Mari Any Toriyama Nakamura VC

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES

MARIANY TORIYAMA NAKAMURA

ポップカルチャー(poppu karuchaa): mediações da cultura pop nipo-


brasileira no cenário digital

São Paulo
2018
MARIANY TORIYAMA NAKAMURA

ポップカルチャー(poppu karuchaa): mediações da cultura pop nipo-


brasileira no cenário digital

Versão Corrigida
(Versão original disponível na Biblioteca da ECA/USP)

Tese apresentada à Escola de Comunicações e Artes


da Universidade de São Paulo, para obtenção do
título de Doutora em Ciência da Informação.

Área de concentração: Cultura e Informação


Linha de pesquisa: Apropriação Social da
Informação

Orientadora: Profª. Drª. Giulia Crippa

São Paulo
2018
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Catalogação na Publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo
Dados inseridos pelo(a) autor(a)

Nakamura, Mariany Toriyama


ポップカルチャー(poppu karuchaa): mediações da cultura pop
nipo-brasileira no cenário digital. / Mariany Toriyama
Nakamura. -- São Paulo: M. T. Nakamura, 2018.
247 p.: il.

Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Ciência da


Informação - Escola de Comunicações e Artes / Universidade de
São Paulo.
Orientadora: Giulia Crippa
Bibliografia

1. Cultura pop nipo-brasileira 2. Tecnologias de


informação e comunicação 3. Mediação cultural 4. Cultura
digital 5. Fandom I. Crippa, Giulia II. Título.

CDD 21.ed. - 306

Elaborado por Sarah Lorenzon Ferreira - CRB-8/6888


MARIANY TORIYAMA NAKAMURA

ポップカルチャー(poppu karuchaa): mediações da cultura pop nipo-


brasileira no cenário digital

Tese apresentada à Escola de Comunicações e Artes


da Universidade de São Paulo, para obtenção do
título de Doutora em Ciência da Informação.

Banca examinadora:

Prof. Dr. __________________________Instituição: _________________________


Julgamento: ________________________ Assinatura: _______________________

Prof. Dr. __________________________Instituição: _________________________


Julgamento: ________________________ Assinatura: _______________________

Prof. Dr. __________________________Instituição: _________________________


Julgamento: ________________________ Assinatura: _______________________

Prof. Dr. __________________________Instituição: _________________________


Julgamento: ________________________ Assinatura: _______________________

Prof. Dr. __________________________Instituição: _________________________


Julgamento: ________________________ Assinatura: _______________________

Aprovada em: __/__/____


RESUMO

NAKAMURA, Mariany Toriyama. ポップカル チャー(poppu karuchaa): mediações da


cultura pop nipo-brasileira no cenário digital. São Paulo, 2018. Tese (Doutorado em Ciência
da Informação) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo.

Resumo: Este trabalho tem como objetivo abordar a presença da cultura pop nipo-brasileira
nos meios digitais através de expressões culturais dos fãs brasileiros de mangás e animês
(histórias em quadrinhos e animações japonesas, respectivamente), moda e prática cosplay,
cujos conteúdos são compartilhados na internet. Desde sua inserção no Brasil, a cultura pop
japonesa esteve relacionada às tecnologias de comunicação e às atividades de fãs brasileiros
engajados com aquilo que consumiam. A passagem para as mídias digitais provocou
mudanças nas configurações socioculturais, em que o indivíduo participa ativamente na rede,
desenvolvendo maneiras distintas de uso e apropriações desses ambientes, o que
consequentemente expande o campo de atuação dos fãs. Esses são considerados indivíduos
que não apenas se contentam com o que recebem (apropriação passiva); mas, de maneira
participativa, produzem conteúdos a respeito do universo ficcional de que são entusiastas.
Este trabalho teve como processos metodológicos o estudo exploratório fundamentado em
pesquisa bibliográfica dos conceitos relacionados aos avanços das tecnologias de informação
e comunicação e os espaços emergentes da rede, transmídia, convergência e participação, bem
como a conceitualização das expressões da cultura pop nipo-brasileira que figuram como
objeto de estudo desta pesquisa. Utilizou-se também de observação do campo para
levantamento de casos mais recentes de projeção das atividades do público da cultura pop
japonesa no Brasil no cenário digital. Assim, diante deste cenário, considerou-se que, embora
problemáticos para o âmbito da Ciência da Informação, os novos processos de comunicação e
mediação cultural no cenário digital devem ser repensados, uma vez que são processos
essenciais para o exercício das apropriações de expressões culturais de usuários na rede.
Trabalhar em favor do acesso, produção, circulação e qualidade dessas expressões traz o
sentido de pertencimento de um grupo, chave para a constituição da cultura nipo-brasileira.
Palavras-chave: Cultura pop nipo-brasileira; Fandom; Tecnologias de Informação e
Comunicação; Cultura digital; Mediação cultural.
ABSTRACT

NAKAMURA, Mariany Toriyama. ポップカルチャー(poppu karuchaa): mediations of


Nipo-Brazilian pop culture in the digital scenario.São Paulo, 2018. Thesis (Doctoral degree in
Information Sciences) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo.

Abstract: The main object of this research is to show the presence of Nipo-Brazilian pop
culture in digital media through cultural expressions by the Brazilian fans of manga and
anime (Japanese comics and animation, respectively), fashion and cosplay practice that are
shared over the internet. Since its insertion in Brazil, Japanese pop culture was related to
communication technologies and to the activities of Brazilian fans that were engaged with
what they consumed. Digital media produced changes in social configurations, in a way that
the individual has an active role on the web, developing different ways of using and
appropriating such environments, and that, consequently, expands the fans’ field of action.
These are individuals that not only do not feel satisfied with what they receive (passive
appropriation); in a participative manner, they produce content based on their favorite
fictional universes. As a methodological approach, this work adopted an exploratory method,
based on bibliographic research of the concepts related to the advancements of information
and communication technologies and the emerging spaces on the web, transmedia,
convergence and participation, as well as the conceptualization of Nipo-Brazilian culture’s
expressions that are the subject of this research. An observational method was also adopted to
show the most recent occurrences of the prominence of the Nipo-Brazilian pop culture public
in the digital scenario. This way, in face of such scenario, we considered that, although they
raise problems in the area of Information Sciences, the new communication and cultural
mediation processes in the digital scenario must be rethinked, since they are essential
processes for the appropriation of web users’ cultural expressions. Working to promote access,
production, flow and quality of such expressions brings a sense of belonging to a group, the
key to the constitution of Nipo-Brazilian culture.
Keywords: Nipo-Brazilian pop culture; Fandom; Information and communication
technologies; Digital culture; Cultural mediation.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à professora Giulia Crippa pela orientação e pela confiança depositada
desde as primeiras linhas do projeto de pesquisa. Seu apoio foi indispensável nos momentos
mais árduos do processo de escrita e sem seus apontamentos e direcionamento o
desenvolvimento deste trabalho não seria possível. Obrigada pela paciência desde a graduação.
Aos professores Marco Antônio de Almeida e Sonia Bibe Luyten que participaram da
minha banca de qualificação e cujas colocações foram essenciais para o seguimento e
aprimoramento da pesquisa.
À professora Silvia Laurentiz com a qual tive oportunidade de acompanhar a
disciplina ministrada aos alunos de graduação em Artes Visuais (habilitação em Multimídia e
Intermídia) e com quem aprendi muito.
À Embaixadora Kawaii do Brasil, Akemi Matsuda, pela importante contribuição na
pesquisa e pela amizade sincera que construímos ao longo desses anos de convivência.
Aos professores e colegas do Grupo de Estudos Arte Ásia pelas discussões e
intercâmbio de conhecimentos que me permitiram refletir sobre a relação Brasil-Japão e sobre
as trocas culturais e artísticas entre esses dois povos.
À professora Michiko Okano, que muito me ensinou e que sempre trouxe
questionamentos que colaboraram em minhas reflexões.
Aos amigos de encontros orientados aos estudos sobre Japão, cujas reuniões mensais
possibilitaram conhecer novas referências e experiências diversas sobre arte e cultura
japonesa.
Ao companheiro Bruno Tiago Takeda que nunca me faltou quando mais precisei e que
me tomou pela mão quando perdi o norte em minha vida. Sua coragem para enfrentar os
obstáculos ao meu lado, sem nunca hesitar, trouxe-me forças para continuar em frente.
À minha família, pelo apoio e carinho.
Às amigas Simone Borges Paiva, Maria Fernanda Britto Rezende e Monique Bruno
Elias pela força, pelas risadas e pela ajuda nos momentos de necessidade.
Aos amigos do grupo Raijin Taiko e do Iwate Kenjinkai por terem tornado minha
jornada menos penosa e mais alegre.
À banca, por ter aceitado participar desta defesa.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por ter
financiado a pesquisa.
"Hoje também o céu está cheio de estrelas." Happy (MURAKAMI, Takashi. Hoshi
mamoru inu, 2014).
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Silabário hiragana, katakana .................................................................... 11
Figura 2 - Selo oficial de evento comemorativo aos 120 anos de Amizade Japão-Brasil
............................................................................................................................................ 14
Figura 3 - Shōkei moji (kanji pictográfico) são kanjis que se assemelham às formas que
representam. ........................................................................................................................ 55
Figura 4 - Cartazes de boas maneiras do Metrô de Tóquio criados pelo artista gráfico
Bunpei Yorifuji em 2009...................................................................................................... 56
Figura 5 - Onomatopeia "Shin" ................................................................................. 71
Figura 6 - Animê de Sazae-san, exibido desde 1969 pela Fuji TV até os dias atuais. . 76
Figura 7 - Figure da personagem Mikuru Asahina de Suzumiya Haruhi no Yuutsu ... 80
Figura 8 - Forrest J. Ackerman e Myrtle R. Douglas durante a I WorldCon. .............. 86
Figura 9 - Personagens de Urusei Yatsura (1978 por Rumiko Takahashi) ................. 87
Figura 10 - Akemi Matsuda (estilo Sweet Lolita) ...................................................... 98
Figura 11 - Logomarca comemorativa dos 110 anos da imigração japonesa no Brasil,
criada pelo artista Kazuo Wakabayashi .............................................................................. 107
Figura 12 - Divulgação do mochitsuki, realizado no Iwate Kenjinkai anualmente. ... 118
Figura 13 - Mochi (bolinho de arroz) preparados durante o mochitsuki ................... 118
Figura 14 - Apresentação Raijin Taiko no 20º Festival do Japão, em São Paulo ...... 121
Figura 15 - Voluntários do Iwate Kenjinkai na área gestronômica do 19º Festival do
Japão ................................................................................................................................. 122
Figura 16 - Exemplo de recurso super-deformed (SD) ............................................ 128
Figura 17 - Cosplay do personagem Mestre Kame durante o 20º Festival do Japão . 141
Figura 18 - Ensaio fotográfico de cosplay crossover de Super Mario e Hora de
Aventura ............................................................................................................................ 142
Figura 19 - Loliday de inverno 2014, realizado no restaurante Aizomê, em São Paulo
.......................................................................................................................................... 153
Figura 20 - Detalhe da saia de um vestido Lolita - qualidade nos materiais ............. 154
Figura 21 - Estandes de roupas e acessórios no 1 Mimi Party, 2015 ........................ 158
Figura 22 - Apresentação da Moda Lolita no 30º Akimatsuri, em Mogi das Cruzes 159
Figura 23 - Moda Lolita no programa Hoje em Dia da Rede Record ....................... 160
Figura 24 - Página do Canal Nostalgia sobre dublagem brasileira de Yu Yu Hakusho
.......................................................................................................................................... 167
Figura 25 - Cassius Medauar se manifestou em seu perfil pessoal no Twitter a respeito
da decisão da JBC sobre alguns scanlators. ........................................................................ 180
Figura 26 - Cassius Medauar, em seu Twitter, respondeu a alguns comentários a
respeito da relação com scanlators...................................................................................... 181
Figura 27 - Naruto do Acre, criação do canal Lugar Inexistente, no YouTube .......... 187
Figura 28 - Tweet do Não Salvo sobre a corrida Naruto realizada na Avenida Paulista,
em 2016 ............................................................................................................................. 188
Figura 29 - Tia Sol como cosplay da personagem Yubaba da animação A Viagem de
Chihiro (千と千尋の神隠し, Sen to Chihiro no Kamikakushi) do Studio Ghibli ............... 190
Figura 30 - Nota divulgada pela página Cospositivismo a respeito da estereotipação e
representação negativa dos cosplayers na telenovela da Rede Globo. ................................. 193
Figura 31 - Oxford Dictionaries Word of the Year 2015 - emoji "tears of joy"......... 195
UMA NOTA SOBRE NOMES E PALAVRAS JAPONESAS
Para as palavras japonesas, este trabalho apresenta as três formas de escrita do Japão:
o kanji (漢字), o hiragana (ひらがな - Figura 1) e o katakana (カタカナ - Figura 1). O kanji
(漢字) consiste em um sistema de escrita de representações gráficas de ideias que possuem
uma ou mais leituras. Esta escrita ideogramática tiveram origem na China. O hiragana (ひら
がな) e o katakana (カタカナ) são chamados kana, termo que designa silabário, e que podem
representar também a fonética do kanji (漢字). O hiragana (ひらがな) é usado para indicar
as funções gramaticais para a escrita de palavras de origem japonesa e é também utilizado
hoje na leitura dos ideogramas. Quando é utilizado para esta função, o hiragana é chamado de
furigana e é um recurso bastante empregado no aprendizado da língua japonesa, auxiliando na
leitura do kanji.

Figura 1 - Silabário hiragana, katakana

Fonte: Henshall e Takagaki (1990).

O katakana (カタカナ) é hoje mais comumente utilizado para a escrita de palavras de


origem estrangeira, onomatopeias e, em alguns casos, para destacar algumas palavras
japonesas. Poppu karuchaa (ポップカルチャー), que significa cultura pop e origina-se do
termo da língua inglesa "pop culture", é um exemplo de gairaigo (外来語), ou seja, palavras
de origem estrangeira que integram a língua japonesa.

Gairaigo (外来語) = 外 = gai/soto = fora + 来 = rai/kuru = vir + 語 = go =


palavra, ou seja, palavra que vem de fora. Trata-se de um conjunto de
palavras emprestadas ou substituídas de outros idiomas e que têm grande
influência na língua japonesa falada hoje (YAMADA, 2012, p.96).
As palavras estrangeiras (gairaigo) passam por alterações significativas na pronúncia e
escrita, uma vez que há diferenças e ausência de alguns sons na língua japonesa e, portanto,
são adaptadas para a fonética japonesa. O katakana é utilizado hoje para a escrita do gairaigo.
Os termos apresentados ao longo do trabalho também serão precedidos por sua escrita
românica, chamada de rōmaji (ローマ字), com exceção do título da pesquisa, cuja ordem
apresenta a escrita em kana primeiro. Também é utilizado o método de romanização Hepburn
(chamado pelos japoneses de Hebon-shiki-rōmaji (ヘボン式ローマ字), que corresponde à
transliteração do japonês para o alfabeto romano, utilizado para transmitir mensagens para
estrangeiros, como em sinalizações de rua, dicionários e mesmo passaportes. Neste sistema,
utiliza-se um mácron para indicar as vogais longas, como pode ser percebido na palavra
"rōmaji". No título do trabalho, entretanto, optamos pelo recurso de repetição da vogal longa:
karuchaa. Esta alteração existe dentro das possíveis variações do sistema de romanização e,
muitas vezes, facilita a busca e retorno de resultados de pesquisa dos termos romanizados. Por
exemplo, outra variação da escrita românica para som longo é o uso de acento circunflexo:
karuchâ. Isso não significa que a leitura será o de uma vogal fechada, mas sim a de uma vogal
dupla. O uso do acento circunflexo, bem como a duplicação da vogal, muitas vezes são
recursos mais práticos do que o símbolo mácron, que não costuma ser utilizado no português.
Os nomes próprios de origem japonesa são apresentados na ordem de prenome
seguido de sobrenome, ao invés da forma mais utilizada no Japão, que seria a de sobrenome
seguido de prenome. Como por exemplo: Osamu Tezuka em vez de Tezuka Osamu.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 12
2. CAPÍTULO 1: POPPU KARUCHAA (ポップカルチャー): O JAPÃO É POP.............. 24
2.1 SOBRE AS RAÍZES DA CULTURA POP NO OCIDENTE ................................................................ 25
2.2 CONSUMO NO JAPÃO: COMO SE DESENVOLVEU A CULTURA POP JAPONESA .......................... 30
2.2.1 Contexto histórico: as raízes do pop japonês................................................................ 31
2.2.2 Período Edo e Meiji: desenvolvimento econômico do Japão ........................................ 32
2.2.3 Período Shōwa: a queda e restabelecimento do Japão na Segunda Guerra Mundial .. 34
2.3 SOFT POWER, COOL JAPAN ..................................................................................................... 39
2.4 CONSUMINDO A CULTURA POP JAPONESA: MEDIA MIX ........................................................... 41
2.4.1 Um pouco sobre o fenômeno otaku ............................................................................... 47
3. CAPÍTULO 2: CULTURA POP JAPONESA: MANGÁS, ANIMÊS, COSPLAYS E
LOLITAS ................................................................................................................................................ 52
3.1 MANGÁ .................................................................................................................................. 53
3.1.1 Uma breve abordagem das principais divisões do mangá ............................................ 57
3.1.2 O mangá através da história japonesa: origem e desenvolvimento .............................. 61
3.1.3 Transformações na indústria contemporânea dos mangás ........................................... 67
3.2 ANIMÊ ................................................................................................................................... 71
3.2.1 Animê através da história japonesa .............................................................................. 74
3.2.2 Kinsoku jikō desu (禁則事項です): o animê na atualidade e a ideia de moe .............. 78
3.3 PRÁTICA COSPLAY ................................................................................................................. 82
3.3.1 Origens da prática cosplay no Japão ............................................................................ 85
3.4 J-FASHION: A MODA LOLITA ................................................................................................. 90
3.4.1 Pink makes you happy: origens do kawaii .................................................................... 92
3.4.2 Kawaii no universo da moda urbana japonesa: Moda Lolita ....................................... 97
3.4.3 Kawaii e Lolitas além do Japão .................................................................................. 101
4. CAPÍTULO 3: CULTURA POP NIPO-BRASILEIRA.................................................. 104
4.1 CONTEXTO HISTÓRICO ......................................................................................................... 106
4.2 PÓS-GUERRA E A CONSTRUÇÃO DA IDEIA DO QUE É SER NIPO-BRASILEIRO ......................... 112
4.3 UM OLHAR SOBRE A COMUNIDADE NIPO-BRASILEIRA EM SÃO PAULO: UMA EXPERIÊNCIA. 116
4.4 CULTURA POP NIPO-BRASILEIRA: MANGÁS NO BRASIL ....................................................... 123
4.4.1 Maurício de Sousa: Turma da Mônica Jovem............................................................. 126
4.5 DAKISHIMETA KOKORO NO KOSUMO (抱きしめた 心 の コスモ): ANIMÊS ......................... 131
4.5.1 "Pokémon, temos que pegar": nova febre animê no Brasil ......................................... 135
4.6 PRÁTICA COSPLAY NO BRASIL .............................................................................................. 138
4.7 MODA LOLITA NO BRASIL: UM EXERCÍCIO DE OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE ...................... 147
4.7.1 Por um mundo mais kawaii: Akemi e a revolução da fofura ...................................... 150
4.7.2 Kawaii em sua totalidade: a experiência como Lolita ................................................ 158
5. CAPÍTULO 4: CULTURA POP NIPO-BRASILEIRA NO CENÁRIO DIGITAL ..... 164
5.1 CENÁRIO DIGITAL: ALGUNS APONTAMENTOS ...................................................................... 168
5.2 COEXISTÊNCIA DE FÃS E O MERCADO DE MANGÁS E ANIMÊS .............................................. 172
5.3 AS PRÁTICAS DE FANSUBBING E SCANLATION: ALGUMAS IMPLICAÇÕES ............................... 175
5.4 LOLITAS E INTERNET ........................................................................................................... 184
5.5 OUTRAS EXPRESSÕES DO POP NIPO-BRASILEIRO NA WEB ..................................................... 186
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................... 200
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................... 205
ANEXOS ...................................................................................................................................... 222
1. INTRODUÇÃO
No dia 21 de agosto, na cerimônia de encerramento dos Jogos Olímpicos Rio 2016,
realizada no estádio do Maracanã, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, entregou ao
presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach, a bandeira olímpica. Ela
foi, então, repassada para a governadora de Tóquio, Yuriko Koike, simbolizando a
transferência da sede dos próximos Jogos Olímpicos de uma cidade para sua sucessora. Logo
em seguida à cerimônia, o Japão apresentou um pouco do que é esperado em 2020, num
grande espetáculo artístico que trouxe a imagem de um Japão cada vez mais tecnológico,
porém, com raízes nas suas tradições, uma imagem que já se conhecera outrora na história
japonesa. Mais do que apenas tecnologia e arquitetura primorosas, o Japão mostrou, em seu
vídeo de apresentação, muitas referências aos animês, mangás e games como Hello Kitty1 e
Doraemon,2 que interagiram com atletas de diversas modalidades esportivas, além, é claro, do
grande destaque da apresentação: o primeiro-ministro Shinzo Abe transformado em Super
Mario, do clássico jogo Super Mario Bros, lançado pela Nintendo, em 19853.
A figura de Abe surgindo como o personagem causou uma série de reações, algumas
claramente de estranhamento, embora boa parte da repercussão tenha sido positiva em relação
à maneira com a qual o Japão expressou seu lado pop. Fato é que a aparição do primeiro-
ministro como cosplay do personagem impulsionou a procura na internet, principalmente por
brasileiros, pelos jogos e consoles disponíveis no mercado.
Desde a década de 1960, alguns produtos como os mangás e animês têm alcançado o
Ocidente; no entanto, sua aceitação no exterior não se deu de forma homogênea e tampouco

1
Hello Kitty é a personagem de maior sucesso criada pela empresa japonesa Sanrio, que desenvolve e
distribui personagens licenciados para aplicação em presentes, acessórios e artigos de papelaria. Hello
Kitty, símbolo da empresa, apareceu nos primeiros produtos em 1974, no Japão, e foi criada por Yuko
Shimizu. Embora pareça ter a forma de uma gatinha, Hello Kitty, para a Sanrio, é a representação de
uma amiga, uma garotinha que seria a personificação da busca por um mundo melhor através da fofura
que ela transmite e do amor e afeto que inspira. Curiosamente, a personagem foi criada sem boca, para
que visualmente as pessoas possam projetar seus próprios sentimentos sobre a personagem, o que
facilitaria os processos de identificação e empatia. (http://hellokitty.com.br/historia-da-hello-kitty-
sanrio/).
2
Doraemon é personagem do mangá de mesmo nome, conhecido no Brasil como Doraemon: o super
gato, criado por Fujiko F. Fujio em 1969. Posteriormente, tornou-se um animê de muito sucesso no
Japão, com a história de um gato robô do futuro que viaja no tempo para ajudar o garoto Nobita Nobi
com seus problemas diários. Em 2008, Doraemon foi escolhido pelo Ministério Estrangeiro do Japão
como Embaixador do Animê, atuando como representante e divulgador da cultura japonesa pelo
mundo. (http://nagado.blogspot.com.br/2009/02/doraemon-o-embaixador-do-anime.html).
3
Super Mario Bros foi um dos primeiros jogos de plataforma de rolagem lateral. O jogador tinha o
objetivo de salvar a Princesa Peach, percorrendo um mapa com vários obstáculos.
12
foi um processo rápido. Pode-se analisar esse movimento por zonas geográficas, sendo as
duas principais a Europa e Américas (MOLINÉ, 2006). Nos Estados Unidos, por exemplo, a
transmissão de Astro Boy na televisão, em 1963, foi pontual para a expansão dos mangás e
animês. Já na Europa, a entrada desses produtos japoneses foi lenta, embora no caso da Itália,
a invasão dos animês, na década de 1970, tenha acontecido de maneira diferenciada. Único
país europeu a possuir redes de televisão privadas, entre 1978 e 1983, teve cerca de 83 animês
de vários gêneros transmitidos (GRAVETT, 2006). Apesar dessa projeção comercial da
cultura pop japonesa no Ocidente, nos anos 2000, McGray (2002) descreve um cenário que
desponta na virada do milênio, quando o Japão se estabelece como uma referência global do
que é descolado, do que é cool. McGray introduziu o termo Cool Japan para descrever esse
movimento de emergência do Japão como uma potência cultural que reconheceu o potencial
tanto de suas manifestações culturais do pop - música pop, moda contemporânea (J-Fashion),
games, mangás e animês - quanto expressões tradicionais - culinária, cerimônia do chá e trajes
tradicionais como quimono - como estratégia de soft power.
O ano de 2008 marcou o Centenário da Imigração Japonesa no Brasil e muitos eventos
foram realizados tanto no Brasil quanto no Japão, dedicados à relação estabelecida entre os
dois países. No final das festividades, restou uma sensação de incerteza na qual pairava a ideia
de que algo ainda estava faltando. Levados por esta e outras inquietações, pesquisadores e
profissionais de diversas áreas foram convidados pelo Instituto Brasil-Japão de Integração
Cultural e Social e pela Associação para Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa
no Brasil a compor o Simpósio de Avaliação do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil,
realizado em São Paulo nos dias 26 e 27 de outubro de 2009. Grupos temáticos foram
formados e iniciaram-se pesquisas e discussões entre especialistas e pessoas interessadas nos
assuntos sugeridos para compor um panorama vasto de reflexões a respeito das relações entre
Brasil e Japão. O futuro da cultura japonesa no Brasil foi, dentre os temas, um assunto
fascinante, porém complexo, a ser debatido. Caberia às novas gerações de filhos, netos e
bisnetos dos imigrantes japoneses a responsabilidade de levar adiante a cultura japonesa
trazida no Kasato Maru, em 1908. Consequentemente, o universo da cultura pop no Brasil foi
mais do que apenas discutido: fez-se necessário examinar as reflexões sobre os impactos do
pop japonês mesmo entre aqueles com visões mais tradicionalistas e conservadoras da
comunidade nipo-brasileira. É fato que nas últimas duas décadas as manifestações da cultura
pop japonesa têm se destacado de maneira singular, não se restringindo apenas às atividades
nikkeis e tampouco se restringindo a espaços físicos.

13
Se 2008 marcou o Centenário da Imigração Japonesa no Brasil, 2015 foi ano de
celebração dos 120 anos de Amizade Japão-Brasil, como assim ficou conhecido e divulgado o
selo oficial de evento comemorativo que identificou as festividades realizadas ao longo do
ano. A logomarca oficial das comemorações dos 120 Anos de Amizade Japão-Brasil (Figura
2) foi definida em dezembro de 2014. O autor é Bruno Hitoshi Teruia, que reside no Brasil.
Segundo o conteúdo do site da Embaixada do Japão no Brasil, ele se inspirou no grou, uma
ave que simboliza a amizade e o bom agouro no Japão. Os japoneses têm costume de fazer
dobraduras de mil grous para desejar boa saúde para as pessoas queridas. Utilizando o grou de
origami como o tema da logomarca, ele expressou a amizade de 120 anos entre o Japão e o
Brasil com as cores das bandeiras nacionais dos dois países.Essa logomarca foi selecionada
através da avaliação dos governos japonês e brasileiro como a melhor entre todas as propostas
recebidas.

Figura 2 - Selo oficial de evento comemorativo aos 120 anos de Amizade Japão-Brasil

Fonte: Celebração do ano novo e os 120 anos de amizade Japão Brasil. Disponível
em:<http://www.bunkyo.org.br/pt-BR/noticias/149-2015/534-celebracao-do-ano-novo-e-os-120-
anos-de-amizade-japao-brasil>. Acesso em 10 ago. 2016.

Foi em 05 de novembro de 1895 que Arasuke Sone, o então Ministro Plenipotenciário


do Japão na França, e Gabriel de Toledo Piza e Almeida, Ministro Plenipotenciário do Brasil
na França, firmaram o Tratado de Amizade, de Comércio e Navegação que deu início às
relações diplomáticas entre as duas nações.A data é considerada de suma importância para o
desenrolar da história e cultura nipo-brasileiras, uma vez que propiciou a vinda oficial dos
imigrantes japoneses ao Brasil em 1908, e posteriormente as reflexões sobre o futuro da
cultura japonesa no Brasil, em 2009. Entretanto, diferentemente do que houve em 2008 e
2009, 2015 provou que novos aspectos envolvendo a cultura pop nipo-brasileira explodiram e

14
mostraram o quanto cenário e atores têm mudado: o Japão é pop e, aparentemente, o Brasil
também.
Foco das discussões do VII e VIII FIB (Fórum de Integração Bunkyo)4, a relação dos
jovens e da cultura pop nipo-brasileira trouxe à tona o atual contexto das associações de
províncias do Japão no Brasil, de busca por renovação e o planejamento de estratégias que
incluam a participação dos jovens nas atividades das associações e que destaque a presença
das instituições na internet 5 . A proposta de 2015 pretendia identificar de forma mais
abrangente como o interesse pela cultura japonesa integra as pessoas. Com o slogan "o que é
japonesar para você?", o Fórum não apenas mostrava interesse pelo que une as pessoas em
torno da cultura japonesa no Brasil, mas também firmava sua estratégia de atualização e
abertura do interesse fora da comunidade nikkei. Temas do Fórum de 2016, ainda seguindo a
série de "japonesar", o uso das redes sociais e o planejamento de ações de promoção e
divulgação das atividades das associações na internet marcaram de vez a decisão de
atualização na maneira como a comunidade nipo-brasileira se identifica e como é
representada e de que maneira pretende se manter daqui para a frente: aceitando as diversas
visões do que é "japonesar" para as pessoas e como elas se identificam com a cultura
japonesa, seja através dos símbolos tradicionais, seja através das expressões do pop.
Neste sentido, esta pesquisa tem por objetivo abordar a constituição de uma cultura
pop nipo-brasileira distinta do pop japonês de características globais e cujas manifestações se
dão no cenário digital. Para tanto, são analisadas as atividades de fãs brasileiros de mangás
(história em quadrinhos), animês (desenhos animados), prática cosplay e J-Fashion
(representado pela Moda Lolita), uma vez que a internet possibilita novas formas de contato e
relacionamentos sociais, participação e compartilhamento de informações e saberes.

4
O Fórum de Integração Bunkyo é um evento realizado anualmente pela Sociedade Brasileira de
Cultura Japonesa e Assistência Social (Bunkyo) com o objetivo de incentivar a troca de experiências
entre as associações e entidades nipo-brasileiras.
5
As associações sempre tiveram grande importância para os imigrantes japoneses no Brasil, pois
serviam de referência à assistência e promoção de atividades econômicas, educativas, eventos sociais e
cuidavam do relacionamento com órgãos governamentais e das relações com o Japão. O Bunkyo,
abreviatura do nome japonês ブラジル日本文化福祉協会 (burajiru nihon bunka fukushi kyōkai),
tem como missão representar a comunidade nipo-brasileira e promover a preservação e divulgação da
cultura japonesa no Brasil e, respectivamente, da cultura brasileira no Japão, bem como apoiar as
iniciativas com a mesma finalidade. Para reforçar as atuais frentes de trabalho, o Bunkyo conta com
várias comissões, como Assistência Social, Bunkyonet e Modernização do Edifício e de
Relacionamento com as Entidades; esta última, visando consolidar as ações de abrangência nacional,
promoveu, em dezembro de 2007, o "I Fórum de Integração Bunkyo", que reuniu representantes de 21
regiões do país.
15
O contexto japonês em que se desenvolveu a cultura pop é carregado de características
muito específicas da cultura e do percurso histórico do país. No período pós-guerra, o Japão,
inevitavelmente, teve muita influência dos Estados Unidos e isso se reflete na atual associação
de imagens de um Japão contemporâneo, urbano e extremamente americanizado, o que
também implica na imagem que existe dos otakus hoje em dia.
Este trabalho teve, a princípio, como processos metodológicos o estudo exploratório
fundamentado na pesquisa bibliográfica dos conceitos aqui apresentados. Para compreender a
formação de uma cultura pop nipo-brasileira, buscamos na literatura disponível traçar o
contexto de desenvolvimento da cultura pop no Japão, para que então fosse possível delimitar
as diferenças de como o pop japonês é concebido no Ocidente, e de que maneira se aproxima
com o cenário brasileiro de consumo desses produtos culturais. Diante da amplitude do tema,
que envolvia mangás, animês, prática cosplay e J-Fashion, optamos pela observação
participante em um desses campos: o universo da Moda urbana contemporânea japonesa no
Brasil; mais especificamente a Moda Lolita, ainda um universo restrito nas abordagens
acadêmicas, mas extremamente relacionado ao fenômeno da cultura kawaii, pautada no cute,
ou fofo, que está associado a padrões visuais e comportamentais da cultura japonesa e hoje
constitui uma poderosa ferramenta de projeção do país no Ocidente. Vemos com a
gatinha/menina Hello Kitty, por exemplo, algo que extrapola os traços simples de seu visual
minimalista, mas que representa o domínio de sua franquia no cenário globalizado, que parte
do Japão como estratégia de seu soft power e alcança até mesmo as barracas de camelôs
brasileiras. A experiência imersiva na Moda Lolita será melhor descrita no capítulo 3.
Para entender a transição do contexto do Japão ao Brasil, também temos como
fundamental a questão digital, e de que maneira a internet, indiretamente,transforma os
padrões dessa indústria criativa, conforme apresentamos algumas atividades e produções de
fãs da cultura pop nipo-brasileira e a projeção das mesmas no cenário digital. Os fãs, segundo
Jenkins (2009), sempre foram os primeiros a se adaptar às novas tecnologias de mídia e o
fascínio pelos universos ficcionais muitas vezes leva a novas formas de produção cultural,
tornando-os produtores de conteúdos bastante ativos. As mudanças que se dão nas relações
entre público e indústria cultural devem muito às diferentes maneiras que as pessoas têm de se
apropriar das tecnologias de informação e comunicação, tornando o cenário cultural
contemporâneo cada vez mais complexo. Tratamos de um cenário social em que pensar em
cultura pop nipo-brasileira significa não se restringir aos fãs nipo-descendentes; pelo

16
contrário, trata-se de um cenário muito mais amplo que, desde a vinda dos primeiros
japoneses no Brasil, já se configurou de maneira singular.
Os primeiros imigrantes japoneses encontraram um país muito diferente do Japão e
aqui adaptaram-se, mantendo ainda uma ligação muito forte com a nação de origem.
Percalços encontrados tanto nas diferenças culturais quanto por conta de fatos históricos
marcantes que envolveram o Japão diante dos outros países, como a Segunda Guerra Mundial,
reverberaram em seus imigrantes e fizeram com que, até hoje, ainda exista uma sensação
estranha de pertencimento e deslocamento dos nipo-descendentes. O Japão tem se esforçado
em construir uma imagem diferente da que possuía como nação imperialista, e tem investido
fortemente, nos últimos dez anos, em estratégias que aproveitem o interesse de outros países
por sua cultura tão particular.
No Brasil, cuja colônia japonesa é a maior fora do Japão, acompanhamos o
desenvolvimento de uma cultura japonesa modificada. É descrita por Koichi Mori, em matéria
de Ana Manfrinatto 6 para a revista especial do Projeto Abril no Centenário da Imigração
Japonesa, em 2008, como uma colcha de retalhos, formada por elementos de distintas regiões
do Japão e de intervenções locais brasileiras. Essa cultura híbrida, muitas vezes confundida
como cultura japonesa autêntica no Brasil, pode ser nomeada como nipo-brasileira,
característica do multiculturalismo brasileiro. Neste sentido, não há mais sentido em restrições
de origens étnicas, como pudemos observar com a proposta de "o que é japonesar para você",
do Fórum de Integração Bunkyo.Trata-se de saber o que une essa diversidade de pessoas em
torno de um universo em comum.
Estas relações entre os fãs da cultura pop nipo-brasileira com as tecnologias de
informação e comunicação, além de criarem espaços agregadores de coletividades unidas pela
premissa da identificação de Stuart Hall (2011), atuam como potencializadoras e
transformadoras dos processos de criação, apropriação e recirculação de conteúdos quando
consideramos as discussões a respeito de participação em tempos de convergência midiática,
conforme propostas por Henry Jenkins.
Por convergência, Jenkins (2009) se refere ao fluxo de conteúdos por meio de
múltiplas plataformas midiáticas, à cooperação entre diversos mercados de mídia e ao
movimento dos públicos dos meios de comunicação em busca do que mais lhes interessa no
entretenimento. Para este contexto, ele trata da relação entre três conceitos - convergência dos

6
MANFRINATTO, Ana. “Sorry, Liberdade”. In: Especial 100 anos da imigração japonesa: as
surpreendentes histórias do povo que ajudou a mudar o Brasil. São Paulo: Abril, 2008.
17
meios de comunicação, cultura participativa e inteligência coletiva. Jenkins (2009) não se
restringe à discussão de convergência apenas no sentido de desenvolvimento tecnológico, mas
também às mudanças nas práticas culturais relacionadas às tecnologias digitais em questão. A
convergência não se trata de um fato relacionado apenas ao desenvolvimento tecnológico,
mas acontece "dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais
com outros." (JENKINS, 2009, p.30). Para o conceito de inteligência coletiva, o autor se
ampara nas discussões de Pierre Lévy, que cunhou essa expressão, tendo por base a noção de
que nenhum de nós pode saber tudo, mas cada um sabe algo; assim, podemos associar esses
recursos e unir habilidades. Jenkins (2009) observa que a inteligência coletiva pode ser vista
como uma fonte alternativa de poder midiático.
Jenkins (2009, p.49) também introduz a ideia de narrativa transmídia, que se refere a
uma nova estética que surgiu em resposta à convergência midiática; estética essa que faz
novas exigências aos consumidores, dependendo da participação ativa de comunidades do
conhecimento - formadas em torno de interesses intelectuais mútuos onde os membros
trabalham juntos em prol da construção de novos conhecimentos. A noção de narrativas
transmídias consiste no diálogo/relação de conteúdos culturais em diferentes suportes
midiáticos, fragmentos coletados por consumidores que assumem a posição de caçadores
desses conteúdos.
As trocas de conteúdos simbólicos sofrem uma profunda mudança com as inovações
tecnológicas: as interações interpessoais presenciais cedem cada vez mais espaço para as
interações mediadas e para as interações com os conteúdos dos meios e dos aparatos de
comunicação e informação. Nesse sentido, a socialização do conhecimento e da informação, a
partir de processos sociais de ação e/ou mediação cultural, ganha novos sentidos e
desdobramentos; torna-se um cenário mais complexo. Neste contexto de predomínio das
tecnologias de informação e comunicação digitais, pensamos em uma estrutura social baseada
em redes, que Castells (1999) chamou de sociedade em rede. Por redes, compreende-se a
organização de sistemas de nós interligados, estruturas abertas que evoluem por meio de seu
acréscimo ou remoção de acordo com sua capacidade de contribuição à eficácia da rede no
cumprimento de seus objetivos programados (CASTELLS, 1999, 2003, 2005).
As atuais tecnologias de informação e comunicação provocaram no contexto da
Ciência da Informação e do profissional da área um novo nível de questionamento e
compreensão da informação, que deixou de estabelecer apenas relações físicas de espaço e
organização; e que, com as novas tendências sociais, se caracteriza pelo fluxo crescente e

18
acelerado no qual a tecnologia digital proporcionou o desenvolvimento de espaços
informacionais diferenciados.
Segundo Recuero (2009), o surgimento da internet proporcionou que as pessoas
pudessem difundir as informações de forma mais rápida e mais interativa. Tal mudança criou
novos canais e, ao mesmo tempo, uma pluralidade de novas informações circulando nos
grupos sociais. Juntamente a essa fase de complexidade, o aparecimento de ferramentas de
publicação pessoal como os blogs deu força e alcance para esses fluxos, ampliando a
característica de difusão das redes sociais. Neste sentido, também é preciso pensar no
contexto de convergência midiática que vem crescendo recentemente.
O jornalista Jorge Junzi Okubaro, em 2009, já apontava como o termo "Centenário da
Imigração Japonesa no Brasil" repercutia no volume de resultados de buscas no Google,
mostrando que o tema atingiu um público extremamente variado e os conteúdos mais
relevantes ou tratados com mais intensidade estavam normalmente associados a outros meios
de comunicação como jornais, revistas, editoras e emissoras de televisão ou rádio. Por seu
ponto de vista, ainda não havia total compreensão e otimização do uso da internet, ainda que
se soubesse que este se tornara o veículo de acesso mais facilitado e extenso. Cita, no entanto,
um exemplo positivo: o trabalho realizado pela Editora Abril no endereço "japao100.com.br",
que oferecia um cenário variado de assuntos relacionados à Imigração Japonesa no Brasil.

Mas o que torna esse trabalho da Abril ainda mais relevante é a


interatividade. Qualquer pessoa, desde que identificada, podia comentar as
informações ali apresentadas e registrar sua opinião. Esta era repassada
automaticamente para a pessoa cuja história estava no portal, e ela podia
responder diretamente ao interessado ou colocar a resposta na página, o que
abriu a possibilidade de um interessante diálogo entre o biografado e o
público (OKUBARO, 2010, p. 45).
Este movimento no qual as tecnologias de informação e comunicação ocupam um
lugar de destaque para a atual cultura nipo-brasileira foi citado pelo Cônsul Geral do Japão em
São Paulo, Takahiro Nakamae, no VII FIB - Fórum de Integração Bunkyo, realizado nos dias
21 e 22 de novembro de 2015, em seu discurso de abertura7:

Geralmente, pode dizer-se que os nikkeis de gerações futuras tendem a ficar


cada vez menos dependentes dos grupos convencionais, e mais integrados à
sociedade brasileira. Sem dúvida isso é natural e até plausível. Portanto é
ainda mais importante a comunicação entre as gerações e os agrupamentos.
Mas isso não significa que tenham que fazer algo trabalhoso ou custoso.
Essa comunicação é possível utilizando por exemplo ferramentas como redes

7
O discurso de abertura do Cônsul Geral do Japão em São Paulo, Takahiro Nakamae, encontra-se
disponível no seguinte link do Consulado Geral do Japão em São Paulo: http://www.sp.br.emb-
japan.go.jp/pdf/mensagem_nakamae_fib.pdf
19
sociais ou websites. As plataformas já existentes poderiam se expandir de
modo organizado e alcançar não somente os jovens de São Paulo, mas de
todo o Brasil. Se essa ferramenta conseguir alcançar os 180 mil brasileiros
residentes no Japão, seria ainda melhor. Eu também inaugurei a minha
página de rede social no intuito de intensificar as comunicações com os
nikkeis e, através disso, apresentar de uma maneira atualizada o governo
japonês vis-à-vis à comunidade nikkei (NAKAMAE, 2015).
Os avanços nas atuais tecnologias de informação e comunicação têm impactado a
sociedade contemporânea no que tange a educação, comportamento e as relações sociais e
culturais. No cenário de cultura da convergência, Jenkins (2009) faz menção a fluxos de
conteúdos através de múltiplos suportes midiáticos e comportamentos do público na busca de
experiências de entretenimento satisfatórias.

A cultura da convergência descreve um momento em que fãs são centrais às


maneiras como a cultura opera. O conceito de público ativo, tão controverso
há duas décadas, é agora dado por garantido por todos os envolvidos com a
indústria midiática. As novas tecnologias permitem que consumidores
comuns arquivem, anotem, se apropriem e recirculem conteúdos midiáticos
(JENKINS, 2006, Localização 65-67, New York University Press, Ebook
Kindle. Tradução nossa).
O consumo dos produtos da cultura pop japonesa no Brasil também se firmou em
conjunto com outras atividades, como trocas informais entre fãs. As práticas de scanlation
(digitalização e tradução de histórias em quadrinhos) e fansubbing (tradução, legendagem e
circulação de desenhos animados) são dois exemplos de práticas da comunidade de fãs que
vem acompanhando a indústria cultural - de mangás e animês - a fim de preencher as lacunas
de mercado apontadas pelos interesses de culturas de nichos. Além dessas, muitas outras
manifestações são compartilhadas na web, desde produções bastante específicas como vídeos
caseiros de prática cosplay, até atividades coletivas de grande porte, como eventos
promovidos pela cidade, ambos com teor de humor. Podemos citar, por exemplo, a série de
shōnen mangá e animê Naruto, criada por Masashi Kishimoto, em 1999, e mais tarde
adaptada para o animê, alcançando imenso sucesso mundial. Assim como Cavaleiros do
Zodíaco impactou uma geração de jovens, Naruto também se destacou em produções de fãs
que, desde muito cedo conectados e familiarizados com a internet e suas funcionalidades,
compartilham em redes sociais como o Facebook, e em sites de compartilhamento de vídeos,
como o YouTube (www.youtube.com), suas produções inspiradas na obra de Kishimoto.
Um caso bastante particular que ganhou espaço nos blogs de humor foi conhecido
como "Naruto Versão do Acre8", uma produção de vídeos de baixo orçamento de um grupo

8
O vídeo está disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=pyAXDLmv0sU>. Matéria
realizada pelo portal G1 sobre o sucesso de Naruto do Acre pode ser acessado em:<
20
de jovens de Mâncio Lima, no interior do Acre, que encenavam uma versão "regional" do
animê. Inspirados em Naruto, o grupo criou personagens que retratam a maneira como muitas
pessoas zombam de seu Estado. Com o primeiro vídeo compartilhado por vários blogs de
humor, como o Não Salvo (www.naosalvo.com.br), que tem grande alcance de público,
"Naruto do Acre" virou um sucesso momentâneo na web em 2015, com mais de 500 mil
visualizações no YouTube. Foi também uma publicação do Não Salvo sobre a primeira
"corrida Naruto", que mais repercutiu entre os fãs e que culminou na corrida realizada na
Avenida Paulista, em julho de 2016, com participação de Maurício Cid, criador do site Não
Salvo e de Joe Inoue, músico de J-rock9, que registraram o evento para seus canais pessoais
no YouTube. As corridas Naruto começaram como eventos fictícios criados no Facebook em
referência à maneira como os personagens são representados correndo na animação: com os
braços para trás e as palmas para cima, inclinando-se para frente. A corrida promovida em
São Paulo lotou a Avenida Paulista 10 de fãs do animê, fãs do Não Salvo e pessoas que
aderiram à ideia por divertimento.
Considerar a cultura pop japonesa no Brasil e os recentes estudos publicados sobre
seus "ecos mediáticos", termo utilizado pela pesquisadora Cíntia Dal Bello (2013) a respeito
do fenômeno hikikomori11, constitui também o cenário para o qual esta pesquisa se volta ao
questionar e refletir a subjetividade e questões como identidades digitais. Dal Bello (2013) se
apoia nos estudos de Baitello Junior 12 . a respeito da lógica do eco, que caracteriza uma
reprodutibilidade irrefreada de imagens na era da visibilidade. Segundo Greiner (2013),
admitir que as redes não são apenas instrumentos de mobilidade no universo digital, mas

http://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2015/06/com-naruto-do-acre-grupo-de-amigos-faz-sucesso-na-
internet.html>.
9
O termo J-rock ou jrock é diminutivo de japanese rock (nihon no rokku -日本のロック) e designa
um nicho musical que começou a ser mais conhecido pelas trilhas sonoras de animês.
10
Em matéria publicada pela plataforma de conteúdo digital do grupo VICE (www.vice.com) de mídia
global, é citado um número aproximado de 300 corredores. A notícia pode ser acessada em:<
https://www.vice.com/pt_br/article/qkdawx/segunda-corrida-naruto-sp>. O vídeo produzido pelo site
Não Salvo (www.naosalvo.com.br) pode ser acessado em:<http://www.naosalvo.com.br/como-foi-
corrida-naruto-na-avenida-paulista/>.
11
Hikikomori, termo cunhado pelo psicólogo japonês Saito Tamaki, é um desdobramento radical da
cultura otaku no Japão, que, segundo Saito (2012), é resultado da relação tecnologia/consumo e da
sedução pelas novas referências visuais destacadas pelas imagens de mangás e de animês. Os
Hikikomoris, embora tenham características compartilhadas com otakus estão associados ao
isolamento, colecionismo e vínculo à internet, comportamento que tem se tornado caso de saúde
pública no Japão recentemente.
12
BAITELLO JUNIOR, Norval. A era da iconofagia: ensaios de comunicação e cultura. São Paulo:
Hacker Editores, 2005.
21
acionadores afetivos com aptidão para revigorar os sentidos cruciais da vida em comunidade,
pode ser um bom começo.
O trabalho foi dividido em dois grandes polos: Japão e Brasil. Num primeiro
momento, analisamos o contexto de desenvolvimento da cultura pop japonesa relacionando o
cenário ocidental que permitiu que a indústria criativa do Japão fosse exportada.
Estabelecemos um diálogo de idas e vindas entre essas duas conjunturas para afinal
chegarmos ao Brasil. No primeiro capítulo, fizemos uma breve abordagem cronológica,
acompanhando o desenvolvimento econômico japonês que o levou de exportador de seus
aparatos tecnológicos para a atual estratégia de lançar-se culturalmente no exterior, o que tem
sido realizado aproveitando o sucesso de produtos como mangás e animês. Nesse sentido,
analisamos a importância da atuação dos fãs desses bens culturais, também chamados de
otakus.
No capítulo 2, apresentamos todos os objetos de nosso estudo. Dada a amplitude da
cultura pop japonesa, escolhemos trabalhar com: mangá, animê, prática cosplay e Moda
Lolita. Os mangás e animês são analisados na forma como conhecemos hoje, desenvolvidos
no pós-guerra, quando as referências levadas pela ocupação americana foram ainda mais
fortes do que os contatos anteriores que o Japão tivera com o Ocidente. Mais do que nunca, o
Japão se apropriou de características e técnicas que lhe permitiram não apenas uma evolução
tecnológica, mas o desenvolvimento de produtos culturais híbridos, que são levados para todo
o mundo como símbolos de uma essência japonesa, mas que só puderam assim existir graças
ao complexo cenário histórico e social japonês com as referências ocidentais. A prática
cosplay também é muito atribuída aos Estados Unidos; inclusive a história de sua origem, que
não é unânime, é reivindicada entre americanos e japoneses. Os estudos que se voltam para
essa atividade procuram as singularidades dos fãs que as praticam e as razões que os levam a
fazê-lo, como o sentimento de pertencimento, por exemplo. Já no cenário da Moda urbana,
analisamos a Moda Lolita, uma vez que se relaciona fortemente ao conceito de kawaii, que é
uma das questões comportamentais mais discutidas no contexto social japonês. No Brasil, o
estilo ainda é muito restrito, mas a contaminação do kawaii é global.
No terceiro capítulo, trazemos todas essas referências para o contexto brasileiro. Cada
país em que a cultura pop japonesa se inseriu teve um processo diferente de apropriação, e no
Brasil, cuja comunidade japonesa fora do Japão é uma das maiores do mundo, essa
contaminação teve forte influência dos imigrantes japoneses. Foram eles que trouxeram os
primeiros mangás, por exemplo, como uma forma de manutenção de sua cultura de origem.

22
Com culturas tão distintas, a tendência dos primeiros imigrantes foi de se fechar em colônias,
mas não podiam evitar as adaptações que se impuseram no Brasil, cuja alimentação, clima e
hábitos culturais eram completamente diferentes. Também aqui tivemos os japoneses que não
acompanharam o processo de modernização que aconteceu no Japão e passaram por outras
mazelas que não eram as mesmas de seus conterrâneos. Trouxeram e mantiveram uma nação
de origem idealizada e esse comportamento reverberou nas gerações seguintes, de nisseis e
sanseis. Com as mídias massivas, os brasileiros conheceram os animês, e a partir deles vieram
efetivamente os mangás. A partir de então já não havia mais barreiras que delimitavam
exclusividade nesse tipo de consumo e, por conta disso, escolhemos trabalhar com o conceito
de uma cultura pop nipo-brasileira. Não apenas os nipo-descendentes se reapropriaram desses
produtos, mas brasileiros, sem ascendência japonesa alguma, passaram a ser influenciados
pela cultura pop.
Isso nos leva ao capítulo 4, que analisa a relação das tecnologias de comunicação
digitais com a cultura pop japonesa. Pela televisão vieram os animês, mas a internet
proporcionou que os fãs que se formavam tivessem acesso aos conteúdos que demoravam a
chegar pelos meios regulares de importação e adaptação às regras de mercado brasileiras. Não
apenas isso, mas as mídias digitais proporcionaram a esses fãs produzir e circular conteúdos.
Nas décadas de 1980 e 1990, por exemplo, as trocas informais eram realizadas num âmbito
bem mais particular; alguém que possuía alguma forma de acesso aos mangás e animês
japoneses trocava com seus amigos fitas VHS ou gravações de trilhas sonoras com músicas
do pop japonês. Um cenário que não era difícil de encontrar no bairro da Liberdade, em São
Paulo, onde a concentração de descendentes de japoneses é bem maior. As trocas de fãs para
fãs alcançaram outro patamar no cenário digital. Nas atividades de fansubbing (legendagem
de animês) e scanlation (traduzir e disponibilizar scans de mangás), os fãs recirculam
conteúdos sem que seja necessário aguardar o interesse de mercado em importar esses
produtos. Para as práticas cosplay e Lolita, por exemplo, foi a internet que possibilitou o
acesso às referências japonesas, importação de produtos e troca de informações dentre os
participantes dessas e outras vertentes da cultura pop japonesa.

23
2. CAPÍTULO 1: POPPU KARUCHAA (ポップカルチャー): O JAPÃO
É POP
Em 2005, Sônia Luyten, ao introduzir os trabalhos reunidos no livro Cultura pop
japonesa, questiona primordialmente: por que pesquisar um tema como a cultura pop? E em
que medida a cultura pop japonesa tem a ver com o Brasil? Os animês e mangás encabeçaram
a expansão da cultura pop japonesa no Ocidente num movimento que se iniciou após a
Segunda Guerra Mundial. Desde então, acompanhamos a visibilidade global do pop japonês
aumentar, rompendo com um domínio até então de ordem ocidental, representada pela força
da cultura americana.
A cultura pop japonesa é composta por várias manifestações culturais contemporâneas,
como a música popular - e neste caso podemos citar o jpop -, os animês, os mangás, a moda
urbana, o cinema e a televisão com os doramas - equivalentes às nossas telenovelas - e
também os games. Luyten (2005) afirma que a cultura pop é como um reflexo da sociedade
no qual vivemos, não apenas no sentido estético - com Roy Lichtenstein, o termo “pop art”
passou a ser conhecido e trouxe o sentido de que a arte também tende a acompanhar aquilo
que é transmitido pelos meios de comunicação e pela publicidade - mas também
desempenhando um papel importante de alcance popular em um sentido cultural mais amplo.
O termo poppu karuchaa (ポップカルチャー) ou, mais especificamente,日本のポッ
プカルチャー (nihon no poppu karuchaa) são equivalentes respectivamente aos termos no
idioma inglês Pop Culture e Japanese Pop Culture. Outro termo também utilizado é taishū
bunka (大衆文化) para cultura popular e cultura de massa. No título deste trabalho, optamos
pelo uso do gairaigo - palavras de origem estrangeira introduzidas na língua japonesa e
adaptadas de acordo com as mudanças na pronúncia dos japoneses - que se apresenta em
vários títulos de mangás e animês, como por exemplo Hunter X Hunter (ハンター×ハンター
Hantā X Hantā) e One Punch Man (ワンパンマン, Wanpanman). Embora esse processo de
adoção de palavras estrangeiras ocidentais ao vocabulário japonês tenha se iniciado no século
XVI, com a influência portuguesa, o gairaigo muitas vezes é definido como um fenômeno
dinâmico que acompanha as tendências mundiais. A incorporação de palavras estrangeiras
tem feito parte do cotidiano dos japoneses, e na atual perspectiva global, o gairaigo é também
uma maneira de representar a evolução do povo japonês. Ainda que venha causando
problemas para os velhos - que não conseguem acompanhar todos os estrangeirismos - o

24
gairaigo não deve ser visto apenas como algo ruim, mas sim como uma consequência da
evolução do povo japonês em termos de desenvolvimento econômico e cultural que vem
acompanhando a globalização (YAMADA, 2012).
Neste capítulo, é introduzida uma breve discussão a respeito do conceito de cultura de
massa e cultura pop segundo o Ocidente, para que possamos compreender como se constituiu
e de que forma se manifesta a cultura pop japonesa. O contexto de seu surgimento no Japão é
o de um país derrotado na Segunda Guerra Mundial e que empreendeu esforços para se
reerguer economicamente, desenvolvendo uma identidade cultural bastante específica, no qual
notamos resultados de um processo de "customização" das referências americanas, com
especificidades da cultura japonesa (ALBUQUERQUE; URBANO, 2015). Assim como o
gairaigo, no contexto linguístico, representa esse processo de transformação do Japão em sua
relação com os países estrangeiros, observamos essa apropriação de conteúdos ocidentais que
recebem características japonesas. Esse processo também pode ser observado nas estratégias
políticas de promoção nacional por meio do soft power em que o Japão tem se engajado,
desde os anos 2000.

2.1 Sobre as raízes da cultura pop no Ocidente


A palavra pop deriva de uma modificação do termo "popular" e comumente está
associada a outras expressões, como pop music para designar um gênero musical, pop art para
o movimento artístico e, afinal, na cultura pop. O termo tem se tornado recorrente na cultura
contemporânea, muitas vezes utilizado de forma pouco rigorosa, tornando sua definição mais
complicada (ALBUQUERQUE;URBANO, 2015; VELASCO, 2010).
O significado de cultura pop comumente se afasta das concepções de "alta cultura", o
que muitas vezes aponta para a existência de uma divisão conceitual em polos de valores
opostos. Neste sentido, Jeder Janotti Junior (2015) complementa que a atribuição de algo
como pop pode servir tanto como uma forma de adjetivação desqualificadora - que destaca os
elementos descartáveis dos produtos midiáticos - bem como pode estar associada às
"afirmações de sensibilidades cosmopolitas, modos de habitar o mundo que relativizam o
peso das tradições locais e projetam sensibilidades partilhadas globalmente." (JANOTTI,
2015, p. 45). Velasco (2010) completa que o fato do termo pop designar tantas coisas sinaliza
que não é possível compreendê-lo como algo estático e restrito, mas sim, é preciso tentar
entendê-lo relacionado aos sentidos de movimento, de sensibilidade e de características

25
agregadoras, criador de novos sentidos. "Uma cultura de consumo que comporta, ao mesmo
tempo, a massificação e a segmentação, a contestação e a afirmação do status quo, o profundo
e o superficial, o sofisticado e o kitsch." (VELASCO, 2010, p.118).
Como abreviação de popular, da língua inglesa, a palavra é clara quanto ao sentido do
que é produzido, grosso modo, pela indústria cultural visando o grande público, como o rádio
e a televisão, por exemplo. No Brasil, é o que se conhece por "popular massivo" (SOARES,
2005). No contexto da língua portuguesa, popular também está associado à cultura popular
das tradições. Neste caso, a menção de cultura popular pode levar tanto à expressão folclórica
(que no inglês é denominado folk), quanto à cultura pop relacionada à indústria cultural. Há de
se deixar evidente que este trabalho aborda a cultura popular em seu sentido
midiático/massivo que nos conduz à compreensão da formação da cultura pop nipo-brasileira.
Para tanto, manteremos o uso da palavra pop ao invés de popular.
Albuquerque e Urbano (2015) acrescentam que o pop não é popular por se originar do
povo comum, mas sim por se dirigir a ele, tratando-se, acima de tudo, de um produto de
caráter industrial, que comumente nos conduz a Adorno e Horkheimer com relação à ideia,
por eles introduzida, de indústria cultural. Sendo assim, o pop está relacionado ao conceito de
cultura de massa e diz respeito a uma lógica mercadológica que coloca em primeiro lugar o
entretenimento. Como não é difícil perceber, a ideia de cultura pop é cercada de aspectos e
concepções conflitantes.
Janotti Junior (2015) utiliza a expressão "membrana elástica" para exemplificar como
o pop remodela e reconfigura a própria ideia de cultura popular quando transmite, por meio de
recursos midiáticos, expressões culturais de ordens diversas como filmes, seriados, músicas e
quadrinhos. Sua compreensão inicial - como fenômenos pop - já atestava uma das
contradições maiores quando se trata de cultura pop: por um lado seu aspecto serial -
produção massiva - e por outro a forma como os produtos pop possuem o poder de marcar
experiências diferenciadas através de recursos midiáticos e nem por isso deixando sua
característica popular, ou de grande alcance.

Pensando sob o prisma de produtos de alto alcance, e, portanto, populares


midiáticos, o pop foi associado ao que "pipoca", ao que não se consegue
parar de mastigar, devido a "supostos" artifícios das indústrias culturais, uma
cultura do bubble gum (chicletes) e da pop corn, guloseimas que se
confundem com a fruição e o entretenimento pop (JANOTTI JUNIOR,
2015, p.45).
Nesta relação entre indústria e entretenimento, o pop está ligado ao sentido de
efemeridade, com produtos que surgem em razão da novidade, daquilo que "pipoca" no

26
momento. Por outro lado, também emergiram diálogos que pretendiam valorizar as
possibilidades artísticas do universo pop (JANOTTI JUNIOR, 2015), destacando, novamente,
a pop art que irrompeu com o debate sobre arte erudita e massificação.
Em Apocalípticos e Integrados (2008)13, Umberto Eco reúne uma série de ensaios que
debatem a cultura de massa e expressam um posicionamento crítico que se contrapõe ao
pensamento de Adorno e Horkheimer, em Dialética do Esclarecimento, publicado em 1947,
que é associado às teorias da Escola de Frankfurt, quanto ao desenvolvimento da indústria
cultural e seu poder de controle sobre o homem. Em Dialética, Adorno e Horkheimer
introduzem a expressão "indústria cultural" em substituição à cultura de massa, que assumiria
que essa cultura é oriunda das preferências da massa, ideia rebatida pelos filósofos. De modo
sumário, de acordo com a Escola, a indústria cultural, procurando assegurar a continuidade da
esfera capitalista, produzia bens culturais como filmes, músicas ou programas de televisão
como forma de controle e manipulação das massas, na qual mesmo a individualização é parte
de um processo ideológico que oculta a padronização.
Eco já compreendia, na época em que sua obra foi escrita, também na década de 1960,
que vive-se em um contexto distinto dos anteriores na história, e que deve-se aceitar a
existência da cultura de massa para que seja possível compreendê-la de uma maneira que não
seja apenas redutiva, ou apenas apocalíptica, tendo em mente que só é possível criticar algo
quando há conhecimento do que, de fato, se trata. Contudo, Eco reconhece a importância do
olhar crítico dos apocalípticos, que apesar do negativismo, complementa o que faltaria aos
integrados e sua percepção otimista.
O título do livro é também a denominação que Eco utiliza para as duas frentes
antagônicas da discussão. Por um lado, a visão crítica e negativa dos apocalípticos que tem na
cultura de massa a decadência da cultura, e por outro os integrados, mais receptivos à
compreensão de disponibilidade dos bens culturais para todos através dos meios de
comunicação de massa. A percepção do fenômeno pop, como Castro (2015) comenta, também
de modo geral, divide-se em autores que elaboram suas críticas considerando o pop como
processo de padronização, e, portanto, compreendendo-o de maneira redutiva, e por outro
lado, autores que destacam o pop como uma cultura dinâmica, produtora de novos sentidos,
significados e sociabilidades. A partir dessa segunda visão - concepção positiva - Castro

13
O livro foi originalmente publicado na Itália em 1964, sendo Eco um dos poucos acadêmicos a se
preocupar com discussões a respeito da cultura de massa. Neste trabalho foi utilizada a 6ª edição
brasileira, de 2008, pela editora Perspectiva.
27
(2015) retoma a interpretação formulada por Iain Chambers (1986)14, que situa o fenômeno
num plano fundamentalmente econômico. Chambers (1986 apud CASTRO, 2015, p.37)
defende que "[...] o processo de enriquecimento e de organização das bases do Estado do
bem-estar social do pós-guerra permitiu que as juventudes das classes trabalhadoras tivessem
capital suficiente para participar da cultura de consumo capitalista", e, em conformidade a
isso, passassem a utilizar ativamente bens culturais e a moda na construção de um sentido
identitário próprio e de demarcação de sua identidade pública. Chambers então trata o
fenômeno como "democratização" do gosto, associando-o à multiplicidade de subculturas e
nichos culturais que ganham espaço a partir da década de 1960. A partir das colocações de
Chambers, Castro (2015) prossegue explicando que o pop seria um desfecho para a batalha de
classes, levando ao fortalecimento do direito à identidade e à cultura pelos grupos
desprivilegiados.
Não raro, o público da cultura de massa tende a ser considerado passivo e inerte,
manipulável e explorável - uma presa fácil do consumismo e da propaganda. Strinati (1999)
questiona qual seria a restrição dessa situação. Existe de fato um público de massa? Do ponto
de vista dos produtores culturais, não pode existir um público massificado, mas, de
preferência, segmentos de mercado diferenciados, divididos em categorias de gosto, valores e
preferências, assim como em riqueza e poder. Se os produtores precisam constantemente
elevar sua audiência, então esse processo precisa ser analisado como "um exemplo específico
de produção e de consumo cultural, e não ser assumido como uma característica generalizada
das sociedades em que a cultura de tornou um bem consumível." (STRINATI, 1999, p.58).
Velasco (2010) ainda acrescenta que também é interessante analisar quais os sentidos são
dados pelos consumidores de cultura pop a esses bens simbólicos. O público também precisa
ser considerado como social e culturalmente diferenciado, reconhecendo ainda que o gosto
cultural é construído socialmente.

E mais do que isso, devemos admitir que o público pode ser mais inteligente,
mais ativo e mais perspicaz no consumo do que tem sido geralmente
reconhecido por grande parte dos teóricos da cultura popular. Existe, de fato,
uma tendência de falar em seu nome, em vez de descobrir o que teria a dizer
por si mesmo (STRINATI, 1999, p.59).
O que o pop apontava, desde o início, na década de 1960, era a existência de uma
mudança na relação de consumo. Quando na cultura de massa havia produtos padronizados
cuja demanda era determinada já no momento da produção, no pop, o que se estabelece é um

14
CHAMBERS, Iain. Popular culture: the metropolitan experience. Londres: Routledge, 1986.
28
diálogo constante entre a produção e a demanda. Assim, o público deixa de ser considerado
uma massa homogênea e passiva para dar lugar a diferentes segmentos e nichos.

O predomínio do consumo de massa dá lugar ao consumo pop, que


estabelece uma relação de coexistência entre o massivo e o segmentado.
Diferentemente da produção massiva, que impõe produtos homogêneos, a
produção segmentada procura atender aos diferentes anseios do público
(VELASCO, 2010, p.121).
A este cenário de mercado segmentado acrescentamos a introdução das tecnologias de
comunicação digitais como um fator marcante de mudança do papel do público. As redes
colaboram para que a quantidade de informações circulando disponíveis às pessoas aumente,
tornando as narrativas, bem como seus leitores, mais complexos. Com o digital, as
informações em torno de um bem cultural passam a circular por diferentes formas e espaços.
Em fóruns de discussão, vídeos no YouTube e programas de televisão, por exemplo, essas
informações são reproduzidas e reconfiguradas.
Clay Shirky (2011), ao nos introduzir seu trabalho acerca da cultura da participação
em um mundo conectado, nos aponta que:

A mídia do século XX voltava-se para um único enfoque: consumo. A


pergunta estimulante da mídia nessa época era: se produzirmos mais, vocês
consumirão mais? A resposta a essa pergunta foi em geral positiva, já que o
indivíduo médio consumia mais TV a cada ano. Mas a mídia é na verdade
como um triatlo, com três enfoques diferentes: as pessoas que gostam de
consumir, mas também gostam de produzir e de compartilhar. Sempre
gostamos dessas três atividades, mas até há pouco tempo a mídia tradicional
premiava apenas uma delas (p.25).
Incorporando o uso das atuais tecnologias de informação e comunicação ao pop,
percebe-se uma reconfiguração de suas sensibilidades não apenas pelo aspecto de consumo,
mas também da apropriação de produtos culturais e a capacidade de devolvê-los ou
reterritorializá-los com o uso de ferramentas midiáticas.
A apropriação e envolvimento dessas tecnologias digitais às práticas cotidianas
constituem-se como um ponto de vista a ser considerado na compreensão da cultura pop,
tendo em vista que o uso corriqueiro das tecnologias de comunicação digitais influencia
também como se dá o consumo. Computadores e telefones estão cada vez mais desenvolvidos
e atuam como facilitadores à conexão, sendo amplamente adotados pelas pessoas. A noção
que havia de ciberespaço se esvanece e as ferramentas de mídia social não são apenas uma
alternativa para a vida real, mas sim constituintes dela, tornando-se assim, instrumentos
coordenadores de eventos físicos (SHIRKY, 2011).

29
2.2 Consumo no Japão: como se desenvolveu a cultura pop japonesa
Albuquerque e Urbano (2015) consideram que no Extremo-Oriente o desenvolvimento
do pop pode ser entendido tanto como uma consequência direta da globalização, que se deu a
partir do Ocidente, iniciada na década de 1980, quanto também pode ser uma reação local a
ela. Como nos é conhecido, o Japão abriu as portas desse processo. Nos anos 1980, o Japão
era já a segunda maior economia do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Os autores nos
informam, então, que outros países começaram a se destacar economicamente a partir dos
anos 1980, como a Coréia do Sul, Cingapura, Taiwan, Malásia e a China. No caso chinês,
com um modelo comunista diferenciado e flexibilizado, que mais tarde levou o país a ocupar
o lugar que pertencia ao Japão na economia mundial. Esse movimento dos países do Extremo-
Oriente aumentou a relevância econômica da região; mas, mais do que isso, ampliou as
relações de integração econômica e cultural, tanto entre si quanto com países vizinhos. Além
disso, outros traços comuns entre os países do ponto de vista de estrutura sociopolítica e
valorização de características singulares desses países ajudam a explicar a ideia que defendem
de emergência de uma cultura pop original do Extremo-Oriente que contesta o domínio das
referências culturais ocidentais. Para isso, Albuquerque e Urbano analisam o desenvolvimento
da cultura pop japonesa e também a projeção mais recente da cultura pop sul-coreana como os
dois países que mais se destacaram mundialmente nas últimas duas décadas.
O fenômeno da cultura pop japonesa veio conquistando o Ocidente há décadas, mas a
partir dos anos 1980 é que se tornou inegável afirmar a aceitação dos produtos culturais
japoneses no gosto do público ocidental. Sato (2007) acrescenta que, para esse público, o pop
japonês é considerado uma influência menos imposta do que o pop americano, e por isso mais
"aceitável", mesmo refletindo uma realidade e referências culturais muito específicas e
particulares se comparadas à cultura ocidental. O Japão se deu conta de como a cultura pop se
tornara um meio poderoso de alcance dos mercados internacionais e de elevação do valor da
marca Japão (ALBUQUERQUE; URBANO, 2015).
Para entender como o Japão se tornou Cool15, ou "descolado", e como isso impacta o
Ocidente, é preciso compreender como se desenvolveu o pop japonês e em que contexto
socio-histórico esse processo se deu. Para isso, é necessário retomar alguns pontos que são
muito específicos da história japonesa.

