(1) O documento discute o conceito de narcisismo na psicanálise, definindo-o como a alocação da libido no próprio eu ao invés de objetos externos; (2) Explica que o narcisismo pode ocorrer normalmente no desenvolvimento ou em estados psicóticos, e está relacionado a megalomania; (3) Discutem-se as relações entre narcisismo, libido, eu, objetos e doenças como forma de compreender melhor o fenômeno.
(1) O documento discute o conceito de narcisismo na psicanálise, definindo-o como a alocação da libido no próprio eu ao invés de objetos externos; (2) Explica que o narcisismo pode ocorrer normalmente no desenvolvimento ou em estados psicóticos, e está relacionado a megalomania; (3) Discutem-se as relações entre narcisismo, libido, eu, objetos e doenças como forma de compreender melhor o fenômeno.
(1) O documento discute o conceito de narcisismo na psicanálise, definindo-o como a alocação da libido no próprio eu ao invés de objetos externos; (2) Explica que o narcisismo pode ocorrer normalmente no desenvolvimento ou em estados psicóticos, e está relacionado a megalomania; (3) Discutem-se as relações entre narcisismo, libido, eu, objetos e doenças como forma de compreender melhor o fenômeno.
(1) O documento discute o conceito de narcisismo na psicanálise, definindo-o como a alocação da libido no próprio eu ao invés de objetos externos; (2) Explica que o narcisismo pode ocorrer normalmente no desenvolvimento ou em estados psicóticos, e está relacionado a megalomania; (3) Discutem-se as relações entre narcisismo, libido, eu, objetos e doenças como forma de compreender melhor o fenômeno.
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INTRODUÇÃO AO NARCISISMO (1914)
(I) O conceito de narcisismo precedeu, em certo sentido, o estudo
psicanalítico sobre o tema. Esse termo referia-se, então, à conduta adotada pelo indivíduo acerca de seu próprio corpo, tratando-o como se fosse objeto de prazer sexual. Sob essa perspectiva, chegou a ser cogitada a hipótese de seu enquadramento como uma perversão capaz de absorver toda a vida sexual da pessoa.
A psicanálise estendeu a compreensão do fenômeno à
alocação da libido para o eu, o que tenderia a acontecer dentro do desenvolvimento regular do ser humano. Assim, o fato de não se inserir no plano das perversões fez com que fosse associado ao instinto de autoconservação presente em cada ser vivo.
No entanto, o entendimento sobre o tema fez com que e
também se cogitasse na possibilidade de sua presença em estados psicóticos tipicamente esquizofrênicos (ou, para Freud, parafrênicos), tendo em vista as manfestações de megalomania e do distanciamento do interesse por objetos do mundo externo presentes na patologia. Quanto a esse abandono da “realidade objetiva”, neuróticos (histéricos e obsessivos) também assim procedem, ainda que de maneiras menos drásticas e não permanentes como o psiquismo dos outros os levam a fazer. Ademais, neuróticos não suspendem a relação erótica com pessoas e coisas, para as quais a libido invariavelmente se dirige, inclusive em suas fantasias, mesmo quando mantêm uma relação objetal com o outro apenas por essa via, quando opera o que Jung chamou de introversão da libido. Não obstante, referida introversão libidinal, ao contrário do postulado por Jung, não pode abranger os parafrênicos, já que eles não dispõem da mesma capacidade de simbolização, não conseguindo extrair das pessoas e coisas do mundo externo a sua libido sem as substituir em suas fantasias. A exceção se daria quando o psiquismo opera pela via delirante, onde se vale de elementos fantasísticos para as suas construções, o que, porém, deve ser entendido como parte de uma tentativa de cura a fim de reverter a libido ao objeto, ainda que pela via alucinatória.
