Candidaturas Independentes - AndrePiresGontijo
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NA POLÍTICA BRASILEIRA?
ANDRÉ PIRES GONTIJO
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Creio que o tema apresenta-se como de grande relevância para a sociedade civil,
sobretudo no contexto de um Estado Democrático de Direito, representado na formação da
República Federativa do Brasil.
Com o texto, um leque interpretativo é aberto. Pelo menos três interpretações são
possíveis. A primeira é a de que o sistema constitucional brasileiro privilegiou os partidos
políticos, de tal maneira que a manifestação direta pelo povo apenas seria cabível em
hipóteses específicas do texto constitucional.
Como o STF não firmou seu posicionamento, a questão ganha “maior liberdade”
para os intérpretes constitucionais da sociedade civil. E, em havendo interpretações jurídicas
diferentes, a contribuição crítica da academia passa a ser crucial.
Destes, pelo menos quatro deles se conectam ao tema. Com a exceção dos valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa, a soberania é tida como o exercício das capacidades e
competências soberanas de determinado Estado e, em regra, é manifestada com a participação
de agentes políticos eleitos diretamente (Executivo, Legislativo) ou indiretamente (Poder
Judiciário).
I - plebiscito;
II - referendo;
--
I - a nacionalidade brasileira;
V - a filiação partidária”.
Então, sem a filiação partidária, o candidato não seria elegível, isto é, pela
interpretação literal/sistemática do texto constitucional, as candidaturas independentes seriam
incabíveis.
Parece este ser o marco normativo atual. No âmbito da sua jurisprudência, desde
2010 o TSE já não autorizava as candidaturas independentes1. Nas eleições de 2018, o
Tribunal definiu que:
1
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. RESPE nº 224358. Acórdão de 29/09/2010. Eleições 2010. Agravo
regimental em recurso especial. Registro de candidatura individual. Senador da República. Partido político
que não lançou candidaturas em determinado Estado da Federação. Inaplicabilidade da ressalva contida no art.
22 da Resolução n. 23.221/2010 do Tribunal Superior Eleitoral. Inexistência de candidatura avulsa.
Precedentes. Agravo regimental ao qual se nega provimento.
2
A PEC 71/2007 “Dá nova redação aos artigos 14, 17, 28, 37, 45, 46, 49, 56 e 82 da Constituição Federal,
institui o voto facultativo, altera a data da posse do Governador de Estado e do Presidente da República,
posse dos Governadores de Estado e do Presidente da República, a vedação da reeleição e a
instituição das candidaturas independentes, dentre outros aspectos.
Já a PEC 350/2017, além de alterar os artigos 14 e 77, cria o artigo 17-A para
permitir a apresentação de candidaturas a cargo eletivo independentemente de filiação
partidária, desde que haja o apoiamento mínimo de eleitores na circunscrição, e para
possibilitar a associação de candidatos independentes em listas cívicas, nas eleições
proporcionais.
institui o sistema distrital misto nas eleições proporcionais, dispõe sobre a remuneração de Deputados
Federais e Senadores, a contratação de parentes de autoridades da administração pública, institui a candidatura
avulsa, veda a reeleição do Presidente da República, Governador de Estado e do Distrito Federal e Prefeitos,
estabelece regras sobre renúncia de mandato e reeleição de Senadores, Deputados Federais, Estaduais e
Distritais e Vereadores, reduz o número de Senadores e estabelece regras para o reajuste do subsídio de
Deputados Federais e Senadores”.
3
Para Néviton Guedes, “a Constituição também exige como condição de elegibilidade a filiação partidária. Com
isso, pode-se dizer que, diversamente do que ocorre em diversas Democracias contemporâneas,o partido
político no Brasil, nas disputas eleitorais, detém o monopólio das candidaturas (CF, art. 14, § 3º, V, c/c art.
17). Não há, pois, em nosso País, a possibilidade de candidaturas avulsas ou independentes da filiação
partidária. É essa realidade normativa, de fundo constitucional, que permitiu ao TSE, em decisão confirmada
pelo Supremo Tribunal Federal,'concluir que os mandatos eventualmente alcançados pelos candidatos são, na
verdade, patrimônio político do partido ao qual estejam filiados à época da eleição, de tal sorte que o
candidato eleito que, sem justa causa, desfiliar-se do seu, partido, manifestando com isso infidelidade
partidária, pode sofrer a sanção da perda do mandato político.” (GUEDES, Néviton. Dos Direitos Políticos.
In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz
(Coord. Científica); LEONCY, Léo Ferreira (Coord. Executiva). Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed.
São Paulo: Saraiva | Coimbra: Almedina, Série IDP, 2018, p. 719-720).
A expressão “na forma da lei” no caput do § 3º do artigo 14 indica que a
legislação apenas irá “detalhar” como será o processo de filiação partidária, pelo fato de o
dispositivo ser uma norma constitucional de eficácia contida. Contudo, o ingresso nas
agremiações políticas, pelo texto atual da CRFB/1988, constitui requisito obrigatório e
instituído pelo Poder Constituinte Originário, tendo o alcance “pleno”, podendo ser
contido/regulado pelo legislador ordinário.
Se, porventura, o Constituinte Derivado retirar este requisito, não haverá prejuízo
para a Cláusula Pétrea contida no art. 60, § 4º, II, CRFB/1988, pois o voto direto, secreto,
universal e periódico não está atrelado ou vinculado aos partidos políticos.