15
O uso da palavra cool vem da expressão Cool Japan, cunhada por McGray em artigo de 2002 a
respeito das manifestações culturais contemporâneas do Japão no Ocidente. A expressão foi adotada
oficialmente pelo governo japonês. O conceito é desenvolvido neste mesmo capítulo.
30
2.2.1 Contexto histórico: as raízes do pop japonês

Para compreendermos a contagem das eras japonesas e nos situarmos na cronologia do


desenvolvimento da cultura pop japonesa, apresentamos brevemente a contagem de eras do
Japão.
Nengō (年号) é o termo correspondente ao sistema de eras do Japão, adotado desde
645, com origem na China. Todo soberano, quando ascendia ao poder, decretava uma nova
era, modificando-a se as circunstâncias assim exigissem, como por exemplo, em eventos
históricos e desastres naturais, ou se acaso lhe fosse conveniente estabelecer uma cisão na
continuidade de seu reinado (FRÉDÉRIC, 2008). Por conta disso, até 1868, a maioria dos
soberanos teve vários nomes de era, sendo a primeira delas a era Taika (大化 de 645-650). A
partir de 1868, houve apenas uma única era correspondente a cada reinado, iniciando-se em 1º
de janeiro do ano de subida ao trono. Desde 1873, os japoneses adotaram o calendário
gregoriano, embora o calendário tradicional, baseado nas eras de seus imperadores, ainda seja
utilizado em alguns documentos até os dias atuais. De acordo com a contagem nengō, 2017
corresponde ao vigésimo nono ano da era Heisei (1989 até os dias atuais), inaugurada pelo
imperador Akihito.
A história do Japão é dividida em grandes períodos, cujas datas, até o período Edo,
podem ter variações, dependendo da fonte histórica ou do enfoque analítico. O início do
período histórico no Japão começa por volta de 538, com a introdução do budismo, e é
chamado de período Asuka, que vai até o ano 710. Antes disso, houve o período pré-histórico
Jōmon que se iniciou por volta do décimo milênio antes da era comum e se encerrou por volta
de 300 a.C., sucedido pelo período proto-histórico Yayoi (±300 a.C. a 250 d.C.). A seguir, a
nível informativo, citamos resumidamente os períodos históricos do Japão que antecedem o
Período Edo (1603-1868) até Heisei (1989-presente), fase a qual, no decorrer deste trabalho,
nos referimos constantemente.
 Asuka (±538-710)
 Nara (710-794)
 Heian (794-1185)
 Kamakura (1185-1333)
 Muromachi (1336-1574) - Houve entre 1333 a 1336 a Restauração Kemmu,
que consistiu na tentativa do imperador Go-Daigo de restaurar a autoridade

31
imperial. Sengoku (1467-1574), também chamada de "época de países em
guerra", foi um dos períodos mais instáveis do Japão, marcado pelos conflitos
civis. Neste período, no ano de 1543, chegam em Kagoshima (Kyūshū) navios
portugueses.
 Azuchi-Momoyama (1573-1603) - Período histórico e artístico marcado pelo
controle do Japão de ditadores militares (Nobunaga Oda, Hideyoshi Toyotomi
e Ieyasu Tokugawa). Ieyasu Tokugawa fundou a dinastia dos xoguns
Tokugawa, que governaram o período Edo.

2.2.2 Períodos Edo e Meiji: desenvolvimento econômico do Japão

O período Edo ( 江 戸 時 代 , Edo-jidai) inicia-se em 1603 e se encerra em 1868,


recebendo posteriormente a nomenclatura correspondente a Edo (atual Tóquio), sede do
governo xogunal na época. Marcado pelo xogunato Tokugawa (xogum correspondia ao título
militar concedido pelo imperador aos líderes guerreiros do clã Tokugawa, conferindo-lhes
autoridade governamental), o período corresponde ao de pacificação e unificação do país,
porém, corresponde ademais à fase de isolamento do Japão frente às influências ocidentais.
Segundo Carvalho (1998), o ideal nacional dos xoguns Tokugawa era o de estabelecimento de
um país autossuficiente em sua agricultura, socialmente estratificado em contexto de paz
interna e protegido do contato com o exterior. Esta concepção política do governo Tokugawa
é decorrente de menos de um século de intromissão mercantil portuguesa e consequentemente
da recusa à doutrinação cristã jesuítica, no sul do país.
Durante o século português (1543-1640), o porto de Nagasaki era base das operações
comerciais dos portugueses no leste asiático. A presença lusitana foi determinante no
desenvolvimento cultural e tecnológico japonês, visto que representou o primeiro contato
prolongado do Japão com o Ocidente, e também foi responsável pela introdução dos
japoneses às armas de fogo, sistema cartográfico e técnicas de construção naval e navegação
por longos períodos (CARVALHO, 1998). Além dos portugueses a influência holandesa
também foi marcante no Japão. Com o xogunato Tokugawa houve a expulsão dos portugueses
em 1639, a proibição do cristianismo e o fechamento do país aos estrangeiros doutrinadores.
Carvalho (1998) prossegue afirmando que o xogunato, do ponto de vista psicossocial,
constitui um dos períodos mais importantes na geração de algumas características peculiares
dos japoneses, como as relações sociais hierarquizadas, a valorização da educação e da
cooperação social, e até mesmo antipatia ao estrangeiro. Neste período, as tradições se
32
fortalecem, bem como o budismo, confucionismo e xintoísmo passam a constituir as bases da
estrutura religiosa, moral e política do Japão.
Sob pressão externa, em 1853, com a chegada da expedição do comodoro Matthew C.
Perry e a intervenção dos Estados Unidos, o xogunato Tokugawa entra em declínio e o Japão,
sob ameaça das armas americanas, se vê forçado a abrir seus portos aos estrangeiros. Neste
novo cenário, em que volta a ter noção do nível de desenvolvimento de países estrangeiros, o
Japão recua diante da defasagem em sua tecnologia científica e, principalmente, militar.
Para resistir às pressões externas que agora se impunham, o Japão, diante da urgente
necessidade de recapacitação militar e econômica, inicia seu processo de modernização por
meio da industrialização e democratização social que marcaram o início do Período Meiji. A
partir de 1867 este período também é conhecido por Restauração Meiji, por conta do
restabelecimento do poder imperial com o príncipe Mutsuhito, chamado também de
Imperador Meiji. Neste intento, o Japão se apropria de modelos europeus e americanos para
seu processo de desenvolvimento econômico e social; para tanto, prioriza a educação e
especialização de seus profissionais, enviados para estudar em outros países, possibilitando a
evolução da tecnologia e da força militar que fossem capazes de competir com as nações
estrangeiras.
Com a abertura de seus portos, não apenas o Japão pôde observar o exterior, mas o
Ocidente pôde finalmente observar o que havia naquele misterioso país. Desde esse momento,
Japão e as nações ocidentais se envolveram em acontecimentos marcantes e relações
complexas, como guerras, processos emigratórios, disputas econômicas e desenvolvimento
tecnológico. A percepção ocidental do Japão passou por inúmeras mudanças, sendo possível
reconhecer fases distintas de recepção da cultura japonesa, ao mesmo tempo, tornando difícil
limitar-se a uma única representação de Japão.

Em vários momentos, o Japão, quando visto com os olhos ocidentais, tem


sido: uma nação de artistas ascéticos que vivem em harmonia com a
natureza; uma cultura fascinante, mas discretamente cômica, de homens
ambiciosos tentando vencer o Ocidente em seu próprio jogo; uma presença
feminina vulnerável, mas erótica, com vontade de se sacrificar pelo homem
ocidental; uma civilização nobre de guerreiros disciplinados; uma horda
brutal de soldados sub-humanos com a intenção de dominar o mundo; uma
cultura de sacerdotes que oferece iluminação a um mundo perdido em
excesso material; uma horda brutal de executivos em seus ternos com
intenção de destruir a economia americana; e mais recentemente, um mundo

33
de inovação tecnológica e de cultura pop que é sinônimo de "cool"
(NAPIER, 2007, p.2, tradução nossa)16.
Na segunda metade do século XIX, enquanto o Japão era pressionado, sua arte
começava a ser introduzida e recebida na Europa ao ser levada para uma série de Exposições
Internacionais, em 1860. Conhecido por Japonismo, o fascínio que a Europa alimentou pelo
Japão e sua estética peculiar, em cores e perspectiva, foi visível em obras de Van Gogh e
Monet. Embora outros países do Oriente, como Índia e China, também tenham instigado o
olhar ocidental, foi o Japão que teve a recepção mais duradoura e intensa, persistindo as
influências na arte e na cultura do século XIX até o presente.
Revoltas populares, em decorrência da situação de pobreza em que se encontravam os
camponeses, o adensamento demográfico e a escassez de recursos foram motivos fortes que
levaram o Japão às investidas bélicas contra países vizinhos como a China, em 1895. Com a
projeção do Japão, que começava a se estabelecer, também foram incentivados os processos
emigratórios. Em 1908, as primeiras famílias japonesas chegam ao Brasil após negociações
entre os dois países para a contratação de mão-de-obra assalariada. Os imigrantes que aqui
chegaram trouxeram consigo não apenas a esperança de um rápido retorno para o Japão após
conquistar dinheiro no Brasil, mas também todo o nacionalismo japonês com que haviam sido
criados. No Brasil, esses japoneses acompanharam apenas um vislumbre do segundo, e mais
intenso, processo de modernização do Japão.

2.2.3 Período Shōwa: a queda e restabelecimento do Japão na Segunda Guerra


Mundial

Em 1912, com a morte do imperador Meiji, inicia-se o período Taishō, que se encerra
em 1926, com a morte do imperador. Durante esta, que foi considerada uma era curta, ocorreu
a Primeira Guerra Mundial, que deixou a Europa fragilizada e colaborou para o domínio
econômico do Japão na Ásia. Também foi um período de discussão de ideias democráticas
que não duraram muito tempo.

16
At various moments "Japan", when viewed with Western eyes, has been: a nation of ascetic artists
living in harmony with nature; a fascinating but faintly comic culture of ambitious men trying to beat
the West at its own game; a vulnerable but erotic feminine presence eager to sacrifice herself for the
Western male; a noble civilization of disciplined warriors; a brutal horde of subhuman soldiers intent
on world domination; a culture of priests offering enlightenment to a world lost in material excess; a
brutal horde of suit-wearing executives intent on destroying the American economy; and most recently,
a world of techno and pop culture innovation that is synonymous with the word "cool" (NAPIER,
2007, p.2).
34
Em 1926, inicia-se a Era Shōwa com o reinado do Imperador Shōwa (Hirohito) até
1989. A Segunda Guerra Mundial separa o período em duas fases. A primeira corresponde ao
expansionismo do Japão na Ásia, e a segunda, após o término da guerra, em 1945, de
reestruturação depois da derrota até o ápice do sucesso econômico na última década da era
Shōwa. Após a derrota na Segunda Guerra, o Japão, devastado pelas bombas atômicas,
consegue se reerguer e dar início ao processo atual de desenvolvimento, paradoxalmente por
meio de estratégias econômicas que se tornaram viáveis pelo apoio dos Estados Unidos nos
anos imediatos à rendição japonesa.
Com a ocupação americana, o Japão teve de aprender a lidar com a presença das
forças americanas em seu território e em sua cultura, vendo-se subitamente cercado por tudo
que anteriormente era considerado "inimigo". Nas duas décadas que se seguiram a 1955, a
economia japonesa experimentou uma grande expansão, período no qual o povo japonês
trabalhou mais do que nunca em busca de melhores condições de vida, e cujos reflexos se
tornavam evidentes pelo número de horas trabalhadas ao longo do ano. Nesse momento, era
necessário reconstruir o país. Mais do que espírito perseverante, a disciplina militar dos
japoneses foi essencial para atravessar os anos de sacrifício até que o Japão se reerguesse.
Fazia-se necessário ter fontes de entretenimento baratas para as pessoas fatigadas. O mangá,
por exemplo, foi um dos produtos que voltaram a ganhar espaço no Japão nos anos imediatos
ao pós-guerra, e, na década de 1950, o cinema também se desenvolveu.
No período pós-guerra, o Japão se insere "no mundo do consumo" (SAKURAI, 2008,
p. 342) através dos eletrônicos, automotores e pelo que nos interessa: o entretenimento. De
qualquer forma, os reflexos da guerra ainda eram muitos fortes e constantemente eram
representados em produções como Godzilla, ou Gojira ( ゴ ジ ラ ). Lançado como obra
cinematográfica de ficção científica, em 1954, originalmente discute os temores e efeitos das
bombas atômicas. O monstro gigante, que por vezes destruía e por outras salvava Tóquio,
tornou-se sucesso de bilheteria com seus efeitos especiais, funcionando muito bem como o
entretenimento que os japoneses necessitavam.
No início dos anos 1960, o crescimento econômico japonês era expressado pelo desejo
por bens de consumo. Sato (2007) nos apresenta os objetos mais desejados, comparados a
"tesouros" e "regalias" (IGARASHI, 2011) de consumo. Nos anos de 1950, eram "Os três S's"
que correspondiam a senpūki, sentakki e suihanki (ventilador, máquina de lavar roupa e
panela elétrica de arroz), sucedidas pelos "três K's" para Kā, kūrā e karāterebi (carro, ar
condicionado e televisão em cores) nos anos de 1960. Já nos anos 1970, os objetos de desejo

35
eram os "três J's" de jūeri, jetto e jūtaku (jóias, avião - no sentido de viagens ao exterior - e
casa própria).
Os anos 60 foram chamados, pela mídia, de Shōwa Genroku17, termo que teria sido
criado pelo primeiro-ministro Takeo Fukuda em 1964, e que retomava a era Genroku (1688-
1704), inserida no período Edo e caracterizada como uma fase sem guerras internas,
reorganização da economia e o desenvolvimento da cultura popular. A década de 1960 foi
assim apelidada por seu florescimento cultural e pelo sentimento de satisfação da sociedade
(SATO, 2007; IGARASHI, 2011).
As Olimpíadas de Tóquio, em 1964, foram um dos eventos mais marcantes da história
japonesa, principalmente com relação à sua projeção internacional. Depois de tudo que havia
passado, o Japão se apresentava novamente como um país reconstruído e pacifista, com olhos
no futuro e em seu desenvolvimento. Igarashi (2011) também relembra a EXPO70, feira
mundial realizada em Osaka com o tema "Progresso e Harmonia da Raça Humana", que foi
como uma vitrine a exibir o novo Japão. Neste sentido, Sakurai (2008) acrescenta que:

Diante do mundo e dos próprios japoneses, foi uma continuação do sucesso


publicitário das Olimpíadas de 1964. Daí para diante, o Japão se consolidou
como criador de tecnologia que muda a vida das pessoas comuns. Os robôs
domésticos apresentados na feira japonesa fizeram os consumidores sonhar
com o dia em que toda casa poderia ter um, como nas fantasias de ficção
científica. A partir daí, os japoneses não pararam mais de apresentar ao
público versões de robôs cada vez mais elaboradas. E fixaram uma nova
imagem junto ao Ocidente (SAKURAI, 2008, p.217).
Esta nova imagem junto ao Ocidente, ou uma nova imagem de ser japonês, é apontada
como reflexo das mudanças que ocorriam no Japão tendo por base o crescimento econômico e
de acesso aos bens de consumo para quase toda população. Novamente, o sentimento de
euforia aparece junto ao sentimento de que as horas de trabalho e estudo sem fim estavam
finalmente oferecendo retorno e surgia o pensamento coletivo de que, além de reerguer o país,
podia-se também consumir, viajar e se divertir.
O desenvolvimento da Expo70 parecia ser uma progressão linear que se distanciava
das memórias dolorosas da Guerra. As imagens do progresso, segundo Igarashi (2011),
"ofuscaram o fantasma da guerra na sociedade japonesa" (p.395) e reduziram-na a nada mais
do que uma condição necessária para subsequente prosperidade do Japão.
Embora Igarashi (2011) discorra de forma mais apropriada sobre o dramaturgo e
escritor Yukio Mishima, tão mal compreendido e apreciado de maneira torpe, nos compete

17
Shōwa (paz radiante) é o nome do período de reinado do Imperador Hirohito que corresponde aos
anos de 1926 até 1989. O seu uso na expressão Shōwa Genroku objetivava deixá-la atual.
36
neste momento relembrar as suas tentativas incansáveis de reapresentar as memórias da
guerra em sua intensidade original no contexto da sociedade japonesa do final da década de
1940. Ao criticar a degradação do Japão moderno, sua luta pela retomada de valores mais
clássicos do Japão culminou em sua morte emblemática, em 1970, ao rasgar o próprio corpo
de acordo com a tradição samurai. Sua morte obviamente atraiu muita atenção, mas em
grande escala não gerou alteração na vida cotidiana do Japão pós-guerra, que parece ter
optado pelo esquecimento. Ao analisar a literatura de Mishima e outros escritores, e também
outras representações como Godzilla e seu corpo monstruoso, que representava os traumas de
guerra, Igarashi traz as memórias do corpo, compreendido como portador de sentidos,
buscando aquilo que a História não consegue abarcar, aquilo que fica silenciado e escondido
pelo progresso, e como o corpo marcado do pós-guerra, apesar da recusa do olhar japonês,
também é parte da identidade nipônica.
Enfim, nos anos 1980, o Japão de fato teve os jovens que não acompanharam as dores
da guerra e que, diante de um país estável e próspero economicamente, eram movidos pelo
consumismo. Pelo olhar ocidental, o Japão de fato havia se projetado como referência em seus
produtos eletrônicos. Eram poucos aqueles que não conheciam ou não possuíam um walkman,
da Sony, ou um relógio digital de pulso. Os prósperos anos 80 trazem a imagem de um Japão
estilizado, predominantemente virtual e tecnológico. Desde o pós-guerra, em que a presença
dos Estados Unidos possibilitou que se reerguesse, o Japão conseguiu compor uma identidade
cultural distinta, baseada em sua capacidade de apropriar-se de referências externas, mantendo
a essência que as caracteriza como japonesas. Assim foi com o desenvolvimento tecnológico
e com a cultura pop, que teve nos anos 80 uma fase de ascensão. Haruki Murakami, escritor
japonês, chegou a lamentar em uma palestra aberta em Berkeley, na década de 1990, que o
expoente mais conhecido da cultura japonesa fosse a Sony (NAPIER, 2007).

Os japoneses tinham, como ainda têm, preferências locais baseadas em suas


condições, tradições, folclore e cultura que demonstraram ser fortes o
bastante para criar e manter um amplo e rico mercado nacional. E assim se
formou o pop japonês contemporâneo: ocidentalizado na forma, mas
nipônico no conteúdo (SATO, 2007, p.15).
Os últimos anos do período Shōwa, que deu lugar ao período Heisei em 1989,
assinalam a reinserção do Japão na economia mundial, como uma das nações mais ricas e
influentes do planeta (CARVALHO, 1998). E é este sucesso econômico que atrai tanta
atenção mundial. Carvalho (1998) observa que deve-se procurar as raízes desse sucesso nas
qualidades do seu povo e na ação infatigável do Estado. As características que diferenciam a

37
população japonesa dos demais povos, muitas vezes colocadas como qualidades, teriam se
desenvolvido após séculos de coerção política, disciplina social e parcimônia.

É evidente a disciplina militar no comportamento desse povo. É visível a


herança militar na administração do pessoal, nas fábricas e organizações, na
necessidade de definir status, no reconhecimento de hierarquias e no espírito
de corpo, isto é, no grupismo que caracteriza os japoneses (CARVALHO,
1998, p.53).
Além disso, o papel do Estado é, sem dúvida, definitivo no direcionamento da nação e
da economia, o que pode ser analisado desde o xogunato Tokugawa com a agricultura
autossuficiente, através da modernização do período Meiji, até, afinal, sua projeção mundial
nos dias atuais.
Já nos anos 1990, a influência da cultura pop japonesa nas culturas ocidentais se
apresentava sob diversas formas, como música, moda e principalmente mangás e animês. Os
quadrinhos, em especial as animações japonesas, conquistaram uma forte cultura de fãs
mundialmente e o Japão passou a ser conhecido por outras coisas que não apenas a qualidade
de seus produtos eletrônicos e o desenvolvimento de tecnologia de ponta. Napier (2007) cita
alguns exemplos na contaminação do pop japonês nos Estados Unidos na pop music
americana. A estrela do pop Gwen Stefani teria um recorde de sucesso cantando sobre
Harajuku Girls e o grupo de rock Linkin Park seria premiado pela MTV Viewer's Choice
Award por Breaking the Habit, videoclipe em estilo animê gravado no Japão dirigido por Joe
Hahn, um dos músicos da banda e também artista visual, e animado por Kazuto Nakazawa,
designer japonês de personagens de animê e videogames, tendo trabalhado também em
Animatrix18.
Jornalistas e estudiosos americanos estiveram atentos a essa movimentação. Em 2002,
o jornalista Douglas McGray cunhou o termo Cool Japan ao introduzi-lo no artigo Japan's
Gross National Cool, publicado pela revista Foreign Policy. McGray avalia o cenário em que
o Japão se mostra uma emergente superpotência cultural por meio de seus produtos pop. O
jornalista destaca a crescente influência cultural japonesa apesar de o país ter passado por uma
crise econômica nos anos 1990. O termo Cool Japan foi adotado, em 2011, pelo governo
japonês como estratégia de promoção da indústria criativa do país no cenário mundial. O

18
Animatrix consiste em um conjunto de 9 curtas-metragens em animação idealizados pelas irmãs
Wachowski para ampliar os conceitos do universo explorado na trilogia Matrix. Os curtas foram
produzidos no Japão, Coréia do Sul e Estados Unidos, em estilo animê. Os episódios introduzem e por
vezes explicam alguns pontos pouco abordados nos filmes e também estabelecem pontes que os
relacionam a outros produtos ligados à saga, como os jogos.
38
Japão procurava revitalizar sua imagem e as relações com outros países através de sua cultura
num modelo de Soft Power.

2.3 Soft power, Cool Japan


Cunhado pelo cientista político Joseph Nye, no final da década de 1980, o termo Soft
Power (poder brando) representa a habilidade de persuasão de um país não pelo uso direto de
força ou coerção, e sim por meio de sua cultura. O Soft Power, ao contrário do Hard Power
(poder bruto), que se baseia na força militar e econômica, ocorre de maneira indireta e se
articula por intermédio de uma estratégia sedutora que faz com que os outros queiram fazer o
que você quer, sem que isso signifique obrigá-los. Como estratégia política, o Soft Power
utiliza formas de atração cultural pelos valores e ideologias do país que provoquem algo
semelhante à admiração. O American way of life é um exemplo bastante claro de como os
Estados Unidos se utilizam do Soft Power com a disseminação dos filmes de Hollywood e de
sua música.
O Japão tem na cultura pop sua forma de Soft Power para com os outros países. Os
animês, mangás, cinema e outros conteúdos de entretenimento compõem o projeto Cool
Japan. O Ministério da Economia, Comércio e Indústria (METI) é o responsável pelo projeto
que foi lançado como estratégia de promoção da indústria criativa japonesa e como ação de
nation branding - políticas de promoção da imagem do país nas relações internacionais
associando-o a uma marca. Aaker (1996)19, citado por Isshiki e Miyazaki (2016), compreende
marca ou brand como um conjunto multidimensional de elementos funcionais, emocionais,
relacionais e estratégicos que, juntos, formam um conjunto de associações na mente do
público.
Tatsumi Yoda, diretor-presidente da DreamMusic, em Tóquio, explica a Martel (2012)
que há cerca de dez anos o Japão se tornou cool, isto é, descolado, e que isso se deve, em
grande parte, ao Jpop - gênero musical, pop music do Japão. Atualmente, depois de um tempo
em que o país priorizou seu mercado interno, o Japão deixou de se preocupar com a imagem
imperialista do passado, reconheceu os méritos de seus produtos culturais, e procura difundi-
los em escala regional e internacional, ao mesmo tempo e por todos os meios possíveis.

O Japão é um país que no passado pouco exportou sua cultura e seus


conteúdos. Efetivamente vendeu seus walkmans, seus telefones portáteis,
seus computadores, suas televisões de tela plana, seus PlayStations 1, 2, e 3,

19
AAKER, David. A. Building strong brands. New York: The Free Press, 1996.
39
mas até a década de 1990 pouco exportou seu cinema, sua música e sua
literatura (MARTEL, 2012, p.275).
Entretanto, os animês, desde os anos 1970, mangás desde os anos 1980, e videogames
sempre foram uma exceção, constituindo-se como setores que já há algum tempo apresentam
números de exportação muito acima das importações. A globalização estimulou o Japão a
mirar o mercado cultural externo, e não se restringir mais ao mercado interno apenas,
possibilidade proporcionada pelo desenvolvimento tecnológico e aceleração das trocas e
fluxos culturais entre os países.
Com o Cool Japan, o Japão busca renovar sua imagem no cenário mundial.
Principalmente com os países asiáticos vizinhos, a postura imperialista do Japão no passado
ainda era uma marca de ressentimento e restrições políticas.
Martel (2012) também confirma que o Japão constatou a saturação de seu mercado
interno e a necessidade de se renovar. Na década de 1990, com a economia em queda e uma
população cada vez mais velha, o país adotou a estratégia de reafirmação de sua identidade
asiática, o que ficou conhecido como "Retorno à Ásia". Foi então que o Ministério da
Economia, do Comércio e da Indústria (METI) reconheceu a importância das indústrias
criativas20 para a economia do país - em vista do sucesso de produtos relacionados à franquia
Pokémon e às animações de Hayao Miyazaki - e priorizou alcançar os países vizinhos.
Quando o fez, o Japão se deu conta de que vizinhos como Taiwan, Xangai e
Cingapura havia alcançado economias tão estáveis quanto a japonesa, classe média educada e
tecnologias avançadas (MARTEL, 2012). Voltar-se para a Ásia significava agora estabelecer
uma nova diplomacia com parceiros e com trocas culturais recíprocas.
O Japão havia percebido que sua afirmação no cenário global agora estava relacionada
aos seus conteúdos culturais e aos meios de comunicação, sendo necessário, uma vez mais,
"inspirar-se no modelo de entretenimento americano e ao mesmo tempo romper com ele."
(MARTEL, 2012, p. 278). Os japoneses concluem que obter poder significa também dispor
tanto dos meios de distribuição de produtos culturais quanto do conteúdo. Nesse sentido,
percebeu-se que com os mangás já haviam conseguido ter alguma vantagem.
Quanto aos mangás, em sua pesquisa, Martel se encontra com Shin'ichiro Inoue, o
presidente do grupo Kadokawa, um dos principais nomes do mercado editorial, que lhe
explica que a cultura japonesa está aberta ao mundo e procura se desenvolver nos mercados

20
Martel defende o uso dessa expressão ao invés de indústrias culturais, uma vez que ele vê que há um
novo capitalismo cultural "avançado" que é global e ao mesmo tempo concentrado, descentralizado;
força criadora e destruidora. Além disso, a cultura, as mídias e a internet tendem a se misturar.
40
internacionais mantendo uma identidade japonesa muito forte, ou seja, que os produtos
japoneses são levados ao exterior da forma como o são, e não adaptados para o gosto do
público externo. Martel (2012), entretanto, aponta que, por mais japonesa que seja, a
Kadokawa adotou uma estratégia de lançar-se numa ofensiva internacional adaptando seus
mangás em conteúdos variados, em outras mídias que cobrissem todos os mercados.

Em grande medida, o sucesso do grupo se explica por essa variação dos


mangás em todos os suportes, estratégia decuplicada atualmente pela
vertente digital, os telefones celulares e as séries de televisão. É o que
Shin'ichiro Inoue chama de "media mix" (no Ocidente, fala-se de
"versioning" ou "media global") (MARTEL, 2012, p.279).
Eiji Ōtsuka, no fim dos anos 1980, publicou uma série de ensaios a respeito dos
padrões de consumo dos jovens no Japão. Já nessa época, ele analisava o potencial para o
futuro desenvolvimento do que os japoneses têm chamado de media mix, que na verdade seria
uma ideia que corresponde, no Ocidente, ao conceito de transmedia storytelling, ou narrativas
transmidiáticas.

2.4 Consumindo a cultura pop japonesa: media mix


Eiji Ōtsuka é um dos escritores mais importantes nos estudos sobre as subculturas dos
animês e mangás e cultura de fãs no Japão. Segundo Steinberg, que traduziu e introduziu o
ensaio World and variation: the reproduction and consumption of narrative, de Eiji Ōtsuka -
publicado no volume 5 da revista acadêmica Mechademia, em 2010 - o temo subukaruchaa
(subculture) no Japão não tem a mesma valência que o termo em inglês subculture, que
quando utilizado nos estudos culturais anglo-americanos pode carregar o sentido de uma
cultura oposicional ou inferior à ideia de cultura. No Japão, o termo está relacionado a um
segmento de mercado ou até mesmo designa uma cultura de fãs em particular, como é o caso
de subcultura otaku ou subcultura animê/mangá - no inglês, estes casos normalmente se
encaixam nos estudos a respeito dos grupos de fãs, denominados fandoms. Ao nos referirmos
à subcultura otaku neste trabalho, relacionamos a esta concepção japonesa.
O ensaio World and Variation é parte de um trabalho etnográfico urbano publicado em
1989, Monogatari shōhiron (A theory of narrative consumption). Esse trabalho fez com que
Ōtsuka desenvolvesse um forte senso analítico sobre os padrões de consumo juvenis e a
percepção de prever o potencial para o desenvolvimento posterior do que no Japão foi
chamado de media mix - muito próximo ao que na América do Norte se convencionou chamar
de narrativas transmidiáticas e sobre o qual Henry Jenkins é um dos principais teóricos.
41
Jenkins (2007) define narrativa transmídia como um processo onde elementos
integrantes de uma ficção se dispersam sistematicamente em vários meios e plataformas com
o objetivo de criar uma experiência de entretenimento unificada e coordenada, ou seja, muitas
mensagens distintas que se configuram independentes entre si, porém, ao mesmo tempo
relacionadas (complementares), que têm uma vida própria e separada, mas que juntas
constroem uma nova informação. Embora o assunto seja discutido anteriormente em outros
contextos, inclusive no cenário musical (transmedia music), Jenkins deu corpo às recentes
discussões sobre transmídia e será discutido também nos capítulos seguintes.
Steinberg (2010) acrescenta que o conceito de media mix - designando a combinação
sinergética de múltiplos tipos de mídia para promover o consumo por meio de commodities -
foi fortemente influenciado pelo modelo composto pela tríade: filme blockbuster - romance -
trilha sonora, desenvolvido por Haruki Kadokawa, no final dos anos 1980, presidente da
Kadokawa Books. Quando o sucesso inicial deste modelo desapareceu e os investimentos
maciços necessários para a produção e promoção dos filmes de Kadokawa desestabilizaram a
Kadokawa Shoten, o vice-presidente da empresa, o irmão mais novo de Haruki, Tsuguhiko,
desenvolveu uma estratégia de media mix, baseada em mercados de nicho, com forte apelo ao
mercado emergente de videogames. O trabalho de Ōtsuka voltado para estes nichos - revistas
orientadas ao público otaku e a sua noção sobre o potencial de uma media mix diferente da
promovida por Haruki, levou-o a ser contratado para o que, na época, era uma subdivisão da
Kadokawa, quando então Ōtsuka desenvolveu sua teoria do consumo de narrativas.
A importância desse trabalho sobre consumo de narrativas ganhou mais evidência por
ser citada no trabalho de Hiroki Azuma, também um importante teórico nos estudos sobre
otaku e culturas midiáticas do Japão contemporâneo. Em diálogo com as proposições de
Ōtsuka, Azuma desenvolveu suas próprias teorias sobre consumo e indústria criativa japonesa.
Seu primeiro livro é chamado Otaku: Japan's Database Animals (lançado no Japão como The
animalization postmodern: otaku and postmodern Japanese society), no qual desenvolve sua
análise de como a cultura tem sido consumida na relação otaku/indústria criativa. Azuma
(2007) retoma a teoria de Ōtsuka ao construir a sua própria, num contraponto de ideias a
respeito do consumo cultural baseado na ausência de narrativas.
Em entrevista concedida a Henry Jenkins (2013) 21 , Marc Steinberg afirma que o
conceito de media mix é central para compreender como a mídia opera no Japão. Inclusive,

21
Henry Jenkins publicou em seu blog uma série de entrevistas realizadas com estudiosos cujos
trabalhos se relacionam com os conceitos de media mix e práticas transmidiáticas. Jenkins realiza uma
entrevista conjunta com Ian Condry, autor de The soul of anime: collaborative creativity and Japan's
42
um dos motivos que o levou a nomear seu livro como Anime's media mix, lançado em 2012, é
o fato de que, desde o início das transmissões de animês na televisão, em 1963, a media mix já
era essencial para sua existência. Ele relembra o caso de Osamu Tezuka, que diante da recusa
das estações de TV em arcar com os custos de produção da série de animê Astro Boy para a
televisão, investiu no licenciamento de sua obra em diversas mídias, incluindo a produção de
brinquedos e o desenvolvimento de games com a imagem de seu personagem. Além do mais,
o animê pode alcançar um público que talvez não leria mangás, expandindo a base de fãs e
balanceando os dois pólos de interesse: o comercial e o interesse dos fãs. Ian Condry, na
mesma entrevista a Jenkins, acrescenta algumas questões que lhe chamam atenção. Como
antropólogo cultural, Condry traz o foco para as pessoas, tanto profissionais produtores
quanto criadores amadores, que formam uma conexão de criatividade colaborativa. Pensar do
ponto de vista colaborativo traz um foco diferente às questões em torno da media mix,
segundo ele.
Jenkins (2013) aproveita para questionar Condry e Steinberg sobre a relação entre
media mix e o conceito ocidental de narrativas transmídia e como a emergência da mediamix
tem mudado a natureza da forma de contar histórias no Japão. Marc Steinberg vê a ecologia
midiática japonesa como central na conceitualização de narrativa transmidiática. Lembrando
de um capítulo do livro Cultura da Convergência, de Jenkins, Steinberg destaca a análise do
autor para a saga Matrix como um claro exemplo transmidiático. Como o próprio Jenkins teria
dito, as irmãs Wachowski, criadoras de Matrix, influenciadas pelo modelo japonês de
distribuição de conteúdos em diversas mídias, desenvolvem a concepção de um universo
expandido de Matrix no caminho de volta de uma viagem ao Japão.
Essa concepção de um universo maior, que os consumidores acessam parte por parte,
foi desenvolvida no Japão com a Kadokawa Books, por Tsuguhiko Kadokawa, Eiji Ōtsuka,
Ryo Mizuno, Tatsuo Sato, Shin'ichiro Inoue e outros, no final dos anos 1980 e início dos anos
1990. Esses editores de revistas e criadores associados à Kadokawa passaram efetivamente de
autores a produtores de media mix. Ōtsuka e Mizuno, por exemplo, criam mangás, ou
escrevem romances, como MPD Psycho22 e Record of the Lodoss War 23 , respectivamente

media success story (2013) e Marc Steinberg, autor de Anime's media mix: franchising toys and
characters in Japan (2012). A enttrevista encontra-se disponível
em:<http://henryjenkins.org/blog/2013/11/media-mix-is-animes-life-support-system-a-conversation-
with-ian-condry-and-mark-steinberg-part-one.html?rq=ian%20condry>. Acesso em: 21 nov. 2017.
22
MPD Psycho ou Multiple Personality Detective Psycho é um seinen mangá, voltado para o público
de jovens adultos, publicado de 1997 a 2016. O roteiro é de Eiji Ōtsuka e as ilustrações são de Shou
43
obras de sucesso de ambos. Eles supervisionam a produção em mídias diversas que são como
fragmentos de um todo. Eles também estavam interessados em incluir os fãs como parte disso,
deixando lacunas nas narrativas para os fãs preencherem. Ao utilizar Evangelion 24 , dos
estúdios Gainax, como exemplo de media mix, Steinberg (2013) afirma que contar histórias
tem focado não só no desenvolvimento em um único meio, e sim, mais em torno do
desenvolvimento de um universo maior e das narrativas menores relacionadas a ele, em outros
suportes midiáticos. Ele observa, então, uma ênfase mais recente no transmídia da América do
Norte, pelo menos parcialmente influenciada pela media mix do Japão. Azuma, em entrevista
ao portal Japan Today (www.japantoday.com)25, em 2009, sobre a publicação de seu livro na
língua inglesa, explica que na media mix não há mais propósito em publicar narrativas de
animê ou de jogos por si mesmas, mas que hoje se produz aquilo que poderá vir a ser
produzido em outros tipos de mercadoria, como brinquedos, por exemplo.
Por outro lado, retomamos a obra de Hiroki Azuma (2009) Otaku: Japan's Database
Animals, na qual argumenta que, desde o final dos anos 1990 até o início dos anos 2000, há
declínios das "grandes narrativas" e uma crescente importância nos personagens que não se
originaram de narrativas. Um exemplo utilizado pelo filósofo em seu livro é a personagem
Digi Charat, conhecida por Dejiko, que não foi criada a partir de uma história específica, mas
foi concebida como mascote da revista For Gamers, em 1998. Seu design é resultado de uma
combinação de vários elementos visuais afetivos (moe) como orelhas de gato, guizos e
uniforme de criada (maid), que a tornaram tão popular entre o público otaku ao ponto de
animê e mangá terem sido produzidos em torno da personagem, finalmente dando-lhe um
contexto narrativo. Outro exemplo mundialmente famoso é da personagem Hatsune Miku (初
音ミク), que é, talvez, conhecida por muitos por ser uma cantora holográfica. Miku foi
lançada em 2007 pela Crypton Future Media e sua voz é resultado de um sintetizador de voz
chamado Vocaloid. A personagem, cujo nome vem da combinação de miku (futuro), hatsu (初

Tajima e a história acompanha o detetive Yosuke Kobayashi que descobre ter múltiplas
personalidades.
23
Record of the Lodoss War foi publicado de 1988 a 1993 e teve um animê produzido em 1990. Escrito
por Ryo Mizuno, era uma série de fantasia, criada inicialmente a partir de sessões de RPG (Role-
playing game), adaptada para a série de mangás.
24
Neon Genesis Evangelion é um mangá de Yoshiyuki Sadamoto, publicado em 1995 e adaptado
também para animê por Hideaki Anno. Evangelion pertence ao gênero ficção/mecha e é ambientado
no futuro atingido por um cataclisma chamado de "Segundo Impacto". Um dos animês mais famosos e
aclamado por fãs, Evangelion, apesar de trazer robôs gigantes, prioriza as relações humanas nas bases
de sua história.
25
A entrevista encontra-se disponível em:<https://japantoday.com/category/features/hiroki-azuma-the-
philosopher-of-otaku-speaks>. Acesso em 21 nov. 2017.
44
primeiro) e ne (音 som) - resultando em "Primeiro som do futuro" - foi a primeira Vocaloid da
Crypton e já realizou vários shows pelo Japão, reunindo um grande número de fãs.
Steinberg e Condry (2013) concordam que personagens e mundos vêm primeiro e as
narrativas são muitas vezes construídas posteriormente para esses personagens e seus
universos. Steinberg ainda afirma que considera o Japão um precursor importante de como
Hollywood constrói seus universos, havendo uma conexão importante entre transmídia e
media mix. Jenkins então pondera: "Para eles, a parte-chave do planejamento eram os
personagens e os mundos, que idealmente seriam distribuídos em uma série de histórias. O
design é muito mais sobre personagens e as regras do mundo." (CONDRY, em entrevista
concedida a JENKINS, 2013, tradução nossa)26.
Hiroki Azuma, lembrado pelos pesquisadores, é filósofo e crítico cultural que, nos
últimos anos, vem se destacando como um dos principais nomes nos estudos sobre subcultura
e cultura popular contemporânea no Japão, especialmente em animê e otaku. Em 2001,
Azuma publicou seu livro Otaku: Japan's database animals, que no Japão é intitulado
Dōbutsuka suru posutomodan: otaku kara mita Nihon shakai (Animalizing postmodern: otaku
and postmodern Japanese society), no qual seu foco foi a subcultura otaku que emergiu no
Japão nos anos 1970 e que deu origem a uma forte indústria de entretenimento no qual são
produzidos mangás, animês e videogames. A subcultura 27 otaku, para Azuma, apresenta a
emergência de uma nova estrutura de banco de dados que ele relaciona com um novo modo
de recepção cultural que ele apelidou de "animalização".
Analisando o indivíduo otaku como consumidor e produtor de bens culturais, Azuma
desenvolve uma nova compreensão de nossa situação sociocultural que se dá historicamente
após a ruptura e desintegração das ideologias modernas (ABEL; KONO, 2009)28 . Azuma
(2009) analisa o que restou no lugar deixado pela ausência das grandes narrativas e os efeitos
desse processo no comportamento humano. O autor se ampara na abordagem do filósofo
francês Jean-François Lyotard sobre o declínio das grandes narrativas, consideradas neste

26
"For them, the key part of the planning was the characters and the worlds, which ideally would be
spun off into a range of stories. The design is much more about characters and the rules of the world.".
(CONDRY, 2013). Em entrevista concedida a Henry Jenkins. Disponível em:<
http://henryjenkins.org/blog/2013/11/media-mix-is-animes-life-support-system-a-conversation-with-
ian-condry-and-mark-steinberg-part-one.html?rq=media%20mix>. Acesso em 21 nov. 2017.
27
Subcultura, para Azuma, é compreendida como um movimento e não como um objeto ou um
conjunto de coisas (LAMARRE, 2007) - LaMarre, ao introduzir o ensaio de Azuma para a revista
Mechademia.
28
Introdução dos tradutores do livro Otaku: Japan's database animals.
45
caso unidades abrangentes ou sistemas que visam à ordenação de membros da sociedade em
um todo unificado, consolidadas na modernidade, do século XVIII até meados do século XX.

Esses sistemas se expressaram, por exemplo, intelectualmente como ideias


de humanidade e razão; politicamente, como ideologias revolucionárias e do
Estado-nação; e, economicamente, como o primado da produção. A grande
narrativa é um termo geral para esses sistemas (AZUMA, 2009, p.28,
tradução nossa)29.
Azuma (2009) propõe um modelo de "animais de banco de dados" como um novo tipo
de consumidor na era da informação pós-moderna. Esses consumidores podem ser assim
considerados pois, ao invés de primar por uma forma de consumo que anseia pela busca de
um significado mais profundo no sentido da existência, o "animal de banco de dados" se
satisfaz ao classificar dados de produtos culturais e estruturar bancos de dados capazes de
armazenar, catalogar e disponibilizar seus resultados (ABEL; KONO, 2009). Banco de dados
neste caso não se trata apenas de gerenciamento de dados, mas de uma metáfora para a
cosmovisão, uma grand nonnarrative (grande não-narrativa) que carece das estruturas e
ideologias (grandes narrativas) que costumavam caracterizar a sociedade moderna.
A internet é uma maneira de visualizar a mudança de narrativa para banco de dados.
No sentido desta afirmação, Azuma (2007) aponta a internet como nada mais do que um vasto
banco de dados em que pode-se chegar a vários mundos diferentes de acordo com a forma de
entrada de dados.

Essa "base de dados" do mundo é apoiada economicamente pela


globalização e tecnologicamente pela disseminação de tecnologia da
informação (TI). Todos parecem sentir intuitivamente que a base de dados,
globalização, informatização, pós-modernização e diversificação cultural são
apenas partes de uma transformação maciça. Mas a atenção à pós-
modernização foi tomada de forma insuficiente quanto ao lado cultural da
mesma mudança tecnoeconômica (AZUMA, 2007, p.181, tradução nossa)30.
Azuma dialoga constantemente com a obra de Ōtsuka. Na sua concepção, o trabalho
de Ōtsuka é tão importante agora quanto nas décadas de 1980 e 1990, época de sua publicação.
Na ausência de narrativas que apresentassem a sociedade como um todo, o desejo por elas
persistia e, como conseqüência, grandes narrativas forneceram o segundo plano para várias

29
These systems became expressed, for instance, intellectually as the ideas of humanity and reason,
politically as the nation-state and revolutionary ideologies, and economically as the primacy of
production. Grand narrative is a general term for these systems.
30
Such a "databaseification” of the world is supported economically by globalization and
technologically by the spread of information technology (IT).Everyone seems to feel intuitively that
databaseification, globalization, informatization, postmodernization, and cultural diversification are
but parts of one massive transformation. But insufficient attention has been drawn to
postmodernization as the cultural flip side of the same techno-economic shift (AZUMA, 2007, p.181).
46
obras relacionadas aos otakus que se desenvolveram naquele momento. As obras individuais
apenas apresentavam "pequenas narrativas", e o consumidor era o responsável pela leitura das
grandes narrativas no fundo das obras individuais, no sentido de um universo ficcional mais
amplo. Com Mobile Suit Gundam31, por exemplo, lançado como série animada para TV, no
final da década de 1970 - época de muito sucesso das produções com a temática de ficção
científica e mechas (robôs) - era como se esse universo de ficções espaciais tivesse uma
existência independente, em que, como uma parte vendia bem, novas séries se desenvolviam
consequentemente para aproveitar o momento de sucesso (AZUMA, 2007).
O posicionamento de Azuma frente à discussão de "consumo narrativo" de Ōtsuka é
de que, após 1995, esse conceito já não tem tanto peso como influência nos hábitos de
consumo otaku. Neste caso, ele propõe pensar no cenário que ele descreve, com DiGi Charat,
por exemplo, e a liderança no mercado desse consumo que ele chama de "consumo de banco
de dados". Ao invés das grandes narrativas de seu interlocutor, ele afirma que o plano de
fundo do consumo otaku consiste no conjunto de elementos afetivos com os quais esses
consumidores se identificam.

2.4.1 Um pouco sobre o fenômeno otaku

Ao se colocar dessa forma, Azuma (2007, 2009) afirma que as abordagens sobre os
otakus até então se prendiam muito às discussões psicológicas e comportamentais, deixando
de lado as perspectivas da sociedade e definindo os otakus como um gueto socialmente
isolado. O que ele propõe, então, é compreendê-los como um grupo que é mais sensível às
transformações sociais e por isso é como uma personificação vexatória de problemas que
tanto o Japão quanto outros lugares têm de encarar hoje em dia.
Azuma (2014) explica que uma das coisas que geralmente é dita a respeito do otaku é
que ele representa uma retirada ou fuga do espaço público. Ao não demonstrar interesse por
questões sociais, o otaku se fecha no território de seus hobbies. Segundo Azuma, isso
acontece quando a sociedade de consumo atinge um certo nível de "maturação" em que não
há objetivos políticos ou sociais maiores.

O Japão atingiu esse nível de maturação na década de 1970. Minha


afirmação é que esse estado é semelhante ao que se denomina pós-
modernidade na sociologia e na filosofia. Claro, a pós-modernidade é um
conceito complicado, e isso não significa simplesmente um retiro para o

31
Mobile Suit Gundam (機動戦士ガンダム, Kidō Senshi Gundam), de Yoshiyuki Tomino, série de
mangá (1979) e animê (1980) do gênero mecha.
47
privado. O que estou dizendo é que não há uma grande narrativa
compartilhada por todos e que mantém a sociedade em conjunto. O declínio
dessa grande narrativa coincide com a pós-modernidade (AZUMA, 2014,
p.171, tradução nossa)32.
Até os anos 1970, o Japão esteve unido através das experiências compartilhadas e
consequentes da Segunda Guerra Mundial, como os esforços para a reconstrução do país. Já
na década de 1970, com a estabilidade, as pessoas começaram a perder o interesse pela grande
narrativa que unificava a sociedade, e se separaram para buscar outras narrativas. Aqueles que
começaram a perseguir grandes narrativas ficcionais através do animê ficaram conhecidos
como otaku (AZUMA, 2014).
O fenômeno otaku normalmente habita dois polos muito nítidos. Por um lado, sua
concepção negativa que associa otaku a uma pessoa retraída, com dificuldades para
estabelecer vínculos sociais e que mantém hábitos de consumo extremos. Por outro lado, a
visão mais comum do Ocidente, principalmente no Brasil, é a de otaku como aquele que é fã
de cultura pop japonesa, o leitor de mangás, o público de animês, os jogadores de games. A
respeito dos otakus, Sônia Luyten (2011) observa que o termo se trata de um modismo
linguístico utilizado atualmente como sinônimo de "fanático", afastando-se de seu significado
original. O otaku do mangá pode tanto ser analisado por seu lado negativo quanto pelo
positivo, dependendo do caso e do grupo de aficionados. A concepção de otaku é similar ao
nerd e o geek nos Estados Unidos como representações de fandoms (HILLS, 2002).
O termo otaku (お宅) originalmente na língua japonesa possui os significados de
habitação ou lugar onde se vive. Pode também referir-se a um tratamento impessoal de
distanciamento que é utilizado pelos japoneses quando dirigem-se a alguém, sem, contudo,
estabelecer uma relação mais profunda (BARRAL, 2000; SATO, 2012). Em 1983, o ensaísta
Akio Nakamori utilizou a palavra otaku em artigo para a revista de quadrinhos Burikko, no
qual conceituava o fenômeno que atingia os jovens da época. Azuma (2009) completa essa
informação, indicando se tratar da designação de uma nova subcultura que emergia nos anos
1970. Infelizmente, o termo ganhou visibilidade quando foi relacionado, em 1989, ao
assassinato de quatro meninas por Tsutomu Miyazaki, de 27 anos na época. Tsutomu foi
apresentado pelas matérias que noticiavam o caso como um típico otaku. Depois desse caso, o
termo se tornou um tabu.

32
Japan reached that level of maturation in the 1970s. My assertion is that this state is similar to what
is called postmodernity in sociology and philosophy. Of course, postmodernity is a complicated
concept, and it doesn’t simply mean a retreat to the private. What I am saying is that there is no grand
narrative that is shared by everyone and holds society together. The decline of that grand narrative
coincides with postmodernity (AZUMA, 2014, p.171).
48
"De repente a palavra perdeu o romantismo. Ser otaku tornou-se sinônimo de 'ser um
assassino perverso em potencial', capaz dos piores crimes para satisfazer suas paixões."
(BARRAL, 2000, p.28).
Apesar disso, a palavra otaku sobreviveu a essa associação extrema, não sem muito
esforço, como mostra Katekawa (2016) ao reunir uma série de eventos criminosos que
culpavam otakus, mesmo que não houvesse nenhuma relação com eles, mostrando o
enraizamento preconceituoso do termo na sociedade.
Katekawa (2016), em sua pesquisa, aponta que o fenômeno otaku geralmente é
associado a dois pontos de vista distintos: o primeiro "é a da cultura pop japonesa com
histórias em quadrinhos, desenhos animados, jogos eletrônicos, super-heróis, monstros
gigantes e muitos outros produtos que agradam a pessoas de todas as idades." (KATEKAWA,
2016, p.11).33 O segundo ponto, no entanto, é ilustrado por uma pessoa trancafiada em seu
próprio quarto, cercada por objetos colecionáveis e revistas que a afasta de quem não
compartilha dos mesmos interesses.
É válido analisar esses dois pontos de vista, pois ambos se relacionam, de alguma
maneira, na formação de uma cultura pop nipo-brasileira com a qual trabalhamos aqui. No
Brasil, as discussões sobre o fenômeno otaku no meio acadêmico têm aumentado, como
aconteceu, por exemplo, na Europa e nos Estados Unidos. Acompanhando a cultura pop
japonesa e a contaminação de produtos como mangás e animês no cenário mundial
globalizado, o tema otaku também ganhou mais visibilidade.
Sob o ponto de vista mercadológico, Katekawa (2016) apresenta dados publicados
pelo Nomura Research Institute em 2004, que objetivava afirmar o crescimento deste grupo
específico de consumidores a níveis relevantes para a indústria cultural.

Diferente de outros consumidores, os indivíduos otaku não se limitavam a


apenas um campo de consumo e constantemente migravam a outros para
consumir produtos relacionados ao seu interesse original. Por possuírem um
grande conhecimento de diferentes campos, os indivíduos otaku puderam ser
empregados para criar novos conceitos de mercado, testar a qualidade dos
produtos e divulgá-los em seus grupos, revitalizando a indústria do
entretenimento (KATEKAWA, 2016, p.55).
Uma das questões também levantadas nos estudos sobre comunidades de fãs é o
conceito de fandom transcultural abordado por Adriana Amaral e Larissa Tassinari (2016)
com base nos estudos de Chin e Morimoto (2013). Os fandoms transculturais consistem em
grupos específicos cujas afinidades transpõem fronteiras culturais e onde produtos, sejam eles

33
Este aspecto é relacionável tanto para japoneses quanto pessoas de outros países.
49
textos ou objetos de outras culturas sejam reapropriados em outro lugar de acordo com os
meios e contextos culturais disponíveis. Chin e Morimoto (2013) discutem, neste contexto
global de circulação de informações proporcionado pelo digital, como ainda se faz necessário
estruturar uma "maneira mais efetiva de analisar as diferenças sociais e culturais nas práticas
de fãs através das fronteiras, tanto geográficas quanto culturais." (CHIN; MORIMOTO, 2013,
p.105).
Os organizadores do livro Fandom unbound: otaku culture in a connected world,
Mizuko Ito, Daisuke Okabe e Izumi Tsuji (2012)34 observam que, à medida que o fenômeno
otaku se tornou mais internacional, passou lentamente a ser encarado sob uma luz mais
positiva. Mizuko ainda acrescenta que pensa otaku como aquele que habita o espaço entre o
que nos Estados Unidos é associado a cultura de fãs e geeks. É um geekdom (em menção a
fandom) centrado na mídia e que é fortemente orientado ao remix, ao DIY35, à tecnologia
digital e à comunicação P2P (Peer to peer). Também não se trata mais de um fenômeno
isolado, mas sim que se manifesta em vários lugares do mundo, ainda mais com o advento da
internet e das atividades de fãs nessa plataforma. Na segunda metade dos anos 2000, no Japão,
com a estratégia de Cool Japan, o fenômeno otaku se tornou parte desse cenário de promoção
da cultura pop japonesa no cenário global e, sendo assim, parte da suavização da ideia de
otaku também está relacionada com as transformações nessa visão que a sociedade tem de
consumo.
Mesmo que trabalhe no contexto norte-americano, Jenkins (2015) também aponta que
inicialmente os fãs eram ridicularizados e representados como pessoas "obcecadas por
trivialidades" (p.31). O autor nos informa que muitos desses estereótipos parecem estar
atrelados ao termo "fã" desde que foi concebido: na língua inglesa, o termo fan deriva da
palavra fanatic (fanático), cuja origem vem da palavra latina fanaticus que, além de significar
devoto, ou servo do templo, também recebia a conotação negativa de pessoas em frenesi. Já a
abreviatura fan apareceu pela primeira vez no final do século XIX em matérias esportivas de

34
Entrevista a Henry Jenkins. Otaku culture in a connected world: an interview with Mizuno Ito,
Daisuke Okabe and Izumi Tsuji, 2012. Disponível
em:<http://henryjenkins.org/blog/2012/04/otaku_culture_in_a_connected_w.html?rq=otaku>. Acesso
em 10 nov. 2017.
35
DIY é a sigla para a expressão Do It Yourself, que pode ser traduzida como Faça Você Mesmo.
Refere-se à prática de construção, reparos, melhoramentos e artesanatos que podem ser realizados por
qualquer um sem a ajuda de profissionais ou especialistas. Tornou-se nos últimos anos uma tendência
de comportamento que estimulava a economia doméstica por meio do exercício da criatividade tanto
para consertos quanto para produzir artesanatos para venda. No YouTube (www.youtube.com) é
possível encontrar diversos vídeos de tutoriais, mas a rede social Pinterest (https://br.pinterest.com/),
de compartilhamento de fotos, é a mais conhecida para esse tipo de referência e inspiração.
50
jornais já mencionando os "devotos" torcedores de esportes e de entretenimento comercial.
Assim como as comunidades de fãs descritas por Jenkins, que deixaram as posições
marginalizadas na indústria cultural para o centro das atenções de mercado, os indivíduos
otakus, embora figurem como parte de um fenômeno bastante específico do Japão, também
são exemplos de como se dão as dinâmicas culturais que os conduziram à aceitação da cultura
dominante.

51
3. CAPÍTULO 2: CULTURA POP JAPONESA: MANGÁS, ANIMÊS,
COSPLAYS E LOLITAS
Como pudemos acompanhar no capítulo anterior, a cultura pop japonesa tem sido
essencial para a reinvenção da imagem do Japão no cenário cultural global.

Em suma, o pop japonês é onipresente, caloroso e cada vez mais influente.


Uma vez rotineiramente ridicularizado como um poder unidimensional, um
peso pesado na produção e exportação do "hard" dos automóveis, eletrônicos
e outros produtos manufaturados, mas um ninguém em termos de "soft" em
produtos e influências culturais, o Japão agora contribui não apenas para
nossas vidas materiais, mas também para nossas vidas culturais cotidianas
(CRAIG, 2000, p.5, tradução nossa)36.
Condry (2007) acredita que o poder real da cultura popular japonesa é fazer com que
estereótipos pareçam menos atraentes, forçando-nos a fazer perguntas mais complexas sobre
diferenças culturais, de modo a compreender melhor o vasto universo que os mangás e animês
serviram como porta de entrada. O interesse pelos bens culturais do pop japonês desperta a
curiosidade e impele a busca por informações a respeito de hábitos da sociedade japonesa, sua
história e até mesmo das religiões do país, não se limitando à superficialidade de algumas
imagens pré-concebidas com base em elementos tradicionais japoneses que outrora
provocaram o encanto do Ocidente, no século XIX.
Craig (2000) afirma que, entre os países vizinhos, a cultura pop japonesa tem uma
ressonância que é baseada nas similaridades étnicas e de valores, gostos e tradições
compartilhadas que explicaria sua popularidade. Sabemos que, apesar de sua afirmação, entre
os países vizinhos como a Coreia, o Japão enfrentou várias restrições aos seus produtos
culturais como consequência ao ressentimento da trajetória histórica do Japão imperialista. A
emergência de uma cultura pop característica do Extremo Oriente não foi um processo
harmônico (ALBUQUERQUE; URBANO, 2015). Em consonância com as colocações de
Condry (2007), Craig (2000) observa que para os consumidores ocidentais a atração ao pop
japonês não vem dessa familiaridade, mas das diferenças.

O mesmo pode ser dito de outras formas de pop japonês, e a chance de


descobrir e explorar universos mentais construídos a partir de fundações
totalmente independentes da nossa é certamente parte de sua atração. Há
também um tipo de complementaridade "opostos se atraem" entre a cultura
36
In short, Japan pop is ubiquitous, hot and increasingly influential. Once routinely derided as a one-
dimensional power, a heavyweight in the production and export of the "hard" of automobiles,
electronics, and other manufactured goods but a nobody in terms of the "soft" of cultural products and
influence, Japan now contributes not just to our material lives, but to our everyday cultural lives as
well (CRAIG, 2000, p.5).
52
pop japonesa e a ocidental que dá certos aspectos de um valor agregado ao
outro. Na medida em que elementos que são abundantes na cultura pop
japonesa - história complexa e desenvolvimento de caráter; retratos francos
da natureza humana; sonhos e otimismo romântico; perspectivas das
crianças; um enfoque nas relações humanas, no trabalho e na força mental -
são mais escassos na cultura pop ocidental, os consumidores ocidentais
acham que o pop japonês enriquece sua dieta de cultura pop, dando-lhes uma
gama mais completa de formas, temas e pontos de vista para aproveitar e
talvez serem influenciados (CRAIG, 2000, p.17, tradução nossa)37.
Neste capítulo, apresentamos os produtos da cultura pop japonesa com que
trabalhamos. Abordamos primeiro o contexto de seu surgimento e cenário atual no Japão, para
só então retomarmos todos eles em relação a como se manifestam no Brasil, no capítulo
seguinte.

3.1 Mangá
Os mangás, como são chamadas as histórias em quadrinhos do Japão, são um dos
elementos mais representativos da cultura pop japonesa. Muito mais familiares ao público
ocidental nas últimas décadas, os mangás também estão relacionados à história e à cultura do
Japão. Segundo Mark MacWilliams (2008), no Japão, os quadrinhos refletem tanto a
realidade quanto os mitos, crenças e fantasias que os japoneses constroem a respeito de si, sua
cultura e as referências exteriores. A história dos mangás mostra, então, que são como um
reflexo de como a sociedade japonesa se reergueu e alcançou sua atual configuração.
Jaqueline Berndt (2012), no entanto, alerta que essa abordagem do mangá como um espelho
da sociedade japonesa pode ser bastante problemática. Os mangás são concebidos como obras
ficcionais de entretenimento e, por essa razão, há limites para o quanto de uma mensagem
social pode ser lida neles. Para ela, os estudiosos que hoje trabalham com mangá precisam
entender, também, o papel das editoras e os diferentes tipos de leitores existentes, tendo em
mente que há diferenças entre as nuances captadas pelos leitores regulares de mangá e aqueles
em que os estudiosos se concentram.

37
The same can be said of other forms of Japan pop, and the chance to discover and explore mental
universes built up from foundations entirely independent of our own is surely part of its lure. There is
also an "opposites attract" sort of complementarity between Japanese and Western pop culture which
gives certain aspects of one added value in the other. To the extent that elements that are abundant in
Japanese pop culture - complex story and character development; frank portrayals of human nature;
dreams and romantic optimism; kids' perspectives; a focus on human relations, work, and mental
strength - are scarcer in Western pop culture, Western consumers find that Japan pop enriches their
pop culture diet, giving them a fuller range of forms, themes, and viewpoints to enjoy, and perhaps to
be influenced by (CRAIG, 2000, p.17).
53
Luyten (2011), cujos trabalhos acadêmicos sobre mangás foram pioneiros e seguidos
por autores como Gravett e Moliné, evidencia que a palavra mangá tem o significado não
apenas de história em quadrinhos, mas também abarca revista de história em quadrinhos,
caricatura, cartum e até mesmo desenho animado. Moliné (2006) acrescenta que a palavra
abrange muito mais, servindo para designar toda a maneira de ver a narrativa gráfica sob um
ponto de vista totalmente distinto do ocidental, podendo ser aplicado para descrever a
indústria editorial em segmentos bastante distintos dos utilizados na Europa ou América.

Os mangás não são quadrinhos, pelo menos não como as pessoas os


conhecem no Ocidente. Os japoneses libertaram a linguagem dos quadrinhos
dos limites dos formatos e temas da tira diária do jornal ou das 32 páginas
dos gibis americanos e expandiram seu potencial para abranger narrativas
longas e livres, feitas para ambos os sexos e quase todas as idades e grupos
sociais (GRAVETT, 2006, p.14).
A partir do século XX, além do conhecido papel de exportador de tecnologia de ponta
e eletroeletrônicos, o Japão também se projetou pelo mundo por meio de suas histórias em
quadrinhos e animações. Atribui-se a Rakuten Kitazawa (1876-1955) a criação dos primeiros
quadrinhos seriados com personagens regulares no Japão e a utilização do termo mangá para
designar as histórias em quadrinhos japonesas, em 1902. Entretanto, foi Katsushika Hokusai
(1760-1849), famoso gravurista de ukiyo-e, que inicialmente utilizou o termo mangá para uma
série de obras divididas em 15 volumes denominadas Hokusai Manga, entre 1814 e 1849.

Então o que a palavra mangá pode ter significado para o artista Katsushika
Hokusai em 1814, quando ele inventou o termo? Significava rascunhos mais
livres, inconscientes, nos quais ele podia brincar com o exagero, a essência
da caricatura. Hokusai nunca incluiu a narrativa em seus rascunhos mas, se
estivesse vivo hoje, poderia reconhecer no mangá moderno um pouco do
gosto pelas expressões grotescas, pela comédia física e pelo desenho sem
inibições (GRAVETT, 2006, p.25).
O termo mangá (漫画), nos informa Schodt (2012), é composto pelos ideogramas 漫
(man que significa involuntário ou "a despeito de si mesmo") e 画 (ga que significa imagens)
o que resultou na tradução para "imagens irresponsáveis". Gravett (2006) alerta que a palavra
mangá foi introduzida na língua inglesa com uma carga negativa em decorrência desta
definição dada por Schodt em seus estudos, em 1983 (ano da primeira edição de
Manga!Manga!). Ao completar que, curiosamente, o ideograma man também tinha um
significado secundário de "moralmente corrupto", Schodt involuntariamente influenciou uma
definição de viés moral que foi divulgada à exaustão pela mídia e pelos críticos da área,
estigmatizando o mangá no Ocidente (GRAVETT, 2006).

54
Para os quadrinhos, a absorção de novas ideias também foi essencial para a
composição do mangá moderno a partir da seleção de formatos e referências ocidentais, que
entraram em peso no período pós-guerra, e a correspondente adaptação para seu próprio gosto
de acordo com elementos do cotidiano e realidade japonesa, desenvolvendo um estilo único,
que posteriormente se destacou das produções europeias e americanas e possibilitou que o
mangá se firmasse nos mercados editoriais criando raízes entre leitores de vários países,
principalmente no Brasil, que possui a maior colônia japonesa fora do Japão.
Até entrarem em contato com os chineses, os japoneses não possuíam uma linguagem
escrita, desenvolvendo-a a partir de desenhos utilizados nas representações chinesas do
mundo ao redor deles. Junto do kanji, que consiste na escrita ideogramática, os silabários
hiragana e katakana constituem a linguagem escrita do Japão. Alguns tipos de kanji
conservam suas formas pictográficas, assemelhando-se muito com os objetos que representam
(ROWLEY, 2004). Schodt (2012) atribui à escrita ideogramática, que une imagem e palavras,
o desenvolvimento de uma predisposição dos japoneses às formas visuais de comunicação
que determinaria o domínio da indústria dos mangás no Japão, porém podemos acrescentar à
sua afirmação que, ao absorverem sutras budistas chineses, os japoneses acrescentavam
desenhos à escrita textual aproximando-a do âmago da sociedade japonesa e esta associação
entre imagem e verbo é distinta da questão ideogramática originariamente chinesa.

A predisposição à forma visual de comunicação em decorrência da escrita


foi citada há mais de 50 anos pelo cineasta russo Sergei Eisenstein, que
percebeu uma ligação entre os ideogramas e o que ele chamou de natureza
cinemática da cultura japonesa. Segundo ele, o processo de combinação de
vários ideogramas pictográficos para expressar ideias complexas era uma
forma de montagem que influenciou todas as artes japonesas e o ajudou
também a entender o princípio de montagem de filmes (LUYTEN, 2011,
p.23).

Figura 3 - Shōkei moji (kanji pictográfico) são kanjis que se assemelham às formas que
representam.

Fonte: Mitamura e Mitamura, 1997.

55
Além do Shōkei moji há ainda outras categorias de kanji: shiji moji (ideogramas
simples); kaii moji (ideogramas compostos - associações de shōkeis); keisei moji
(fonosemântico) como a maior categoria; tenchū moji (derivativos); e kasha moji
(empréstimos fonéticos).
Moliné (2006) confirma que no Japão o mangá naturalmente pode ser encontrado fora
de seu segmento, ou seja, configura-se desde em um painel publicitário até em placas e
manuais de instruções, explicando as razões do Japão ser considerado a civilização da
imagem na qual os japoneses, hoje em dia, estariam habituados a pensar sob a forma da
linguagem dos mangás. (Figura 4)

Figura 4 - Cartazes de boas maneiras do Metrô de Tóquio criados pelo artista gráfico Bunpei
Yorifuji em 2009.

Fonte: Brett Bull, 2009.

O alcance do mangá no formato que conhecemos atualmente se deve a uma série de


fatores editoriais, mas em traço e conteúdo é necessário citar as contribuições do desenhista
Osamu Tezuka (1928-1989), que dedicou 40 anos de sua vida aos quadrinhos e tornou
bastante popular o visual de personagens com olhos grandes, muito característicos das
produções japonesas até hoje, principalmente nos shōjo mangá (revistas femininas), como por
exemplo em uma de suas produções mais famosas: A princesa e o cavaleiro (Ribon no kishi -

56
リ ボン の騎士 ), publicada em 1953, com sua personagem principal, princesa Safiri. A
história sobre uma princesa que precisa se passar por rapaz foi a primeira investida de Tezuka
no gênero de mangá para garotas.
Um dos aspectos mais peculiares do mercado editorial de mangás no Japão é a riqueza
e diversidade de tipologias e temas abordados, contemplando uma variedade muito grande de
leitores. A indústria de mangás, originalmente focada nas revistas para garotos, expandiu a
produção para revistas adolescentes e femininas, o que permitiu a segmentação em outras
categorias que tinham por base gênero e idade (KINSELLA, 2000). As classificações
principais desta base são: kodomo, para o público infantil; shōnen, destinado aos meninos;
shōjo, destinado às meninas; seinen, desenvolvido para rapazes ou jovens homens adultos; e
josei, voltado para jovens mulheres adultas. A partir desta raiz principal emergem outras
diversas classificações que, todavia, não são rígidas, ou seja, há temas que se juntam numa
mesma história e que podem vir a gerar novas categorias ou variações e mutações de histórias
difíceis de encaixar em alguma classificação.