A questão crucial que se põe diz respeito à destinação da
libido extraída dos objetos nos psicóticos. A megalomania é-lhes característica disso, denotando que aquela libido retirada do objeto recai sobre o próprio eu da pessoa, cujo ato psíquico é denominado de narcisismo; porém, a megalomania não surge exclusivamente por esse processo, mas é potencializada pelo processo, tendo em vista que há traços da mesma na tenra infância, do que se infere que o tipo de narcismo ora abordado possui um caráter secundário (narcisismo secundário), o qual se aproveita de uma predisposição do já menos expressivo narcisismo primário presente no sujeito para a sua consecução.
Tanto em crianças quanto em certas culturas, é verificada
uma superestimação do poder de seus desejos (onipotência dos pensamentos), o que é demonstrado pela crença na força mágica das palavras empregadas para lidar com o mundo externo. Por esse motivo, é cabível vislumbrar a presença de um investimento libidinal originário sobre o eu, o que, e só posteriormente, se dirige a objetos externos, mas que, a despeito disso, persiste enquanto possibilidade de reinvestimento, assim ocorrendo ao haver o refluxo da libido ao eu. Dessa maneira, a psicanálise que, inicialmente, se deteve sobremaneira nos sintomas neuróticos, passou a ampliar suas observações clínicas com a introdução do narcisismo.
Quanto mais se reforça um investimento (objetal ou egoico),
mais se empobrece o outro. No apaixonamento, por exemplo, a libido costuma ficar investida em elevado grau no objeto enamorado a ponto de o eu chegar mesmo a se anular, como que absorvido pelo objeto com o qual realiza extrema identificação e estabelece, com isso, enorme dependência. Nos paranoicos, por sua vez, vislumbra-se o extremo oposto, onde a libido se situa de forma altamente concentrada no âmbito dos pensamentos delirantes do eu, trazendo-lhe por efeito uma profunda negação e rejeição à realidade externa, do que desenvolve a constante percepção – e desejo – de fim do mundo.
O eu não surge já formado desde o início da vida da pessoa,
sendo constituído e desenvolvido ao longo do tempo. Ademais, o eu não é uma unidade ou uma instância única e totalmente integrada. Esse conjunto de percepções e sensações de variadas ordens e características a que se habitou chamar de eu, desde os primórdios, lida com pulsões que o impelem à ação, dentre as quais aquelas ligadas ao autoerotismo. Então, se já haveria disposições pulsionais autoeróticas, é preciso discerni-las no que tange ao narcisismo.
As pessoas lidam incialmente com duas pulsões de caráter
fundamental à sua existência: pulsão sexual e pulsão de autoconservação, que denotam a dupla função do sujeito. Essas forças psíquicas decorrem da mesma e primordial energia intrasubjetiva que induz o sujeito a buscar o prazer mediante a descarga de tensões que se acumulam e se lhe mostram desprazerosas e angustiantes. Ora, a energia sexual, ou mais precisamente a libido, não é uniforme e nem possui destinação pré-determinada, podendo assumir variadas conformações e fins psíquicos, biológicos e sociais. Em assim sendo, partindo das constatações clínicas efetuadas em relação às neuroses de transferência (histeria e neurose obsessiva), assim como do que se vislumbra em quadros paranoicos e esquizofrênicos, é possível distinguir as ações e os efeitos pulsionais nos sujeitos.
Ao criticar a teoria da libido, Jung expôs que sua
inconsistência teria sido demonstrada pelo próprio caso Schreber, vez que nele o conteúdo sexual se mostrara insuficiente para vincular a libido às questões psíquicas do paciente. Além disso, Jung refutou a tese de que o comprometimento da percepção da realidade objetiva por Schereber também teria se dado por causa da retração libidinal, entendendo que o resultado disso revelaria mais a probabilidade de o sujeito se tornar um “anacoreta ascético” do que acometido por “demência precoce”. Ora, para Freud, não se cuidaria de erradicação do desejo sexual a situação relativa a um anacoreta, mas sim a uma sublimação, que implicaria o deslocamento do desejo a um objeto tido por mais sublime e elevado. Ademais, a afirmação de Jung de que o fracasso da teoria da libido para casos psicóticos apontaria também para a sua inaplicabilidade para as neuroses mostrou-se igualmente equivocada, sobretudo porque a escola suíça da qual fazia parte não conseguiu explicar a origem e os mecanismos da esquizofrenia. (II) A melhor compreensão do narcisismo demanda considerações que também envolvam questões relativas a doenças orgânicas, à hipocondria e à vida sexual amorosa.
No que tange à intensidade e ao tipo da dor orgânica, sabe-
se que pessoas dela acometidas tendem a se mostrar menos interessadas por aspectos do cotidiano que antes lhes davam prazer a ponto de não mais a eles se dedicarem, já que fustigadas por sofrimentos que podem até mesmo as incapacitar. Dessa feita, a libido até então investida em objetos de prazer retorna ao eu, ainda que temporaria e parcialmente, pois que a eles costumam voltar quando o doente melhora.
Em relação à hipocondria, as sensações penosas faz o
psiquismo do sujeito retomar a libido para o ego, concentrando-a naquilo que o faz sofrer, sendo ou não verificável, o que diferencia esta situação da anterior. Nas neuroses histéricas (neurastenia) e nas neuroses de angústia, elementos hipocondríacos costumam igualmente ficar evidenciados, já que a atenção principal da pessoa sobre algo do seu corpo cria uma espécie de cisão com a realidade, favorecendo ainda mais a manutenção da libido no órgão ou área orgânica específica, o que significa um resgate da energia pulsional antes dirigida a objetos externos.
Havendo o represamento da libido no eu, importantes
fatores são observados. É o caso das neuroses atuais ou neuroses de transferência (histérica e obsessiva) que, ao atuarem em estrita sintonia com o mecanismo de adoecimento, produzem sintomas mediante a utilização da libido do eu. Em igual passo, a angústia hipocondríaca aproveita-se da angústia neurótica para se robustecer e, com isso, melhor se firmar e expressar. Também se nota na introversão, a que se refere outro autor, o alicerce advindo da regressão. Portanto, não se cuida tão só do retorno da libido ao eu, mas de sua fixação sobre ele, processo que passa a se engendrar aos já existentes internamente, produzindo, dentre outros, o efeito de comprometimento da percepção do mundo externo.
O represamento da libido revela-se desprazeroso porque
mantém um nível elevado de tensão. Por isso que a libido de objeto é mais comum, pois que torna a possibilidade de descarga mais efetiva, ou seja, a libido do eu é satisfatória até certa medida e sob determinadas circunstâncias. Doutro lado, há de ser salientado que a concentração da libido no eu exerce um grande poder de proteção e força ao sujeito, ainda que esse intenso amor a si próprio se mostre causador de sintomas e prejuízos à pessoa e ao seu entorno, o que apenas se evita ao se lançar ao amor fora de si para dar fruição à libido e, com isso, mitigar as chances de adoecimento.
Seja destinada a objetos “reais”, seja a objetos
imaginários, a libido necessita de um alvo como meio de descarga de tensões; contudo, ao voltar-se a libido a objetos imaginários (introversão), ela mantém-se represada. Uma solução encontrada pelo psiquismo, então, é a construção da megalomania como meio de obtenção de certo prazer em si mesmo. Se esse construto não se desenvolver, o represamento tende a se tornar patogênico, sobre o que outros processos psíquicos passam a atuar para resgatar um estado saudável, buscando a cura por intermédio de delírios. Retomando e aprofundando os termos abordados, destaca-se que, para Freud, as parafrenias correspondem a estados psíquicos consubstanciados em delírios crônicos (alucinações) ligados a elaborações mentais extremamente fantasiosas de teor paranoico. A diferença delas para as neuroses de transferência consiste no fato de que, nas primeiras, a libido não permanece adstrita a objetos (fantasiosos ou não), mas se concentra com toda a força e impacto no eu. Esse fato pode ocasionar a megalomania, dada a introversão da libido, comprometendo a percepção do eu a ponto de ampliar a sua importância, função e noções quanto às suas capacidades. Todavia, se fracassado esse processo magalomaníaco, desenvolve-se a hipocondria da parafrenia, com carcaterísticas análogas às angústias de transferência, as quais podem ser elaboradas em mais de uma formação psíquica (por conversão, formação reativa ou formação protetiva – fobia). Embora as parafrenias atuem como tentativas de restauração psíquica, acarretam um desligamento parcial da libido objetal, o que resulta três possibilidades: a) manifestações residuais de caráter neurótico; b) processo patológico consistente na megalomania, hipocondria, distúrbios afetivos e regressões; c) tentativa de restauração psíquica mediante a novo apego objetal da libido, o que se processa analogamente a histerias (observado na esquizofrenia) ou a neuroses obsessivas (na paranoia).
Convém destacar que outra modalidade do narcisismo se
exprime pela via das experiências amorosas. Crianças e adolescentes tomam por objetos de satisfação aqueles ligados aos momentos que estão vivenciando. Inicialmente, as satisfações autoeróticas são experimentadas juntamente com as funções vitais de autoconservação. Como objeto externo de destinação da libido, a figura materna é a primeira fonte de prazer que se configura no psiquismo humano, sendo habitual a busca, num momento posterior, por alguém que apresente traços daquela figura primária de apoio e sustentação amorosa. Há indivíduos, porém, em que o objeto de amor se distancia do modelo materno, tendo como paradigma a própria pessoa, do que se tem a configuração do objeto amoroso do tipo narcísico. Para Freud, perversos e homossexuais seriam exemplos de sujeitos com indicativos de narcisismo.
Segundo o fundador da psicanálise, do que ressalva não se
tratar de características universais, seria mais típico do homem a superestimação sexual, fazendo com que seja mais propenso à relação objetal, acarretando uma mitigação libidinal do eu, além de marcar a necessidade intrínseca de amar. Na mulher, seria mais comumente observável um cuidado com a sua imagem corporal, dadas as exigências de beleza a que sujeita socialmente, fator limitador de sua escolha objetal, decorrendo disso a necessidade maior de ser amada.
Pessoas cujo psiquismo é alicerçado no narcisismo
costumam exercer um poder de atração maior a outras cujos caracteres narcísicos são mais frágeis. A autossuficiência e a alta capacidade que as primeiras emanam encantam e cativam as segundas por conta da sensação de sua insuficiência e vulnerabilidade. Como os narcisistas mantêm-se afastado de sua imagem tudo o que lhes possa diminuir, isso gera inveja aos que se sentem menos potentes, daí a busca do que falta aos segundos no que transborda da imagem dos primeiros. Logicamente, como ressalvado, há mulheres com superestimação sexual dos objetos eleitos, ao passo que há homens extremamente centrados no próprio eu (narcisistas).
Certas mulheres narcisistas encontram no filho um objeto
de amor quando o percebem como parte de si mesmas, de modo que conseguem, com isso, estabelecer uma relação de amor objetal. Há outras, por sua vez, que, quando menores, se sentiam masculinas, mas que, com o avançar da idade, vivenciaram um despertar da feminilidade, a partir do que anseiam por um ideal masculino, que nada mais é do que a continuação de traços da masculinidade que as habitaram.
