Dissertação (Versão Final - Krystal)
Dissertação (Versão Final - Krystal)
Dissertação (Versão Final - Krystal)
LEGENDAR E DISTRIBUIR:
O fandom de animes e as políticas de mediação fansubber nas redes digitais
Niterói - RJ
2013
KRYSTAL CORTEZ LUZ URBANO
LEGENDAR E DISTRIBUIR:
O fandom de animes e as políticas de mediação fansubber nas redes digitais
Niterói - RJ
2013
2
KRYSTAL CORTEZ LUZ URBANO
LEGENDAR E DISTRIBUIR:
O fandom de animes e as políticas de mediação fansubber nas redes digitais
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________________
Prof. Dr. Afonso de Albuquerque (Orientador)
UFF
__________________________________________________________________
Prof. Dra. Simone Maria Andrade Pereira de Sá
UFF
__________________________________________________________________
Prof. Dra. Adriana da Rosa Amaral
UNISINOS
Niterói, RJ
2013
3
À meu avô, Raimundo Luz, que sempre quis ter uma neta mestre.
Às minhas avós, Mãe Dedé e Hosana, que sempre me
incentivaram a realizar os meus sonhos.
4
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço aos meus queridos pais – Selda e Walderez – por me
apoiarem sempre em minhas escolhas e, principalmente, me incentivarem a realização das
minhas aspirações. Obrigada por sempre me lembrarem que tudo é possível, quando se tem um
grande ideal.
Aos professores Marco Roxo e Simone Sá que, desde o inicio, se fizeram presentes e
aos demais professores do programa que acreditaram em mim e no meu trabalho ou que me
fizeram acreditar ainda mais nele.
Aos queridos amigos da época da graduação - Rodrigo, Denis, Danielle, Karine, dentre
outros- incentivadores e motivadores durante toda a minha trajetória.
5
À toda a equipe do Série Clube e Asian Club – Melina, Mariana, Alessandra, Daniela,
Ana Caroline, Bruna, Beatriz, Pedro, Ana Laura, Priscila, Jéssica e João - por me ensinarem
como o trabalho colaborativo pode ser gratificante.
Aos demais colegas de turma e, em especial, à Ariane e Michelle que, mesmo não
dividindo a sala de aula, dividiram generosamente comigo seus conhecimentos e aspirações em
comum.
6
O ciberespaço, ou, mais exatamente, o “espaço-tempo
cibernético”, surgirá dessa constatação, cara aos homens de
imprensa: a informação só tem valor pela rapidez de sua difusão,
ou melhor, a velocidade é a própria informação!
7
RESUMO
8
ABSTRACT
This dissertation investigates the practices of fandom online anime giving particular focus
to the circuit indulged by fansubbers and his collaboration system which consists of
translation, subtitling and informal distribution of audiovisual products in eastern Asia,
usually anime – as the Japanese cartoons are known - in the universe of digital networks.
From ethnography with agents involved in the activity of translation and distribution of
these products, the paper analyzes how the active involvement of affective and Brazilian
fans of anime, related to the changes occurred in recent years in the social, cultural,
economic and technological allowed to set up a chain of intermediate discussion, (re)
production and consumption of anime in digital networks. Manually mediated by these
specialized and dedicated fans, who are not content with what is offered by the official
market, the Brazilian community fansubber is, above all, as a privileged locus of
movement of anime, but also acts as a social space of contestation and disagreements over
policies involving the circulation and distribution of this product in the country. In
particular, this research seeks to reflect on the active policies and plurals that guide the
collaborative activity of fansubbers and that, in turn, denounced by a dispute subcultural
capital to own these fans in their online communities.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 13
10
CONCLUSÃO ............................................................................................................................... 151
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................................... 155
GLOSSÁRIO ................................................................................................................................. 162
ANEXOS ....................................................................................................................................... 166
11
LISTA DE FIGURAS
12
Introdução
“A internet se tornou algo comum no cotidiano das pessoas, o que faz a pessoa
interessada em animes ir atrás de formas gratuitas de distribuição como no fansub, onde o
anime está completo na internet, isso porque na maioria dos casos de animes oficiais nunca
se consegue todos os episódios”. Essa fala, retirada de uma entrevista realizada para a
pesquisa que resultou na presente dissertação traduz bem a primeira inquietação que
motivou a realização deste trabalho: como as redes digitais passaram a constituir,
recentemente, o lócus privilegiado de trânsito e consumo dos desenhos animados japoneses
(os animes) entre as audiências globais? Seria esse processo, um reflexo natural da
importância cada vez mais crescente das chamadas novas mídias no cotidiano das práticas
dos consumidores culturais, como a fala de nosso informante deixa transparecer? Quem
são esses agentes que estão por trás da circulação não-licenciada e gratuita de animes que
ocorre a olhos nus na rede, como citado por nosso informante quando se referiu à palavra
fansub? Essas só são algumas das questões que, desdobradas, oferecem um panorama das
inquietações iniciais deste trabalho. Sobretudo, foram essas perguntas que levaram-nos a
querer investigar as práticas das comunidades de fãs de animes na rede e, em particular,
focarmos na mediação promovida por fãs especialistas que dedicam-se a traduzir, legendar
e distribuir, gratuitamente, conteúdo audiovisual japonês para outros fãs nas redes digitais
– os denominados fansubbers.