3.1.1 Uma breve abordagem das principais divisões do mangá

Kodomo: as histórias voltadas para o público infantil (a palavra kodomo significa


criança, em japonês) normalmente apresentam histórias divertidas e educativas de enredos
simples para compreensão, em geral trazendo lições e ensinamentos, como por exemplo
Doraemon, citado anteriormente, de 1969, de autoria de Fujio F. Fujiko. O nome do
personagem principal é inspirado em um doce muito popular no Japão, o dorayaki, e a história
trazia Doraemon, um gato-robô do ano de 2112, que viaja no tempo para ajudar um menino
chamado Nobita a enfrentar os problemas cotidianos. A função primordial de Doraemon era
ser um professor amigável para as crianças.
Shōnen: destinado ao público infanto-juvenil masculino, dos 10 aos 17 anos, embora o
público de shōnen mangá seja bastante abrangente, agradando meninas e adultos. A principal
característica do shōnen é uma história de aventura que pode ser protagonizada por um herói,
embora existam muitas variações dos temas que podem incluir esportes, comédia e até mesmo
romances. Os mangás para meninos representam o setor de maior vendagem no Japão e é
também a categoria com os títulos mais propagados no Ocidente, como Dragon Ball (ドラゴ
ンボール - Doragon Bōru, de 1984) de Akira Toriyama; Cavaleiros do Zodíaco (聖闘士星

57
矢 Seinto Seiya ou Saint Seiya, de 1986), de Masami Kurumada; e os atuais Naruto (1999), de
Masashi Kishimoto e One Piece (ワンピース - Wan Pisu, de 1997), de Eiichiro Oda.
Shōjo: destinado ao público feminino, o shōjo mangá abarcaria também as idades entre
10 a 17 anos, mas novamente, trazem histórias que agradam muito um público mais amplo e
mais velho. As tramas, na maioria dos casos, abordam as inseguranças femininas, romances
colegiais e amizades que foquem os sentimentos típicos da adolescência e muito drama.
Podemos incluir,junto do clássico de Tezuka - A Princesa e o Cavaleiro - previamente citado,
o também clássico A Rosa de Versalhes (ベルサイユのばら Berusaiyu no Bara ou Versailles
no Bara), também conhecido como Lady Oscar de Ryoko Ikeda, lançado em 1972. Situando a
trama durante a Revolução Francesa, Ikeda mistura ficção e história ao apresentar a rainha
Maria Antonieta e Oscar, garota que foi criada como um rapaz segundo a vontade de seu pai
de fazê-la ascender ao posto de capitã da Guarda-Real. Segundo Gravett (2006), a exploração
da flexibilidade dos limites dos sexos, neste caso, de amores proibidos, permitiu a abordagem
de questões de identidade muito importantes ao público feminino.
Seinen e Josei: correspondem às categorias orientadas ao público jovem adulto,
masculino e feminino respectivamente. São classificações de menor impacto do que as duas
anteriores (shōnen e shōjo), mas a categoria Seinen, por exemplo, tem ganhado cada vez mais
espaço entre o público leitor ocidental com mangás como Death Note ( デ ス ノ ー ト -
Desunōto, lançado em 2003), escrito por Tsugumi Ohba e ilustrado por Takeshi Obata, que,
além do animê, foi adaptado para o cinema japonês (filmes em live-action, ou seja, com atores
reais, em 2006) e americano (2017). Death Note traz as características de enredos seinen:
histórias mais maduras e dramáticas, com tramas que muitas vezes trazem violência e críticas
sociais, além de temas sexuais. O josei, versão adulta do shōjo, por sua vez, traz enredos mais
complexos e próximos do cotidiano feminino. Ao conquistar mais liberdade para expressar a
sexualidade nos quadrinhos para mulheres, na década de 1980, quase um quarto dos josei
mangá trazia algum conteúdo erótico (GRAVETT, 2006). Outros desdobramentos adultos
dessas categorias seriam os mangás Yuri (relacionamentos amorosos entre mulheres) e Yaoi
(relacionamentos amorosos entre homens).
Hentai e Ecchi: a palavra hentai em japonês está relacionada ao sentido de comportar-
se de maneira estranha ou anormal, e é também a denominação de mangás com conteúdo
erótico. No Japão, o termo se aplica mais especificamente às produções com conteúdo sexual
extremo, mas, no Ocidente, todo mangá ou animê com qualquer conteúdo erótico ou
pornográfico é considerado hentai. Ecchi ou etchi (que corresponde à pronúncia da letra H
58
pelos japoneses) é a abreviação da palavra hentai e significa obsceno, relacionando-se com
mangás e animês que contêm temas eróticos e sensuais que não chegam a ser considerados
pornográficos. Embora temas sexuais sejam recorrentes nos mangás josei e seinen, a produção
de hentais exclusivamente de conteúdo adulto explícito é, segundo Gravett (2006), restrita às
revistas de menor alcance, com distribuição ruim ou mesmo amadoras (dōjinshi). Até início
da década de 1990, a representação do sexo nos mangás devia ser adequada ao artigo 175 do
Código Penal japonês, que proibia a distribuição, venda ou exposição de material considerado
indecente, embora esta fosse uma definição bastante vaga. Se contrários à proibição,
comerciantes, e consequentemente editores, estavam sujeitos à aplicação de multas pesadas.
Existem ainda outras diversas categorias como, por exemplo, Spokon (スポコン -
supōkon), derivados dos shōnen mangá, que contam histórias que abordam modalidades
esportivas. Mahō shōjo (魔法少女 - meninas mágicas), que deriva do shōjo mangá, trazem
aventuras com meninas que possuem poderes mágicos. Mangás com temas históricos, como
Lobo Solitário (子連れ狼, Kozure Ōkami), criado por Kazuo Koike e ilustrado por Goseki
Kojima, de 1970. Ambientado no Japão feudal do Período Edo (1603-1868), tem como
protagonista Ittō Ogami, carrasco do xogum que é injustamente acusado de traição. Foi o
primeiro mangá publicado no Brasil, em 1988, pela editora Cedibra.
Inseridas nestas categorias, ou muitas vezes em categorias híbridas com temas que se
juntam e incorrem na mesma obra,os personagens também possuem singularidades que
facilitam a identificação e aproximação com o público leitor. Passíveis de falhas e evoluções
que se dão com mudanças psicológicas que são desenvolvidas ao longo das tramas, os
personagens conseguem também cativar o público ocidental.
"O leitor se identifica com os heróis porque eles retratam sua vida diária e o remetem
para esse mundo de fantasia. Ele poderia ser o próprio herói da história justamente porque
está próximo de sua realidade." (LUYTEN, 2011, p.57).
No Japão, os heróis são concebidos a partir do mundo real no qual as pessoas podem
encontrar aspectos muito semelhantes de seu cotidiano e, com isso, encontram uma válvula de
escape discreta para o sentimento de repressão social diário a que todos os japoneses se veem
submetidos - podendo inclusive interiorizar seus sentimentos e realizar suas fantasias através
das páginas dos mangás. No Brasil, embora exista uma mescla de características brasileiras e
japonesas nos nipo-brasileiros, é comum encontrar em suas famílias um ambiente de cobrança
e de deslocamento do indivíduo em seus grupos de relacionamento, o que gera uma natural
aproximação com os mesmos obstáculos que muitos personagens de mangá atravessam.
59
Moliné (2006) acrescenta que um dos requisitos aconselháveis para desfrutar
completamente um mangá é o conhecimento do folclore e costumes japoneses que podem,
inclusive, ser adquiridos por meio da leitura de quadrinhos japoneses:

Quem lê um mangá pela primeira vez pode se perguntar por que no Japão as
pessoas tiram os sapatos para entrar em casa, ou o que é Cerimônia do Chá
ou por que as colegiais do país usam uniforme de marinheiro. Aprender
sobre a história, a arquitetura, a mitologia, a gastronomia, entre outros, do
Japão é parte da aventura de ler um mangá e não são poucos os ocidentais
que complementam a leitura das HQ japonesas com textos sobre a cultura do
país, e alguns até chegam a aprender a língua japonesa (MOLINÉ, 2006,
p.32)
Pode-se notar que, por esse e outros motivos, os mangás não só construíram uma base
de sucesso entre a juventude do mundo todo - já que seu conteúdo é composto de emoções
que mesmo em contexto japonês pode gerar identificação imediata com um público diverso -,
mas também ajudaram a divulgar ainda mais a cultura japonesa, como é o caso do Brasil,
onde a colônia japonesa favoreceu a formação de um cenário bastante singular de consumo de
referências das tradições à cultura pop, desenvolvendo uma comunidade nipo-brasileira que
vê na renovação da cultura japonesa e na aceitação de inserção de públicos distintos seu
futuro.
Tão importante quanto o conteúdo da narrativa, deve-se atentar à estrutura do mangá,
que é, segundo Luyten (2011), muito mais fluida que a ocidental, pois há presença abundante
de quadrinhos com múltiplos formatos que são similares à linguagem cinematográfica,
tornando possível a leitura de cerca de 300 páginas em poucos minutos. Não é segredo que os
mangás possuem um número de páginas muito maior do que as histórias em quadrinhos
ocidentais e, portanto, é possível dedicar muitos quadros para mostrar um movimento lento
típico das produções cinematográficas ou estabelecer um clima que ambiente todo um
capítulo.
Scott McCloud (2005), em Desvendando os quadrinhos, descreve esta característica
como um tipo de transição chamado de aspecto-pra-aspecto, no qual o tempo é superado em
grande parte e se estabelece um olhar migratório sobre diferentes aspectos de um lugar, ideia
ou atmosfera que é raramente vista em quadrinhos ocidentais, mas tem sido parte integrante
dos quadrinhos japoneses. A esta divisão entre Ocidente e Oriente é colocado que, no
primeiro caso, a existência de uma cultura orientada pelo objetivo faz com que arte e literatura
não conversem tanto quanto no segundo caso, do Oriente, onde há uma tradição de obras de
arte cíclicas e labirínticas, ou seja, os mangás parecem vir desta linha ao enfatizar mais o
'estar lá' ao invés do 'chegar lá'. Mais do que em qualquer outro lugar, no Japão, o quadrinho
60
também é uma arte de intervalos: "A ideia de que os elementos omitidos de uma obra são tão
partes dela quanto os incluídos é típica do Oriente há vários séculos" (MCCLOUD, 2005,
p.82) e influenciou os campos das artes gráficas e da música ocidental.
A identificação e a inserção dos leitores também ocorrem por meio de um estilo
híbrido caracterizado por personagens de traços mais simples e cenários e detalhamento de
objetos praticamente fotográficos, que permitem visualizar a si no papel das personagens e
vivenciar perfeitamente os ambientes onde elas interagem. Não é à toa que os fãs dos mangás
compõem, hoje, um grupo extremamente forte e significativo cuja trajetória se faz única.
Um dos momentos de maiores impactos no desenvolvimento da dinâmica da
linguagem visual do mangá contemporâneo, segundo Luyten (2011), se deve ao engajamento
com as tecnologias de informação e comunicação. Por meio da televisão, os quadrinhos
impressos japoneses souberam tirar proveito e se adaptaram para o formato de desenhos
animados, os chamados animês. Com a entrada da internet, a circulação e produção de
informações também se alterou e as mídias digitais proporcionaram a formação de novos
leitores atualizados com as mais recentes produções em quadrinho e animação no Japão. São
responsáveis também pelo papel de mediadores e produtores de conteúdo, quando se engajam
aos processos de traduções, legendagem - sem esquecer dos créditos ao desenhista -, grupos
de discussão e organização de eventos relacionados à cultura pop.

3.1.2 O mangá através da história japonesa: origem e desenvolvimento

Os mangás, como manifestações da cultura pop japonesa, estão relacionados ao


desenvolvimento da comunicação de caráter massivo, possibilitado pelo aprimoramento de
técnicas e tecnologias após o período de Revolução Industrial. Gravett (2006) declara que o
mangá poderia nem mesmo ter se desenvolvido caso a cultura japonesa não tivesse se abalado
com o fluxo de desenhos, caricaturas, tiras de jornal e quadrinhos vindos do Ocidente.
Segundo o autor, "negar isso é reescrever a história. O mangá nasceu do encontro do Oriente
com o Ocidente, do velho com o novo, ou, como outro slogan da modernização do século
XIX colocou, foi um caso de wakon yosai - 'espírito japonês, aprendizado ocidental'" (2006,
p. 22). Sharon Kinsella (2000) cita o crítico de mangá Tomofusa Kure em sua observação de
que a discussão em torno das origens dos quadrinhos japoneses se dá diante da sucessiva e
insistente negação do mangá como uma forma de cultura japonesa por parte de educadores, e
a oposição às indústrias de mangás e animês por elementos conservadores da sociedade pós-
guerra. Não há como negar, no entanto, que os quadrinhos japoneses trazem em sua
61
configuração atual uma relação histórica com elementos tradicionais da cultura japonesa nas
composições visuais de suas narrativas. Schodt (2012), por exemplo, relaciona o
desenvolvimento do traço caricatural no Japão como um fator primordial ao aprimoramento
das características da linguagem quadrinizada.
Os emakimonos, ou pinturas em rolo, são considerados os precursores dos quadrinhos
japoneses. Muito apreciados nos séculos XI e XII, os emakimonos, como expressões da corte,
são descritos como um livro ilustrado que une as artes da pintura e da literatura
(HASHIMOTO, 2002 38 apud NAKAGAWA, 2016, p.24) e constituem-se de desenhos
realizados sobre rolos, contando histórias que se desenvolviam conforme a leitura era
realizada em seu desenrolar e no descobrir os desenhos, numa ação de observação das
imagens parte a parte, o que nos remete à estrutura das histórias em quadrinhos. Destaca-se,
entre os rolos de pintura, a obra Chôjû jinbutsu giga (Pinturas satíricas de figuras de animais e
pássaros, ou desenhos humorísticos de pássaros e animais), ou Chōjūgiga, em sua forma
contraída, do artista e monge Kakuyu Toba (1053-1140), que satirizava as condições da
sociedade da época através de representações animais como coelhos, macacos, raposas e
cobras em vestimentas e atividades humanas.
Durante o período Kamakura (séculos X a XII), os rolos possuíam conteúdos mais
sérios a respeito da religião, como por exemplo, imagens que ilustravam os seis mundos da
cosmologia budista, em obras conhecidas como Jigoku sōshi (rolo do inferno), Gaki sōshi
(rolo dos fantasmas famintos) (SCHODT, 2012; ITO, 2008) e Yamai sōshi (rolo de doenças)
(SCHODT, 2012; LUYTEN, 2011)39. Ito (2008) acrescenta que estas pinturas em rolo fizeram
uso de caricaturas com o intuito de ensinar às crianças as bases do budismo por meio de
representações do inferno que deveriam ser evitadas a todo custo.
Luyten (2011) ainda acrescenta Hyakki Yakō (A caminhada noturna de cem
demônios), de Mitsunobu Tosa (1434-1525), como uma inspiração para muitos artistas
modernos, como Shigeru Mizuki, principal criador de histórias de fantasmas. No folclore
japonês, Hyakki Yakō corresponde à lenda de um desfile anual de yōkais ou demônios nas
ruas do Japão durante as noites de verão.

38
HASHIMOTO, Madalena. Pintura e escritura do mundo flutuante: Hishikawa Moronobu e
ukiyo-e Ihara Saikaku e ukiyo-zōshi. São Paulo: Hedra, 2002.
39
A cosmologia budista, como respostas a respeito do budismo à sociedade, inclui seis reinos: o reino
dos infernos, o reino animal, o reino dos fantasmas ou espíritos atormentados, reino dos Asura (Titãs),
o reino dos seres humanos e por fim o reino dos deuses. Todos os reinos atuam como metáforas da
condição humana, mostrando pontos negativos e como devem ser encarados para que possam ser
superados.
62
Schodt (2012) também estabelece uma relação dos quadrinhos japoneses ao ukiyo-e,
arte de meados do século XVII a meados do XIX, conhecida como "pinturas do mundo
flutuante", consideradas pelo Ocidente como estampas xilogravuras, ainda que no conceito da
arte do mundo flutuante não há diferenciação entre pintura e gravura. Esta denominação
"mundo flutuante" baseia-se no termo corrente da língua japonesa ukiyo no sentido de mundo
efêmero, que muda a toda hora e por isso deve ser desfrutado aqui e agora. Através da
Europa, França e Inglaterra, por exemplo, as estampas 40 ukiyo-e ficaram conhecidas no
Ocidente no final do século XIX. No ukiyo-e eram retratados temas diversos, como cenas de
teatro kabuki, paisagens, a luta sumô, mulheres e demônios. Em essência, aproximavam-se
dos quadrinhos por serem cheias de vida, sempre atualizadas, divertidas, baratas e capazes de
entreter (LUYTEN, 2011).

Assim como os quadrinhos de hoje, ukiyo-e fazia parte da cultura popular de


seu tempo: eram animadas, atuais, baratas, interessantes e divertidas. Os
mestres do gênero enchiam seus trabalhos de humor, experimentavam a
deformação da linha e o fantástico, o macabro e o erótico. 41 (SCHODT,
2012, p.34-35, tradução nossa).
Foi Katsushita Hokusai (1760-1849), um dos artistas de maior destaque no ukiyo-e,
que utilizou primordialmente a palavra mangá ao criar um conjunto de obras em 15 volumes
designadas Hokusai Manga, lançados entre 1814 e 1878, e que refletia o contexto e
ambientação da época de maneira crítica. A respeito deste trabalho de Hokusai, Luyten (2011)
acrescenta que:

Sua beleza gráfica reflete bem os momentos diversos da agitação do Período


Edo. Hokusai Manga é um espelho daquele tempo e do próprio gênio
singular do autor, que soube capturar e ilustrar a vida como um todo. Foi um
embrião, evocando sketches de imagens dos quadrinhos (LUYTEN, 2011,
p.84)
Em 1853, após mais de 200 anos de isolamento, o Japão assistiu à chegada da
esquadra de Matthew Perry, dos Estados Unidos, e se viu diante das exigências de abertura de
seus portos ao Ocidente. Foi o momento inicial de entrada significativa de referências
ocidentais no Japão e o primeiro estágio de profundas implicações ao desenvolvimento dos

40
Em entrevista ao Instituto Moreira Salles, em 2011, a professora e artista plástica Madalena
Hashimoto explica que o termo estampa é também utilizado quando se trata de ukiyo-e, pois no Japão
não havia diferenciação entre pintura e gravura; tudo era considerado pintura, embora no Ocidente
consideremos como um estilo de xilogravura. Disponível em:< https://blogdoims.com.br/um-mundo-
flutuante-conversa-com-madalena-hashimoto-cordaro/>. Acesso em 21 out. 2017.
41
Like comics of today, ukiyo-e were part of the popular culture of their time: they were lively, topical,
cheap, entertaining, and playful. Masters of the genre regularly infused their works with humor,
experimented with deformation of line, and dabbled in the fantastic, the macabre, and the erotic.
(SCHODT, 2012, p.34-35)
63
mangás. Charles Wirgman (1835-1891), cartunista e correspondente do Illustrated London
News, introduziu os cartuns característicos da Europa no Japão e, em 1862, ao editar a revista
humorística Japan Punch, apresentou os japoneses ao universo das charges políticas. Segundo
Ito (2008), as criações de Wirgman são exemplos de como as influências estrangeiras foram
assimiladas e utilizadas nos quadrinhos modernos, como por exemplo, incluindo o recurso de
balões de textos e diálogos dos personagens, chamados de fukidashi (ふきだし). Junto de
Wirgman, Schodt (2012) também inclui a influência do estilo europeu pelo francês George
Bigot (1860-1927), com suas sátiras ao governo e à sociedade japonesa. Bigot frequentemente
estruturava as imagens em sequência, criando um padrão narrativo que é também uma das
características basilares dos quadrinhos.

Os japoneses tiveram a sorte de ter Wirgman e Bigot como mentores. Ambos


os homens não eram apenas excelentes cartunistas, mas artistas formais
talentosos de quem os avanços europeus em perspectiva, anatomia e
sombreamento (coisas que os artistas japoneses nem sempre usavam)
poderiam ser estudados. E através deles, as tradições sociais e políticas
desenvolvidas de Inglaterra e França, do British Punch e Honoré Daumier,
poderiam ser absorvidas (SCHODT, 2012, p.40, tradução nossa)42.
Este momento é apontado por Luyten (2011) como um marco importante no processo
evolutivo dos mangás, uma vez que, afinal, houve a fusão de uma longa tradição com a
inovação, fazendo com que as histórias em quadrinhos passassem a figurar como veículo de
comunicação. No final do século XIX, os desenhistas japoneses passaram a ter os Estados
Unidos como fonte de referências e foi o momento em que se firmaram as características de
desenhos sequenciais na composição da narrativa. Alguns anos mais tarde, dois dos mais
famosos desenhistas japoneses, Rakuten Kitazawa (1876-1955) e Ippei Okamoto (1886-1948)
colaboraram para a popularização e adaptação da estrutura das tiras e quadrinhos americanos.
Kitazawa foi responsável pela criação da primeira história em quadrinhos seriada com
personagens regulares intitulada Tagosaku to Mokubē no Tōkyō Kenbutsu (Tagosatsu e
Mokubê passeando em Tóquio), ainda sem o uso do recurso dos balões de texto. Okamoto,
por sua vez, tão importante quanto Kitazawa, contribuiu para a popularização da profissão de
jornalista-chargista. Fascinado pelo cinema ocidental, o traço de Okamoto era cheio de
expressões e recursos cinematográficos que, nos mangás modernos, é também uma das
características mais marcantes e distintas.

42
The Japanese were fortunate to have Wirgman and Bigot as mentors. Both men were not only
excellent cartoonists but accomplished formal artists from whom European advances in perspective,
anatomy, and shading (things Japanese artists had not always put fully to use) could be studied. And
through them the developed social and political cartooning traditions of England and France, of the
British Punch and Honoré Daumier, could be absorbed (SCHODT, 2012, p.40).
64
O início do século XX é marcado pela absorção intensa das referências culturais do
Ocidente, principalmente na apropriação dos recursos tecnológicos que proporcionaram o
crescimento das indústrias japonesas. Nos quadrinhos, a assimilação de algumas
características das produções ocidentais caminhou pouco a pouco para que se desenvolvessem
gostos e preferências mais próximas da realidade dos japoneses. Já durante a década de 1920,
desenhistas japoneses desenvolviam um estilo próprio que se afastava do referencial
americano e europeu, com os quais os japoneses passaram a ter mais dificuldades de
identificação.

Os leitores apreciavam os quadrinhos americanos como uma introdução a


uma cultura exótica, e artistas adotaram seu formato. Entretanto, ao contrário
de nações europeias como Itália ou França, os quadrinhos americanos (e
mais tarde, comic books) no Japão conseguiam competir com a variedade
doméstica. O relativo isolamento do Japão sempre lhe permitiu ser mais
seletivo com as referências estrangeiras e então adaptá-las de acordo com
seu próprio gosto (SCHODT, 2012, p.45, tradução nossa)43.
Embora o início do desenvolvimento dos quadrinhos japoneses seja marcado pelas
publicações para o público adulto, a expansão dos mangás se estendeu também ao público
infanto-juvenil. O desenhista Shigeo Miyao, discípulo de Okamoto, foi um dos primeiros
profissionais a se especializar em publicações para crianças com histórias como Dango
Kushisuke Manyūki (Crônicas de viagem de Dango Kushisuke), título que fazia alusão aos
bolinhos conhecidos como dangô, muito populares no Japão e cuja história acompanhava um
samurai e suas aventuras. A Shōnen Club, publicada pela Kōdansha em 1914, foi a revista
para o público infanto-juvenil mais famosa do período pré-guerra e foi considerada um
protótipo das grandes revistas contendo histórias em quadrinhos de hoje em dia; no entanto, a
década de 1930, marcada pelo pensamento militar e entrada do Japão na guerra, impactou
fortemente as revistas até então alegres e divertidas. Em seu lugar, eram publicadas
fotografias e artigos que tinham como foco as façanhas dos soldados japoneses (SCHODT,
2012; KINSELLA, 2000).

Fotografias e artigos apresentaram cada vez mais as façanhas dos soldados


japoneses. As capas mostravam meninos franzindo o cenho e carregando

43
Readers enjoyed American comics as introductions to an exotic culture, and artists adopted their
format. But unlike in European nations such as Italy or France, American comic strips (and later comic
books) in Japan were no competition for the domestic variety. Japan's relative cultural isolation has
always allowed her to be more choosy about foreign influences and then to adapt them to her own
tastes (SCHODT, 2012, p.45).
65
armas ao invés de sorrir e brincar. E os quadrinhos, talvez vistos como
frívolos, começaram a desaparecer (SCHODT, 2012, p.51, tradução nossa)44.
Durante os anos da guerra, segundo Luyten (2011), os países Aliados e os do Eixo não
mobilizaram apenas exércitos, mas também seus artistas, cujas criações passaram a
representar o posicionamento do país. No Japão, entretanto, os artistas que não cooperassem
eram punidos e banidos de suas profissões, fadados ao ostracismo. Alvos de forte censura,
restavam três áreas de atuação aos artistas: produzir quadrinhos de temáticas familiares e que
não representavam riscos ou problemas, desenhar painéis e ilustrações que difamavam o
inimigo e promoviam solidariedade nacional e trabalhar para o governo ou prestar serviço
militar na produção de propagandas que eram usadas contra as tropas opositoras (LUYTEN,
2011; SCHODT, 2012).
Kitazawa, neste período, foi um dos artistas que encabeçou a Nihon Manga Hōkōkai
(Japan Manga Patriotic Association), um grupo de artistas que dedicaram seu trabalho aos
esforços de guerra; no entanto, conforme a guerra e o embargo americano prosseguiam,
materiais como papel se tornaram escassos e quase não havia espaço dedicado aos mangás
(ITO, 2008; SCHODT, 2012).
Segundo Kinsella (2000), nos anos imediatos ao pós-guerra, um novo público
devastado com a derrota e rendição se arrastava para fora das ruínas e começava a formar a
demanda por entretenimento instantâneo e barato que agitou um rápido ressurgimento de
atividades culturais locais que estavam em declínio, como por exemplo o kamishibai (teatro
de papel). No final da década de 1940, as grandes editoras passaram a dedicar mais páginas de
suas revistas infantis para o mangá e uma série de outras revistas de histórias em quadrinhos
também surgiram, como por exemplo a Manga Kurabu (Manga Club), VAN, Kodomo manga
shinbun (Children's Manga Newspaper), Kumanbati (The Hornet), Manga shōnen (Manga
Boys), Tokyo Pakku (Tokyo Puck) e a Kodomo manga kurabu (Children's Manga Club) (ITO,
2008).

Este boom dos mangás durou cerca de três anos. A maioria dos japoneses na
época estava faminta e pobre; estavam infelizes com a política atual e com
medo do futuro. Eles ansiavam por entretenimento e humor, bem como por
comida. Mangá era um produto facilmente acessível, e a nova sociedade
civil emergente durante os sete anos de ocupação americana forneceu uma
abundância de tópicos para sátira (ITO, 2008, p.35, tradução nossa)45.

44
Photographs and articles increasingly featured the exploits of Japanese soldiers. Covers showed
boys scowling and carrying guns instead of smiling and playing. And comics, perhaps regarded as
frivolous, began to disappear (SCHODT, 2012, p.51).
45
This manga boom lasted about three years. Most Japanese people at this time were hungry and poor;
they were unhappy with current politics and afraid for the future. They were starving for entertainment
66
Durante a década de 1950, nos anos imediatos ao pós-guerra e de recuperação do
Japão, os novos artistas que ansiavam iniciar carreira nos quadrinhos encontraram
dificuldades em encontrar um espaço entre as grandes editoras, recorrendo, assim, ao mercado
de baixo custo, como o de locação de mangás, uma das poucas alternativas de entretenimento
barato para os japoneses.

É importante mencionar que após a Segunda Guerra havia poucos recursos


materiais e financeiros e cada setor teve que se adaptar às necessidades da
época. No caso das histórias em quadrinhos o recurso foi utilizar o papel
jornal como alternativa nas revistas. O artifício foi a impressão
monocromática - variando do rosa, roxo ou azul claro - conforme o teor do
enredo. Esta característica continua até hoje apesar da abundante riqueza do
país (LUYTEN, 2003, online).
Num ramo de trabalho marginal, quase amador, esses jovens artistas desenvolveram
uma forma de mangá mais obscura, realista e política. "Mais tarde, em 1957, um jovem
artista, Tatsumi Yoshihiro, inventou o termo gekiga, que significa 'imagens dramáticas', para
descrever este novo gênero de mangás dramáticos para adultos" (KINSELLA, 2000, p.25).
Muitos desses artistas, na década seguinte, de 1960, ingressaram nas grandes editoras,
e, de acordo com Gravett (2006, p.42): "A história e o sucesso do mangá moderno não pode
ser compreendida por inteiro sem o reconhecimento do papel crucial dos dramas e do clima
instigante introduzidos pelos novos artistas de gekiga."

3.1.3 Transformações na indústria contemporânea dos mangás

O desenvolvimento e a explosão dos quadrinhos japoneses no período pós-guerra


devem muito ao trabalho de Osamu Tezuka (1928-1989). Reconhecidamente chamado de
"Deus do Mangá" e pai do mangá moderno, Tezuka teve grande influência sobre a indústria
do mangá, bem como a de animação, desenvolvendo estética e técnicas inovadoras que
continuam a influenciar esses dois ramos até hoje.
Luyten (2011) atribui a Tezuka a introdução, tanto nas personagens masculinas quanto
femininas, dos olhos grandes e amendoados, característica marcante nos mangá até hoje. Sua
inspiração tem origem no teatro Takarazuka, que possui o nome da cidade em que morava. O
teatro Takarazuka era encenado exclusivamente por mulheres, tanto para os papéis femininos
quanto masculinos, que, no palco, tinham os olhos muito maquiados, e, portanto, bastante

and humor as well as for food. Manga was easily affordable, and the newly emerging civil society
during the seven-year U.S. occupation provided an abundance of topics for satire (ITO, 2008, p.35).
67
aumentados com a luz dos refletores dando a impressão de conter "uma estrela brilhante em
seu interior" (LUYTEN, 2011, p.111).
Inspirado pelas referências americanas, na década de 1950, e pelo contexto dos
esforços do Japão em reerguer-se após a guerra, Tezuka apropriou-se de algumas
características dos quadrinhos americanos, mantendo, entretanto, a distinção da essência
japonesa e desenvolvendo uma produção autoral que foi reconhecida mundialmente. Apesar
de marcado por restrições e misérias, neste período ocorreu a entrada em peso de filmes
ocidentais que teriam fascinado Tezuka, assumidamente fã de Disney e Chaplin. Nos mangás,
as influências cinemáticas podiam ser percebidas com uso de close-ups e mudanças de frames
e pontos de vista que também foram adotadas por vários artistas deste mesmo período, no
Japão. Em Astro Boy (鉄腕アトム, Tetsuwan Atomu), de 1952, adaptada em 1963 para uma
versão animê, sendo a primeira animação a ser exibida no Japão, podemos identificar
semelhanças com os traços de clássicos Disney, inclusive nos olhos. Os olhos de Tezuka
também são discutidos por Fusanosuke Natsume em Tezuka Osamu wa doko ni iru (Onde está
Tezuka Osamu?), livro publicado em 1992 e retomado em ensaio de 2013. Natsume (2013)
questiona a hipótese de que os destaques nos olhos traçados por Tezuka seriam indicativos de
"autoconsciência" dos personagens; entretanto, a maneira como ele destaca o olhar no mangá
demonstra as transformações em sua arte e a maneira como buscava transmitir nuances de
sentimentos e emoções por meio de expressões faciais.
Os olhos grandes, marcantes no shōjo mangá, também são recorrentes nas ilustrações
de artistas como Yumeji Takehisa (1884-1934) e Jun’ichi Nakahara (1904-1986), que, nos
anos de 1930, eram divulgadas como capas de revistas femininas. Essas ilustrações
representavam, segundo Okano (2014), o kawaii moderno. O conceito de kawaii, como
denominação daquilo que é fofo, sua origem e força na sociedade japonesa, são abordados
neste mesmo capítulo, no segmento de Moda Lolita, uma das expressões da cultura kawaii no
Japão.
Gravett (2006) atribui a maneira inovadora de fazer quadrinhos de Tezuka ao fato de
ter crescido em um lar atípico, liberal e moderno, onde o pai teria lhe apresentado aos
quadrinhos japoneses e ocidentais e incentivado a leitura das narrativas quadrinizadas. A
inspiração de Tezuka, segundo o autor, não viria apenas destas referências, mas
principalmente do cinema. A produção intensa de Osamu Tezuka o tornou bastante conhecido
no exterior, não apenas pelo dinamismo que introduziu às narrativas dos mangás, mas também
pela produção de desenhos animados. O movimento e a emoção que procurava utilizar em

68
suas obras é a que ele atribui como a base da internacionalização de seu trabalho. Tezuka
compreendia que, apesar de satisfatória e gratificante, a produção de animações era bastante
cara de se manter às custas dos lucros conquistados por suas obras em quadrinhos. Se ser
considerado um mestre dos quadrinhos ou da animação já era considerado um feito e tanto por
muitos, Tezuka possuía o título de mestre dos dois.
Tezuka sempre procurou destacar o valor da narrativa. Uma história que valia a pena
ser contada era de muito valor para ele, que buscava trazer o riso e o drama e evocava
emoções que atraíssem não apenas o público infantil, mas o adulto também. O poder de
expressar os sentimentos humanos fizeram de produções como Kimba, o Leão Branco (ジャ
ングル大帝 - Janguru Taitei), de 1950 - sobre o leão Kimba em sua jornada para governar a
selva -, e Astro Boy obras atemporais e capazes de atravessar fronteiras e gerações. Este foi o
maior feito de Tezuka: resistir ao tempo.
Nos anos de 1960, o Japão saía de seu estado de pobreza para emergir no consumo de
massa. O público televisivo aumentou rapidamente, assim como os leitores de mangás
(KINSELLA, 2000). Luyten (2011) acrescenta que o advento da televisão, em 1953, no
Japão, causou forte impacto na mídia impressa e a composição visual do mangá moderno
também foi influenciada por essa orientação gráfica. Junto da programação televisiva, a
produção de mangás foi acelerada e estava sempre a par da programação nas telas.

Ao invés de encontrar na televisão um concorrente formidável, as indústrias


televisivas e de mangás expandiram-se mutuamente e desenvolveram uma
relação simbiótica. As histórias em quadrinhos serializadas foram adaptadas
em animações televisivas que serviam para divulgar ainda mais as histórias
originais e impulsionar as vendas de mangás (KINSELLA, 2000, p. 31,
tradução nossa.)46
Ainda durante a década de 1960, destacou-se a produção dos shōjo mangá, revistas em
quadrinhos femininas. Apesar da estrutura machista, o Japão é um dos poucos casos em que
revistas dedicadas ao público feminino são feitas de fato por mulheres, o que normalmente
estabelece uma comunicação eficaz entre desenhistas e leitoras. Ito (2008) acrescenta, ainda,
que revistas femininas como Shōjo Furendo (Girl's friend) e Māgaretto (Margaret), ambas de
1963, eram acompanhadas de pequenos produtos adicionais, como cards, stickers e bonecas
de papel que se tornaram itens muito populares entre as jovens japonesas, que começavam a
reconhecer a existência de um período intermediário de suas vidas, em que não eram mais

46
Rather than finding a formidable competitor in television the manga and television industries
expanded alongside each other and developed a symbiotic relantionship. Serialized manga stories were
adapted into televised animation, which served to advertise further the original manga stories and
inflate manga book sales (KINSELLA, 2000, p. 31).
69
crianças e ainda não haviam se tornado adultas. Esse momento de suas vidas corresponde à
fase shōjo (menina, garota), que é explicada por Eiji Ōtsuka (199747, apud OKANO, 2014)
como um produto inventado pela sociedade moderna, que priorizava o consumo.
Os mangás levaram mais tempo para se estabelecer no Ocidente do que os animês. Um
dos motivos era o próprio conteúdo das histórias, que traziam aspectos culturais muito
específicos do Japão, pois, ao contrário dos produtos eletrônicos, os mangás não foram
concebidos para serem vendidos no exterior (LUYTEN, 2011; GRAVETT, 2006).

Eles nasceram como histórias estilizadas e trabalhos artísticos feitos para os


japoneses, culturalmente específicos e baseados em valores compartilhados,
criados sem preocupação com possíveis respostas estrangeiras à sua
abordagem do sexo, do cristianismo e de outras questões polêmicas
(GRAVETT, 2006, p. 156).
Outras questões como a xenofobia e o protecionismo comercial também foram
empecilhos para os mangás no Ocidente, mas um dos pontos práticos que dificultavam a
exportação dos quadrinhos japoneses também era a particularidade do idioma e do formato
das edições. A leitura oriental, realizada da direita para a esquerda, e a adaptação das
onomatopeias também eram recursos que dificultavam o trabalho editorial ocidental. Às vezes
alguns mangás tinham os quadros invertidos, o que podia causar um pouco de confusão em
outros países, como um personagem destro que se tornava canhoto e representações de sons
que eram intraduzíveis, como o "shin" (Figura 5) que é a onomatopeia correspondente a um
momento de silêncio constrangedor. Atualmente, alguns mangás trazem pequenas notas
explicativas no rodapé das páginas, o que auxilia também em aspectos culturais muito
específicos, como nomes de pratos típicos da culinária japonesa.

47
ŌTSUKA, Eiji. Shōjo minzokugaku: seikimatsu no shinwa wo tsumugu miko no matsuei.
(Etnologia de Shōjo: a descendência do médium que prolonga a mitologia do final do século). Tokyo:
Kōbunsha, 1997
70
Figura 5 - Onomatopeia "Shin"

Fonte: Mangá Kitchen Princess (Kicchin no ohime sama)

Ainda assim, os mangás vingaram nos outros países, acompanhando o sucesso dos
animês, que particularmente eram mais fáceis de adaptar. Alguns mangás eram adaptados
pelos países, enquanto outros pouco a pouco começaram a vender melhor, sob demanda dos
fãs que buscavam acesso às histórias originais de algumas séries japonesas que conheceram
pelos animês.
Nos anos 90, o Ocidente passa a ter uma proximidade maior com o mangá. O que
antes era consumido por alguns grupos mais específicos passava a ficar mais conhecido
conforme os animês se popularizam na televisão e em algumas produções para o cinema,
como as premiadas animações do Studio Ghibli, de Hayao Miyazaki. Com os animês e o
cinema atuando como meio de divulgação, o mangá passou a ser traduzido para mais idiomas,
como inglês, francês e português. Luyten (2006) observa ainda que, apesar do contexto
japonês das histórias dos mangás, os temas que abordam emoções, relacionamentos, amores e
dificuldades diárias conquistaram a identificação do público ocidental.

3.2 Animê

A animação japonesa, conhecida por animê, é, ao lado dos mangás, um dos principais
ramos da indústria cultural do Japão e forte meio de divulgação da cultura pop japonesa. O
termo animê deriva da palavra animation da língua inglesa, e quanto à sua escrita no Brasil,
Luyten (2003) explica que, embora no Japão as grafias de manga e anime não sejam
acentuadas graficamente, o são quando pronunciadas. Em português, o uso do acento em
mangá evita que seja confundida com a pronúncia de manga (fruta e parte de camisa). Para

71
animê, o acento é utilizado para não ser confundido com anime do verbo animar, mas
atualmente a pronúncia sem o acento circunflexo também é utilizada por uma grande parcela
de pessoas. No Japão, a palavra designa a animação em geral, embora no exterior animê
signifique especificamente produções japonesas de desenhos animados. Contudo, antes da
Segunda Guerra Mundial, não se utilizava o termo animê como sinônimo de animação, e sim
dōga (動画), que significava "imagens que se movem" (SATO, 2005).
Foi também com Osamu Tezuka que os animês começaram a utilizar uma composição
visual mais próxima da estética conhecida atualmente, muito semelhante aos mangás, com
personagens de olhos grandes e expressões estilizadas e exageradas. Sato (2005) comenta que
tudo o que hoje é característico do animê em aparência e conteúdo já foi outrora testado pelo
visionário Tezuka. A tendência de produzir animações baseadas em mangás de sucesso foi
uma das propostas criadas por Tezuka, que foi amplamente utilizada ao longo dos anos de
produção comercial das produções japonesas. Desde o período pós-guerra, a animação no
Japão evoluiu muito em técnica e forma e o crescimento da animação comercial - produzida
em larga escala pelos estúdios especializados - gerou um mercado nunca antes visto para as
animações japonesas dentro e fora do país.
Napier (2001) destaca que, na última década, as animações japonesas têm sido
gradualmente compreendidas como formas de arte intelectualmente desafiadoras, que têm
influência tanto das artes tradicionais japonesas, como o teatro kabuki, quanto de recursos da
linguagem narrativa cinematográfica e fotográfica. Como um campo rico de estudo, os animês,
segundo a autora, são uma forma de arte contemporânea tipicamente japonesa, rica e
fascinante, com estética visual e narrativas singulares que retomam a cultura tradicional do
Japão enquanto avançam para a vanguarda da arte e da mídia. Além disso, o animê, com sua
grande amplitude de assuntos, corresponderia a um espelho da sociedade contemporânea
japonesa, que proporcionaria reflexões sobre sonhos e temores diários, concepção também
adotada por algumas vertentes de estudos sobre mangá.
A indústria dos animês também movimenta o mercado de outros produtos culturais
relacionados, como a música, com as trilhas sonoras de artistas Jpop, e a indústria de
brinquedos e miniaturas colecionáveis. É também responsável por divulgar e alavancar as
vendas de mangás no exterior, já que, em muitos casos, o animê foi exportado antes do que o
mangá, uma vez que a adaptação das animações japonesas era mais simples - dependia apenas
de adequação de conteúdo e de um processo dublagem - do que a adaptação de mangás que

72
requeriam mudanças em muitos outros fatores, como por exemplo, a ordem de leitura
japonesa, que é realizada da direita para a esquerda, o contrário da maneira ocidental.
O animê também é um fenômeno genuinamente global, tanto como força comercial
como cultural. Para o Japão, as animações desempenham um papel importante como produto
cultural de exportação, elevando-o à posição de potência cultural. Investigar a força do animê
como força de influência cultural no cenário globalizado é ainda mais fascinante do que
limitar-se a analisar apenas os aspectos comerciais dos fluxos da cultura pop japonesa, pois é
possível analisar a questão mais ampla da relação entre culturas globais e locais no início do
século XXI.
Clements e McCarthy (2006) observam que os clássicos da literatura mundial sempre
atraíram o público japonês e esse gosto estabeleceu um mercado interessante, onde as crianças
podem observar as histórias de sua cultura interpretadas por artistas estrangeiros e depois
redubladas para suas línguas nativas.

O Pequeno El Cid foi exibido na Espanha e na França em 1981, com Os


Miseráveis na França no mesmo ano. Lupin III de Monkey Punch obteve
grande sucesso na França e na Itália desde 1985, e Rosa de Versalhes (Lady
Oscar) vendeu a Revolução Francesa de volta à França (CLEMENTS;
MCCARTHY, 2006, p.474, tradução nossa, grifo do autor)48.
Hayao Miyazaki, também fascinado não apenas pela estética, mas também por
elementos europeus, chamados por Clements e McCarthy (2006) de "coisas exóticas", tal
como os aviões italianos49, cidades escandinavas e mineiros e escritores galeses, colaboraram
para que seu trabalho se tornasse ainda mais popular através do continente europeu. Pellitteri
(2006) também chama atenção para a percepção da indústria de animação japonesa de que
produções realizadas para exibição não apenas no Japão, mas também fora dele, construíram
um cenário bem-sucedido de consumo de outros países ocidentais conforme o mercado em si
já começava a se estruturar segundo estratégias de distribuição e exibição globais.

48
Little El Cid was shown in Spain and France in 1981, with Les Misérables in France the same year.
Monkey Punch's Lupin III has enjoyed huge success in France and Italy since 1985, and Rose of
Versailles (Lady Oscar) sold the French Revolution back to France (CLEMENTS; MCCARTHY,
2006, p.474).
49
O fascínio pelo avião é uma característica já bem famosa nas produções de Miyazaki. Em todas as
suas obras, o ato de voar é retratado de alguma maneira, seja por meio de aeronaves, personagens
humanos ou seres alados. O gosto pelo avião teria origens no negócio familiar Miyazaki Airplane, na
época da Segunda Guerra Mundial, um aspecto ambíguo frente ao ódio pela guerra mas ao amor pela
aviação, utilizada como arma no conflito. O vídeo Miyazaki Dreams of Flying, de Zach Prewitt,
explora esse encanto de Miyazaki pela aviação. Disponível em:<https://vimeo.com/205124884>.
Acesso em 1 dez. 2017.
73
3.2.1 Animê através da história japonesa

Entre 1909 e 1910, os japoneses tiveram contato com as primeiras produções


ocidentais em desenhos animados. Pouco depois, em 1915, artistas japoneses começaram a
produzir animações experimentais, mas Sato (2007) cita que Imokawa Mukuzō Genkanban no
Maki (A história do zelador Mukuzō Imokawa), curta-metragem de 1917, de Ōtan
Shimokawa, é que foi formalmente reconhecido como primeiro desenho animado japonês,
exibido em alguns cinemas. As animações japonesas experimentais normalmente adaptavam
contos populares tradicionais de maneira independente. O aperfeiçoamento técnico se deu
com o desenvolvimento das técnicas cinematográficas, cujas produções, em 1933, eram
utilizadas como propaganda pró-guerra - durante este período os animês também tinham
caráter militar. Em 1943, com apoio financeiro da Marinha Imperial, foi lançado Momotarō
no Umiwashi (Momotarō, o valente marinheiro), como forma de propaganda interna,
principalmente com intuito de levantar o espírito das crianças. Durante o período de guerra,
não apenas por conta da rígida censura, mas também pela escassez de recursos, inviabilizou-
se a continuidade das produções de animês, que retornaram nos anos 1950. Após a derrota,
sob ocupação das forças norte-americanas e com a censura um pouco menos severa, o cinema
e a animação experimentaram uma onda de criatividade (POITRAS, 2008).
Em 1958, foi lançado Hakujaden (A Lenda da Serpente Branca), o primeiro longa-
metragem colorido do Japão, sob direção de Taiji Yabushita e produzido pela Toei Animation,
hoje considerada uma das maiores produtoras japonesas de animação. O longa foi resultado
do esforço para recuperar a produção de animês e tornou-se uma inspiração para muitos da
indústria de animação japonesa, durante os anos 1960 e 1970, ao provar que a atividade era
viável como produto comercial.
Osamu Tezuka, considerado mestre do mangá moderno, também influenciou
fortemente a indústria de animês. Em 1963, provavelmente a data mais importante da história
dos animês, foi lançado Astro Boy na televisão japonesa. Para a produção, Tezuka buscou
patrocínio da emissora e firmou parceria com as empresas de produtos licenciados de seus
personagens. Kimba, o Leão Branco sucedeu Astro Boy e também tornou-se muito popular,
firmando a atividade de animação no Japão.
As técnicas de animação americana influenciaram muito o desenvolvimento do animê.
Tezuka, por exemplo, era grande admirador dos desenhos de Walt Disney. Napier (2001)
salienta que, mesmo hoje, a indústria dos animês ainda acompanha atentamente as produções
americanas, no entanto, possivelmente desde seu início, as animações japonesas pós-guerra

74
voltaram-se para uma direção completamente diferente das produções americanas, não apenas
na abordagem de temas adultos e na composição de histórias mais profundas e complexas,
mas também na sua estrutura geral - considerando a relação entre televisão e animê em termos
de estruturação de estilos narrativos.

O formato televisivo semanal da maioria das séries deu origem a certas


estruturas narrativas, mais notavelmente seriados, que permitiram, por mais
tempo, mais histórias divididas em episódios do que um formato
cinematográfico teria feito. Esta qualidade em série também foi reforçada
pela conexão da animação com o mangá ubíquo, que também enfatizou as
séries em episódios de longa duração (NAPIER, 2001, p. 17, tradução
nossa).50
Pouco conhecida no Ocidente, Sazae-san, de Machiko Hasegawa, é considerado o
animê mais popular do Japão (CLEMENTS; MCCARTHY, 2006). Publicado de 1946 a 1974
pelo Asahi Shinbum, foi a obra mais bem-sucedida de Hasegawa e inspirou o formato animê.
A história de Sazae-san, que em português seria traduzido como Dona Sazae, gira em torno
do dia-a-dia de Sazae e sua família, numa sátira bem-humorada da típica estrutura familiar
japonesa. O animê estreou em 1969, pela Fuji TV e continua sendo exibido até os dias atuais.
Em 2013, a série, que conta com mais de 7000 episódios, foi reconhecida pelo Guinness
World Records como a mais longa série de animação da história, um ícone para várias
gerações de japoneses e pioneira no gênero family anime. "Os family animês vêm sendo nos
últimos 15 anos os desenhos de maior audiência e popularidade no Japão." (SATO, 2007,
p.36). (Figura 6)

50
The weekly television format of most series gave rise to certain narrative structures, most notably
serial plots, which allowed for longer, more episodic story lines than a cinematic format would have
done. This serial quality was also reinforced by animation's connection with the ubiquitous manga,
which emphasized long-running episodic plots as well (NAPIER, 2001, p.17).
75
Figura 6 - Animê de Sazae-san, exibido desde 1969 pela Fuji TV até os dias atuais.

Fonte: Informações sobre a série disponíveis no site da Fuji


TV:<http://www.fujitv.co.jp/sazaesan/index.html>. Acesso em 15 out. 2017

Na década de 1970, o animê firmou-se como uma forte ramificação da indústria


cultural japonesa. Neste mesmo período, a indústria musical também começou a se definir
como parte importante desse mercado por meio da ligação com as trilhas sonoras das séries
animadas. Destaca-se no mesmo período o gênero mecha, animês de ficção científica com
robôs gigantes, como uma vertente bastante popular entre o público infantil na década de
1970. O termo mecha (メカ, meka) vem da palavra mechanical, da língua inglesa, e designa
um gênero de animês e mangás com robôs. Foi um período de evolução tecnológica no Japão,
como foi notável no ramo da engenharia mecatrônica, o que inspirou as modificações no
aspecto dos robôs gigantes que foram idealizados no fim dos anos 1940 e início de 1950.
Sato (2007) apresenta Kagaku senshi Nyūyōku ni shutsugensu (O Guerreiro Científico
Surge em Nova Iorque), cartum de Ryuichi Yokoyama, publicado em 1943, como obra
pioneira dos modernos personagens robóticos gigantes japoneses. A autora observa que, neste
mesmo período, o Japão já lidava com bombardeios americanos e pouco podiam fazer para
revidar. A ideia de um robô gigante que pudesse facilmente derrotar o inimigo foi logo
captada pelo imaginário popular como uma forma de alívio psicológico durante o período de
guerra. Em Astro Boy, de Osamu Tezuka, Atom não era um robô gigante, tinha na verdade o
aspecto de um menino robótico que desejava ser tratado como um humano, e, mesmo assim,
popularizou o gênero de ficção com robôs.
Em 1963, foi produzido pela TCJ Animation Center o animê Tetsujin 28-Go (Homem
de Aço nº 28), baseado no mangá de Mitsuteru Yokoyama (publicado em 1958). Tesujin era
76
um robô controlado pelo jovem Shōtarō, utilizado para ajudar as forças policiais a
combaterem o crime. Além de inspirar o gênero de robôs gigantes, Tetsujin transmitia a
mensagem de cautela sobre o uso da tecnologia pelos homens.
Entretanto, o boom dos robôs nos mangás e animês nos anos 1970 se consolida com
Go Nagai e a concepção de seus mechas. Nagai é autor de Mazinger Z (マジンガー Majingā),
obra pioneira de uma geração de robôs tripulados por humanos que se seguiriam aos moldes
dessa fase de adaptação das características robóticas conforme se desenvolvia a tecnologia
japonesa. Com Yoshiyuki Tomino, autor da série de animê Mobile Suit Gundam (機動戦士ガ
ンダム, Kidō Senshi Gundam), de 1979, o Japão conheceu robôs com projetos mecânicos
complexos e armadura que lembrava as armaduras samurai (yoroi). A série é ambientada em
um futuro sombrio para o planeta e para a humanidade que, em guerra e ameaçada por armas
nucleares, constrói Gundam RX-78-2, robô de guerra com 18 metros pilotado por Amuro Ray.
Gundam tornou-se tão popular no Japão, com brinquedos, jogos e outros produtos que, em
2009, para comemorar os 30 anos da franquia, foi construído, em escala real, uma estátua de
Gundam RX-78-2 em Odaiba. Desde então ela foi desmontada e reconstruída duas vezes, em
2010 e em 2012, tornando-se também um famoso ponto turístico, tanto para japoneses quanto
para estrangeiros, fãs da cultura pop japonesa.
A venda de brinquedos relacionados às séries animadas mecha eram parâmetro para
medir a popularidade e sucesso do animê. A produção de brinquedos atrelados a uma
produção popular não é nova no Japão e no restante dos países, mas é uma estratégia utilizada
há muitos anos em diferentes formatos. Os brinquedos baratos de robôs provaram-se tão
populares com as crianças que muitos animês exibidos na televisão nos anos 1970 foram
simples veículos de promoção de brinquedos produzidos aos moldes dos robôs no programa
(POITRAS, 2008).
Na década de 1980, a indústria de animês continuou crescendo. Compreendeu-se que o
público de animações não se limitava apenas às crianças, como era mais comum concluir na
década anterior. Objetivando alcançar o público jovem, composto por estudantes colegiais e
jovens adultos universitários, desenvolveram-se temas mais complexos e dramáticos. Sato
(2005, 2007) completa ao afirmar que a animação no Japão sempre foi considerada uma
forma de cinema, e, como tal, podia tratar de todo tipo de assunto que é cabível como objeto
de um filme, como temas dramáticos e eróticos, conforme teria afirmado Noburo Ofuji, que
produziu Kujira (A Baleia) em 1927 e Osekisho (O Imperador da Estação) em 1930.

77
3.2.2 Kinsoku jikō desu (禁則事項です): o animê na atualidade e a ideia de moe

Entre os anos 1980 e 1990, a produção de animações japonesas para a TV alcançou


seu ápice. "Esquemas de produção em massa para o povo fizeram com que, só em Tóquio, se
concentrassem mais de dez mil animadores profissionais." (SATO, 2005, p. 38). Num cenário
tão positivo para os animês, muitos diretores se consagraram com produções que utilizavam
técnicas inovadoras e histórias que envolviam o público, como por exemplo Katsuhiro Otomo,
com Akira (1988), considerado um dos animês mais famosos já produzidos. "Akira foi o
número um de bilheteria no ano de seu lançamento no Japão, ultrapassando até mesmo O
Retorno do Jedi" (NAPIER, 2001, p.41, tradução nossa)51. Akira representa o gênero ficção
científica e é baseado no mangá de mesmo nome, também de Otomo, ambientada em 2019,
numa Tóquio reconstruída depois de uma terceira guerra mundial. Lançado no continente
americano e europeu no ano seguinte, tornou-se um sucesso de crítica e foi considerado uma
obra cult e, de muitas maneiras, pode ser considerado o animê que iniciou o boom de
animações japonesas no Ocidente.

Enquanto isso, no resto do mundo, o animê funciona como um embaixador


cultural, levando um pouco da cultura japonesa através das aventuras de
personagens coloridos e carismáticos. A invasão, iniciada nos anos 60, foi
em escala mundial, pois os animês são famosos em toda a Ásia, na Europa,
Estados Unidos e América Latina. Do lado de cá do globo, um dos países
que mais recebeu títulos de animês foi sem dúvida o Brasil, que assiste à
animação japonesa desde o final dos anos 60 (NAGADO, 2007, p.72).
Também nesse período, o trabalho de Hayao Miyazaki começou a se destacar.
Miyazaki é considerado uma celebridade tanto no Japão como no exterior. Animador, diretor,
artista e empresário, Miyazaki teve um papel fundamental para que a animação japonesa
também fosse vista como uma expressão artística. Além disso, Sato (2007) completa que ele é
considerado um empresário respeitado por ter ultrapassado não apenas as produções de Walt
Disney nos cinemas japoneses, mas também produções hollywoodianas, batendo recordes de
bilheteria e conseguindo equilibrar sua arte com a viabilidade econômica, por meio de sua
produtora, Studio Ghibli.
Miyazaki começou trabalhando para a Toei Animation nos anos 1960 e, durante o
início de sua carreira como animador, formou parcerias que seriam fundamentais para o
sucesso de hoje em dia, como Isao Takahata, que trabalhou com ele em diversas produções
antes de formarem a produtora de animações Studio Ghibli. Heidi (Arupusu no Shōjo Haiji -

51
Akira was number one at the box office the year of its release in Japan, even beating out Return of
the Jedi (NAPIER, 2001, p.41).
78
Haiji, A Menina dos Alpes), produção de 1974 - quando Takahata e Miyazaki trabalharam na
produtora Zuiyo - foi uma série de animê marcante nesse período por contrastar das demais
animações da mesma época, dominada pelos animês de sucesso com aventuras espaciais e
mechas. Acompanhando a trajetória da personagem principal Heidi, o drama em torno da
menina órfã na Suíça do século XIX foi o primeiro grande sucesso popular da dupla Takahata
e Miyazaki. No Brasil, o animê foi transmitido pelo SBT no início da década de 80.
Em 1982, Miyazaki criou o mangá Nausicäa (Kaze no tani no Naushika), que em 1984
foi lançado como animê longa-metragem para o cinema com produção de Takahata e
financiado pela Tokuma Shoten, empresa de comunicações composta também por uma
editora e uma produtora de cinema. Nausicäa foi um grande sucesso, arrecadando cerca de
750 milhões de ienes (SATO, 2007) nas bilheterias japonesas e posteriormente muito
elogiado pela crítica internacional. Com um tema que trazia o futuro e a relação do homem
com a natureza e a necessidade de protegê-la, Nausicäa já trazia em sua composição várias
das características mais conhecidas das obras de Miyazaki, como a ausência de uma figura
antagonista vilã, contextos que reuniam fantasia e realidade e as consequências das ações
humanas sobre a natureza. O sucesso dessa animação levou à criação do Studio Ghibli de
animação japonesa, em 1985. Uma das marcas das animações Ghibli foi e continua sendo o
apuro técnico coordenado por Miyazaki, que ainda prima por produções que utilizem mais as
animações artesanais do que os efeitos de computação gráfica.
Em 1988, foi lançado Meu Vizinho Totoro (となりのトトロ - Tonari no Totoro), uma
animação sensível que traz novamente relação de fantasia e realidade, quando as irmãs
Satsuki e Mei mudam-se para o interior do Japão com o pai e conhecem um ser mágico,
Totoro, que concluem ser o espírito protetor da floresta. A animação tornou-se muito popular
e Totoro foi adotado como símbolo da produtora, bem como tem a imagem vinculada aos
produtos licenciados do Studio Ghibli. Em 2001, no Parque Inokashira, na cidade de Mitaka,
foi inaugurado o Museu Ghibli, dedicado ao Studio Ghibli.
Nos anos 1990, surgiram animês com temas intelectuais mais complexos. Napier
(2001) elenca Neon Genesis Evangelion (新世紀エヴァンゲリオン - Shin Seiki Evangerion,
de 1996 a 1997), de Hideaki Anno, e Princesa Mononoke (もののけ姫 - Mononoke Hime,
1997), de Miyazaki, como as duas produções mais importantes do período. Em ambos, tão
grande quanto sua popularidade era também a complexidade de seus temas o que, segundo
Napier (2001), estimulou a publicação de ensaios acadêmicos não apenas sobre elas, mas do
animê em geral. Tornou-se evidente, a partir de então, que pelo menos em alguns ramos de
79
estudo, o animê começava a ser reconhecido como um produto cultural que genuinamente
merecia ser tema de pesquisa na Academia.
Já ficou claro que os mangás e animês são dois fortes produtos de exportação japonesa.
Vimos anteriormente como a indústria de animês aproveitava os clássicos da literatura
estrangeira em suas produções. Luyten (2011) reflete sobre as transformações no traço e
conteúdo de mangás e animês após exportação para o Ocidente. Ela indica mudanças
perceptíveis nos animês produzidos na década de 1970 quando comparados com os de 1990,
quando as personagens passaram por uma metamorfose que deixou para trás os corpos
esbeltos para ganharem curvas sexys. "E com isso formou-se um novo estereótipo para as
histórias recentes: 'big-breasted women, mechs, and lots of gore' [mulheres de seios grandes,
mecânica e muito sangue derramado]." (LUYTEN, 2011, p.190). Esta nova estética
corresponderia à demanda do mercado ocidental.
A frase kinsoku jikō desu ( 禁 則 事 項 で す ) pode ser traduzida como "é uma
informação confidencial". É uma fala bastante repetida pela personagem Mikuru Asahina,
uma das personagens do animê Suzumiya Haruhi no Yūtsu ( 涼 宮 ハ ル ヒ の 憂 鬱 - A
Melancolia de Haruhi Suzumiya). Mikuru é uma das mais conhecidas chara-moe e tem as
características mais típicas que assim a definiram. Trata-se de uma personagem feminina, fofa
e ao mesmo tempo atraente, desajeitada e frágil. (Figura 7)

Figura 7 - Figure da personagem Mikuru Asahina de Suzumiya Haruhi no Yūtsu

Fonte: Good Smile Company. Disponível em:<http://www.goodsmile.info/en >.

80
O moe, conceito utilizado por Azuma (2009) em sua teoria sobre o consumo otaku,
relaciona-se também com os estudos de mangás e animês. As histórias em quadrinhos e as
animações japonesas compõem juntas uma parte muito grande da cultura pop nipônica, e, isso
se deve muito aos fãs e com os laços que eles estabelecem com essas produções, constituindo
um fator decisivo para a forma como esses produtos passam a se espalhar pelo mundo. É neste
sentido que o conceito de moe se enquadra. Pouco familiar ao Ocidente, o moe desempenha
um papel central na produção e recepção do pop japonês em tempos de interesse do Japão em
fazer com que sua cultura pop torne-se global.
Patrick Galbraith tem sido um dos principais autores a trazer o contexto dos estudos
japoneses sobre a ideia de moe, para a compreensão ocidental. O termo que se refere a um
tipo de anseio afetivo, ou carinhoso por personagens de animês, mangás e jogos, corresponde
à resposta emocional do fã aos elementos visuais, mesmo que esses personagens não tenham
exatamente um enredo ou universo ficcional à sua volta (CONDRY, 2013)52.
O termo, segundo Galbraith (2014, 2015)53 , em termos linguísticos corresponde ao
substantivo do verbo moeru (萌える), que significa "irromper em broto" ou "brotar". Esta é a
definição real, mas, no Japão contemporâneo, moe é uma gíria e tem pouco a ver com
brotar. O significado se aproxima mais de um verbo homônimo, moeru (燃える) que significa
"queimar". Nos anos 1990, otakus de mangás, animês e games, promoviam discussões online
sobre personagens de ficção em que moe era usado como uma gíria para expressar paixão
ardente. Aconteceu que as pessoas estavam digitando acidentalmente moeru (萌える), de
brotar, quando queriam, na verdade, dizer moeru (燃える) de queimar para expressar o
quanto apreciavam uma personagem, normalmente feminina.

Neste uso contemporâneo, moe significa uma resposta afetuosa a


personagens de ficção. Há três coisas a observar sobre esta definição.
Primeiro, moe é uma resposta, um verbo, algo que é feito. Segundo, como
resposta, moe está situado naqueles que respondem a um personagem, e não
ao próprio personagem. Em terceiro lugar, a resposta é desencadeada por
personagens de ficção (GALBRAITH, 2014, p.5-6, tradução nossa)54.

52
Entrevista a Henry Jenkins. Disponível em:<http://henryjenkins.org/blog/2013/11/media-mix-is-
animes-life-support-system-a-conversation-with-ian-condry-and-marc-steinberg-part-
four.html?rq=moe>. Acesso em 21 nov. 2017.
53
Entrevista a Henry Jenkins. In defense of moe: an interview with Patrick W. Galbraith (part 1), 2015.
Disponível em:<http://henryjenkins.org/blog/2015/01/in-defense-of-moe-an-interview-with-patrick-w-
galbraith-part-one.html?rq=MOE>. Acesso em 21 nov. 2017.
54
In this contemporary usage, moé means an affectionate response to fictional characters. There are
three things to note about this definition. First, moé is a response, a verb, something that is done.
81
Os personagens que desencadeiam uma resposta moe são chamados de chara-moe
(moe character), e normalmente são de mangás, animês ou jogos. Objetos que trazem
representações de chara-moe, como travesseiros e lençóis estampados com o personagem e as
figures, podem desencadear moe. Normalmente, chara-moe são personagens femininas
frágeis e delicadas, ou kawaii, que é o termo para algo que é considerado fofo. O termo
kawaii também aparecerá novamente quando discutirmos a Moda Lolita.

3.3 Prática Cosplay


Cosplay é uma contração de costume (fantasia, vestimenta) e play (brincadeira,
interpretação). O termo originalmente faz referência aos dramas e peças históricas e aos
ensaios que exigiam disfarces adequados ao período (OKABE, 2014). O termo começou a
circular no Japão entre os anos de 1983 e 1984, na língua japonesa pronunciado como
kosupure (コスプレ), descrevendo a prática de se vestir e atuar como personagens de animês,
mangás, jogos, ficção científica, entre outros. No nosso caso, essencialmente trataremos de
cosplay relacionado aos animês, mangás e porventura jogos no Japão - e posteriormente no
Brasil; no entanto, o diálogo entre Estados Unidos e Japão é inevitável, uma vez que a origem
da prática cosplay encontra discussões divergentes que variam entre esses dois países. Ao
pensar em cosplay, na maioria das vezes, associamos as imagens ao Japão, uma vez que a
prática faz muito sucesso lá entre os fãs de animês e mangás, mas ainda assim, as fontes sobre
sua história não são exatas.
Geralmente, a prática cosplay ocorre em eventos específicos de cultura pop, sejam eles
de cultura pop japonesa ou não, como por exemplo a Comic Con: evento que começou em
Birmingham, na Inglaterra em 1968, inicialmente como um encontro de fãs de quadrinhos, e
agora é realizado em diversas cidades de diversos países, como San Diego, Nova Iorque e São
Paulo, reunindo grandes nomes da indústria do entretenimento. A Comic Con no Brasil,
conhecida por Comic Con Experience (CCXP), foi realizada pela primeira vez em 2014, aos
moldes da Comic Con de San Diego e é voltada para o público nerd, com foco nas histórias
em quadrinhos, filmes, jogos e séries de TV americanas. É um evento que reúne muitos
cosplayers de todos os tipos.

Second, as a response, moé is situated in those responding to a character, not the character itself. Third,
the response is triggered by fictional characters (GALBRAITH, 2014, p.5-6).
82
A atividade cosplay tornou-se conhecida não apenas pela temática de ficção científica;
ela também abarca o ato de se fantasiar como personagens midiáticos em geral, como os de
desenhos animados, histórias em quadrinhos, filmes, séries televisivas, mitologia, horror e
jogos. Okabe (2014) observa que o cosplay pode ser tanto uma prática colaborativa quanto
competitiva. Os praticantes geralmente trabalham em grupos, mas pode haver tensões e
conflitos dentro deles e entre outros grupos.

[...] os cosplayers formam uma comunidade distinta com valores e limites


compartilhados. A prática cultural do cosplay tem significado apenas dentro
desta comunidade, e a comunidade existe apenas através da participação
ativa de seus membros nessas práticas compartilhada (OKABE, 2014, p.
227, tradução nossa)55.
No Japão, há diversos eventos que são atrativos da prática cosplay. Por vezes, consta
como uma atividade opcional, como na Comiket ou Comic Market, e em outros casos, como a
World Cosplay Summit, a atividade cosplay é a atração principal.
Comiket (コミケット, Komiketto), é a maior e mais antiga feira de dōjinshi 56 - o
termo designa publicações independentes de mangás - realizada duas vezes ao ano, em
Tóquio. A primeira Comiket foi realizada em 1975 e continua, até hoje, a ser considerada um
dos principais eventos otaku do mundo. Tamagawa (2012) informa ainda que mesmo antes de
o termo otaku se estabelecer na cultura pop japonesa, fãs de animês e mangás já se reuniam na
Comiket para divulgar e comercializar essas publicações amadoras. Os participantes também
aproveitam o evento para a atividade cosplay. Antes, a Comiket tinha muitas restrições aos
cosplays, como a proibição de objetos maiores do que 30 cm, que muitas vezes limitava o
porte de acessórios de vários cosplayers de personagens que carregassem objetos como
bastões e armas. A redução das restrições incentivou o crescente número de praticantes no
evento, considerado um dos mais atrativos para a prática. Há, entretanto, diversas regras e
espaços determinados onde é permitido o trânsito de cosplayers, o que é bastante diferente de
alguns eventos de cultura pop ocidentais.

