ASTROCARACTEROLOGIA - I Aula

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Coloco alguns trechos da primeira apostila do curso de Astrocaracterologia (São Paulo - 1990)

de Olavo de Carvalho. Como são textos muito extensos, colocarei separados.


Soraia
ASTROCARACTEROLOGIA
Aula 1
São Paulo, 5 abril 1990
Fita I
Transcrição: Henriete A. Fonseca

A pesquisa Gauquelin
Com este curso nossa intenção é inaugurar uma nova ciência das correspondências astrais,
delimitando as diferenças que a separam do que, até hoje, tem sido chamado de astrologia,
mas tendo, ao mesmo tempo, consciência da dívida que a astrocaracterologia tem para com
esta antiga ciência. Não existe ciência sem que haja, no entanto, um fenômeno, sem que algo
tenha aparecido. Ser fenômeno significa, justamente, ter aparecido - a palavra vem do grego
fainestai, e quer dizer "aparecer", "manifestar-se". Então, não existe ciência sem que algo
tenha dado um sinal de existência. Para que haja um estudo, pressupõe-se a existência de algo
que se manifestou; e este "algo", no caso, nos é dado pela pesquisa de Michel Gauquelin.
Fato e fenômeno. Consistência/relação/recorrência
Tal pesquisa, feita a pedido do Observatório Astronômico de Paris, revelou que há fortíssimos
indícios para acreditar que exista alguma correspondência entre as posições planetárias e
determinados eventos terrestres. Ainda que este resultado seja muito vago - levantando mais
problemas do que oferecendo soluções -, ela nos fornece o primeiro elemento necessário para
que haja uma ciência, seu motivo mesmo de existência enquanto ciência, que é o fenômeno, o
fato. Fato e fenômeno não são, no entanto, a mesma coisa. Fato é aquilo que está feito, que já
aconteceu. Subentende-se, quando se diz que algo é fato, não apenas que seja verdadeiro,
mas que já tenha acontecido. Fato é uma noção histórica e toda ciência parte de um dado
histórico, é quando esse dado histórico se torna fenômeno. E o que a ciência fará com esse
fenômeno? Procurará averiguar primeiro a sua consistência e a sua relação com outros
fenômenos, de modo a obter alguma conexão lógica, alguma recorrência sistemática dos
mesmos fatos em face de outros fatos, ou seja, procurará verificar se um determinado grupo
de fatos coincide no tempo e no espaço com alguns outros grupos de fatos admitidos, e por
que coincide.
Definição de Ciência
Para fazer isto, a ciência se socorre de uma multidão de métodos, que consistem em última
análise, na aplicação de certos princípios - que são verdades auto-evidentes, puramente
lógicas; verdades formais que esquematizam o nosso pensamento. Da fusão entre os
princípios e os fatos é que surge a chamada ciência, que se define então como a averiguação
dos fatos à luz de princípios. Uma imensa coleção de fatos não será por si mesma uma ciência,
como também os princípios, por si mesmos, não formam ainda uma ciência (ou formam
apenas no sentido filosófico; a lógica, por exemplo, é uma ciência filosófica, que não lida com
fatos, lida apenas com possibilidades de relações entre pensamentos).
GAUQUELIN fornece, com sua pesquisa, o FATO, o qual se trata de uma RELAÇÃO
A ciência, no sentido científico próprio e não apenas filosófico, precisa de fatos, e estes fatos
precisam se manifestar, tornando-se fenômenos, pois é necessário que tenhamos consciência
deles, que nos sejam evidentes. A pesquisa Gauquelin nos oferece o fato e, seja este agradável
ou não, ele foi verificado. Porém, não é um fato simples o da astrologia, que possa ser
constatado de modo imediato pelos sentidos, como por exemplo quando sabemos que chove
ou que faz sol. Não é um fato simples por ser uma relação, que consiste em que determinadas
posições dos planetas coincidem no tempo com determinados fatos terrestres, e não há como
verificar tal fato diretamente, é preciso aplicar-lhe algum procedimento científico, portanto
indireto. No caso, foi uma comparação estatística.
O Mapa Astrológico: tradicionalmente, segundo o pensamento dos astrólogos, apto a
esclarecer sobre:
— aptidão profissional;
— destino pessoal;
— os planetas correspondem a profissões.
A pesquisa Gauquelin se destinava a verificar se havia ou não algum fundamento nas
pretensões dos astrólogos. Assim, a partir da alegação tradicional dos astrólogos de que as
posições planetárias no instante do nascimento determinam a aptidão do indivíduo para esta
ou aquela carreira profissional, Gauquelin procurou, por um procedimento estatístico, verificar
se isto se dava de fato. Tomou inicialmente cinqüenta mil mapas de nascimento de pessoas de
diferentes grupos profissionais: militares, atores, políticos e cientistas. O segundo preceito
astrológico que a pesquisa procurava averiguar era sobre a veracidade da afirmativa de que os
planetas colocados em pontos considerados mais importantes, mais sensíveis, como o
Ascendente e o Meio do Céu, serem determinantes do destino pessoal. O terceiro preceito
astrológico era o de que certos planetas são significadores ou índices de certas profissões por
si mesmos. Por exemplo, Marte significa tradicionalmente os exércitos, a Lua as artes, Júpiter o
ensino e a política, Saturno a ciência. Se os astrólogos tinham razão - supôs Gauquelin - , então
nos mapas das pessoas destas profissões, os planetas correspondentes deveriam estar nestas
posições privilegiadas com uma freqüência maior do que nos mapas de pessoas de outras
profissões, o que, aliás, se confirmou como resultado da pesquisa. A freqüência era, inclusive,
tão alta que se calculou que a possibilidade de ser uma coincidência era de 1 : 8.000.000!
O Fenômeno Astral existe.
Não contente com o resultado, o Observatório Astronômico de Paris pediu uma segunda
pesquisa que, por sua vez, abarcou 500 mil mapas de nascimento, sendo que o resultado só
veio mais uma vez confirmar o anteriormente verificado. Ora, isto é suficiente para nós
acreditarmos que o fenômeno existe, ou seja, que existe alguma relação - por absurda que
pareça - que nos foi evidenciada. Parece que a astrologia disse alguma verdade. Dado o
fenômeno, o que devemos fazer com ele? Podemos esquecê-lo, caso não gostemos desse
negócio de astrologia, se temos por exemplo horror a tudo aquilo que não compreendemos;
podemos também comemorar a "vitória da astrologia", afirmando que o resultado da pesquisa
a torna válida, usando o resultado da pesquisa como uma bandeira de luta, ou como uma
gazua para arrombar cofres e ganhar mais dinheiro. Ambas as atitudes são ilegítimas, porque o
fato de que a pesquisa Gauquelin ter provado que existe alguma relação entre as posições
planetárias e os eventos terrestres prova apenas que o objeto da astrologia existe, mas não
prova absolutamente que tudo o que os astrólogos vêm dizendo sobre este objeto seja
verdadeiro. Prova a existência do fenômeno, mas não prova a veracidade da ciência que
pretende estudá-lo. A terceira atitude possível e a mais razoável é a idéia de que se há um
fenômeno, pelo menos se justifica uma ciência para estudá-lo. Mas existe um motivo que
torna os estudos astrológicos ainda mais justos e necessários hoje em dia:
Semelhança entre o passado e o presente: a expansão continental (séc. XVI) encontra
semelhança com a atual rede mundial de telecomunicações
Pouco antes das navegações, a Europa tomou consciência de sua unidade. A partir deste
instante, surge a necessidade e a inspiração de conhecer o lugar desse continente e o que
havia para além dele. Do mesmo modo, no século XX, estamos chegando a uma integração
entre todos os povos, não apenas da Europa, mas da Terra inteira. Essa integração é feita
através de uma rede de intercomunicações científica. Tal integração científica e intelectual
precede hoje a eclosão de poderosíssimos movimentos de integração social, política etc. A
humanidade chegou a um grau de integração científica que precede, ou sugere, pelo menos,
como seqüência natural, alguma forma de integração política. Gostemos ou não disso, é a
realidade. Como já dizia o título de um famoso livro de Wendell Wilkie, nossa situação é a da
consciência de um só mundo. Não existem dois ou três mundos; só um. Assim, como antes das
navegações surge a idéia de perguntar "onde" está a Europa, o que é que nos rodeia, hoje
aparece a pergunta: "Onde está este mundo?" Qual é o sistema de realidades que nos circunda
e que nos determina? Aparece a necessidade de conhecer o ambiente onde estamos que,
hoje, é de escala cósmica. Gostemos ou não, o problema da posição do homem no cosmos mal
começou a ser colocado.