13
lançando mão das facilidades da internet e da comunicação P2P1, a atividade fansubber se
expandiu consideravelmente e ganhou novos contornos em termos de mediação e usos das
tecnologias. Atualmente existem muitos fansubs das mais variadas nacionalidades que
traduzem animes para diversas línguas, em inúmeras versões diferentes, sendo difícil
precisar, quantitativamente, o número de grupos em atuação na rede. Com efeito, os
últimos tempos mostraram como a comunidade fansubber passou de uma condição de
pouca visibilidade e impacto nos fluxos da cultura midiática na paisagem global para uma
posição privilegiada de base de mediação e distribuição (informal, gratuita e especializada)
das produções seriadas japonesas para os fãs de muitos países, como é o caso do Brasil,
que apresenta laços historicamente construídos estabelecidos com o Japão, sendo um país
onde a televisão, até certo período histórico, desempenhou função de extrema relevância
em termos de difusão da cultura anime para os públicos brasileiros.
1
Peer-to-Peer: Usuário a usuário.
14
articulam e se relacionam nesse novo espaço social? Quais são suas principais motivações
e interesses para realizarem tal prática? E ainda: de que maneira os diferentes pontos de
vista em relação à mediação encerrada pelos diversos fansubs em atuação na rede moldam
as dinâmicas dentro dessa comunidade? Tendo como base a comunidade fansubber
brasileira, são estas perguntas que o trabalho pretende responder.
Para cumprir a tarefa proposta na dissertação, optamos por realizar uma etnografia
que consistiu em três etapas que foram conduzidas simultaneamente: observação
participante, entrevistas abertas/on-line e preenchimento de questionário. Essencialmente,
a observação participante se deu através da internet em espaços como o MIRC, fóruns e
blogs enquanto que as entrevistas foram feitas, em sua maioria, via SKYPE e os
questionários enviados e recebidos através de correio eletrônico. Na medida possível,
acompanhamos em blogs e sites de opinião, voltados às discussões próprias do universo da
cultura pop japonesa, os diversos pontos de vistas dos demais fãs acerca da atividade de fã-
legendagem, de modo que pudéssemos perceber o status atual da prática no fandom de
animes. A partir do trajeto escolhido, tivemos um olhar mais amplo acerca do fenômeno
em questão, uma vez que a análise primou por abarcar as diversas vozes articuladas no
interior da comunidade fansubber. Foi a partir desse caminho escolhido que tomamos
2
Maneira formal de dizer sua casa, ou de, polidamente, chamar alguém de “você”. Teria sido usado como forma de
mostrar como os fanáticos por alguma coisa se distanciam das demais pessoas. No Brasil ganhou um sentido positivo, de
consumidor de animes e mangás. (BARRAL, 2000).
15
conhecimento que há uma idéia fortemente construída no fandom e na comunidade
fansubber sobre o modo como a prática da fã-legendagem deve ser conduzida pelos grupos
e que, por sua vez, denunciam uma disputa por capital subcultural (BOURDIEU, 1989,
2008; THORNTON, 1996; NAPIER, 2007) próprio aos fansubbers no fandom on-line de
animes. Sendo assim, o quadro teórico-metodológico desenvolvido para analisar o objeto
de estudo concentra-se em quatro partes, além desta introdução e da conclusão, que serão
brevemente descritas a partir de então.
16
tecnologias e políticas culturais de produção. De modo particular, buscamos pontuar que
algumas das práticas culturais promovidas no fandom de animes apontam para a
constituição de uma teia de relacionamentos, contradições e antagonismos que seriam
melhor analisadas se articuladas às disputas por hierarquia e capital subcultural ao invés de
somente relacionadas aos debates sobre cultura colaborativa ou inteligência coletiva
((JENKINS, 2009; LÉVY, 1999a, 1999b) como sugerem estudos do campo.
17
fundamentais, para a geração de uma comunidade rica em disputas por status, legitimidade
e capital subcultural (THORNTON, 1996; NAPIER, 2007).
18
CAPÍTULO I
19
disjuntivos fundamentais para entender as dinâmicas globais de transformação e
reprodução cultural, também pode ser considerado uma das peças chaves para desvendar
os movimentos do imaginário gerado pelas imagens midiáticas. Consideramos que mais do
que mera posse dos recursos eletrônicos para produzir e divulgar informações, as imagens
que emergem das mídias são hoje essenciais para a produção de “mundos imaginados” e,
por conseguinte, de “comunidades de sentimentos” (APPADURAI, 1990)
desterritorializadas ao redor do globo, à medida que ganham cada vez mais relevância
sobre a realidade concreta, moldando assim as práticas das audiências de produtos
midiáticos. Num segundo momento, também propomos investigar a evolução da indústria
dos desenhos animados japoneses e o seu lugar na paisagem midiática global, levando em
conta que se trata de um mercado bastante peculiar, mas que nos últimos anos elevou o
Japão ao status de potência cultural global. Além de um produto midiático de relevo entre
os bens culturais que compõem do soft power japonês, os animes despontaram no campo
midiático mundial como uma espécie de alternativa à fábrica de sonhos da cultura popular
americana. Por fim, é preciso também considerar que apesar do anime ter tido um
crescente reconhecimento global nos últimos anos, sua distribuição no exterior ainda não
se encontra totalmente globalizada. Com base nesse olhar, o capítulo se encerra trazendo o
panorama particular dos trânsitos dos animes no Brasil, constituído principalmente pela
mídia televisiva, as empresas de home-vídeo e pelo circuito (on-line e off-line) dos fãs
brasileiros dos produtos de mídia asiática. Tal percurso pode nos permitir entrever a
dinâmica pela qual opera a indústria dos animes e os reflexos de suas operações na
constituição de novas práticas de consumo, circulação e experiência com esse produto de
mídia entres os fãs, no contexto brasileiro.
20
Appadurai (1996), para quem a globalização inaugura uma nova ordem e de nova
intensidade. A respeito da novidade, o autor discute amplamente sobre o que denomina
“economia cultural globalizada” que representa o processo pelo qual encontros e trânsitos
culturais ocorrem num mundo em contato intensificado 3 . O antropólogo enfatiza que a
ascensão de uma “nova economia global”, um fenômeno exclusivo da intensificação e
contato entre as pessoas e imagens de mundo, deve também ser visualizada “como uma
complexa, sobreposta, disjuntiva ordem que não pode mais ser entendida em termos dos
modelos centro-periferia existentes” (APPADURAI, 1996, p. 50). Trata-se, pois, de
observar a complexidade dessa nova ordem que, antes de tudo, apresenta desalinhamentos
e profundas irregularidades tendo seus devidos reflexos nos processos e trânsitos culturais
que ocorrem nesse novo ambiente.
Ao buscar compreender a complexidade da nova economia global, Appadurai
(1996) vai sugerir um método de análise que tem como figura central a metáfora
explicativa de landscape (paisagem). Tal modelo baseia-se na pressuposição principal de
uma disjunção - ou seja, desencontro, desalinhamento – entre os âmbitos político,
econômico e cultural – que tem seus reflexos devidamente sentidos no comportamento dos
fluxos culturais (APPADURAI, 1996, p. 50). Com base nessa idéia central, o autor propõe
a existência de cinco dimensões que caracterizariam o trânsito da cultura em uma escala
global: ethnoscapes (paisagens étnicas e populacionais), mediascapes (paisagens
midiáticas), technoscapes (paisagens tecnológicas), financescapes (paisagens do capital e
das finanças) e ideoscapes (paisagens ideológicas). Para Appadurai (1996) é importante
perceber que cada uma destas paisagens tem influência sobre as outras e é capaz de alterar
os movimentos dos fluxos; no entanto, "os fluxos são disjuntivos porque (...) cada uma
dessas paisagens está sujeita às suas próprias restrições e incentivos”. (APPADURAI, 1996,
p. 35). Aproximando-se bastante das idéias de Deleuze e Guattari (1995) em sua definição
de "platôs” 4 – estratos independentes e, ao mesmo tempo, inter-relacionados - as scapes
propostas por Appadurai apresentam um circuito em constante movimento e dialogismo,
3
Primeiramente, o estudo de Appadurai (1996) observa, apropriadamente, as diferenças nas dimensões espaço-tempo
entre os fluxos culturais atuais e de épocas anteriores, ou seja, antes do advento dos meios eletrônicos e elétricos. Essa
realidade vai se alterar com o surgimento dos engenhos elétricos e eletrônicos (MCLUHAN, 1962; 1964), que
promoveram as condições de possibilidades para que as negociações culturais se intensificassem: “Com o advento do
navio a vapor, o automóvel, o avião, a câmera, o computador e o telefone, nós entramos todos juntos em uma nova
condição de vizinhança mesmo com aqueles mais distantes de nós” (APPADURAI, 1996, p. 29).
4
“Um platô está sempre no meio, nem início nem fim. Um rizoma é feito de platôs. (…) Chamamos 'platô' toda
multiplicidade conectável com outras hastes subterrâneas superficiais de maneira a formar e estender um rizoma”
(DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 33).
21
ao mesmo tempo em que cada dimensão possui independência, suas próprias dinâmicas e
disjunções particulares.
Nessa dissertação, assim como no trabalho de Appadurai, ganha relevância as
chamadas paisagens midiáticas ou mediascapes que consistem “na distribuição dos
recursos eletrônicos para produzir e divulgar informação” e também englobam “'as
imagens do mundo produzidas por essas mídias” (APPADURAI, 1996, p. 53). A
capacidade desses elementos inerentes às mediascapes – distribuição e detenção de
recursos eletrônico-tecnológicos - nos fornecem algumas pistas sobre o modelo tradicional
atualmente em voga nas atividades das indústrias culturais globais. Nota-se que as
indústrias culturais, operando cada vez mais sob o paradigma global adquirem cada vez
mais importância à medida que possuem a complexa função de facilitar a circulação da
produção cultural em nível mundial. Por isso, nesse cenário disjuntivo cada vez mais
tensionado pelas irregularidades, restrições e incentivos da mediascape (e das demais
scapes), as atividades das indústrias culturais que, hoje atuam em escala global, enfrentam
desafios concernentes tanto das disjunções que são próprias da sua atividade, quanto às
tensões geradas pelo acesso cada vez maior do indivíduo comum aos meios de reprodução
e compartilhamento de bens culturais, como se verá no ao longo do trabalho.
Recordando o pensamento de Walter Benjamin (1992), para quem a reprodução por
meios mecânicos surge como um pré-requisito essencial para o nascimento das indústrias
culturais chega-se à questão fundamental na qual se baseia a discussão da presente
pesquisa: artistas e criadores de bens culturais precisam de distribuidores para divulgar
suas obras e a mediação desses textos é essencial para distribuição em massa e/ou em nível
global. Objetivamente, pontuamos que isso “requer incentivos financeiros, que se
materializam principalmente na concessão de direitos exclusivos para reproduzir e
distribuir as obras no mercado e também para fazer os investimentos necessários para sua
divulgação” (LEE, 2011, p. 1134). Se tratando de conteúdos midiáticos estrangeiros, outros
aspectos como competências lingüísticas, culturais e tecnológicas são requeridas dos
profissionais que atuam na mediação desses conteúdos de mídia em seus mercados locais.
Ainda soma-se a isso, que a posse e circulação da produção midiática no mercado global é
condicionada a inúmeras exigências, que na visão de Renato Ortiz (2000) materializam-se
no “controle das casas de edição, companhias de televisão, produtoras de filmes,
monopólios de mercados estrangeiros por meio de redes de distribuição”. Nesse jogo,
incorporações, fusões e investimentos entre indústrias são ações desejáveis, pois, até certo
22
ponto, permitem a esses agentes “controlar os rumos dos fluxos dos bens culturais de
acordo com seus interesses” (ORTIZ, 2000, p. 163-164).
Assim, nesse modelo de negócio que envolve produção cultural e viabilização
comercial, naturalmente sobressaem-se as atividades dos agentes distribuidores, isto é,
empresas de mídia (locais ou transnacionais) que desempenham o importante papel de
alargar a acessibilidade dos públicos consumidores (locais e/ou globais) a esses textos
midiáticos. No entanto, com o acesso e popularização das tecnologias da comunicação
associada às práticas de consumo e mediação cultural por parte dos próprios públicos, cada
vez mais as indústrias midiáticas vêm sendo submetidas às tensões geradas pela
manipulação informal de textos de mídia encerradas pelas audiências estrangeiras dessas
produções.
Retomamos o raciocínio de Appadurai, para quem o aspecto mais importante das
mediascapes se materializa “especialmente sob a sua forma de televisão, cinema e cassete
de vastos e complexos repertórios de imagens” (APPADURAI, 1996, p. 53). O
“imaginário” que dessas imagens emerge é parte importante do trajeto rumo à
compreensão dos fluxos dos produtos midiáticos no cenário transnacional. Seguindo uma
perspectiva que tem sua origem no pensamento das ciências sociais, particularmente nas
idéias de Benedict Anderson (1989) quanto ao papel do capitalismo impresso na
constituição de “comunidades imaginadas”, Appadurai salienta que o imaginário gerado
pelas imagens dos meios de comunicação eletrônicos gera, por sua vez, o estabelecimento
de “mundos imaginados”, que seriam:
[...] os múltiplos universos que são constituídos por imaginações historicamente situadas de
pessoas e grupos espalhados pelo globo. Um facto importante no mundo em que hoje vivemos é
que em todo o globo muitas pessoas vivem nesses mundos imaginados (e não apenas em
comunidades imaginadas), sendo, portanto capazes de contestar e por vezes até de subverter os
mundos imaginados na mente oficial e na mentalidade empresarial que as rodeia. (APPADURAI,
1996, p. 51)
23
ação) coletiva, e elas vêm ganhando cada vez mais importância na determinação dos fluxos
globais da cultura no cenário contemporâneo. Aproximando-se do pensamento de Marshall
McLuhan (1972) acerca do imaginário gerado pelas imagens eletrônicas e suas afecções
nos processos sensórios e cognitivos humanos, os dois autores confluem no esforço de
pensar o papel do imaginário e seus reflexos nas dinâmicas culturais contemporâneas no
contexto de um mundo globalizado, onde a comunicação eletrônica de massa assume
importância estratégica. Sobretudo, Appadurai (1996) destaca a intensidade dos efeitos da
recepção coletiva desses “mundos imaginados” que atravessam os meios de comunicação
eletrônicos:
24
falar sobre "aldeia global", nós precisamos nos lembrar que a mídia cria comunidades 'sem
senso de lugar'” (APPADURAI, 1996, p. 45). Inevitavelmente, deve-se pontuar que no
sentido que aqui adotamos, trata-se da criação de “mundos imaginados”, cujas formações
identitárias procedem junto às afinidades com os textos culturais veiculados nas mídias,
permitindo um senso de comunidade, a qual não necessita de interação face a face.
No bojo desse pensamento, recorremos também ao pensamento de Ortiz (2000, p.
68) que observa oportunamente que as relações nessa nova configuração social sobre a
qual Appadurai (1996) também se refere “deixam de ser percebidas como sendo ‘inter’
(nacionais, culturais ou civilizatórias) passando à posição de ‘intra’, isto é, estruturais ao
movimento da globalização”. Ao tomar o Japão como instrumento - “objeto sociológico” -
para captar os contornos do processo de mundialização5 da cultura, o autor produz uma
crítica consistente aos estudos acadêmicos do campo da “Japanologia” 6, sobretudo no que
se refere à prevalência de certas oposições como os limites “dentro/fora”,
“centro/periferia”, “nós/outros”, “oriente/ocidente”, categorias que, na visão de Ortiz
(2000) são insuficientes para o entendimento dessa nova configuração social7. Conforme
propõe Ortiz (2000), a própria idéia de uma “nação” japonesa só se consolida no decorrer
da Revolução Meiji (1868-1912), período no qual a ordem tradicional se desorganiza,
dando lugar ao surgimento de novos arranjos sociais. Mesmo aqueles que buscam as
origens de uma identidade japonesa no período Edo (1603-1867) reconhecem que o pleno
desenvolvimento de uma noção de cultura nacional se dá somente durante a transição para
o período Meiji (1868-1912) (ODA, 2011, p. 104). O movimento de integração
desencadeado pela Revolução Meiji rearticulou os elementos da sociedade japonesa dentro
de uma nova totalidade (nação), promovendo uma mudança significativa que eliminou boa
parte dos mecanismos e arranjos sociais do Japão “compartimentado” da era Tokugawa
5
Ortiz utiliza o termo “mundialização” ao tratar “da problemática cultural, reservando a idéia de “globalização” para a
compreensão das esferas econômicas e tecnológicas” (2000, P. 11), buscando assim escapar da idéia de cultura como
subordinada às demais instâncias sociais. Neste trabalho, preferimos adotar o termo “globalização cultural” à luz das
idéias de Appadurai (1996) por entendermos que o termo designa melhor e agrega as diferentes forças que regem os
fluxos culturais na contemporaneidade.
6
[...] a japanologia, domínio que congrega os especialistas em estudos japoneses. Como em outras instancias acadêmicas,
eles subdividem em grupos, publicam revistas, propõem considerações. Há, no entanto, algo de insólito nisso tudo.
Tomando-se uma unidade geográfica como base para o reagrupamento de propostas diversas, o ordenamento do
conhecimento se faz levando-se em conta não o pertencimento disciplinar, mas o interesse manifesto por uma região do
globo (ORTIZ, 2000, p. 30).
7
Embora apresente uma longa e extensa crítica, Ortiz visualiza um avanço no campo da japonologia a partir da década de
1980. De acordo com o autor, esses novos estudos abrem perspectivas para compreender a complexidade e diversidade
do Japão moderno.
25
(1603-1867) 8. Por isso, Ortiz (2000, p. 34) critica certas abordagens “idílicas em que a
harmonia, a ordem e a consciência nacional prevaleceriam como elementos centrais da
explicação sociológica” quando entende a nação japonesa, primeiramente como “novidade
histórica” e, conseqüentemente, enquanto expressão da modernidade, já que “representa a
totalidade que integra os indivíduos, grupos e classes sociais no seio de uma mesma
‘comunidade’” (ORTIZ, 2000, p. 47).
Se configurando também numa “reinterpretação” do passado, a construção da nação
japonesa pode ser visualizada como uma restauração de certos valores considerados
essencialmente japoneses, o que nos remete à velha ideologia kokugaku (Escola do
Aprendizado Nacional) que, para Ortiz (2000) desempenha um papel crucial frente ao ideal
de unidade nacional que a era Meiji trouxe consigo:
8
É nesse contexto que Ortiz (2000) recorre às teses de Gellner para compreender o caso do Japão. Sendo a nação um tipo
inteiramente “novo” de organização social (GELLNER apud ORTIZ, 2000, p. 47), se faz importante sublinhar
brevemente os traços constituintes do Japão anterior à sociedade Meiji. Num primeiro plano, temos a esfera política
como exemplo desse modelo, já que cada daimyo (senhor feudal) possuía um domínio territorial que denotava uma
relativa autonomia. Por outro lado, localiza-se também o bakufu (governo militar), que juntamente com o daimyo,
representavam a organização política desse período, denotando um equilíbrio de forças no exercício do poder.
Cabe ressaltar que a ordem social era mantida por meio de uma rígida hierarquia; os samurais, camponeses, artesões e
mercadores representavam “mundos específicos” e como tal, respondiam a papéis e tarefas apropriadas ao status que
possuíam; as vestimentas, os costumes e grupos estritamente delimitados revelavam uma sociedade tradicional composta
por “mundos” particulares composto por elementos heterogêneos e contraditórios. Por isso, Ortiz (2000) salienta que
idéia de compartimentalização não anularia o conjunto de contradições do Japão da era Tokugawa, pois longe de ser um
exemplo de centralização, o Japão se configurava numa sociedade hierarquizada e heterogênea com influências de fora,
ao contrário do que poderia se supor. No entanto, os variados grupos que compunham a sociedade se encerravam nas
especificidades de seus costumes e crenças.
É só a revolução industrial que irá, segundo Gellner, romper o limite desses “mundos”, pois a “complexidade da divisão
de trabalho exige que os indivíduos circulem constantemente, deixando pouca margem para a existência de espaços
fechados” e, por isso a mobilidade torna-se um fator determinante: a tônica que passar a reger a nação japonesa
emergente no período Meiji (ORTIZ, 2000, p.47).
26
simplesmente resgatar o passado, mas para justificar uma serie de inovações e mudanças
(ORTIZ, 2000; ODA, 2011). Por isso que Robert Smith (apud ORTIZ, 2000, p. 50)
sublinha que com a era Meiji funda-se outra tradição, que se apresenta de maneira bastante
contundente na invenção do mito do imperador, “união harmônica da diversidade japonesa
[...] certamente uma linguagem ideológica com funções precisas: legitimar o novo poder
em escala ampliada. Legitimação que oculta as diferenças e os interesses de classe”
(ORTIZ, 2000, p. 53). Entretanto, cabe ressaltar que,
Todo mito de fundação possui um centro, espaço nodal a partir do qual se difunde a narrativa
mítica. Sua centralidade “instala” um território, reiterando seu valor cosmogônico. Núcleo que
delimita um espaço simbólico, lugar de identidade e de pertencimento. O mito da memória
nacional arquitetonicamente projeta uma “planta”, explora um “partido”, seu centro confere
sentido às ações coletivas [...] Como o ato mnemônico passa pelo Estado-nação, este torna-se o
princípio ordenador da vida social. Sua centralidade é o eixo de compreensão do mundo, sua
fronteira atribui identidade aos grupos, classes sociais e indivíduos, circunscrevendo-os à sua
pertinência política, econômica e cultural (ORTIZ, 2000, p. 53).
27
dinamismo do tempo presente passa a redefinir certas tradições, torna-se cada vez mais
importante compreender como as produções culturais do Japão contemporâneo são
veículos das políticas e ideologias de desenvolvimento nacional, isto é, “Made in Japan
torna-se matéria de orgulho e afirmação nacional” (idem, p. 161). O autor ainda considera
que “o mundo contemporâneo vem tornando-se, atualmente, descentrado” (ORTIZ, 2000,
p. 68), composto por um conjunto e/ou fluxo articulado de relações e formações sociais
que, devido à natureza desses novos arranjos, tornam-se planetárias. De modo particular, a
análise de Ortiz propõe visualizar o Japão, os japoneses, assim como sua cultura como
parte de um “nós” – complexo e contraditório, mas, sobretudo, fornece um retrato singular
do país como pano de fundo para entender os movimentos da mundialização da cultura. É
no bojo da idéia de “tradição da modernidade” que ancoramos nosso olhar acerca da
produção midiática nipônica na contemporaneidade.
Dito isto, enquanto Ortiz (2000) e também Zygmunt Bauman (1998, p. 59)
observam a globalização sob o prisma acentuado do “descentramento do mundo”, que se
caracteriza, principalmente, pela diversificação dos centros de poder/dominação, bem
como de produção de imagens e fluxos simbólicos, Appadurai (1996, p. 31) vai identificar
na tese bastante difundida sobre “homogeneização cultural e heterogeneização cultural” o
cerne dos problemas que concernem à interação global, uma vez que considera tal visão
dicotômica como fundamental para entender os traços constituintes (e disjuntivos) dessa
nova ordem global. Segundo o antropólogo,
28
sim, uma contradição complexa que encaminha para continuidade e mudança
(STRAUBHAAR, 2007, p. 6). Com efeito, o projeto de cultura global se caracteriza na
tensão entre essas duas tendências conflitantes: as “tendências homogeneizantes e as
tendências particularizantes”. Neste sentido, as relevantes considerações de Boaventura de
Souza Santos (2002) acerca da globalização, bem como a crítica que o autor dirige às
abordagens monolíticas em torno desse fenômeno complexo podem auxiliar nossa
reflexão:
Acresce que a globalização das últimas três décadas, em vez de se encaixar no padrão
moderno ocidental de globalização − globalização como homogeneização e
uniformização − sustentado tanto por Leibniz, como por Marx, tanto pelas teorias da
modernização, como pelas teorias do desenvolvimento dependente, parece combinar a
universalização e a eliminação das fronteiras nacionais, por um lado, o particularismo,
a diversidade local, a identidade étnica e o regresso ao comunitarismo, por outro
(SANTOS, 2002, p. 14).
29
conhecidos no panorama global dos fluxos dos produtos de mídia. Em outros termos,
pontuamos que além da grande indústria do audiovisual norte-americana identificam-se
significativos pólos de produção midiática e de “mundos imaginados” plurais que
evidenciam as disjunções e irregularidades internas constituintes da mediascape global.
Antes de tudo, é preciso lembrar que:
9
O termo Cool Japan tem origem na matéria jornalística Japan’s Gross National Cool, escrita em 2002, pelo jornalista
norte-americano Douglas McGray para a revista Foreign Policy. Nela, McGray traçava um breve panorama da intensa
presença no cenário internacional dos expoentes do Japão descolado e pós-moderno, representado principalmente pela
moda, música j-pop, animes, mangás, games e séries audiovisuais, produtos que são exportados para o mundo inteiro ao
lado de uma faceta mais tradicional do país, representada pelos quimonos, pelo sumô e culinária, entre outras expressões
culturais mais antigas. Disponível em: http://homes.chass.utoronto.ca/~ikalmar/illustex/japfpmcgray.htm
30
mercado mundial. Incentivos e iniciativas do governo japonês tendo em vista ampliar as
exportações dos produtos culturais que compõem seu soft power10 (poder brando) ilustram
a importância que a produção cultural atingiu nesse país, tornando-se matéria de orgulho e
afirmação nacional. Em termos de incentivo, a pesquisadora Anne Cooper-Chen (2012)
comenta que no ano de 2004, o parlamento do Japão aprovou uma lei para promover os
desenhos animados japoneses – os animes – e também videogames em países do exterior.
Em 2008, o Ministério das Relações Exteriores nomeou o gato-robô Doraemon, como
embaixador cultural do Japão. No ano seguinte, o mesmo ministério nomeia três jovens
como embaixadoras do estilo kawaii – que, em outras palavras, significa “fofo” - cujo
apelo derivativo está na conexão particular de tal estilo com os personagens das histórias
em quadrinhos japoneses – os mangás – e dos desenhos animados japoneses – os animes
(COOPER-CHEN, 2012, p. 45). Não obstante, em discurso proferido em 2009, o ex-
primeiro-ministro Taro Aso (fã da arte seqüencial e dos desenhos animados japoneses) ao
abordar sobre a política diplomática do Japão enfatizou que há vários tipos de soft power
dos quais o país desfruta para se relacionar com o restante do mundo:
O Japão ostenta uma gama ampla e variada de soft power que inclui a ética do trabalho japonês,
graças à qual este país foi capaz de se recuperar das ruínas da derrota na guerra para se tornar
uma superpotência econômica, como o estilo de trabalho japonês de sempre cumprir prazos de
entrega e técnicas de excelência na fabricação de produtos de valor.
[...] O idioma japonês também é uma forma de soft power. Números cada vez maiores de
pessoas em todo o mundo passaram a interessar-se pelo aprendizado do idioma japonês, dentro
de um contexto de interesse pelo Cool Japan. Há até mesmo jovens que começaram a estudar
japonês para serem capazes de ler os "walkthroughs" dos jogos de computadores, que mostram
formas para aumentar suas chances de vencer11.
10
Entendo por soft power uma ferramenta diplomática bastante eficiente de introduzir aspectos da cultura japonesa para
não japoneses: “’Soft power’ é tão valioso como ‘hard power’ para melhorar a imagem do Japão, porque reflete
‘sensibilidades e modo de pensar japoneses.’”(MACWILLIAMS, 2008 p.15).
11
A Diplomacia do Japão: Garantindo Segurança e Prosperidade . Discurso proferido no dia 30 de junho de 2009.