55
In this way, cosplayers form a distinct community with shared values and boundaries. The cultural
practice of cosplay has significance only within this community, and the community exists only
through its members’ active participation in these shared practices (OKABE, 2014, p.227).
56
Dōjinshi (同人誌) também é conhecido por dōjin ( 同人). Dōjin e dōjinshi muitas vezes são
considerados sinônimos, mas possuem algumas diferenças no japonês. Pela leitura dos kanjis, dōjin
também pode significar "a mesma pessoa", mas neste caso se trata de pessoas ou grupos que
compartilham do mesmo hobby e historicamente designam grupos de aficcionados. Dōjinshi, então, é
a publicação de um dōjin. Dōjinshi são as produções de mangás amadores. Disponível
em:<http://www.japanesewithanime.com/2016/10/doujin-doujinshi-meaning.html>. Acesso em 21
nov. 2017.
83
Já o World Cosplay Summit, também conhecido como WCS, é talvez o mais
conhecido campeonato mundial de prática cosplay, realizado anualmente. Iniciado em 2003,
em Nagoia, o WCS propunha estabelecer laços de amizade internacional promovendo a
prática cosplay. Em 2012, já contava com 20 países participantes, e em 2017 contou com 32
países. O WCS tem parcerias com diversos eventos de cultura pop japonesa em todo o mundo
para realizar as competições preliminares, como o Anime Friends, no Brasil. O World
Cosplay Summit conta com o apoio do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MOFA),
Ministério da Economia, Comércio e Indústria (METI), Ministério da Terra, Infraestrutura e
Transporte (MLIT) e a Fundação Japão. O MOFA57 apoia o WCS como um evento que abre
as portas para que as pessoas do exterior conheçam a cultura pop e tenham interesse em
compreender mais do Japão.
Além das convenções, ou eventos, os cosplayers também utilizam vários meios para
comunicação e organização de suas atividades. Informações dos próximos eventos são
divulgadas com mais eficiência por meio de sites e redes sociais. Muitos cosplayers, sejam de
competição ou não, gostam de publicar online as fotos e vídeos de suas produções. Em muitos
casos não há apenas revistas, mas sites e páginas em redes sociais para troca de informações
sobre DIY (Do it Yourself), já que a maior parte dos cosplayers produz as próprias roupas e
acessórios, o que é muito apreciado dentro dessa prática. Em outro nível, existem os
cosmakers, que são pessoas que produzem fantasias completas sob encomenda, garantindo
que cosplayers tenham um traje muito mais elaborado e detalhado, claro, com um custo bem
maior.
Na mídia impressa, a Cosplay Mode é uma famosa revista japonesa voltada para a
prática cosplay. Desde 2002, a publicação traz informações e tutoriais de produção de
fantasias e maquiagens e fotos de cosplayers de todo o mundo. A revista não conta apenas
com a publicação impressa, mas possui um site oficial (https://cosplaymode.net/), aplicativo
para celular e perfis em redes sociais como Facebook, Instagram e Twitter, onde é possível
acessar vários tipos de conteúdos diferentes, inclusive na língua inglesa58. Esse movimento da
Cosplay Mode de aproveitar as tecnologias de comunicação digitais também vai de acordo

57
Disponível em:<http://www.mofa.go.jp/p_pd/ca_opr/page25e_000152.html>. Acesso em 21 nov.
2017.
58
Os conteúdos online da Cosplay Mode podem ser acessados nos seguinte links: Site oficial
disponível em:<https://cosplaymode.net/>. Facebook disponível
em:<https://www.facebook.com/COSplayMODE/>. Instagram disponível
em:<https://www.instagram.com/cosplay_mode/> e Twitter disponível
em:<https://twitter.com/cosplay_mode>.
84
com a colocação de Okabe (2014) de que os cosplayers, assim como otakus, têm uma
proximidade maior com as mídias digitais.

3.3.1 Origens da prática cosplay no Japão

Embora não exista exatamente um consenso sobre a cronologia da origem e expansão


da prática cosplay, Nunes (2015), reunindo informações coletadas entre cosplayers com a
bibliografia existente, informa que os filmes de ficção científica parecem ter sido as primeiras
inspirações para a prática de vestir e interpretar personagens. A maior parte das fontes que
discutem as origens da prática cosplay encontram-se dispersas em sites e blogs a respeito do
tema. No portal Cosplay Brasil (https://www.cosplaybr.com.br/page/)59 , a origem também
está relacionada às convenções de ficção científica dos Estados Unidos, apontando a primeira
World Science Fiction Convention (Worldcon), que ocorreu em Nova Iorque em 1939, como
o primeiro exemplo da prática cosplay. Forrest J. Ackerman e Myrtle R. Douglas foram ao
evento fantasiados. Ackerman usava um traje de piloto espacial, enquanto Myrtle usava um
vestido inspirado no filme clássico de 1936, Things to Come, baseado na obra de H.G. Wells.
A ação da dupla fez sucesso e foi adotada por outras pessoas depois. (Figura 8)

59
Disponível em:<https://www.cosplaybr.com.br/page/index.php/o-que-e-cosplay>. Acesso em: 05
mar. 2016.
85
Figura 8 - Forrest J. Ackerman e Myrtle R. Douglas durante a I WorldCon.

Fonte: Sintonia Geek Magazine. Disponível em:< http://sintoniageek.com.br/>. Acesso em 01 dez.


2017.

A prática cresceu, levando, posteriormente, ao surgimento dos masquerades,


concursos que permitiam que os participantes realizassem apresentações que entretinham o
público. Nunes (2015) também acrescenta o trabalho de Frenchy Lunning (2011)60, professora
da Universidade de Minnesota, que aponta para a presença da prática no Japão, em 1978, com
a performance de Mari Kotani, escritora de ficção científica japonesa. Tratava-se da
convenção conhecida por Ashinocon (Nihon SF Takai), onde Kotani usou uma fantasia
inspirada no trabalho artístico de capa japonesa de A fighting man of Mars, de Edgar Rice
Burroughs. Em diversas fontes, o cosplay de Kotani foi erroneamente relacionado a Umi no
Triton, obra de Osamu Tezuka, de 1969.
Segundo Okabe (2014), a história do cosplay no Japão abarca mais de quatro décadas.
A prática estava associada aos eventos dōjin e de ficção científica já por volta de 1975. Os fãs
japoneses foram incentivados à prática cosplay pela atividade dos masquerades americanos.
Assim, com o sucesso de séries como Mobile Suit Gundam, em 1979, e Urusei Yatsura (うる
星やつら), em 1981, o cosplay decolou.

60
LUNNING, Frenchy. Cosplay, drag, and the performance of abjection. In: PERPER, T.; CORNOG,
M. (ed.). Mangatopia. santa Barbara, California: Libraries unlimited, 2011.
86
O animê Urusei Yatsura é uma adaptação do mangá de mesmo nome, de Rumiko
Takahashi, publicado em 1978. Foi um dos títulos mais populares entre os fãs ocidentais,
segundo Clements e McCarthy (2006). A história era uma mistura de comédia romântica com
ficção científica sobre a invasão de uma raça alienígena conhecida por Oni, na Terra. Antes da
invasão, é dada aos humanos a chance de evitar que a Terra seja tomada, por meio de uma
competição no qual um jogador humano, selecionado aleatoriamente, disputaria contra a
Princesa Lum. Uma das características da personagem eram as roupas, ou a falta delas.

Figura 9 - Personagens de Urusei Yatsura (1978 por Rumiko Takahashi)

Fonte: Character design references. Disponível em:<https://characterdesignreferences.com/art-


of-animation-3/urusei-yatsura>.

Okabe (2014) observa que, sem regras específicas sobre as fantasias de cosplayers nos
eventos, reproduzir a aparência de personagens como a do animê Urusei Yatsura causava
problemas aos moradores que residiam nas vizinhanças dos locais onde se realizavam as
convenções. (Figura 9) Queixavam-se dos cosplayers com trajes indecentes. Por conta disso,
continua Okabe, já na Comiket de 1983, os organizadores começaram a limitar a prática
cosplay aos espaços do evento. Mais do que apenas atender às solicitações dos vizinhos e da
polícia, essas restrições também procuravam estabelecer um tipo de auto-controle defensivo
entre cosplayers para proteger a prática de atenções negativas das pessoas.
Para Winge (2006), a história de origem com mais evidências em que é possível se
amparar relaciona contribuições americanas e japonesas sobre a prática cosplay. Em 1984,
Nobuyuki Takahashi, fundador e escritor do Studio Hard, editora de animê, participou da
WorldCon, em Los Angeles, e, fascinado pela atividade de fãs americanos de ficção científica
que se vestiam como seus personagens favoritos, levou ao Japão os relatos de sua experiência
na convenção, incentivando seus leitores japoneses a incorporarem fantasias aos eventos de
87
animê e mangá. Assim, de acordo com Bruno (2002) 61 , citado por Winge (2006, p. 67),
Takahashi criou a expressão costume play que eventualmente foi abreviada para kosupure, ou
cosplay.
O próprio Takahashi, em um texto breve sobre a origem do termo cosplay,62 descreve
que na década de 1970, nas feiras de quadrinhos, já havia pessoas fantasiadas como
personagens de mangá, mas o termo ainda não existia para designá-los. As revistas Manpa e
Dax já publicavam artigos a respeito. Por exemplo, em 1977, houve um evento, descrito por
Takahashi como um "grande desfile de mangá", na área comercial da cidade de Mito, na
prefeitura de Ibaraki onde alguns participantes foram vestidos como Q-chan de Obake no Q-
tarou. Nesta época, a palavra cosplay ainda não era usada, mas não significa que a prática não
tenha existido.
Na década de 1990, com a popularização da prática cosplay, os temas também se
expandiram, incluindo cosplay de membros de bandas Visual Kei, movimento visual e
musical característico pela peculiaridade estética dos integrantes das bandas, uma mistura de
estilo punk e heavy metal andrógino. Okabe (2014) observa que a maioria dos cosplayers de
Visual Kei eram mulheres, fãs dessas bandas de rock. McCarthy (2017) ainda acrescenta que,
no Japão, a prática cosplay é um hobby predominantemente do público jovem feminino, em
contrapartida ao cenário norte-americano, onde a prática é realizada por pessoas de todas as
idades, tanto homens quanto mulheres.
McCarthy, em sua fala na Conferência Japan Stitching Time, realizado pela Fandom
and Neomedia Studies Japan (FANS), em Kofu, Japão, em março de 2017, expandiu seus
estudos anteriores e propôs uma discussão complementar sobre a história do cosplay. Ela
explica que a atividade de vestir-se e assumir outra identidade e atuar de acordo com as
características da vida de outra pessoa faz parte da nossa cultura desde os tempos primordiais.

Os Estados Unidos não inventaram cosplay. Nem o Japão, embora o Japão


definitivamente tenha nos dado a palavra, e definitivamente não importou a
prática da América em 1984. Cosplay, masquerade, fancy dress, qualquer
termo que você escolher, emerge de um dos impulsos mais antigos e
profundos do espírito humano: a crença de que a imitação pode ser
conjuração (MCCARTHY, 2017, p.130, tradução nossa)63.

61
BRUNO, M. Cosplay: the illegitimate child of SF Masquerades. Glitz and Glitter Newsletter,
Millennium Costume Guild, out. 2002. Disponível em:< http://millenniumcg.tripod.com/>.
62
TAKAHASHI, Nobuyuki. 30th anniversary of cosplay, [201-?]. Disponível
em:<http://www.hard.co.jp/cosplay_02.html>. Acesso em 01 nov. 2017.
63
America didn’t invent cosplay. Nor did Japan, although Japan definitely gave us the word and
definitely did not import the practice from America in 1984. Cosplay, masquerade, fancy dress,
88
Ao longo da história, muitas sociedades usaram fantasias, trajes e máscaras para rituais
públicos e privados da antiguidade, que vão desde rituais religiosos até celebrações, bailes e
festas e peças teatrais. O ato de fantasiar-se também atendia propósitos públicos em que esses
rituais eram validados por uma comunidade de interesse. Hoje, o ato de se fantasiar é também
uma forma de expressão de ideias e de objetivos pessoais.
Para Winge (2006), a prática cosplay inclui ainda alguns subgêneros. Ele inclui as
categorias mecha, furry, ciborgue e Lolita. Mechas são os robôs gigantes pilotados por
humanos, como por exemplo em Gundam e Evangelion. Furry são personagens com pelos,
como por exemplo Totoro. Ciborgues são parte humanos e parte máquinas, como a
personagem emblemática Major Motoko Kusanagi de Ghost in the Shell64. Já o subgênero
Lolita é a tentativa de transmitir a essência kawaii. Entretanto, não tratamos Lolita como
prática cosplay, mas sim como um estilo de Moda urbana, como poderá ser visto logo mais
ainda neste capítulo.
A prática cosplay é muitas vezes analisada nos trabalhos acadêmicos como uma
maneira encontrada pelo sujeito de expressar recusa às práticas normais de comunicação e
relacionamento social. Além disso, a prática versa sobre a autopercepção do sujeito e sua
proximidade com as tecnologias de comunicação digitais, presente na internet com a produção
de conteúdos relacionados e divulgação da prática, estabelecendo uma ligação com os
processos de identificação propostos por Stuart Hall (2005) como próprios do sujeito pós-
moderno e caracterizados como móveis - continuamente formados, transformados e
deslocados de acordo com as situações e o coletivo que nos rodeia.
O estranhamento diante não apenas da prática cosplay como de muitas produções de
fãs da cultura pop japonesa ainda é muito significativo, porém, Shirky (2011) explica que a
disseminação de hobbies digitais pode não parecer muito relevante em parte porque
aprendemos a enxergar os interesses amadores como ridículos, quando não suspeitos. Neste
caso, a questão do alto custo de visibilidade - aplicável às mídias de massa como a TV, que
trabalha para o alcance do público - dá lugar às mídias sociais que possibilitam encontrar
outras pessoas com os mesmos hobbies no que ele propõe como um movimento

whatever term you choose, emerges from one of the oldest and deepest impulses of the human spirit:
the belief that imitation can be conjuration (MCCARTHY, 2017, p.130).
64
Ghost in the Shell é um mangá de Masamune Shirow, publicado em 1989 e adaptado para o filme
animê em 1995 e série em 2002. A temática cyberpunk e a ambientação em um futuro onde a relação
homem-máquina proporciona extensões inimagináveis da capacidade do cérebro humano guiam um
roteiro complexo e um visual marcante que tornou Ghost in the Shell um marco, como Akira.
89
retroalimentativo, onde as motivações intrínsecas são essenciais à natureza humana e, se há
ferramentas que possibilitam essas motivações, então deveriam ser disseminadas.

A mídia social também acaba com os custos de descoberta: o acesso à web


nos permite encontrar outras pessoas que gostam de construir modelos de
trens e fazer macramê, ou desenhar aviões de papel, se vestir como
personagens de desenhos animados, praticar yoga, tricotar meias, fotografar
telefones públicos, fazer comida catalã e por aí afora, a qualquer hora do dia
ou da noite, no mundo inteiro (SHIRKY, 2011, p. 83).
A representação de si das culturas juvenis, no caso da prática cosplay, é transportada
para as personagens inspiradoras. Marco Antonio Bin (2015) caracteriza a escolha das
personagens muito mais do que meramente aleatória, ou seja, cada uma está carregada de uma
história, uma narrativa e memória pessoal - ainda que advinda de narrativas midiáticas - que
permitem ao sujeito encontrar o sentimento de pertencimento no mundo e a maneira como se
representa socialmente. Corrobora o que McCarthy (2017) observa sobre os propósitos
pessoais que levam à prática cosplay, quando fantasias são vestidas e o personagem assumido
representa, além de uma escolha particular, um modo de expressão.

3.4 J-Fashion: a Moda Lolita


Quando pensamos em Moda e Japão, muitas vezes lembramos dos estilistas nipônicos
que se lançaram no universo da alta-costura ocidental, como Rei Kawakubo, fundadora da
famosa Comme des Garçons, e conhecida pelo design provocativo de suas coleções, em que
convergem arte e moda. Podemos lembrar também do estilista Kenzo Takada, que fundou a
Kenzo, uma marca de perfumes, cosméticos e roupas, famosa pelo mundo todo.
No nosso caso, o J-Fashion ou Japanese Fashion é uma expressão usada para tratar da
moda japonesa das ruas, mais exatamente a moda urbana, ou alternativa (Japanese street
fashion ou Japanese street style). Esses estilos urbanos foram criados pelo público em geral
ao invés de estilistas ou estúdios de moda e são influenciados por grupos de jovens
majoritariamente femininos. Os jovens, ou adolescentes, são apontados como principais
agentes influenciadores deste mercado da moda, determinando as tendências em alta.

A moda urbana japonesa surge das redes sociais entre as diferentes


instituições da moda, bem como várias subculturas urbanas, cada uma das
quais é identificada com um aspecto único e original. Esses adolescentes
dependem de uma aparência distintiva para proclamar sua identidade
simbólica e subcultural. Essa identidade não é política ou ideológica; é

90
simplesmente uma moda inovadora que determina sua afiliação grupal
(KAWAMURA, 2006, p.785, tradução nossa)65.
Kawamura (2006) também associa o desenvolvimento da moda urbana ao contexto
econômico da época. Após os prósperos anos 1980, em que a economia japonesa ascendeu, o
país se viu num momento de recessão e estagnação econômica. Nos anos 1990, a juventude
marcada pelo consumismo da década anterior manifestou seu afastamento do sistema de
valores sociais japonês. As crenças e valores tradicionais que fortemente guiaram o
comportamento de seus pais a respeito dos valores de família, trabalho e a ideia do bem
coletivo enfraqueceram para esses jovens.

A moda expressa a ideologia predominante da sociedade, e esses


adolescentes veem a afirmação da identidade individual como mais
importante e significativa do que a identidade grupal, que costumava ser o
conceito-chave na cultura japonesa. Tais atitudes se refletem em seus estilos
desregrados e ultrajantes mas que chamam a atenção e são comercialmente
bem-sucedidos (KAWAMURA, 2006, p.787, tradução nossa)66.
Assim como pudemos observar nos mangás e animês que, durante os anos 1990,
começaram a ter mais influência no Ocidente, a moda urbana japonesa também se tornou,
nesse contexto, cada vez mais criativa e inovadora, com os adolescentes encabeçando essas
novas definições de padrões estéticos da moda, novamente, por meio do consumo de bens
culturais.
Kawamura (2006) estabelece uma relação interessante entre moda urbana e cosplay,
associando a prática como algo que alimentou a street fashion japonesa. Cosplayers de Visual
Kei e Gothic Lolitas, nos anos 2000, desfilavam em peso por Harajuku, bairro de Tóquio.
Gothic Lolita, uma subcategoria da Moda Lolita, é muitas vezes relacionada ao Visual Kei,
uma vez que muitas adeptas da Moda Lolita também eram fãs de bandas desse estilo musical
e visual; no entanto, tratava-se de coisas distintas.
Em Tóquio, Harajuku e Shibuya são os distritos comerciais que representam as bases
da moda urbana japonesa. Inúmeras tendências surgiram entre os jovens que frequentavam as
regiões e as mídias tiveram muita responsabilidade para o destaque que a moda urbana

65
Japanese street fashion emerges out of the social networks among different institutions of fashion as
well as various street subcultures, each of which is identified with a unique and original look. These
teens rely on a distinctive appearance to proclaim their symbolic, subcultural identity. This identity is
not political or ideological; it is simply innovative fashion that determines their group affiliation
(KAWAMURA, 2006, p.785).
66
Fashion expresses the prevailing ideology of society, and these teens see the assertion of individual
identity as more important and meaningful than that of group identity, which used to be the key
concept in Japanese culture. Such attitudes are reflected in their norm-breaking and outrageous, yet
commercially successful, attention-grabbing styles (KAWAMURA, 2006, p.787).
91
japonesa conquistou. A revista mensal Fruis, por exemplo, publicada a partir de 1997 e
voltada especificamente para esse gênero da moda, colaborou para a grande projeção
internacional dos estilos urbanos (GREINER, 2015). Com Fruits, Shoichi Aoki, fotógrafo-
chefe da revista, forneceu um registro das tendências urbanas emergentes ao longo de todos
esses anos, criando um público que cultuava a publicação e servindo como inspiração para
muitos designers. No início de 2017, Shoichi Aoki anunciou o fim da revista, gerando muitas
discussões a respeito do declínio da mídia impressa e da moda urbana em Harajuku. A
declaração de Aoki sobre o término da revista foi de que não havia mais jovens cool para
fotografar67. Para a i-D Japan, em abril de 2017, Aoki se pronuncia sobre ascensão e queda de
Harajuku.
Na década de 1990, ele relata como se inspirou a iniciar Fruits, registrando os
primeiros movimentos dos jovens de se apropriar da moda, livrando-se das imposições de
marcas e designers e criando um estilo autêntico que influenciou a moda em todo o mundo. O
ápice criativo em Harajuku, segundo ele, deve muito ao Hokoten. Hokoten é a abreviação da
expressão Hokōsha Tengoku (歩行者天国) que significa "paraíso dos pedestres". Hokoten
designa um distrito de ruas fechadas ao tráfego de carros, permitindo que as pessoas
caminhem livremente e desfrutem o espaço. Harajuku Hokoten era o mais conhecido em
Tóquio, mas foi fechado no final dos anos 1990. Aoki, que via em Harajuku jovens que
criavam estilos únicos, atribui ao fechamento do Hokoten muito do declínio das manifestações
da moda urbana autêntica no distrito, já que Harajuku deixou de ser um ponto de encontro
onde podia-se criar, misturar-se e impressionar por meio da moda.

3.4.1 Pink makes you happy68: origens do kawaii

Kawaii é uma expressão para aquilo que é fofo, gracioso, delicado, frágil e bonitinho.
Hello Kitty é um exemplo bastante primordial para expressar a ideia transmitida por essa
palavra. Kawaii é também um dos componentes mais importantes da cultura pop japonesa e
uma das abordagens aproveitadas pela estratégia Cool Japan. Em 2009, Misako Aoki foi
nomeada pelo Ministério das Relações Exteriores do Japão como uma das Embaixadoras
Kawaii, que tem o compromisso de viajar pelo mundo divulgando a cultura pop. Junto dela, Yu
Kimura e Shizuka Fujioka também foram escolhidas como representantes da moda urbana
67
Notícia divulgada pela Vice i-D Japan: Disponível em:<https://i-
d.vice.com/en_au/article/ywvz3g/what-the-closure-of-fruits-magazine-means-for-japanese-street-
style>. Acesso em 2 dez. 2017.
68
Yūko Yamaguchi (designer de Hello Kitty).
92
japonesa e Comunicadoras das Tendências da Cultura Pop no exterior. Fujioka representa o
estilo colegial e Kimura o estilo de Harajuku. Aoki representa a Moda Lolita e preside a Nihon
Lolita Kyokai (Associação Japonesa das Lolitas), fundada em 2013. Lolitas são personificações
da ideia de kawaii e, ao contrário do que se possa pensar, o nome Lolita não tem proximidade
com a Lolita do romance de Vladimir Nabokov, mas trata-se aqui da subcultura japonesa da
moda de Harajuku. Antes de nos aprofundarmos na Moda Lolita, interessa-nos primeiro analisar
o conceito de kawaii e como ele se relaciona com esse estilo fashion.
O termo kawaii tem origens históricas mais profundas, que remetem ao final do período
Heian (794-1185), encontrado na literatura Konjaku monogatari (Narrativas do Presente e do
Passado) a partir da palavra kawayushi ou kawowayushi (OKANO, 2014; KINSELLA, 1995).
Okano (2014, 2015) observa, entretanto, que o termo kawayushi tinha outra semântica e estava
relacionado ao sentido de demonstrar pena, ter vontade de fechar os olhos quando se está diante
de uma situação dolorosa.
"A palavra kawayushi foi substituída, após a Segunda Guerra Mundial, por kawayui, que
mais tarde se transformou em kawaii, como a conhecemos atualmente." (OKANO, 2014,
p.289).
A fonte para kawaii, com o significado que conhecemos atualmente, consta em Makura
no sōshi (Livro de Cabeceira ou Livro do Travesseiro), de Sei Shōnagon, que data também do
período Heian (794-1185). O termo em questão era utsukushi (美し) ou utsukushiki, atribuindo
coisas graciosas, de tamanho reduzido, como crianças e pássaros (OKANO, 2014; KOMA,
2013).

Fofura e meiguice são atributos tipicamente associados com fraqueza,


desamparo, e estar em necessidade do cuidado dos outros. Tal condição
evoca um desejo de proteger, nutrir e cuidar de objetos ou indivíduos
classificados dessa forma. Enquanto kawayushi incorpora os aspectos
negativos de fofura (sua natureza frágil e indefesa), em algum lugar na sua
transição linguística para kawaii esses aspectos negativos receberam um
novo sentido. O termo kawaii moderno celebra e enaltece essa fraqueza em
seu estado puro, bom e de natureza ingênua. Como tal, o termo é usado para
descrever bebês e crianças, bichos de pelúcia, animais de estimação, e tudo
mais que seja adorável (CÉ, 2014, p.179).
Koma (2013) também traz a abordagem de Reiko Koga sobre kawaii, publicada em
2009, em Kawaii no teikoku: mōdo to media to onna no kotachi (「かわいい」の帝国 : モー
ドとメディアと女の子たち). Para Koga (2009 69 apud KOMA, 2013, p.8), a fonte para
kawaii é a cultura shōjo que se desenvolveu no final do período Meiji (1868-1912) e persistiu

69
KOGA, Reiko. Kawaii no teikoku. Tóquio: Seidosha, 2009.
93
até o início do período Taishō (1912-1926). Seu ponto de vista se constrói por meio da análise
diacrônica de kawaii desde o início até o presente, tocando na mídia e nos costumes de cada
período, em cuja base estavam as meninas com estilo ocidentalizado das ilustrações de Jun'ichi
Nakahara (1904-1986). Okano (2014;2015) trata esta segunda abordagem como uma das fases
de desenvolvimento do kawaii, que, no caso, trata-se do kawaii moderno, produto da
hibridização entre a cultura japonesa e a ocidental70.
Além de Jun'ichi Nakahara, representações do kawaii moderno podem ser encontradas
nas ilustrações de Yumeji Takehisa (1884-1934), Katsuji Matsumoto (1913-1983) e Ado
Mizumori, que eram divulgadas sobretudo pelas revistas femininas (OKANO, 2014). A seleção
desses artistas com a estética de suas ilustrações como representações kawaii foi proposta por
Michiko Okano em seu artigo "A estética kawaii: origem e diálogo", apresentado no Encontro
Internacional de Pesquisadores em Arte Oriental, realizado em 2014. Nakahara e Takehisa
também foram citados anteriormente em nosso trabalho a respeito de uma possível origem da
estética dos olhos grandes dos mangás (além da já conhecida atribuição a Osamu Tezuka como
responsável pela estética dos olhos de mangá).
O estilo de representação feminina de Takehisa ainda trazia um pouco da herança do
ukiyo-e, com mulheres de rostos mais alongados, de pele clara e vestindo quimonos.

Os rostos brancos das mulheres contêm uma maior expressividade, com


olhos e bocas mais pronunciados e os braços, também esbranquiçados, são
longos. Os traços são mais soltos e há a ênfase do desenho do rosto em
perfil, raro nas épocas precedentes, e mostra a lateralidade do pescoço, que
transmite uma delicada sensualidade (OKANO, 2014, p.292).
As meninas das ilustrações de Nakahara, no entanto, ora eram representações de
japonesas, ora ocidentais. Possuiam um olhar lânguido e sonhador, destacado por grandes cílios.
Nakahara introduziu em suas ilustrações as roupas ocidentais e transmitiu como deveria ser o
comportamento ideal para a boa menina japonesa. Okano (2014) explica que essa imagem que
Nakahara apresentava seria figura shōjo, também pesquisada por Koga. Shōjo, como também
vimos nas categorias de mangás, corresponde à denominação de garota, menina, e corresponde
ao período intermediário em que não se é criança e nem adulta, e sim, constitui um tempo de
espera.

70
Okano (2014, 2015) nos permite pensar no desenvolvimento do kawaii em três fases: a primeira é
tradicional, citada antes; a segunda se trata do kawaii moderno e a terceira, kawaii contemporâneo, que
se desenvolve na década de 1970.
94
Eiji Ōtsuka71, em Shōjo minzokugaku (Etnologia das meninas, 1997) citado por Okano
(2014, p.293), explica que essa valorização da fase shōjo nada mais é do que um produto
inventado pela sociedade moderna, e cujas regras eram ditadas pelas revistas femininas como
Shōjo no tomo (Amiga da mocinha). Antes dessa concepção, as meninas, a partir do momento
que menstruavam, passavam imediatamente à posição de mulheres maduras que deveriam estar
prontas para assumirem o papel de reprodutoras e de força de trabalho.

Essa obra esclarece, ainda, que essa fase intermediária, em que as meninas
deveriam ser conservadas e “sem uso”, como um objeto de troca futura, foi
criada pela sociedade de consumo. Para tanto, a educação da era Meiji trazia,
como ideal da sociedade moderna, a formação de uma “boa esposa e mãe
inteligente” (ryôsai kenbo 良妻賢母) (OKANO, 2014, p.293).
Já no pós-guerra, Matsumoto e Mizumori trouxeram representações kawaii shōjo mais
caricaturais; Matsumoto com figuras femininas, mais infantis, e Mizumori com uma abordagem
que difere das demais, por trazer a concepção do corpo shōjo sexualizado.
A socióloga e estudiosa dos padrões de comportamento do Japão contemporâneo,
Sharon Kinsella (1995), afirma que o kawaii (ou cute culture, como a autora denomina) parece
ser acessível exclusivamente por meio do consumo. Acompanhando a prévia divisão das fases
de desenvolvimento do kawaii, a partir da década de 1970, quando se desenvolveu a indústria
dos fancy goods (artigos de fantasia, pequenos itens e artigos de papelaria produzidos para o
consumo do público feminino), atribuímos a fase do kawaii contemporâneo. Nesta época de
boom do consumo, não demorou para que o kawaii fosse capitalizado.
Em 1971, a Sanrio, criadora de Hello Kitty, começou a produzir artigos de papelaria
como diários decorados para as estudantes, aproveitando a mania da caligrafia fofa, uma
modificação da escrita japonesa com traços mais arredondadas e mistura com pequenos
símbolos e desenhos como coraçõezinhos e caveirinhas, e nos mangás e animês, construindo
um ambiente fantasioso para as meninas, baseado no consumo. Os ingredientes principais de
um fancy good são o tamanho reduzido, o formato redondo, macio, adorável, representação do
que não corresponde ao tradicional estilo japonês, mas sim a um estilo estrangeiro - em
particular de estilo europeu ou americano - sonhador e fofo (KINSELLA, 1995). A autora ainda
acrescenta que: "o que os processos de produção capitalista despersonalizam, o design de bens
fofos repersonaliza" (KINSELLA, 1995, p.228, tradução nossa)72.

71
ŌTSUKA, Eiji. Shōjo minzokugaku: seikimatsu no shinwa wo tsumugu miko no matsuei.
(Etnologia de Shōjo: a descendência do médium que prolonga a mitologia do final do século). Tokyo:
Kōbunsha, 1997.
72
What capitalist production processes de-personalise, the good cute design re-personalises
(KINSELLA, 1995, p.228).
95
Na década de 1980, o kawaii também se tornou um estilo da moda japonesa. As roupas
em tons pastéis, recatadas, de mangas bufantes e laços eram desenhadas para que quem as
vestisse parecesse mais novo do que de fato era. Esse desejo de se aproximar de uma época de
infância era característico do kawaii e estava relacionado ao descontentamento das imposições
da vida adulta. O estilo e o comportamento kawaii estão associados aos sentimentos genuínos e
à pureza, características contrárias à vida adulta, em que os japoneses se veem obrigados a
ocultar seus verdadeiros sentimentos. "A moda kawaii idolatra a infância porque é vista como
um lugar de liberdade individual inalcançável na sociedade." (KINSELLA, 1995, p.242,
tradução nossa)73.
Segundo Kinsella (1995), a fase adulta não era vista como uma fonte de liberdade ou
independência, mas sim como um período de restrições e trabalho duro, cercado de
responsabilidade tanto para com trabalho como para a família e sociedade, que exigia que se
trabalhasse arduamente para atender às expectativas da sociedade.
Desta forma, a moda kawaii era uma espécie de rebelião ou recusa em cooperar como
estabelecimento de valores sociais e a realidade. Foi uma forma de rebelar-se sem agressividade
ou provocação sexual. Ao invés de protestar para provar maturidade e independência, os jovens
japoneses adotaram o kawaii e a postura pré-sexual e vulnerável para enfatizar sua imaturidade
e inabilidade de arcar com todas as responsabilidades que a sociedade lhes exigia (KINSELLA,
1995).
O kawaii como uma atividade comercial se deu na década de 1970 no Japão. Antes
disso, nos anos 1960 personagens de programas televisivos alimentavam o mercado de
brinquedos e bens de consumo, mas apenas na década seguinte esse campo aumentou
impulsionado pelos mangás. Em 1971, como havíamos mencionado, a Sanrio começou a
produzir a linha de produtos com a personagem Hello Kitty, que estimulou o crescimento do
mercado de fancy goods - o consumo de produtos relacionado ao kawaii (ALLISON, 2004).
Nos anos 1980, as empresas começaram a adotar personagens kawaii em seus materiais
promocionais/publicitários, o que depois veio a se tornar uma tendência no Japão. Allison
(2004) menciona a concepção da Dentsū (1999), uma das maiores agências de publicidade do
mundo, de que a apropriação de personagens e símbolos kawaii atribui identidade pessoal,
corporativa, grupal ou nacional, pois a essência do character merchandising se dá por unir a

73
Cute fashion idolises childhood because it is seen as a place of individual freedom unattainable in
society (KINSELLA, 1995, p.242).
96
sociedade pela raiz. Um personagem acompanha o desenvolvimento de um grupo e torna-se
parte dele e também um símbolo, uma identidade.

Cuteness tornou-se não apenas uma mercadoria, mas também equiparada ao


próprio consumo - a perseguição de algo que destrói o peso e as amarras da
vida (produtiva). Ao consumir e, mais especificamente, ao consumir
cuteness, se expressa o anseio de ser consolado e acalentado: um anseio de
que muitos pesquisadores e designers de jogo no Japão tragam uma nostalgia
de experiências no passado de uma criança (ALLISON, 2004, p.40, tradução
nossa, grifo nosso)74.
Em complemento à Kinsella (1995), Yano (2013) chama de Pink Globalization
(Globalização rosa) a propagação transnacional de bens e imagens classificadas como kawaii.

3.4.2 Kawaii no universo da moda urbana japonesa: Moda Lolita

As tendências da moda urbana japonesa normalmente têm uma vida curta, porém, a
Moda Lolita tem durado um período bastante longo. As primeiras referências associadas a ela
datam da década de 1970, tendo emergido, de fato, no Japão nos anos 1980 e alcançado
popularidade na década seguinte. Alguns autores como Younker (2011) afirmam que a primeira
aparição de Lolita75 foi, de fato, nos anos 1970, tendo passado por muitas mudanças ao longo
dos anos, mas preservando alguns elementos de sua constituição original. As marcas Milk e
Pink House, fundadas em 1970 e 1973 respectivamente, são consideradas pioneiras na Moda
Lolita em Harajuku. Milk, por exemplo, está associada ao surgimento das primeiras tendências
de uma das categorias originais dessa Moda, a Gothic Lolita, muitas vezes relacionada com as
raízes do Visual Kei nos anos 1970 e também à prática cosplay, que tivera início nesse período.
Esta moda de se fantasiar que se desenvolve inspirada numa forma infantil e super-
arrumada de vestir-se é denominada Lolita, e se desenvolveu efetivamente como uma
subcultura no Japão (YOUNKER, 2011, p.97, tradução nossa).76 Já segundo Okano (2015),
"Lolita como subcultura surgiu no Japão na década de 1980 e tornou-se conhecida nas décadas
posteriores até se tornar um dos elementos representativos da cultura pop nacional". (p.195).
Essas subculturas são compreendidas como "grupos de indivíduos que compartilham valores e

74
Cuteness became not only a commodity but also equated with consumption itself - the pursuit of
something that dislodges the heaviness and constraints of (productive) life. In consuming, and more
specifically in consuming cuteness, one expresses the yearning to be comforted and soothed: a
yearning that many researchers and designers of play in Japan trace to a nostalgia for experiences in a
child's past (ALLISON, 2004, p.34).
75
Utilizamos a denominação Lolita quando nos referimos à Moda e subcultura e lolita para as adeptas
da Moda.
76
This fantasy child-inspired dress-up fashion is called Lolita, and it has developed into a full-fledged
subculture in Japan (YOUNKER, 2011, p.97).
97
normas distintos e que se colocam contra a sociedade dominante ou mainstream"
(KAWAMURA, 2012, p.7, tradução nossa)77. Direta ou indiretamente, essas subculturas ditam
as tendências da moda urbana no Japão.
A estética Lolita é bastante distinta e chamativa por si só. As lolitas são como símbolos
vivos do kawaii, personificações da ideia de fofura. Lolitas têm o visual de bonecas caras de
porcelana, com vestidos rebuscados, repletos de pregas, laços, rendas, babados e estampas
bonitinhas como bichinhos de pelúcia, doces e frutas. As saias costumam ser muito volumosas
e, sob elas, para ampliar esse efeito, são utilizados bloomers e anáguas. Acompanhando o
vestido, meias delicadas e sapatos estilo boneca, e como acessórios, pequenas bolsas e adereços
na cabeça que podem ser laços, tiaras e bonnets. Os cabelos, preferencialmente, trazem franjas e
cachos volumosos, mas também podem apenas ser retos. Com relação à paleta de cores de
roupas e acessórios, há, desde os tons pastéis até os intenso como vermelho e azul marinho, ou
até mesmo conjuntos completamente em branco ou em preto, dependendo basicamente da
categoria seguida.

Figura 10 - Akemi Matsuda (estilo Sweet Lolita)

Fonte: Fotografia por Bruno Tiago Takeda

Lolita Fashion representa uma maneira fofa e elegante de se vestir, inspirada em


interpretações estilísticas do vestuário europeu dos períodos rococó e vitoriano (MONDEN,
2013). Younker (2011) acrescenta que Lolita tem muito mais em comum com as roupas das

77
Therefore, a subculture is constituted by groups of individuals who share distinct values and norms
that are against dominant or mainstream society (KAWAMURA, 2012, p.7).
98
crianças do Período Vitoriano do que essencialmente com as da maturidade e sensualidade do
Rococó, tendo em comum apenas a obsessão por detalhes e frivolidades. É curioso pensar, neste
aspecto, que a Moda Lolita procura alcançar um estado de infância que nunca realmente
pertenceu a seus seguidores. Younker (2011) explica que a Moda Lolita é muito influenciada
por um senso de nostalgia, entretanto, não existe entre as praticantes uma preocupação pela
autenticidade dessa influência.
"Elas se vestem para criar um mundo que imaginam mais feliz do que sua própria
realidade, e encontraram uma imagem daquilo que querem nos séculos XVIII e XIX na
Europa." (YOUNKER, 2011, p.103, tradução nossa) 78 . Na verdade, trata-se de idolatrar
qualquer período em que as jovens agiam como damas; para as jovens japonesas, um passado
imaginário.
A Moda Lolita se divide em várias categorias ou subestilos. Por questões práticas não
descreveremos todos eles aqui, uma vez que, na Moda Lolita, nem mesmo há necessidade de
seguir exclusivamente um ou outro. Lolitas podem agregar características de vários subestilos
ao mesmo tempo. Dentre as categorias mais conhecidas apresentamos79:
 Classic Lolita - que remete mais ao estilo vitoriano, com cores um pouco mais
neutras e envelhecidas como marrom e bronze;
 Sweet Lolita - utiliza cores como rosa e tons pastéis, referências a doces e frutas;
 Gothic Lolita - mistura do estilo gótico com Lolita, utiliza cores escuras, com
maquiagem e visual um pouco mais pesado, voltado às referências do rock;
 Shiro Lolita e Kuro Lolita - utilizam conjuntos completamente nas cores branca
e preta respectivamente;
 Casual Lolita - mistura de peças Lolita com roupas casuais. Muitas vezes é um
caminho seguido pelas iniciantes;
 Ero Lolita - por mais que pareça contraditório com as bases da Moda Lolita,
nesta categoria as lolitas procuram um pouco de erotismo, mostrando mais pele,
com saias um pouco mais curtas e uma aparência menos infantil;
 Boystyle - por alguns pode ser considerada um subestilo fora da Moda Lolita, por
trazer conjuntos de roupas masculinas, uma maneira de vestir-se como menino.

78
They are dressing up to create a world they imagine to be happier than the real one and have found
an image of what they want in 18th - and 19th - century Europe (YOUNKER, 2011, p.103).
79
Mantivemos as nomenclaturas na língua inglesa conforme são utilizadas e mencionadas pelas lolitas
que acompanhamos ao longo da pesquisa.
99
Por fim, a expressão Ita Lolita é utilizada para alguns visuais julgados como difíceis de
olhar (origina da palavra itai, da língua japonesa, que é usada para quando algo machuca ou é
doloroso), ou em outras palavras, feio. Normalmente ocorre com iniciantes que utilizam
composições equivocadas ou de muito má qualidade, havendo até mesmo alguns aspectos
sugeridos por lolitas veteranas para não cair nesses erros, como por exemplo, evitar o uso de
alguns tipos de combinações de roupas de cetim ou peças únicas que misturem cores
abruptamente em adornos e rendas.
Isso nos leva a alguns pontos observados por Younker (2011) sobre elementos que
permanecem intactos desde os primeiros anos da Moda Lolita e que atuam praticamente como
regras entre as adeptas: as roupas precisam ser inspiradas em um período e um lugar que não
seja o Japão moderno; também devem ser de boa qualidade de confecção e devem enfatizar a
inocência, vulnerabilidade e doçura que são essenciais ao kawaii - isso explica a valorização, até
os dias atuais, de marcas especializadas na confecção de roupas e acessórios para Moda Lolita,
como Baby, the Stars Shine Bright 80 e Angelic Pretty 81 , ambas grifes japonesas com lojas
também em outros países.
Younker (2011) relata estes pontos da subcultura Lolita no Japão a partir de sua
experiência de interação com o meio Lolita, de setembro de 2009 a julho de 2010, em Quioto.
Ela relata ter descoberto que "[...] Lolita Fashion não é apenas um estratagema frívolo de
marketing; é uma forma complexa de rebelião e comentário social sobre a estrutura social
opressiva do Japão e suas expectativas sobre os jovens, especialmente meninas." (YOUNKER,
2011, p.98, tradução nossa)82.
No filme Kamikaze Girls (Shimotsuma Monogatari 下妻物語), dirigido por Tetsuya
Nakashima, a personagem Momoko, uma das protagonistas e adepta da Moda Lolita, era
fascinada pela marca Baby, the Stars Shine Bright. O filme, lançado em 2004 e baseado no
romance escrito por Novala Takemoto, publicado em 2002, tem como enredo a amizade

80
Baby, the Stars Shine Bright foi fundada em 1988 e é talvez a mais conhecida marca de roupas
especializadas em Moda Lolita tanto no Japão quanto no exterior. A especialidade da grife são roupas
para Sweet Lolita, mas há coleções que atendem outros subestilos Lolita. Disponível em:<
http://www.babyssb.co.jp/>. Acesso em 01 dez. 2017.
81
Angelic Pretty foi fundada em 1979 é uma das grifes Lolita mais famosas internacionalmente. A
marca tem como conceito a ideia de que: "Angelic Pretty provides adorable clothes covered in lace,
frills and ribbons like that of the fairytale princess you dreamed about as a little girl. We want girls to
never lose sight of that dream and this is a brand for girls who want to keep that dream alive".
Disponível em:< http://www.angelicpretty.com/en/index.html>. Acesso em 01 dez. 2017.
82
I found that Lolita Fashion is not just a frivolous marketing ploy; it is a complex form of rebellion
and social commentary on Japan's oppressive social structure and its social expectations on young
people, especially young women. (YOUNKER, 2011, p.98).
100
improvável entre duas meninas completamente diferentes: Momoko Ryūgasaki, adepta da
Moda Lolita e Ichigo Shirayuki, membro de uma gangue feminina de motos. Kamikaze Girls
foi um dos responsáveis por impulsionar a Moda Lolita fora do Japão.

Em resumo, as roupas Lolita implicam um olhar pré-adolescente para as


jovens. O vestido Loli de Momoko é girlie à primeira vista, mas se você
olhar um pouco com mais cuidado, parece mais adequado para um conjunto
artificial de uma "menina de nenhum lugar". O encantador vestuário serve
como um dispositivo para produzir a fantasia do shōjo. (KOTANI, 2007,
p.58, tradução nossa, grifo nosso)83.
Novala Takemoto é considerado uma das figuras mais famosas quando o assunto é
Lolita. Autor e fashion designer, Takemoto se posicionou como porta-voz e encarnação de uma
subcultura mais visível como uma escolha de moda, e que também "foi embasada de várias
maneiras: como uma literatura; como gênero de mangá, animê e música pop; como teatralidade
e uma prática social formadora da comunidade; e como uma escolha estética imaginada como
capaz de se infiltrar em todos os níveis de sua vida." (BERGSTROM, 2011, p.22, tradução
nossa)84. Novala também lançou uma linha de roupas em colaboração com a grife Baby, the
Stars Shine Bright, a Pour Lolita, que trazia produtos com a franquia Hello Kitty.
Como pudemos ver anteriormente, a ideia de kawaii shōjo está presente no Japão há
muito tempo e está associada à fase da jovem entre os 11 e 15 anos, fase em que eram vistas
como criaturas liminares, não mais crianças, mas e ainda não mulheres (OKANO, 2015;
YOUNKER, 2011).
Nos anos 1970, diferente da concepção de shōjo do período moderno, que destacava o
comportamento das jovens, shōjo passou a ser associado ao papel de consumidoras absolutas de
roupas, acessórios e fancy goods. Por meio do consumo se constrói a ideia de felicidade
(OKANO, 2015; YOUNKER, 2011). Neste sentido, também podemos associar a Moda Lolita
com a maneira de consumo que prioriza a fuga de realidade.

3.4.3 Kawaii e Lolitas além do Japão

No Ocidente, o nome Lolita nos remete ao romance de Vladimir Nabokov, publicado


em 1955, relacionado à imagem da menina erotizada. Como foi uma obra que gerou muitas
83
In brief, Lolita clothes entail a preteen look geared to teenage girls. Momoko's Loli-dress is girlie at
first glance, but if you look at it a bit more carefully, it seems more suited to an artificially pieced
together "nowhere girl." The lovely apparel serves as a device to produce the fantasy of shojo.
(KOTANI, 2007, p.58).
84
[...] has also been instantiated in a variety of ways: as a literature; as a genre of manga, anime, and
pop music; as a theatrical and community-forming social practice; and as an aesthetic choice imagined
as able to infltrate every level of one’s life (BERGSTROM, 2011, p.22).
101
controvérsias em vários países ocidentais, não é surpresa que existam vários equívocos quanto
às concepções da subcultura e moda urbana japonesa de mesmo nome. A Moda Lolita,
conforme analisamos, concebe a imagem de inocência e ingenuidade, uma pureza que mulheres
adultas procuram expressar nas roupas de inspiração Vitoriana e no comportamento kawaii.
Lolicon (ロリコン), ou rorikon, é o termo na língua japonesa para definir o complexo
de Lolita, fenômeno que se manifestou no Japão relativamente no mesmo período, nos anos
1970. Refere-se aos homens de meia idade que sentem atração sexual por meninas mais novas,
menores de idade. "Os japoneses, em muitas ocasiões, diferenciam a escrita do nome Lolita na
acepção nipônica (ロリッタ) da grafia do nome da menina de Nabokov (ロリータ), que se
relaciona a Lorikon, justamente pela diferença de imagem que as duas apresentam." (OKANO,
2015, p.195).
Como ou quem teria atribuído o nome Lolita para se referir à Moda do Japão não é
esclarecido, segundo Younker (2011). É provável que o termo corresponda a wasei eigo (和製
英 語, literalmente significa inglês feito no Japão), pseudo-anglicismos japoneses, palavras
inglesas que normalmente não são utilizadas de fato por nativos, como por exemplo, Salaryman
(サラリーマン, sarariman)85. "A grande maioria das lolitas desconhece completamente que a
subcultura de moda que elas abraçam compartilha seu nome com um controverso romance
norte-americano da metade do século XX." (YOUNKER, 2011, p.108, tradução nossa)86.
O governo japonês não apenas expressou interesse na moda urbana japonesa, como
também a reconheceu como componente da campanha Cool Japan. Como mencionado
anteriormente, o projeto Cool Japan tem levado, para além de suas fronteiras, a cultura
popular japonesa como estratégia para firmar-se como uma superpotência cultural no cenário
globalizado. Aproveitando o sucesso de produtos como animês e mangás no exterior, o Japão
empenhou-se em aumentar a compreensão estrangeira de sua cultura por meio dos jovens de
todo o mundo. Em 2009, o Ministério das Relações Exteriores do Japão (MOFA) nomeou três
Embaixadoras kawaii (kawaii taishi) com a missão de divulgar a street fashion japonesa em
outros países. Yu Kimura representa o estilo das garotas de Harajuku, região de Tóquio
famosa pelas diversas tendências de moda levadas pelos jovens japoneses. Kimura também é
cantora da banda Peep4U e, além de atuar como modelo, também participa de eventos de
cultura pop, divulgando estilos diferentes da moda urbana japonesa. Shizuka Fujioka, por sua
85
Salary-man ou sarariman, de acordo com a pronúncia japonesa, é utilizada para designar a massa de
trabalhadores japoneses de terno e gravata, o empregado de empresas.
86
The vast majority of Lolitas are completely unaware that the fashion subculture they embrace shares
its name with a controversial mid-20th-century American novel (YOUNKER, 2011, p.108).
102
vez, representa kogyaru ou kogal, no qual as roupas são coordenadas para se assemelharem
aos uniformes escolares, porém, mais ousadas, com saias mais curtas e cabelos loiros. O
termo kogyaru é uma abreviação de kōkōsei gyaru (estudante colegial) e é um subestilo de
Gyaru (ギャル - pronúncia de girl), que conceitua o movimento feminino na moda urbana
que tem grande peso midiático e influência na indústria da moda japonesa. Por fim, Misako
Aoki é representante da Moda Lolita e presidente da Japan Lolita Association, fundada em
2013, com o intuito de promover o kawaii e a Moda Lolita pelo mundo, recrutando membros
e nomeando Embaixadoras em outros países, ampliando a rede de influência da Moda Lolita.
Ainda em 2013, Akemi Matsuda foi nomeada Embaixadora Kawaii do Brasil pela Japan
Lolita Association, e desde 2015 promove o Mimi Party, principal evento de cultura kawaii no
Brasil.
O Loliday é um evento instituído pela comunidade Lolita norte-americana e é
celebrado duas vezes ao ano, normalmente no primeiro sábado de junho e de dezembro,
durante inverno e verão. A escolha sazonal se deu para que as lolitas tivessem oportunidade
de vestir seus outfits de acordo com a coleção da estação. São promovidos encontros em que
as lolitas se reúnem para conversar, trocar referências sobre moda e cultura pop. O Loliday é
uma data internacional, também conhecida por International Lolita Day e é realizado por
grupos de lolitas de vários países. Os encontros costumam acontecer em casas de chá,
confeitarias e boulangeries, em ambientes agradáveis para socialização.
Segundo levantamento realizado por Matsuda para a organização do primeiro Mimi
Party, o Loliday é realizado nos Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, França, Itália, Espanha,
Alemanha, México, Chile, Argentina, Austrália, Rússia, China e Coreia do Sul.
No Brasil, a Embaixadora Kawaii costumava organizar confraternizações para celebrar
o Loliday, propondo não apenas encontros tradicionais, mas em lugares diferenciados, como
na edição de dezembro de 2014, realizada em um Izakaya, um tipo de boteco japonês bastante
característico. Durante essa edição, ao invés dos doces, foram servidos takoyaki (bolinhos
recheados com polvo) e okonomiyaki (panqueca japonesa com vários ingredientes), pratos
famosos do Izakaya Issa, local do encontro em São Paulo.

103
4. CAPÍTULO 3: CULTURA POP NIPO-BRASILEIRA
Para Sato (2007), considerando o fato de o Brasil possuir a maior comunidade de
japoneses e seus descendentes fora do Japão, a cultura pop constitui uma importante
ferramenta de formação e manutenção identitária com a terra de origem. Mais do que isso,
permite que não apenas nipo-descendentes, mas também brasileiros com qualquer
ascendência tenham um contato, ainda que superficial, com o Japão. Sabemos que, por conta
da comunidade nipo-brasileira formada a partir dos imigrantes que aqui permaneceram, a
introdução de alguns produtos da cultura pop teve uma recepção diferente da de outros países
ocidentais.
Se pensarmos na vinda dos quadrinhos japoneses no Brasil, podemos relembrar o
contexto da imigração japonesa e as circunstâncias em que viviam os imigrantes e seus
descendentes. Luyten (2011) constata que o mangá teve um papel essencial na manutenção da
língua nas colônias de japoneses. Sua leitura era atraente por conta do visual das revistas e do
enredo de suas histórias, suprindo de forma lúdica para as crianças as lacunas no dever do
aprendizado exigido por seus pais na época em que as colônias japonesas eram ainda muito
fechadas às influências da cultura brasileira.

No Brasil, no entanto, muito antes do mundo “descobrir” os mangás, estes já


eram fartamente lidos pela comunidade dos descendentes de japoneses.
Eram importados do Japão e distribuidoras especializadas – normalmente
localizadas no bairro da Liberdade, na cidade de São Paulo – enviavam para
o interior de São Paulo ou Paraná para as colônias nipônicas. O mesmo
aconteceu com os animês e filmes japoneses, que eram veiculados em alguns
cinemas, especialmente o Cine Niterói no bairro da Liberdade, na capital
paulista (LUYTEN, 2014, p.8).
Podemos comparar com alguns casos: em países europeus como França e Espanha,
apesar da popularidade dos animês introduzidos nas décadas de 1960 e 1970, quando o Japão
modernizado lançou-se ao mercado ocidental, algumas barreiras culturais tornaram a entrada
dos mangás mais lenta, amparada pelo interesse dos fãs às histórias originais das séries de
animês que viam na televisão. Segundo Gravett (2006), histórias como Candy Candy e
Goldorak haviam fascinado as crianças, mas os editores, apesar de interessados em
fabricarem os produtos derivados dessas histórias, não tinham o mesmo entusiasmo em pagar
pelos direitos de seus originais.

Para solucionar a questão, os editores contratavam artistas europeus para


redesenhar as histórias em estilo europeu ou, o que era ainda menos
satisfatório, criar versões baratas de "anime comics" usando imagens

104
borradas fotografadas da tela e colocando por cima balões feitos à mão e
legendas." (GRAVETT, 2006, p.158).
Na Espanha, Moliné (2005) destaca que Dragon Ball foi o verdadeiro detonador para
o fenômeno dos mangás no país, entre os anos 1980 e 1990, embora desde o final dos anos
1960 séries de animês já tivessem sido transmitidas na televisão espanhola. Algumas histórias
japonesas já haviam sido levadas à Espanha, porém, adaptadas por artistas espanhóis, como
Mazinger Z, transmitido no final dos anos 1970. "[...] paralelamente à sua transmissão pela
televisão do país, publicou-se uma coleção de álbuns em capa dura e coloridos com as
adaptações dos episódios da série de TV." (MOLINÉ, 2005, p.43).
Como havíamos mencionado anteriormente, no caso da Itália, embora os animês
também tenham sido responsáveis por alavancar a venda de mangás, houve um contexto
muito específico de abertura às produções japonesas: foi transmitido, em 1976, um número
bastante elevado de animês, graças ao acesso liberado às frequências de canais de televisão,
muito mais do que em outros países europeus, consequentemente, estruturando um mercado
de mangás com fluxo mais intenso desde a década de 1990 (PELLITTERI, 2006).
O público brasileiro de mangás e animês sabia o que consumia, ou ao menos tinha a
ideia de que esses produtos culturais estavam relacionados à cultura japonesa, que desde o
início do século XX esteve presente no Brasil por meio da colônia japonesa, principalmente
na região de São Paulo. A presença dos imigrantes japoneses no Brasil foi uma das diferenças
básicas para o consumo da cultura pop japonesa, já que a imigração nipônica em países como
Espanha, França e Itália não foi tão expressiva. O Brasil foi pioneiro na produção de mangás
fora do Japão, já que muitos artistas nipo-descendentes tiveram fortes influências com a
estética dos mangás (LUYTEN, 2003, 2011; MOLINÉ, 2006).
Os mangás e animês foram apenas o pontapé inicial. A partir deles, e graças ao
desenvolvimento da internet, tivemos acesso às muitas outras fontes de informação e
referências sobre a moda urbana japonesa e a prática cosplay, por exemplo. Embora houvesse
um vago conhecimento desses produtos da cultura pop japonesa, os avanços das tecnologias
digitais possibilitaram diferenciadas formas de trocas informacionais.
Para nos guiarmos até a atual construção de identidades nipo-brasileiras, é preciso
compreender os fatores antecedentes à data oficial da chegada dos imigrantes japoneses –
tanto do ponto de vista brasileiro quanto japonês. No capítulo anterior, abordamos brevemente
o contexto histórico japonês em que se desenvolveu a cultura pop. Aproveitando a mesma
linha cronológica analisamos, desta vez, alguns aspectos relativos ao processo imigratório

105
japonês. Destacamos o final do século XIX e início do século XX quando, oficialmente, se
estabelecem os primeiros acordos entre Brasil e Japão.

4.1 Contexto histórico


Em 2018, comemoraremos 110 anos da imigração japonesa no Brasil, e em maio de
2017 foi lançada a logomarca comemorativa das celebrações, criada pelo artista Kazuo
Wakabayashi87. (Figura 11) A imagem é uma expressão do sentimento de gratidão pelo Brasil.
Na página oficial do Bunkyo (http://www.bunkyo.org.br), consta a frase de Wakabayashi ao
apresentar a logomarca: ブラジルお世話になった気持ちをあらわしました (Burajiru
osewa ni natta kimochi wo arawashimashita: expressei meu sentimento de gratidão ao Brasil).
Os dois tsurus,88 ou grous, ave que é um dos símbolos mais tradicionais do Japão, retratam a
harmonia entre os dois países e, segundo o Jornal Nippak, o artista optou pelo tsuru não
apenas pelo símbolo já ser uma marca em seus trabalhos, mas também por representar uma
nova fase em sua vida; a de reconhecer a si mesmo como artista nipo-brasileiro. O uso de
cores alegres, como o amarelo e o vermelho, foi a maneira encontrada pelo artista de
expressar esse movimento de deixar para trás o passado vivido no Japão, marcado pelas dores
e perdas da Guerra. “Vim para o Brasil com 30 anos e aqui percebi um clima alegre, de calor
humano e que acabaria por influenciar minha pintura” (WAKABAYASHI, segundo
SHIGUTI, 2017)89.

87
O artista Kazuo Wakabayashi (Kobe, Japão, 1931) chegou ao Brasil em 1961 tornando-se membro
do Grupo Seibi recebendo, dois anos depois, medalha de ouro no 12º Salão Paulista de Arte Moderna e
no 7º Salão do Grupo Seibi de Artistas Plásticos. Em 1966 é agraciado com o primeiro prêmio do
Salão de Abril do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, além de participar de várias edições da
Bienal Internacional de São Paulo, entre 1963 e 1967. Na década de 1980 desenvolve obras de cores
vibrantes que remetem à tradição da gravura japonesa ukiyo-e que tratam principalmente de temas da
natureza e figuras humanas. (WAKABAYASHI . In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura
Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2018. Disponível
em:<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa3597/wakabayashi>. Acesso em: 18 de Jun. 2018.
Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7)
88
Tsuru ou grou japonês é uma ave considerada um dos símbolos mais tradicionais do Japão. O grou
simboliza longevidade e a felicidade e, depois da Segunda Guerra Mundial, tornou-se também símbolo
de paz e esperança em sua representação de origami, que é a arte de dobrar papel. O senbazuru, dobra
de mil tsurus, é realizado pelos japoneses em homenagem aos que morreram na Guerra e está
relacionado à memória de Sadako Sasaki, uma das vítimas da radiação das bombas, que, doente no
hospital e acreditando na lenda dos mil tsurus - quem dobrasse mil tsurus teria um desejo realizado -
esforçou-se, mas acabou morrendo antes de terminar suas mil dobraduras. Em Hiroshima, no Parque
da Paz, foi erguido o Monumento das Crianças à Paz, em 1958, com uma estátua de Sasaki segurando
um origami de tsuru. Sua luta pela vida representa também a luta pelo fim dos armamentos nucleares.
89
SHIGUTI, Aldo. 110 anos da imigração japonesa: com logomarca, Comissão oficializa preparativos
para as comemorações em 2018. Jornal Nippak, São Paulo, 29 maio 2017. Disponível
106
Figura 11 - Logomarca comemorativa dos 110 anos da imigração japonesa no Brasil, criada pelo
artista Kazuo Wakabayashi

Fonte: Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social

A imigração japonesa no Brasil teve início em 1908, quando 781 imigrantes, dispostos
em 165 famílias adaptadas, deixaram o Japão rumo a um destino desconhecido no Brasil.
Guiados pelo vislumbre de enriquecer e retornar em pouco tempo para o Japão, os imigrantes
encontraram uma sociedade de completo contraste com seus costumes e valores, num cenário
que contrariava com o das propagandas que os haviam convencido a deixar o Japão. Os
primeiros anos de adaptação dos japoneses no Brasil foram marcados por desconfiança e
discussões, tanto negativas quanto positivas. Diferentes em sua organização familiar e social,
religião, crenças, e movidos em razão do bem coletivo, os japoneses foram considerados um
grupo muito fechado e inassimilável ao contexto brasileiro.
Com relação aos movimentos emigratórios do Japão, na configuração de nação
imperialista, iniciou-se o período de conquistas territoriais no qual Coreia e China sofreram as
primeiras conseqüências da força bélica japonesa, que vinha se desenvolvendo nesse
momento. A Guerra Sino-Japonesa travada entre Japão e China, em 1895, alertou o Ocidente
do “risco japonês”, originando, à época, a expressão “perigo amarelo”, que por anos
determinou o receio externo ao instinto conquistador do Japão. Em conflito com a Rússia,
mais uma vez os japoneses conquistaram uma vitória na Batalha de Tsushima, em 1905, que
determinou a evacuação dos russos na Manchúria e o reconhecimento da Coreia como
domínio japonês.

em:<http://www.portalnikkei.com.br/110-anos-da-imigracao-japonesa-com-logomarca-comissao-
oficializa-preparativos-para-as-comemoracoes-em-2018/>. Acesso em: 20 nov. 2017.
107
(...) Enquanto a Coreia esteve sob seu domínio, o Japão enviou colonos para
lá para ocupar terras cultivadas de arroz, expulsando os coreanos e
estabelecendo o uso da terra pelos japoneses como direito hereditário. Toda
a economia coreana ficou sob controle japonês (SAKURAI, 2008, p. 167).
Diferente de outros países, como os Estados Unidos e Peru, que já encaravam, nessa
época, o Japão como um "perigo-amarelo" - por conta do imperialismo na Ásia e dos
resultados do conflito entre Japão e Rússia -, o Brasil ainda alimentava certo encantamento
com o exotismo do Japão, o que colaborou para que os imigrantes japoneses se tornassem
uma alternativa interessante como mão-de-obra nas lavouras de café, apesar da experiência
mal sucedida com os imigrantes chineses.

No Brasil, o japonismo adquiriu certas especificidades devido ao início da


corrente imigratória japonesa em 1908, especialmente no que tange a dois
aspectos: o exotismo moderno e o exotismo pitoresco: imagens utópicas
ligadas aos costumes tradicionais, usos e a moral de um povo visto como
participante de uma mesma cultura e história, que desconhecia a contradição,
apenas a harmonia; a admiração pela rápida modernização do Império
japonês, ou seja, a metamorfose de uma sociedade feudal para uma potência
econômica. Nesse sentido, o Japão passou a servir de modelo para a
república brasileira, recém-proclamada, que ansiava também figurar entre as
principais nações do mundo e vislumbrava a possibilidade de obter a
homogeneização de seu povo (TAKEUCHI, 2010, p.29).
Antes da vinda efetiva dos japoneses, tanto Brasil quanto Japão já discutiam os
interesses e motivações mútuas para incentivar o processo imigratório e, em 1895, é assinado
o Tratado de Amizade entres os países. O cenário que se formou do período de 1908 até a
Segunda Guerra Mundial para a vinda dos japoneses foi turbulento, mas esta convivência
contribuiu para a constituição de um Brasil multicultural (TAKEUCHI, 2010, p. 25).
Quando deixaram o Japão rumo às Américas, os primeiros destinos dos emigrantes
japoneses foram as ilhas do arquipélago do Havaí, em 1871, após assinatura do Tratado de
Amizade, onde se inseriram no corte de cana-de-açúcar. Logo em seguida, rumaram para a
costa oeste dos Estados Unidos e para o Canadá, enfrentando preconceito e desconfiança, que
em 1907 levaram os norte-americanos a vetarem novas entradas de japoneses e a proibirem a
compra de terras e a naturalização destes imigrantes em solo americano. Em 1908, é assinado
o Gentlemen’s Agreement, ou Acordo de Cavalheiros, estabelecendo que o governo japonês
proibia a saída de seus trabalhadores para os Estados Unidos, e não o contrário, tornando a
proibição americana menos explícita.

Quando a corrente migratória japonesa se dirigiu para o Brasil no início do


século [XX], já existia no Japão uma longa tradição de migração. Por outro
lado, a América do Sul foi procurada pelas Companhias de Emigração numa
época em que o Hawaii e os Estados Unidos, principais recebedores de
imigrantes japoneses fora da área de controle político, começaram a pôr
108
obstáculos à imigração nipônica, até culminar, em 1924, com o ‘Exclusion
Act’, que cerrou definitivamente as portas para os japoneses (VIEIRA,
197390, apud CORREIA, 2009, p. 85).
Na América Latina, o Peru foi o primeiro país a estabelecer relações diplomáticas com
o Japão, em 1899, para as lavouras de cana-de-açúcar e algodão, constituindo o segundo
maior contingente japonês latino-americano. Assim como ocorrera nos Estados Unidos, os
japoneses também foram hostilizados nos anos que precederam a Segunda Guerra Mundial,
culminando na proibição da vinda de novos imigrantes a partir de 1936.
Em 1902, com a proibição do governo italiano de que seus cidadãos aceitassem
transporte subsidiado para o Brasil, novamente cogitou-se a vinda de imigrantes japoneses,
desta vez, mediante análise de colônias japonesas estabelecidas no Chile, na Argentina e nos
Estados Unidos. Com resultados relativamente positivos, fechou-se contrato que abrangia a
entrada de três mil trabalhadores japoneses em São Paulo e depois Rio de Janeiro, que,
seguindo o exemplo paulista, decidiu criar uma série de colônias de imigrantes japoneses na
área da Baixada Fluminense com intuito de produzir arroz.

Entre 1908 e 1941, cerca de 189 mil imigrantes japoneses se estabeleceram


no Brasil (seguidos por outros 50 mil, após o fim da Segunda Guerra
Mundial), quase todos como mão-de-obra subsidiada. Os imigrantes
japoneses foram bem-vindos por boa parte da elite brasileira, que aceitou a
asseveração do governo do Japão de que os japoneses eram os "brancos" da
Ásia (LESSER, 2008, p.39).
Em São Paulo, a imigração japonesa foi concebida como contratação de mão de obra
assalariada pelos proprietários de terras por meio de ação estatal. Cardoso (1998) observa que
essa organização só foi possível por conta da constituição de um mecanismo de financiamento
do transporte e da formulação de um novo tipo de relação de trabalho estruturado no colonato,
que constitui uma relação de trabalho mais flexível, permitindo arranjos diversos em situações
distintas. A primeira leva de imigrantes japoneses teve parte da passagem marítima subsidiada
pelo governo estadual e parte pelos contratantes que, por sua vez, podiam descontar este valor
do salário dos colonos.
Ao longo da história da imigração japonesa no Brasil, é possível apontar vários
estágios de aprendizado e adaptação que definiram o processo emigratório japonês no Brasil e
provocaram reações tanto positivas quanto negativas desde os primeiros acordos estabelecidos
entre os dois países. Embora houvesse interesse de ambos países, não significava consenso
quanto à sua aceitação no Brasil. Lesser (2001) explica que, ao contrário dos chineses e árabes,

90
VIEIRA, Francisca Isabel Schurig. O japonês na frente de expansão paulista: o processo de
absorção do japonês em Marília. São Paulo: Pioneira; EDUSP, 1973.
109
os imigrantes japoneses traziam consigo a bagagem de pertencerem a uma nação que se
posicionava como potência frente ao cenário mundial. Isso fazia com que se formasse um
cenário divergente entre o medo social da “mongolização” e o desejo de imitar o
desenvolvimento econômico e social japonês.
Em 1914, o governo paulista rescindiu o contrato sobre transporte de imigrantes e
suspendeu o pagamento de subsídios, interrompendo a entrada de japoneses, tendo em vista o
mito da expansão japonesa às Américas e a questão do embranquecimento brasileiro. Apenas
em 1917 voltou-se a cogitar a preferência pelos japoneses quando, em razão da Primeira
Guerra Mundial, os fluxos imigratórios de europeus caíram.
Takeuchi (2010) observa que a alta mobilidade territorial dos japoneses após sua
chegada ao Brasil é justificada pela expectativa de, em pouco tempo, retornarem ao Japão
enriquecidos. Desta forma, é possível indicar algumas circunstâncias que levaram a um
relativo fracasso da primeira leva de japoneses: a falta de critério na seleção de trabalhadores
que não eram agricultores pelas companhias de emigração; a obrigatoriedade de três pessoas
aptas ao trabalho por família, forçando a constituição de famílias arranjadas cuja falta de
vínculo de parentesco levava muitos a desertarem das fazendas; sérios problemas com a
alimentação, que levavam à desnutrição tanto por não serem capazes de se acostumarem com
a cozinha brasileira quanto por não disporem de terrenos para o cultivo de verduras básicas da
culinária japonesa; e o choque cultural.
Em 1922, o governo paulista suspende definitivamente o apoio à imigração japonesa.
Para o Japão, isso significava prejuízo à sua estratégia de direcionamento do excedente
populacional por meio da emigração. Como resultado da articulação do governo japonês para
tomar as rédeas desses fluxos de imigrantes, em 1928 é fundada a Bratac, Sociedade
Colonizadora do Brasil Ltda., precedida pela Federação das Associações de Províncias
Japonesas (KIRK) criada no Japão, demonstrando que a emigração havia se tornado uma
atividade importante nos meios oficiais japoneses. A Bratac atuava seguindo os moldes da
Kaigai Kogyo Kabushiki Kaisha (Companhia de Desenvolvimento Exterior de Kaiko), outra
empresa de emigração. Com investimentos na aquisição de terras brasileiras para formação de
colônias, os japoneses que chegavam tinham a oportunidade de se estabelecerem sob a
condição de proprietários, muitos já preparados em cursos específicos para a formação de
emigrantes (SAKURAI, 1998). A este processo denominava-se colonização planejada – as
companhias enviavam trabalhadores para lotes pré-determinados e estruturados – embora o
número de imigrantes sob estas condições em São Paulo fosse baixo, correspondentemente a

110
4% do total (SAITO, 1961). Ainda que fossem poucos, os imigrantes proprietários chamaram
a atenção de políticos e intelectuais nacionalistas que viam nesse tipo de colonização uma
ameaça ao Brasil.
Se na década de 1920 já se iniciavam movimentos contrários à imigração japonesa, na
década de 1930 essa situação se agravou em consequência também do momento de
instabilidade política brasileira. Em 1933, foi apresentada à Assembleia Constituinte a nova
carta constitucional que imporia limites à entrada de imigrantes. Embora não fizesse menção
discriminatória explícita, o principal alvo era a imigração japonesa, que nesta época era a
mais significativa dentre a vinda de estrangeiros. A Constituição de 1934 estabeleceu, por fim,
cota de 2% do total de imigrantes de uma mesma origem já estabelecidos no Brasil nos
últimos 50 anos. Sakurai (2000) ainda completa que as discussões em torno da Constituição
de 1934 causaram mal-estar nos círculos diplomáticos entre Japão e Brasil.
Takeuchi (2010) afirma que iniciativas lideradas por grupos nacionalistas na
Constituinte de 1933-1934 faziam parte de um processo (inspirado nos fascismos europeus)
que marcaria a década de 1930 até o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945.