De outro lado, neste ponto, há uma “luz” no fim do túnel. Com a interpretação
sistemática dos dispositivos acima, é interessante notar a possibilidade de candidatura
independente decorrente do texto constitucional atual.
4
BRASIL. TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO DISTRITO FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL EM
PETIÇÃO n 060061340, ACÓRDÃO n 7828 de 12/09/2018, Relator(a) MARIA IVATÔNIA BARBOSA
DOS SANTOS, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 12/09/2018.
Os fundamentos da tese exposta são os seguintes:
5
Tanto Costa Rica como Colômbia adotaram a doutrina do bloco de constitucionalidade como instrumento de
harmonização entre a ordem constitucional interna e o direito internacional dos direitos humanos. Nestes
países, a Convenção Americana é interpretada de forma sistêmica com o texto constitucional.
6
No HC 96.772/SP, o Ministro Celso de Mello desenvolve o tema e propõe a adoção do marco da primazia dos
direitos humanos em harmonia com o texto constitucional, aplicando-se a norma mais favorável ao cidadão,
segundo o artigo 29 da Convenção Americana: “Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade
interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um
princípio hermenêutico básico (tal como aquele proclamado no Artigo 29 da Convenção Americana de
Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana,
em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica”. É importante destacar que o Ministro Celso de
Inclusive, em decisão monocrática de 5/10/2018, no Mandado de Injunção (MI)
6.977/DF, o Ministro Celso de Mello - ainda que não tenha conhecido do MI - fez a ressalva
de seu entendimento sobre a hierarquia constitucional dos tratados no plano internacional,
motivo pelo qual viabilizaria a tese proposta.
Mello continua com posição isolada sobre o caráter constitucional da Convenção Americana. Contudo, o
enfoque é demonstrar que o STF aplicou o artigo 29 da Convenção Americana ao caso concreto,
independentemente da natureza constitucional ou supralegal da Convenção. Houve, portanto, o entendimento
unânime sobre a primazia da aplicação “da regra mais favorável à proteção efetiva do ser humano”.
7
BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ARE n. 1.054.490/RJ-QO. Rel. Min. Roberto Barroso.
TRIBUNAL PLENO, julgado em 05/10/2017, DJe de 08/03/2018.
Com o “desmantelamento” da supralegalidade, tenho que a interpretação
nacionalista prevalece em relação ao tema das candidaturas independentes. Assim, sob o
prisma literal/sistemático, a CRFB/1988 estabeleceu, no seu artigo 1º, parágrafo único, uma
restrição interpretativa com a locução “nos termos desta Constituição”. Isto é, o povo poderá
exercer o poder - diretamente ou por seus representantes - de acordo com o que estiver
expresso no texto constitucional.
Além do mais, ao apreciar a questão, a Corte IDH admitiu que o sistema político
do Estado Nacional pode conviver com ambos os modelos. A Corte IDH não considera que
“o sistema de registro de candidaturas a cargo de partidos políticos constitua uma restrição
ilegítima para regular o direito a ser eleito previsto no artigo 23.1.b da Convenção Americana
e, portanto, não fora constatada uma violação ao artigo 23 de referido tratado”8.
“Artigo 29
8
Corte IDH. Caso Castañeda Gutman vs. Estados Unidos Mexicanos. Exceções Preliminares, Mérito,
Reparações e Custas. Sentença de 6/8/2008, Série C, 184, § 204.
representantes livremente escolhidos, incluindo o direito e a
oportunidade de votarem e serem votadas, mediante, entre outros:
Tenho a existência de argumentos que fazem esta tese ser aceita e, ao mesmo
tempo, ser rejeitada.
Em relação à rejeição, a tese proposta não prospera por duas razões. A primeira
é que a ordem jurídica brasileira não adota a teoria da revogação de normas constitucionais
originárias. Isto é, não existem normas constitucionais originárias inconstitucionais, como
proposto por Otto Bachoff.
“EMENTA:
- Por outro lado, as cláusulas pétreas não podem ser invocadas para
sustentação da tese da inconstitucionalidade de normas
constitucionais inferiores em face de normas constitucionais
superiores, porquanto a Constituição as prevê apenas como limites ao
Poder Constituinte derivado ao rever ou ao emendar a Constituição
elaborada pelo Poder Constituinte originário, e não como abarcando
normas cuja observância se impôs ao próprio Poder Constituinte
originário com relação as outras que não sejam consideradas como
cláusulas pétreas, e, portanto, possam ser emendadas.
9
BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 815/DF. Rel. Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, j.
28/3/1996, DJ 10/5/1996.
Na sua petição, em nenhum momento o cidadão se qualificou como pessoa com
deficiência. Portanto, ainda que se admitisse a harmonização entre os dispositivos, esta
harmonização não lhe seria aplicável.
O ponto que permitiria o acolhimento desta tese é se o cidadão que a propôs fosse
considerado pessoa com deficiência. Neste aspecto, a Convenção de Nova Iorque, além de
deter status constitucional, é norma posterior à exigência de filiação partidária. Assim, pela
via interpretativa, o artigo 14, parágrafo 3º, inciso V do texto constitucional sofreria uma
revogação parcial e específica para as pessoas com deficiência, o que permitiria a candidatura
independente por esta parcela de cidadãos.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS