela charge de Millr Fernandes.

97

Charge A - A AUTOCENSURA DE MILLR

Figura A

O Pasquim, n. 43, 12 a 18 de fevereiro de 1970, p. 33.

Feita em 1970, a charge nos mostra aparentemente dois homens conversando. O

personagem da esquerda, visivelmente mais jovem que o outro, vestindo uma camiseta
com o smbolo da paz, cabelos compridos, barba por fazer, e com um cigarro na mo
esquerda, apresenta o seguinte balo de fala contendo mensagem enviada ao segundo
personagem: Voc j ouviu a ltima contra o governo? O outro personagem,
aparentemente mais velho, com palet e gravata, e que possivelmente seria um censor
ou algum amigo, tambm com um balo de fala, diz: Cuidado, rapaz; tem gente lendo a
pgina. A fala diz, indiretamente que devido censura, deveria se ter cuidado com o
que se falava e ou comentava sobre o governo. O alerta do personagem se d como um
aviso ao jovem.
Podemos perceber que ali existia uma limitao na liberdade de expresso, o que
o perodo em que a charge foi feita, perfeitamente justifica o fato.
O ano de 1970 foi um dos piores anos vividos pelo pas, pois marcou o segundo
ano que o Brasil seguia o decreto do AI-5, instaurado em 1968. O AI-5 decretou, entre
tantos mandos, que seria proibida qualquer manifestao sobre assuntos de natureza
poltica. A censura foi instaurada no pas, afetando a imprensa, a msica, o teatro e o
cinema.

98
Desse modo, fica mais fcil entendermos porque o jovem estava sendo avisado
que suas palavras deveriam ser cuidadas naquele momento. Qualquer manifestao
sobre o governo seria punida e os direitos do cidado prejudicados.
possvel perceber na charge, que os traos que a compem so finos e bem
caractersticos do chargista Millr Fernandes. Vedovatto fala sobre esta caracterstica:
A linha fina simboliza leveza, graa, fragilidade (2000, p. 29). A autora contextualiza
tambm o intuito que o movimento trazido pelo trao, beneficia a charge. O
movimento potencializa a dinmica na charge, o que necessrio para que ela traduza
inteiramente a mensagem que se props a transmitir (VEDOVATTO, 2000, p. 46).
Desse modo, na charge A, podemos perceber o movimento das mos do personagem da
esquerda, que est visivelmente articulando com o outro personagem, e em uma de suas
mos possui um cigarro e a outra complementa a articulao da conversa entre os dois.
Aparentemente, podemos perceber que este personagem est mais animado que o outro,
que aparentemente permanece srio e imvel.
Quanto mensagem enviada atravs das charges, ainda nos baseamos em
Vedovatto (2000, p. 3), que contextualiza que a charge um texto complexo,
construdo a partir de determinadas estratgias que requerem tanto do produtor quanto
do leitor, uma competncia discursiva especial. Para isso, os contratos entre emissor e
leitor se concretizem plenamente, necessrio que haja uma cumplicidade entre eles.
Desse modo, entendemos o quo importante o receptor entender o que est
sendo dito, para compreender os diferentes sentidos que a charge pode trazer.
Quanto questo da autocensura suscitada pela imagem, percebemos que ela
apresentada na fala entre os personagens, no qual um diz euforicamente para o outro,
uma frase que no podia estar sendo dita, ou seja, durante aquele perodo poltico do
pas, as pessoas no tinham uma manifestao livre, devido represso e censura aos
meios de comunicao, portanto, logo, o outro personagem o alerta: Cuidado rapaz.
Seguindo os elementos caractersticos das charges, os bales tambm
identificam uma funo imagem. De acordo com Cagnin (1975), a forma mais
aplicada na apresentao verbal da charge atravs de bales de fala. A fala nos bales
complemente a imagem e deixa o contexto da charge mais claro.
Millr Fernandes foi um dos principais integrantes dO Pasquim. Desenhista,
escritor e jornalista, Millr ironizava constantemente a censura imposta s redaes,
assim como a autocensura da grande imprensa.

99
Na charge A, pudemos destacar como o desenhista introduz o tema da
autocensura mediante personagem que se atreve a falar contra o governo militar. O
dialogo em questo, cuja aluso diz respeito a conversas entre jornalistas, em ambiente
de redao, os quais dialogam sobre as ltimas notcias dos jornais, apresenta a
autocensura imposta pelo perodo poltico vivido no pas.
Nas imagens que viro a seguir, vamos continuar analisando os principais traos,
objetivos, detalhes e sentido que as mesmas buscam apresentar ao leitor.

100

Charge B - PARODIANDO DRUMMOND

Antes de descrever a charge B, vamos contar um pouco sobre a situao poltica
que o pas passava e porque as charges tiveram que constituir uma reao no campo
jornalstico para fazer face censura.
Nos primeiros meses do governo de Geisel, em 1974, ocorreram alguns sinais de
abertura poltica. A censura prvia foi retirada de O Estado de So Paulo, Veja, O
Pasquim, mas continuou em Tribuna da Imprensa, So Paulo, Opinio. Isto era um
claro aviso aos jornais que no eram mais censurados, pois, apesar da censura recm
abolida, ela poderia voltar a qualquer momento. Esse fato pode ser claramente
percebido na primeira edio do Pasquim sem censura prvia, o n 300, que, mesmo
sem censura, foi apreendido. Nesse perodo, o Brasil foi tomado por uma euforia em
razo da conquista do tricampeonato na Copa do Mundo, em 1970. A equipe da AERP
logo tomou proveito dessa situao, compondo a popular marchinha Pra frente Brasil
e criando o slogan Ningum segura mais este pas.
Criada por Jaguar, a charge contrasta a campanha que o governo Mdici realizou
durante a conquista do tricampeonato de futebol, tomando como referncia a situao
socioeconmica vivida pela populao na poca. Conforme vemos a seguir.
Figura B

O Pasquim, n 54, 2 a 8 de julho de 1970, contracapa.

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Os versos de Drummond so apresentados como o texto legenda da imagem
feita por Jaguar que mostra um casal de favelados segurando a bandeira do Brasil. Os
versos dizem: E agora Jos, a festa acabou, o povo foi embora, a noite esfriou. E
agora, Jos?.
O contexto da imagem se d a partir da priso de Jaguar, juntamente com o
restante dos integrantes do Pasquim e no inqurito policial, ele viu que o nome de
Carlos Drummond de Andrade constava da lista das pessoas que iam ser chamadas para
prestar depoimento, devido os versos que o escritor publicava no Pasquim. Tive um
trabalho danado para convencer o general da Censura que publiquei o desenho sem a
autorizao do autor dos versos, no caso, o Drummond. (JAGUAR, 1981).
A imagem nos mostra o trao fino de Jaguar ao desenhar oito pessoas
aparentemente humildes, com roupas rasgadas e rostos tristes e desiludidos. A imagem
mostra um casal com seis filhos e que tambm possui um co. A imagem traduz o
fanatismo tradicional que o pas possui pelo futebol, no qual apesar das dificuldades
financeiras e sociais, os brasileiros tendem a participar e se engajar esperanosamente
nas competies de futebol, no caso dessa charge, a Copa do Mundo. O futebol h
muitos anos, motivo de alegria e orgulho para os brasileiros, que torcem
incansavelmente pelo futebol do Brasil e pelas Copas do Mundo realizadas a cada
quatro anos. Porm, quanto a esse patriotismo em questo, notamos na imagem que o
homem est segurando em sua mo direita, uma bandeira do Brasil, sustentada para
baixo, e na mo esquerda, uma placa com o dizer: Avante seleo! As bandeiras
enfatizam mais uma vez a tristeza e o desnimo que a famlia humilde vivia no perodo,
devido s dificuldades econmicas, porm, se mantinha fiel ao futebol brasileiro.
.Quanto linguagem usada na charge, Jaguar coloca os versos de Drummond

entre aspas, e isso significa dizer que a charge faz uma operao de intertextualidade ao
buscar no texto potico, o fragmento que serve de construo para a sua mensagem.
Para uma mensagem, em uma charge ou qualquer outro tipo de ilustrao,
porm, principalmente na charge, que normalmente aborda um assunto de tema atual,
necessita de um reconhecimento do leitor sobre o assunto tratado e tambm mensagem
implcita que ela contm. Os efeitos de sentido de uma mensagem, de forma estratgica,
necessitam do reconhecimento para assim, o sentido produzir seus efeitos. Na charge, o
efeito sempre mltiplo de acordo com Vedovatto (2000), o efeito sempre plural, ou
seja, o reconhecimento do contexto ali apresentado.

102
A charge B faz uma recorrncia ao momento histrico vivido pelo pas nos anos
70 e apresentada em plano mdio, uma vez que os personagens aparecem de corpo
inteiro, e cenrio e os detalhes do trao permite que o leitor faa uma projeo do local
da ao e a ligao dele com a histria. Essa modalidade de humor e de crtica social e
poltica at hoje continua incomodando as pessoas pblicas pelo efeito que as charges
produzem.
Tambm possvel perceber a noo de perspectiva (frente e fundo) da imagem.
O primeiro plano traz a famlia, sendo o homem e a mulher (pais da famlia em questo)
apresentados em tamanho bem maior que as crianas, ganhando um destaque nesse
primeiro plano, e a casa da famlia, aparecem em um segundo plano, com tamanho bem
menor, mostrando que a famlia est distante da mesma.
A charge apresenta personagens que tem seus detalhes exagerados, ou seja,
cabea grande para um corpo, assim como as barrigas da famlia, que ganharam um
exagero, referindo-se situao de pobreza que o grupo vivia, sendo a barriga grande,
significado de vermes ou de algum outro problema ligado m alimentao ou
infeces alimentares. O fato de o casal possuir seis filhos e aparentemente, a me est
grvida na imagem, aponta a ocorrncia de as famlias pobres brasileiras geralmente
possuam mais filhos que o comum. Ou seja, mesmo com a falta de dinheiro e alimento,
a gravidez ocorre por falta de preveno e demais cuidados, por desinformao ou
qualquer outro motivo.
Quanto ao trao, a charge no apresenta contrastes de sobra em sua composio
e tambm no possui um cenrio, no qual os personagens aparecem ao centro, vazios de
cenrio, com apenas a casa ao fundo.
A charge com os versos de Carlos Drummond de Andrade entra no contexto da
imagem devido ao papel do enunciado interrogativo: E agora? Ou seja, o Brasil ganhou
a Copa do Mundo de futebol, mas e como fica a desigualdade social e a pobreza? O
contexto enfatiza que apesar desses paradigmas, o futebol envolve todas as classes
sociais, inclusive os menos favorecidos, como na caso charge em questo, que
continuaro pobres depois dessa conquista do futebol brasileiro.
O ano de 1970 estava sendo de crescimento do espao do Pasquim, pois as
vendas aumentavam consideravelmente, e o jornal deixava, aos poucos, de ser limitado
ao Rio de Janeiro e ao bairro de Ipanema e passa a ser veiculado em So Paulo. Os dois
ltimos meses do ano de 1970, porm, mudaram o rumo dos acontecimentos no
semanrio, conforme j descrevemos em captulos anteriores.

103
___________________
- Poeta, contista e cronista carioca. Produziu poesias, livros, contos e crnicas, muitas delas
Publicadas no jornal Correio da Manh, Jornal do Brasil e O Pasquim.

104

Charge C PLGIO INDEPENDNCIA

Como veremos abaixo, a figura C, trata-se de mais uma obra de Jaguar, que se
arrisca ao ilustrar o quadro de Pedro Amrico, que leva o nome de O grito de Ipiranga,
no qual nesta tentativa, Dom Pedro I, ao invs de gritar Independncia ou morte,
aparece com o balo e a frase: Eu quero mocot, verso de uma msica do cantor Jorge
BenJor. A charge foi considerada um deboche ao esprito nacionalista, do Brasil, ameo ou deixe-o, to enfatizado pelos militares. Por causa da charge, Luiz Carlos Maciel,
Paulo Francis, Ziraldo, Srgio Cabral e Paulo Garcez foram parar priso, alm claro, do
prprio autor da charge.

O episdio de O Pasquim expe uma das principais

caractersticas da charge, a crtica social e poltica expressa com humor.

Figura C

O Pasquim n 72 de 4 a 10 de novembro de 1970, pg 14.

Antes de prosseguir a anlise, deve ser lembrado que a existncia desta charge
envolve um fato muito curioso. A primeira censora que frequentou redao do
Pasquim, chamada pela equipe de apenas Dona Marina, acabou amiga de bebedeira dos
jornalistas e foi demitida por deixar passar esta fotomontagem de Jaguar, que na viso
dos militares foi um deboche a um quadro to famoso da Histria do Brasil, tratando-se
do Grito da Independncia ou Grito do Ipiranga, que ocorreu em 1822.
Dona Marina, responsvel por liberar as pginas do Pasquim, foi destituda do
cargo logo aps o jornal chegar s bancas. Para os que faziam o Pasquim, foi tomada
uma deciso radical para silenciar o jornal: em poucos dias, uma vez que, onze
jornalistas do semanrio foram presos sem um perodo determinado. Vrias

105
transformaes aconteceram a partir dessa imagem que, na percepo de Jaguar, foi
uma brincadeira, apesar da evidente provocao ao reproduzir e caoar da pintura que
tem um carter patritico.
Voltando questo da anlise, possvel analisar, na imagem de Jaguar, que ele
manteve os mesmos traos criados pelo pintor Pedro Amrico. A charge usa bastante de
traos grossos e com sombra ao ilustrar a cavalaria de Dom Pedro I, dividida entre
cavalos de pelagem clara e escura. O balo inserido na imagem, que foi a pea chave,
que honrou o tradicional humor pasquiniano, no qual Jaguar inseriu uma frase de fala
em Dom Pedro I: Eu quero mocot!! A cano que leva o nome de Tambm quero
mocot, estava em alta na poca, fazendo grande sucesso e deslanchando a carreira do
cantor Jorge BenJor. A letra da msica, porm foi produzida pelo maestro e compositor
Erlon Chaves. A mensagem foi inserida no balo justamente para quebrar protocolos,
ou seja, zombar do patriotismo exagerado que os anos 70 apresentavam.
A palavra mocot deriva de uma gria do final do ano de 1969. Devido moda,
as pernas femininas ganharam destaque e as saias das mulheres comearam a ficar mais
curtas, bem acima dos joelhos. Enquanto a minissaia fazia sucesso, o joelho feminino
ganhava um apelido: mocot. Ou seja, mais uma vez encontramos o duplo sentido nos
bales das charges de O Pasquim. No caso da charge C, um nico balo de fala foi
suficiente para produzir o efeito que os jornalistas buscavam ao ironizar o nacionalismo
exacerbado da poca, fazendo um deboche com o famoso Dom Pedro I.
Os efeitos de sentido que uma charge como esta pode surtir, vo de uma simples
brincadeira uma poderosa crtica, como foi o caso, no qual a charge de Jaguar rendeu
priso dos jornalistas e cartunistas do tabloide por dois meses.
Na charge, os detalhes so eliminados e as pessoas so identificadas apenas por
sua esttica bvia, ou seja, ao v-la, sabemos quem o ser humano, quem o cavalo e
assim por diante. O trao escuro se manifesta na charge, aumentando a dinmica da
imagem, ou seja, a sua veracidade, deixando-a mais marcada e destacada. O tom
carregado dos elementos os coloca num plano mais prximo do leitor. A imagem
tambm possui movimento. Ao pr os olhos na charge, podemos perceber que ela
descreve uma cena e realmente a imaginamos em movimento, os cavaleiros e suas
espadas, os cavalos se movimentando, ou seja, a revoluo realmente acontecendo.
O espao da composio fechado pelos contornos da prpria charge, ou seja,
realmente facilita o entendimento do leitor, o aproximando da cena. A cena, constituda
principalmente de um primeiro plano, faz com que o leitor tenha a impresso que a

106
imagem est acontecendo logo ali, depois de sua janela, ou seja, a imagem est na altura
dos olhos do leitor.
Ziraldo (1970), um dos integrantes da equipe do semanrio e que tambm foi
preso por causa desta charge, defende que o humor coisa sria e tem importantes
funes, ou seja, o autor diz que essas funes so desempenhadas pelo humor graas
ao seu jeito matreiro de quem no quer nada.
No perodo da Ditadura Militar especialmente, como estudamos nesta
monografia, o humor ganha mais um sentido: a dissimulao, ou seja, ele era uma forma
de trazer informaes grande massa, driblando a censura imposta nas entrelinhas das
charges, como no caso do Pasquim.
Sobre a charge C, vale ressaltar que de acordo com diversas reportagens j
publicadas at os dias de hoje em jornais e revistas, a cena pintada por Pedro Amrico
no foi uma cpia exata do acontecido, e o desenho do autor partiu de sua imaginao e
a partir dela, Jaguar deu um novo trao, com as cores preto e branco.

107

Charge D UM JORNAL SEM JORNALISTAS

Dando continuidade anlise, chegamos na charge D, que nos apresenta uma

imagem de capa, do prprio peridico. Com a censura intensificada e a equipe do
Pasquim na priso, foi preciso remodelar a produo grfica do jornal, porm o fato no
podia ser noticiado e a equipe que escapou da priso, teve que entrar na linha dos
cartunistas ausentes e continuar com o jornal de p nesse perodo.
A capa a ser analisada da semana de 11 a 17 de novembro de 1970 e estampa a
tradicional fbula do lobo e do cordeiro, de Esopo, com adaptao de Monteiro Lobato,
no qual o lobo diz: Enfim um Pasquim inteiramente automtico sem o Ziraldo, sem o
Jaguar, sem o Tarso, sem o Francis, sem o Millr, sem Flvio, sem o Srgio, sem o
Fortuna, sem o Garcez, sem a redao, sem a contabilidade, sem a gerncia e sem
caixa. Millr Fernandes foi citado entre os que foram presos apenas para disfarar, pois
na verdade, ele foi um dos poucos que no foram para a priso. Veja imagem abaixo.
Figura D

Nota: Nesta capa, existe um erro no cabealho, que est impresso como sendo de 11 a 17 de
novembro
Vol. I 2006).

de 1969, mas, na verdade, a edio 73 foi publicada em 1970. (O Pasquim Antologia

108
O tom humorstico do texto contrasta com a representao da censura no
semanrio representada na imagem principal da capa e na frase-editorial. Na frase
editorial, a explicao sobre a situao da redao: O Pasquim o jornal com algo a
menos.
O jornal, sem poder noticiar a priso da equipe, produziu uma edio importante
aps a priso, e como disse no prprio balo do lobo: inteiramente automtica. A capa
apresenta uma espcie de conotao, ou seja, a imagem ilustra algo alm do seu
significado literal, que esconde o fato da priso de equipe em suas entrelinhas. Um lobo
com a boca aberta, salivando, representaria a represso atravs dos militares, j o
cordeiro, representaria a equipe do Pasquim, acuados e sem sada diante da situao em
que se encontravam. Essa seria a primeira mensagem enviada aos leitores sobre a priso
dos jornalistas e cartunistas. A mensagem dada ento, atravs do balo de fala que sai
da boca do lobo. A imagem segue traos semelhantes aos do impressionismo, que
buscava em suas pinturas, dar nfase luz e ao movimento, utilizando pinceladas e
normalmente as telas eram pintadas ao ar livre para que o pintor pudesse capturar
melhor as variaes de cores da natureza. Nesse caso, como a impresso grfica do
tablide era com as cores preto e branco, essas variaes de cores no so exaltadas.
Millr foi o responsvel pela produo deste nmero, e a capa traz a imagem de
um desenho antigo, j produzido antes, retirado dos materiais do arquivo do tabloide.
Alis, entre os nmeros 74 at o 80, Martha Alencar, Miguel Paiva, Millr e Henfil
foram os responsveis pela produo do jornal.

109

Charge E A SADA !! ONDE FICA A SADA?

Uma semana depois da edio marcante do lobo e do cordeiro, o Pasquim,
produz mais uma edio, agora com algo a mais. A edio da semana de 18 a 24 de
novembro chega com novidades.
Com os jornalistas e cartunistas presos, a produo editorial do Pasquim ganha
uma nova cara. No mais sozinho, o tablide ganha fora atravs do Rush da
solidariedade. O movimento se deu devido ajuda que o semanrio recebeu durante o
perodo da priso da patota.
Figura E

O Pasquim n 74 de 18 a 24 de novembro de 1970

Segundo a charge E, a edio mostra na capa, inmeros intelectuais, atores,

escritores, jornalistas, cineastas e compositores que colaboraram na produo do jornal
atravs do desenho de um labirinto com o ratinho Sig no meio da pgina, visivelmente
perdido e graficamente gritando: A sada!! Onde fica a sada?
Notamos a diferena no trao mais fino do desenho do ratinho. Nos
documentrios: Henfil Profisso Cartunista e O Pasquim A subverso do humor,
explicado com clareza, o esquema de produo feito a partir da priso dos principais

110
redatores do jornal. Henfil era o responsvel por imitar o trao de Jaguar, criador do
ratinho Sig, enquanto Miguel Paiva imitava as ilustraes de Ziraldo. Desse modo, a
situao da redao do Pasquim estava clara na capa em dois elementos: na fraseeditorial, O PASQUIM Apesar dos pesares, evidenciando a persistncia e a esperana
do jornal diante da situao da priso de sua equipe, e no balozinho solto no final da
pgina, aparentemente sem autor, que demonstra a perda dos redatores e o ganho de
uma equipe de colaboradores: Ainda com algo menos, mas agora com muito mais.
Cabe ressaltar que aps o episdio da priso, ficou claro para os jornalistas do
Pasquim que no era mais possvel brincar com a Ditadura sem sofrer alguma
represlia. Contudo, nem por isso o jornal perdeu seu tom humorstico ou criativo. Pelo
contrrio, a imaginao dos colaboradores passou a ser solicitada de forma intensa para
driblar a censura, com os mesmos propsitos: implicitar, subtender e colocar nas
entrelinhas o que queria ser dito. Havia uma grande cumplicidade nesse processo
criativo dos colaboradores, que ao criar seu material, fixavam uma espcie de cdigo
com os leitores, que precisavam entender a mensagem. Dessa maneira, podemos
perceber que as imagens no Pasquim acabavam por melhor despistar a censura e a
crtica, e atravs dessa linguagem atravs de metforas que se evitava o confronto
direto, porm, no menos eficiente, ou at mais eficaz que a crtica nua e crua, atravs
de palavras, textos.
Retomando a charge em referncia, percebemos que ela cita diversos nomes.
Essa capa ilustra o Rush de solidariedade citado anteriormente atravs de colaboradores
como o cronista Rubem Braga, o jornalista e dramaturgo Antnio Callado, o cantor e
compositor Chico Buarque, o cineasta Glauber Rocha, a atriz Odete Lara, cantor
Roberto Carlos, entre tantos outros. Tambm podemos perceber na charge, que o trao
do ratinho Sig, imitado por Henfil visivelmente diferente do ratinho desenhado pelo
seu criador, Jaguar.
Figura 6

Ratinho Sig por Henfil

Figura 7

Ratinho Sig por Jaguar

111
Voltando anlise da charge E, observa-se que o balo na cabea do mascote,
representa que ele est perdido diante de tantos colaboradores, ou seja, o Pasquim foi
surpreendido por uma grande procura de pessoas interessadas em ajudar, colaborar,
tanto moralmente quanto editorialmente na produo do semanrio no momento de
ausncia de grande parte da sua equipe. O Pasquim se referiu ao episdio da priso
como um surte de gripe que numa reao em cadeia assolou a equipe do jornal.
(BRAGA, 1991, p. 37).
visvel que a capa conseguiu dizer em sua mensagem que o jornal estava
passando por um momento especial, e que os nomes de tantos colaboradores estavam ali
por algum motivo especial tambm. Os leitores j tinham compreendido, desde a edio
72, que o semanrio estava passando por dificuldades, e a sequncia das imagens desta
anlise nos apresenta os acontecimentos mais marcantes da trajetria do tablide. No
meio de dezembro de 1970, apesar das colaboraes dos intelectuais, jornalistas,
cantores e demais influncias da cultura do pas, o jornal pra de funcionar durante duas
semanas, voltando em 30 de dezembro, com o nmero 78 com a frase editorial: estamos
aqui, !
Dando continuidade ao contexto da imagem, ao perceber que a censura estava
alimentando O Pasquim, o Regime decide liberar e equipe de redatores da priso.
Em janeiro de 1971, parte da equipe do jornal sai da priso, mas a fantasia do
milagre comea a se desfazer, j que os ndices de inflao aumentaram e o prprio
jornal ficou cheio de dvidas e conflitos entre seus integrantes. A prxima charge a ser
analisada aponta exatamente essa turbulncia na vida dos pasquinianos.

112

Charge F E AGORA?

Quase toda a equipe foi solta, exceto Tarso de Castro. A edio 79 diz que os
nove do Pasquim agora so um. Tarso ainda permanece na priso. O nmero 80 traz na
capa, a foto da equipe, todos com culos escuros e na manchete dizia: Estes so os
verdadeiros homens sem viso. A frase queria transpor a ingenuidade da equipe ao
contrapor o governo com a charge da edio do nmero 72. J o nmero 81, como
vemos na imagem abaixo, finalmente o primeiro nmero com toda a equipe solta,
inclusive Tarso. A charge conclui o episdio da priso da patota.
Figura F

O Pasquim, edio 81, Rio de Janeiro, 21 de janeiro de 1971

O perodo mais conturbado da trajetria do jornal chega ao fim. A inocncia se

perdera, a euforia do sucesso econmico tambm. (BRAGA, 1991, p. 38).
De acordo com a charge F, o alvo centralizado na capa da charge em questo
est cheio de tiros e com o ratinho Sig ao centro, que anuncia: Tarso solta. A edio
mostra o clima de perseguio na linguagem visual (o alvo) e textual ( solta). A
edio referida j foi produzida pela equipe que retomou redao aps dois meses de
priso. Jaguar volta a desenhar o ratinho Sig, sempre companheiro das ilustraes do
semanrio. O ratinho ao centro marca a volta de Jaguar, o criador e desenhista oficial do
mascote. O alvo representaria a equipe que retornou redao e possivelmente seria

113
alvo principal do governo, que foi representado pelos tiros na imagem. Aps episdio
da priso, o Regime ficaria alerta e de olho na patota. Quanto a frase Tarso solta, o
Pasquim anuncia que o ltimo integrante da equipe saiu da priso, porm, atrs dessa
mensagem h um desentendimento da equipe com Tarso de Castro.
Baseado em jornais e livros sobre o tabloide, como a Antologia do Pasquim, vol.
I, II e III, Tarso de Castro, ao sair da priso e voltar ao jornal, percebeu que o mesmo
sofria com as dvidas e os problemas de atraso nas produes, assim como o fechamento
do jornal ocorrido durante duas semanas no ms de dezembro de 1970. A vendagem do
Pasquim, durante o perodo da priso passou de 160 mil exemplares para apenas 60 mil.
Os anunciantes se retraram, e muitos deixaram de anunciar sua marca no tabloide e a
economia est largamente nas mos do governo nesse perodo. Com esses fatores, Tarso
decide abandonar os companheiros e deixa o jornal definitivamente. Ziraldo diz
(Folhetim, 1979): O Tarso um homem de festa. Na hora que o negcio fica preto ele
pula fora. Foi o que aconteceu. Ele viu que tinha que enfrentar uma pedreira de dois
anos de trabalho e sem festa... se picou. (BRAGA, 1991, p. 39).
Aps a sada da priso e a briga com Tarso de Castro, o semanrio teve que
enfrentar suas dvidas, assim como a baguna em que a redao do jornal se encontrava
aps os longos dois meses atrs das grades. Alm disso, a equipe se encontrava em uma
incerteza, sem saber o que fazer a partir desse episdio.
Com a sada de Tarso, a direo do Pasquim ficou com Srgio Cabral, que
permaneceu no cargo at o fim do ano de 1971. No incio de 1972, Jaguar assume as
rdeas do semanrio, aps Srgio Cabral abandonar o grupo e ir trabalhar na editora
Abril, em So Paulo. Ziraldo e Henfil ganham os cargos de vice presidentes da empresa.
No decorrer dos prximos anos, outras mudanas ocorrem entre os cargos e os
companheiros trocam de comandos frequentemente.
Porm, apesar de todo o episdio da priso e a queda das vendas, o Pasquim
mantinha uma relao muito forte com seu pblico. O nmero 100, que trouxe uma
entrevista com a atriz Dercy Gonalves, atingiu 100 mil exemplares vendidos.
Quanto ao contedo do tabloide durante esses perodos de turbulncia emocional
e econmica, com a priso e a certeza de que no se deveria mais brincar com o
governo, o jornal no deixou de transpor sua essncia e nem de inundar os leitores com
sua criatividade. Pelo contrrio, a imaginao dos colaboradores no perodo da priso,
por exemplo, que de forma intensa, tentaram driblar a censura, sugerir, implicitar,
subentender. A trajetria do Pasquim durante os anos 70 praticamente foi toda assim,

114
criando com inteligncia suas mensagens, para que chegassem aos leitores com o
cdigo intencional.
A recuperao econmica do semanrio se faz em cerca de dois anos. Na forma
grfica o jornal no sofre grandes modificaes. Algumas adaptaes na diagramao
so necessrias e frases manuscritas entre as colunas e nas margens, comentam os textos
impressos. A edio de nmero 104, em comemorao ao segundo aniversrio do
tabloide, promete: Este jornal vai virar o Brasil de pernas pro ar. Millr Fernandes
tambm passou pela gerncia nesse perodo de transformaes. Em setembro de 1972
ele consegue deixar a situao administrativa e econmica do tabloide, estvel. Porm,
apesar de todas as modificaes e problemas enfrentados pelo semanrio, os leitores
cariocas nunca abandonaram o semanrio e as charges e entrevistas sempre
conquistaram o pblico leitor. Braga (1991:44) diz que todos os esforos empresariais
e promocionais no levantariam o jornal se ele no fosse sentido como criativo pelo seu
pblico.
No fim de 1973, Henfil deixa o semanrio para tentar a profisso nos Estados
Unidos, porm, continua ajudando o jornal com colaboraes distncia. No incio de
1974, o Pasquim j estava recuperado por inteiro, de todas as crises que sofreu e
reconstruiu sua linha editorial de forma coerente e fiel. A estabilizao do jornal pde
lhes proporcionar uma sede prpria, que se tornou oficialmente a redao do Pasquim,
localizada na rua Saint Roman, 142, em Copacabana, no Rio. Nota: Para saber mais
sobre a continuidade do trabalho do semanrio O Pasquim, necessrio uma ampliao
de sua trajetria.

____________________
Para se compreender a fase que envolve O Pasquim a partir dos anos que sucederam estes
acontecimentos tradados nesta monografia, indicamos a consulta de livros como O Pasquim Antologia
Vol I, II e III, livros organizado por Jaguar e Srgio Augusto e publicados pela Editora Desiderata. Alm
dessas obras, leia sobre a trajetria do semanrio no livro de Jos Luiz Braga O Pasquim e os anos 70
mais pra epa que pra oba, publicado pela Editora UNB, entre outras obras que esclarecero sobre o
tabloide mais revolucionrio do jornalismo brasileiro.

115

6. CONCLUSO
Durante a realizao desta monografia, traamos caminhos, nos valendo de
diversos conceitos junto aos quais procuramos responder o nosso problema de pesquisa
e objetivos desta monografia. Chegando no captulo da concluso e nele veremos em
que medida os objetivos foram alcanados segundo a contribuio de cada captulo para
a elucidao do problema de pesquisa.
Para isso, relembramos o nosso problema de pesquisa, que nos fazia a seguinte
pergunta: Como o jornal O Pasquim, conseguiu, atravs de suas charges humorsticas,
driblar a censura imposta pelo Regime Militar? Para isso, procuramos conceitos sobre a
charge enquanto linguagem de comunicao, encontrando diversos autores que
trabalharam sobre esse assunto em livros ou teses. Dentre os conceitos trabalhados
nesse contexto da charge como linguagem, discorremos tambm sobre humor, humor
como crtica, humor face censura, charge, caricatura, entre outros segmentos. Para isso
buscamos embasamento em obras de vrios especialistas.
Em nossa anlise, as charges foram escolhidas estrategicamente em funo do
contexto do nosso problema de pesquisa e tambm de acordo com a importncia delas
no contexto das estratgias desenvolvidas pelo Pasquim no seu enfrentamento com a
censura, no dia a dia do perodo autoritrio. Desse modo, as escolhemos devido sua
importncia na histria vivida pelo tablide, um dos mais importantes jornais do Brasil.
Acreditamos ao escolher a charge para anlise, que a contribuio que a mesma
pode gerar curiosamente diferente dos demais gneros jornalsticos. Atravs de sua
linguagem, a charge nos apresentou diversos modos de discurso e significado, segundo
modos de dizer que estavam associados a um contexto do qual se reportavam de modo
alusivo, indireto ou sob reticncias... Desse modo, analisamos as seis imagens propostas
desde o incio do trabalho e em prtica, no captulo da anlise.
Atravs do dilogo dos conceitos com as charges analisadas, conseguimos
compreender melhor os sentidos que as imagens se propunham a gerar. Ou seja, nem
sempre apresentam um nico sentido, podendo indicar dois ou mais sentidos em suas
entrelinhas, como percebemos na anlise em questo. Desse modo, constatamos que o
jornal O Pasquim, conseguiu, atravs dessas modalidades de discurso grfico e visual
via a utilizao de charges, driblar a censura atravs de mecanismos humorsticos e
estratgicos. Nas seis charges apresentadas, a equipe do tabloide usa o humor como