O Brasil não ficou à margem desse movimento e a Revolução de 1930, com


o progressivo fortalecimento do poder central em torno do Chefe do Estado,
seguiria seu curso até o golpe do Estado Novo em 10 de novembro de 1937.
A ditadura estadonovista, caracterizada pelo autoritarismo e xenofobia, e a
Segunda Guerra Mundial são acontecimentos que afetaram o cotidiano da
comunidade japonesa e de seus descendentes radicados no país(TAKEUCHI,
2010, p.55).
Em 1937, quando se estabeleceu a ditadura do Estado Novo, um de seus objetivos
principais era a construção de uma identidade nacional, ou uma política calcada na campanha
da brasilidade (LESSER, 2008), que pressionava ainda mais as comunidades japonesas no
Brasil. A corrente imigratória cessa assim que se dá a Segunda Guerra Mundial e, durante o
governo de Getúlio Vargas (1930 a 1945), o fortalecimento do nacionalismo brasileiro tornou
explícita a campanha antijaponesa que tinha por base a superioridade da raça branca e o temor
ao militarismo expansionista japonês. Assim, o ensino da língua japonesa nas escolas foi
proibido e os jornais editados em idioma estrangeiro fechados, o que marcou abruptamente
este período da história da imigração japonesa, da integração para a separação.
Para os japoneses, a proibição do ensino em japonês aos seus filhos significava um
choque considerável. Ainda muito ligados ao Japão, era a escola japonesa que educava os
filhos de acordo com a educação japonesa e também transmitia os seus bens culturais: o culto
aos antepassados, o respeito ao Imperador e ao chefe da família. Os jornais também tinham

111
uma função crucial de conscientizar e atualizar os japoneses sobre o que acontecia no Japão
(TAKEUCHI, 2010).

As relações diplomáticas entre os dois países são cortadas em 1941, sendo os


representantes diplomáticos japoneses retirados imediatamente do país. De
um momento para o outro, o sistema, que até então se mostrava eficiente, se
desmantela. Os anos da guerra são penosos, visto que vivem sob inúmeras
restrições do governo brasileiro impostas a italianos, alemães e japoneses
(TAKEUCHI, 1998, p.20).
Os contextos de guerra e pós-guerra são determinantes para compreender o processo
de formação de identidades entre japoneses e seus descendentes no Brasil, visto que é partir
deste momento que se dá o surgimento da primeira geração de nipo-brasileiros. Cardoso
(1998) complementa que as condições em que se deu a imigração japonesa formam um
quadro bastante específico para compreender seu processo de integração que, apesar de ter
pontos de convivência semelhantes aos de italianos, espanhóis e portugueses enquanto
colonos das fazendas de café, tem aspectos muito característicos por conta de sua tradição
cultural e incentivos e tutela fornecidos pelo governo japonês.

4.2 Pós-guerra e a construção da ideia do que é ser nipo-brasileiro


Em janeiro de 1942, foram impostas aos estrangeiros diversas restrições, consequentes
do rompimento das relações diplomáticas entre Brasil e os países constituintes do Eixo, o que
levou à restrição de atividades culturais e educacionais dos imigrantes japoneses. O Decreto-
lei n. 3.911, de 12 de dezembro de 1941, estabelecia que as transações financeiras de
empresas japonesas, italianas e alemãs só poderiam ser realizadas mediante autorização prévia
do Banco do Brasil (TAKEUCHI, 2010, p.56). Nesta época, os bens pertencentes aos
estrangeiros dos respectivos países foram congelados e, no mesmo ano, o Decreto-lei n. 4.166
previa ressarcimento por danos de guerra tendo como garantia de pagamento um percentual
de todas as contas bancárias que ultrapassassem 2 contos de réis.
Outra medida imposta foi a retirada de cidadãos de áreas litorâneas consideradas
estratégicas, sob o argumento de desmembramento de possíveis articulações de espionagem.
Contrariamente ao esperado, tais medidas serviram, para uma parcela dos japoneses no Brasil,
como fortalecimento do sentimento de pertencimento à pátria japonesa que podia ser notado
pelas prisões registradas por uso do idioma em público, manutenção de escolas clandestinas,
solicitações de salvo-conduto e transferência de residência e apreensões de documentos, livros,
rádios e fotografias (TAKEUCHI, 2002).

112
Os estrangeiros do Eixo foram vistos como disseminadores das ideias que
representavam perigo para a segurança nacional e eram considerados
suspeitos de sabotagem e espionagem. Para que a polícia pudesse exercer
seu poder, era preciso “vigiar” os estrangeiros, atitude que exigia
mecanismos sistemáticos de atuação, capazes de registrar comportamentos,
atitudes, virtualidades suspeitas (DEZEM; TAKEUCHI, 2000, p. 59).
O ambiente hostil em que se encontrava a comunidade japonesa e a ausência de
informações que se deu graças ao fechamento dos jornais voltados para as colônias geraram
incredulidade com a notícia da derrota do Japão na Guerra. Consequentemente à falta de
informações sobre a derrota entre imigrantes japoneses e seus filhos criados ainda nos padrões
de educação nipônico, desenvolveram-se sociedades secretas formadas pelos mais
nacionalistas. Neste contexto, há na colônia japonesa uma separação muito clara entre aqueles
que acreditavam na vitória do Japão – que eram chamados kachigumi – e aqueles que,
esclarecidos graças ao acesso aos meios de comunicação em língua portuguesa, estavam
cientes da derrota, mas eram considerados “derrotistas” – os makegumi.
Por meio do conhecimento de tais fatos, as autoridades brasileiras souberam da
existência das sociedades clandestinas criadas durante o período de guerra pela vertente
“vitorista”. Destacou-se, sem dúvida, a Shindo-Renmei (Liga do Caminho dos Súditos da Liga
do Imperador ou Dos que Seguem as Diretrizes Imperiais), que não apenas defendia e
divulgava a suposta vitória do Japão como também perseguia aqueles que compunham a
vertente derrotista.

O principal objetivo da sociedade, que se tornou público em agosto de 1945,


logo após a rendição do Japão, era a manutenção, no Brasil, de um espaço
permanentemente japanizado, por meio da preservação, em meio aos
nikkeis, da língua, da cultura e da religião, bem como o restabelecimento das
escolas japonesas (LESSER, 2001, p.241).
Em 1946, o Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (DEOPS)
efetuou prisões e expulsou do território nacional muitos membros da Shindo-Renmei e
japoneses que havia acreditado nas falsas notícias sobre a vitória do Japão.

[...] Do total de mais de mil presos, 155 tiveram decretada sua expulsão do
país. Esses elementos condenados permaneceram no Instituto Correcional de
Ilha Anchieta (SP). Em 1956, o presidente Juscelino Kubitschek reduziu
suas penas, e como a maioria estava presa há mais de dez anos, foram soltos.
Em 1958, o caso prescreveu por determinação do Ministério Público e, entre
1959 e 1963, os decretos de expulsão contra esses elementos foram
revogados (TAKEUCHI, 2010, p. 60).
Segundo Lesser (2001, 2002), após 1947, uma série de fatores contribuíram para a
marginalização dos kachigumi, dentre eles, o movimento dentro das comunidades japonesas
no Brasil para levantar doações de comida e roupa para a população do Japão empobrecida
113
pela guerra. Entretanto, essa imagem negativa vinculada às sociedades secretas, veiculada
pela grande imprensa, já havia sido traçada, e o estereótipo de fanatismo característico do
período de guerra estendeu-se por todo um grupo étnico.
Em 1952, são restabelecidas as relações diplomáticas entre Brasil e Japão e a retomada
da imigração para território nacional só é oficializada em 1963, com João Goulart. Tal como o
período anterior, o governo japonês continua a oferecer respaldo aos trabalhadores que
deixam o país, porém, diferentemente do processo anterior cujas famílias saíam em busca de
melhores condições de vida, a imigração no contexto pós-guerra se dá como parte de um
planejamento mundial.

Pelo lado dos imigrantes propriamente ditos, os jovens do sexo masculino,


na sua maioria solteiros, com alguma qualificação profissional, são também
uma novidade. Os “Japão novo”, como ficaram conhecidos, têm experiência
diferente dos jovens descendentes aqui nascidos. Para a sociedade, no
entanto, todos são japoneses. O contraste entre os dois grupos cria a
necessidade de uma redefinição da identidade dos nipo-brasileiros, tendo
diante de si outro elemento: a imagem de detentores da tecnologia de ponta.
[...] (SAKURAI, 2008, p. 221).
A vinda dos chamados “Japão Novo”, ou seja, imigrantes do pós-guerra, contribuíram
para selar a paz de seus conterrâneos no Brasil, trazendo notícias de sua terra natal e a nova
conjuntura de valores da sociedade japonesa, o que causou estranhamento nas primeiras
gerações que chegaram ao Brasil (TAKEUCHI, 2010).
A partir de 1954, com as comemorações do IV Centenário da cidade de São Paulo, a
imagem negativa vinculada aos japoneses no Brasil começou a ser amenizada com a
organização de uma comissão da colônia japonesa visando sua participação nas festividades,
mediante apoio do governo nipônico, que também viria a financiar a construção do Pavilhão
Japonês, localizado no Parque do Ibirapuera. Takeuchi (2010) atribui a esse evento e ao
reconhecimento da derrota do Japão na Segunda Guerra a conscientização dos japoneses de
que o Brasil seria a terra onde firmariam definitivamente suas raízes. Assim, segundo
Takeuchi (2010), a expressão "Comunidade Japonesa no Brasil" passou a receber a
denominação de "Colônia Nikkei do Brasil", simbolizando seu processo de integração à
sociedade brasileira.
Quanto à expressão nikkei, Lesser (2001) observa que, durante a década de 1920, a
maior parte dos nikkeis se autodenominava apenas japonesa, reproduzindo uma terminologia
que vinha sendo utilizada pela maioria. Contudo, após alguns nipo-brasileiros terem a
oportunidade de conhecer alguns nipo-[norte]americanos, o termo nissei, que denomina a
segunda geração de nascidos no Brasil, passou, de fato, a ser utilizado como forma de
114
distinção daqueles que nasciam aqui. Na década de 1940, prossegue o historiador, o "termo
nikkei passou a distinguir os nipo-brasileiros tanto da geração imigrante quanto dos nipo-
americanos (dos Estados Unidos)." (LESSER, 2001, p.226). Em 1985, no Congresso Pan-
Americano Nikkei, em São Paulo, a expressão nikkei foi formalmente adotada como
designação de pessoas com ascendência japonesa nas Américas.
A inserção de filhos e netos à dinâmica da sociedade brasileira e o consequente
afastamento das antigas tradições japonesas também foi motivo de estranhamento e
preocupação nos mais velhos. A abordagem de Susumu Miyao (2002, p. 176) explica que
pessoas que se tornaram adultos no Japão, imersos em uma cultura diferente, quando no
Brasil, tendem a ver criticamente a forma de pensar e agir dos brasileiros e o fato de
aprenderem português e de se habituarem com o modo de vida do Brasil não significa que
substituíram os valores aprendidos em sua terra natal. Da mesma forma, para nisseis e sanseis
– filhos e netos – nascidos aqui, aprender japonês não significa que absorverão os valores
japoneses, mas provavelmente ajudará a compreender a cultura japonesa.
Neste momento, retomamos os apontamentos de Lesser (2001) e Takeuchi (2010)
quando afirmam que foi a mais profunda ironia o fato de o Brasil buscar uma imagem
vinculada ao embranquecimento e aos europeus por meio da imigração, resultando, na
verdade, em uma sociedade imensamente multicultural. A presença japonesa na sociedade
brasileira passou por altos e baixos e mesmo hoje é curiosa a forma como são estabelecidos os
vínculos entra uma cultura ou outra.
Segundo Stuart Hall (2011), a identidade é realmente algo formado ao longo do
tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no
momento do nascimento. Em seu entendimento, identidade cultural abarca tanto as
similaridades quanto as diferenças que reúnem e separam as pessoas.

Existe sempre algo ‘imaginário’ ou fantasiado sobre sua unidade. Ela


permanece sempre incompleta, está sempre ‘em processo’, sempre ‘sendo
formada’ [...]. Assim, em vez de falar de identidade como uma coisa
acabada, deveríamos falar de identificação, e vê-la como um processo em
andamento. A identidade surge não tanto da plenitude da identidade que já
está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é
‘preenchida’ a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós
imaginamos ser vistos por outros (p.38-39).
Hall (2009) também observa e questiona as mudanças que vêm cercando o conceito de
identidade e a impossibilidade de encará-lo de forma estanque. O autor propõe o conceito de
identificação como um processo de articulação, que, na linguagem do senso comum, é

115
construída a partir do reconhecimento de alguma origem em comum ou de características
partilhadas com outros grupos ou pessoas a partir de um mesmo ideal.
Lesser (2001, 2015) observa a importância da imigração e dos imigrantes para a
constituição da noção de nacionalidade. Grupos como o de imigrantes japoneses passaram por
um processo de negociação de seu lugar dentro da sociedade brasileira. O historiador observa
o movimento dekassegui como um exemplo do impasse identitário enfrentado pela
comunidade nikkei. Considerados no Brasil simplesmente como japoneses, quando chegam no
Japão deparam-se com uma realidade muito diferente da construção idealizada que
aprenderam no Brasil.
"No Japão, os dekasseguis são tratados como brasileiros, cujo papel é fornecer mão-
de-obra temporária e nada mais. Essa situação faz com que muitos nikkeis se tornem
brasileiros pela primeira vez." (LESSER, 2001, p.297).
Neste sentido, retomamos Orientalismo, de Edward Said (1990), no qual é abordado o
Oriente não apenas no sentido geográfico, mas também como uma construção realizada pelo
Ocidente a partir do que é concebido como representação do Oriente, considerado exótico e
misterioso. A cultura japonesa no Brasil é também uma construção idealizada, uma recriação,
segundo Lesser (2001).

4.3 Um olhar sobre a comunidade nipo-brasileira em São Paulo: uma


experiência
Ken Shimanouchi foi Embaixador do Japão no Brasil na época das comemorações do
primeiro Centenário da Imigração Japonesa no Brasil, no ano de 2008. Permaneceu no cargo
durante quatro anos, e em 2010, relembrando os eventos comemorativos e registrando suas
impressões a respeito da comunidade nipo-brasileira, Shimanouchi se referiu ao Brasil como o
"maior simpatizante do Japão" no mundo (2010, p.11). O que mais comprovaria sua
afirmação seria a receptividade e simpatia externada pelo povo brasileiro durante a vinda do
Príncipe Herdeiro Naruhito, em 2008.
Para ele, essa enorme receptividade não se deve apenas à existência da colônia
japonesa no Brasil, mas a um sentimento de simpatia pelo Japão que é externado naturalmente
pelos brasileiros. O entrosamento da comunidade nipônica com a sociedade brasileira compõe
o que ele chama de uma "Comunidade Nipo-Brasileira Ampliada", que não se restringe mais
aos nipo-descendentes, mas conta também com os laços de amizade, afinidade, interesses e

116
identificações com a cultura japonesa. Algo que ele destaca ainda é o interesse pela cultura
pop japonesa por meio dos animês, mangás e games, expandindo ainda mais essa
comunidade, reforçada por uma relação de cooperação econômica bilateral.

No Brasil, não são poucas as cidades em que a população local é aficionada


em costumes e eventos culturais japoneses, como o "bon-odori" (dança típica
japonesa), o "mochi-tsuki" (evento para fazer "mochi", um tipo tradicional
de bolinho de arroz) e o "undokai" (gincana esportiva). Não seria exagero
dizer que tal fenômeno significa um sentimento especial que os brasileiros
nutrem pelo Japão (SHIMANOUCHI, 2010, p.11).
Durante a realização desta pesquisa, tivemos a oportunidade de fazer parte das
atividades da Associação Cultural e Assistencial Iwate Kenjinkai do Brasil e, com isso,
pudemos comprovar as palavras do então Embaixador Shimanouchi. Atividades típicas da
Província de Iwate, como o Wanko Soba e o Mochitsuki, são ainda hoje promovidas na
Associação e contam com a participação não apenas dos membros, descendentes ou nativos
de Iwate, mas também de uma grande parcela de voluntários brasileiros sem parentesco algum
com japoneses, reunidos em torno de um interesse comum: a identificação com a cultura
japonesa. O Wanko Soba consiste em um evento típico da região de Iwate. Wanko, no dialeto
regional, significa tigela, e soba é o macarrão feito de trigo sarraceno. O soba é servido à
vontade em porções com caldo e acompanhamentos e o Festival conta com uma competição
animada, na qual os participantes devem comer o máximo que conseguirem em um tempo
determinado. No evento realizado pelo Iwate Kenjinkai, em média 200 pessoas participam
anualmente. Já o Mochitsuki é o processo tradicional de feitura do bolinho de arroz chamado
mochi, socado manualmente no pilão, uma tradição japonesa que representa a união e o
esforço coletivo. Durante o ano novo, é bastante habitual comer uma sopa com mochi,
chamada ozōni, e o Iwate Kenjin do Brasil anualmente realiza o Mochitsuki, onde as pessoas
podem acompanhar o preparo e comprar porções de bolinhos de arroz. (Figura 13)

117
Figura 12 - Divulgação do mochitsuki, realizado no Iwate Kenjinkai anualmente.

Fonte: Associação Cultural e Assistencial Iwate Kenjinkai do Brasil

Figura 13 - Mochi (bolinho de arroz) preparados durante o mochitsuki

Fonte: Fotografias de Roger Okura

Fundada em 1959, a Associação de Iwate conta com 280 membros, segundo dados da
Federação das Associações de Províncias do Japão no Brasil (Kenren), e está localizada à Rua
Thomaz Gonzaga, bairro da Liberdade, em São Paulo. As Associações auxiliam o
estabelecimento de relações entre Brasil e as respectivas províncias japonesas por meio de
atividades culturais e sociais e de apoio aos cidadãos japoneses e seus descendentes no Brasil.
O Kenren, por sua vez, é a entidade responsável pela coordenação de atividades e assistência
aos imigrantes japoneses. No sentido restrito de amparar a comunidade de imigrantes e suas
118
famílias nascidas no Brasil, as Associações estariam fadadas ao envelhecimento e
esvaziamento e, aos poucos, à redução de suas atividades assistenciais, se presas aos valores
mais tradicionais ou antiquados. Entretanto, temos acompanhado uma renovação estrutural
que surgiu em decorrência da necessidade de manutenção do funcionamento dessas
instituições.
Quando pensamos no envelhecimento e esvaziamento dos Kenjinkais, retomamos a
perspectiva mais tradicional dos imigrantes japoneses que gerenciam as Associações,
relacionado à ideia de Japão que se construiu no Brasil entre os imigrantes, mas que já não
corresponde ao Japão contemporâneo de seus netos e bisnetos. As diferenças de concepção de
cultura japonesa, somadas às restrições dos objetivos iniciais das Associações - apoio e
assistência aos imigrantes japoneses no Brasil - resultaram na necessidade de mudanças para
abertura aos não-descendentes e jovens.
Além de participar das atividades do Iwate Kenjinkai também aprendemos muito a
respeito da percussão japonesa ao nos juntarmos ao grupo Raijin Taiko. Kebbe (2010), ao
pesquisar associações culturais nipo-brasileiras de cidades do interior do estado de São Paulo,
observa nos grupos de taiko (太鼓) uma maneira encontrada para integrar não-descendentes
às práticas dessas associações, garantindo a continuidade de suas atividades. Taiko, como são
conhecidos os tambores japoneses, estão presentes na cultura japonesa desde o Período Jomon
(aproximadamente 14000 a.C. a 300 a.C.) e eram utilizados em cerimônias religiosas,
festivais, e até mesmo como intimidação dos oponentes durante as guerras (WATANABE,
2010). Os tambores japoneses eram considerados sagrados, associados à comunicação e
morada dos deuses, mas ficaram popularmente conhecidos pelo estilo de apresentações em
grupo (kumidaiko), característico do taiko moderno.
Watanabe (2010) afirma que o taiko chegou ao Brasil também pelos imigrantes que
utilizavam os instrumentos para as festas de Obon, realizadas anualmente durante o verão
como um costume budista que marca o retorno e homenagem aos espíritos dos antepassados.
Atualmente, além de ser associado aos festivais de cultura japonesa, o taiko reflete o interesse
dos jovens de se aproximar de uma arte milenar como os tambores japoneses.

Formado por jovens e adultos, com o Centenário os grupos ganharam


expressividade, marcando quase que obrigatoriamente uma identidade
visual, sonora e tátil da comunidade nikkei no país, ganhando não apenas os
olhos dos descendentes japoneses como também dos não descendentes de
japoneses, que nos festivais aguardam ansiosamente pelas apresentações dos
tambores (KEBBE, 2010, p.130).

119
O taiko moderno popularizou-se por conta da atuação de Daihachi Oguchi (1924-
2008), mestre dessa arte, na década de 1950, no Japão e nos Estados Unidos. Neste novo
contexto, os tambores japoneses deixaram de ser apenas uma prática cerimonial, tocados por
poucas pessoas e desenvolveram-se os grupos de taiko que passaram a realizar apresentações
e espetáculos.
No Brasil, o taiko teve seu boom nos anos 2000 com a vinda do mestre na arte do taiko
Yukihisa Oda, a convite de Pedro Yano, atuante dirigente das atividades das associações e
entidades nipo-brasileiras, em conjunto com a JICA (Japan International Cooperation
Agency). Oda sensei91 ajudou a difundir os grupos de taiko moderno no Brasil, ministrando
aulas ao longo dos dois anos que permaneceu no país, ensinando técnicas novas a diversos
grupos brasileiros. O Tangue Setsuko Taiko é um dos grupos pioneiros de taiko no Brasil.
Fundado em 1978, o grupo leva o nome de sua fundadora, a mestra Setsuko Tangue. Mais
conhecida por Tangue sensei, é nascida no Japão e praticante de Nihon-Buyo (dança
tradicional) desde os 6 anos. Em 1974, ao celebrar 10 anos de sua carreira artística no Brasil,
fundou o Grupo Teatral Tangue Setsuko92.
Em janeiro de 2016, a Associação Nipo-Brasileira de São Caetano do Sul, junto do
grupo Shinkyo Daiko, recebeu o XII Kawasuji Fest93, festival de taiko que reuniu 15 grupos
de diversas cidades brasileiras e também contou com a presença do grupo Japan Marvelous,
liderado pelo sensei Yukihisa Oda, que também esteve presente no evento, ocasião em que
tivemos oportunidade de conhecê-lo junto do sensei Massao Kusunoki, que lidera o grupo
Raijin Taiko, grupo que participamos e que mencionamos como parte de nossa experiência
para este trabalho.

91
Sensei é a nomenclatura japonesa utilizada para tratar respeitosamente um professor ou mestre.
92
Informações obtidas no site oficial do grupo disponível em:< http://tanguetaiko.com.br/>.
93
Notícia que pode ser lida no portal do Jornal Nippak. Disponível em:<
http://www.portalnikkei.com.br/taiko-12o-kawasuji-fest-reunira-15-grupos-em-sao-caetano-neste-
domingo/>. Acesso em 02 dez. 2017.
120
Figura 14 - Apresentação Raijin Taiko no 20º Festival do Japão, em São Paulo

Fonte: Fotografia de Guilherme Nobre

O grupo Raijin Taiko está vinculado ao Iwate Kenjinkai, local onde são realizados
semanalmente os treinos do grupo, que hoje conta com 30 integrantes, dentre eles homens e
mulheres de idades variadas, tanto nipo-descendentes quanto não descendentes. Raijin é o
nome do deus do trovão na mitologia japonesa, representado normalmente com um conjunto
de tambores que são utilizados por ele durante as tempestades para produzir o som dos
trovões. O grupo foi fundado em 2003, quando o Iwate Kenjinkai convidou o professor
Massao Kusunoki para ministrar as aulas. A maior parte dos tambores utilizados nos treinos e
apresentações são provenientes da província de Iwate, mas atualmente o grupo conta também
com instrumentos produzidos no Brasil. O Raijin Taiko realiza apresentações em diversos
eventos, como por exemplo o Festival do Japão, onde outros grupos também se apresentam
anualmente.
Ao longo de quatro anos de participação no grupo Raijin Taiko, pudemos vivenciar a
existência dos sentimentos de orgulho e pertencimento transmitidos pelos integrantes,
descendentes ou não. A disciplina e o valor da atividade coletiva são características dessa arte
milenar que permaneceram, independentemente das apropriações estabelecidas no Brasil. A
proximidade com os treinamentos de taiko e atividades do Iwate Kenjinkai traz às pessoas
algumas noções e valores associados à cultura japonesa no Brasil, como a disciplina e o
trabalho cooperativo, estruturando-se de maneira a compor um novo elemento diferenciado,
que é nipo-brasileiro.
Muitos integrantes do grupo também participam das atividades realizadas pelo Iwate
Kenjinkai, como mencionado anteriormente, inclusive voluntariando-se para trabalhar na área
gastronômica do Festival do Japão, onde as Associações de Províncias vendem os pratos
121
típicos de cada região, como por exemplo o okonomiyaki94 à Moda de Hiroshima e o Taruto
(semelhante a um rocambole com recheio de anko, doce de feijão azuki), doce típico da
cidade de Matsuyama, capital de Ehime. Iwate serve anualmente o Sanriku wakame udon,
sopa com macarrão do tipo udon e wakame (um tipo de alga), típica da região costeira da
Província de Iwate. (Figura 15) O Festival do Japão é considerado, segundo seus
organizadores, o maior evento da cultura japonesa do mundo. O evento é realizado sob
coordenação do Kenren desde 1998, com intuito de divulgar a cultura japonesa no Brasil para
as novas gerações95.
Figura 15 - Voluntários do Iwate Kenjinkai na área gestronômica do 19º Festival do Japão

Fonte: Foto de Gabriel Inamine divulgada na página oficial do Festival do Japão, no Facebook.
Disponível
em:<https://www.facebook.com/festivaldojapao/photos/a.1078933128852692.1073741876.118165
408262807/1078933322186006/?type=3&theater>.

O processo de adaptação dos imigrantes japoneses no Brasil gerou espaços


diferenciados da cultura local e, em virtude disso, desenvolveram-se eventos festivos
específicos que passaram a fazer parte do calendário cultural da cidade de São Paulo,
inicialmente como forma de preservação das culturas tradicionais do país de origem, como o
Festival do Japão (MORI et al., 2010). No bairro da Liberdade, por exemplo, também há o

94
Okonomiyaki é um prato muito popular no Japão. Consiste em um tipo de panqueca com vários
ingredientes que variam de acordo com a região de que se originam. O okonomiyaki à Moda de
Hiroshima leva, além da base de repolho, bacon e macarrão frito. O prato é preparado na chapa e os
ingredientes também podem variar de acordo com o gosto particular, como pode ser notado em seu
nome, onde okonomi (お好み) significa "o que você quer" e yaki (焼き) é o termo para tudo que é
frito ou grelhado.
95
Informações adquiridas na página oficial do Festival do Japão, disponível em:<
http://festivaldojapao.com/>. Acesso em 20 maio 2017.
122
interesse turístico na realização de eventos étnicos, como o Tanabata Matsuri (Festival das
Estrelas), o Hanamatsuri (Festival das Flores) e mesmo o Mochitsuki, realizado no início do
ano, já que as festividades movimentam o comércio local e acabam se tornando marcos de
turismo urbano para a cidade.
De acordo com Mori et al. (2010, p.588), as comunidades locais procuram reproduzir
cerimônias ritualísticas e comemorativas de seu país de origem em decorrência da busca por
manter um "sentido de lugar". Os festivais atuam como uma forma de expressão da identidade
e de trocas culturais que operam como divulgação e preservação das tradições de um país.
"Esses eventos entram no conceito de turismo étnico, típico da pós-modernidade, em que
identidade cultural é valorizada e consequentemente valorada pelo setor turístico." (MORI et
al., 2010, p.588). Contudo, esses festivais não escapariam das influências locais, ganhando
formas originais que se caracterizam como híbridos culturais.
Canclini (2013) é uma das principais referências das discussões a respeito de
hibridismo cultural na América Latina. Para ele, hibridação é compreendida como processos
socioculturais nos quais estruturas ou práticas que existiam separadamente se combinam para
gerar novas estruturas, objetos e práticas. Essa noção descreve um conjunto de processo de
intercâmbio e mesclas culturais nos quais se incluem o sincretismo religioso e outras formas
de fusão, como a musical. Com a globalização e desenvolvimento das tecnologias de
comunicação e informação, tornou-se maior o acesso de certas culturas a outras, e esta relação
muitas vezes é conflitiva, caracterizada pelo choque. Não se trata simplesmente de
enriquecimento; as trocas culturais podem ocorrer também em detrimento de uma cultura
distinta (BURKE, 2003).

4.4 Cultura pop nipo-brasileira: mangás no Brasil


Constituintes do cotidiano no Japão, os mangás chegaram ao Brasil pelas mãos dos
primeiros imigrantes a bordo do Kasato Maru, em 1908, como forma de preservar um pouco de
sua cultura em solo estrangeiro e como ferramenta de manutenção da memória e contato
permanente com a língua materna, atuando mais tarde como instrumento de atualização entre os
descendentes de japoneses no Brasil. Assim, segundo Luyten (2011), antes mesmo de se tornar
uma febre no Brasil, os mangás já eram lidos, principalmente entre nipo-descendentes.
Influenciados pela estética dos quadrinhos japoneses, desenhistas nipo-brasileiros
começaram a produzir quadrinhos no estilo mangá, como por exemplo Júlio Shimamoto, nos

123
anos 1950, conhecido pelas produções do gênero terror, e Cláudio Seto, na década de 1960, pela
Editora Edrel, fundada em 1967 e pioneira no lançamento de quadrinhos produzidos no estilo
mangá (MOLERO, 2007), Seto produziu obras infantis como Ninja e Flavo, épicos como
Samurai e mesmo quadrinhos para adultos como Maria Erótica, conforme registra Francisco
Noriyuki Sato, para a Abrademi em 1994.

O estilo de Seto, embora variado, é inconfundível. Ele tinha uma forte marca
ou imagem, facilmente reconhecível. Algumas histórias receberam forte
influência de Shirato Sampei, prestigiado autor de “Lenda do Kamui”, com
quem se correspondia, outras de Monkey Punch, outro desenhista japonês,
que ficou conhecido por “Lupin Sansei”, mas seus trabalhos também
demonstravam muita pesquisa e técnicas inovadoras feitas em laboratório,
criando efeitos psicológicos admiráveis (SATO, 1994, online).
Entretanto, Sato (2005) observa que, de um modo geral, o Brasil perdeu a chance de
produzir mangás nacionais nessa época, entre os anos 1970 e 1980. Os novos desenhistas
inspirados pelos quadrinhos japoneses, apesar de possuírem talento inegável, não conseguiram
efetivamente publicar mangás no Brasil e ingressaram em estúdios como Disney e Maurício de
Sousa Produções.

Exemplo disso foi a Editora Edrel, que nas décadas de 1960 e 1970 lançou
diversas revistas de mangás nacionais, que obtiveram bastante sucesso.
Como essa editora era pequena e não tinha estrutura para crescer mais e
nenhuma outra se interessou em mangás, nem brasileira nem japonesa,
ficamos sem o mangá nacional (SATO, 2005, p.62).
Na década de 1970, Sônia Luyten foi pioneira nas pesquisas acadêmicas a respeito dos
mangás na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, fazendo com o que
Brasil fosse precursor também nos estudos acadêmicos dos quadrinhos japoneses.
Em 1984, foi fundada a Abrademi (Associação Brasileira de Desenhistas de Mangá e
Ilustrações), a primeira associação desse gênero no Brasil (SATO, 2005). A Abrademi tem
como objetivo divulgar a cultura pop japonesa no Brasil e essencialmente o mangá e o animê
como manifestações artísticas. Dentre as atividades promovidas pela Abrademi, constam a
produção do primeiro fanzine de mangá (produção não profissional, geralmente de fãs), o
primeiro evento de mangás e animês, o primeiro concurso de mangá e também o primeiro
concurso de cosplay, entre outras ações elencadas em seu site.
No mesmo ano de sua criação, com apoio da Fundação Japão, a Abrademi promoveu
uma aula de mangá com Osamu Tezuka, que veio ao Brasil também para a abertura da
exposição de quadrinhos no Museu de Arte de São Paulo (MASP), organizada pela Abrademi.
Na ocasião, Tezuka e Maurício de Sousa se conheceram e partilharam planos de uma
produção com personagens de ambos artistas juntos, em uma mesma história, algo que foi
124
possível realizar apenas em 2012, vinte e três anos após a morte de Tezuka. Nas edições 43 e
44 da Turma da Mônica Jovem os personagens principais da Turma da Mônica se unem a
personagens clássicos de Tezuka como Astro Boy, Kimba e Princesa Safiri para combater a
ação de madeireiros em defesa da Amazônia.
No sentido de mercado editorial, o sucesso dos mangás no Brasil está relacionado à
vinda dos animês e outras produções japonesas para a televisão, introduzidas nos canais
brasileiros na década de 1960, e de fato popularizados na década de 1990.

Apesar do notório crescimento do mercado brasileiro de mangás, não


podemos nos esquecer de que ele não se concretizou unicamente pela força e
pela qualidade do mangá em si. Também são fatores importantes a
considerar a moda gerada pelo sucesso dos videogames e pelos animês
exibidos na TV (OKA, 2005, p.85).
Cavaleiros do Zodíaco foi um marco no início dos anos 1990, na extinta TV Manchete,
sendo determinante nesse momento em que os animês representaram um grande sucesso de
consumo e consolidação das produções japonesas, posteriormente seguida por Dragon Ball.
Já após os anos 2000, Pokémon destacou-se no Brasil.

Quem não ouviu falar nos Pokémons ou em Godzilla? Gostando ou não, são
personagens que marcaram a vida de mais de uma geração dentro e fora do
Japão. Os mais velhos viram Godzilla e acabam conhecendo os Pokémons
através dos filhos. Nas últimas décadas, os heróis vindos do Japão se
rivalizam em popularidade com os Walt Disney, Hanna Barbera ou Marvel.
É um ramo da indústria de entretenimento genericamente conhecido como
japop, ou cultura pop japonesa (SAKURAI, 2008, p. 342).
Os mangás levaram algum tempo para se firmar no mercado de quadrinhos brasileiro,
mas, ao fazê-lo, tornaram-se um sucesso de vendas nos últimos anos. Lobo Solitário, segundo
Oka (2005), foi o primeiro título japonês a ser lançado no Brasil, em 1988, pela editora
Cedibra, aproveitando o mercado já bem-sucedido de quadrinhos norte-americanos, seguido
do também clássico Akira, de Katsuhiro Otomo - pela editora Globo - em 1990. Houve então
um período de pausa de dez anos em que alguns títulos foram lançados sem causar muito
impacto e apenas entre 1999 e 2001 a situação mudou, quando os animês Pokémon, Sakura
Card Captors e Dragon Ball estouraram na TV aberta. Assim, continua Oka (2005), surgiu a
oportunidade de trazer os mangás que haviam originado as séries animadas; investimento, que
segundo ele, foi realizado pela Editora JBC. Em comparação ao segmentado mercado
editorial japonês, o Brasil procurou por um tempo manter a garantia de sucesso apenas com
títulos que já tivessem reconhecido sucesso comercial, o que desagradou uma parte dos fãs
interessada em títulos alternativos.

125
[...] a cultura nacional brasileira do mangá ainda não está consolidada a
ponto de permitir que uma editora ouse investir em um título japonês
simplesmente pela qualidade da obra. Um mercado assim seria ótimo para
que o público brasileiro conhecesse toda a riqueza da 'cultura mangástica' do
Japão (OKA, 2005, p.93).
A leitura oriental, da direita para a esquerda, foi mantida, o que hoje é uma exigência
dos fãs brasileiros, que acabou facilitando e barateando o processo de importação pelas
editoras (CARLOS, 2011). As principais editoras de mangá no Brasil são: JBC, Panini,
NewPOP e Conrad, esta última sendo pioneira nas publicações de mangás no formato original,
com a leitura oriental, mas que atualmente tem papel pouco relevante no mercado de mangás
no Brasil, oferecendo poucos títulos, além de vários cancelamentos. Em 2009, a Conrad foi
vendida para a IBEP/Companhia Editora Nacional.
Em 2015, foi lançada a plataforma Social Comics, com a proposta de streaming -
acesso a conteúdos sem necessidade de download de arquivos - de histórias em quadrinhos,
um serviço semelhante ao Netflix e Crunchyroll, mas com conteúdo de histórias em
quadrinhos digitais a um custo mensal. A Social Comics é uma empresa do Omelete Group e
oferece cerca de 1500 títulos de editoras como Dark Horse, JBC, Devir, HQM, Nemo e Mino,
além de um catálogo de obras independentes. As histórias em quadrinhos podem ser lidas via
navegador pelo computador e dispositivos móveis como tablets e smartphones. O Social
Comics permite que os leitores possam comentar e recomendar obras lidas para outras pessoas
cadastradas no serviço, atuando também como uma rede social. Esta é uma das estratégias de
aproveitamento das tecnologias de comunicação digitais para consumo de HQs e mangás.

4.4.1 Maurício de Sousa: Turma da Mônica Jovem

A Turma da Mônica Jovem é uma publicação mensal da Maurício de Sousa


Produções, lançada em 2008. Maurício eventualmente menciona a expressão "mangá
caboclo" para descrever a aproximação dos mangás com as produções brasileiras, relação
base que gerou a Turma da Mônica Jovem. Nessa nova série, Maurício traz todos os seus
personagens dos gibis clássicos para a adolescência.
Agora com 15 anos, personagens como Mônica, Cebolinha, Magali e Cascão
protagonizam histórias que dialogam com os anseios e gostos dos adolescentes.
O que mais chamou a atenção na nova Turma foi a mudança extrema no traço dos
desenhos, que logo nas primeiras divulgações trazia a proposta do estilo mangá. Cassaro

126
(2011)96, desenhista e roteirista de quadrinhos, explica que no Brasil sempre houve uma certa
polêmica sobre o que é o mangá verdadeiro e se fora do Japão é possível existir uma produção
de mangás, ou se são apenas produções ao estilo estético dos quadrinhos japoneses, ou seja,
que seguem uma determinada estética característica dos mangás, como os olhos grandes e
amendoados, por exemplo. Por conta desses questionamentos, quando Cassaro lançou, nos
anos 2000, Holy Avenger, história em quadrinhos brasileira criada por ele, junto de Rogério
Saladino e J.M. Trevisan, com ilustrações de Erica Awano, tomou-se o cuidado de utilizar a
expressão "estilo mangá" que definia a publicação. Uma precaução, que segundo Cassaro
(2007), também foi tomada pelos Estúdios Maurício de Sousa ao lançar a Turma da Mônica
Jovem.
Erica Awano (2005) propõe três pontos de vista acerca do mangá brasileiro: no
primeiro deles, mangá é o termo aplicado ao gênero de quadrinhos publicados no Japão com
um conjunto de características únicas da sociedade japonesa, e, portanto, uma denominação
que não pode ser aplicada às produções brasileiras; em segundo, o termo mangá se aplica a
qualquer quadrinho que segue um determinado conjunto de técnicas que podem ser abstraídas,
estudadas e utilizadas tanto nas produções brasileiras quanto nas japonesas, permitindo que
seja considerado mangá nacional; e por fim, o mangá brasileiro seria um rótulo que define um
tipo de produção que utiliza elementos dos quadrinhos japoneses para enriquecer o modo de
fazer histórias em quadrinhos.
Adotaremos, neste caso, a denominação escolhida pelos autores das obras citadas. No
caso de Maurício de Sousa, que utiliza a expressão "estilo mangá" para a Turma da Mônica
Jovem, o faremos igualmente.
Observamos que o estilo mangá influenciou inicialmente os primeiros quadrinistas
nipo-descendentes que conviviam com essa estética enquanto cresciam, mas, ao longo dos
anos, firmou-se também entre não descendentes, que passaram a utilizar a composição das
imagens dos quadrinhos japoneses, porém com temas e propostas brasileiras, compondo
híbridos culturais. Ao analisar o hibridismo cultural, Burke (2003) discute esse processo a
respeito dos artefatos culturais que são reapropriados em contextos diversos. No caso das
imagens, por exemplo, Burke (2003) cita o estudo de Serge Gruzinski97 a respeito da arte
cristã no México, nas primeiras décadas depois da chegada dos missionários. Ao produzir as

96
CASSARO, Marcelo. Prefácio. In: NAGADO, Alexandre; MATSUDA, Michel; GOES, Rodrigo de.
Cultura pop japonesa: histórias e curiosidades. Projeto, organização e edição Alexandre Nagado.
2011. Disponível em:< https://issuu.com/ale_nagado/docs/cult_pop_jap_ebook__completo_/49>.
Acesso em 7 jun. 2016. [Publicação independente - Recurso eletrônico PDF]
97
GRUZINSKI, Serge. La pensée métisse, Paris: Édition Fayard, 1999.
127
imagens aos moldes de mestres europeus, os artistas locais modificavam o que copiavam,
assimilando tudo às suas próprias tradições.
Neste caso, a Turma da Mônica Jovem é um bom exemplo dessas apropriações de
bens culturais em um contexto diverso. Se nos gibis clássicos o traço de Maurício de Sousa já
é bastante distinto e inconfundível, marcante na história dos quadrinhos brasileiros, a nova
série no estilo mangá consegue também apresentar uma composição estética que num
primeiro momento é difícil descrever; o que ele mesmo explica, na primeira edição da Turma
da Mônica Jovem (2008), como uma experimentação, tanto por se enveredar no estilo de
quadrinhos japoneses, quanto por propor uma nova abordagem de temas, buscando o público
adolescente que migrava para as obras japonesas.

Vocês ainda não podem ver, mas já começam a nascer as próximas histórias
desta série com ilustrações muito mais puxadas para os clássicos do mangá
japonês, sem que a Turma jovem perca suas características principais.
Aguarde a Turma mais madura, ao mesmo tempo em que já questiona, e se
questiona,como convém à idade (SOUSA, 2008, p.47).
Na sua composição visual, assim como os mangás, a Turma da Mônica Jovem também
é publicada em preto e branco e utiliza alguns recursos narrativos conhecidos nas publicações
japonesas, como as expressões exageradas e deformação das características dos personagens
para exacerbar uma emoção, normalmente como alívio cômico. (Figura 16) Esse recurso é
chamado super-derformed, normalmente conhecido pela abreviação SD. Segundo Clements e
McCarthy (2006), super-deformed ou squashed-down refere-se às versões caricatas dos
personagens, reduzindo-os de tamanho ou representando-os em versões infantis em
sequências cômicas ou paródias. SD relaciona-se com o termo chibi, que também define esse
estilo de caricaturas infantis de personagens.

Figura 16 - Exemplo de recurso super-deformed (SD)

Fonte: Turma da Mônica Jovem n.44, 2012.

128
Já a leitura é realizada da maneira ocidental, da esquerda para a direita, diferente dos
mangás, cuja leitura oriental é feita da direita para a esquerda.

No quesito “narrativa invertida e leitura gráfica”, permanece a leitura


ocidental. Parodiando os avisos dos mangás para a ordem de leitura, todas as
edições de TMJ até o momento vêm com o seguinte aviso na última página:
“Embora o mangá japonês seja lido no sentido oriental, resolvemos deixar a
história com o sentido de leitura ocidental... Afinal, apesar do estilo mangá,
ainda é estilo Turma da Mônica”, o que aponta para a hibridização das
linguagens e a apropriação da cultura nacional prevalecendo sobre a estética
característica do estilo (AMARAL, 2013, p.27).
Maurício tinha razão ao afirmar que a Turma da Mônica não perderia suas
características principais. Com relação à abordagem dos personagens, é bastante interessante
acompanhar uma proposta de histórias futuras, que retratam uma curiosidade alimentada por
toda uma geração de crianças que cresceram lendo os gibis clássicos e às vezes imaginavam:
"Como estariam os personagens no futuro?" Logo na segunda edição da publicação, Maurício
de Sousa, em sua coluna "Fala, Mauricio", presente em todas as edições da TMJ, e também
disponíveis na página oficial da Turma da Mônica Jovem, explica:

Eu esperava esse sucesso. Essa reação do público. Afinal, estamos lidando


com três gerações de leitores da Turma da Mônica: os adultos que leram na
infância, os jovens que também leram e querem saber como é que a turminha
está se comportando com a mesma idade deles e a criançada que quer assistir
ao futuro dos seus personagens de agora (SOUSA, 2008, online).
O boom dos mangás no Brasil se deu nos anos 2000, após o ápice do sucesso dos
animês transmitidos na televisão. A Turma da Mônica Jovem aproveitou o embalo da
recepção positiva do público para os quadrinhos japoneses, o que pode explicar a escolha pelo
estilo mangá para uma nova linhagem de publicações. Com seus personagens adolescentes, a
Maurício de Sousa Produções bateu a venda de 500 mil cópias98, um feito para o mercado
editorial de quadrinhos.

É importante observar que, pelo menos do ponto de vista comercial e


cultural, o fato de um grande estúdio como o de Mauricio de Sousa lançar
um novo título voltado para um público com idade mais avançada do que a
primeira prolonga a faixa de abrangência do público. A própria utilização do
termo “mangá” já “selado” em todas as capas representa muito mais uma
estratégia eficaz de marketing, um reforço indicativo para que o leitor de
mangá passe também a comprar a TMJ, do que uma conotação artística ou
estética (AMARAL, 2013, p.25).

98
BERCITO, Diogo. Gibi teen da Turma da Mônica vende 500 mil cópias. Folha de S. Paulo, 21 nov.
2011. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2011/07/946522-gibi-teen-da-turma-da-
monica-vende-500-mil-copias.shtml>. Acesso em 01 dez. 2017.
129
A MSP (Maurício de Sousa Produções) tem se empenhado numa variedade de
formatos e propostas buscando públicos diversos. Em 2012, foi lançado com sucesso o
projeto Graphic MSP, histórias com os personagens de Maurício de Sousa pelas mãos de
vários artistas brasileiros com estilos completamente diferentes, baseado no MSP50: Maurício
de Sousa por 50 artistas, de 2009. Seguindo a linha desse projeto, na última Comic Con
Experience, de 201799, foram apresentadas cenas para a adaptação live action - com atores
reais - de Turma da Mônica Laços, a graphic novel de Lu Cafaggi e Vitor Caffagi para o
Graphic MSP.
A Turma da Mônica Jovem não é a única investida da Maurício de Sousa Produções,
que também dialoga com a cultura pop japonesa. Além dos vários projetos que vêm sendo
divulgados nos últimos anos na Comic Con Experience, em 2013 foi criada a websérie
Monica Toy para o YouTube. Os episódios duram cerca de 30 segundos e abordam situações
cômicas com os personagens em 2D e projetados no estilo chibi ou SD. A série também não
contém falas, o que lhe dá um caráter universal, compreensível e consumível em qualquer
país. Maurício chegou a determinar Monica Toy como o cavalo de Troia que levou à
internacionalização da MSP100. A websérie tem especial atenção para o público japonês, que
depois do Brasil, apresenta sua maior audiência. Em resposta, o canal possui vídeos com
títulos e conteúdos descritivos na língua japonesa (JOJOSCOPE, 2014).
A proximidade com o Japão rendeu ao desenhista a condecoração "Ordem do Sol
Nascente", na classe "Raios de Ouro com Roseta", em 2013; honraria concedida aos que
contribuem com o bom relacionamento entre o Japão com outros países101.
Maurício também compreende a necessidade de manter-se a par do desenvolvimento
tecnológico e a projeção da Turma da Mônica na internet tem sido uma de suas principais
metas. Além de Mônica Toy, o canal oficial da Turma no YouTube é constantemente
atualizado. Além disso, em 2016, durante a Comic Con Experience, Mauricio apresentou
Ramona, personagem central do filme da Turma da Mônica Jovem, previsto para lançamento
em 2019. A atriz Amanda Torre, que interpretará a personagem Ramona no filme, possui um

99
Conforme registrado pelo portal Omelete, que apresenta conteúdo sobre séries americanas, cinema,
cultura pop japonesa, quadrinhos e outros assuntos relacionados ao público geek. Disponível
em:<https://omelete.uol.com.br/filmes/noticia/turma-da-monica-lacos-visual-das-criancas-no-live-
action-e-divulgado-na-ccxp-2017/>. Acesso em 02 jan 2018.
100
Maurício de Sousa em entrevista concedida à Época Negócios. Disponível
em:<http://epocanegocios.globo.com/Empresa/noticia/2017/12/versatilidade-dos-negocios-de-
mauricio-de-sousa.html>. Acesso em 18 dez.2017.
101
Disponível em:<http://jojoscope.com/2013/12/mauricio-de-sousa-condecorado/>. Acesso em 20 dez.
2017.
130
canal no YouTube em que vive e interage com as pessoas como se fosse a própria personagem
da TMJ a fazê-lo. Durante a Bienal do Livro Rio, em setembro de 2017, foi apresentada
Denise, também uma das personagens da Turma da Mônica, que será interpretada pela atriz
Carol Amaral. Assim como Ramona, sua personagem já vivida por ela terá perfis em várias
redes sociais, em que poderá interagir com o público102 como se fosse a própria Denise dos
quadrinhos.

4.5 Dakishimeta kokoro no kosumo (抱きしめた 心 の コスモ)103: Animês

No Brasil, segundo Monte (2010), o Oitavo Homem (エイトマン - Eito Man), escrito
por Kazumasa Hirai e ilustrado por Jiro Kuwata - animação de 1963 sobre o detetive Hachiro
Azuma, cujas memórias foram transferidas para um corpo robótico tornando-o um super-herói
- foi o primeiro animê a ser exibido na televisão brasileira, pela Rede Globo, em 1968.
Contudo, ainda é difícil precisar qual de fato foi o primeiro animê a ser exibido, já que nessa
primeira leva também vieram ao Brasil Homem de Aço (Tetsujin 28 Go), Ás do Espaço (Uchū
Esu) e Zoran (Uchū Shonen Soran) (NAGADO, 2007).
No Brasil, as séries tokusatsu - produções com efeitos especiais - como National Kid,
exibido pela TV Record nos anos 1960, Jaspion e Changeman (ambas já nos anos 1980)
fizeram um inesperado sucesso. Tokusatsu, segundo Nagado (2007), é a abreviatura de
tokushū kōka satsuei (特集効果撮影), sendo tokushū kōka o mesmo que efeitos especiais e
satsuei, filmagem, resultando em "filmagens com efeitos especiais". Filmes com monstros
como Godzilla também são exemplos clássicos de tokusatsu. Essas séries com heróis
japoneses e filmes com monstros eram produções live action que também foram essenciais
para a receptividade da cultura pop japonesa na televisão brasileira.
Nos anos 1980, poucos títulos foram lançados na TV; mesmo assim, segundo Nagado
(2007), foram trazidos alguns clássicos como Patrulha Estelar - Fase II (Uchū Senkan
Yamato 2 - 宇宙戦艦ヤマト 2 por Leiji Matsumoto e pelo produtor Yoshinobu Nishizaki, de
1978), em 1984, pela Rede Manchete. O nome Patrulha Estelar no Brasil foi adaptado da
versão americana, cujo título era Star Blazers. O animê acompanhava a tripulação do

102
Disponível em:<http://cinepop.com.br/turma-da-monica-jovem-conheca-a-atriz-que-vivera-a-
jovem-denise-no-live-action-154049>. Acesso em 20 dez. 2017.
103
Esta é a frase emblemática da canção Pegasus Fantasy, tema de abertura do animê Cavaleiros do
Zodíaco, um hino para os fãs de animê, sempre lembrada nos eventos de mangá e animê. Na versão
brasileira, a frase era cantada como "Faça elevar o cosmo no seu coração".
131
encouraçado espacial Yamato, que fazia menção ao navio Yamato da Marinha Japonesa,
afundado pelas forças americanas em 1945. Nos Estados Unidos, as referências ao navio
original foram editadas e a versão que chegou ao Brasil também tinha cortes de conteúdo.
Na década de 1990, os canais de TV por assinatura também ampliaram a circulação de
animês no Brasil. O canal Locomotion, lançado em 1996, foi o primeiro a trazer títulos
japoneses e em 2005 deu lugar ao canal Animax, cuja proposta era exibir para o público
latino-americano uma programação composta totalmente por produções japonesas, o que foi
mudando ao longo dos anos, abrindo espaço para outros tipos de animações.
Assim como os mangás, os animês também tiveram um percurso marcado pela
inconstância. Após o boom das séries animadas japonesas nos canais de televisão nos anos
1990, era esperado pelo público brasileiro que a circulação e variedade de títulos aumentasse,
o que, de certa forma, foi ofertado pela TV paga. Urbano (2013), no entanto, nos informa que
o tratamento dedicado ao animês pelos canais de TV paga eram tão insatisfatórios quanto o da
TV aberta:

Os frequentes cortes e edições de episódios, a ausência de uma cronologia na


exibição de episódios, mudanças de horário na exibição das séries (sem
aviso prévio para os assinantes) são traços que, historicamente, marcam um
tipo de tratamento arraigado concedido pelas emissoras abertas e a cabo às
séries (animadas) japonesas (URBANO, 2013, p.45).
Atribui-se a Cavaleiros do Zodíaco (Saint Seiya, de 1986), transmitido no Brasil na
década de 1990 inicialmente pela TV Manchete, a popularização efetiva não apenas dos
quadrinhos e animações japonesas, mas de outros componentes da cultura pop japonesa como
a prática cosplay e o colecionismo de miniaturas de personagens, conhecidas como action
figures. Sato (2007) observa que, com Cavaleiros do Zodíaco, houve um furor sem
precedentes, uma febre que abriu caminho para a popularidade do mangá e animê,
consolidada nos dias de hoje. Nagado (2007) a define como "explosão" do animê no Brasil,
que ocorreu de maneira devastadora e definitiva.

Quando o animê entrou no ar em 1994 pela TV Manchete, havia uma década


que nenhum desenho japonês recente era exibido pelas emissoras brasileiras,
e por isso os Cavaleiros atraíram a atenção de crianças e adolescentes na
condição de novidade sem similar. O enredo dramático, com a história
dividida em capítulos terminando em suspense, como nas telenovelas
brasileiras, cativou também o público adulto (SATO, 2007, p.45).
Cavaleiros do Zodíaco é um mangá e animê de Masami Kurumada. Foi publicado em
1985 e adaptado para a série animê em 1986. A história dos meninos órfãos treinados até se
tornarem guerreiros conhecidos como Cavaleiros em suas armaduras sagradas foi um sucesso.

132
Sato (2007) observa que os primeiros sinais de que uma nova mania se formava no Japão
apareceram em 1987, quando a série era transmitida pela televisão japonesa. Candy toys
(bonequinhos colecionáveis que eram vendidos em conjunto com balas) dos personagens
eram vendidos aos montes, bem como vídeos e LDs (laser-disc, anterior aos DVDs) da saga,
indicando um público adulto bastante ativo consumindo todos os produtos relacionados à
história de Kurumada. O público feminino também foi conquistado, tanto pela estética da
produção quanto pelo enredo. As referências às mitologias grega e japonesa formaram uma
mistura inusitada, mas ainda acessível para o público infantil.

A partir de 1990, quando a série em animê passou a ser exibida na Europa,


Cavaleiros virou uma mania internacional provando que a mistura de
mitologias tornou a história assimilável em países de culturas bastante
diversas. Outro fator que alimentou a "febre" foi um eficiente esquema de
marketing, que vinculou o desenho a anúncios de brinquedos - bonecos
colecionáveis articulados com armaduras encaixáveis da fabricante japonesa
Bandai, patrocinadora da série (SATO, 2007, p.44).
No Brasil, depois de um período com poucas produções japonesas exibidas na
televisão, Cavaleiros do Zodíaco acabou chamando a atenção de crianças, adolescentes e
adultos. Com a série, a TV Manchete conseguiu segurar um pouco o período de crise
financeira que vinha passando, e, além disso, acompanhamos o fenômeno das vendas de
bonecos dos personagens da série, alcançando mais de 800 mil unidades no Brasil até metade
de 1995 (MONTE, 2010).
Monte (2010) observa que uma das razões para os primeiros títulos japoneses no
Brasil - nos anos 1960 e 1970 - não terem alcançado o sucesso de Cavaleiros do Zodíaco é o
fato de terem sido exibidos em emissoras que não tinham tanto alcance quanto a Rede Globo
(que além do Oitavo Homem, exibiu Samurai Kid). Nos anos 1970, as emissoras que mais
apresentaram animações japonesas eram TV Tupi e TV Record, que ainda estavam em baixa
em relação à Rede Globo.
A extinta TV Manchete - as transmissões foram encerradas definitivamente em 1999 -
foi um marco para os tokusatsus e animês no Brasil. No final da década de 1980 e início de
1990, a emissora conseguiu bons índices de audiência e até hoje ainda é lembrada com
saudosismo por quem, na infância, pôde acompanhar as produções japonesas que ela exibiu.

Se houve um canal de TV brasileiro identificado com heróis japoneses, foi


sem dúvida a extinta TV Manchete, que alavancou manias nacionais puxadas
pos Jaspion e Cavaleiros do Zodíaco na década de 1990. Alguns anos antes,
a emissora exibiu produções que, se não foram ícones pop como as duas
séries citadas, chamaram a atenção do público infanto-juvenil na metade da
década de 1980, época em que poucos seriados nipônicos eram vistos na TV
(NAGADO, 2007, p.88).
133
Dentre os animês transmitidos pela TV Manchete, além de Cavaleiros do Zodíaco,
destacamos Sailor Moon, de Naoko Takeuchi, exibido em 1996.
Sailor Moon (美少女戦士セーラームーン, Bishōjo Senshi Sērā Mūn - "Bela Menina
Guerreira Sailor Moon"), que pode ser traduzido como "Graciosa Guerreira Sailor Moon", foi
escrito e ilustrado por Naoko Takeuchi e publicado em 1992 pela Kodansha. Ainda no mesmo
ano, foi produzido o animê baseado nos quadrinhos pela Toei Animation. Usagi Tsukino,
personagem principal, é uma adolescente de 14 anos que a caminho da escola encontra uma
gata chamada Luna, que lhe concede poderes para se tornar uma guerreira mágica destinada a
combater o mal no mundo, conhecida como Sailor Moon. Ao longo da primeira temporada -
ao todo foram produzidas cinco fases ou temporadas - Usagi encontra outras meninas que se
unem a ela como guerreiras mágicas para derrotarem os vilões que ameaçavam o planeta.
Allison (2000) destaca que Sailor Moon difere das histórias de super-heróis em alguns
aspectos: primeiro por a protagonista ser uma mulher, desafiando o contexto existente que
tradicionalmente é dominado por heróis homens; e segundo por ser uma série cujo sucesso
ultrapassou as fronteiras do Japão e tornou-se muito popular mundialmente.
Sato (2007) ainda acrescenta que, inicialmente, a ideia de um visual de uniformes com
laços, lenços de marinheiro e saias com pregas, que referenciavam os sailor fuku - uniformes
escolares japoneses baseados no uniforme da Real Marinha Britânica - parecia estar longe de
um conceito fashion. Contudo, os editores da revista Nakayoshi haviam solicitado a Naoko
que desenvolvesse uma história em que as personagens usassem os sailor fuku (roupas de
marinheiros), e, unindo isso aos seus gostos pessoais, a autora criou Sailor Moon.

Os editores da Nakayoshi, entretanto, havia captado uma tendência que foi


fundamental para o sucesso de Sailor Moon. Meninas de 8 a 12 anos de
idade - o público principal da revista - gostavam dos sailor fuku por
representarem a etapa seguinte em suas vidas pessoais e escolares, ou seja, a
passagem para a adolescência - a fase em que as meninas deixam de ser
crianças para começarem a se tornar mulheres (SATO, 2007, p.102).
Além disso, Allison (2000) observa que Sailor Moon foi um verdadeiro produto
multimídia, que, somado ao mangá, tinha ainda a série de animê semanal, vídeos de longa
metragem, jogos, brinquedos e colecionáveis, livros e suas imagens estampadas em objetos
que iam de roupas a cadernos. Para ela, Sailor Moon é um híbrido que agrega tanto elementos
que são atraentes para os meninos - histórias sobre heróis e lutas - quanto para meninas com
característas típicas de shōjo, como a idealização do romance, os valores como amizade e a
estética.

134
Apesar de apresentar muitas características específicas da cultura japonesa, Sailor
Moon ganhou popularidade no Ocidente. Uma das mudanças nas adaptações e traduções de
cada país foi a troca dos nomes originais por outros: o Brasil, por exemplo, adotou os nomes
utilizados na versão americana, onde Usagi se tornou Serena. Outra mudança mais brutal
foram os cortes, principalmente com o casal de sailors Urano e Netuno e, na fase final da
série, a banda de rapazes Starlights que, quando manifestavam seus poderes, transformavam-
se em mulheres. Em ambos os casos, as versões fora do Japão foram bem mais conservadoras
ao omitirem qualquer menção à homossexualidade. A TV Manchete exibiu apenas a primeira
temporada do animê; as quatro restantes foram transmitidas pelo Cartoon Network.
Nos anos 1990, o SBT também exibiu vários animês, como por exemplo: Fly, o
Pequeno Guerreiro (Dragon Quest Dai no Daibōken ドラゴンクエスト - ダイの大冒険 -
Dragon Quest - A Grande Aventura de Dai, 1989) inspirado no jogo de RPG Dragon Quest;
Guerreiras Mágicas de Rayearth (Mahō Kishi Rayearth 魔 法騎 士 レイ ア ー ス , 1994),
adaptado do mangá de mesmo nome criado pelo grupo CLAMP; e Dragon Ball (Doragon
Bōru ドラゴンボール, 1986), de Akira Toriyama, que também marcou a geração de jovens
dessa época. Entretanto, foi em 1999 que conhecemos o próximo fenômeno dos animês no
Brasil: Pokémon.

4.5.1 "Pokémon, temos que pegar": nova febre animê no Brasil

Pokémon (ポケモン - de pocket monsters) começou como um jogo para GameBoy em


1996. Satoshi Tajiri é o responsável pelo início da franquia em 1995, criando um universo
onde treinadores capturam criaturas chamadas pokémon que utilizam para batalhar entre si.
Esta é uma definição bruta que resume a proposta dos jogos de Pokémon, uma franquia de
sucesso que, dentre os games, só perde para Super Mario Bros. O animê é tão antigo quanto
os jogos, de 1997, mas é apenas mais um dos produtos da linha, que conta com mangá, jogos
de cartas, filmes e os incontáveis produtos que utilizam a imagem dos pokémons, como
brinquedos e artigos de papelaria. No animê, acompanhamos o menino Ash em sua jornada
para se tornar um mestre pokémon. Logo no primeiro episódio, Ash, assim como todos os
treinadores iniciantes, recebe um pokémon inicial, mas como acordara atrasado, restou-lhe
apenas um Pikachu muito teimoso, que se recusava a permanecer dentro da pokébola,
dispositivo com a função de acomodar/armazenar os monstros capturados.

135
No Brasil, o animê foi exibido pela Rede Record, em 1999, durante o programa
infantil apresentado por Eliana, o Eliana & Alegria, gerando bons índices de audiência,
fazendo com que a Globo iniciasse a exibição de Digimon (abreviação de digital monster, de
1999), um animê que também apresentava uma história de crianças com monstrinhos, com a
diferença de ambientação em um mundo digital; a série também obteve muito sucesso nos
indicadores de audiência. Em um ano de exibição no Brasil, Pokémon, licenciado pela Exim,
rendeu cerca de US$50 milhões com a associação da marca a brinquedos, roupas, alimentos e
outros artigos de consumo licenciados a 43 empresas. A Antarctica, do ramo de bebidas,
iniciou a promoção da versão caçulinha do Guaraná Antarctica que vinha acompanhado de
miniaturas dos pokémons, alcançando a venda de 35 milhões de unidades, segundo matéria da
Isto É Dinheiro, em 2000104.
Recentemente, em 2016, foi lançado Pokémon Go, jogo de realidade aumentada em
que é possível capturar, batalhar e conquistar ginásios com o uso de um smartphone, uma
nova febre entre os fãs, tanto as crianças atuais quanto os adultos que acompanharam o
desenvolvimento da saga na década de 1990. Em Pokémon Go, os bichinhos se espalham em
vários pontos da cidade e é possível capturá-los com o celular, utilizando pokébolas que
podem ser compradas ou adquiridas gratuitamente em PókeStops, que no jogo são pontos de
parada espalhados pelo mapa/cidade em que se pode reabastecer itens, receber poções e
outros recursos que auxiliem a capturar ou avançar o nível de um pokémon. Em vários pontos
específicos do mapa, existem ginásios em que é possível batalhar e conquistar território e
experiência. Com os videogames, jogos de cartas, mangá, animê e o jogo para dispositivo
móvel, deparamo-nos com uma configuração media mix a qual muitos atribuem o sucesso de
Pokémon (ALLISON, 2003).
Allison (2003, 2004) observa que esse sucesso segue as bem-sucedidas ondas de
vendas de produtos japoneses que se iniciaram na década de 1980, e que impactaram o
consumo de produtos para o público infanto-juvenil de todo o mundo. Isso incluía os bens
tecnológicos como Walkman da Sony, videogames (tanto jogos quanto consoles), além de
brinquedos e franquias de personagens como Hello Kitty, da Sanrio.

Ishihara Tsunekazu, um dos produtores de Pokémon (presidente e CEO da


Creatures, Inc.), descreve Pokémon como um produto que é infinitamente
expansível e fácil de se conectar a outros meios de comunicação. O produto
pode ser jogado de várias maneiras diferentes e por jogadores de diferentes

104
Conforme informações da Istoé Dinheiro, em 2000. Disponível em:<
https://www.istoedinheiro.com.br/noticias/negocios/20001013/pokemon-contra-digimon/25045>.
Acesso em: 01 jan. 2018.
136
características demográficas (tanto meninas quanto meninos, e por crianças
com idade dos quatro aos 14 anos) (ALLISON, 2004, p.35, tradução
nossa)105.
Neste caso, Pokémon gera um universo imaginário e envolvente onde outras narrativas
relacionadas também se desenvolvem, aproximando-nos da ideia de transmídia proposta por
Jenkins (2009). Allison (2004) observa ainda a relação entre o fenômeno Pokémon com a
ideia de kawaii no Japão, que em diferentes significados e abordagens, envolve o apego
emocional a criações ou criaturas imaginárias em ressonância com a infância e com a cultura
tradicional japonesa. Assim como a afirmação de Kinsella (1995), essa noção de kawaii está
relacionada ao consumo.

Conforme evidenciado pelas receitas geradas (mais de 8 bilhões de dólares


em 2001), o negócio japonês de cuteness está crescendo em todo o mundo. O
negócio de entretenimento infantil, de fato, é um dos poucos que não só
sobreviveu, mas cresceu no Japão no período de economia recessiva após a
bolha econômica do país (ALLISON, 2004, p.36, tradução nossa, grifo
nosso)106.
Observamos anteriormente como os mangás e animês se tornaram carros-chefe para a
estratégia de levar a cultura japonesa ao exterior. O fenômeno Pokémon, segundo Allison
(2004), por ser baseado na estrutura inicial do game, torna-o ainda mais interativo do que
desenhos, quadrinhos ou filmes, e sua relação com o kawaii lhe proporciona a configuração
de atrativo global. Pikachu, um dos 151 pokémons da primeira geração - hoje já existem quase
mil pokémons diferentes - foi escolhido como personagem ícone do fenômeno, capaz de gerar
identificação e afeto no público, seja ele composto por crianças, adultos, homens ou mulheres.
Não é preciso estar ligado ao jogo original para consumir seus produtos relacionados, pode-se
comprar pelúcias de pokémons apenas por achá-los fofos.

Tal como o próprio Japão, na medida em que se esforça para se tornar a nova
"superpotência" das propriedades globais para crianças, o Pikachu não só é
fofo, mas também forte e resistente. Ele monta sobre o ombro de Ash como

105
Ishihara Tsunekazu, one of Pokémon's producers (president and CEO of Creatures, Inc.),
characterizes Pokémon as a product that is endlessly expandable and easy to connect to other media.
The product lends itself to being played in a variety of different ways and by different demographics
of players (by both girls and boys, and by children ranging in age from four to fourteen) (ALLISON,
2004, p.35).
106
As evidenced by the revenues it has generated (over $8 billion in 2001), Japan's business of
cuteness is booming around the world. The children's entertainment business, in fact, is one of the few
that has not only survived, but grown in Japan in the period of recessionary economics following the
country's economic bubble (ALLISON, 2004, p.36).
137
uma criança dependente, mas é um guerreiro formidável sob essa suave
fachada (ALLISON, 2004, p.38, tradução nossa)107.
"Pokémon, temos que pegar" é provavelmente a frase mais conhecida entre fãs de
Pokémon. A frase iniciava a canção de abertura da animação no Brasil, uma música que
permanece na memória de muitos fãs e que voltou a se tornar popular com a vinda de
Pokémon Go para o Brasil. A frase e título do tema de abertura em inglês, "Gotta catch 'em
all" ("Temos que pegar todos eles") é também o slogan de Pokémon e resume o objetivo
primordial do jogo, de pegar todos os pokémons. Allison (2004) observa que metaforicamente,
no entanto, a captura tem a ver com o relacionamento do jogador com este universo fantástico,
que está situado no mundo do consumismo, e Pokémon justamente imita isso ao jogar (e
representar) o capitalismo do jogo. O acesso a este mundo vem através dos bens de consumo
relacionados à marca Pokémon. E você mantém o acesso (e o interesse) vivos, com mais bens
de consumo para serem comprados.

4.6 Prática cosplay no Brasil

Foi nesse mesmo período em que os animês e mangás começavam a se popularizar no


Brasil, entre os anos 1980 e 1990, que também começam a despontar os primeiros passos da
prática cosplay no Brasil. Algumas pessoas devem se lembrar, no final da década de 1980, do
Circo Show Tokyo Space, espetáculo coordenado por Toshihiko Egashira, também dono da
Everest Video, responsável por trazer as séries Jaspion e Changeman para o Brasil. O Circo
Show foi criado aproveitando o sucesso das séries tokusatsu e realizava espetáculos com os
personagens Jaspion e Changeman com atores que utilizavam fantasias originais trazidas do
Japão por Egashira. Tínhamos os primeiros sinais do que viria a se constituir como prática
cosplay.
Francisco Noriyuki Sato, presidente da Abrademi nos períodos de 1984 a 1986 e de
1988 a 1996, descreve que, por iniciativa da Abrademi, os associados Rodrigo dos Reis e
Fábio Hara participaram de eventos vestidos com as fantasias originais de Red Mask e Black
Kamen Rider, em 1993, mas não podem ser considerados cosplay justamente pelo uso das
roupas originais das respectivas séries trazidas pela Tikara Filmes (ex Everest Video),
detentora dos direitos dos personagens. A Abrademi, então, procurou a escola de samba Vai

107
Much like Japan itself as it strives to become the new "superpower" of global kids properties,
Pikachu is not only cute, but also fiercely tough. It rides atop Ash's shoulder like a dependent child,
but is a formidable warrior under this gentle façade (ALLISON, 2004, p.38).
138
Vai para aprender técnicas de confecção de fantasias que ajudaram na elaboração da primeira
fantasia de animê feita no Brasil - Mu de Áries dos Cavaleiros do Zodíaco - confeccionada
por Cristiane Sato, que foi utilizada no 12º aniversário da Abrademi, sendo a primeira
cosplayer em evento de animê e mangá 108 . Em 1996, na primeira MangaCon, evento
realizado pela Abrademi, realizou-se o primeiro concurso de cosplay do Brasil, caracterizando
os primeiros registros da prática como hobby, com fãs se vestindo como seus personagens
prediletos.

Apesar de ser um pouco tarde em relação às convenções nos Estados Unidos


e no Japão, nós devemos lembrar que o Brasil tem certa facilidade em
receber a cultura japonesa (por conta dos imigrantes japoneses que vieram
para cá) e, se por um lado as convenções de animê demoraram, por outro o
Brasil foi o primeiro país do ocidente a desenhar mangá, já na década de
1960 (SOARES, 2012, p.207-208).
Nunes (2015) observa que, de 1996 até hoje, os eventos de animês e mangás se
espalharam por todo o país, especialmente nas capitais, mas também há registros de eventos
realizados no interior do estado de São Paulo, e em diversos estados brasileiros, como o Sana
Fest em Fortaleza, Ceará e a PlayComic em Patos, Pernambuco. A maioria desses eventos
nasceu de grupos de amigos e fãs que alimentavam o desejo de compartilhar suas preferências
pelos mangás e animês.
Em 1999, é realizado o primeiro AnimeCon, que contou com mais de três mil
participantes. Em 2003, a Yamato Comunicações e Eventos organiza o Anime Friends, um
dos eventos mais importantes de cultura pop japonesa no Brasil. Em 2006, o Brasil participa
do World Cosplay Summit (WCS) pela primeira vez (SOARES, 2012). O WCS foi trazido ao
país com apoio da editora JBC. No concurso, selecionam-se cosplayers para competir em
Nagoia, no Japão. Na edição de 2006, os irmãos Somenzari sagraram-se campeões, levando o
Brasil ao cenário mundial da prática cosplay em competições. Em 2008 e 2011, o Brasil levou
o título novamente, o primeiro país tricampeão do concurso, posto igualado mais tarde pela
Itália109 . Como detentor de três títulos mundiais do WCS, o Brasil tornou-se uma grande
referência na prática cosplay internacional.
É nos eventos de animê que a prática cosplay se concentra. Esses eventos reúnem fãs
de mangás, games e também filmes, quadrinhos e outras manifestações que não estão
relacionadas com a cultura pop japonesa. Atualmente, configuram-se grandes eventos que

108
Disponível em:<http://www.abrademi.com/index.php/o-primeiro-cosplay-no-brasil/>. Acesso em
21 nov. 2017.
109
Segundo informações do Akiba Cosplay. Disponível em:<
https://akibaspace.com.br/akibacosplay/historia-do-cosplay-no-brasil/>. Acesso em: 01 jan. 2018.
139
focam o público geek em geral. Nessas ocasiões, as pessoas podem se divertir com
performances, comprar quadrinhos, objetos colecionáveis e outros produtos nos vários
estandes que acompanham os eventos; é possível ainda acompanhar palestras e mesas
redondas que discutem assuntos diversos da cultura pop e workshops com cosmakers e
maquiadores; enfim, podem trocar informações entre si e se divertir. Nem todos os
frequentadores do evento são cosplayers; de qualquer forma, apreciam a prática, aproveitando
para tirar fotos com muitos deles.

Tais quais os eventos, as personagens fontes para o cosplay também se


expandiram. Hoje, personagens de mangás, animês, tokusatsus aliam-se aos
personagens de videogames, às criações da Disney, Marvel e outras
produtoras de entretenimento, às celebridades midiáticas, como o cantor sul-
coreano Psy, performer da música Gangnam Style; personagens de peças
publicitárias, como Ronald e Garota McDonald; editoriais, como Harry
Potter, entre tantas disponíveis em variadas tessituras narrativas: dos animês
aos videoclipes e séries televisivas ou da web, obedecendo a distintos cortes
temporais, não apenas personagens e séries atuais (NUNES, 2015, p.39).
Nos eventos atuais, encontramos cosplayers com fantasias e maquiagens
extraordinárias, produções próprias que valorizam ainda mais a prática, relacionando-a ao
DIY (Do it Yourself). A maioria dos cosplayers o faz para si, não são pagos para isso, o que
significa que, como hobby, não era uma prática profissional ou de divulgação de marcas. A
essência inicial da prática tem por base os fãs que gostam de determinados personagens e
decidem representá-los por meio do cosplay. A associação com a ideia de que todo cosplayer
é pago para se vestir como tal está relacionada às pessoas contratadas por marcas e estandes
em eventos para publicidade, utilizando trajes oficiais de determinado personagem que a
marca ou estande está divulgando. Ao longo dos anos, a prática cosplay se aprimorou, e essas
concepções de hobby e profissão também começaram a mudar, como por exemplo, mais
tempo e dinheiro são investidos nas confecções das fantasias e as performances elevaram-se
cada vez mais ao nível de excelência conforme podemos perceber nos eventos de cultura pop
que são muitas vezes considerados a melhor vitrine para trabalhos cada vez mais
aperfeiçoados dos cosplayers.

140
Figura 17 - Cosplay do personagem Mestre Kame durante o 20º Festival do Japão

Fonte: Fotografia de Bruno Tiago Takeda

A popularidade da prática cosplay, somada aos avanços das mídias digitais, fez com
que o que antes tinha uma definição muito clara acabasse ganhando novas nuances graças ao
crescimento do campo, mercado e aumento de circulação de informações e referências, o que
levou a atividade a se tornar interessante e conveniente ao mercado voltado aos produtos de
cultura pop. De acordo com o AkibaCosplay (https://akibaspace.com.br/akibacosplay/) - site
destinado a divulgar a prática cosplay e fornecer informações oficiais dos concursos e
atividades cosplay do AkibaSpace - o cosplay, antes considerado como hobby, acabou
adquirindo novas divisões: a profissional; a de apresentações; e a de diversão. Na categoria
profissional, o hobby se transforma em profissão, na qual o cosplayer é contratado para
participar de convenções, como jurado em competições, palestrante ou, como citado
anteriormente, modelo de divulgação de produtos; na categoria de apresentações, o cosplayer
objetiva o aperfeiçoamento de técnicas e de performance para realizar apresentações que são
atrações de palco, tão bem produzidas quanto uma peça teatral; já na terceira divisão, o foco é
apenas o divertimento em confeccionar os trajes;é a prática como a conhecemos, associada ao
passatempo.
141
Segundo o Cosplay Brasil (www.cosplaybr.com.br) - comunidade cosplayer do Brasil
-, a forma com que o cosplay é praticado no Brasil consiste em uma mescla do modelo
americano com o modelo japonês. Desta forma, o conceito norte-americano de masquerade
foi importado e adaptado, transformando-se no formato do tradicional concurso de cosplay
das convenções de animê. Do Japão, destaca-se a predominância de fantasias inspiradas em
personagens de animês, mangás e games, característica marcante nos primeiros anos da
prática cosplay no Brasil, e a preocupação com a fidelidade da caracterização ao invés da
elaboração de trajes customizados. Apesar disso, não é difícil e tampouco incomum
observarmos a tendência de personalização dos trajes e a prática de cosplay crossover, uma
categoria em que é possível juntar mais de um personagem no mesmo cosplay, muitas vezes
de histórias ou séries diferentes. O crossover pode ser representado na união de mais de um
personagem numa mesma composição de traje ou na junção de personagens de obras
diferentes interagindo juntos.

Figura 18 - Ensaio fotográfico de cosplay crossover de Super Mario e Hora de Aventura

Fonte: Fotografia de Bruno Tiago Takeda

Tivemos a oportunidade de acompanhar um ensaio fotográfico com cosplayers que


uniram personagens do jogo Super Mario Bros e da animação americana Adventure Time

142
(Hora de Aventura) 110 , realizado no Parque Ibirapuera, em São Paulo (Figura 18) 111 .
Promover ensaios fotográficos com cosplayers é algo bastante comum. O Cosplay Brasil, por
exemplo, possui uma estrutura e equipe fotográfica que cobre os eventos e convenções,
contando com um acervo fotográfico online bastante completo. Para o ensaio que pudemos
acompanhar, dos quatro amigos, dois já faziam cosplay há alguns anos em eventos e mesmo a
trabalho em algumas festas temáticas. O grupo se reuniu nessa ocasião para completar a
proposta de cosplay crossover coletivo. A formação de grupos de cosplay é também uma
atividade comum; o fórum de discussão da comunidade Cosplay Brasil possui um tópico
específico para que as pessoas possam combinar e organizar grupos para a prática coletiva em
eventos e ensaios fotográficos.
Para analisar como cosplayers habitam e consomem as memórias de personagens e
narrativas que motivaram a prática, Nunes (2015) descreve que foi necessário avaliar os
vínculos estabelecidos entre cosplayer e cosplay segundo seus motivos de escolha, "[...]
relevando que a escolha corresponde à seleção, um dos elementos da memória, para Lotman e
Uspenskii (1980)." (NUNES, 2015, p.58). Em sua pesquisa a respeito da prática cosplay,
Nunes também encontrou motivos diversos que levaram cosplayers à escolha de determinados
personagens. Muitas vezes, nem sempre a identificação física e psicológica é decisória para
um cosplayer; outros fatores acabam definindo a escolha, como por exemplo, evitar trajes
muitos pesados que dificultam a locomoção em eventos, adaptação às condições climáticas e
também fatores mais singulares, que não se relacionam exatamente ao afeto com a
personagem ou narrativa, como em alguns casos de cosplay coletivo em que as pessoas o
fazem para acompanhar amigos e namorados. No ensaio fotográfico que acompanhamos, dos
quatro amigos, dois participaram pelo convite para acompanhá-los, sem que exatamente
tivessem escolhido as personagens que representavam na ocasião.
A respeito de uma especificidade brasileira, Helder Henrique, coordenador do núcleo
de atrações brasileiras da Yamato, em entrevista para Nunes (2015), explica que a empresa
organiza três categorias de concursos: o cosdesfile, que avalia a fidelidade dos trajes; a play
tradicional, em que o cosplayer prepara uma apresentação/cena relacionada à série de onde foi
extraído o personagem; e a play livre, em que se cria uma cena inusitada para o personagem.

110
Hora de Aventura é uma série de desenho animado americana exibida na Cartoon Network, canal
de televisão por assinatura. O desenho acompanha as aventuras do humano Finn e seu amigo Jake, um
cão que fala e pode mudar de forma. Vivem na Terra de Ooo, um mundo fantástico que se formou na
Terra pós-apocalíptica.
111
Os personagens representados da esquerda para a direita: Princessa Peach e Mario, ambos de Super
Mario Bros e Finn e Princesa Jujuba, ambos de Hora de Aventura.
143
Surgida em 2005, a play livre seria uma categoria exclusiva do Brasil, que segundo o
coordenador demonstra uma preferência brasileira (NUNES, 2015, p.39).
Dia 21 de julho, é celebrado no Brasil o Dia do Cosplayer e também dia do Orgulho
Nerd. Em 2017, a Comic Con Experience (CCXP), que em 2016 reuniu 196 mil participantes,
produziu um vídeo em homenagem à prática cosplay. A proposta da produção do vídeo era
romper preconceitos e levar ao conhecimento do público, o cosplay como uma manifestação
artística, um estilo de vida e uma expressão de identidade 112 . Para o vídeo, a editora de
conteúdo sobre séries do portal Omelete, Aline Diniz, é convidada a vivenciar um dia de
cosplayer com auxílio da cosplayer Giovanna Antonello, que explica que a prática cosplay
consiste em se transformar naquilo que realmente tenha sonhado. Ela ainda acrescenta que o
cosplay foi o que a ajudou com a timidez.
Também no Brasil há outra manifestação na prática cosplay que é bastante peculiar,
conhecida como "cospobre". Como havíamos mencionado, a prática está relacionado ao Do it
Yourself, mas nem todas as pessoas que decidem fazer cosplay têm conhecimento de tecidos e
materiais diversos para confecção dos trajes, ou tampouco de técnicas de construção de uma
roupa ou de objetos e adereços. Recorrendo a materiais e ideias alternativas, nem todo cosplay
tem um resultado muito bom, algo que pode acontecer em todo lugar onde exista a prática -
no exterior passou a ser conhecido como low cost cosplay -, mas, no Brasil, algumas pessoas
abraçaram essa manifestação apenas pelo teor cômico que ela traz.
Um desses concursos teve alcance nacional, realizado pelo site Piadas Nerd
(www.piadasnerds.etc.br) em parceria com o programa televisivo The Noite. O concurso foi
exibido como quadro no The Noite, apresentado pelo humorista Danilo Gentilli, em 2014, no
SBT113. No corpo de jurados da final do concurso, estavam presentes os idealizadores do
"Concurso Cospobre" e também Juno Cecilio, primeiro vencedor do Concurso Cosplay da
CCXP, interpretando Skull Kid, personagem da série de jogos Zelda. No caso do cospobre, o
humor é um fator decisivo também fora do Brasil.
Ao mencionar a categoria play livre dos concursos de cosplay, Soares (2015) observa
que o humor inserido nessas apresentações que retiram o personagem de seu contexto mostra
que os cosplayers não se esquecem de que a prática, essencialmente, se trata de uma

112
Segundo matérias do Omelete, disponível em:<https://omelete.uol.com.br/quadrinhos/noticia/ccxp-
celebra-o-dia-do-cosplayer-assista-a-homenagem/> e Suco de Mangá:<
http://sucodemanga.com.br/ccxp-quebra-barreiras-sobre-cultura-cosplay-em-novo-filme/>. Acesso em
nov. 2017.
113
A final do concurso está disponível no canal oficial do programa, no
Youtube:<https://www.youtube.com/watch?v=SImO1fTVAfQ>. Acesso em jul. 2017.
144
brincadeira, não deixando de lado a existência da realidade. Não se trata de acreditar que se
tornaram os personagens; o cosplayers apenas fingem acreditar nisso durante a brincadeira,
bem como as pessoas que gostam de tirar fotos ao lado das representações de seus
personagens. Ter isso em mente não faz com que a diversão da prática cosplay seja menor.

O cosplay é metonímia das narrativas hegemônicas, mangás, animês, entre


outras. Como parte pelo todo, reinventa a narrativa original no corpo dos
cosplayers por meio do consumo de certas materialidades e não deve ser
visto como mera reprodução da narrativa ou da personagem escolhida, mas,
sim, como processo de apropriação e ressignificação de enredos e
personagens. Aqui, existe a produção de subjetividades singularizadas
constituídas das inter-relações da cultura midiática e do consumo (NUNES,
2015. p.72).
A expressão japonesa asobigokoro (遊び心) é utilizada no sentido de espírito lúdico,
de possuir um sentimento de divertimento. Em sua base, asobi (遊び) pode ser traduzido
como brincadeira ou jogo e aproxima-se da noção ocidental de jogo, como proposto por Johan
Huizinga, em sua obra Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura, publicado
originalmente em 1938.
Huizinga (2000)114 concebe a ideia de jogo no âmbito cultural como uma das noções
mais primitivas e enraizadas da sociedade humana; este elemento lúdico compõe também a
base do desenvolvimento das civilizações. Mesmo em sua forma mais simples, ao nível
animal (assim como os homens, os animais também brincam, não sendo uma prática
exclusivamente humana), o jogo se constitui como algo além de uma atividade puramente
física ou biológica; é uma função significante que tem como essência o divertimento.

Encontramo-nos aqui perante uma categoria absolutamente primária da vida,


que qualquer um é capaz de identificar desde o próprio nível animal. É
legítimo considerar o jogo uma "totalidade", no moderno sentido da palavra,
e é como totalidade que devemos procurar avaliá-lo e compreendê-lo
(HUIZINGA, 2000, p.5).
Quando analisa o divertimento, Huizinga (2000) pontua como é curioso que o francês
não possua uma palavra que corresponda a essa ideia, e que tanto no holandês como no
alemão, são necessários dois termos para exprimir esse conceito que protagoniza a essência
do jogo. Albornoz (2009) explica que o significado da palavra "Witz", do alemão, situa-se na
linha do gracejo, do humor, enquanto "Spass", relaciona-se com "achar graça em algo",
próximo da ideia de divertimento, do que dá prazer. Essa ideia de divertimento nos leva a

114
Utilizamos a 4ª edição do livro, lançada pela Editora Perspectiva, São Paulo, em 2000, com
tradução de João Paulo Monteiro.
145
refletir sobre as motivações que levam à prática cosplay, como também proposto por Soares
(2015).
Ukai (2014) observa que no dia-a-dia o jogo não tem a mesma função prática de ações
como comer e dormir com os objetivos originais de saciar a fome e proporcionar repouso,
mas sim, o propósito de obter prazer, descanso, e relaxamento. Neste sentido, Roger Caillois
(1990) reconhece a existência de um número variado e de múltiplos tipos de jogos na
sociedade (jogos de azar, jogos de paciência, de construção, etc), mas acrescenta que eles não
geram consequências à vida real. "Com efeito, o jogo não produz nada - nem bens nem obras"
(CAILLOIS, 1990, p.9). Entretanto, ainda que não criem riquezas, os jogos têm poder de
movimentá-las. Apesar dessa colocação entre jogo e vida real, Callois não diminui a
importância das atividades lúdicas como instrumentos culturais importantes na sociedade.
O jogo é, antes de tudo, uma prática livre e voluntária e fonte de alegria e divertimento.
Só participa quem quer; caso contrário, o jogo perderia todas as suas características
fundamentais. É também uma atividade fictícia, ou seja, acompanhada de uma consciência
específica de uma realidade outra, ou irreal em relação à vida normal (CAILLOIS, 1990).
Também nos interessam as classificações propostas por Caillois (1990) para a natureza
social dos jogos; são quatro, que descreveremos brevemente: Agôn, Alea, Mimicry e Ilinx.
Agôn descreve as atividades competitivas, ou seja, como um combate em que a
igualdade de oportunidades é criada artificialmente para que os adversários se defrontem em
condições ideais e a vitória seja incontestável.
Alea é caracterizada como uma categoria oposta ao Agôn, com jogos cuja decisão não
depende do jogador. São os jogos de azar, em que " [...] o destino é o único artífice da vitória,
e esta, em caso de rivalidade, significa apenas que o vencedor foi mais bafejado pela sorte do
que o vencido." (CAILLOIS, 1990, p.37).
Ilinx, por sua vez, determina os jogos que assentam na busca de vertigem, na intenção
de, pelo menos por um instante, destruir a estabilidade de percepção e provocar à consciência
lúcida uma espécie de pânico, como um estonteamento provocado quando giramos
rapidamente muitas vezes. “Cada criança sabe também que, ao rodar rapidamente, atinge um
estado centrífugo, estado de fuga e de evasão, em que, a custo, o corpo reencontra seu
equilíbrio e a percepção sua nitidez.” (CAILLOIS, 1990, p.44).
Por fim, Mimicry é a categoria que abarca os jogos que supõem a aceitação de ilusões
e universos imaginários. O jogo consiste na encarnação de um personagem fictício e adoção

146
de seu respectivo comportamento. Entretanto, não se trata de enganação, já que o objetivo não
é ludibriar o outro.

Encontramo-nos, então, perante uma variada série de manifestações que têm


como característica comum a de se basearem no facto de o sujeito jogar a
crer, a fazer crer a si próprio ou a fazer crer aos outros que é uma outra
pessoa. Esquece, disfarça, despoja-se temporariamente da sua personalidade
para fingir uma outra (CAILLOIS, 1990, p.40).
A prática cosplay encaixa-se nessa categoria proposta por Caillois (1990) que denota
atividade, imaginação e interpretação, podendo relacionar-se com Agôn quando pensamos nas
competições de cosplay nos eventos e convenções. Assim, segundo o autor, a mera
identificação com o campeão já constitui mimicry, semelhante ao leitor quando se reconhece
no herói de romance, ou o público com o herói de filme.
Soares (2015), ao se questionar sobre os motivos que levam à prática cosplay, observa
que a empatia é um dos elementos que complementam a atividade como jogo ao refletir que a
construção do sentimento de si depende do sentimento do outro. Com base em Boris Cyrulnik
(1999) 115 , Soares propõe que, quando a criança aprende a se relacionar com o mundo,
desenvolve o sentimento de empatia, aprendendo também a jogar, já que é a partir das reações
dos outros durante o jogo que a criança aprende como deve se comportar. A prática cosplay,
neste sentido, se insere ao obter sentido quando pode ser vista pelos outros, quando se
relaciona com o outro. O pertencimento começa a se estruturar a partir daí, sendo algo que se
busca enquanto joga com o outro, e, desta forma, procura-se entender o que o outro sente.

4.7 Moda Lolita no Brasil: um exercício de observação participante


Nesta pesquisa trouxemos mangá, animês, cosplay e moda urbana como elementos
chave e representativos da cultura pop japonesa. Propusemos observar as expressões destes
elementos no Brasil, mais especificamente na cidade de São Paulo. Tendo em mente os sinais
que apontam o Japão como um país que tem conseguido levar aspectos de sua cultura para o
cenário mundial e a composição bastante singular da comunidade nipo-brasileira, sentimos
que a formação de uma cultura pop nipo-brasileira não se limita apenas aos nipo-descendentes,
mas estende-se ao sentimento de pertencimento que não-descendentes nutrem pela cultura
japonesa, ajudando-nos a compreender um processo de construção de algo a mais, um híbrido.

115
CYRULNIK, Boris. Do sexto sentido: o homem e o encantamento do mundo. Lisboa: Instituto
Piaget, 1999.
147
Assim como na prática cosplay, a Moda Lolita também nos remete ao pertencimento,
ao desejo de pertencer a algum lugar. Okano (2015), com base nos estudos de Michel
Maffesoli a respeito do arranjo social que se estabelece na pós-modernidade, observa a
existência de um sentimento comum que integra as pessoas, base da formação e presença das
tribos. Para as tribos contemporâneas, o estar junto é fundamental, como poderemos perceber
nas falas de lolitas que conhecemos.
O Japão reconheceu a paixão do Ocidente por sua cultura contemporânea e vem
utilizando esse fator como uma forma de promoção. O mangá e o animê são dois elementos
que conduzem o restante da cultura pop nipo-brasileira. Os mangás foram pioneiros, mas
popularizaram-se com os animês na televisão aberta, e agora nos canais pagos. A partir daí,
com uma comunidade de fãs que crescia, a prática cosplay também chegou, e hoje o Brasil é
campeão de várias competições internacionais de cosplay. O início da Moda Lolita no Brasil é
difícil de precisar, mas no Japão, onde a moda urbana se manifesta de maneira tão distinta,
Lolita tem raízes em comum com cosplay e Visual Kei, um movimento musical e estético
muito característico. Em 2009, quando as Embaixadoras Kawaii foram escolhidas como
representantes da cultura pop japonesa pelo mundo, o Ocidente conheceu melhor a moda
urbana japonesa, e, consequentemente, a tendência Lolita - abordada na televisão brasileira
ainda como algo exótico, completamente fora de nossa realidade ou distante da ideia ocidental
de moda - muito associada ainda como fantasia e não como fashion.
Dada a amplitude dos temas trabalhados na pesquisa, escolhemos a Moda Lolita para o
trabalho de campo, por meio de observação participante. No conjunto das metodologias
qualitativas, a observação participante inscreve-se numa abordagem de observação
etnográfica, no qual o observador participa ativamente nas atividades de coleta de dados,
sendo necessário adaptar-se à situação (PAWLOWSKI et al., 2016 apud MÓNICO et al.,
2017)116. A imersão na rotina de uma comunidade permite ter acesso a situações, eventos e
comportamentos que seriam difíceis de registrar através de outros meios, como questionários
(MÓNICO, 2017). Segundo Lüdke e André (1986) 117 citados por Lima, Almeida e Lima
(1999), está aí uma das vantagens dessa técnica; a possibilidade de um contato pessoal do
pesquisador com o objeto de investigação, permitindo acompanhar as experiências diárias dos
sujeitos e apreender o significado que eles atribuem à realidade e às suas ações.

116
PAWLOWSKI, C. S. et al. Children's physical activity behavior during school recess: a pilot study
using GPS, accelerometer, participant observation, and go-along interview. PlosOne 11(2), 2016.
Disponível em:<http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0148786>.
117
LÜDKE, M.; ANDRÈ, M. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.
148
Já existente, mas pouco conhecida no Brasil, em 2014 a Moda Lolita começava a ser
divulgada para o grande público pelos canais abertos de televisão, levados pela curiosidade
que se espalhou pelo mundo quando se deu a escolha das Embaixadoras Kawaii pelo governo
japonês. Entramos em contato por e-mail e telefone com Akemi Matsuda, que na época, além
do posto de Embaixadora Kawaii do Brasil, também trabalhava em parceria com a Dô
Cultural, de Jo Takahashi, que atuou como administrador cultural por mais de 25 anos na
Japan Foundation em São Paulo e foi um dos maiores divulgadores da Moda Lolita nesse
período.
Como não estávamos familiarizados com os estilos de moda urbana japonesa e suas
expressões brasileiras, traçamos inicialmente um plano para o trabalho de campo que definia
nossa intenção de inserção no contexto da Moda Lolita, desde o início esclarecendo para
Akemi Matsuda e para o grupo com o qual convivemos em diversas situações e eventos que
tratava-se de uma pesquisa. Mónico (2017) observa que quanto mais se sabe de uma situação
mais difícil é estudá-la, e quanto menos familiarizados estivermos, mais percepção teremos
para observar as dinâmicas culturais em questão.
Tivemos a oportunidade de conhecer Akemi Matsuda pessoalmente durante o Loliday
Tea Party, realizado no restaurante Aizomê, em São Paulo, no dia 7 de junho. Na ocasião,
com a permissão de Matsuda, também organizadora do evento, pudemos fotografar e realizar
algumas entrevistas com lolitas participantes. Para que pudéssemos acompanhar todo o evento
junto delas, procuramos vestir-nos o mais próximo possível do que imaginávamos da Moda
Lolita. Durante o Loliday foram entrevistadas, de maneira livre e descontraída, com poucas
perguntas estruturadas, cinco lolitas, entre 15 e 25 anos. Procuramos descobrir quando ou
como conheceram a Moda Lolita e de que maneira a internet colaborou ou não para isso. Foi a
partir deste primeiro evento e em conversas posteriores com Akemi que iniciamos o trabalho
de campo, tendo a Embaixadora Kawaii como nossa principal fonte de informações a respeito
da moda no Japão, sua projeção no Brasil e perfil das lolitas brasileiras.
O trecho a seguir apresenta conteúdos de entrevistas gravadas em vídeo e áudio e
também dados coletados ao longo do trabalho de observação participante, que foi de 2014 a
meados de 2016. As transcrições das entrevistas realizadas no Loliday, em 2014, estarão
inclusas nos anexos do trabalho com as identidades preservadas. Foi realizada uma entrevista
livre com Akemi Matsuda, Embaixadora Kawaii do Brasil, em 2014, via Skype (Anexo C). Na
ocasião, havíamos participado do Loliday de inverno (realizado em junho) e já havíamos
introduzido a ideia de realizarmos o trabalho de observação participante junto de seu grupo de

149
alunas e adeptas da Moda Lolita. A gravação com Matsuda possui conteúdo pessoal que não
será incluído na pesquisa. Constam nas partes seguintes, informações das notas que foram
realizadas ao longo do trabalho de campo com base nas orientações, conversas e experiência
como lolita. Muito do que apresentamos só se tornou parte de nosso conhecimento com a
convivência no contexto da comunidade Lolita.

4.7.1 Por um mundo mais kawaii: Akemi Matsuda e a revolução da fofura

Com o conteúdo que apresentamos ao longo desta pesquisa, observamos que kawaii é
normalmente discutido em consonância à ideia de consumo como forma de proporcionar afeto
e satisfação individual. O governo japonês também tem utilizado o kawaii em sua estratégia
política, aproveitando os jovens como aqueles que estabelecem essa ponte entre Japão e
outros países. Para Matsuda, entretanto, mais do que isso, kawaii se expressa em sentimentos
bons, como o amor, que é expresso por meio da cultura pop na qual, com elementos fofos, é
possível resgatar a alegria e a pureza que, para ela, são representativos da infância.
De acordo com entrevistas realizadas com estudantes colegiais japonesas, Allison
(2004) observa que kawaii normalmente é associado com as qualidades de amae - doçura ou
dependência (no sentido de precisar de proteção); e yasashii que significa gentileza. Neste
sentido, kawaii não se limita apenas ao público feminino, também podem ser características
aplicadas ao público masculino; um rapaz pode ter um comportamento yasashii, por exemplo.
"Cuteness, para essas meninas, é algo que ambos consomem e também cultivam como parte
de si mesmos." (ALLISON, 2004, p.38, tradução nossa, grifo nosso)118.
Em 2013, foi fundada em Fukuoka a Japan Lolita Association, encabeçada pela
Embaixadora Kawaii Misako Aoki. No mesmo ano, Aoki concedeu à Akemi Matsuda o título
de Embaixadora Kawaii do Brasil. Matsuda é nipo-descendente e cresceu no Japão, onde
viveu dos três aos 19 anos de idade, formando-se bailarina clássica pela Japan Music High
School. Aqui no Brasil, além do posto de Embaixadora Kawaii, ela é professora de japonês,
ministrando aulas particulares e idealizadora do Mimi Party, atualmente o principal evento
voltado para cultura kawaii no Brasil, realizado anualmente em São Paulo desde 2015. Leva
consigo a proposta da "Revolução Kawaii", com a qual busca transmitir a ideia de encontrar a
paz interior por meio do kawaii e da Moda Lolita.

118
Cuteness, for these girls, is something one both consumes and also cultivates as part of the self
(ALLISON, 2004, p.38).
150
Quando explica a ideia que leva consigo na Revolução Kawaii, Matsuda diz que: "a
cultura pop e a cultura kawaii viraram o motivo de [...] pensar muito sobre mim [mesma]. É
para ser feliz. É a ferramenta de ser feliz, mas quem faz feliz tem que ser você." (Akemi
Matsuda em entrevista realizada conosco via Skype, em 8 de setembro de 2014, Anexo C).
Para a Embaixadora Kawaii do Brasil, mais do que apenas estética e o visual das
roupas, o kawaii é uma forma de descobrimento interior, uma maneira de encontrar a
felicidade para si e para a sociedade. Em entrevista à NijiTV119, publicada no YouTube, em 8
de junho de 2017, Akemi deixa a seguinte mensagem:
"Cultura kawaii não tem idade, não tem gênero, não tem porque não gostar. Se você
está bem com você, se você está muito feliz, isso já é um sinal kawaii. O Kawaii se escreve no
kanji (可愛い), dois kanji além do い hiragana. Ele escreve 'possibilidade do amor', então se
você tem amor isso já é o começo do kawaii." (2017)
Em sua página na rede social Facebook, Matsuda relacionou a ideia de kawaii à
cerimônia do chá na publicação de 4 de setembro de 2014:

[60 anos de Chadô Urasenke do Brasil・裏千家淡交会]


No dia 30 de Agosto, participamos da Cerimônia Comemorativa do Jubileu
de Diamante e a Cerimônia com a presença do Daisosho Sen Genshitsu (XV
Grão-mestre) da escola de Chá Urasenke do Japão, que foi realizada no
Palácio dos Bandeirantes de São Paulo.
O Grão-mestre disse durante a cerimônia: "A igualdade impera dentro da
sala de chá. Sem discriminação, sem distinção. Só harmonia."
Participando da cerimônia de 60 anos da Escola de Chadô Urasenke, e
ouvindo as palavras do XV Grão Mestre Sen Dai Sosho, aprendi o
significado do princípio WA-KEI-SEI-JAKU (和敬清寂).
“Wa” significa harmonia. É quando as pessoas abrem a alma, e cultivam a
amizade.
“Kei” significa respeito. É cultivar o amor ao próximo.
“Sei” significa pureza, não só no mundo visível, mas também no plano
invisível do nosso interior.
“Jaku” é a tranquilidade, uma paz de espírito inabalável.
O “espírito do chá”, que o Grão Mestre difunde, é uma cultura espiritual no
mais alto grau de sofisticação que encontramos no mundo.
Percebi que a “cultura kawaii” deve construir esse mesmo caminho, pois os
objetivos são os mesmos.
Sobre a relação entre a cultura pop e tradicional japonesas, a Embaixadora Kawaii
observa que, dentro da tradição, sempre houve o pop: um grande apoio para as manifestações

119
A entrevista encontra-se disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=5fQZvkFuoLQ>.
Acesso em 02 jan. 2018.
151
das tradições. "O pop foi como uma viga de casa; quando você vai construir uma casa, você
precisa de colunas e vigas e a cultura pop é viga e coluna da casa." Assim, ela entende que a
cultura tradicional está em alta por sua característica pop.
A Moda Lolita é uma expressão da cultura kawaii em toda a sua intensidade. O kawaii
se manifesta nos trajes, nos acessórios, nos gestos e na maneira de ser. O que Matsuda espera,
e tem procurado colocar em prática, é que a Moda Lolita ajude a divulgar e propagar a cultura
kawaii nas ações que são realizadas para a sociedade e que isso se reflita em um
comportamento de afeto para com o outro. Em cada edição de Mimi Party, por exemplo,
busca promover campanhas de doações de livros e brinquedos para auxiliar instituições.
Neste primeiro momento da coleta de dados, por meio da observação participante,
nosso trabalho consistiu em acompanhar e ouvir o que Akemi Matsuda nos explicava a
respeito de kawaii e de J-Fashion, para que conseguíssemos obter uma visão mais ampla do
campo de estudo. Antes do Loliday, não havíamos passado por experiências semelhantes e a
Moda Lolita era algo ainda desconhecido, o que pôde ser percebido nas primeiras conversas
informais com as participantes do Loliday.
Atentamos para a organização e divisão das lolitas brasileiras em vários pequenos
grupos espalhados por São Paulo e também pelo país, às vezes separadas por diferentes
formas de enxergar a Moda Lolita. Cada grupo se reúne à sua maneira para conversarem, se
divertirem, especialmente para criar uma oportunidade de vestir-se à Moda Lolita. Esses
encontros são chamados de Meetings.
Quando estivemos no Loliday de junho, nossa primeira incursão nas vestimentas
Lolita tinha erros considerados primários entre as lolitas, como os ombros à mostra. Matsuda
explicou-me depois do evento alguns padrões dentro da Moda, dentre eles, o fato de utilizar
decotes altos ou golas mais fechadas de camisas, blusas ou vestidos que compõem o visual
(outfit). Isso se deve ao preceito base da Moda Lolita, que é buscar transmitir a inocência
feminina. (Figura 19) "O ombro e a nuca, enfim, a linha do pescoço feminino é a linha mais
sensual que a mulher possui." (Akemi Matsuda, em entrevista, 2014). Por isso, é mais
adequado na Moda Lolita cobrir mais a região do pescoço e colo.

152
Figura 19 - Loliday de inverno 2014, realizado no restaurante Aizomê, em São Paulo

Fonte: Fotografia de Bruno Tiago Takeda

"Misako-chan [Referendindo-se à Misako Aoki, embaixadora kawaii no Japão] fala


muito que na Moda Lolita não pode deixar de usar pelo menos uma blusa, sempre tem que
esconder mais pele possível, mas eu gosto de falar o porquê." (Akemi Matsuda, em entrevista,
2014).
Outra regra que ainda atende aos padrões das lolitas japonesas é o cuidado com a
qualidade dos tecidos e materiais que compõem as roupas. Karen, de 18 anos (Anexo E),
entrevistada durante o Loliday, também menciona que a preferência pelas marcas japonesas se
dá pela qualidade da confecção. "A Lolita, além da estética em si, ela prega bons materiais,
uma coisa que vai durar, não é uma coisa que você vai usar e jogar fora, você vai ter um
vestido que vai durar anos." (Figura 20)

153
Figura 20 - Detalhe da saia de um vestido Lolita - qualidade nos materiais

Fonte: Fotografia Bruno Tiago Takeda

Depois de obter mais informações sobre o estilo, passamos a participar de atividades


promovidas por Akemi Matsuda, principalmente divulgando a Moda Lolita para o maior
número de pessoas, seu objetivo primordial. Em março de 2014, o Fantástico120, programa de
variedades da Rede Globo, exibiu uma matéria com a Embaixadora Kawaii do Brasil, na qual
ela interage com as pessoas na rua e lhes diz que a Moda Lolita se aproxima do desejo de se
tornar ou se parecer com uma boneca. Depois, Matsuda nos explicou que escolheu repetir na
pauta da matéria que tinha o sonho de ser boneca para que fosse um primeiro passo de levar à
comunidade a noção de que Lolita é diferente de fantasiar-se. Ter usado um termo tão comum
como boneca foi a solução encontrada para que as pessoas compreendessem que essa moda
também podia ser um estilo de vida.
O impacto da divulgação na TV teve uma repercussão muito negativa entre as
praticantes, que criticaram a abordagem rasa dada pela reportagem. Matsuda disse-me muitas
vezes que praticantes da Moda Lolita já têm uma filosofia que seguem e que nem sempre elas
concordarão em divulgar tão amplamente a moda. O objetivo da Embaixadora, entretanto, é o
de transmitir a cultura kawaii para pessoas que não a conhecem, e para isso, procura formas
simples para se expressar de maneira a alcançar o maior número de pessoas possível e de
todas as classes sociais possíveis. "Fantástico foi uma ferramenta grande, e só assim as
pessoas entenderiam que, sendo boneca, é um estilo de vida que as pessoas podem ter."

120
A matéria encontra-se disponível em:<http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2014/03/brasileiras-
se-vestem-de-lolita-e-seguem-Moda-japonesa.html>. Acesso em nov. 2015.
154
Okano (2015) também aponta para a existência de diferenças entre as lolitas japonesas
e brasileiras. Se no contexto japonês a questão da fantasia ainda é forte, no Brasil o fator
identitário prevalece. "Essa diferença é explicável pelo fato de a sociedade japonesa ser
baseada na construção da 'relação entre o eu e o outro' e não fazer do individualismo e do
antropocentrismo a base do seu desenvolvimento, como é o caso do Ocidente." (OKANO,
2015, p.212). A autora ainda acrescenta que a fronteira entre realidade e fantasia no Japão é
muito tênue, não apenas em expressões literárias e artísticas, mas também no cotidiano das
pessoas.

Se as meninas, no início do século XX, sonhavam em ser princesas,


transportando-se, no seu imaginário, para o universo de mangás e revistas,
na contemporaneidade, elas vivem e compartilham, mesmo que, por alguns
momentos, a ilusão de sê-las por meio da construção de uma comunidade
para satisfazer tais anseios (OKANO, 2015, p.212).
"As meninas não gostam que falem que é cosplay". Akemi Matsuda comenta que
muitas praticantes não gostam que a Moda Lolita seja confundida com a prática cosplay, já
que elas não representam uma personagem, mas sim, aderiram a uma moda urbana.
Questionamos se haveria, então, um sentimento de exclusividade e de diferenciação que
explicaria o temor de algumas lolitas em levar a moda para todos os públicos. Matsuda
explica que muitas meninas, mesmo diante do desconhecimento das pessoas e da confusão
entre cosplay e Lolita, acabam não explicando corretamente às pessoas do que se trata esse
estilo de moda urbana. "Elas têm medo que os outros entrem, quem não sabe de nada, que
veste tudo de qualquer jeito, mas elas estão muito preocupadas com estética, somente estética
e não internamente."
Perguntamos às cinco lolitas entrevistadas há quanto tempo seguiam a moda e como
haviam, conhecido o estilo. Yoshie, de 15 anos (Anexo H), explica que conheceu a Moda
Lolita através do Visual Kei: "minha banda favorita é a Moi dix Mois, que é um projeto solo
do Mana-sama que é meu J-idol favorito. Como o Mana-sama segue o estilo Lolita e tem a
empresa Moi-même-Moitié, eu me inspiro muito nele, então além do fato de gostar muito da
cultura kawaii, minhas amigas também me apóiam muito porque também gostam de cultura
japonesa e de Visual Kei. Tenho uma amiga cosplayer que vai comigo em alguns eventos,
mas ela vai de cosplay e eu de lolita." A relação com a prática cosplay também é mencionada
por Hannah, de 23 anos (Anexo D), que conhecia a Moda Lolita há cerca de 4 ou 5 anos, mas
apenas em 2014 aderiu ao estilo. "Finalmente esse ano consegui coragem de vestir e me sinto
bem confiante usando Lolita."

155
Os animês também foram mencionados como as primeiras referências ao kawaii para
Luana, de 25 anos (Anexo F). “Na verdade, eu sempre gostei de cultura japonesa desde
pequena, com Sailor Moon, Guerreiras Mágicas e Cavaleiros do Zodíaco, paixão. Daí em
2005 comecei a ir aos eventos e aos poucos fui conhecendo essa moda, não conhecia,
conhecia mais o Visual Kei e eu era gótica também [...]. Entrei na faculdade em 2008 e
comecei a conhecer mais, pois tinha uma lolita na minha sala." Além dos animês, ela cita uma
referência clássica do cinema, com a personagem Claudia, do filme Entrevista com o Vampiro,
baseado no romance homônimo da escritora Anne Rice. A personagem de Claudia carrega a
complexidade de uma mente adulta aprisionada em um corpo eternamente infantil, já que fora
transformada em vampira quando criança. A estética das roupas da personagem lembra muito
os vestidos da Moda Lolita, já que possui um estilo vitoriano, com a história narrada em Nova
Orleans do século XIX.
Marina, de 19 anos (Anexo G), conhecia a cultura kawaii e a Moda Lolita há cerca de
5 anos, mas apenas com o contato com Akemi, quando começou a ter aulas de japonês com
ela, soube de fato como era o estilo. "Vestir mesmo, faz um ou dois anos."
Karen, de 18 anos, relata gostar de moda japonesa há muito tempo, aderindo a outros
estilos há 4 anos, e Lolita há 2 anos. Antes da Moda Lolita, vestia Ouji, um estilo da Moda
urbana japonesa considerado uma versão masculina das lolitas. Diferente dos outros casos,
suas referências começaram com amigos que já seguiam J-Fashion. "Tenho duas madrinhas
[...], elas são minhas madrinhas de Ouji, [...] elas me adotaram como afilhadas e me falaram
como era o Ouji e daí me explicaram o que era Lolita [...]. No final acabei seguindo os dois,
gosto das duas modas, e como é moda, não visto só em evento, visto para ir ao trabalho, para
ir ao mercado, para ir até a esquina, porque gosto da moda japonesa em geral."
Neste primeiro encontro com lolitas, perguntamos sobre a relação da moda urbana
japonesa e a rotina no Brasil; se era possível abraçar o estilo nas práticas diárias. A maioria
não se veste completamente como Lolita durante a semana, algumas aproveitam o final de
semana para isso, como é o caso de Hannah, que com a prática cosplay aprendeu mais sobre
confecção, tecidos e maquiagens, o que ajudou também na Moda Lolita. Esta é sua
preferência de estilo para encontrar amigos nos finais de semana. "Lolita pra mim é amigos e
os amigos que conheço por meetings. Melhor pessoalmente do que pela internet. [...] Todo
final de semana tenho usado Lolita. Geralmente em cafés, ou às vezes só para encontrar um
amigo pra um cinema, mas são os únicos dias da semana que tenho oportunidade de vestir."

156
Já outras meninas tentam utilizar uma peça ou outra de Lolita com a roupa do dia-a-
dia, sem que chame muito a atenção. Como é o caso de Karen, que nos conta: "Às vezes uso
VK [Visual Kei], às vezes uso Ouji, às vezes uso Lolita, às vezes uso uma coisa mais puxada
pra Gyaru ou alguma outra coisa, mas nunca ao extremo da moda, sempre puxo um pouco
mais para o simples, para não dar impacto na rua, [...] não estou querendo chamar tanta
atenção, quero sair na rua e estar vestida do jeito que eu gosto, mas não me visto tão ao
extremo por conta das pessoas, que ainda mexem." Ela vê um lado positivo na divulgação da
moda urbana japonesa nas mídias digitais, levando às pessoas o que se trata a moda urbana
japonesa e a diferença com a ideia de que é uma fantasia: "Com o contato da mídia mostrando
Lolita, que antes Lolita não aparecia tanto na mídia, mas agora que aparece mais, as pessoas
compreendem mais."
No caso de Matsuda, a Moda Lolita é parte de sua rotina e é comum vestir-se assim
para trabalhar como professora. Muitas meninas com quem conversamos, e depois com quem
convivemos, também são suas alunas de japonês e interessaram-se pela moda urbana japonesa
ao vê-la vestida como Lolita.
Em São Paulo, a Moda Lolita pode ser encontrada mais facilmente durante os eventos
de animê e mangá, festivais como o Tanabata e o Hana Matsuri, e nos últimos 5 ou 6 anos,
nos Lolidays, que são realizados mundialmente, duas vezes ao ano (as edições de verão e
inverno). Também são organizados encontros menores e esporádicos em ambientes como
confeitarias e casas de chá.
Nessa primeira etapa de observação, aprendemos muito sobre o estilo e sobre a
sociabilidade entre lolitas. Como se trata de uma moda que a priori121 denota muita delicadeza,
sentimos muita estranheza nas diferenças de personalidade, gostos, tendências e
comportamento. Muitos estilos de moda urbana japonesa são muito peculiares, o que leva à
associação errônea de que se tratam de pessoas fantasiadas. O trabalho de observação
participante levou-nos à procura por compreensão da Moda Lolita no Brasil, contexto muito
diferente do japonês.

121
Assim dizemos, pois dentre os vários subestilos da Moda Lolita, há Guro Lolita, caracterizada pela
proximidade com o horror. Nos outfits há muita menção a sangue, feridas e tapa-olhos, como se fosse
a imagem de uma boneca quebrada.
157
4.7.2 Kawaii em sua totalidade: a experiência como Lolita

Na segunda etapa de observação, cientes de alguns hábitos e "etiquetas" da Moda


Lolita, inserimo-nos em diversos eventos promovidos por Akemi Matsuda e em ocasiões de
divulgação da Moda Lolita. Para tanto, conhecemos as marcas japonesas de roupas e
acessórios mais citadas desse estilo, como Baby, the Star Shines Bright (BabySSB), e Angelic
Pretty, já citadas anteriormente. Pela loja virtual da grife BabySSB
(http://www.babyssb.co.jp/), encontramos todas as peças separadamente, além de conjuntos
completos e acessórios. A especialidade da BabySSB é o estilo Sweet Lolita, mas outras
coleções da marca trazem temas e estilos diferentes, como peças de Classical e Gothic Lolita.
Um vestido (chamado de one piece dress, que normalmente já constitui boa parte do outfit)
custava, em 2014, cerca de R$1200,00 a R$1600,00, sem incluir acessórios ou outras peças
como camisas, anáguas, meias e sapatos próprios da marca. Optamos por procurar peças
complementares do outfit em lojas diversas de São Paulo e também por confecções nacionais
próprias, muitas vezes desenvolvidas pelas próprias lolitas. Vestidos e acessórios
confeccionados desta maneira são chamados handmade e passaram a ser bastante apreciados
entre as adeptas da moda. Durante os meetings, encontros, tea party e, mais recentemente, em
evento de animê e mangás, como o UpABC, as marcas brasileiras montam estandes para
venda e divulgação de seus produtos (Figura 21).

Figura 21 - Estandes de roupas e acessórios no 1 Mimi Party, 2015

Fonte: Fotografia de Bruno Tiago Takeda

158
Trata-se, sem dúvida, de um nicho bastante específico; entretanto, isso não impediu
que se desenvolvessem marcas nacionais de roupas Lolita, como a Suu Hideto, criada em
2007 (http://www.suuhidetostore.com.br/). Durante o V Meeting Nacional Secret Garden, que
contou com a vinda da Embaixadora Kawaii do Japão, Misako Aoki, realizado no dia 14 de
novembro de 2017, em São Paulo, as marcas nacionais ganharam destaque. As grifes puderam
apresentar suas coleções no evento, com desfile de suas peças.
Quanto aos eventos que participamos representando Moda Lolita, elencamos abaixo os
principais:
No dia 12 de abril de 2015, participamos da 30ª Festa de Outono Akimatsuri, com um
desfile de vários subestilos de Moda Lolita e uma apresentação de dança para promover não
apenas a Moda, mas também a cultura kawaii (Figura 22). O Akimatsuri é realizado
anualmente em Mogi das Cruzes (no estado de São Paulo) e é um dos festivais mais
tradicionais da colônia japonesa em São Paulo, realizado desde 1986, contando com a
participação de cerca de 80 mil pessoas. Aki ( 秋 ) significa outono, e matsuri ( 祭 り ),
festival122; nesta festividade, além das apresentações artísticas e culturais, há a divulgação da
atividade agrícola da região, que normalmente ocupa um espaço próprio, chamado de
Pavilhão Agrícola.

Figura 22 - Apresentação da Moda Lolita no 30º Akimatsuri, em Mogi das Cruzes

Fonte: Fotografia Bruno Tiago Takeda

Em 29 de maio de 2015, tivemos oportunidade de participar do programa de


variedades Hoje em Dia, da Rede Record, que convidou a Embaixadora Kawaii para
122
Informações acessadas no site oficial do evento, disponível em:<https://www.akimatsuri.com.br/o-
festival-de-outono-akimatsuri>. Acesso em dez. 2017.
159
participar de um quadro que abordava vários estilos de moda urbana (Figura 23). Estavam
representados no palco: Steampunk, Cybergoth e Lolita. Entretanto, o quadro foi aberto por
uma reportagem sobre prática cosplay que, no caso, não se trata de um estilo de moda urbana
japonesa. Na ocasião, Matsuda nos convidou, junto de mais uma representante Lolita, para
acompanhá-la, nesta que foi uma das experiências mais inusitadas que tivemos durante o
período de pesquisa.

Figura 23 - Moda Lolita no programa Hoje em Dia da Rede Record

Fonte: Página oficial Akemi Matsuda Kawaii Culture no Facebook. Disponível em:<
https://www.facebook.com/AkemiMatsudaKawaiiCulture/>.

Já nesta etapa de observação, encontramo-nos mais familiarizados com a Moda Lolita


e com a cultura kawaii sob a perspectiva da Embaixadora Kawaii do Brasil. Neste período,
também observamos a divisão dessa comunidade em vários outros grupos menores de lolitas,
muitos deles sem contato direto com a Embaixadora Kawaii, preferindo programações
próprias. Matsuda havia mencionado que, com o título, vieram também responsabilidades e
também críticas, principalmente dentro da comunidade Lolita.
O primeiro Mimi Party foi realizado em 14 de junho de 2015, em São Paulo, levando o
kawaii sob diversas formas e manifestações, como por exemplo a culinária, que é também um
elemento da cultura japonesa capaz de demonstrar as qualidades kawaii por meio da
delicadeza na estética e capacidade de levar alegria para as pessoas. Akemi idealizou o evento
como concretização de seus ideais de levar o kawaii ao máximo de pessoas, e promover sua
percepção como um sentimento positivo e ideal de vida. Com esta visão, o evento pretendia
promover um espaço de encontro que destacasse para o público a moda urbana japonesa e
160
especialmente a Moda Lolita. Incorporado nesta primeira edição, o Loliday, tradicional
encontro de lolitas, ganhou a dimensão do público - não adeptos da moda - que poderia
conhecer melhor Lolita e compreender como o kawaii pode ser aplicado na vida de todas as
pessoas, por meio de sentimentos e ações como a gentileza (a ideia de yasashii, como
havíamos mencionado). Parte da renda da primeira edição do evento foi destinada a duas
entidades assistenciais e de apoio à criança, por meio da arrecadação de livros que foram
doados para a Associação Pró-Hope de Apoio à Criança com Câncer e para a Associação
Pró-Excepcionais Kodomo-no-Sono. Participamos da comissão organizadora do primeiro
Mimi Party e como voluntários da terceira edição, em 2015 e 2016, respectivamente (a
segunda edição ocorreu no segundo semestre de 2015).
O Mimi Party também integrou as celebrações dos 120 Anos de Amizade Brasil-Japão,
comemorados em 2015. Neste evento, percebemos o movimento de abertura da cultura kawaii
e da Moda Lolita para as pessoas como algo além dos encontros voltados apenas para os
integrantes do estilo de moda urbana japonesa. Com a participação no terceiro Mimi Party,
realizado em setembro de 2016, concluímos essa etapa de observação participante.
Além dos eventos e reuniões menores de grupos Lolita, também há no Brasil o Ribbon
Fashion Contest, concurso em forma de desfile de moda que busca divulgar o cenário da
Moda Lolita no Brasil de maneira mais ampla e interativa, promovendo uma competição
amigável que escolhe o melhor coordinate (conjunto, coordenação do estilo) Lolita. A
seletiva do concurso de 2017 aconteceu durante o Anime Friends, que também teve um
espaço reservado para kawaii e Moda Lolita. A segunda seletiva é realizada pela página do
concurso no Facebook. As candidatas interessadas se inscrevem e enviam fotos de seus outfits,
que são divulgados no Facebook para receberem "curtidas", que equivalem a votos. As seis
candidatas com mais votos seguem para a final, que aconteceu em janeiro de 2018.
No dia 14 de outubro de 2017, São Paulo recebeu o V Meeting Nacional Secret
Garden, que contou com a vinda da Embaixadora Kawaii do Japão, Misako Aoki. O evento
promoveu o encontro de adeptos e fãs da Moda Lolita de todo o Brasil, uma proposta maior
do que os eventos regionais de grupos específicos. Para viabilizar a realização do evento,
optou-se pelo sistema de crowdfunding 123 , por meio do Catarse, com a meta inicial de
R$17.000,00. O valor total arrecadado foi de R$43.590,00, que possibilitou ao evento ser

123
Crowdfunding consiste em financiamento de projetos criativos por meio de colaboradores que se
identificam com a proposta, levantando fundos, por doações ou investimento, que viabilizem a
realização do projeto.
161
realizado no Espaço Hasbaya, nas proximidades da Avenida Paulista124. Durante o V Meeting
Nacional, foi lançado e divulgado o "Manifesto Pró-Cultura Kawaii", idealizado pelos
organizadores do evento e pela pesquisadora Cristiane A. Sato125 . O Manifesto defende a
estética kawaii e esclarece sua importância na história do Japão.

Por um mundo mais gentil, mais compreensivo, solidário e próspero, onde as


pessoas possam se dar ao luxo supremo de recuperar parte da infância na
vida adulta, queremos assimilar a Cultura Kawaii originada no Japão e
difundi-la como instrumento de paz global. Sendo uma manifestação cultural
única, livre de doutrinação política ou religiosa e que independe de um
idioma para estabelecer comunicação, a Cultura Kawaii se mostra como o
instrumento certo para unir povos e gerações diferentes mundo afora
(MANIFESTO PRÓ-CULTURA KAWAII, 2017, Anexo A).
Younker (2011) observou em seu trabalho com a Moda Lolita no Japão que, após
quase quarenta anos após sua concepção, o fato de a Moda Lolita ainda estar em voga
representa uma notícia negativa para a sociedade japonesa. Apesar de ter tido muitos estágios,
incluindo Goth, Punk e atualmente o excessivo Sweet, a ideia de escapar da realidade ainda
está no centro de sua filosofia. Segundo ela, adeptos das fases anteriores da Moda Lolita se
mostram preocupados com a tendência atual de Lolita se concentrar na criação de um mundo
fantasioso, de sonhos doces, em oposição aos estilos góticos mais rebeldes e ativistas da
década de 1990. Mais concentradas em manter esse universo fashion próprio, as adeptas da
Moda Lolita deixam de gastar seus esforços em busca de mudanças sociais e relações pessoais
significativas. Além disso, no Japão, a idade e a Moda Lolita são ideias bastante divergentes,
já que, com o tempo, percebe-se a dificuldade de continuar imerso nesse universo de fantasia
ideal, recorrendo à negação da realidade de um futuro próximo.
No Brasil, a questão da idade não tem o mesmo peso que no Japão. Como a maior
parte das adeptas brasileiras não altera sua rotina pela Moda Lolita, ou seja, trabalha, estuda e
mantém os relacionamentos sociais normalmente, vestindo-se como Lolita apenas em
ocasiões específicas, encontramos uma variação maior na faixa etária. Também observamos
que as lolitas mais novas, sem independência financeira, têm apoio dos pais, muitos deles
presentes nas edições de Mimi Party.
Em pesquisa realizada sobre a Moda Lolita, Okano (2015) também observa que auto-
estima e identidades são dois pontos que caracterizam as lolitas no Brasil. A autora relaciona
a ideia de trabalho afetivo, proposto por Michael Hardt e Antonio Negri, com a Moda Lolita,

124
Segundo as informações do projeto no Catarse, disponível em:<
https://www.catarse.me/secretgarden>. Acesso em dez. 2017.
125
Disponível em:<http://www.japop.com.br/?p=557>. Acesso em dez. 2017.
162
compreendendo as mudanças decorrentes dos avanços tecnológicos e fluxos informacionais
no desenvolvimento do trabalho imaterial como aquele que resulta em produtos imateriais,
como o conhecimento, as ideias, as imagens e os afetos.

Em verdade, o trabalho imaterial afetivo sempre existiu. O que é novo é o


modo pelo qual ele se manifesta entre os jovens, como uma necessidade de
busca de identificações, e a sua conexão direta com o capitalismo - é
exatamente por esse motivo que a Lolita é prioritariamente fashion, e é por
meio de se vestir de determinada forma que elas pertencem a esse grupo,
embora algumas delas confeccionem as suas próprias roupas (OKANO,
2015, p.209).
Dentro dos estudos da moda como um fenômeno social, Simmel (1998, 2008) parte da
ideia de dualismo, pertencente ao ser humano, em que a moda estabelece uma espécie de
ponte entre a necessidade de apoio social, na medida em que é imitação, e a tendência à
diferenciação, à distinção individual. Considera a moda sob o ponto de vista da distinção, um
produto de separação de classe por significar, por um lado, o pertencimento em relação
àqueles que se encontram em situação semelhante, e por outro, o distanciamento do grupo
como um todo em relação aos que se situam abaixo dele.

A moda significa, pois, por um lado, a anexação do igualitariamente posto, a


unidade de um círculo por ela caracterizado, e assim o fechamento deste
grupo perante os que se encontram mais abaixo, a caracterização destes
como não pertencendo àquele. Unir e diferenciar são as duas funções básicas
que aqui se unem de modo inseparável, das quais uma, embora constitua ou
porque constitui a oposição lógica à outra, é a condição da sua realização
(SIMMEL, 2008, p.25).
A imitação, segundo o autor, poderia ser designada como uma transmissão psicológica
que proporciona ao indivíduo a tranquilidade de não estar sozinho em uma ação, sem exigir
esforço criativo e pessoal relevante.

Assim a imitação em todas as suas manifestações, para as quais ela é um


factor configurador, corresponde a uma das orientações básicas do nosso ser,
àquela que se satisfaz com a fusão do indivíduo na generalidade, que acentua
o permanente na mudança. Mas onde a mudança se busca, pelo contrário, no
permanente, a diferenciação individual, o separar-se da generalidade, a
imitação é o princípio negador e inibidor (SIMMEL, 2008, p.24).
Simmel (2008) observa que, como a moda compete às camadas superiores como
diferenciação, tão logo as classes inferiores começam a apropriar-se dela, automaticamente a
classe superior deixa de usá-la e busca uma nova marcação simbólica de reposicionamento
dessas fronteiras de distinção que separam superior e inferior. A moda é assim encarada como
uma junção de polos conflitantes entre distinção e imitação na existência humana, na qual o
vestuário é capaz de comunicar algo a respeito de quem o veste.

163
5. CAPÍTULO 4: CULTURA POP NIPO-BRASILEIRA NO CENÁRIO
DIGITAL
Assim como em outros países, a apropriação da cultura pop japonesa no Brasil teve
grande impacto com o advento das atuais tecnologias de informação e comunicação.
Computadores ligados à internet permitiram a construção de uma nova configuração cultural e
de circulação da informação que se dá a partir da cultura participativa no ciberespaço. O
consumidor cultural passa a atuar como protagonista capaz de assumir o posto de criador e
mediador de conteúdos multiplataforma. Jenkins et al. (2009) caracterizam a cultura
participativa como aquela que possui barreiras relativamente baixas às expressões artísticas e ao
envolvimento cívico; conta com forte apoio para criar e compartilhar criações com outras
pessoas; e conta também com algum tipo de orientação por meio da qual o que é conhecido
pelos mais experientes é passado para os iniciantes; constitui um espaço onde os membros
acreditam que suas contribuições são importantes e onde sentem algum grau de conexão social
uns com os outros.

A interatividade é a propriedade da tecnologia, enquanto participação é


propriedade da cultura. A cultura participativa está emergindo à medida que
a cultura absorve e responde à explosão de novas tecnologias de mídia que
possibilitam aos consumidores comuns arquivar, anotar, apropriar e
recircular o conteúdo de mídia de novas formas poderosas (JENKINS et al.,
2009, p.8).
Considerando o ciberespaço, o que mantém os laços de uma comunidade já não consiste
mais na territorialidade ou nacionalidade; as fronteiras se tornam mais fluidas e as trocas
informacionais se aceleram. A pesquisa realizada por Juliana Kiyomura, Do Kasato Maru ao
porto digital: as identificações e a identidade comunicativa expressas em blogs de dekasseguis,
realizada em 2009, também aponta o ciberespaço como propício para a aproximação de
culturas, sejam elas representantes de grupos fisicamente próximos ou não.

Com isso, na rede digital estabelecem-se interações comunicativas


sustentando, produzindo e recriando laços e vínculos a partir de interesses
comuns. Aliadas à informática, as novas tecnologias de informação e
comunicação [...] possibilitaram a multiplicação das possibilidades
interativas e pluridirecionais gerando um novo tipo de sociabilidade
(KIYOMURA, 2009, p. 131).
Em sites, fóruns, redes sociais e plataformas de compartilhamento de fotos e vídeos,
observamos conexões entre pessoas de várias regiões do globo que nutrem um determinado
interesse comum, como por exemplo a cultura pop japonesa. Neste sentido, a rede é essencial
para que as pessoas se apropriem de conteúdos culturais e, consequentemente, moldem,
164
compartilhem e reconfigurem o que absorveram, devolvendo ao meio novos resultados de
maneiras que não poderiam ser imaginadas antes. A ideia de rede tem o princípio básico de uma
estrutura constituída por um conjunto de nós interconectados (CASTELLS, 2003). Esta noção
não é recente; a formação de redes está relacionada às práticas humanas há muito tempo, mas
ganhou destaque em tempos de domínio da internet. "As redes têm vantagens extraordinárias
como ferramentas de organização em virtude de sua flexibilidade e adaptabilidade inerentes,
características essenciais para se sobreviver e prosperar num ambiente em rápida mutação."
(CASTELLS, 2003, p.7).
Turkle (1997) 126 citado por Kiyomura (2011, p.163) ressalta que, nas redes, as
identidades se mostram mais fluidas e múltiplas, constituintes de um sujeito em constante
processo de adaptação. Para Hall (2011), o sujeito pós-moderno caracteriza-se por não ter uma
identidade fixa ou permanente, mas que assume identidades diferentes, em diferentes
momentos.
A cultura participativa descreve este cenário de produção cultural e as interações sociais
de comunidades de fãs. O público demonstra-se mais presente e passa a modelar os fluxos de
mídia, influenciando o trabalho e o foco de gerentes de marca, profissionais de serviços ao
consumidor e comunicadores, agora atentos à necessidade de ouvir e responder às
manifestações desse público. Os fãs, sejam de filmes, animês e mangás, sempre foram os
primeiros a se adaptarem às novas tecnologias de mídias digitais. A fascinação pelos
universos ficcionais como a cultura pop japonesa muitas vezes inspira novas formas de
produção cultural, que incluem fanfictions, confecções de figurinos e fanzines. Este grupo
consiste, por exemplo, naquele que se recusa a aceitar apenas o que recebe e insiste no direito
de se tornar um participante pleno e ativo.
Nesta perspectiva, os estudos sobre fãs têm ganhado mais espaço entre os
pesquisadores, principalmente com o avanço das tecnologias de informação e comunicação
para o digital. Com a internet, os fandoms, como assim costumam ser chamadas as
comunidades de fâs, encontraram um espaço propício para socialização e para a produção e
circulação de conteúdos, saindo das margens para ocupar o centro da atenção e dos interesses
da indústria midiática. Raquel Recuero (2015), ao relacionar alguns pontos desenvolvidos por
Jenkins em Invasores do texto: fãs e cultura participativa 127 com obras de outros

126
TURKLE, Sherry. Vida no ecrã: a identidade na era da Internet. Lisboa: Relógio d'água, 1997.
127
"Textual Poachers: television fans and participatory culture" (título original) foi lançado em 1992 e
foi recentemente traduzido para o português (2015). O texto referido de Raquel Recuero é introdutório
à edição brasileira e se intitula "À guisa de introdução: problematizando fãs e fan fictions 20 anos
165
pesquisadores, aponta que as mudanças nas relações entre mídia e entretenimento com os fãs
se referem não apenas à popularização da internet e sim "à mudança gerada por suas
apropriações." (2015, p.4).

A popularização do suporte técnico da rede, no início da década de 1990,


criou um substrato diferenciado e relevante para a maior emergência dos
fandoms e sua saída do pano de fundo da cultura. Ao contrário, os fãs
passaram a ter um papel cada vez mais ativo, visível e complexo na cultura
contemporânea (RECUERO, 2015, p.4).
Há pouco mais de 20 anos, os fãs eram representados como consumidores fanáticos,
deslocados, excêntricos e inarticulados (JENKINS, 2015). No entanto, no cenário atual de
convergência midiática, os fãs já são considerados ativos, engajados e críticos no que diz
respeito aos bens culturais que consomem.

A cultura da convergência descreve um momento em que fãs são centrais às


maneiras como a cultura opera. O conceito de público ativo, tão controverso
há duas décadas, é agora dado por garantido por todos os envolvidos com a
indústria midiática. As novas tecnologias permitem que consumidores
comuns arquivem, anotem, se apropriem e recirculem conteúdos midiáticos
(JENKINS, 2006. Kindle Edition, localização 65-67, tradução nossa).128
Com o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação digitais, e
também crescente acesso à internet, observamos que os fãs brasileiros conseguiram buscar e
consumir bens da cultura pop japonesa que ainda não haviam sido trazidos ao país, como por
exemplo mangás e animês inéditos. O que antes era uma atividade com alcance bem mais
restrito, das mãos de fãs para fãs, ganhou novas dimensões. Em entrevista ao Canal Nerd
Show129 , em julho de 2017, Eduardo Miranda, chefe da divisão de cinema da extinta Rede
Manchete e o responsável por abrir as portas para os animês na televisão, descreve o momento
em que, após o fenômeno Cavaleiros do Zodíaco, tomou a iniciativa, já em meados de 1995, de
receber sugestões de fãs - a quem se refere como a fonte dessas tendências do pop japonês - que
levavam até a emissora gravações em fitas VHS de animês exibidos no Japão e que
costumavam alimentar as locadoras de animês que eram muito populares entre os primeiros fãs

depois", fazendo menção aos 20 anos do livro de Jenkins, considerado clássico nos estudos sobre
cultura de fãs.
128
Convergence Culture describes a moment when fans are central to how culture operates. The
concept of the active audience, so controversial two decades ago, is now taken for granted by everyone
involved in and around the media industry. New technologies are enabling average consumers to
archive, annotate, appropriate, and recirculate media content (JENKINS, Henry. Fans, Bloggers, and
Gamers: Exploring Participatory Culture (Kindle Locations 65-67). NYU Press. Kindle Edition.)
129
A entrevista pode ser acessada em:<https://www.youtube.com/watch?v=5v0nwZEvhcY>. Acesso
em jul. 2017. O Canal Nerd Show tem cerca de 597 mil inscritos e produz vídeos sobre curiosidades
dos anos 90 e cultura pop.
166
do pop japonês. Foi desta maneira que, segundo Miranda, descobriu Yu Yu Hakusho130 (幽遊白
書 Yū Yū Hakusho), produção shōnen que foi exibida em 1997 pela Rede Manchete. Embora
tenha tido pouco sucesso na venda de brinquedos, Yu Yu Hakusho, adaptado da série de mangá
de Yoshihiro Togashi, teve uma das dublagens mais memoráveis dos animês no Brasil, cheia de
gírias e expressões brasileiras que até hoje são lembradas pelos fãs que acompanharam a
exibição da Rede Manchete. (Figura 24)

Figura 24 - Página do Canal Nostalgia sobre dublagem brasileira de Yu Yu Hakusho

Fonte: Fanpage oficial do Canal Nostalgia no Facebook131

Este cenário cada vez mais complexo de fluxo informacional reflete na formação do
consumidor cultural contemporâneo a partir do momento em que ele se apropria de algo e
passa a produzir e criar novos sentidos e significados. As considerações a respeito de uma

130
Yu Yu Hakusho (幽遊白書 Yū Yū Hakusho), de Yoshihiro Togashi, foi publicado em 1990 e
adaptado para a série animê em 1992. A história acompanha Yusuke Urameshi, um adolescente
problemático que acaba morrendo ao salvar uma criança de um atropelamento. O ato inesperado de
sacrifício surpreende até mesmo o mundo espiritual, que já não tem um lugar para sua alma no inferno
ou no céu, sendo-lhe oferecida uma chance de voltar ao seu corpo depois de cumprir algumas tarefas.
131
O Canal Nostalgia no YouTube possui mais de 10 milhões de inscritos. Os vídeos são apresentados
pelo youtuber Felipe Castanhari que semanalmente produz conteúdo de cultura pop e curiosidades
para o público jovem. A fã page oficial do Canal no Facebook tem mais de 3 milhões de seguidores.
167
cultura pop nipo-brasileira estão associadas a esse contexto de relacionamento entre as
tecnologias de informação e comunicação com o consumo e a produção cultural. Neste
capítulo, apresentamos brevemente este cenário digital e as ideias de convergência e
transmídia, discutidas por Jenkins (2009). Num segundo momento, elencamos algumas
manifestações de fãs da cultura pop nipo-brasileira que vão desde a produção de vídeos ao
compartilhamento de conteúdos como mangás digitalizados e animês legendados - scanlation
e fansubbing -, manifestações que atualmente batem de frente com o mercado oficial, levando
editoras e distribuidoras a se adaptarem e traçarem estratégias de acordo com o
posicionamento do público.

5.1 Cenário digital: alguns apontamentos


Por convergência, Jenkins (2009) se refere ao fluxo de conteúdos por meio de
múltiplas plataformas midiáticas, à cooperação entre diversos mercados de mídia e ao
movimento dos públicos dos meios de comunicação em busca do que mais lhe interessa no
entretenimento. É conveniente lembrar da bem conhecida colocação do autor: "Bem-vindo à
cultura da convergência, onde as velhas e as novas mídias colidem, onde mídia corporativa e
mídia alternativa se cruzam, onde o poder do produtor de mídia e o poder do consumidor
interagem de maneiras imprevisíveis" (2009, p.29). Neste atual contexto de circulação de
conteúdos culturais, enxergamos entranhada a relação de coexistência que existe entre os
meios de comunicação. Diferentemente do que nos levava a crer o paradigma da revolução
digital de que "as novas mídias substituiriam as antigas, o paradigma da convergência
presume que novas e antigas mídias irão interagir de formas cada vez mais complexas [...]"
(JENKINS, 2009, p.33).
Grant e Wilkinson (2009) consideram que a convergência está na substituição das
transmissões analógicas pelas digitais, que permitem o armazenamento e a manipulação de
qualquer tipo de mensagem a partir do momento em que ela é convertida em bits, mas pode-se
dizer, até este ponto, que a convergência vai muito além de uma questão puramente
tecnológica. A compreensão das interações e relacionamentos que surgem e são mantidos por
meio da comunicação mediada pelas tecnologias digitais tem sido uma questão central para a
reflexão da sociedade contemporânea a partir do momento em que aceleram o fluxo de
informações que alteram nossos modos de vida e noção de tempo e espaço.

168
Os avanços nas atuais tecnologias de informação e comunicação têm impactado a
sociedade contemporânea no que tange a educação, comportamento e as relações sociais e
culturais. As possibilidades que se estendem com as relações mediadas por novos aparatos
tecnológicos conectados à internet, como os celulares, por exemplo, ampliaram as concepções
anteriores sobre os limites da comunicação e sobre uma nova ideia de territorialidade com o
ciberespaço:

A cidade contemporânea é progressivamente uma cidade da mobilidade, em


que as tecnologias móveis passam a fazer parte de suas paisagens e de suas
formas de construção e identidades sociais. Tecnologias digitais, novas
formas de conexão sem fio, usos flexíveis do espaço urbano como acesso
nômade à internet, conectividade permanente com os telefones celulares,
objetos sencientes que passam informações aos diversos dispositivos,
etiquetas de radiofrequência (RFID) que permitem o rastreamento de
objetos, equipamentos com Bluetooth que criam redes caseiras, etc.
(FREIRE; BATISTA, 2014, p.46-47).
Santaella (2008) acrescenta que "a convergência explosiva do computador e das
telecomunicações" estabeleceu muito rapidamente uma enorme rede global de trocas
informacionais que se tornam estruturas básicas à geração de conhecimento e
desenvolvimento de estratégias de mercado, focadas agora em consumidores de bens culturais
cada vez mais ativos e conscientes de seu poder de influência. Segundo a autora, o advento da
internet figura como um dos pontos chave das "mídias de acesso", uma das cinco gerações
tecnológicas 132 , apresentadas por ela, que elencam as tecnologias comunicativas que
complementam as capacidades humanas e que foram desenvolvidas ao longo de dois séculos -
que ela descreve como um processo que se deu em "ritmo cada vez mais acelerado"
(SANTAELLA, 2008, p.30). O acesso é uma das características mais marcantes do
ciberespaço, que Santaella (2008) descreve como um espaço virtual que está em todo lugar e
em nenhum lugar ao mesmo tempo. André Lemos (2010) propõe a concepção do ciberespaço
como

[...] um espaço transnacional onde o corpo é suspenso pela abolição do


espaço e pelas personas que entram em jogo nos mais diversos meios de
sociabilização, como BBS, os MUDs, ou o Minitel francês. Assim sendo, o
ciberespaço é um não lugar, uma u-topia onde devemos repensar a

132
Santaella (2007) discorre em seu artigo "Mediações tecnológicas e suas metáforas", do livro
"Linguagens líquidas na era da mobilidade", sobre as cinco gerações midiáticas, retomando-as
posteriormente em 2008, no artigo "O impacto das novas mídias sobre a cultura". Resumidamente, as
cinco gerações são: mídias da reprodutibilidade técnica - estudadas também por Walter Benjamin,
como linguagens introdutórias da cultura de massa; mídias da difusão - como o rádio e a televisão, que
alavancaram a cultura massiva; mídias do disponível - mídias de pequeno porte que atenderiam às
necessidades de agrupamentos segmentados; mídias do acesso e as mídias da conexão contínua, que se
constitui de redes móveis de pessoas e tecnologias que operam em espaços híbridos.
169
significação sensorial de nossa civilização baseada em informações digitais,
coletivas e imediatas. Ele é um espaço imaginário, um enorme hipertexto
planetário [...] (LEMOS, 2010, p. 128)133
Com a abertura para mais possibilidades de interação dos indivíduos com as mídias
digitais, e apropriação delas de maneira que as pessoas possam criar e circular conteúdos, faz-
se o terreno propício ao que Jenkins chamou de Cultura da Convergência. Embora a web 2.0
seja muito problematizada no âmbito econômico e a Cultura da Convergência muitas vezes
seja discutida apenas no sentido de confluência dos aparatos tecnológicos, Jenkins faz menção
a fluxos de conteúdos através de múltiplos suportes midiáticos e comportamentos do público
na busca de experiências de entretenimento que o satisfaçam, estando o autor interessado nas
dinâmicas sociais e culturais que a confluência das mídias venha proporcionar. Para Jenkins, é
preciso pensar em três aspectos chave: convergência dos meios de comunicação, cultura
participativa e inteligência coletiva.

A convergência das mídias é mais do que apenas uma mudança tecnológica.


A convergência altera a relação entre tecnologias existentes, indústrias,
mercados, gêneros e públicos. A convergência altera a lógica pela qual a
indústria midiática opera e pela qual os consumidores processam a notícia e
o entretenimento (JENKINS, 2009, p. 43).
A convergência representa uma transformação cultural à medida que consumidores
são incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em meio a conteúdos de
mídia dispersos; ela "[...] não ocorre por meio de aparelhos, por mais sofisticados que venham
a ser. A convergência ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas
interações sociais com outros." (JENKINS, 2009, p. 30).
Almeida (2016) complementa que indivíduos e grupos passam a construir seus
próprios imaginários por meio de conexões, ou costuras de fragmentos de informações que
são extraídas do fluxo midiático, transformando-os em formas ou recursos de compreensão da
vida cotidiana. Jenkins (2009) aborda a inteligência coletiva, conceito trabalhado por Pierre
Lévy (2015)134, quando propõe que comunidades do conhecimento se estruturam em torno de
interesses em comum nas quais não há especialistas e as buscas pelo conhecimento se dão
como relações.

133
BBS é a sigla para bulletin board system, que consistia em softwares que permitiam a troca de dados
via conexão de telefone através do computador, surgidos durante a década de 1970. MUDs, sigla para
Multi-user Dungeons, correspondiam a sistemas de jogos executados em um BBS. Minitel, por sua
vez, tratava-se de um serviço de videotexto online francês.
134
Pierre Lévy (2015) considera a inteligência coletiva como aquela que é distribuída por toda parte,
onde ninguém sabe tudo; todos sabem alguma coisa e todo o saber reside na humanidade. A base e o
objetivo da inteligência coletiva são o reconhecimento e o enriquecimento mútuo.
170
A inteligência coletiva refere-se a essa capacidade das comunidades virtuais
de alavancar a expertise combinada de seus membros. O que não podemos
saber ou fazer sozinhos, agora podemos fazer coletivamente. E a
organização de espectadores no que Lévy chama de comunidades de
conhecimento permite-lhes exercer maior poder agregado em suas
negociações com produtores de mídia (JENKINS, 2009, p.56).
Assim, a convergência não engloba apenas serviços produzidos comercialmente que
circulam por circuitos regulados e previsíveis, mas ela ocorre também quando as pessoas
assumem o controle das mídias. Aos usuários, abrem-se novas formas de acesso às mídias e
conteúdos, e novas alternativas de criação e circulação de suas produções, gerando resultados
que podem ser tanto positiva quanto negativamente criativos.
Aquino (2012) atenta que os níveis de interatividade e participação dos usuários nos
processos comunicacionais que surgem em contexto de convergência impactam diretamente
em sua conceituação. A autora acrescenta que: "se antes as tecnologias de comunicação
serviam apenas para distribuição de conteúdos midiáticos, hoje servem também para produção
e compartilhamento de conteúdo." (2012, p.21).
A dinâmica da convergência que se estabelece nesse cenário traçado por Jenkins
(2009) trata-se tanto de um processo corporativo (de cima para baixo), quanto de um processo
de consumidor (de baixo para cima). "A convergência corporativa coexiste com a
convergência alternativa." (JENKINS, 2009. p.46). Resumidamente, as empresas midiáticas
têm de adotar estratégias que consolidem seus compromissos com o público, bem como os
consumidores aprendem a lidar com diferentes tecnologias para obter mais domínio sobre
fluxo de mídias e interações com outros consumidores.

A convergência exige que as empresas de mídia repensem antigas


suposições sobre o que significa consumir mídias, suposições que moldam
tanto decisões de programação quanto de marketing. Se os antigos
consumidores eram tidos como passivos, os novos consumidores são ativos.
Se os antigos consumidores eram previsíveis e ficavam onde mandavam que
ficassem, os novos consumidores são migratórios [...]. Se os antigos
consumidores eram indivíduos isolados, os novos consumidores são mais
conectados socialmente. Se o trabalho de consumidores de mídia já foi
silencioso e invisível, os novos consumidores são agora barulhentos e
públicos (JENKINS, 2009, p.47).
No sentido de uma cultura participativa, é preciso lembrar que, mesmo antes do
destaque dado à produção de conteúdos pelas pessoas, que tomou grandes proporções com as
mídias digitais, no período anterior aos avanços das tecnologias de comunicação sempre
houve esse tipo de comportamento, que se dava de acordo com os meios disponíveis em cada
época. Assim, o que vem de fato mudando é o comportamento dos indivíduos frente aos
conteúdos midiáticos e a forma como se apropriam das tecnologias disponíveis, e não tanto o
171
desenvolvimento da tecnologia em si. Neste caso, os fãs são aqui usados como um exemplo
de percepção dessas mudanças - no sentido do interesse em uma postura mais interativa e
participativa - a partir dos conteúdos midiáticos que são reelaborados.

5.2 Coexistência de fãs e o mercado de mangás e animês


Os estudos de Henry Jenkins a respeito de comunidades de fãs já seguem há mais de
duas décadas, embora ele não tenha sido o único pesquisador a fazê-lo. Ele mesmo se
considera um fã de séries, filmes e quadrinhos: um aca-fan, ou seja, uma criatura híbrida que
é parte fã e parte acadêmico que procura preencher as lacunas existentes entre esses dois
mundos. Ao longo de suas pesquisas, observou e desenvolveu abordagens sobre estudos das
comunidades de fãs no cenário acadêmico. Em Invasores do texto: fãs e cultura participativa,
de 1992, ele nos apresenta um cenário em que fãs e suas comunidades, chamadas de fandoms,
ainda tinham uma imagem bastante negativa e subestimada pela indústria midiática; mas,
atualmente, diante de todo o contexto de desenvolvimento das tecnologias de comunicação,
mídias digitais e convergência, os fãs saíram das margens da sociedade e se colocaram no
centro das atenções das empresas de mídia que, por sua vez, ainda não sabem exatamente
como lidar com a relação de coexistência que se estabeleceu com a circulação de produções
de fãs em paralelo às obras originais. Este processo também se deu em várias partes do mundo
e o Brasil não é exceção.
Tomamos como exemplo os fãs da cultura pop nipo-brasileira e os mercados editoriais
de mangás e distribuidores de animês no Brasil. Para analisar este contexto, propomos fazê-lo
por meio da analogia com a ideia de kyōson, que significa coexistência em japonês. Embora
tenhamos utilizado kyōson (coexistência) no contexto das ações de fãs e mercado de animês e
mangás, a coexistência é uma noção aplicável em variados sentidos e situações.
Em Vocabulaire de la spatialité japonaise (2014)135, Marie Augendre136 apresenta-nos
o vocábulo kyōson (共存) ou kyōzon, que significa coexistência. O ideograma kyō (共) refere-

135
Vocabulaire de la spatialité japonaise (Vocabulário da espacialidade japonesa), de 2014, é resultado
de um amplo trabalho do Centro Internacional de Estudos Japoneses e do Centro Nacional de
Pesquisas da França (CNRS). A obra elenca textos curtos de vários pesquisadores e especialistas nos
ramos das artes e cultura japonesa. Por meio de vocábulos que abordam algumas noções a respeito do
espaço, arquitetura e da cultura no Japão, são construídas as relações entre as origens mais tradicionais
e os aspectos contemporâneos do cenário urbano e cultural japonês.
136
Marie Augendre é geógrafa e professora da Universidade de Lyon; pesquisa desde 2008 a
convivência com o risco de atividades vulcânicas no Japão e a maneira como se estabelece a relação
172
se à coletividade (todos; juntos) e reciprocidade (ambos) e son (存) designa existência. Juntos,
estabelecem que a coexistência é o ato de conviver com o outro ou a capacidade de uma ou
mais entidades existirem juntas ao mesmo tempo. Kyōsei (共生) é outro termo bastante
relacionado à coexistência, e pode ser traduzido como simbiose.

Para o dicionário Kōjien (2002), kyōson (às vezes pronunciado kyōzon) é


descrito como a convivência e é "o fato de se viver junto com os outros" ou
"para duas ou mais entidades existindo juntas ao mesmo tempo". O termo
heiwa kyōson 平和共存 refere-se, portanto, à "convivência pacífica" no
contexto da Guerra Fria, e kyōson kyōei 共 存 共 栄 , uma "coexistência
próspera" do ponto de vista econômico. Kyōsei ( 共 生 ), simbiose,
corresponde antes de mais nada ao "fato de viver juntos no mesmo lugar". O
principal significado, derivado da biologia, é de "fenômeno pelo qual os
organismos vivos de diferentes espécies [...] vivem em um só lugar, com um
vínculo fisiológico ativo" (AUGENDRE, 2008, p192, tradução nossa).137
O vocábulo kyōson (共存) pode ser utilizado como ponto de partida e como nó que
estabelece a ligação entre questões contemporâneas que dizem respeito ao desenvolvimento
das mídias digitais, convergência e cultura participativa. Kyōson (共存), ou coexistência, é
uma ideia que extrapola a materialidade e é uma noção que também é notada no contexto de
convergência e cibercultura.
Nesta perspectiva, observamos a atividade dos fãs da cultura pop japonesa no cenário
digital que se dá paralelamente às atividades das organizações midiáticas exemplificadas aqui,
como o mercado editorial de mangás e o dos distribuidores de animês no Brasil. Essa
dinâmica oscila entre o interesse e a relutância das organizações midiáticas frente ao impacto
das redes sociais digitais e a atuação cada vez mais ativa do consumidor, aqui especificamente
descrito como fã. Nos propomos, nesse sentido, a refletir sobre quais são os limites que a
produção criativa de fãs deveria manter antes de bater de frente com as diretrizes de Direitos
Autorais e quais são as estratégias e postura que as empresas midiáticas devem ter.

homem e natureza. Em seus estudos, também relaciona as representações dos vulcões e montanhas na
sociedade japonesa e como, de certa maneira, simbolizam um fascínio contraditório.
137
Pour le dictionnaire Kôjien (2002), kyôson (prononcé parfois kyôzon), la coexistence, est "le fait de
vivre soi-même ensemble avec les autres" ou "pour deux entités ou plus, d'exister ensemble en même
temps". L'expression heiwa kyôson 平和共存 désigne ainsi la "coexistence pacifique" dans le contexte
de la guerre froide, et kyôson kyôei 共 存 共 栄 , une "coexistence prospère" d'un point de vue
économique. Kyôsei, la symbiose, correspond d'abord au "fait de vivre ensemble en un même lieu". Le
sens principal, issu de la biologie, est le "phénomène par lequel des organismes vivants d’espèces
différentes […] vivent en un même endroit, avec un lien physiologique actif" (AUGENDRE, 2008,
p192).
173
Condry (2013)138 relata a Jenkins que os superiores nas grandes editoras de mangás e
estúdios de animê admitem que a apropriação do fã é algo que eles têm que aceitar. Os
editores de mangá nem sempre recebem muito bem a ideia de que seus personagens sejam
utilizados sem permissão em produções amadoras, mas, ao mesmo tempo, não lutam
diretamente contra isso. Condry observa que, ainda que isso se dê por conta do modelo de
sistema jurídico japonês, ele prefere imaginar que esses editores reconhecem a necessidade de
permitir que os fãs tenham seus espaços de participação. Editoras japonesas de mangá
solicitam o feedback dos fãs para definir as seleções para futuras edições de suas revistas, um
luxo com o qual os produtores de animê ainda não contam, pois precisam começar os
trabalhos cerca de seis meses antes da exibição de suas produções, um tempo mais difícil de
ser adequado com o posicionamento dos fãs. Na mesma entrevista, Condry (2013) menciona
que, nesse sentido, os produtores mais jovens de mídia percebem que a abertura, e não o
controle, pode ser a chave para o sucesso. "Não é interessante como o controle de direitos
autorais não parece mais ser a chave para ganhar dinheiro?" (CONDRY, 2013, tradução
nossa)139.
No contexto japonês, mencionamos a ideia de media mix, que estabelece uma
importante relação com a noção de narrativa transmídia nos Estados Unidos. Entretanto,
Media mix nem sempre se trata de contar uma história, estabelecer uma narrativa. Jenkins
(2009) define narrativa transmídia como uma história que se desenvolve através de múltiplas
plataformas de mídia. Cada parte dessa história contribui de maneira distinta e valiosa para o
todo.

Na forma ideal de narrativa transmídia, cada meio faz o que faz de melhor -
a fim de que uma história possa ser introduzida num filme, ser expandida
pela televisão, romances e quadrinhos; seu universo possa ser explorado em
games ou experimentado como atração de um parque de diversões. Cada
acesso à franquia deve ser autônomo, para que não seja necessário ver o
filme para gostar do game, e vice-versa (JENKINS, 2009, p.138).
Scolari (2015) observa que esta dispersão textual é uma das fontes mais importantes
da complexidade adquirida pela cultura popular contemporânea.

138
CONDRY, Ian; STEINBERG, Marc. [entrevista nov. 2013]. Media mix is anime's life support
system: a conversation with Ian Condry and Marc Steinberg (part one). Confessions of an aca-fan,
2013. Disponível em:<http://henryjenkins.org/blog/2013/11/media-mix-is-animes-life-support-system-a-
conversation-with-ian-condry-and-mark-steinberg-part-one.html?rq=ian%20condry>. Acesso em: 21
nov. 2017. Entrevista concedida a Henry Jenkins.
139
Isn’t it interesting how copyright control no longer seems the key to making money? (CONDRY,
2013)
174
Pokémon é um exemplo de narrativa transmídia que invadiu o Ocidente. Como
havíamos mencionado, a marca se divide em jogos, animê, filmes e mais uma série de
produtos, tornando o consumidor em um tipo de caçador de informações dispersas para
formar uma imagem coerente do todo.

Existem centenas de Pokémons diferentes, cada um com múltiplas formas


evolutivas e um conjunto complexo de rivalidades e acessórios. Não há um
texto com informações sobre essas várias espécies. Ao invés disso, a criança
reúne informações de diversas mídias, com o resultado de que cada criança
sabe de algo que seus amigos não sabem. Assim, a criança pode
compartilhar seu conhecimento com os outros (JENKINS et al., 2009, p.86,
tradução nossa)140.
Jenkins (2007) afirma que a narrativa transmídia é a forma estética ideal para uma era
de inteligência coletiva, considerando-a como novas estruturas sociais que permitem a
produção e circulação do conhecimento em uma sociedade em rede. Os participantes reúnem
informações e habilidades de outros enquanto trabalham juntos para resolver problemas.
Além disso, Scolari (2015) acrescenta que o conteúdo produzido por fãs é uma das
estratégias de expansão de universos ficcionais por meio de "Criação de conteúdos produzidos
por consumidores em plataformas como blogs, wikis etc. Esses espaços devem ser
considerados uma fonte para novas histórias, que permite aos usuários enriquecer o universo
ficcional." (SCOLARI, 2015, p.15).
No Brasil, a Mauricio de Sousa Produções, com a Turma da Mônica, também constitui
uma narrativa transmídia. Tendo por base as histórias em quadrinhos, Mauricio tem
expandido esse universo com a produção de web séries, filmes live action, personagens com
canais no YouTube e perfis em redes sociais, e planos de lançar jogos com os personagens.

5.3 As práticas de Fansubbing e Scanlation: algumas implicações

O consumo dos produtos da cultura pop japonesa no Brasil também se firmou em


conjunto com outras atividades, como por exemplo as trocas diretas entre fãs de informações
e conteúdos informais. Em São Paulo, por exemplo, onde a colônia japonesa sempre esteve
muito presente em número e influência, algumas pessoas tinham acesso a produtos
importados do Japão e, muitas vezes, o compartilhamento se dava diretamente de uma pessoa

140
Several hundred different Pokémon exist, each with multiple evolutionary forms and a complex set
of rivalries and attachments. There is no one text for information about these various species. Rather,
the child assembles information from various media, with the result that each child knows something
his or her friends do not. As a result, the child can share his or her expertise with others (JENKINS, et
al., 2009, p.86).
175
para outra, normalmente entre conhecidos e grupos de amigos. Outra prática comum eram as
locadoras de fitas VHS com gravações japonesas, às vezes legendadas, às vezes não. Mais
tarde, a realização dos eventos e convenções específicos da cultura pop também colaboraram
para as práticas que têm por característica a presença física e a performance, tal como a
prática cosplay, que normalmente também é associada como uma atividade coletiva.

[...] a cidade de São Paulo, devido ao fato de possuir a maior concentração


de descendentes de imigrantes japoneses – principalmente no bairro da
Liberdade – teve um papel importante. Era através de parentes e/ou amigos
de origem nipônica que possuíam vínculos no Japão que muitos dos que
apreciavam as produções nipônicas conseguiam material novo. Muitos
seriados eram copiados em fitas VHS e distribuídos dentro de um círculo de
amigos (LOURENÇO, 2009, p.121).
No entanto, a web representa agora um forte local de experimentação e inovação, onde
o fã pode não apenas coordenar um fluxo de atividades, mas criar e colocar em circulação
suas produções. O advento da internet permitiu que muitas dessas trocas pudessem acontecer
mais rapidamente e alcançar um número muito maior de pessoas.
Jenkins (2009), a respeito dos animês nos Estados Unidos, revela que houve uma
postura mais tolerante das empresas de mídia japonesas com as atividades alternativas de
mercado, o que teria colaborado para que as vendas dos animês tenham sido bem-sucedidas
tanto na América do Norte quanto na Europa Ocidental. Assim, "parte dos riscos em entrar
para o mercado ocidental e muitos dos custos da experimentação e promoção foram arcados
por consumidores dedicados" (JENKINS, 2009, p.218). Ao sucesso de hoje, ele atribui o
impulso dos fãs em utilizar as tecnologias disponíveis para ampliar o alcance dos fandoms.
O fansubbing se desenvolveu no final dos anos 1980 e início de 1990, ainda com uso
de VHS. O termo fansubber141 vem da junção das palavras da língua inglesa "fan" (fã) e
"subtitle" (legenda) (URBANO, 2012) e designa a prática de tradução e legendagem amadora
dos animês, o que, para o público americano, por exemplo, foi essencial para o crescimento
do número de fãs dos desenhos animados japoneses. Para o contexto brasileiro, a prática
tomou forma com o advento e apropriação da internet, no final dos anos 1990.
A proposta inicial que impulsionou o surgimento dos primeiros fansubs era levar aos
fãs uma diversidade maior de títulos que não eram oferecidos pelo mercado, sem fins
lucrativos, promovendo, assim, o interesse de distribuidoras locais a adquirirem os direitos
desses títulos junto às produtoras japonesas (URBANO, 2012). Os animês legendados pelos

141
A palavra fansubber é apontada por Krystal Urbano (2012) como referente tanto às pessoas que realizam a
atividade quanto a ação em si. Também existem os usos das variantes fansubbing e fansub.
176
fansubs são disponibilizados através de sites de compartilhamento e redes P2P (peer-to-peer/
ponto a ponto)142. Recentemente, alguns sites de fansub já disponibilizam o material para
visualização online, sem necessidade de download de qualquer arquivo.
Existem dois tipos de tradução: as speedsub, que priorizam a rapidez para
disponibilizar as traduções de animês que estão em exibição no Japão; e as qualitysub, que
prezam pela qualidade, ainda que levem mais tempo para realizá-las.
A Punchsub143 é um exemplo de fansub cujo foco é disponibilizar as traduções o mais
rápido possível de séries que estão em exibição no momento. Para manter esse objetivo,
muitas vezes não há um trabalho mais apurado de revisão, o que resulta em erros que são
criticados entre os fãs, que continuam a recorrer às speedsub para assistir aos episódios do
animê que acompanham o mais próximo da data de exibição do episódio no Japão. O MDAN
(Mansão dos Animes) 144 e Kiyoteru Fansub 145 são exemplos de fansubs que oferecem
traduções mais cuidadosas, priorizando a qualidade das mesmas, já que muitos projetos
trabalhados são animês que já foram exibidos, e/ou concluídos, há algum tempo. Já o Bruthais
Fansub 146 disponibiliza traduções de animês mais antigos, ou nostálgicos, como a própria
equipe os define, como Pokémon e Sailor Moon Crystal.
Já scanlation designa a atividade de digitalização e tradução de histórias em
quadrinhos estrangeiras, mas, no nosso caso, mais associada aos mangás. O termo é
constituído pela junção das palavras da língua inglesa "scan" (escaneamento) e "translation"
(tradução). As etapas do scanlation consistem em digitalização do material, tradução de seu
conteúdo, limpeza, edição, revisão e distribuição da publicação, transferindo-a do meio
impresso para o digital (CARLOS, 2011). A origem dos grupos de scanlators está atrelada ao
surgimento dos fansubbers. Ambos oferecem serviços similares e são também organizados
internamente de acordo com uma determinada estrutura hierárquica de funções dos membros
desses grupos.

142
Redes P2P (peer to peer) consistem em sistemas de computadores interligados onde cada ponto
possui funções equivalentes, ou seja, pode ser tanto cliente como servidor, o que lhes permite
funcionar de maneira independente de um servidor central. Assim, o conteúdo pode ser trocado de
usuário para usuário sem a necessidade de intermédio de um sistema. Um exemplo de sistema P2P são
os torrents.
143
Disponível em:<https://punchsub.com/>.
144
Disponível em:<http://mdan.org/>.
145
Disponível em:<http://www.kiyoterufansub.com/#>.
146
Disponível em:<http://www.bruthais-fansub.net/novaBF/V1/index.php>.
177
O objetivo dos scanlators 147 é também muito semelhante ao dos fansubbers:
disponibilizar aos fãs aquilo que não é possível encontrar facilmente no mercado - obras ainda
não lançadas no país pelos canais oficiais ou obras muito raras, que já estão fora de circulação
há algum tempo. A atividade segue também uma dinâmica do que é produzido de fã para fã e
teria, inicialmente, o compromisso de retirar o material produzido referente aos títulos que
passassem a ser importados pelas empresas de mídia. Ambas atividades foram conduzidas
inicialmente por fãs que dedicavam seu tempo livre para traduzir, legendar, digitalizar e
disponibilizar esse material, objetivando, acima de tudo, um trabalho de qualidade, diferente e
superior ao que normalmente se encontrava no mercado.

As lacunas geográficas, de repertório e de tempo encontradas na indústria


global de mangás desapontam os fãs entusiastas de mangás fora do Japão,
que desenvolveram gostos altamente articulados e, graças à internet, estão
bem informados a respeito das últimas notícias sobre mangá no Japão, e
muitas vezes querem ler o mesmo mangá disponível no Japão. Os fãs
percebem essas lacunas como um problema intolerável, mas que podem ser
resolvidas por seus próprios esforços - scanlation. O desenvolvimento e a
ampla difusão do scanlation devem ser vistos no contexto maior de uma
maneira nova e cada vez mais popular de consumo global de produtos
culturais japoneses (LEE, 2009, p.7, tradução nossa)148.
Retomando as colocações de Jenkins (2009) a respeito do mercado norte-americano de
mangás e animês, ao tratar da questão de que a pirataria havia se tornado uma maneira de
promoção, ele explica que os distribuidores japoneses permitiram a realização das sessões
promovidas pelo Anime Club do MIT,149 onde as exibições tinham, a princípio, o intuito de
educar o público americano sobre animês e mangás. A postura dos distribuidores objetivava
levantar qual seria o real interesse do público e consumidores em potencial. Em outro
momento, o autor também informa que foi a web que expôs alguns "acordos tácitos" (2009,
p.194) que, até então, possibilitavam a coexistência entre a cultura participativa e a cultura
comercial, no caso, durante boa parte do século XX - por exemplo, como quando se tiram
cópias de um livro para outras pessoas ou quando são repassadas gravações caseiras dos

147
O termo Scanlator está associado ao grupo ou pessoa que realiza o trabalho de digitalização e
tradução, enquanto scanlation determina tanto a prática quanto o material trabalhado.
148
The geographical, repertory and time gaps found in the global manga industry disappoint
enthusiastic manga fans outside Japan who have developed highly articulated tastes and, thanks to the
internet, are well informed of the latest news on manga in Japan, and often want to read the same
manga available in Japan. The fans perceive those gaps as a problem which is intolerable but could be
solved by their own efforts – scanlation. The development and wide diffusion of scanlation should be
seen within the bigger context of a new and increasingly popular way of global consumption of
Japanese cultural products.
149
Fã-clubes que eram organizados por estudantes no campus da faculdade e reuniam entre si um
acervo com materiais adquiridos tanto oficialmente quanto ilegalmente (pirataria).
178
episódios de um animê a um amigo que não os assistiu ainda. Uma vez que as trocas de
conteúdos deixaram de acontecer em recintos fechados, tornaram-se um problema para o
controle de propriedade intelectual das indústrias culturais.
No Brasil, onde fansubbers e scanlators já vinham se destacando há algum tempo -
uma vez que atendiam a demandas cada vez maiores -, essas práticas são observadas com
cautela, e não raro vistas como ameaças ou risco ao mercado, pois, de uma forma ou de outra,
trabalham nas fronteiras da ilegalidade.
Em alguns aspectos, como por exemplo na determinação de algumas preferências do
público, essas práticas de fãs são benéficas para o mercado midiático. Apesar da atuação de
scans e fansubs ser uma faca de dois gumes, prestam também o serviço de divulgação de
animês e mangás cujas licenças ainda não foram adquiridas, servindo como um parâmetro da
popularidade dessas produções. Embora muitas traduções dessas comunidades também
tenham problemas, algumas atendem às expectativas de fãs melhor do que traduções oficiais
de editoras. Além desses motivos, o trabalho de scans e fansubs permite que se tenha acesso a
conteúdos que hoje talvez não fosse possível encontrar, como edições antigas de publicações
ou números faltantes de séries de mangás que estejam esgotados e sem previsão de
reimpressão. Quanto aos animês, os fansubs que trabalham com a ideia de produções
nostálgicas possibilitam que outras gerações de fãs conheçam produções antigas que não são
mais exibidas, embora atualmente existam alternativas legais, como Crunchyroll e Netflix).
Embora em alguns momentos tenhamos visto uma convivência, até certo ponto,
benéfica para mercado e fandoms no contexto norte-americano (JENKINS, 2009, 2014, 2015)
e no contexto brasileiro, onde - até se consolidar no mercado -, a cultura pop japonesa teve ao
seu lado as atividades de fãs como uma maneira essencial de conhecimento e divulgação de
novos produtos de interesse e determinação de público alvo, constantemente há atritos no que
diz respeito à pirataria, que prejudicaria o mercado.
No contexto japonês, a questão das produções alternativas - pirataria - bate de frente
com o rígido sistema de propriedade intelectual e direitos autorais existente no país. Nagado
(2012)150 explica que a legislação e a fiscalização de violação de direitos autorais no Japão se
constroem como um processo bastante rígido e severo, principalmente com as práticas
realizadas via mídias digitais - internet. As punições por realização de downloads ilegais e

150
NAGADO, Alexandre. Sobre pirataria, direitos autorais e a cultura pop japonesa. Sushi POP, São
Paulo, 2012. Disponível em:<http://nagado.blogspot.com.br/2012/06/sobre-pirataria-direitos-autorais-
e.html>. Acesso em: 10 ago. 2017.
179
venda de outros produtos piratas, como action figures (bonecos colecionáveis), vão de multas
altas à prisão.
Nagado (2012) acrescenta que práticas às margens da legislação costumam estar
presentes em muitos países cuja fiscalização é deficiente, como no Brasil. O combate à
pirataria tem despendido muitos esforços de empresas japonesas para controle e formas de
fiscalização das ações ilegais na internet.

Quando a questão é assegurar direitos autorais, o Brasil é uma pedra no


sapato de vários empresários. Algumas companhias, como a Tsuburaya Pro,
que faz a saga Ultraman, bloqueia acessos brasileiros (via identificação de
IP) para a maioria dos vídeos do canal oficial da empresa no YouTube,
mesmo tendo a Tsuburaya vários DVDs sendo lançados oficialmente aqui.
(NAGADO, 2012).
Algumas medidas legais que são tomadas como forma de inibir a pirataria às vezes
têm resultados negativos, sendo mal recebidas por uma parte do público. Em junho de 2017, a
editora JBC, uma das maiores no mercado dos mangás no Brasil, notificou o Mangas Project,
um dos maiores sites de leitura online de mangás (scanlator), solicitando que fossem retirados
os títulos licenciados pela editora que se encontravam disponíveis pelo site. Cassius Medauar,
gerente de conteúdo da JBC, se pronunciou em seu perfil no Twitter a respeito da decisão e
impacto negativo em relação a uma parte dos leitores. (Figuras 25 e 26)

Figura 25 - Cassius Medauar se manifestou em seu perfil pessoal no Twitter a respeito da decisão
da JBC sobre alguns scanlators.

Fonte: Perfil público de Cassius Medauar na rede social Twitter

A editora JBC utilizou o quadro Henshin Online, de seu canal no YouTube, para
comentar a ação sobre os scanlators. Cassius Medauar, que também costuma aparecer nos
vídeos do canal para divulgar notícias da JBC, comenta que recebeu denúncias a respeito dos
scans de títulos licenciados pela editora, o que levou à solicitação de retirada do conteúdo
online, evitando problemas com os proprietários desses produtos. O Mangas Project também
180
publicou uma nota oficial em sua página no Facebook, esclarecendo vários pontos que foram
questionados no conflito com a JBC. Um dos principais problemas era a cobrança por uma
"área VIP" de acesso aos scans, possibilitando a leitura sem o incômodo dos anúncios
publicitários que costumam ser exibidos na interface comum do site. A existência de anúncios
no site normalmente é justificada para manter os custos de hospedagem de serviços de
disponibilização desses conteúdos, mas a venda de passes VIP implica lucrar com produtos
licenciados e com o trabalho de outras pessoas. O Mangas Project disponibiliza scans de
vários grupos de scanlation que se cadastram no site para colaborar com o conteúdo na
configuração de fã para fã, sem fins lucrativos.
A polêmica em torno do conflito JBC e Mangas Project dividiu a comunidade de fãs.
O impacto da retirada dos conteúdos licenciados pode ter sido negativo até certo ponto, mas a
editora tem o direito de tomar medidas para proteger seus produtos licenciados, uma vez que
todo o trâmite para trazer títulos japoneses tem seus custos e leva tempo de negociação.
Novamente por meio do Twitter, Cassius Medauar, em resposta a alguns comentários,
ponderou:

Figura 26 - Cassius Medauar, em seu Twitter, respondeu a alguns comentários a respeito da


relação com scanlators.

Fonte: Perfil público de Cassius Medauar na rede social Twitter

Segundo dados da MAG Project151 (Manga-Anime-Guardians Project), estima-se que


o prejuízo provocado pela pirataria online chegue a quase 20 bilhões de dólares (dados
publicados entre 2014 e 2015), e uma parcela muito grande de fãs ainda acaba acessando
algum tipo de material pirateado. O MAG Project é uma campanha de conscientização sobre

151
Disponível em:<http://manga-anime-here.com/guardians>. Acesso em 23 out. 2017.
181
os problemas da pirataria, principalmente na internet, implementada pelo Ministério da
Economia, Comércio e Indústria (METI) no Japão e pela CODA (Associação de Distribuição
de Conteúdo Além-mar) com apoio do Manga-Anime Anti-Piracy Committee, que é formado
pelas seguintes empresas: Aniplex, Kadokawa, Good Smile Company, Kodansha, Sunrise,
Shueisha, Shogakukan, ShoPro, Studio Ghibli, Tezuka Productions, Toei Animation, TMS
Entertainment, Bandai Namco Games, Pierrot, Bushiroad. Ainda segundo o MAG Project, o
prejuízo causado pela circulação ilegal de conteúdos provoca um grande desfalque na
arrecadação das editoras de mangás e produtoras de animê, impossibilitando os investimentos
em novos talentos. Em retorno e incentivo ao público, o Projeto oferece acesso a links
contendo mangás e animês devidamente licenciados. Tamanha ação com apoio das principais
editoras e distribuidoras japonesas é parte do portal Manga/Anime Here, e é também um
movimento estratégico do governo japonês de combate à pirataria digital, uma vez que já é
reconhecida a importância dos mangás e animês como fortes componentes da indústria
criativa que movimenta a economia japonesa, haja visto que a cultura pop japonesa é parte
essencial dos interesses políticos sobre o soft power como investida diplomática.
Como forma de atender à demanda, considerando as mídias digitais, a editora JBC
anunciou no final de 2017 o lançamento de mangás online, no formato e-book. A entrada
oficial da editora para a "Era dos mangás digitais"152 começou com o lançamento da produção
brasileira Combo Rangers. Fairy Tail, de Hiro Mashima, e Ghost in the Shell, de Shirow
Masamune, são títulos japoneses que já estão em seu catálogo. Da mesma forma que as
edições impressas, a leitura dos mangás digitais é a oriental, da direita para a esquerda, e é
compatível com a navegação em smartphones, tablets, e-readers e computadores153. Cassius
Medauar e o supervisor de contéudo da editora JBC, Marcelo Del Greco, explicaram na
Henshin Online que o lançamento dos mangás online leva tempo para que a editora meça o
alcance desse tipo de lançamento, uma investida inédita para a JBC, que anteriormente havia
mencionado o lançamento da sua plataforma digital, Henshin Drive, que possibilitará aos
leitores ter acesso a diversos conteúdos da editora 154 . O lançamento da plataforma está
suspenso por questões burocráticas a resolver com as empresas japonesas.

152
O gerente de conteúdo Cassius Medauar e o supervisor de conteúdo Marcelo Del Greco, da editora
JBC, anunciaram o lançamento de mangás digitais. Disponível em:<
https://youtu.be/KRlNV0Zym3k>. Acesso em 01 jan. 2018.
153
Disponível em:<https://editorajbc.com.br/2017/11/30/editora-jbc-lanca-mangas-digitais/>. Acesso
em 01. jan. 2018.
154
Disponível em:<https://henshin.com.br/2016/04/12/henshin-drive/>. Acesso em 01 jan. 2018.
182
O caminho encontrado pela editora JBC para contemplar as mídias digitais demonstra
a atenção às mudanças e renovações da demanda de seus leitores. A atividade de fãs também
tem sido uma questão muito considerada na tomada de decisões e abordagens. A utilização de
redes sociais e do YouTube para se aproximar dos leitores e, ao mesmo tempo, dar-lhes
abertura para se manifestarem tanto de forma positiva quanto negativa demonstram o papel
mais atuante do público por meio das tecnologias de informação e comunicação.
No Brasil, a vinda do site Crunchyroll, que oferece serviço de streaming de animês
licenciados, fornecidos diretamente pelas produtoras japonesas, foi bastante significativa. O
site oferece a visualização online gratuitamente, possibilitada pelo uso de avisos publicitários
na transmissão, e também conta com serviços de assinaturas pagas que proporcionam uma
visualização mais limpa, sem a interferência das interrupções publicitárias. Embora conte com
menos títulos do que os acervos de sites de fansubbing - uma vez que as negociações de
licenciamento são processos que levam algum tempo para serem fechadas - o Crunchyroll é
um dos exemplos de estratégias que vêm sendo desenvolvidas pelas empresas midiáticas para
tentar inibir um pouco as atividades ilegais e, ao mesmo tempo, satisfazer o fã que espera
receber serviços de qualidade e variedade de opções.
Embora tenham convivido com tolerância no início das atividades de scanlators e
fansubbers, estando cientes da divulgação de títulos de mangás e animês, atualmente as
empresas midiáticas travam com os fandoms uma discussão que se dá há tempos sobre
pirataria e violação dos direitos autorais. O recente atrito entre editora e scanlator é um
exemplo bastante nítido dessa convivência e/ou coexistência conturbada. Ao exigir a retirada
de conteúdos já lançados legalmente no mercado, ilustram, nas pesquisas de Urbano (2013) e
Carlos (2011), o impasse que alguns fãs demonstraram. Algumas pessoas julgam que o
trabalho realizado por scanlators e fansubbers não se configura como pirataria, pois trata-se
de conteúdo ainda não licenciado no país, mesmo que alguns grupos mantenham o material
referente a publicações já lançadas pelas editoras ou produções de animês em exibição no país.
Há ainda, segundo as pesquisadoras, uma ignorância sobre a legislação de direitos autorais.
Ao trabalhar a ideia de kyōson, Augendre (2014, 2008) explica que a coexistência
significa muitas vezes conviver com o risco, pois haverá também vantagens que permitam
coexistir. Esta visão que a autora nos proporciona é análoga ao cenário aqui descrito dos
fandoms digitais e as empresas midiáticas. Apesar do risco da ilegalidade e do conflito dos
meios licenciados, os fãs continuam produzindo conteúdos criativos entre si e para si.
Entretanto, as atividades aqui descritas de fansubbing e scanlation não são propriamente

183
processos criativos que dizem respeito à expansão de todo um universo ficcional, mas sim,
consistem em trabalhos realizados com produtos que pertencem legalmente às grandes
empresas midiáticas. Como dito por Jenkins (2009, 2015): fãs são consumidores ávidos por
explorar o universo ficcional de que tanto gostam e estão prontos para explorar todas as
informações que puderem extrair de seus criadores, estabelecendo, assim, uma relação
complexa de convivência e coexistência.

5.4 Lolitas e internet


A internet possibilitou que a maior parte das referências da cultura pop japonesa
chegasse aos fãs brasileiros. Embora os mangás tenham chegado com os imigrantes e os
animês tenham figurado como um fenômeno na televisão brasileira, foi na internet que o pop
japonês encontrou solo fértil.
À Moda Lolita, para obter acesso às principais informações sobre a estética e sobre a
cultura kawaii e, principalmente, aos produtos de grifes japonesas, a internet foi crucial.
Quando questionadas sobre como se relacionavam com a internet, todas as entrevistadas
citaram o uso das redes sociais, porém em níveis diferentes de envolvimento. Yoshie (Anexo
H) inspirou-se primeiro na internet: "No começo, achava que não existiam lolitas no Brasil, e
que só eu e pouca gente sabia dessa cultura jovem do Japão." Antes de participar de seu
primeiro Loliday, dissera ter assistido a vídeos e visto em blogs como eram os meetings -
encontros de lolitas. "Não sigo nenhum blog específico, vejo os que me interessam e vou
clicando aleatoriamente, mas de cultura japonesa sigo um blog de Visual Kei em inglês que se
chama Visual Kei Heaven [...] além disso, sigo muitas páginas no Face que falam sobre esses
estilos."
A ligação com as mídias digitais é inegável, principalmente para obter referências e
trocar informações do que vestir, como se portar, origem e características das lolitas japonesas
e coreanas e, para algumas delas, para divulgação do próprio trabalho, como maid cafés, e
divulgação de grifes próprias que confeccionam acessórios e vestimentas para Moda Lolita.
Da mesma forma, Luana (Anexo F) também acessa diversos blogs para obter
referências, mas utiliza a internet com outros fins: "Vi que muita gente pega roupa de fora, aí
lancei meu ateliê. Faço mais para Gothic Lolita, mas também faço para Sweet. Então pego
referências na internet, mas acabo fazendo meus próprios outfits Lolita." Sobre a divulgação
de seu trabalho, Luana indica sua página no Facebook e também cita a possível participação

184
no evento Ressaca Friends, um segmento do Anime Friends, no ano de 2015. Hannah (Anexo
D) utiliza a internet para conferir blogs e fóruns de discussão a respeito da Moda Lolita. Ela
também acrescenta: "Vejo muito o Tumblr [..] e também vejo o CGL, que é uma parte do
4chan, que é um blog ou uma comunidade na internet que fala de variados assuntos." Ela
ainda continua: "Recentemente comecei a acessar o Facebook, pela comunidade Lolita, mas
comecei a me afastar um pouco, porque sentia que era um pouco perturbado de conflitos."
O Tumblr é uma plataforma de blogging que permite ao usuário postar fotos, textos,
Gifs e áudios. Já o 4chan é uma plataforma com uma estrutura semelhante aos fóruns,
dividida em vários boards que são nomeados em siglas de acordo com o tema. O CGL
corresponde à Cosplay & EGL (Elegant Gothic Lolita), cujo conteúdo de mensagens é
destinado à discussão sobre Moda e Cosplay. O 4chan tem por característica a publicação e
interação anônima, ao contrário de redes sociais como Facebook e Twitter.
Karen (Anexo E), por sua vez, além das referências em blogs e sites de marcas
internacionais, destaca a influência das "madrinhas" para orientar as novas lolitas sobre
marcas, qualidade de materiais, como realizar combinações e aproveitar peças de outros
outfits, evitando que incorram no erro das Ita Lolitas e a fetichização da imagem dessa Moda.
“Muitas brasileiras têm todo esse cuidado, mas geralmente isso é muito passado de madrinha
para afilhada. Entre Lolita, geralmente ela é amadrinhada ou apadrinhada por alguém [...] e
nisso elas vão falar, além do que você está usando, dar uns toques: ah, essa roupa vai ficar
melhor, esse material não deve ser usado, porque não condiz com [...] a moda. O grande
problema é o pessoal tentar ligar uma roupa toda feita de cetim com fetiche. [...] E não é isso
o que a gente quer." Além dessas orientações, ela inclui que as madrinhas também passam
informações de sites e leilões: "Minhas madrinhas me mostraram sites de leilão, onde compro
a maior parte das minhas roupas, por não ser tão caro, porque gosto de comprar roupas de
'burando'." Burando corresponde à pronúncia japonesa para brand (marca).
Conversamos sobre Akemi Matsuda a respeito da internet junto de sua função como
Embaixadora Kawaii do Brasil. Para ela, a internet é uma forma de atingir o público
rapidamente e também para estabelecer contato com a comunidade Lolita brasileira, algo que
só a internet consegue lhe proporcionar. Sobre a criação de uma fanpage no Facebook, apesar
do receio do retorno negativo que ocasionalmente poderia acontecer como figura pública,
Matsuda afinal reconhece que "Na fanpage vou criando as coisas para as pessoas entenderem
e falarem: 'ah gostei do jeito que você escreveu', 'ah, entendi como é'. [...] Acho que a
ferramenta internet tem que saber usar para transmitir quem é você e depois pensar em

185
conquistar as pessoas que têm ideias diferentes." Apesar das críticas que recebera pelo
empenho em divulgar a Moda Lolita para o público geral, Matsuda conclui que: "No final de
tudo, tudo, tudo e contudo, tenho que agradecer pela força que a internet trouxe e vai levar
sobre a cultura, sobre qualquer cultura."
Em sua página oficial, ela deixa a seguinte declaração: “Eu sinto que preciso
apresentar esta cultura pop japonesa para todo o Brasil. Preciso difundi-la e apresentar esta
Moda para todo mundo. Minha participação em eventos e as realizações de Tea Party têm
esta finalidade. Como Embaixadora Kawaii no Brasil, eu gostaria de mostrar que a cultura
pop japonesa traz autoestima e uma grande realização para cada um. E, sim, para o mundo
todo. Eu sinto que isso se tornará uma nova cultura mundial. Esta nova cultura irá promover a
autoestima de todos que abraçarem esta ideia. Não podemos deixar de acreditar nessa força!
Com essa ação alcançaremos a cultura de paz. Isso é a Revolução Kawaii!”

5.5 Outras expressões do pop nipo-brasileiro na web

Muitas outras manifestações da cultura pop nipo-brasileira são compartilhadas na


internet, desde produções bastante específicas, como vídeos caseiros de prática cosplay, até a
organização de atividades coletivas promovidas pela cidade. Citamos dois casos envolvendo a
cultura pop nipo-brasileira que ganharam outras proporções no cenário digital, ambas com o
humor como uma característica em comum.
A série de shōnen mangá e animê, Naruto, é protagonizada pelo personagem Naruto
Uzumaki, um jovem ninja que busca obter reconhecimento e, principalmente, se tornar o
Hokage - líder - de sua vila. A série de mangá foi criada por Masashi Kishimoto, em 1999, e
mais tarde adaptada para o animê, alcançando imenso sucesso mundial, se tornando uma febre
no Brasil. Assim como Cavaleiros do Zodíaco impactou uma geração de jovens, Naruto
também se destacou e provocou uma série de produções de fãs, que, desde muito cedo
conectados e familiarizados com a internet e suas ferramentas, compartilham em redes sociais
como o Facebook, e em sites de compartilhamento de vídeos, como o YouTube, suas
produções inspiradas na obra de Kishimoto.
Um caso bastante particular, que ganhou espaço nos blogs de humor, foi conhecido
como "Naruto Versão do Acre155", uma produção de vídeos de baixo orçamento de um grupo

155
O vídeo está disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=pyAXDLmv0sU>. Matéria
realizada pelo portal G1 sobre o sucesso de Naruto do Acre pode ser acessado em:<
186
de jovens de Mâncio Lima, no interior do Acre, que encenavam uma versão "regional" do
animê. Inspirados em Naruto, o grupo criou personagens que retratam a maneira como muitas
pessoas zombam de seu Estado, o Acre, principalmente com relação à localização dele.
Acompanhamos o humor se desenvolver do Hokage para o cacique, recontando a história de
Naruto com lutas ensaiadas e efeitos especiais de qualidade duvidosa. Com o primeiro vídeo
compartilhado por vários blogs de humor, como o Não Salvo (www.naosalvo.com.br), que
tem grande alcance de público, "Naruto do Acre" virou um sucesso momentâneo na web em
2015, com mais de 500 mil visualizações no YouTube.

Figura 27 - Naruto do Acre, criação do canal Lugar Inexistente, no YouTube

Fonte: Canal Lugar Inexistente. Disponível em:<


https://www.youtube.com/watch?v=pyAXDLmv0sU>.

Foi também uma publicação do Não Salvo, sobre a primeira "Corrida Naruto", que
mais repercutiu entre os fãs e que culminou na corrida realizada na Avenida Paulista, em
julho de 2016, com participação de Maurício Cid, criador do site Não Salvo,(Figura 28) e de
Joe Inoue, músico de J-rock156, cuja música Closer fez sucesso ao se tornar tema de abertura
do animê Naruto Shippuden, sequência de Naruto. Ambos registraram o evento para seus
canais pessoais no YouTube, seguidos por milhares de pessoas. As Corridas Naruto
começaram como eventos fictícios criados no Facebook, em referência à maneira como os

http://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2015/06/com-naruto-do-acre-grupo-de-amigos-faz-sucesso-na-
internet.html>.
156
O termo J-rock ou jrock é diminutivo de japaneserock (nihon no rokku -日本のロック) e designa
um nicho musical que começou a ser mais conhecido pelas trilhas sonoras de animês.
187
personagens são representados correndo na animação: com os braços para trás e as palmas
para cima, inclinando-se para frente.

Figura 28 - Tweet do Não Salvo sobre a corrida Naruto realizada na Avenida Paulista, em 2016

Fonte: Perfil do Não Salvo na rede social Twitter. Disponível em:<


https://twitter.com/naosalvo/status/754789706571870208>.

De brincadeira, a ideia foi levada adiante por alguns fãs do animê e mangá. Em junho
de 2016, a primeira corrida Naruto em Fortaleza reuniu algumas pessoas que correram ao
estilo dos personagens, com alguns participantes fazendo cosplay - vestidos como alguns dos
ninjas do animê. A corrida promovida em São Paulo movimentou a Avenida Paulista157 - o
número de confirmações de pessoas no evento do Facebook era de mais de 2000 corredores (a
maioria para aproveitar a onda de humor nas redes sociais) - e, desde então, outros eventos

157
Em matéria publicada pela plataforma de conteúdo digital do grupo VICE (www.vice.com) de
mídia global, é citado um número aproximado de 300 corredores. A notícia pode ser acessada em:<
https://www.vice.com/pt_br/article/qkdawx/segunda-corrida-naruto-sp>. O vídeo produzido pelo site
Não Salvo (www.naosalvo.com.br) pode ser acessado em:<http://www.naosalvo.com.br/como-foi-
corrida-naruto-na-avenida-paulista/>.
188
semelhantes têm sido realizados pelo Brasil, todos promovidos de fãs para fãs através do
Facebook. O Brasil foi responsável por popularizar esse evento e, recentemente, o portal
Kotaku US (www.kotaku.com) divulgou que milhares de pessoas têm planejado eventos para
"correr como o Naruto" nos Estados Unidos158.
Amaral, Barbosa e Polivanov (2015) observam que os sites de rede social têm
potencializado as possibilidades de interações cotidianas e ampliado o compartilhamento de
informações; além disso, por meio deles é possível perceber a emergência de expressões
representativas de determinadas cenas e subculturas. Neste cenário, as autoras constatam que
os conteúdos de humor e entretenimento têm ganhado cada vez mais força na internet.
"O humor, como tema contemporâneo, parece ter se tornado cada vez mais necessário
para se compreender as manifestações individuais ou coletivas nas plataformas de redes
sociais e tem sido um tema central para o entendimento da cultura digital brasileira."
(AMARAL; BARBOSA; POLIVANOV, 2015).
Assim, também podemos observar nas expressões da cultura pop nipo-brasileira na
web as interações, narrativas e ações que se dão por meio do humor e do riso, que atuam tanto
no sentido de entretenimento quanto de crítica e contestação (AMARAL; BARBOSA;
POLIVANOV, 2015).
Foi também através da internet que Tia Sol ganhou fama internacional. Em sua
fanpage no Facebook, Solange Amorim, de 50 anos e residente em Manaus, tem mais de 38
mil curtidas e seguidores e mantém atualizações constantes de preparações de seus próximos
cosplays, troca de informações sobre materiais para as roupas e sua participação em eventos
da região. Em 2017, foi entrevistada por jornais, sites e programas de televisão para falar de
seu hobby: a prática cosplay159.

158
D'ANASTASIO, Cecilia. Thousands of people say they're going to run like Naruto this weekend.
Kotaku, 2017. Disponível em:<https://kotaku.com/thousands-of-people-say-theyre-going-to-run-like-
naruto-1798439896>.
159
Algumas notícias sobre Solange Amorim e a prática cosplay. Disponível em:<
http://emais.estadao.com.br/noticias/comportamento,senhora-se-apaixona-por-cosplay-e-encanta-com-
suas-fantasias,70001889532>. Acesso em 02 jan. 2018.
<https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/tia-cosplayer-de-50-anos-vira-atracao-em-eventos-geek-
no-am.ghtml> Acesso em 02 jan. 2018.
189
Figura 29 - Tia Sol como cosplay da personagem Yubaba da animação A Viagem de Chihiro (千
と千尋の神隠し, Sen to Chihiro no Kamikakushi) do Studio Ghibli

Fonte: Fotos publicadas na fanpage de Tia Sol. Disponível em:<


https://www.facebook.com/tiasolboladona/>. Acesso em: 21 nov. 2017.

Frequentadora dos eventos de animê de sua região, Solange contou nas entrevistas que
seu primeiro cosplay - a vovó do desenho Piupiu e Frajola - foi feito para cumprir um desafio
proposto por uma amiga, que acreditava que ela não teria coragem de fazer cosplay. Desde
então, revela, a prática cosplay tornou-se um hobby que a levou a se juntar à filha nos eventos
de animê. As fotos de seus cosplays se espalharam pela internet, tanto pela qualidade quanto
pela abertura de Solange com a prática, provando que a prática cosplay independe de idade.
Ela não confecciona sozinha as roupas, mas procura todas as informações na internet sobre
tecidos, acessórios e perucas para seus próximos personagens. Em sua fanpage, costuma
atualizar o progresso na confecção dos figurinos e também recebe sugestões de personagens
para encenar. Em entrevista ao Programa The Noite, com Danilo Gentili160, Tia Sol conta que
conheceu séries e animês quando gravava os episódios da televisão para que os filhos

160
Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=NmPswvXIy6c>. Acesso em 02 jan. 2018.
190
assistissem, ao chegarem da escola. Quando seus cosplays viralizaram, diz ter ficado feliz,
mas ao mesmo tempo assustada por imaginar que uma senhora, dona de casa, não seria bem
aceita entre os praticantes. Quando chegou aos eventos, surpreendeu-se com a receptividade
dos jovens e o sucesso que suas fotos faziam na internet.

Uma forma contemporânea de compartilhar o desenvolvimento de uma


fantasia é através do Work in Progress. Ao compartilhar fotos por meio de
plataformas de redes sociais, o cosplayer pode criar laços com os amigos;
através das maiores expectativas dos fãs e colegas para ver o produto final, o
cosplayer pode adquirir a motivação para completar a fantasia. Essas
imagens são muitas vezes compartilhadas publicamente e podem constituir
um colar ou armadura feita pela metade, mostrando os materiais usados pelo
cosplayer (HOFF, 2017, p.362, tradução nossa, grifo nosso)161.
Hoff (2017) ainda inclui mais uma forma de atividade cosplay no cenário digital: o
takucos (宅コス - takucosu). O termo é composto por taku (宅), que é usada na palavra otaku,
combinada com cos (コス - cosu) de cosplay e designa qualquer cosplay que seja feito fora de
um evento ou sessão de fotos de estúdio. Isso incluiria o cosplay feito em casa, sem, no
entanto, se restringir apenas a isso.

Um fator comum nas imagens takucos é um plano de fundo que pode não ter
relação com o personagem que está sendo reproduzido. Pode haver um
armário, uma prateleira ou talvez uma pilha de roupas no fundo. Semelhante
ao WIP [Work in Progress], pode haver uma qualidade inacabada com
takucos (HOFF, 2017, p.364, tradução nossa, grifo nosso)162.
Em alguns casos, takucos produzem fotografias tão boas que se aproximam da
qualidade de produções em estúdios fotográficos, na medida em que, por vezes, é até difícil
reconhecer que as fotos foram de fato feitas em casa. Hoff (2017) ainda acrescenta que há
uma linha tênue entre takucos feitos ao ar livre e uma foto de cosplay na forma final; a
localização pode ser a mesma, mas o fator de definição pode ser uma pose reconhecida por
pares e fãs como a do personagem que é reproduzido; sem a pose, a prática cosplay não
estaria completa.
Takucos também está relacionado ao WIP (Work in Progress), pois muitos cosplayers
publicam suas fotos online antes de toda a roupa estar completa, mostrando o processo de

161
A contemporary form of sharing the development of a costume is through the Work in Progress. By
sharing photos through social media platforms the cosplayer can build engagement with friends;
through heightened expectations from fans and peers to see the final product the cosplayer can build
motivation to complete the costume. These images are often shared publicly and can constitute a half
made necklace or armor showing the materials the cosplayer used (HOFF, 2017, p.362).
162
A common factor in takucos images is a background that may have no relation with the character
that is being cosplayed. There may be a closet, shelf or perhaps a pile of clothes in the background.
Similar to WIP, there can be an unfinished quality with takucos (HOFF, 2017, p.362).
191
confecção; assim, nesta forma de atividade digital da prática cosplay, são associadas as
fotografias produzidas antes que o produto final esteja finalizado.
A prática cosplay também se destacou na televisão, em 2017, talvez não pelos motivos
que os praticantes desejavam. Em abril, estreou a telenovela A Força do Querer, de Glória
Perez, no horário nobre da Rede Globo. Nela, o personagem Yuri Garcia, de 14 anos,
interpretado pelo ator mirim Adriano Alves, é cosplayer. Yuri gostava de ir a eventos de
animê; vestia-se como o personagem Goku, de Dragon Ball, sempre que possível; e
comunicava-se com sua mãe por meio de mensagens de celular. Os fãs da cultura pop nipo-
brasileira tiveram uma reação bastante negativa à representação da prática cosplay na novela,
o que se refletiu nas manifestações em redes sociais.163164
A página Cospositivismo, no Facebook, busca divulgar a prática cosplay em toda sua
diversidade. Descreve-se como "uma iniciativa de união e inclusão entre cosplayers", focada
na quebra de padrões da prática cosplay; por exemplo, com a possibilidade de uma pessoa
negra interpretando um personagem branco e uma pessoa gorda interpretando um personagem
magro.
"Acreditamos que o cosplay é para todos, motivamos e apoiamos todos que queiram se
inserir na arte do cosplay, independentemente de etnia, gênero, tipo físico ou necessidades
especiais." (COSPOSITIVISMO, 2017).

163
PEIXOTO, Sérgio. Cosplay em novela da Globo: bom ou mau? Disponível
em:<http://www.animaxmagazine.com/2017/04/cosplay-em-novela-da-globo-bom-ou-mau.html>.
Acesso em: 02 jan. 2018.
164
Cosplayers criticam personagem de A Força do Querer. Disponível em: <
http://emais.estadao.com.br/noticias/tv,cosplayers-criticam-personagem-de-a-forca-do-querer-globo-
diz-que-respeita-diversidade,70001725935>. Acesso em 02. jan. 2018.
192
Figura 30 - Nota divulgada pela página Cospositivismo a respeito da estereotipação e
representação negativa dos cosplayers na telenovela da Rede Globo.

Fonte: Página Cospositivismo no Facebook. Disponível em:<


https://www.facebook.com/CosPositivismo/posts/1877732025782394:0>. Acesso em 02 jan. 2018.

A nota emitida pela página Cospositivismo foi compartilhada 3732 vezes. Nela, a
página critica a representação estereotipada dos cosplayers por meio do personagem da
telenovela; um menino que repetiu de ano por deixar de estudar para ir aos eventos de animê e
que tem problemas com a família por se comunicar apenas por meio do celular.

Cosplayers são pessoas normais, mães e pais, homens e mulheres de diversas


idades, de várias etnias e tipos físicos diferentes. Pessoas que também
acordam cedo pra trabalhar e chegam tarde cansadas do trabalho, aliás,
trabalho que nos dá dinheiro e recursos para correr atrás de nossa paixão por
essa arte. Muitos de nós ganham a vida fazendo esta arte para poder pagar as
despesas no fim do mês.
A maioria de nós não é reclusa e refém da tecnologia ou anti-social, muito
pelo contrário. Estudos comprovam que pessoas que fazem cosplay têm
maiores chances de socializar e desenvolver habilidades de interpretação e
atuação (COSPOSITIVISMO, 1 de abril de 2017, online).
Embora o personagem Yuri realmente seja uma representação estereotipada de
cosplayer, ao ser mencionada na telenovela do horário das 21h, a prática obteve visibilidade e
notoriedade: "[...] pelo menos dezoito milhões e meio de telespectadores foram apresentados
ao que é cosplay - qual matéria em jornal ou TV atingiu tantas pessoas antes?" (PEIXOTO,
2017).

No cerne do sucesso da Globo estão as novelas. Esses programas seriados


latinos estão baseados num modelo econômico bem-azeitado. A partir de sua
primeira difusão hertziana num horário de grande audiência da TV Globo,

193
elas fazem um percurso invariável que vai do mainstream aos nichos,
passando pelos canais especializados e os canais privados regionais, que as
retransmitem exaustivamente (MARTEL, 2015, Kindle Locations 5291-
5293, Kindle Edition)
Editor da revista Animax (publicada de 1996 a 1999), Sérgio Peixoto observa que há
uma série de discussões que poderiam ser desenvolvidas a partir do personagem Yuri, mas
que, acima de tudo, na televisão, toda a estratégia em torno da programação e impacto de suas
produções visa a audiência, e para bem ou para o mal, ainda que tenha gerado uma
repercussão negativa, a novela não só alcançou um público que não é o alvo desse tipo de
produção, como também, por meio dele, repercutiu em diversas outras mídias, inclusive na
internet.
Em conversa com Roberto Irineu Marinho, presidente do Conselho de Administração
do Grupo Globo, Martel (2015) observa o movimento e estratégias da TV Globo em direção
ao digital e ao contexto das redes sociais. Ao deixar de encarar a internet como inimiga, a
emissora se adaptou para adequar seus conteúdos em diferentes formatos. Martel (2015)
também destaca o portal de informações G1 e a sua forma de atuação em âmbito regional,
aproveitando sua estrutura jornalística para ser forte tanto com a informação nacional quanto
local, privilegiando ainda as proximidades geográficas.

Cabe lembrar que há anos a Globo vem sendo construída segundo um


princípio de syndication extremamente descentralizado, como nos Estados
Unidos: o grupo transmite conteúdos a 122 filiadas independentes
espalhadas por todo o país. É o segredo do modelo econômico e jornalístico
da Globo (MARTEL, 2015, Kindle Locations 5331-5332, Kindle Edition).
Em Smart: o que você não sabe sobre a internet, Frédéric Martel (2015) parte da tese
de que, apesar de parecer global e uniforme, a internet é, na verdade, diferente em cada lugar.
Ao contrário do que se imagina, as questões digitais não são fenômenos sobretudo globais,
mas sim territorializados; enraizados em um território. O autor utiliza a palavra internet com
"I" minúsculo, e por vezes no plural, pois acredita que o termo deve ser considerado um nome
comum, perdendo aos poucos sua matriz americana e sua maiúscula.
"Por surpreendente que isso possa parecer, a internet não abole os limites geográficos
tradicionais, não dissolve as identidades culturais, não aplaina as diferenças linguísticas: vem
apenas consagrá-los." (MARTEL, 2015, Kindle Locations 120-121, Kindle Edition).
Para sustentar a afirmativa, Martel realiza um extenso trabalho de campo, qualitativo,
em diversos países (50 diferentes países), como Índia, China, Brasil, México e Argentina,
levantando exemplos de apropriações tecnológicas e desenvolvimento de ferramentas e
serviços na internet. Para ele, a internet é um território, não exclusivamente no sentido de um
194
espaço geográfico delimitado; segue a noção de que, além de assumir a forma de um espaço
físico determinado, um território pode também constituir um espaço abstrato, o espaço de uma
comunidade ou de uma língua (MARTEL, 2015). Essa territorialização muitas vezes pode
estar relacionada a uma comunidade (community); expressão que em inglês não significa estar
necessariamente vinculado a um território específico, mas pode remeter, ao mesmo tempo, a
um grupo étnico, a uma minoria sexual, a uma religião ou até mesmo bairro ou cidade onde se
mora. "Às vezes, esse 'território' assume uma forma linguística ou cultural; reflete então uma
comunidade unida por interesses, afinidades ou gostos." (MARTEL, 2015, Kindle Locations
6795-6796, Kindle Edition). Assim, as conversas pela internet são, quase sempre, delimitadas
por essas comunidades, raramente se revelando globais.
Embora faça-se uso de ferramentas digitais de origem americana que, tecnicamente,
permitem fluxos de informações globalizados, Martel afirma que as conexões são realizadas
localmente, dependendo de vínculos particulares. No Facebook, por exemplo, cada conta é
diferente; nela, cada um tem seus próprios amigos e conversam em suas próprias línguas,
numa dimensão de proximidade ou comunidade. Apesar dessa especificidade regional e
linguística, reconhecemos outras expressões que têm alcance global; a comunicação por meio
de emojis em plataformas de mensagens instantâneas como o Whatsapp, para dispositivos
móveis. Os emojis são imagens que transmitem uma ideia e substituem uma palavra ou
mesmo uma frase. Posteriores aos emoticons - que eram também representações gráficas,
porém compostas por caracteres do teclado - os emojis são pictogramas que tiveram origem
no Japão, relacionados à empresa de telefonia móvel NTT DoCoMo, nos anos 1990. O alcance
dos emojis atualmente é global e, em 2015, emoji foi eleita a palavra do ano pelo Dicionário
Oxford, com base em sua significância cultural165.

Figura 31 - Oxford Dictionaries Word of the Year 2015 - emoji "tears of joy"

Fonte: Oxford Dictionaries. Disponível em:< https://en.oxforddictionaries.com/word-of-the-


year/word-of-the-year-2015>. Acesso em 02 jan. 2018.

165
Disponível em:<https://en.oxforddictionaries.com/word-of-the-year/word-of-the-year-2015>.
Acesso em 02 jan. 2018.
195
Martel (2015) não nega a existência de uma internet mainstream global, compreendida
como a que abarca uma camada de conteúdos padronizados e fluxos globalizados. Segundo o
autor, há exemplos desterritorializados, como os videogames e o cinema; este último,
inclusive, teve seu caráter mainstream reforçado pela internet. De qualquer forma, ele procura
provar em sua investigação que esses conteúdos que contrapõem sua tese são, muitas vezes,
superficiais e quantitativamente limitados. Nesses casos de entretenimento de massa, a
internet e o mainstream se complementam, participando de um mesmo movimento de
eliminação de fronteiras e globalização de conteúdos que falam a todos em qualquer parte do
mundo, uma tendência que não se aplica aos setores da televisão, das mídias, da música e do
livro; vide o exemplo dos blockbusters da indústria cinematográfica aos padrões
hollywoodianos por todo o globo.
Outra ideia introduzida por Martel (2015) é a de smart curation, que consiste na
junção de curadoria com algoritmia. Ele observa que a abundância na quantidade de dados
circulando na internet constitui um problema para que as pessoas consigam encontrar o que
precisam, e, para resolvê-lo, pensar no sentido de uma curadoria digital acaba se tornando
inevitável. Ele reconhece dois caminhos tradicionais para isso; o primeiro consiste na crítica
tradicional, na qual um especialista realiza a crítica e fornece também suas recomendações a
respeito de um livro ou filme, por exemplo - esse modelo, segundo Martel, já não é mais
viável. O segundo caminho seria a dos algoritmos automáticos, que também não são
completamente confiáveis, já que estão sujeitos aos interesses comerciais na difusão de
informações. Assim: "A smart curation é uma forma de editorialização inteligente, que
permite fazer uma triagem, escolher e depois recomendar conteúdos aos leitores." (MARTEL,
2015, Kindle Locations 5038-5039, Kindle Edition).
A ideia de curadoria smart se ampara em três elementos: o primeiro está relacionado à
recomendação, que ao mesmo tempo se vale da força da internet e dos algoritmos, mas
também do tratamento humano e de uma prescrição personalizada feita por “curadores”; o
segundo ponto relaciona-se à mediação, e determina que o segundo filtro de curadoria recorra
a um intermediário humano, uma terceira pessoa que não pode ser ele próprio, produtor do
conteúdo, nem o consumidor; já o terceiro elemento estabelece que a curadoria smart faz
parte de uma “conversa”, um diálogo que possibilita trocas, idas e vindas e pluralidade de
gostos, não se tratando de recriar um julgamento hierárquico top-down, pretensamente
universal, mas quase sempre arbitrário (MARTEL, 2015).

196
O exemplo que ele nos dá, a respeito de smart curation, é o dos booktubers, jovens
que produzem vídeos para o Youtube falando de livros que gostam e recomendam. Ele resume
que isso consiste em curadoria smart;quando um indivíduo que coloca conteúdo disponível
em redes sociais torna-se famoso à medida que o algoritmo responde às "curtidas" nesses
conteúdos. Aos moldes da smart curation de Martel, no nosso contexto de cultura pop nipo-
brasileira, podemos mencionar muitos exemplos de canais no YouTube que atuam de maneira
similar aos booktubers que Martel apresenta, mas apresentamos aqui dois exemplos. O canal
Jbox TV, uma extensão do site Jbox, sobre cultura pop japonesa, fornece informações sobre
mangás, animês, tokusatsu, games e música, com foco em nosso contexto brasileiro.
Investindo mais tempo na produção de vídeos do que artigos para o site tradicional, a equipe
percebeu a dinamização que o YouTube lhes proporciona para circular informações. O canal
Bunka Pop, uma empreitada com produção mais profissional no Youtube, também tem como
abordagem principal apresentar a cultura pop nipo-brasileira.Vinculado ao canal de sucesso
chamado Pipocando, o Bunka Pop, com pouco mais de um ano de existência, conta com mais
de 450 mil inscritos, além de extensões de conteúdos por várias plataformas de redes sociais,
como Instagram, Facebook e Twitter.
Retomando a abordagem de Jenkins (2009) sobre novas práticas culturais de
comunidades de fãs possibilitadas pelas tecnologias de comunicação digitais, lembramos da
ideia de desintermediação, abordada por Pierre Lévy (1999), na qual figura a autonomia do
usuário em sua busca por informação. Para Lévy (1999), as possibilidades comunicativas
proporcionadas pela internet enfraquecem os meios de comunicação tradicionais como
mecanismo de mediação, tal como a televisão, no qual sua estrutura massiva caracteriza uma
distribuição de informação ao modo "um para todos". Para os críticos dessa visão de
autonomia do usuário e intermediação, como Wolton (2003 166 apud ALMEIDA, 2014), o
acesso a vários tipos de informação não significa que vá resultar em potencialização da
capacidade de construção do conhecimento. "[...] o desenvolvimento das competências
intelectuais relacionadas às estratégias de busca, compreensão e apropriação da informação
ainda é o fator mais importante, e os mediadores seriam os facilitadores desse processo."
(ALMEIDA, 2014, p.200).
Almeida (2016) observa que o contexto que permite que se desenvolva um conceito
como o de desintermediação é o do desenvolvimento de produtos e serviços informacionais

166
WOLTON, Dominique. Internet, e depois?: Um teoria crítica das novas mídias. Porto Alegre:
Sulina, 2003.
197
cada vez mais avançados, ao mesmo tempo em que os indivíduos obtêm mais facilidade de
utilizá-los, como o sistema de buscas do Google. Para Pariser (2012)167 citado por Almeida
(2014, 2016), a ideia de que os mecanismos de busca como o Google asseguram que o usuário
obtenha de forma precisa a informação de que necessita é uma ilusão, indicando, então, que as
mediações não apenas permanecem em nosso contexto como também se multiplicam, graças
aos “filtros invisíveis” que são o cerne dos mecanismos de busca; e, muitas vezes, a
parcialidade das informações que nos chegam não é visível ao usuário, sendo assim, algo fora
de seu controle.

Ao analisar o processo de personalização pelo qual passa a internet, fruto de


uma mudança nos aparatos de mediação da rede, Pariser tenta desconstruir
dois lugares-comuns acerca dessas tecnologias e de suas aplicações na
internet. De um lado, a ideia de que elas eliminariam a intermediação,
proporcionando uma experiência “direta” do usuário com o universo da
informação. De outro lado, a promessa de que proporcionariam resultados
mais “satisfatórios”, por estarem mais afinadas às características de cada
usuário (ALMEIDA, 2014, p.201).
Nesse contexto em que se dá a relação de cultura e tecnologia, é preciso considerar
suas implicações sociais, culturais e econômicas, sem a ingenuidade de considerar a
existência de uma "neutralidade técnica" (ALMEIDA, 2014).
Retomando as colocações de Martel (2015) sobre smart curation, neste cenário de
atuações tão diversas dos sujeitos e de circulação de suas produções culturais, pensamos
também em processos de curadoria digital para a área da Ciência da Informação, com ênfase
em sua abordagem de filtragem e seleção de conteúdos na web como curadoria de conteúdos
ou de informações (SIEBRA; BORBA; MIRANDA, 2016). Tem se tornado cada vez mais
difícil medir os avanços tecnológicos e o aumento na produção e circulação de informações
que estabelecem desafios para seu gerenciamento e recuperação. A curadoria de conteúdo
corresponde aos processos de coleta, filtragem e classificação de informações para um
determinado grupo por meio de três etapas que consistem em: pesquisa ou agregação de
fontes e geradores de conteúdo de interesse; contextualização e organização; e
compartilhamento desse conteúdo para o público-alvo (SIEBRA; BORBA; MIRANDA,
2016). Para a curadoria de conteúdo, o fator humano na posição do curador é central para a
seleção de fontes confiáveis e conteúdos relevantes e o papel fundamental emergente dessa
abordagem de curadoria é o da mediação. Entretanto, as autoras atentam para a falta de
cuidado ou preocupação com a gestão e preservação dos dados a longo prazo, uma vez que a

167
PARISER, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2012.
198
curadoria de conteúdos é apontada como uma maneira de atender a necessidades imediatistas.
Os desafios que cabem ao profissional da informação, neste caso, consistem em: lidar com
uma quantidade imensa e crescente de material a ser curado; gestão ativa e permanente diante
de um contexto de constante mudança de perfis e tecnologias disponíveis; e a grande
diversidade de contextos organizacionais.

199
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Goku, Luffy, Naruto, Sailor Moon e Astro. Todos são personagens de animês famosos
no Japão e no exterior. Além de pertencerem a animações de reconhecimento mundial, esses
personagens estampam os produtos oficiais dos Jogos Olímpicos de 2020. Introduzimos este
trabalho mencionando a apresentação de um Japão pop para o mundo no encerramento dos
Jogos Olímpicos Rio 2016, e seria muito justo retomarmos esse contexto nestas considerações.
A cultura pop japonesa, embora não lidere o cenário global de exportações da indústria
criativa, ocupa um lugar de destaque por sua singularidade, resultado de apropriações de
conteúdos ocidentais hibridizados aos vários aspectos da cultura japonesa. Normalmente
apontado como um país culturalmente propenso a essas apropriações, mantendo, contudo,
suas características distintivas, o Japão tem aproveitado o já estabelecido sucesso dos mangás
e animês no Ocidente para sua estratégia soft power.
No Brasil, reverberações do tipo foram sentidas nas estruturas da comunidade nipo-
brasileira, que percebeu a necessidade de iniciar um processo de renovação e de compreensão
de que os jovens e os laços que se firmaram no país constituem o caminho para preservar
tradições de seu país de origem. Com a maior população de origem japonesa fora do Japão, o
Brasil, antes mesmo que pudéssemos sugerir o desenvolvimento do pop nipo-brasileiro, já
conhecia uma cultura nipo-brasileira, resultado de encontros culturais de imigrantes e suas re-
contextualizações em relação ao Brasil.
Nesta pesquisa, procuramos traçar alguns percursos entre Brasil e Japão para que
pudéssemos compreender como se configura uma cultura pop nipo-brasileira num cenário
cultural cada vez mais influenciado pelo advento do digital. Entre essas idas e vindas, num
primeiro momento abordamos a constituição da cultura pop no Japão e, de volta ao Brasil,
analisamos não apenas o que nos propiciou ter acesso aos seus produtos, mas quais são suas
particularidades - proximidades e distinções - que nos permitem pensar em um pop nipo-
brasileiro. Estabelecemos como ponto de partida o contexto histórico do Japão e como se deu
o choque entre as influências ocidentais e as tradições japonesas, que mais tarde foi sucedido
por um processo de adaptação e incorporação de bens culturais estrangeiros, resultando em
produções híbridas, que fizeram o caminho inverso e foram levadas ao Ocidente agora como
expressões singulares do Japão. Os mangás e animês, por exemplo, na forma como os
conhecemos hoje, desenvolveram-se a partir de referenciais ocidentais, na maior parte

200
americanos, mais tarde tornando-se um produto de exportação de sucesso. Dentre várias
manifestações da cultura pop japonesa, analisamos quatro delas: os mangás, os animês, a
prática cosplay e o J-Fashion, representado pela Moda Lolita. Todas essas expressões trazem
consigo discussões acerca das práticas de consumo cultural.
Os mangás constituem um dos pilares mais fortes e representativos da cultura pop
japonesa. Além de circularem por um mercado interno forte, junto dos animês (e dos jogos)
no Japão, os mangás atualmente são produtos de exportação bem-sucedidos. Contudo, os
animês, em muitos aspectos, são responsáveis por levantar o mercado de quadrinhos
japoneses no exterior. Foi o caso do Brasil, que teve Cavaleiros do Zodíaco como um
fenômeno que formou fãs da cultura japonesa por todo o país na década de 1990. Assim como
muitas crianças que acompanharam esse período, e agora adultos que se apropriam desses
produtos do pop japonês, podemos nos definir também como fãs, otakus se preferir; hoje, por
meio desta pesquisa, tentamos contribuir com o crescente interesse acadêmico pela cultura
pop japonesa. Jenkins, por exemplo, se considera um aca-fan, que segundo ele, é um
amálgama de fã e acadêmico que procura levar as discussões em torno da cultura pop para o
cenário acadêmico.
Encontramos na prática cosplay e na Moda Lolita dois pontos estratégicos de nosso
trabalho por considerarmos que constituem um posicionamento diferenciado entre as
expressões da cultura pop nipo-brasileira que se dão online e offline, uma vez que implicam
performances e manifestam-se comumente de forma coletiva em eventos e convenções de
cultura pop. No cenário digital, entretanto, essas práticas se manifestam de diversas formas,
incluindo as representações norteadas pelo humor. A existência da ideia de takucos (宅コス),
em que o cosplay é realizado fora dos circuitos normais, como eventos e convenções,
exemplifica as possibilidades proporcionadas pela internet de participação em um hobby,
ainda que não participe de suas atividades nos espaços tradicionais. Neste caso, forneceu à
prática cosplay espaços digitais de compartilhamento e interação com colegas e outros fãs.
Com a Moda Lolita, realizamos o trabalho de campo por meio de um processo de
observação participante, o que nos permitiu observar a existência de valores da cultura
japonesa que se mantiveram, bem como elementos distintivos que se formaram nas
manifestações brasileiras. Surgida num contexto bastante diferente do nosso, a Moda Lolita,
assim como outros estilos urbanos japoneses, relaciona-se ao sentido de distinção e de
posicionamento frente às estruturas opressoras da vida adulta na sociedade japonesa. Quando
Akemi Matsuda explicou-me sobre a Moda Lolita e os hábitos de se vestir no Japão,

201
percebemos que as lolitas brasileiras não aderem à moda por fuga de sua vida adulta e retorno
à infância em um mundo fantasioso, mas o fazem, em muitos casos, por admirarem a estética
das roupas e dos acessórios kawaii com os quais diferenciam-se dos demais; o fazem,
essencialmente, pelas identificações e proximidade com outros produtos da cultura pop
japonesa. A maioria prefere se vestir ao estilo Lolita nos finais de semana ou apenas em
eventos específicos de cultura pop, o que muitas vezes leva à confusão e noção errônea de que
Lolita corresponde à prática cosplay. "As meninas não gostam que confundam com cosplay",
Akemi dissera na primeira fase de nossa observação, que corresponde ao período de
aprendizado sobre as características da Moda Lolita. Ela também havia comentado que,
apesar de existir uma visão confusa entre Lolita e cosplay, havia poucas lolitas que se
mobilizavam para desfazer o mal-entendido, algo que, para a Embaixadora Kawaii do Brasil,
deveria mudar. Sua postura tem sido a de levar a cultura kawaii para o maior número de
pessoas. De 2014 para cá, também observamos que a Moda Lolita brasileira começou a
aproveitar mais os recursos da internet, assumindo outras formas de circulação de
informações para essa expressão cultural. A busca por "Moda Lolita" no YouTube, por
exemplo, recupera uma série de vídeos produzidos por adeptas da Moda para explicar
características de subestilos, dicas de acessório e roupas, sugestões de lojas e sites de compra
online, além de vlogs que, entre outras curiosidades, procuram acompanhar eventos diversos
de cultura pop.
O uso das tecnologias de informação e comunicação, neste caso a internet, também
possibilitou o surgimento de espaços diferenciados de trocas informacionais que destacam a
participação. As plataformas online de captação de recursos (crowdfunding), como o Catarse,
oferecem maneiras viáveis de realização de projetos culturais por meio de uma estrutura
colaborativa. A realização do V Meeting Nacional Secret Garden, por exemplo, foi
viabilizada por colaboradores do projeto na plataforma Catarse, que mostrou não apenas o
crescimento no interesse pela Moda Lolita, como também uma organização maior dessa
comunidade possibilitada pelo digital; observamos neste caso como as tecnologias de
informação e comunicação digitais podem influenciar a produção, circulação e consumo de
bens culturais.
Além das práticas colaborativas, também observamos que os conteúdos de humor e
entretenimento relacionados aos fandoms e subculturas têm ganhado mais força na internet e
gerado interesse acadêmico, como pudemos perceber pelas pesquisas realizadas a respeito das
comunidades de fãs e representação de subculturas no cenário digital. As tecnologias de

202
informação e comunicação acabam fornecendo recursos para que se dê a apropriação da
informação e para que não apenas haja circulação de expressões culturais, mas também sua
criação, estabelecendo uma dinâmica diferenciada entre as relações sociais.
Tratamos mais especificamente de uma cultura pop nipo-brasileira ao analisarmos um
cenário no qual seus bens culturais figuram no ciberespaço. Este último torna-se mais
complexo ao pensarmos em espaços que são criados, alterando e ampliando a dinâmica de
fluxos informacionais proporcionada pelo entrelaçamento com as tecnologias de informação e
comunicação. Esta relação estabelece novos espaços agregadores de coletividades, unidas
pela premissa da identificação de Stuart Hall, e atua como potencializadora e transformadora
dos processos de criação, circulação, mediação e apropriação da informação, uma vez que se
levam em conta as recentes discussões acerca dos conceitos de convergência e participação
proporcionados pela conectividade.
As atuais tecnologias de informação e comunicação provocaram, no contexto da
Ciência da Informação e do profissional da informação, um novo nível de questionamento e
compreensão da informação, que deixou de estabelecer apenas relações físicas de espaço e
organização; mas que, com as novas tendências sociais, se caracteriza pelo fluxo crescente e
acelerado no qual a tecnologia digital proporcionou o desenvolvimento de espaços
informacionais diferenciados. Dentro de um contexto que cria valores e representações
dependentes de variados recursos tecnológicos, fomenta-se uma série de movimentos que são
indissociáveis da participação e da interação de humanos e de máquinas, que promovem a
potencialização de conhecimentos e compartilhamentos. Neste sentido, as manifestações dos
fãs da cultura pop nipo-brasileira no cenário digital atuam como mediadoras das referências
do pop japonês que é aqui consumido e ressignificado. Este movimento de apropriação da
informação nos leva à compreensão das redes como acionadores afetivos que reconfiguram as
noções que tínhamos de vida em sociedade. Estas considerações indicam que, ao menos no
cenário proposto de atuação dos sujeitos relacionados à cultura pop nipo-brasileira, passam a
se desenvolver espaços mais complexos nas dinâmicas tecnoculturais. Assim, o processo de
apropriação social da informação e dos conhecimentos se tornam igualmente mais intrincados
para análise, principalmente quando são considerados os processos de mediação em tempos
de sujeitos cada vez mais atuantes, como é o caso dos fãs e seu descontentamento com uma
posição passiva diante dos estímulos que recebem.
Para o cenário digital, apresentamos algumas abordagens de Jenkins (2009) a respeito
da cultura da convergência, que nos permitiram obter uma visão mais ampla e global acerca

203
dos processos de apropriação cultural mediados pelas tecnologias de informação e
comunicação. A partir da noção de territorialidades da internet e com base nos dados
coletados ao longo desta pesquisa, observamos que especificidades locais influenciam as
dinâmicas de tais processos. Analisamos, então, que a rede propicia a circulação de conteúdos
mainstream, como a cultura pop japonesa, que são apropriados de formas diferenciadas de
local para local, o que nos permitiu pensar na construção de uma cultura pop nipo-brasileira,
possibilitada também por várias outras questões, como as influências da forte comunidade
nipo-brasileira. Em contexto proporcionado pela internet, mesmo que um fenômeno seja
mainstream, ou seja, muito popular, e mesmo que estruturalmente e tecnicamente a rede seja
global, permitindo que todos nós estejamos conectados, numa configuração de sociedade em
rede, não temos uma conversa global tão significativa quanto a força de uma internet
territorializada com fronteiras simbólicas, como é o caso das diferentes línguas, que compõem
uma diferenciação notável.
Sabemos que cada uma das expressões da cultura pop nipo-brasileira que
apresentamos ao longo deste trabalho constituem, por si sós, temas únicos e complexos para
outras variadas pesquisas. Consideramos também, a importância dos estudos direcionados à
cultura pop japonesa, e, no nosso caso, da formação de um pop nipo-brasileiro, nas diversas
áreas do conhecimento, bem como o estímulo para a realização de novas pesquisas com
temáticas relacionadas. Ao longo de abordagens diversas para cada caso - quadrinhos,
animações, performances -, procuramos, por meio da observação dessas expressões na
internet - e de como se configura sua apropriação - propor reflexões e discussões pertinentes
ao campo da Ciência da Informação e de seus profissionais no tocante aos usos das
tecnologias digitais e seu poder de impacto nas ações de acesso e circulação de informação e,
afinal, os desafios que surgem para nossa atuação.

204
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221
ANEXOS

ANEXO A - Manifesto Pró Cultura Kawaii

A beleza está nos olhos de quem vê. Abençoadas são as pessoas que apreciam a
inocência, que protegem a infância e que praticam a ingenuidade e a lealdade no mundo de
hoje. Paz é o privilégio das pessoas de boa vontade.
Poluição, violência, crime, corrupção, terrorismo, guerra, preconceito, xenofobia,
sofrimento e solidão. É esse o mundo que queremos?
Por um mundo mais gentil, mais compreensivo, solidário e próspero, onde as pessoas
possam se dar ao luxo supremo de recuperar parte da infância na vida adulta, queremos
assimilar a Cultura Kawaii originada no Japão e difundi-la como instrumento de paz global.
Sendo uma manifestação cultural única, livre de doutrinação política ou religiosa e que
independe de um idioma para estabelecer comunicação, a Cultura Kawaii se mostra como o
instrumento certo para unir povos e gerações diferentes mundo afora.
Manifestamo-nos em prol da Cultura Kawaii sabendo que é a primeira vez no mundo
que isso ocorre. Aqui é o Brasil, o lugar mais distante do Japão no mundo. Mas é aqui, na
“terra do tudo junto e misturado”, que há espaço para assimilação e convívio. Aqui corações
separados por oceanos, fronteiras e culturas se unem para gerar algo novo em conjunto.
Nós reconhecemos que a Cultura Kawaii é parte da Cultura Japonesa, que está
integrada no cotidiano japonês, e que ela é parte da identidade japonesa há séculos. Nós
vemos beleza nos netsuke, nas mulheres que vestem quimonos com desenhos de pintinhos e
coelhos, nos doces wagashi e nas estátuas de jizõu e inari espalhadas por estradas e ruas.
Nós nos inspiramos no trabalho de artistas como Yumeji Takehisa, Junichi Nakahara,
Riyoko Ikeda, Yumiko Igarashi, Macoto Takahashi e Eico Hanamura.
Nós entendemos que o sofrimento fez parte de fenômenos da Cultura Kawaii, e a
importância dos efeitos terapêuticos do kawaii.
Só compreendemos a importância da Cultura Kawaii ao lembrar da dor que o confisco
das bonecas Kewpie doll para fabricação de pólvora causou nas crianças durante a 2ª Guerra
Mundial, e como a volta das bonecas após a guerra trouxe alento aos jovens sobreviventes
durante a difícil reconstrução do Japão.

222
Ao saber que as 222 meninas-enfermeiras Himeyuri mantinham como tesouros em
estojos escolares fotos de família e ilustrações da revista Shõjo no Tomo, pouco antes de se
suicidarem durante a guerra.
Ao lembrar que uma criança em tratamento de câncer comoveu uma geração ao contar
que a boneca Hello Kitty foi sua melhor amiga no hospital por ter ficado dias e noites ao seu
lado.
Ao constatar que sobreviventes do Terremoto com Tsunami de 2011 e pacientes de
doenças neurológicas respondem positivamente ao tratamento com o robô filhote de foca Paro.
Sim, acreditamos que a Cultura Kawaii é expressão de arte, estética, comunicação, e
de cura da alma.
A Cultura Kawaii NÃO é fetiche ou apologia à pedofilia. Criminosos vêem malícia em
tudo e todos. Denegrir ou proibir a Cultura Kawaii é censurar a arte e um ato de preconceito.
Reduzir o espaço da infância penaliza social e culturalmente as pessoas boas que deviam ser
livres. Somente o fim da impunidade e o afastamento dos criminosos da sociedade permitirá a
todos liberdade de expressão e a queda de preconceitos.
Por essas razões, e para que o trabalho idealizado por Takamasa Sakurai não seja
esquecido, lançamos o MANIFESTO PRÓ CULTURA KAWAII.
Aprenderemos, cultivaremos, divulgaremos e defenderemos a Cultura Kawaii. Toda
beleza verdadeira começa na gentileza, na compreensão, na solidariedade e na inocência.
Toda paz tem essa beleza.
Kawaii Forever!
São Paulo, Brasil, em 14 de outubro de 2017.

Assinaram inicialmente o manifesto:


Bianca Rocha – organização, V Meeting Nacional Secret Garden
Érika Barbosa – organização, V Meeting Nacional Secret Garden
Layla Carvalho – organização, V Meeting Nacional Secret Garden
Lea Dias – organização, V Meeting Nacional Secret Garden
Willian Souza – organização, V Meeting Nacional Secret Garden
Cristiane A. Sato – presidente, Associação Brasileira de J-Fashion
Francisco Noriyuki Sato – presidente, ABRADEMI Assoc. Bras. de Desenhistas de
Mangá e Ilustrações, e editor do site www.culturajaponesa.com.br e professor de História do
Japão

223
Dra. Makiko Matsuda – professora de Cultura Japonesa da Universidade de Kanazawa
e professora visitante da Universidade de São Paulo – USP
Prof. Yoshikazu Shiraishi – professor no Tokyo Edo Culture Center e professor
visitante da Universidade de São Paulo
Dra. Patrícia M. Borges – professora, Pontifícia Universidade Católica PUC-SP e
Universidade de Osasco

MANIFESTO pró cultura kawaii. Disponível


em:<http://www.culturajaponesa.com.br/index.php/manifesto-pro-cultura-kawaii/>. Acesso
em: 02 jan. 2018.

224
ANEXO B - Informações sobre a Associação Brasileira de J-Fashion

A Associação Brasileira de J-Fashion foi fundada em São Paulo, no dia 10 de


fevereiro de 2014, e devidamente registrada no 3º Cartório de Títulos e Documentos. Ela foi
criada com caráter cultural e o objetivo de:
I – divulgar a Moda e a cultura japonesa no Brasil;
II – congregar os admiradores da Moda japonesa no Brasil;
III – preservar e difundir o uso do quimono;
IV – fomentar a Moda alternativa street J-fashion;
V – fomentar o voluntariado;
VI – promover o convívio saudável;
VII – combater o bullying e o preconceito contra as manifestações de Moda japonesa.
Em resumo, além de atuar na divulgação dos conceitos da Moda oriental, a
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE J-FASHION quer fazer com que tais conceitos saiam das
revistas, palcos ou passarelas e passem para as ruas, pois Moda que não é usada vira peça de
museu.

Disponível em:<http://www.culturajaponesa.com.br/index.php/moda-
japonesa/associacao-brasileira-de-j-fashion/>. Acesso em: 02 jan. 2018.

225
ANEXO C - Entrevista com Akemi Matsuda (via Skype, 8 de setembro de 2014.
Duração: 1h22min)

Não constam na transcrição os trechos da conversa com conteúdo pessoal de Akemi


Matsuda. Os complementos inseridos pela pesquisadora estão sinalizados por [ ] e as
indicações de interrupções na fala, incompreensão e hipóteses do que foi ouvido encontram-se
entre ( ).

Pq - Como você vê a internet nas suas funções como Embaixadora Kawaii? Que
ferramentas você usa? Como a internet te ajuda?
AM - Internet é tudo hoje em dia, né. Imagina, antigamente não tinha, então
antigamente era na base de.../ televisão era tudo, então tudo o que passa na televisão é
fundamental, sabe, mas isso mantém a filosofia da exibição da mídia da televisão ( ) é muito
grande, através da televisão... parece que faz a cabeça da humanidade. É uma ferramenta
fundamental, vamos falar assim. Graças à internet, (tudo) é próximo, é muito ao redor. Com a
internet a gente pode atingir o que você não espera, por exemplo, para me comunicar com a
Misako-chan que é nossa presidente, é muito fácil, simplesmente abro o celular, mando uma
mensagem e menos de cinco minutos, com o fuso horário e tudo, já recebo o retorno. A TV
era fundamental, hoje não, hoje é a internet. Na internet muitas coisas são positivas, negativas,
então a gente tem que tomar muito cuidado. Eu nessa posição de Embaixadora sei que...
primeiro assim, eu não encaro apenas como: "tenho um título", "tenho um bottom", "sou
legal", não encaro assim. Pra mim virou uma responsabilidade enorme. Eu vejo um pouco
disso no geral, vendo as embaixadoras do mundo inteiro, (do mundo inteiro assim...quem
possui, né) acho que estou em um caminho muito diferente delas. Quero transmitir essa
cultura kawaii, a moda kawaii, principalmente a Moda Lolita para as pessoas que realmente
não conhecem, porque (entre) as praticantes é muito mais prático de espalhar, porque já
pratica, já entende, já vai falar a mesma linguagem, mas quem não é praticante tem que
conhecer a filosofia, a cultura, o trabalho. Então eu me vejo um pouco assim. Escolho um
caminho diferente. Não é que não vou fazer mais eventos de Lolita, mas queria exatamente ...
essa minha teoria que criei e que quero adquirir de trabalhar como produtora na Dô Cultural, é
mais para isso: se eu não souber o que é cultura tradicional, como vou transmitir a cultura
kawaii? Através de ( ) até o que escrevi no Facebook, na página, (não sei se você viu, mas),
para mim a cerimônia do chá, é a mesma coisa, na verdade a cultura kawaii tem isso. Então

226
cultura kawaii todo mundo fala, (que é só) cultura pop, mas na verdade a cultura pop já existe
desde muitos anos, junto com a cultura tradicional. Graças à cultura tradicional ela (cultura
pop) existe, (e tem) um peso tão grande a cultura pop. Imagina, toda a cerimônia do chá, (...)
isso é porque procura algo que agrada na humanidade, então pra mim é tudo isso, incluindo
todo esse picadinho de filosofia, de fundamentos, de pensamento, (que pode) ser transmitido
pela internet muito mais rápido e muito mais prático para pessoas que querem adquirir
qualquer estilo, qualquer cultura, qualquer brincadeira, você pesquisa na internet hoje em dia.

Pq - Eu pelo menos vejo que quando era época do auge da TV, era uma coisa que... a
gente recebe. Mensagens que a gente recebe, mas não consegue inferir tanto, já a internet nos
aproxima muito, quebra barreiras de espaço e de tempo e as pessoas conseguem essa
simultaneidade. Então tem uma proximidade bem maior e também uma liberdade bem maior
para quem antes só assistia TV, e consegue agora produzir algum conteúdo além de publicá-lo.
Vejo que você utiliza o Facebook, você tem uma página própria, pessoal, e uma página como
Embaixadora Kawaii. Você pensa em produzir um site, um blog?
AM - Isso acho interesse, mas hoje, o Facebook se tornou fenomenal, tão fenomenal,
que uma transmissão mais prática e rápida é no Facebook. (Às vezes) fico fazendo pesquisa
no Google, digitando as palavras-chave, e você vê que o que aparece é mais direcionado ao
Facebook. Tenho um blog, tenho um site (também), mas prioridade agora, como falei/ acho
que sou uma embaixadora diferente das outras, quero atingir um público que não sabe o que é
isso. Aqui no Brasil é tão difícil de atingir. Não é que em outros países é fácil ou no Japão é
fácil, não é isso. Vejo que no Japão tem muitas pessoas que nem sabem o que é Moda Lolita.
Os próprios japoneses que moram lá já veem Lolita e já acham que é cosplay também. Não é
que no Japão é fácil, mas lá talvez o fato de possuir lojas [de roupas para Lolita] não é tão
difícil de entender, mas aqui, imagina, fico pensando, o Brasil tem todas as categorias de
classe, imagine todos esses públicos... acho que cada categoria existe no máximo dois... três
por cento, sabe, (é muito, né), nem um por cento que conhece. Queria atingir pelo menos na
casa dos 10 por cento de cada categoria conhecendo a Moda Lolita, e o Facebook é uma
maneira muito mais prática. Encaro muito como minha necessidade. (...). Para mim, a página
pessoal do Facebook não é tão pessoal, eu só posto coisas de Lolita mesmo, isso é porque sou
Lolita, sou praticante da Moda Lolita, (e o) dia-a-dia pra mim é isso. Talvez não use bonnet
[acessório para cabeça] como aquele dia, mas uso laços, sempre uma tiara, uma presilha.
Tenho muitas saias, calças quase nada, e o resto não existe no meu armário. Internet é um

227
jeito que você consegue atingir um público rápido, alem de transmitir, né. Não é que a
televisão perdeu a força por exemplo, pelo contrário, se você participar de um programa como
o Fantástico, eu vi que o retorno foi absurdo.

Pq - Teve uma repercussão muito grande, ne?


AM - Nossa, demais. E depois logo em seguida participei do Globo News, em uma
matéria. Por ser mesmo da Globo/ porque Globo News é um público que possui TV a cabo,
tem que ser pago, né, então não é qualquer público, e (também) o horário, era tipo duas da
tarde. Mas, por isso mesmo, se você assistiu [uma vez], é muito mais fácil, [pois] você cola o
link no Facebook, na internet, e o negocio se espalha rapidinho. Então depende realmente do
horário e da grade da TV também. É que o Fantástico, também, por exemplo, é no domingo,
às nove da noite, então é realmente fantástico.

Pq - Acho que realmente fez o papel que você objetiva de atingir as pessoas que não
conhecem (a moda), né? Por mais que você tenha a página no Facebook, quem não te conhece
não vai te procurar no Facebook, não é? São essas pessoas que não te conhecem que podem
estar assistindo a TV no domingo e se depararem com essa cultura diferente [cultura kawaii]
no Brasil.
AM - É verdade. Imagina, já é domingão, a maioria está em casa. Eu acho... a maioria
estaria em casa. Uns 75 por cento talvez estava em casa no domingo naquele horário. E o que
você falou é algo importante que preciso citar. Eu repeti muito na pauta de ser boneca,
realizar meu sonho, porque (é um) primeiro passo. Do que adianta eu chegar em um canal
aberto como no Fantástico e falar que: "isso é Moda Lolita, que vem do século 17 e 18, da
cultura rococó e tem estilo vitoriano". A classe C, D, E, não vai ver. Ao mesmo tempo que
diria que classe A e B também não vai saber. Então tem muito essas coisas. Precisei usar um
termo muito comum, mas isso na comunidade Lolita fez um estrago gigante, porque
começaram a falar: "ah eu não visto Moda Lolita com sonho de ser boneca"; "pra mim Moda
Lolita não é ser boneca". [Quem é] Praticante sempre vai ter uma filosofia já criada, mas é
como eu falei, quero transmitir a cultura kawaii para as pessoas que não sabem, então era a
melhor maneira pra eu expressar: como boneca, ao invés de dizer que isso é um personagem.
Se eu chegar e falar que é um personagem as pessoas vão entender que é cosplay.

Pq - É verdade, já vai ter outra visão...

228
AM - (...) No geral (...), as lolitas não gostam que falam que é cosplay, mas se você
perguntar: "você luta por isso? De as pessoas não chegarem pra te dizer que é cosplay?" Não,
(muitas delas) preferem ficar de cara virada, (...), virar as costas e ir embora ao invés de
ensinar. Então acho que pra mim, o Fantástico foi uma ferramenta muito grande, e só assim
as pessoas entenderiam que, sendo boneca, é um estilo de vida que as pessoas podem ter.

Pq - Que é diferente de cosplay, não é?


AM - Isso, que sendo uma boneca, é um estilo de vida que a pessoa pode ter.

Pq - Teve uma matéria também quando a Misako veio para ao Brasil que passou no
Jornal Hoje, não é?
AM - Sim, acho que sim!

Pq - Teve uma matéria que explicou um pouco melhor, mostrando o ambiente no


Japão, mas também foi em um horário que nem todo mundo está assistindo. Não teve tanta
repercussão quanto teve [o Fantástico].
AM - Sim, pois é. Depois, dá uma olhada no Globo News porque tem umas coisas
legais sobre mostrar os ombros, sabe, de não usar blusinha. Misako chan fala muito que na
Moda Lolita não pode deixar de usar pelo menos uma blusa, sempre tem que esconder mais
pele possível, mas eu gosto de falar o porquê e não terminar e só falar isso, porque na verdade
o ombro e a nuca, enfim, a linha do pescoço feminino é a linha mais sensual que a mulher
possui. Por isso aquilo da gueixa, e da maiko que usa aquele quimono, bem assim. Elas
pintam a nuca, pois o branco ressalta a linha mais alongada, deixa-a mais bonita. O preto afina,
mas o branco dá um destaque muito grande. Isso é teoria das cores. (...) Mas porque pintar a
nuca? Por que mostrar a nuca? Porque é uma linha muito sensual, então a Moda Lolita, pra
mim, por exemplo, sinto que a moda Lolita é a busca da inocência feminina. Se você é
sensual eu acho que tem que mostrar e a gente percebe (...), a noiva que casa com tomara que
caia, por exemplo, é porque já não é mais menininha, vai se tornar uma mulher (...). Então
tem que entender esses lados, a Moda Lolita, por que necessita tanto esconder? Ter que
tampar a pele? A meia é comprida, o vestido tampa a coxa, sabe. Então essas coisas têm a ver
com a filosofia da Moda Lolita. (...)
Também teve um mês e meio atrás, [uma matéria] na Fátima Bernardes. Também já
coloquei o link na página Akemi Matsuda. As meninas do Rio, deram uma pauta na Fátima

229
Bernardes, falando o que é Moda Lolita, mas o caso delas acho que foi mais profundo porque
acho que é o jeito delas, acho que elas queriam mostrar o que é Moda Lolita mais
tecnicamente. Não foi tão simples quanto eu dizer que Moda Lolita é como se fosse boneca.

Pq - Entendi. Acho que é um caminho muito curioso o que você toma de ter essa
sensibilidade de compreender que se vai passar no Fantástico, vão ter públicos tão distintos
que não vão entender se quiser explicar com [muita] profundidade e aí simplificar, que seu
sonho é parecer boneca (...). Isso faz com que desperte a curiosidade e faz com que a pessoa
que quer, vá e procure, e veja que tem uma coisa mais profunda do que isso. (...)
AM - Acho que isso é um pouco mal de mim, porque dou aula. Na verdade tem um
pouco de pessoal. (Isso) acho que tem um pouco de criação e vai mais longe também, porque
minha mãe/ sou filha única, então minha mãe fez mais o papel de pai. Então ela sempre me
mostrou o caminho de que o mundo é difícil, que as coisas não são fáceis, e você tem que
conquistar lutando e ralando com seu próprio sangue, mais ou menos assim. (...) O estilo que
dou aula hoje é o estilo que minha mãe fazia. (...) Sempre vi ela fazendo assim. Ela pra mim é
berço fundamental.

Pq - Sua mãe é nihonjin também?


AM - É, ela é mais nihonjin do que eu, mas ela é mestiça, né. Meu avô é espanhol e
minha avó é japonesa. A minha mãe nasceu no Brasil, então ela é brasileira, mestiça que
casou com japonês do Japão que é meu pai.

Pq - E você nasceu lá [no Japão]?


AM - Nasci aqui, mas criada lá. (...) Meu jeito de gostar de ensinar, preocupar com as
pessoas, é o meu jeito. Que minha mãe construiu, mas talvez (eu) já tinha isso. Tudo que fiz
até hoje na minha vida tem a ver com essa construção da minha filosofia de querer facilitar.
Porque foi difícil pra mim. De minha mãe me ensinar tudo difícil. [Pq - é bem coisa de
nihonjin, né?] Então quero facilitar, quero chegar pros meus alunos e ensinar nihongo fácil,
porque não adianta você chegar como no [Lugar X] e no [Lugar Y] e fazer tudo acadêmico,
porque aquele sistema funciona no Japão. [Pq - De pegar pesado?] É, (assim) não vai. Isso
tentei já fazer. Então esse sistema, (tanto) como dar aula, como de vida, quando vou falar pra
alguém tenho que usar um exemplo legal para as pessoas falarem: "nossa, já passei por isso";
"eu sei o que é isso". Ajuda a decorar o vocabulário, porque você tem que divertir (...). Já é

230
difícil pra decorar e pra entender. Acho que (é) por isso. Eu já ensino coisa difícil, então por
que não posso facilitar? Por que não posso me preocupar mais com as pessoas sobre isso? (...)
Gosto que as pessoas cativem, adquiram e coloquem dentro de sua vida para filtrar.

Pq - Vejo que é diferente o que você faz, essa dedicação que você tem. Pode ser uma
visão muito superficial a minha, porque não sei exatamente como é o trabalho das outras
Embaixadoras, mas elas procuram mais a divulgação, não é? Porque o propósito inicial da
criação das Embaixadoras kawaii foi de divulgação da cultura japonesa.
AM - Sim, sim.

Pq - Você tem contato com meninas de outras regiões do Brasil? De outros Estados?
AM - Sim, tenho. Estados, países. Graças à internet. Se não fosse a internet acho que
as coisas não seriam tão fáceis (ou) tão profundo, também acho que tem um pouco disso. O
ruim da internet, da televisão, é que as pessoas confundem um pouco. Imagine quantas
pessoas não enxergam Akemi Matsuda, como no nível de [Pessoa X] que falou que Akemi é
puro coração. Então muita gente acaba incomodada porque Akemi tem título (...). Essa é outra
história, também. Então, se é por causa desse título, pra mim não tem problema, eu vou
continuar do jeito que eu sou, se quiser, pode ficar com o título, mas imagina, eu sou
Embaixadora que foi escolhida pelo Japão. O Japão me escolheu e para que um japonês
escolha uma pessoa, é porque viu: "Ah, a Akemi Matsuda eu conheço, é responsável, pode
deixar na mão dela, ela vai saber o que fazer". Provavelmente pensou nisso (...). Então não
estou brincando. Não estou pendurando meu título no pescoço (...). Eu não penso assim, mas
a internet não chega até esse ponto de transmissão. Então, é uma lição para mim (...).

Pq - Você sente que existe um sentimento das pessoas quererem exclusividade? [De
dizer] que "sou lolita então sou especial" (...)? [De dizerem que] é ruim abrir para os outros
que não conhecem? Você sente que tem esse sentimento?
AM - Tem. Por que as meninas não lutam quando as pessoas chegam e falam: "ah isso
dai é cosplay"? Por que elas não falam: "não gente, isso aqui não é cosplay, isso aqui é assim,
assim, assado". Por que elas não fazem? Elas têm medo que os outros entrem, quem não sabe
de nada, que veste tudo de qualquer jeito, mas elas estão muito preocupadas com estética,
somente estética e não internamente. Não sei se você viu na minha página que teve uma

231
senhora que casou de Lolita. [Pq - Nossa, que graça!] Maravilhosa! Eu acho que isso é que é
cultura, isso é que é amor, isso é que é vontade de ser alguma coisa.

[Akemi leu a mensagem enviada a ela pela pessoa que casou como Lolita e que,
também por razões de confidencialidade de outra pessoa, não será transcrita aqui.]

AM - A cultura kawaii para ela foi realização de sonho. (...) Tudo isso graças a
internet, que talvez transmita (isso). Se não fosse pela internet, acho que nada chegaria (...).
Eu agradeço a internet, no final de tudo, tudo, contudo, tenho que agradecer a força que a
internet trouxe e vai levar sobre a cultura, qualquer cultura.

Pq - Estou levando pelo menos para uma parte da minha pesquisa, dedicada à Moda
Lolita, estética kawaii. (...) Você acha que é algo válido? (...) Você acha que ajuda seu
trabalho, de alguma forma?
AM - Em que sentido?

Pq - Levar o conhecimento para quem não acha que isso é algo pesquisável, que não é
válido [na Academia]
AM - Acho que vale a pena, porque, ainda mais na Academia... Acho que o que vocês
fazem tanto, tanto, no final de tudo é análise. Eu acho que no final chegam a uma conclusão
única, porque isso é a humanidade. Humanos querem sobreviver. Querem buscar uma forma,
um know-how sobre a vida. Então, cada um se descobre, cada um tem sua filosofia, mas
acadêmico quer dados, precisa de dados e notas, precisa do escrito. Acho que a cultura pop
como fashion, no final, (por exemplo) o que a cerimônia do chá me mostrou, eu acho que tudo
é a mesma coisa. É só como a gente precisa criar várias coisas. O ser humano precisou criar
jeitos de saber viver. Não é todo mundo que consegue chegar num ponto final e dizer que:
"nossa, sou muito feliz no que eu faço". Então ser humano precisa de tudo, precisa de
roqueiro, (...), precisa de político, precisa de ladrão, precisa de polícia e apenas a cultura pop é
uma ferramenta para as pessoas se descobrirem. Ele precisa.. para você dizer que: "ah isso
aqui é o estilo que pode ser mais um da vida". Então vale a pena sim.

Pq - Essa visão que você traz é justamente o que estou querendo passar na pesquisa e
que espero ter conseguido na dissertação de mestrado, que é da origem ao pop, da origem ao

232
nosso presente. (Como quando) você fala que a gente precisa conhecer a cultura, e você faz
essa ligação com a cerimônia do chá que é extremamente tradicional quando você pensa em
Japão. Cada movimento significa uma coisa e você fazer essa ligação [com a cultura pop e
kawaii] é justamente o que procurei no mestrado. Fico muito grata por você ter falado isso e
ter essa visão diferente (...).
AM - Eu é que agradeço (...).
[Sobre a experiência junto da Dô Cultural, onde trabalhou em 2014]
O que posso, [como posso] estando aqui e agora, tão formal desse jeito, representar a
cultura pop? A cultura kawaii? O que é que eu tenho que fazer? Por exemplo, estava lá no
evento (...) que fizemos parte, e coloquei em toda a recepção as lolitas, elas não estavam
vestidas de lolitas, mas quem conhece as lolitas, (...) falam "nossa!". E deu outra cara (...),
sabe. Isso é interessante. Não precisa estar com lacinho na cabeça, não precisa estar com blusa
cheia de babados, rendas e cheia de godet, mas você pode manter essa vaidade, essa cultura,
essa transmissão que você precisa. Eu também pensei bastante: "nossa eu vou ter que só usar
preto", mas dentro do preto você pode buscar algo mais inocente, assim, sabe? E tem muito o
que falar também. Para mim, vem sendo uma grande lição. (...) Além de entender o que é uma
cultura tradicional de verdade, estou descobrindo dentro da tradição esse pop. Na verdade o
pop sempre foi um grande apoio para o tradicional, pois o tradicional fez sucesso graças ao
pop. O pop foi como uma viga de casa; quando você vai construir uma casa, você precisa de
colunas e vigas e a cultura pop é viga e coluna da casa. Ele [o pop] foi bom. A cultura
tradicional está até hoje, por que? Graças ao pop. Porque, imagina a cerimônia do chá, as
mulheres se preocupam com penteado, maquiagem, a cor do quimono, a cor do obi que
combina com esse quimono: isso já é fashion. Imagina há quanto tempo vem fazendo isso,
desde aquela época (...). Isso é fashion, isso é moda. Então tem, desde lá do fundo tem, e isso
acho que estou conseguindo despertar pouco a pouco porque estou andando em um trilho
que... não estou só "lolitando", sabe. Não estou só tomando chazinho e comendo docinho e
tirando só foto. Não estou. A diversão, no final, das lolitas é isso: tomar chá, comer bolo, tirar
muitas fotos (...). Não aguento fazer só isso. Acho também que não nasci pra isso. Tem algo
fundamental aí dentro (...). Acho que qualquer cultura é isso, mas exatamente a cultura pop, a
cultura kawaii viraram o motivo de [...] pensar muito sobre eu [mesma]. É para ser feliz. É a
ferramenta de ser feliz, mas quem faz feliz tem que ser você. (...) Cultura é ferramenta para
você descobrir a sua própria felicidade, eu acho.

233
Pq - A internet aproxima, mas ao mesmo tempo ainda existe algo que veio dos outros
meios de comunicação em massa, a TV, por exemplo, em que você assiste e pensa que nunca
vai conseguir falar com essa pessoa [como artistas], mas a internet possibilita essa
proximidade. Na internet existe a página dessa pessoa, mas pensa-se ainda que talvez ela
nunca vá responder. Ainda existe esse pré-conceito que vem da comunicação de massa [...]
AM - Quem falou para criar essa página da Akemi Matsuda Lolita Fashion foi [Pessoa
X], que falou assim: cria sua página, vai falando o que você viu, o que você passa ou sentiu.
Mostra para o mundo inteiro, não fica fechada só no pessoal. Deixa aberto pra qualquer um
poder entrar se quiser falar mal de você, que escreva inbox. Se quiserem reclamar com você,
as pessoas vão entrar em contato, porque no final querem, mas não conseguem. O que [Pessoa
X] falou tem a ver, porque na fanpage eu vou criando as coisas para as pessoas entenderem e
falarem assim: "ah, gostei do jeito que você escreveu"; "ah entendi como que é", sabe...

[Akemi descreveu alguns contratempos que teve pouco depois de receber o título de
Embaixadora Kawaii. Uma série de comentários hostis pela internet que não foram transcritos
aqui.]

Pq - Ah, é o porém de você se tornar uma pessoa pública, né.


AM - Aí, mas imagina, uma (pessoa) escreveu isso agora, no mural da Akemi Matsuda
Lolita Fashion, então imagina, entre os amigos dela, ela vai falar mal de mim, mas acho que
criou coragem e acho que o meu texto conseguiu cativar essa (pessoa). Acho que tem que
saber usar a ferramenta internet para transmitir quem é você e depois pensar em conquistar as
pessoas que têm ideias diferentes (...)

Pq - Tem muita gente que faz isso...[mal comportamento nas redes sociais]
AM - 'Tá' certo, sabe, acho que cada um possui sua conta e você tem que fazer o que
você gosta, mas imagina, o tempo todo só no "mimimi", também (...).
[Foram citados também alguns casos que ela julgou benéficos e construtivos, não
transcritos aqui por confidencialidade]
Então [apesar de tudo] é positivo, eu tenho que entender que é positivo. Eu fiquei com
medo de criar a página, na verdade, porque era logo depois que todo mundo me atacou, então
fiquei com medo (...).

234
Pq - Não pode ter medo não.
AM - É, eu fiquei, fiquei com bastante medo, mas percebi que isso era medo porque
não estava confiando em mim, não acreditei em mim, não acreditei em [Pessoa X], não
acreditei em ninguém. Então foi um grande erro, mas que caiu como uma grande lição de vida.
Graças à página eu conheci a [Pessoa Y]. Graças à página eu vi as pessoas comentando [citou
um caso específico não transcrito aqui]. Então acho que as coisas da vida, tudo, tudo que
passa na nossa frente temos que agradecer. (...) Ter gratidão o tempo todo e não da boca pra
fora.

235
ANEXO D - Entrevistada Hannah

H - Muito prazer, meu nome é T**** Hannah C****, tenho 23 anos. Meu apelido
quando eu uso Lolita é Hannah. Hannah porque é o meu nome do meio que é Hannah e em
coreano quer dizer "um" e em japonês quer dizer "flor".

Pq - Há quanto tempo você se veste de Lolita?


H - Eu visto Lolita há aproximadamente seis meses. Comecei nesse ano. O primeiro
vestido que eu comprei foi ano passado.

Pq - Ah, entendi, mas você já conhecia?


H - Sim. Eu já conhecia há uns 4 ou 5 anos. Sempre tive muita vontade, mas
finalmente só esse ano consegui coragem de vestir e me sinto bem confiante usando Lolita.

Pq - Mais do que quando você está "normal"?


H - Sim, mais do que quando eu estou normal.

Pq - E as suas referências de onde vieram? Da estética kawaii...


H - A estética kawaii, comecei muito no cosplay. Assim que eu comecei no cosplay eu
aprendi a como me arrumar, a me maquiar um pouco mais, e a estética kawaii veio mais da
internet, né, frequentando fóruns e vendo blogs. Então eu comecei a me interessar por isso
mais principalmente pela cor rosa pelas cores de tons pastéis.

Pq - Tem alguns blogs ou sites específicos que você entra [acessa] para ver tanto
acessórios, quanto para você se inspirar?
H - Assim... eu vejo muito o Tumblr, que é como um site de blogs, e também vejo o
CGL, né, que é uma parte do 4chan, que é um blog, ou uma comunidade na internet que fala
muito de variados assuntos.

Pq - E redes sociais você também acessa?


H - Eu recentemente comecei a acessar o Facebook mas pela comunidade Lolita, mas
comecei a me afastar um pouco, porque sentia que era um pouco perturbado... assim... de
conflitos. Então Lolita para mim é amigos e os amigos que eu conheço por meetings.

236
Pq - Então melhor pessoalmente?
H - Melhor pessoalmente do que pela internet.

Pq - Então você agora participa mais de eventos do que antes como cosplay?
H - Em eventos de anime eu vou de cosplay. Só que todo final de semana tenho usado
Lolita.

Pq - E aí você vai para algum lugar?


H - Geralmente em cafés ou às vezes só para encontrar um amigo para um cinema,
mas são os únicos dias da semana que eu tenho essa oportunidade de vestir.

237
ANEXO E - Entrevista Karen

Pq - Você tem apelido de lolita?


K - Não, é Karen ******.

Pq - Seu nome, idade e o que você faz.


K - Meu nome é Karen ******, eu tenho 18 anos e eu sou designer gráfico.

Pq - Já formada?
K - Não, eu fiz curso de 3 anos e eu estou no terceiro ano do curso, mas eu já trabalho,
porque trabalho na fábrica do meu pai.

Pq - E o que te levou a moda ou estética kawaii e a se vestir de lolita?


K - Eu sempre gostei de moda japonesa, desde muito tempo atrás. Eu entrei na moda
há quatro anos, mas Lolita mesmo eu entrei há dois. Sendo que antes de entrar em Lolita eu
fazia Ouji, que é o masculino da Lolita. Eu viria hoje de Ouji, mas acabei vindo de Lolita por
conta do meu cabelo, que eu não estava conseguindo combinar (com) o outfit então decidi vir
de Lolita, que estava combinando mais ( ) o bordô com sapato...

Pq - Quando você começou a ter referências?


K - Eu tenho duas madrinhas: a [Madrinha 1] e a [Madrinha 2]. E elas são as minhas
madrinhas, só que de Ouji.Eu comecei de Ouji, então elas me adotaram como afilhada e nisso
elas me induziram (ensinaram), me falaram como é o (estilo) Ouji e do Ouji elas também me
explicaram o que era Lolita. Elas me explicaram tanto o que era Lolita e o que era Ouji e no
final acabei seguindo os dois, gosto das duas modas, e como é moda, não visto só em evento,
visto para ir ao trabalho, para ir ao mercado, para ir até a esquina, porque gosto da moda
japonesa em geral. Às vezes uso VK [Visual Kei], às vezes uso Ouji, às vezes uso Lolita, às
vezes uso uma coisa mais puxada pra Gyaru ou alguma outra coisa, mas nunca ao extremo da
moda, sempre puxo um pouco mais para o simples, para não dar impacto na rua, [...] não
estou querendo chamar tanta atenção, quero sair na rua e estar vestida do jeito que eu gosto,
mas não me visto tão ao extremo por conta das pessoas, que ainda mexem. ( ) Com o contato
da mídia mostrando Lolita, que antes Lolita não aparecia tanto na mídia, mas agora que
aparece mais, as pessoas compreendem mais. Uma pessoa estranha às vezes e acha que está

238
indo em festa a fantasia. (...) A gente ouve (isso), tanto como VK, como Ouji, como Lolita,
quanto qualquer outro visual que eu use realmente carregado ou completo (...).
Eu estou com esse outfit, como eu posso dizer, é um pouco mais discreto, porque é
uma roupa que é assim: vou para o shopping, vou para o cinema, mas chama um pouco menos
atenção do que se eu fosse como Sweet, por aí. Até prefiro.

Pq - Na rua você é mais contida, e nas redes sociais?


K - Ah sim, tenho uma página. É uma página de coisas fofas em gerais. É como se
fosse um blog só que numa página. Mas no dia-a-dia saio normal, vira e mexe passa uma
pessoa que comenta, vira e mexe para gente pra tirar foto (...) eu já cheguei a contar uma vez:
eu já cheguei a parar mais de dez vezes para tirar foto com pessoas, em lugares diferentes. Às
vezes turistas pedem para tirar foto. É uma loucura, mas é uma coisa legal, não só quando
estou de Lolita, com outros visuais também (...). Geralmente são pessoas simpáticas que
pedem.

Pq - Então a sua ligação com a internet em relação às referências não é tão grande?
K - Ah com relação a ver materiais de fora?

Pq - É.
K - Eu tenho contato com sites de moda japonesa, alguns blogs, alguns modelos de
revista que às vezes eu sigo pra ver as roupas, para ter uma referência maior de combinação
(...). Porque querendo ou não você faz uma combinação, você não vai usar uma roupa pra
jogar fora ( ). Eu acabo adaptando com o meu dia-a-dia. Como por exemplo, eu estou com
esse (outfit) mas eu não uso tanta anágua porque acho que tanta anágua dificulta para se
movimentar. Pego transporte público então prefiro usar menos. Uso a moda, mas tento
adaptar para o urbano para poder viver e sobreviver em São Paulo.
E...bom... sites, e leilão também. Eu entro muito em (sites de) leilão de roupa japonesa,
tanto que esse aqui (outfit) foi comprado em um leilão que é da Atelie Pierrot, que foi uma
luta, mas consegui.

Pq - A produção nacional você acha pouco?


K - A produção nacional é bastante (...), mas grande parte da produção nacional, não
todas, não toma tanto cuidado com material. Porque Lolita não é só referência moda, é

239
referência de moda, é referência de renda, é referência de estética (...). A Lolita, além da
estética em si, ela prega bons materiais, uma coisa que vai durar, não é uma coisa que você
vai usar e jogar fora. Você vai ter um vestido que vai durar anos, é uma roupa boa (...). Lolita
é assim, na renda que está usando, no tipo de material, no tipo de fita para usar no cabelo, para
colocar na roupa, então tem bastante essas referências. Lolita não é apenas o visual, tem toda
uma estrutura interna da Moda Lolita. Tem todo o visual por fora que é a anágua, o bloomer,
o bonnet ou o bow, tanto que o meu eu ponho atrás, por achar que é mais discreto do que em
cima da cabeça (...). E tem aquilo por dentro da moda, que é o material, o laço, o tipo de
material que vai usar pra fazer a sua anágua, o tipo de material que é o seu sapato, tem tudo
isso por dentro além do visual estético.

Pq - Você acha que nesse quesito é muito da cultura japonesa? Por exemplo, todo o
cuidado?
K - Não. Muitas brasileiras têm todo esse cuidado, mas geralmente isso é passado de
madrinha para afilhada. Geralmente entre Lolitas ela é "amadrinhada" ou "apadrinhada" por
alguém como eu que fui apadrinhada por duas lolitas (...) e nisso, além do que você está
usando, dar uns toques: "ah, essa roupa vai ficar melhor"; "esse material não deve ser usado,
porque ele não condiz com realmente a moda"... Porque o grande problema é o pessoal tentar
ligar uma roupa toda feita de cetim com fetiche, por conta de ( ), e não é isso o que a gente
quer. É uma moda mais centrada, baseada em coisas de Versalhes, então tem toda uma
história que a madrinha vai passar para a afilhada, toda a história da Lolita, porque esse é o
trabalho da madrinha: passar a história da Lolita, passar os tipos de materiais, passar as
combinações (...). A madrinha cuida de levar a afilhada e apresentar o mundo. Minhas
madrinhas me mostraram sites de leilão, onde compro a maior parte das minhas roupas, por
não ser tão caro, porque gosto de comprar roupas de 'burando' [brand]. Não é que acho que o
trabalho aqui do Brasil seja ruim, eu acho que tem muitas peças boas aqui no Brasil sim, eu
tenho um vestido todo de handmade que não é de 'burando' e é meu vestido favorito e que a
moça fez para mim. Eu peguei esse vestido e incrementei ele, coloquei mais renda, comprei
fita de gorgurão, fiz uns laços; incrementei ele todo. Então tem muitas peças boas, sim. É
questão de visão, sabe (...). Acabo comprando mais de fora porque dá trabalho você ter uma
pessoa lá e dizer que quero isso ou quero aquilo, dá trabalho pra fazer. Já fiz roupas para mim,
que gosto, mas não tenho tempo, então raramente eu faço, mas a questão é mais o material.
Tem gente que faz, mas não se apega tanto ao material, e certos materiais não ficam tão legais.

240
Por exemplo, a moda japonesa lá, eles tomam um pouco mais de cuidado com isso porque as
japonesas são bastante críticas nesse ponto (...). E também ainda tem os tipos de saia, tipos de
blusa, tipos de tudo, de meias, de sapato e por aí vai. É muita coisa, Lolita tem muita coisa.
Você pisa assim, uma pontinha na Lolita e quando você vê, já está caindo em um buraco.

241
ANEXO F - Entrevista Luana

Pq - Então primeiro seu nome e idade, e eu sei que você já fez graduação também,
então já conta seu histórico [risos].
L - Meu nome é Luana, tenho 25 anos, sou estilista e trabalho com design gráfico. Eu
comecei ser lolita... na verdade, eu sempre gostei de cultura japonesa desde pequena, com
Sailor Moon, Guerreiras Mágicas e Cavaleiros do Zodíaco, paixão. Daí em 2005 comecei a ir
aos eventos e aos poucos fui conhecendo essa Moda, não conhecia, conhecia mais o Visual
Kei e eu era gótica também, sempre fui gótica desde a adolescência. Entrei na faculdade em
2008 e comecei a conhecer mais, pois tinha uma lolita na minha sala. Eu busco muita
referência na internet. Não tenho nenhum blog assim, específico. Eu coloco o nome do que eu
preciso e vou aleatório nos blogs internacionais e alguns blogs nacionais também. Eu vi que
muita gente pega roupa de fora, né, aí lancei meu ateliê. Faço mais para Gothic Lolita, mas
também faço para Sweet. Então pego referências na internet, mas acabo fazendo meus
próprios outfits Lolita.

Pq - Aí você divulga como?


L - Também pela internet. Daí talvez no fim do ano, se Deus quiser, a gente vai estar
no Ressaca [Ressaca Friends]. Então faço roupas, acessórios, os corsets e algumas coisas são
importadas também.

Pq - Então você tem o site?


L - Não, por enquanto é o Facebook, aí depois vai ter o site.

Pq - É a sua primeira vez Lolita?


L - Não, não. Eu já sou lolita desde 2009... não, desde 2008, desde que entrei na
faculdade.

Pq - Mas Loliday...?
L - É o meu primeiro Loliday. Quando eu fiz o TCC eu nem conhecia Loliday. Eu
conheci por causa da Akemi. Eu estava divulgando minha loja e aí eu descobri a Akemi e ela
postou coisas sobre o Loliday e aí eu: "Nossa, existe um". Bom... esse é meu primeiro.

242
Pq - Então seu primeiro contato foi com TV?
L - Com TV.

Pq - E aí depois você pegou gosto?


L - E aí eu peguei gosto. Eu já era gótica e aí eu vi Entrevista com vampiro que
também tinha a Cláudia, que ela tinha referências Lolita. E isso porque quando eu era pequena
eu detestava babados, detestava laços, abominava literalmente, e agora não consigo viver sem
eles. Na cor preta, no máximo branco, mas na cor preta, adoro.

243
ANEXO G - Entrevista Marina

Pq - O que você faz, se é estudante ou não, e você diz que tem um apelido, não é,
então o porquê do apelido.
M - Meu nome é Marina, tenho 19 anos e sou estudante de design de games e meu
apelido é Tsuki que veio de uma música da banda An Cafe, uma música que chama Rinne no
tsumi.

Pq - E você estuda na PUC?


M - Na Anhembi-Morumbi.

Pq - E como é que você teve contato com a estética kawaii e com Lolita? E há quanto
tempo?
M - Assim, de conhecer a cultura, moda kawaii, já faz bastante tempo, acho que, sei lá,
uns cinco anos pelo menos, mas para ter contato, contato mesmo, foi quando eu conheci a
Akemi e quando comecei a ter aulas de japonês com ela daí eu tive bem mais contato mesmo.

Pq - E isso faz...?
M - Faz uns três anos já.

Pq - Desde então você se veste [de Lolita]?


M - É... não. De vestir mesmo faz um ou dois anos já.

Pq - Desde então você participa de eventos?


M - Não muito, mas alguns eu participo.

Pq - Como o Loliday?
M - Uhum.

Pq - Esses encontros menores você não vai?


M - Não, porque eu não tenho muito contato com a comunidade Lolita, então eu não
vou muito em eventos, assim. Alguns eu vou porque é quando eu conheço alguém que vai,
então acabo indo.

244
Pq - E as referências que você tem hoje, tipo vestido, o que você vai usar, (penteado)
cabelo, você costuma ver na internet? Quais são suas referências?
M - Muito vem do Tumblr, do mesmo blog que ela tinha dito (Hannah), e referências
eu costumo olhar os sites das marcas de Lolita e tal; das brands e acabo escolhendo o que eu
preciso mesmo. Eu não tenho muita coisa que me inspira, eu vou mais pelo que eu vejo e
gosto.

Pq - Importado, ou tem muita produção nacional?


M - Normalmente importado.

Pq - Mas você acha que (a produção nacional) está crescendo?


M - Eu acho que ainda é pouco, mas está crescendo pouco a pouco.

Pq - Eu ouvi uma das meninas dizendo que hoje em dia tem muita (mais) Lolita.
M - Sim, o número cresceu bastante recentemente e eu acho que cada vez que divulga
a Moda Lolita o número de meninas que se interessam e começam a querer participar e a
começar a vestir, acho que cresce cada vez mais.

Pq - Você ajuda a divulgar pela internet e redes sociais?


M - No que eu posso eu ajudo a divulgar sim.

Pq - Você chega a fazer assim: "Ah, eu visto Lolita, é legal, vamos lá!"?
M - Eu acho que não é para tanto, mas acho que de postar foto, sim. É que eu também
tenho usado pouco as redes sociais.

Pq - Prefere mais contato físico como a Hannah [amigos ao vivo]?


M - Pra mim é bem melhor ter amigos assim, ao vivo.

245
ANEXO H - Entrevista Yoshie

Pq - Qual seu nome, idade e o que você faz.


Y - Meu nome é Yoshie, eu tenho 15 anos e ainda sou estudante. Eu sigo a Moda
Lolita desde que eu tinha 12 anos e faz bem pouco tempo. Eu conheci a Moda Lolita depois
que eu conheci o Visual Kei e minha banda favorita é a Moi dix Mois, que é um projeto solo
do Mana-sama que é meu J-idol favorito. Como o Mana-sama segue o estilo Lolita e tem a
empresa chamada Moi-même-Moitié, eu me inspiro muito nele, então além do fato de gostar
muito da cultura kawaii, minhas amigas também me apóiam muito porque também gostam de
cultura japonesa e de Visual Kei. Tenho uma amiga cosplayer que vai comigo em alguns
eventos, mas ela vai de cosplay e eu de lolita.

Pq - E Loliday é a primeira vez que você vem ou já participou em outros?


Y - Esse é o primeiro Loliday que eu participo, mas eu já tinha visto muitos vídeos e
blogs de lolitas falando como é um meeting Lolita e eu sempre me interessei e sempre quis
participar de um.

Pq - Então suas referências vieram da internet primeiro? Ou você teve outra fonte para
se inspirar?
Y - A primeira inspiração foi a internet, tanto é que no começo eu achava que não
existiam lolitas no Brasil e que só eu e pouca gente sabia sobre essa cultura jovem do Japão.
Só que eu fui falar para minha amiga que eu gostava, aí ela ficou dizendo: "Nossa você
também gosta? Eu não sabia!" e ela começou a me apresentar um monte de coisas do mundo
kawaii no Brasil.

Pq - Tem alguns blogs específicos que você visita? Ou alguns sites específicos que
você olha para ver as roupas também? Ou para onde você vai?
Y - Assim... eu não sigo nenhum blog específico. Eu vejo os que me interessam e eu
vou clicando aleatoriamente, mas assim, de cultura japonesa eu sigo um blog de Visual Kei
que ele é inglês e que se chama Visual Kei Heaven e também sigo outros, mas eu não me
lembro de nenhum nome específico agora. Além disso eu também sigo muitas páginas no
Face [Facebook] que falam sobre esses estilos e o que eu mais gosto, e recentemente eu virei
ADM da página, é chamado de J-Rock e K-Pop Fans.

246
Pq - E você administra essas páginas?
Y - Não, tirando essa última que eu falei eu não administro nenhuma e a única coisa
que eu faço é ficar postando e tentando divulgar a cultura kawaii e também Visual Kei, porque
eu amo Visual Kei.

Pq - Mais pelas redes sociais? Facebook e Twitter também?


Y - Twitter só um pouquinho. Eu sigo alguns J-Rockers no Twitter, mas nada demais.

247

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