A Europa unificada propiciou as grandes navegações
Portanto todos e quaisquer estudos que contribuam para que o homem tome consciência da
rede de relações que ele mantém com o ambiente cósmico em torno são estudos da mais
extrema urgência. Se estudarmos a história das ciências e técnicas no Ocidente veremos que
estas tiveram um avanço fenomenal. Tão logo a Europa se constituiu um continente único,
partiu para as navegações. Do mesmo modo, nosso tema da astrologia se oferece quase que
naturalmente a nós no instante onde percebemos que a humanidade alcançou a posse de seu
território em escala planetária, dominando a natureza terrestre a tal ponto que hoje ela só
subsiste graças aos esforços humanos. O desafio terrestre foi vencido, um capítulo está
encerrado e outro se abre naturalmente à nossa frente. Sendo assim, a pergunta sobre se
existe alguma relação entre tudo que se passou nesta Terra durante os milênios que aqui
vivemos encerrados e o ambiente cósmico que a circunda surge necessariamente,
naturalmente, e não há como escapar dela. Este é o grande tema do futuro. Quando eu disse
que o homem tomou posse da Terra, gostaria que vocês tomassem uma consciência mais
aprofundada da imensidão da mudança que isso pode significar para todos os seres humanos
das gerações vindouras.
Bichos presos, mas assustam
Certa vez, passeando por um Zoológico, uma cena me chamou demais a atenção: algumas
garotinhas cutucavam com paus algumas cobras trancadas numa espécie de jaula. As cobras
estavam indefesas e, no entanto, as garotas é que gritavam a cada gesto de ataque. Indaguei-
lhes por que gritavam e tinham medo se o lógico deveria ser exatamente o contrário, já que as
cobras estavam à mercê delas... Na verdade percebi depois que esse fato não acontecia
somente ali, mas em toda parte; todos os bichos estão presos em nossas mãos e, no entanto,
quando sentimos medo ou estamos abalados, sonhamos com animais nos atacando. Os bichos
continuam significando para nós coisas ameaçadoras e, no entanto, estão à nossa mercê,
dependem de nós para a sua sobrevivência. Onde há leões, por exemplo, já não é mais porque
o bom Deus os colocou ali, mas porque o governo da Tanzânia, da Inglaterra ou qualquer outro
nomeou funcionários para protegê-los.
Somos a primeira civilização sob cuja guarda está a natureza.
A posição do homem em face do mundo natural e, particularmente, do mundo animal mudou.
O mundo animal não nos ameaça: os leões tiveram de se adaptar à nossa presença. Enfim,
tomamos o poder; a mãe natureza envelheceu, tornou-se uma senhora desamparada e senil,
que vive da nossa ajuda, vive sob a proteção dos filhos, que somos nós. Isso significa que as
presentes gerações humanas estão vivendo na Terra de maneira inversa à de todas as outras
gerações. Para estas a Terra era o cenário hostil que se tratava de vencer. A Terra representava
a natureza como um todo; hoje a Terra somos nós, ela é nossa propriedade e uma submissa
mãe aposentada. Este fenômeno é mais importante do que o próprio movimento ecológico se
dá conta. Eles se dão conta de que há uma destruição da natureza, mas não se dão conta de
que nós somos a primeira civilização que assume totalmente a natureza sob sua guarda e seu
encargo. Movimentos ecológicos nunca tiveram de existir, nunca existiram. Nunca houve
guardas para os leões, nem tutores para os hipopótamos. Mas, hoje, assumimos essas funções.
Ausência de princípio explicativo na astrologia multimilenar.
Enfim, o ambiente material no qual nós vamos construir a nossa história já não é o mesmo no
qual toda a humanidade construiu a sua. A humanidade construiu sua história na Terra, na luta
contra a Terra, e nossa luta alcançou uma vitória notável, vitória que hoje beneficia a própria
Terra. Estamos em cima de uma Terra que é nossa, de uma Terra que é hoje nós mesmos, e
dela olhamos para um ambiente cósmico imenso, do qual temos apenas uma idéia muito vaga.
Por isto o tema astrológico, como se pode prever, será o grande tema dos séculos vindouros.
Porém, na medida em que assume tal importância, e que a astrologia passe a ser reconhecida
e que muitos cérebros qualificados se entreguem ao seu estudo, é seguro que aos astrólogos
ela acabará tomando um perfil muitíssimo diferente do que teve durante todos esses séculos;
ou seja, tudo aquilo que conhecemos com o nome de astrologia hoje terá sido apenas a pré-
história de uma ciência nascente. É preciso ver se essa nova astrologia arcará, de fato, com o
seu problema, ou seja, se será capaz de alcançar, no estudo do seu fenômeno, as vitórias que
as outras ciências alcançaram no estudo de seus respectivos temas. Quando fazemos esta
pergunta, constatamos no mesmo momento que tudo o que possuímos em mãos em matéria
de astrologia, que foi desenvolvido ao longo de milênios, é, por um lado, a constatação de um
fato e, por outro lado, uma multidão imensa de sugestões, de possibilidades e hipóteses,
nenhuma das quais é dotada de certeza. A astrologia, até o momento, não alcançou nem o
mínimo de evidência na sua explicação, de modo que tal evidência se imponha como verídica a
qualquer pessoa honesta que tome conhecimento do assunto. Sem dúvida, quando a
estudamos, encontramos verdades, porém não sabemos sequer qual é a posição hierárquica
dessas verdades, quais são as mais fundamentais, quais são as acidentais e periféricas e,
sobretudo, não temos o menor princípio explicativo, pois a ciência busca sempre, em última
análise, uma compreensão do fenômeno e não apenas a sua descrição.
A Astrocaracterologia está para a Astrologia assim como a espécie está para o gênero, a parte
para o todo, a construção para a concepção.
Dentro deste panorama, a ciência que vamos estudar, a astrocaracterologia, é, por um lado,
uma parte do tema astrológico, na medida em que definimos a astrocaracterologia como o
estudo da relação entre as posições planetárias e o caráter humano, subentendendo que o
caráter não é a personalidade inteira, mas só um pedaço, não é o homem inteiro, mas só uma
faixa do homem, e a astrologia estuda não apenas o homem inteiro, como estuda também
outros seres que não são homens, estuda a natureza terrestre inteira e os eventos históricos,
econômicos, políticos etc. Desta imensidão de temas que a astrologia estuda, pegamos apenas
um, pequeno, mas particularmente importante, já que trata de nós mesmos. Nesse sentido, a
astrocaracterologia está para a astrologia como a espécie para o gênero - como a parte está
para o todo. Este curso fará com que a parte anteceda o todo, e, ao fazê-lo, parece cair num
paradoxo: porque se não estão definidos os princípios, regras e métodos da astrologia em
geral, como é que se poderia aplicá-los especificamente a este setor que é o caráter humano?
Se a astrologia enquanto ciência não está constituída ainda, se é apenas um amálgama de
hipóteses em torno de um fenômeno, como se poderia construir uma parte dela? Para
responder, teremos de distinguir entre a concepção de uma ciência e a sua construção efetiva.
No que diz respeito à concepção de uma ciência, esta se constitui, primeiro, da delimitação de
um certo campo e da distinção entre esse campo e os campos vizinhos; segundo, da
proposição de um objetivo para o seu estudo, ou seja, algumas perguntas fundamentais e,
terceiro, do estabelecimento e discussão de métodos para se estudar o tema. Ora, a
construção, a realização efetiva dessa ciência é outra coisa completamente diferente: consiste
em tomar uma concepção e colocá-la em prática para o estudo deste ou daquele aspecto em
particular dentro do campo específico.
A concepção de algo é o inverso da sua construção.
A concepção e a construção procedem de modo inverso: podemos fazer uma imagem que
seria a de um arquiteto que, ao planejar um edifício, o concebe no seu todo, com uma forma
integral, e depois desce ao detalhamento das partes; porém, na hora de construir a casa,
procedemos de modo inverso, do detalhe para o todo, do tijolo à parede e da parede ao
cômodo. A concepção da ciência vai do todo para a parte, mas a sua construção, sua
realização, ao contrário, é como a construção de um edifício, terá de ser feita tijolo por tijolo. É
preciso ter, então, primeiro uma concepção global do que é ou deveria ser a astrologia como
ciência; dada esta concepção, é então preciso começar a construção por alguma parte, e estou
sugerindo como começo o estudo do caráter.
A Astrologia Pura corresponde à gnosiologia. O gnosiológico está para a ciência assim como o
arquiteto para o pedreiro.
A relação da astrologia com a astrocaracterologia é esta: a astrologia, para nós, será apenas
uma concepção de uma ciência possível; a astrocaracterologia é o começo de construção desta
ciência, podendo depois desembocar em outras disciplinas astrológicas que estudarão outros
aspectos do mesmo fenômeno. Todo meu trabalho na área de astrologia, tudo que escrevi e
ensinei até agora consiste apenas nessa concepção da astrologia teórica ou pura. Esta
astrologia procura delimitar o fenômeno, ou seja, descrever o que vêm a ser estas relações do
homem com os astros e investigar em que medida isto pode ser estudado e através de que
meios este estudo seria possível. Nesse sentido, a astrologia pura é um estudo gnosiológico.
Esse estudo estabelece os limites de uma ciência possível, mas não a cria, apenas faz os planos.
A gnosiologia está para a ciência propriamente dita como está o arquiteto para o pedreiro. A
astrologia pura é uma disciplina filosófica, puramente teórica, não investiga fenômeno algum
em particular nem vai de encontro a nenhum fato, apenas procura delimitar o campo desse
fato. A astrologia pura parte da possibilidade de um fenômeno e o delimita para o distinguir de
outros, porque se este fenômeno não está distinto, conceptualmente falando, como investigar
se ele existe ou não? Ou seja, se não sabemos o que é uma coisa, como saber se ela existe ou
não?
A astrologia que hoje se pratica está tão atrasada que discussões tais como se os astros
causam ou não comportamentos humanos estão sendo conduzidas segundo argumentos
teológicos baratos: se Deus permitiria uma coisa dessas ou não... Isto pode ser chamado
ciência? Não, é demagogia apenas. A teoria da "sincronicidade" também é outro exemplo do
baixo nível: isto vem sendo discutido há trinta anos, sem que uma única pessoa tenha se
lembrado de dizer que isto não é uma teoria, é simplesmente o nome do fenômeno.
Entendem por que digo que não existe astrologia ainda?
A astrologia pura deve se perguntar o seguinte: de quê estamos falando quando fazemos
astrologia? Por exemplo, o astrólogo que verifica que a presença de Saturno na Casa 4 pode
deixar o indivíduo doente do estômago, pode ter verificado isto de várias maneiras. Primeiro,
por raciocínios simbólicos e analógicos: Saturno é a pedra, aquilo que endurece, o peso, etc.;
ora, evidentemente não é bom que o nosso estômago esteja duro; a Casa 4 é a mãe, a casa, o
estômago etc.; portanto, Saturno na 4 = estômago duro. Pode também ter chegado à
mesmíssima verificação por uma observação estatística: tendo atendido inúmeras pessoas
com Saturno na Casa 4, 80% delas disseram que tinham dor de estômago. Pode chegar à
mesma conclusão por vias completamente opostas, por uma via mitológica, simbólica e
analógica, ou por verificação experimental.
A natureza da relação (entre a figura do céu e os eventos terrestres, naturais ou humanos) é
distinta da ciência prática.
Pergunta-se: o fato de você comprovar ou imaginar que Saturno na 4 causa dor de estômago
explica em alguma coisa se os astros causam os eventos terrestres?
Isto quer dizer que a investigação da natureza da relação entre astros e homens é uma ciência,
e a astrologia prática, a interpretação dos horóscopos, é outra ciência ou técnica
completamente diferente. No entanto, esses dois setores estão perfeitamente confundidos em
todas as discussões sobre a astrologia: sempre se pressupõe que o astrólogo que proclama que
tal planeta em tal lugar significa tal ou qual coisa, esteja, ipso facto, em condições de provar se
existe também uma relação causal ou não, quando isto é um problema de astrologia teórica
que não interessa ao astrólogo praticante, e que ele em geral ignora ou mesmo não entende.
Se nós, por uma espécie de dedução analógica, construíssemos aqui um sistema de
interpretação astrológica somente com base nos mitos e símbolos e nos significados
mitológicos das casas, nós teríamos então um conjunto de regrinhas do tipo "Sol na Casa 1
produz tal coisa", "Sol na 2, tal coisa", e assim por diante – nesse raciocínio, para ter um
sistema inteiro das interpretações, quantos horóscopos de pessoas reais precisaríamos ter
visto? Nenhum. Temos então um terceiro departamento de astrologia, que é o estudo da
linguagem astrológica. O que esse estudo tem a ver com a interpretação de mapas reais?
Nada. O que tem a ver com a investigação da natureza do fenômeno astral? Nada. Se
misturarmos todas essas coisas ao mesmo tempo e supusermos que o astrólogo praticante
deva saber tudo isto ao mesmo tempo, e deve estar em condições de responder a todas estas
perguntas simultaneamente, estamos esperando dele mais do que se espera de qualquer
cientista do mundo. Mas mesmo sintetizar o simbolismo de cada planeta e casa nas várias
civilizações e em seguida descrever analogicamente a posição desses planetas nas várias casas
com a sua devida interpretação, construindo por assim dizer uma espécie de linguagem
astrológica universal, é algo que não foi feito até hoje.

ASTROCARACTEROLOGIA
Aula 1
São Paulo, 5 abril 1990
Fita II
Transcrição: Maria Cláudia O. Tambellini e Henriete A.Fonseca
Não existe uma linguagem astrológica sistemática
No livro de Marcelle Sénard, Le Zodiaque, encontramos uma síntese dos mitos mundiais dos
doze signos, e também algumas sínteses das mitologias planetárias, porém nada disto se
aplicou até hoje à constituição de uma linguagem astrológica sistemática, sendo este um
requisito preliminar para qualquer estudo mais sério. No entanto, mesmo que tivéssemos feito
este estudo, o que saberíamos a respeito da relação real entre astros e homens? Nada. Seria
apenas a constituição de uma linguagem simbólica universal, não local e, portanto, teríamos
ainda que saber a que corresponde cada símbolo sob esse ponto de vista, pois os símbolos
naturais estão sempre condicionados a um panorama local. Deveríamos buscar saber ainda em
que medida esses símbolos poderiam estar sendo estudados comparativamente, e em que
medida eles possuem um traço específico que os torna irredutíveis, intraduzíveis em qualquer
outra coisa. Ou seja: em que medida um símbolo corresponde ou não a um conjunto de
intenções de outro símbolo, de uma outra civilização, de uma outra sociedade? Quem tivesse
feito esta comparação extensivamente teria feito a gramática da astrologia.
Gramática: o que é?
A gramática é a arte de combinar os signos e significados independentemente da veracidade
do conteúdo veiculado por eles. Sob este ponto de vista, dizer que "a bruxa montou na
vassoura e saiu voando" é perfeitamente admissível, porque a gramática se interessa apenas
pela relação dos signos formalmente considerados e não como significadores de entes reais ou
conceitos lógicos.
Uma teoria sociológica possível: a sociedade enfocada sob 2 categorias.
Nós teríamos, por outro lado, de fazer a lógica da astrologia, que consiste, precisamente na
astrologia pura, na gnosiologia da astrologia, que vai estudá-la como um conjunto de signos
apto a alcançar uma certa coerência com a qual os signos poderiam representar algo exterior.
Por exemplo, se digo que, ao estudar a chamada astrologia mundial, a primeira casa
representa o caráter do povo, a segunda casa representa os recursos materiais à disposição
deste povo, a terceira sua cultura, educação, etc., podemos perguntar se este conjunto de
categorias sob as quais nós enfocamos astrologicamente um povo corresponde à estrutura
real de uma sociedade, ou se há elementos faltantes. Ou seja, a estrutura do zodíaco é
suficiente para que com ela possamos descrever uma sociedade qualquer, e não esta ou
aquela sociedade em particular, mas toda e qualquer sociedade possível? Quando distribuímos
doze aspectos da vida de uma sociedade entre as doze casas do horóscopo estamos, na
verdade, propondo uma teoria sociológica, e deveríamos averiguar se esta teoria é
autoconsistente, se ela não contém nenhuma contradição interna, e ainda, se ela tem a
possibilidade de coincidir com os fatos ou se é demasiado esquemática, sendo um produto
puramente mental, que não tem base na realidade empírica. Todas essas perguntas
pertencem ao plano da astrologia pura, ou gnosiológica. A parte que desenvolvi desta
astrologia será exposta a vocês no decorrer do curso, neste primeiro ano de maneira
fragmentária, mais ou menos ocasional, apenas naquilo que for necessário para o
entendimento da astrocaracterologia, e no segundo ano de uma maneira mais sistemática.
Quanto ao curso, os alunos que o fizerem deverão me dar a certeza de que estão sabendo
aquilo que lhes ensinei. Pretendo que cada pedrinha que coloque, vocês a mantenham no
lugar, durante dois anos. Porque, se não souberem esta parte, não poderão prosseguir depois
com um trabalho frutífero que possa desempenhar um papel importante no desenvolvimento
da ciência e da cultura. Todas as partes do curso estão muito amarradas entre si, e o que não
seja entendido deverá ser revisto, visto de novo, repetido. Pretendo fazer de vocês não apenas
um grupo de curiosos que assistiram a um curso de astrologia, mas um grupo de estudiosos,
profundos conhecedores do assunto, os mais profundos deste país.
Primeiro modo de ensinar: preleção.
O curso possui um caráter sistemático, e o seu conteúdo deverá ser apreendido, examinado e
reexaminado sob uma série de ângulos e também sob diferentes modalidades de trabalho
pedagógico. Somente quando o tema foi enfocado em todos os modos e níveis é que nós
poderemos passar para um outro. Vamos agora saber um pouco sobre essas modalidades de
trabalho pedagógico. A primeira delas chama-se preleção. Preleção é a exposição das idéias e
conhecimentos, por parte do professor, sem interrupções, onde o público busca assimilar e
ouvir com atenção, sem colocar, na hora, objeções e perguntas, e esperando até uma outra
ocasião oportuna para fazê-lo.
Segundo modo de ensinar: comentário de texto.
A segunda forma de trabalho, onde o público também permanece atento e ouvinte é o
comentário de texto. O comentário é também uma preleção mas, ao invés de o professor
apenas expor as suas idéias, ele trabalha apoiado em algum texto - dele mesmo ou de outro
autor - trazido para este fim. O texto será lido e desdobrado em um certo número de partes,
com interrupções para explicações sobre os termos, para comparação do texto com outros
textos, para uma investigação do significado do texto em relação ao nosso assunto, e assim por
diante.
Terceiro modo de ensinar: Revisão.
Em terceiro lugar, temos a revisão da preleção. Na revisão os alunos questionam o professor
sobre os pontos que ficaram duvidosos ou problemáticos. Devem exigir dele uma
demonstração mais firme, uma informação mais extensa ou ainda uma limitação do
argumento. Por exemplo, em certas aulas poderão ser ditas coisas com valor probatório
suficiente, coisas que são certas, evidentes, e outras que, ao contrário, deverão ser
fundamentadas mais extensivamente. Na revisão a iniciativa sai da mão do professor para a
dos alunos; é preciso checar todas as dúvidas. Sobre isto, aliás, é importante fazermos uma
observação: nós podemos medir a capacidade intelectual dos indivíduos e, sobretudo, a sua
honestidade intelectual pela sua capacidade de suportar uma dúvida, durante um tempo
prolongado, até encontrar a certeza. Aristóteles já dizia que "o juízo (juízo quer dizer
julgamento, sentença) é o repouso da mente". A mente repousa quando ela encontra um juízo
certo. O homem não estudioso quer viver num estado de repouso perpétuo, ou seja a mente
dele é constituída só de coisas que ele considera certas, sobre as quais nada se pergunta para
não entrar num estado de incomodidade. Porém o homem de ciência, aquele que estuda, esta
sempre procurando problemas, ele se interessa por problemas, não porque aprecie em si o
estado de dúvida, mas porque aprecia o benefício da certeza que uma dúvida enfrentada com
honestidade, durante o devido tempo, pode lhe trazer. É o mesmo caso, por exemplo, de uma
ginástica, de um esporte. Qualquer destas práticas implica a aceitação de um momento de
incomodidade física; uma nova ginástica dói até o ponto onde você passa a ser capaz de arcar
com o seu peso, com o esforço repetido sem que ela doa mais, onde você conquista uma
força. Na inteligência é a mesma coisa. A dúvida é o esforço muscular da inteligência. Ora,
devemos graduar também a nossa capacidade de arcar com dúvidas; o sujeito que desejasse
viver com dúvida universal a respeito de tudo seria como o imbecil que não quisesse parar de
fazer ginástica nem enquanto dorme. Temos de graduar de acordo com nossas forças e
conveniências o quanto de dúvidas com que podemos arcar, honestamente, e o quanto de
dogmatismo e preconceito precisamos para continuar vivendo. Em toda a vida prática nós
vivemos de preconceitos, porém não na vida teórica, não na vida da inteligência. Pessoas que
duvidam de tudo seriamente, que transferem à vida prática todas as dúvidas teóricas são
loucas. Na verdade, o sujeito que faz isso finge dúvidas. A situação de estudo, teórica, é uma
situação hipotética. Nós nos colocamos voluntariamente em dúvida sobre um ponto a respeito
do qual não precisamos tomar nenhuma decisão urgente no dia seguinte, ou seja, sobre um
ponto que não tenha urgência prática para nossa vida, mas que possa esperar um tempo. É
preciso poder esperar até encontrar, pelo menos, uma certeza suficiente, que é aquela onde
não lhe ocorra mais nenhum argumento capaz de derrubá-la (mas que amanhã ou depois
poderá ocorrer).
Primeiro modo de estudar e aprender: a Transcrição.
A revisão da preleção será feita na segunda parte da aula. O que aparecer de dúvidas na
primeira parte deverá ser anotado para que possamos comentá-las em seguida. Porém
somente a revisão da preleção não basta, porque existem perguntas que surgem muito tempo
depois. Para que a revisão seja frutífera é preciso que ela seja feita não apenas sobre os pontos
da preleção que se conservaram na memória, mas que tempos depois, se possa voltar ao texto
da preleção para relê-lo e sugerir novas perguntas, sendo portanto necessário um quarto item:
o da transcrição — ou resumo da aula. Todos os alunos participarão das transcrições e, num
intervalo de mais ou menos três meses, cada um terá sob sua responsabilidade uma fita para
transcrever, com prazo suficiente. É importante acrescentar que tudo o que for falado na
preleção será documentado (gravado, ou apostilado); o que se disser na revisão da preleção
deverá apenas ser anotado pelos alunos. Porém, não contentes com isto, ainda haverá uma
outra instituição que é o da repetição. A repetição consiste na mesma aula dada de novo, de
memória, por Henriete Fonseca, que procurará, inclusive, complementar certas noções quanto
à linguagem e à técnica astrológica, que estejam faltantes. A freqüência à repetição deve ser
tão constante quanto às próprias aulas. Em seguida vocês farão a leitura de textos; está
poderá ser feita individualmente ou em grupo, e será uma leitura segundo certas normas
técnicas que lhes serão explicadas ainda.
Teremos uma modalidade importante, a exposição oral, feita pelo aluno, que poderá se referir
a tópicos que ele tenha estudado na leitura individual ou em grupo, poderá se referir a temas
que ele tenha desenvolvido por si a partir das revisões das preleções. Todos os alunos deverão
estar sempre preparados para exporem suas idéias.
Tutoria e estudo de casos
Há ainda o sistema de tutoria, que consiste em aulas particulares, especialmente sobre os
temas que o aluno estiver encarregado de estudar sozinho, que é a situação que surgirá a
partir dos estudos de casos. Ao longo deste curso os alunos serão convidados a fazer dois
completos estudos de casos. Cada um deverá apresentar um horóscopo de algum personagem
conhecido, que poderá ser escolhido a partir de uma lista que será oferecida e onde a precisão
dos horários de nascimento já foi verificado. Quem quiser inserir outros nomes deverá ter esse
dado como critério de escolha.
O estudo astrocaracterológico de casos será feito numa ordem inversa; primeiro é preciso
conhecer a biografia, segundo estudá-la caracterologicamente, sem astrologia, sendo que o
mapa astrológico só entrará no final do processo. Para quem conhece astrologia, o mapa
revela uma determinada imagem; no entanto, é preciso que vocês busquem a imagem nos
fatos, e não no mapa. A técnica biográfica será extensivamente explicada para todos.
Estudo teórico: delimita o campo de estudo.
Teoria astrológica, teoria psicológica.
Quanto aos temas, serão abordados em três níveis, sendo o primeiro nível puramente teórico.
A teoria busca ver e descrever as coisas como elas realmente são; no caso de serem coisas fora
de nossa experiência será preciso fazer um esquema de conjeturas que nos descreva como o
objeto poderia ser, o que poderíamos admitir como possível e como impossível. O estudo
teórico é que delimita para nós esses quadros e nos prepara para uma observação correta.
Não há como abarcar na prática um fenômeno do qual não se conheça a estrutura teórica. A
teoria consiste em ver mentalmente um objeto; vê-lo como real separando o possível do
impossível. A teoria é o trabalho mais bonito que existe na ciência e tudo depende dela. A
teoria deverá, ainda, ser de três tipos: primeiro, a teoria astrológica pura, que é uma
delimitação do fenômeno astrológico; segundo, uma teoria psicológica. Se vamos estudar a
relação entre os astros e o caráter, teremos de investigar o que é o caráter. Existe uma
infinidade de acepções desta palavra, e faremos um resumo destas acepções nos diversos
campos fixados pelos psicólogos, sociólogos, antropólogos,etc. Devemos nos perguntar se é
possível a comparação entre o caráter definido de uma ou de outra dessas maneiras, por um
ou por outro autor, e as configurações planetárias, e, em seguida, devemos buscar um
conceito de caráter que possa ser utilizado astrologicamente. Finalmente, uma teoria
astrocaracterológica, que abordará o padrão das correspondências planetárias com o próprio
caráter.
Estudo técnico: conhecimento de origens diversas.
O segundo nível de abordagem dos temas é , por sua vez, o nível técnico. Ao contrário do nível
teórico, que consiste num conjunto coerente de juízos, que separa o possível do impossível, o
conveniente do inconveniente, o provável do improvável, o certo do duvidoso, este nível é
uma coleção amorfa de conhecimentos dos mais variados tipos e procedências. O seu ensino é
bastante diferente do ensino da teoria, que é fundamentalmente expositivo, que demanda a
reprodução de uma seqüência lógica, uma crítica lógica do raciocínio. A técnica não, porque
junta conteúdos heterogêneos.
Diferença entre a prática e a técnica.
A definição de essência segundo Sigwart.
Finalmente temos o nível prático. A prática não deve ser confundida com a técnica, o que é
comum. Uma pessoa pode, por exemplo, ter um conhecimento técnico formidável e não ter,
no entanto, prática alguma. A técnica é o conjunto de conhecimentos que podem ser úteis `a
prática (a teoria, por sua vez, faz parte também da técnica). E a prática , o que é? A prática
consiste em você pegar um problema astrocaracterológico e tentar resolvê-lo; consiste em
você poder interpretar astrocaracterologicamente um determinado horóscopo. Quando
chegamos então à prática, como última modalidade de trabalho pedagógico, surge uma outra
necessidade expressa no tópico "astrocaracterologia e conhecimento de si". Ora, o caráter nós
o carregamos em nós mesmos e, sob certo aspecto nós o somos. Visto de uma certa maneira,
o caráter pode ser a essência do indivíduo, não no sentido pleno da palavra essência, no
sentido clássico, definido por Aristoteles como modo de ser, mas num sentido muito
particular, definido por Sigwart, na sua Lógica. Ele diz: "A essência é a unidade de um ente na
medida em que reivindica para ele a necessidade de certas propriedades." É uma definição
formal -não metafísica-, e o caráter tal como o entendemos e cuja noção vamos utilizar neste
curso se aproxima dessa definição de essência por Sigwart.
Conhecer a essência de um ente é captar sua unidade ou aquilo que faz com que ele seja um.
Conhecemos a essência de um ente na medida em que conseguimos captar sua unidade, ou
aquilo que faz com que ele seja um e não dois, ou meio. Aquilo que faz com que ele seja um
todo, e um todo distinto, e na medida em que, ao definirmos essa unidade, compreendemos
que ela, por ser o que é, exige que o ente possua determinadas propriedades. Por exemplo,
podemos aplicar essa definição de Sigwart à definição aristotélica do homem: "o homem é um
animal racional"; com isto delimitamos uma unidade chamada "homem", a "espécie humana".
Por que podemos dizer que isto é a essência do homem? É porque compreendemos que a
racionalidade e a animalidade, quando juntas numa unidade, exigem, reivindicam que o
homem tenha o dom da fala, mas exigem também, por exemplo, que o seu pensamento não
seja contínuo, porque ele é vivo. Esta definição do homem como animal racional diferencia o
homem de Deus. A Deus você pode atribuir racionalidade mas não vida no sentido animal, já
que, neste sentido, vida é o que cresce e se transforma e também se corrompe e morre. A vida
implica um sistema de mudanças cíclicas (como dizia Aristóteles, "a geração e corrupção"), a
mudança, a transformação. Tomando essa definição, "animal racional", vemos quais são as
propriedades que a animalidade e a racionalidade, juntas, numa unidade, exigem. Vemos que
essas propriedades coincidem de fato com aquelas que observamos num ser chamado
homem, e então dizemos que esta é, efetivamente, a essência do homem.
O estudo do caráter exige o uso da inteligência e da vontade.
Sob certo aspecto, o caráter pode ser considerado a essência do indivíduo, e digo isto para
mostrar que o caráter não é um dado externo. Ora, para estudar o caráter - como qualquer
outra coisa - vamos ter de usar a nossa inteligência. Vamos ter que usar também a nossa
vontade.
ASTROCARACTEROLOGIA
Aula 1
São Paulo, 5 abril 1990
Fita III
Transcrição: Regina Andrada e Silva

O estudo do caráter não é um ato natural, mas ato de vontade.


Porque estudar o caráter não é uma coisa que aconteça naturalmente ao homem, algo que,
por força de leis naturais, não possamos escapar de fazer. É um ato de vontade, que podemos
realizar ou não. Também é um ato que depende do sentimento, pois implica necessariamente
o reconhecimento de certos valores, implica a valoração maior ou menor de certas coisas.
Conforme nossos hábitos, inclinações e valores, julgamos positivamente certos caracteres
humanos, e negativamente outros. Se sou, por exemplo, um indivíduo que aprecia a beleza,
tendo a julgar negativamente as pessoas que não têm o mesmo senso estético. E assim por
diante. Tais julgamentos são espontâneos e inevitáveis, por mais isentos ou neutros que
pretendamos ser; é também inevitável que o padrão ou critério desses julgamentos seja
constituído pelas nossas próprias tendências e inclinações, tomadas ad hoc como parâmetro
universal.
O caráter de quem conhece é o próprio instrumento com o qual se conhece o caráter alheio.
Nenhuma precaução científica tem força de eliminar este dado.
Inteligência, vontade, sentimento, etc., são os instrumentos com que conhecemos o caráter,
mas são ao mesmo tempo os componentes desse mesmo caráter. Portanto, o instrumento
com que conhecemos o caráter é o próprio caráter. O caráter tem esse dom de espelhismo,
esse poder de se desdobrar, de se projetar no caráter alheio, para conhecê-lo (ou para
falsificá-lo). A partir do meu próprio caráter é que vivencio - e vivenciando conheço - os
caracteres alheios. Nenhuma, mas absolutamente nenhuma precaução de objetividade
científica pode nos livrar do peso desse dado inicial, que é o fato de que o nosso aparato de
cognição do caráter faz parte do próprio caráter. Alguns fazem de conta que uma postura de
indiferença, uma afetação de frieza e distanciamento basta para contrabalançar ou mesmo
anular o essencial comprometimento do sujeito cognoscente no mundo da interação humana;
mas, na realidade, verificamos que essa atitude é puramente autodefensiva e corresponde ela
mesma a uma tendência caracterológica. Not to get involved é uma postura, não raro
neurótica, que só nos defende contra alguns tipos mais óbvios e grosseiros de preconceitos e
viéses, mas às vezes nos comprometem de uma maneira mais profunda e irremediável. A
objetividade não se conquista mediante a simples postura de distanciamento, mas mediante a
educação do caráter total, mediante o comprometimento da personalidade inteira na busca da
verdade, e mediante o cultivo do hábito de aceitar a verdade onde quer e como quer que ela
nos apareça. Não podemos nem devemos nos livrar das paixões, mas podemos desenvolver a
paixão da verdade.
Tudo isso quer dizer que o estudo dessa ciência é um aspecto do conhecimento de si. O
conhecimento de si, ou autoconhecimento, é a raiz de todo o conhecimento em geral, ou pelo
menos é a condição da sua veracidade. Hegel dizia: "A consciência de si é a terra natal da
verdade". Esta é uma das sentenças mais maravilhosas e importantes que já foram proferidas
desde que o homem caminha sobre a terra. Hegel disse muito mais do que o oráculo de
Delfos, que sentenciava: "Conhece-te a ti mesmo." O oráculo limitava-se a ordenar o
autoconhecimento, ao passo que Hegel deu a este comando o seu pleno sentido, ao dizer que
a noção, o sentimento e a certeza de que existe uma verdade objetiva cognoscível dependem
de que previamente o homem adquira uma consciência de si, de seus atos, motivações e
desejos. Longe de podermos chegar a um conhecimento objetivo de nós mesmos observando-
nos desde fora, é observando-nos desde dentro, com honestidade, que chegamos à noção de
uma verdade objetiva existente fora e independentemente de nossos desejos e preferências.
O conhecimento de nossos próprios atos precede, hierarquicamente e cronologicamente, o
conhecimento da objetividade exterior, e não ao contrário.
A consciência de si é o modelo mesmo da evidência e da clareza no conhecimento da verdade.
Ela não depende de nada exterior a si mesma.
Como chegamos à consciência de nós mesmos? Quando somos crianças e nossa mãe, por
exemplo, ralha conosco por algo que não fizemos - "Menino, você quebrou o vaso"-,
vasculhamos nossa memória, com um sincero desejo de recordar nossos atos, e não nos
enxergamos em parte alguma no ato de quebrar o vaso. Aí dizemos, ou pensamos: "É falso." E
o dizemos com plena certeza, pois ninguém pode ter uma memória mais precisa de nossos
atos recentes do que nós mesmos, que somos seus autores. Aquilo que fiz, conheço, e
conheço em forma eminente, porque sou o que fiz. Porém, numa outra ocasião, vejo minha
mãe ralhando com meu irmãozinho por alguma travessura que ele não fez, que fui eu que fiz.
Faço-me de ignorante e deixo que ele leve a culpa por meus atos. E, no instante que assim
faço, sei que o faço, porque vi nitidamente ante mim a opção entre confessar e ser punido e
escapar da punição calando-me, e escolhi uma das duas. Sei que quebrei o vaso, porque fui o
autor da ação, e sei que escondi minha culpa, porque fui eu que decidi escondê-la, com pleno
assentimento no instante em que o escolhia. Tal autoconsciência é o modelo mesmo da
evidência e da clareza no conhecimento da verdade, e ela não depende de nada exterior.
Nenhuma consciência, de qualquer dado exterior que seja, pode ser tão clara e inegável para
mim quanto essa certeza de meus atos cometidos e de minha palavra omitida. Quando vejo
algo, posso não estar seguro de que o vejo, a visão pode ser indistinta; mas, no ato mesmo em
que decido, com claro conhecimento da opção contrária, tenho um exemplo particularmente
eloqüente do que é conhecimento claro e distinto.
O conhecimento do mundo exterior, e particularmente do processo de causa-e-efeito, está
profundamente amparado na consciência inicial de culpa e inocência verdadeiras.
O conhecimento do mundo exterior, e particularmente do processo de causa e efeito, está
profundamente amparado nessa autoconsciência inicial de culpa e inocência. Se digo que
estou inocente quando me acusam de quebrar o vaso que não quebrei, essa inocência - do
verbo nosceo, "conhecer", com o prefixo negativo i - significa inequivocamente: "Não sei de ter
quebrado o vaso." Estou seguro de não ter conhecimento de haver quebrado o vaso.
Inversamente, ao mentir, sei que fiz algo, e sei que nego esse saber ao negar a autoria do ato.
A palavra "mentira" vem de mens, a mente. A mentira é uma criação mental que nega o ato,
que diz não a um dado ao qual, no mesmo instante, a memória diz sim, dividindo a mente
contra si mesma. Fato vem de factum: aquilo que foi feito. Aquilo que fiz é para mim o fato por
excelência. Só posso ser fiel aos fatos se me habituo a reconhecer, primeiro, o que eu mesmo
fiz.
Mentira ou verdade: dependem da coincidência entre o raciocínio (linguagem) e a memória.
A consciência de mentir ou de dizer a verdade sobre nossos próprios atos é a consciência da
coincidência entre raciocínio (linguagem) e memória, ou, dito de outro modo, entre o dado
fático e as conclusões que dele pretendemos extrair. Essa consciência, depois, pode projetar-
se sobre o mundo exterior e descobrir, nele, também, veracidade e falsidade, fato e mentira.
A capacidade de perceber a verdade deriva da extensão no mundo exterior da honestidade
entre a razão e a memória.
A capacidade de perceber a verdade não se desenvolve aplicando a nós os padrões de
veracidade copiados do mundo exterior, mas, ao contrário, estendendo ao mundo exterior
essa honestidade da razão para com a memória, esse senso de coerência e continuidade entre
o feito e o lembrado, o lembrado e o dito. "A consciência de si é a terra natal da verdade."
O conhecimento da verdade depende de um comprometimento total da personalidade, que
implica numa relação honesta entre o raciocínio e a memória.
Esta firme adesão da consciência a si mesma é a condição de todo desenvolvimento na busca
da verdade, esta requer uma personalidade capaz de convocar seus vários atos e
pensamentos, representações intuitivas, desejos e crenças para um confronto, para uma
acareação, como se diz na polícia, um cara-a-cara entre as testemunhas. A chamada
objetividade científica, padronizada num corpo de preceitos uniformes para toda uma
comunidade de investigadores, é somente uma parte insignificante dessa condição total para a
busca da verdade. Muitas vezes, é apenas um sucedâneo dela: o sujeito se apega a preceitos
de detalhe do método científico justamente para não enxergar alguma verdade patente.
Outros refugiam-se no seio do consenso científico comunitário para escapar das exigências da
sua própria consciência individual, que lhes impõe, pela memória, a veracidade de coisas que
não desejam aceitar. Os critérios ditos científicos são obviamente indispensáveis, mas não
bastam: a personalidade total deve ser envolvida na busca da verdade, e não apenas uma
secção, recortada e isolada, profissionalmente comprometida com uma busca parcelar de
certo tipo de verdades pré-selecionadas.
A mentira, ao mesmo tempo que nega o (anterior) conteúdo da memória, deposita na
memória outro conteúdo e outro e assim por diante, tornando cada vez mais difícil a
recordação da verdade.
Se minto, nego em palavras o conteúdo de minha memória, mas o conteúdo da mentira, por
sua vez, é um ato que cometo, e este ato também ficará depositado na memória, criando
novos padrões de combinação e recombinação dos dados e, eventualmente, a longo prazo,
pela repetição da mentira, alterando estes dados de modo substancial, de modo a tornar difícil
para mim mesmo a recordação do realmente acontecido. É o velho mal: de tanto mentir para
os outros, acabo tendo de mentir para mim, principalmente porque, para dar verossimilhança
à mentira, tenho de representá-la enfaticamente. E, como a memória só guarda imagens, sem
selecionar automaticamente as verdadeiras das fingidas, o depósito das imagens fingidas
pode, com o tempo, adquirir para mim uma certa verossimilhança. Para conservar-se fiel, a
memória deve ser limpada todos os dias com a afirmação do verdadeiro e a negação
peremptória do falso.
O exemplo de alteração da memória (imaginação) por frases ditas ou ouvidas.
Jean Piaget conta um episódio impressionante, que mostra a que ponto a memória de imagens
pode ser alterada pelas frases que dizemos ou ouvimos. Certa vez, já homem feito, ele se
encontrou na rua com sua antiga babá. Foi um encontro comovente, e que suscitou muitas
recordações dos velhos tempos; e, entre estas, Piaget conta ter perguntado a ela se se
lembrava de um dia em que o levara para passear na praça e, lá, fora assaltada. Piaget diz que
se recordava nitidamente da imagem do ladrão aproximando-se, armado de revólver, da babá
gritando esbaforida, etc. Quando ele perguntou isso, porém, a velha babá deu uma
gargalhada, e disse que, de fato, nunca tinha sido assaltada. Ocorrera apenas que fora se
encontrar com o namorado durante o passeio com o menino e, demorando-se demais,
inventara depois a estória do assalto para justificar à patroa o seu atraso. Em algumas décadas,
a imaginação de Piaget transformara frases ouvidas em imagens visuais de acontecimentos,
dando realidade ao que não tinha.
A noção de veracidade não repousa na solidez do mundo externo, mas na verificação da
própria consciência.
Nós adquirimos a noção de que existe uma veracidade objetiva não quando verificamos
somente que as coisas do mundo externo são sólidas e resistem, mas quando verificamos na
nossa própria consciência o que fizemos e o que não fizemos. Só quando sei o que fiz e o que
não fiz - primeiro em ações externas, segundo em ações internas -, o que fiz, pensei, quis,
aspirei realmente, em tal ou qual circunstância é que a noção de veracidade objetiva surge
como fundamento de todo saber, de toda ciência.
O apagamento dos traços da própria história gera descrença na verdade objetiva.