De modo esquemático, pode-se resumir do seguinte modo a
modalidade de amor de uma pessoa:
TIPO “DE APOIO” TIPO NARCÍSICO
a) quem é a) a mulher nutriz* b) quem foi b) o homem protetor* c) quem gostaria de ser d) quem foi parte de si *e os seus substitutos
Na relação envolvendo figuras cuidadoras e crianças que
estão sob os seus cuidados amorosos, é possível vislumbrar a atuação do narcisismo quando as figuras parentais, ao falarem de seus filhos, colocam-nos em condição superestimada, muitas vezes de perfeição, ocultando as suas características vulneráveis e humanas, o que, aliás, também explica a negação da sexualidade na vida infantil. Privilégios almejados por tais pais narcisistas são transferidos a seus filhos, inclusive, e se preciso, mediante a desconsideração de conquistas culturais da humanidade. Esses pais costumam não admitir a possibilidade de seus filhos se encontrarem sujeitos a situações como doenças, morte, frustrações, restrições das vontades, críticas, perdas, derrotas, como se as leis naturais e sociais não se estendessem a eles, que gozariam de uma condição de nobreza e superioridade em relação aos demais. E, ainda, transferem aos filhos a missão de realizar os sonhos que os pais não conseguiram concretizar a fim de se tornarem pessoas altamente bem-sucedidas e vitoriosas, ricas e deslumbrantes, vez que percebidos como herois, príncipes ou princesas. Logo, os pais passam a viver os seus sonhos mais infantis por intermédio dos filhos, que são instrumentalizados para esse fim em sério detrimento de suas reais identidades subjetivas, o que faz dessa espécie de amor objetal um renascimento do narcisismo primário dos próprios pais.
(III) O complexo da castração envolve a angústia relativa à perda
do pênis/falo, no menino; inveja do pênis/falo inexistente, na menina. A sexualidade habita o humano desde o nascimento. Pulsões dessa ordem, ainda que primitivas e difusas, impelem as crianças a buscar o que lhes é necessário mediante o prazer e a satisfação que tais experiências lhes propiciam nas diferentes fases do desenvolvimento e maturação psicossexual do sujeito. No entanto, até ser atingida a fase genital na puberdade, os infantes precisam lidar com circunstâncias pulsionais que lhes deixam intimidados.
As pulsões da libido costumam se exprimir de forma
independente dos instintos presentes no sujeito e dos ímpetos naturais de autoconservação. Ao ser constatada clinicamente uma oposição entre ambos, faz-se preciso não apenas aferir como e quando esse processo se deu, mas, e antes, como eles se encontravam conjugados em prol de interesses narcísicos do eu.
Alfred Adler defendia a tese do “protesto masculino”,
entendida como força motriz atuante para a formação do caráter e da neurose, sendo aquela dotada de uma valoração social ao invés de uma tendência narcísica, o que significava a exclusão da libido do processo. Para a psicanálise, entretanto, esse “protesto masculino” estaria vinculado à natureza narcísica e ao complexo de castração. Assim, ainda que relacionado à formação do caráter, mas juntamente com outros fatores conforme a psicanálise, seria ele insuficiente para esclarecer a gênese e os mecanismos da neurose, que, segundo Adler, apenas serviriam ao interesse do eu. Ora, para Freud, baseado nas vivências clínicas, esse “protesto masculino” não disporia exclusivamente de papel patogênico, de modo que poderia não dar gênese a neuroses.
Quando um adulto não apresenta mais sinais de
megalomania, não se pode concluir, de imediato, que o narcisismo infantil que por ela também se caracteriza estaria ausente do sujeito, de modo que a libido do eu teria sido substituída pela libido objetal. Isso porque a pulsão está habitualmente sujeita à ação da repressão patogênica por conta do conflito havido com o ideário moral e cultural da pessoa a cujas exigências se sujeita. Então, pode-se considerar que a repressão proviria do eu, que rejeitaria impressões, vivências, impulsos e desejos dissonantes daqueles seus parâmetros, o que pode ocorrer tanto pela via consciente quanto inconsciente. Assim, o ideal internalizado cria as condições da ação repressora no sujeito.
Ao referido ideal do eu dirige-se o amor a si mesmo que fora
desfrutado na infância. Dessa feita, o narcisismo desloca-se para o eu ideal, conferindo-lhe o status de perfeição. A libido se concentra nesse aspecto psíquico do eu, onde o sujeito passa a experimentar a satisfação. Assim, por não ter se privado da perfeição narcísica da infância, embora dela possa ter se distanciado por conta das exigências de seu desenvolvimento, o sujeito pode readquirir na forma do ideal do eu que depois se constitui.
É válido, agora, diferenciar a formação de ideal da
sublimação. Esta refere-se à modificação da destinação da libido de um determinado objeto para outra meta, onde a satisfação então pretendida pela via sexual seja obtida por outros meios. Na idealização, o objeto é ampliado psiquicamente em seu valor, ainda que a sua natureza se mantenha inalterável, o que pode tanto se dar no âmbito da libido do eu quanto da libido objetal, mas sempre tendo presente a sua superestimação.
O elevado ideal do eu vem, portanto, como substituto ao
narcisismo primário, que para aquele deslocou a libido outrora investida na megalomania primitiva. Por isso, não se trata de uma sublimação da pulsão, cuja efetivação independe da instigação pelo ideal, mas de um intenso investimento libidinal na referida idealização egoica. Não obstante a formação de ideal aumentar as exigências do eu em prol de um processo de repressão, e a sublimação representar uma alternativa ao cumprimento das exigências sem ocasionar a repressão, tanto uma quanto a outra, embora de formas distintas, exercem relações causais no que tange às formações de neuroses.
Verifica-se, dessa feita, que a instância psíquica do eu pode
ser submetida a um processo de controle, vigilância e contínua aferição pelo ideal [mais tarde, isso será desdobrado no supereu]. Essa operacionalidade intrassubjetiva pode originar estados delirantes como é observado em casos de paranoia, pois que, quanto mais a pessoa se encontra mergulhada numa idealização de si mesma, o que tende a se expandir para aspectos e objetos do seu entorno, estabelecendo percepções calcadas na simplista dualidade bem x mal, mais ela estará distanciada da realidade objetiva, o que torna propício o advento de delírios e alucinações, bem como de sensações persecutórias e messiânicas. E ainda que não se constituam como tanto, podem traços disso ser notados em neuroses de transferência apresentadas pelo sujeito.
Com a alteração perceptiva, as falas do sujeito tendem a
revelar muito da mesma, como a de ter os seus pensamentos conhecidos por outrem e as suas ações constantemente por eles vigiadas [crenças conspiratórias], além de outras construções psíquicas que passam a fazer parte do universo mental da pessoa. Daí é possível avançar para estados sensoriais igualmente perturbados, ocasionando alucinações auditivas, visuais, odoríficas ou de outras ordens. Tudo passa a ser entendido e sentido como verdade para o sujeito, que tem, então, de lutar contra algo para o qual destina e projeta seus medos e aflições, atribuindo-lhe um poder descomunal. Por conseguinte, a pessoa entra num processo regressivo, retomando atitudes e posturas infantilizadas, já que tem por comprometida a sua capacidade de pensamento crítico e autoanalítico.
Ora, o ideal do eu é amplamente dependente de uma
consciência moral exagerada que fora introjetada, podendo ter tido sua gênese na educação e na voz de comando das figuras cuidadoras (paterna e materna), às quais se agregam vozes de professores, instrutores, cultura, religião etc. Essa vociferação introjetada tende, portanto, a congelar e a enrijecer o sujeito, não só em suas ações, mas e principalmente, conforme aventado, em suas percepções e demais processos psíquicos.
Sentindo-se parte importante de uma trama, a cujo
protagonismo se sente convocada, a pessoa vale-se do ideal narcísico do eu para essa missão especialíssima, o que lhe confere um sentido primordial de existência e propósitos repletos de nobreza e pureza, cuja conservação lhe é sinônimo de satisfação. De tal modo, sua posição, fala e sentimentos são transbordantes, atuando em prol da repressão e da invalidação do que lhe é oposto ou percebido como ameaça, dando vez a proibições, punições e hostilidades de toda sorte. Para dar conta de tamanha missão, doses cavalares de libido são concentradas e investidas para a referida batalha existencial e universal, constituindo-se a instância censória como base fundamental do quadro sintomatológico.
A atividade psíquica que deu vez à consciência moral, ao
impelir o sujeito à constante auto-observação, confere ao eu um status de atenção privilegiado, a partir do que sistemas de pensamento especulativo ganham forma e consistência, os quais podem tanto favorecer o sujeito mediante uma autoanálise crítica que não seja violenta contra si mesmo e produza um saber do qual a pessoa poderá se valer, como prejudicá-lo a partir do instante em que cobranças descabidas e autopunições passam a ser instigadas como modalidade punitiva ao próprio eu quando não se adequa às fortes exigências morais introjetadas. Isso pode até mesmo descambar para autoflagelações ou mortificações corporais altamente preocupantes para a saúde física e mental da pessoa, além de se estender à sua vida social e colocar o sujeito numa condição de paladino da moral e dos bons costumes, custe o que custar ao outro e à sociedade, conferindo à paranoia um espaço maior à sua expressão e destinação.
Experiências infantis relativas a sensações de onipotência
deixam marcas e resíduos psíquicos que contribuem ao amor próprio do indivíduo. Não obstante, é preciso que também incorra no processo a libido narcísica. Quanto a isso, é interessante destacar que, nas parafrenias, o amor próprio é elevado, ao passo que, nas neuroses de transferência, ele se acha em menor proporção, o que também atua para lançar o neurótico na direção de um objeto que não apenas seja amado por ele, mas que, e principalmente, o ame, com o que o amor próprio consegue adquirir maior consistência. Afinal, ao amar, perde-se libido; ao ser amado, a libido é reavida e o narcisismo fortalecido.
Se a vida amorosa da pessoa encontrar-se destituída de tais
dinâmicas, as sensações de impotência e de esvaziamento do eu tendem a ser mais impactantes, isso a ponto de gerarem um rebaixamento do amor próprio, trazendo, por efeito, um angustiante sentimento de inferioridade. Assim, é vital ao amor a reciprocidade, caso contrário, quando o amor apenas flui na direção de dar o afeto a outrem sem que haja uma contrapartida, o investimento libidinal extraído tende a ocasionar danos de difícil reparação ao eu.
A dinâmica das neuroses, por outro lado, merece uma
atenção mais detida, não se restringindo a meras relações de causa e efeito. Diante de alguma sensação de inferioridade irrompida no sujeito, dela a neurose se utiliza como pretexto para atender a algum propósito. Como exemplo, podem ser destacadas duas pessoas neuróticas que se sentem igualmente feias, sendo que, uma delas, ao se achar incapaz de ser amada por tal motivo, ingressa em algum processo de adoecimento, ao passo que, a outra, pode adotar uma postura defensiva compensatória mediante o desenvolvimento de aversão ao sexo, com posturas ativas de repulsão, ainda que disponha de características sexuais atrativas. Tem-se, assim, que a histeria se desenvolve por conta de variáveis psíquicas diversas, nas quais a autopercepção é um de seus componentes, tanto que há pessoas destituídas de grandes atrativos sexuais, mas que não desenvolvem reações neuróticas por conta disso.
Retomando a questão do amor próprio, a relação do mesmo
com o erotismo, em termos de investimento libidinal de objeto, demanda aferir como o referido investimento opera, pois que tanto pode estar em sintonia com o eu, como sofrer resistências advindas da repressão. No primeiro caso, amar, como qualquer outra atividade do eu, tende a acarretar-lhe benefícios, fortalecendo-o; porém, estando a libido reprimida, o investimento amoroso é sentido como ameaça de enfraquecimento do eu, o que compromete o processo e a correlata satisfação, tornando mais desejável a retirada de investimento libidinal de objetos para reinvestir a libido no eu, aspecto que fomenta e potencializa o narcisismo, trazendo ao sujeito sensações típicas de seu estado primário, quando libido de objeto e libido do eu não se diferenciavam.