116
principal sacada e desse modo, disfara a situao em que o pas vivia, mantendo uma
espcie de cdigo com o seu leitor que recebe a mensagem e a entende.
Particularmente, acreditamos que o papel do humor na realizao de um discurso
poltico para enfrentar regimes marcados pela censura, um grande artifcio, pois
atravs do humor, possvel brincar com tamanha arma, que a censura, e discorrer
sobre assuntos polmicos com leveza e graa. A pea chave do Pasquim foi com certeza
o humor utilizado em suas charges, principalmente no perodo analisado nesta
monografia (1969 1971), momento de intensa represso e tambm o momento que o
tabloide se mostra mais forte e engajado, apoiado sempre em sua vertente: o humor.
Em relao s charges analisadas, cada uma delas possui caractersticas
peculiares de seus autores respectivos, assim como o trao e o modo de dizer. Elas se
interligam com os acontecimentos relacionados com o tablide no perodo de um ano e
o humor apresentado nas mesmas gera uma relao direta com a situao da poca do
semanrio. Portanto, com esse humor peculiar podemos perceber e conhecer mais sobre
o imaginrio de cada cartunista e o que eles queriam dizer nas mensagens dos bales de
fala, no trao, no modo de desenhar, na nfase da mensagem, entre outras
peculiaridades.
Trabalhar com humor, com certeza nos trouxe um maior desejo e curiosidade de
investigar, procurar saber por que ele teve esse carter to importante para o Pasquim, e
como a equipe desse jornal, soube usar com maestria esse recurso em seus materiais. E
a partir desse contexto e dos resultados que pudemos adquirir nesta monografia, entendo
de uma forma mais clara o poder que uma imagem tem diante dos olhos do pblico e
principalmente do pblico alvo, como aconteceu nos anos do Regime Militar. O
Pasquim, com inteligncia, soube atingir esse pblico alvo, que permaneceu fiel ao
semanrio durante o perodo de represso, assim como no perodo da priso dos
jornalistas.
Rir, nesse perodo, se tornou algo raro diante de aes de um governo,
caracterizada por tantas prises, mortes, desaparecimentos e demais acontecimentos
desse momento poltico em que o Brasil vivia. Portanto, rir, seja atravs de notcias,
reportagens e textos, ficou mais difcil e o Pasquim conseguiu, atravs das charges,
construir um humor sutil e eficaz, capaz de conquistas leitores fiis que depositaram no
semanrio toda a esperana de uma mudana no modo de vida nessa poca, atravs do
riso que o mesmo proporcionava.

117
Desse modo, achamos que mesmo no vivendo esse perodo, soubemos nos
interessar pelos fatos que envolveram a poltica do nosso pas, e assim, compreender
diversos acontecimentos que envolveram o jornalismo e que traaram o longo caminho
de luta de sua histria e o fizeram chegar aonde chegou. Contribuio esta, que se deu
atravs da pesquisa feita para o exerccio desta monografia, assim como os captulos
que escrevemos, que nos ajudaram a clarear as ideias sobre como o humor conseguiu na
poca, agir com uma eficcia surpreendente. Alm disso, esse estudo trouxe um
entendimento muito mais firme, fazendo uma divisa do que pensvamos entender sobre
o assunto e o que realmente aconteceu naquela poca, trazendo um maior
esclarecimento sobre esse perodo.
No caso da nossa pesquisa, o jornal O Pasquim foi o melhor jornal a apresentar
esse humor com tanta leveza aos leitores, em um momento to difcil da poltica
brasileira e que desde o primeiro nmero, j conquistou inmeros fs que no ficaram
restritos apenas aos moradores de Ipanema.
Com certeza, a partir desta monografia, pudemos entender melhor sobre a
recente histria do jornalismo no pas e compreender que ele tambm viveu anos de
chumbo, junto com o Brasil. A liberdade de expresso, pea fundamental para o real
exerccio dessa profisso, foi abolida durante a Ditadura Militar e, mesmo assim, foram
buscadas maneiras de no se calar e a prova disso foi o nascimento do jornalismo
alternativo, que aprendemos a admirar e que significavelmente contribuiu em nossa
formao, tanto profissional quanto intelectual.

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CMARA, 1999. 48min. Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=8mhzBQN0B1A

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ANEXOS

IMAGENS DO CAPTULO 5.3.2 AMPLIADAS

IMAGEM A

127

IMAGEM B

128

IMAGEM C

129

IMAGEM D

130

IMAGEM E

131

IMAGEM F