Se, por um motivo ou por outro, borrei a minha veracidade interna, apaguei os traços da
minha própria história, não chego a crer firmemente que exista uma verdade objetiva. A
verdade e falsidade se misturam dentro de mim e, portanto, quando olho para fora com os
olhos que tenho - que são os mesmos com que olho para dentro - só vejo confusão e a mistura
do veraz com o falso, e proclamo: toda verdade é relativa. De fato ela é relativa à consciência
de si. Se esta consciência for límpida, clara, também o será a noção de verdade, sendo maior a
facilidade que se tem para verificar o verdadeiro e o falso no mundo externo.
O conhecimento do caráter é o conhecimento das motivações humanas.
Ora, o conhecimento do caráter é o conhecimento das motivações humanas. Conhecer o
caráter do indivíduo é saber porque que em dada situação ele age desta ou daquela maneira,
diferente de outro indivíduo e diferente de nós mesmos. Perceber isto requer uma afinação
muito sutil, muito delicada da autoconsciência. A nossa autoconsciência pode se turvar, se
embaralhar a ponto de não nos reconhecermos mais, ou seja, desconhecermos os motivos de
nossas ações.
A neurose segundo o Dr. Juan Alfredo Cesar Müller: "mentira esquecida na qual ainda se
acredita."
Para citar um grande psicólogo clínico deste país - o qual este curso é dedicado -, Dr. Juan
Alfredo Cesar Müller: "Neurose é uma mentira esquecida na qual você ainda acredita." É uma
mentira que você disse a si mesmo, durante muito tempo, e que se tornou constitucional a
você, ou seja: sem se lembrar explicitamente dela, você age baseado nela e ela determina o
seu procedimento sem que você - trazendo-a à luz da consciência - possa recriticá-la e
perceber que é falsa. Aliás, todos os processos analíticos que existem na psicologia,
psicanálise, análise profunda junguiana, etc., não são nada mais do que técnicas de recontar a
própria história de um indivíduo. Por isso que se chama análise: em cada passo você vai
verificar o que realmente fez, pensou - e não apenas nas camadas mais claras, mas também
naquelas obscuras, nas quais se presta pouca atenção, que passam rápido pela consciência e
vão embora para o fundo da memória. Sem o cultivo desta autoconsciência profunda, o
conhecimento do caráter é impossível porque se eu mesmo não sei porque faço isto ou aquilo,
se não sei o que eu mesmo sinto, como saberei o que sente o outro?
A maior parte da atribuição de motivos ao outro é conduta psicológica geralmente projetiva.
A experiência de duas décadas de estudos sobre este assunto me diz que a maior parte daquilo
que nós pensamos sobre os outros seres humanos é estupidamente projetivo, ou seja, que
atribuímos aos outros motivos que nunca lhes passaram pela cabeça e que, em certos casos,
nunca poderiam ter passado. Por exemplo, atribuímos motivos complexos a uma pessoa
simplória; atribuímos premeditação a um indivíduo incapaz de premeditar ir até a esquina
tomar um ônibus; atribuímos motivos maquiavélicos a pessoas que não teriam concentração
suficiente para conceber uma trama maquiavélica; atribuímos motivos impossíveis que são
baseados numa conjectura que fazemos a respeito de como nós agiríamos naquela
circunstância. Ou seja, conheço o outro pela minha própria imagem. Estou medindo então os
indivíduos com uma régua de borracha, sendo que estico ou comprimo a régua conforme as
circunstâncias e desejos do momento.
A base da moralidade verdadeira e de toda ética: desejar conhecer as próprias motivações
para chegar a ter um conhecimento justo do outro.
Desejar profundamente o conhecimento real do ser humano, o conhecimento de suas próprias
motivações para chegar a ter um conhecimento justo dos outros seres humanos é a base de
toda moralidade verdadeira - de toda ética. Sem esta ética, simplesmente não haverá ciência,
porque se a ciência é a busca da verdade, podemos sempre perguntar: mas por que raios eu
deveria preferir a verdade à mentira? É comum ouvirmos que a ciência deve deixar de lado os
julgamentos morais, porém ela pode abandoná-los somente quanto ao seu conteúdo e
procedimento, mas não na sua raiz. Porque a raiz mesma da ciência demanda de uma opção
moral inicial, e uma opção total, radical: prefiro um milhão de vezes a verdade amarga à
mentira doce.
A motivação profunda da busca da verdade não é inato no ser humano, mas resulta de uma
certa disposição da vontade.
Esta motivação profunda na busca da verdade nem sempre está presente no ser humano, na
medida em que nós gostaríamos de supor que estivesse. Todos temos um fundo daquilo que
Nitzsche chamava o homem bovino, ou seja, o homem que vive no repouso da inteligência,
que vive nos juízos assertóricos - juízos que afirmam tal ou afirmam qual - para não ter
trabalho, para não sofrer. Buscamos o prazer e fugimos da dor. Que o façamos no plano físico,
é muito justo - quem não prefere um doce a uma martelada na cabeça? Porém, o doce pode
ser fatal para o diabético, e a martelada do cirurgião na cabeça do paciente para extrair-lhe um
tumor pode salvá-lo. Nem sempre o doce é preferível à martelada. Há muitas verdades
amargas que salvam e mentiras doces que matam. No domínio intelectual não é prudente
buscar o prazer e evitar a dor; aqui não se trata nem de querer o prazer nem a dor, nem de
fugir de um ou de outro e sim, como dizia Spinoza, "não rir nem chorar, mas compreender".
Diagnóstico da disposição de cada um dos alunos quanto ao interesse pela verdade.
Esta motivação profunda acredito que vocês a tenham, já que a proposta deste curso era, de
cara, um trabalho que se anunciava difícil e cujo único prêmio seria a dignidade do produto
verdadeiro da inteligência - o conhecimento efetivo. Se vieram, é porque há dentro de vocês
pelo menos a semente deste desejo e sede da verdade, porém esta semente precisa ser
tratada, adubada, regada, etc. Embora o curso tenha um caráter técnico, limitado a um
assunto muito particular, como atividade educativa e pedagógica pretenderá lhes mostrar a
sua capacidade de conhecer a verdade objetiva - num domínio que até hoje tem sido presidido
inteiramente pela confusão, quando não pela mentira - e, ao mesmo tempo, a capacidade de
conhecer outras verdades também. Não de conhecer toda a verdade, mas de conhecer
totalmente aquilo que conhece. Nesse aspecto, não duvido que o estudo do caráter humano,
num determinado momento, chegue a encontrar dentro de algumas pessoas resistências
psicológicas, derivadas de um desejo até compreensível de defender certas áreas da psique
contra a luz da inteligência. Todos temos isto porque somos animais racionais, e não racionais
racionais. O ser humano nem sempre aceita a verdade, de modo que, como dizia Lutero, "a
vida não é uma devoção, mas a conquista da devoção." A vida não é o amor à verdade, mas a
conquista do amor à verdade. A capacidade de perseverar, mesmo quando a verdade se
anuncie de longe com uma cara feia, e de esperar para ver é que dará a qualidade de um ser
humano. O esforço de ordem moral será muito mais importante para vocês do que a suposta
inteligência ou aptidão que tenham, pois a pessoa apta, mas que não insiste, que desiste, pode
menos do que uma outra, inapta, que persista. Este requisito moral existe em todo estudo e,
particularmente, no estudo da alma humana.

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