Disponível em http://www.mz.emb-japan.go.jp/Garantindo%20a%20Seguranca.pdf
31
continentes mais distantes. Os animes se configuram num dos itens da indústria cultural
japonesa mais exportados do Japão para o mercado global. Só num período de dez anos -
entre 1993 e 2003 - as exportações culturais japonesas triplicaram em 12,5 bilhões de
dólares, tendo como carro-chefe, a indústria da animação:
Para alguns autores, como Iwabuchi (2004) a indústria dos animes representa todo
um mercado de bens culturais que vem, nos últimos tempos, elevando o Japão ao status de
potência cultural global, um novo centro da globalização cultural. Em perspectiva
semelhante, McWillians (2008, p. 13) vai falar em japanimation, “força transnacional
dominante econômica e cultural, uma parte maior do fluxo global da cultura popular
japonesa” que se faz aparente nas imagens dos sushis, sashimis, bares de karaokê, como
também nas redes de TV a cabo. Já para Susan Napier (2007, p. 5) a disseminação das
artes da animação japonesa mostra-nos que "o mundo não é quase tão homogêneo como se
poderia temer”. A autora visualiza na indústria dos animes uma espécie de alternativa à
fábrica de sonhos da cultura popular americana.
No entanto, o reconhecimento recentemente adquirido pelo Japão no mercado
mundial, a partir das atividades de exportação dos produtos de sua cultura popular é
relativamente novo. Para os próprios japoneses, por exemplo, até pouco tempo atrás sua
cultura era tradicionalmente vista como bastante específica. Convém também relembrar
que há uma idéia bastante difundida que sugere que boa parte dos produtos da cultura pop
japonesa (tais como os mangás, os animes e a sua música) foram pensados para
distribuição e consumo no mercado doméstico do Japão, já que seus enredos possuem
valores compartilhados e aspectos voltados especificamente para os japoneses e sua
cultura" (BOUISSOU, 2006; GRAVETT, 2006). Acresce a isso, a existência de um grande
número de consumidores nativos no Japão utilizando uma única língua, o que corresponde
12
“Animation accounted for 90% of all Japanese TV exports for fiscal 2008, according to the Internal Affairs and
Communications Ministry (Suzuki, 2009). Leading studios such as Toei earn up to 35% of their annual revenue from
foreign markets. In the United States alone, for example, anime and related businesses (such as box-office revenue and
licensing of character goods) generate $4 billion annually” (Tradução nossa, 2012).
32
num fator de relevo no que concerne à prosperidade, sustentabilidade e independência da
indústria dos animes (LEE, 2011, p. 1134).
FIGURA 01
EMBAIXADORES DA CULTURA POP JAPONESA
(FONTE: Internet)
33
Nessa seção, mais do que discutir essas perspectivas e tendências, propomo-nos a
examinar o lugar dos animes no mercado global. Trata-se, pois, de compreender as
configurações de um mercado, que até a década de 1970, mais importava conteúdo
midiático de outros países, do que exportava seus próprios textos (ITO, 1990). Não
obstante, trata-se também de explorar brevemente a evolução dos animes, dando ênfase às
características e influências que deram forma ao produto-símbolo da tendência Cool Japan.
E, por fim, trata-se também de compreender os caminhos do imaginário gerado pelas
imagens dos animes e as representações que nela se apresentam. Mais do que tradição ou
cultura milenar, os motivos pelo qual os animes atingem importância estratégica nos
negócios da indústria midiática japonesa também está na chave-explicativa do
entretenimento, atividade ligada aos movimentos da globalização cultural.
O termo anime/animê (escrito no sistema japonês de sílabas e pronunciado “ah
nee may”) é uma abreviação da palavra japonesa (anime ¯ shon) e, que por sua vez,
consiste numa corruptela de animation (animação), do inglês, falada pelos japoneses como
animeeshon (SATO, 2007, p.31). Embora no Japão, a grafia de mangá e anime não sejam
graficamente acentuadas, no português ressalta-se o acento oralmente. Sobretudo, utiliza-se
o acento para mangá para não ser pronunciado como manga (fruta, ou manga de camisa)
e animê para não ser confundido com anime (do verbo animar), isto é, a acentuação é
utilizada para lembrar a forma correta da pronúncia (LUYTEN, 2005). As origens dos
animes se localizam na longa tradição dos quadrinhos japoneses – ou mangás - que vai se
modernizar no período pós-guerra sob o pioneirismo de Osamu Tezuka (1928-1989). Esse
mangaká 13 , inspirado fortemente no tradicional teatro Takarazuka 14 , mas também nos
filmes da Disney e nas comédias de Charlie Chaplin, vai mostrar sua percepção singular do
mundo na sua primeira produção em quadrinhos, de 1947: Shin Takarajima (A nova ilha
do tesouro) 15 . Segundo Gravett (2006) esse primeiro título é marcado fortemente pela
influência dos filmes e desenhos animados ocidentais, tendência que seguiria as demais
produções desse artista ao longo de sua carreira, no mercado editorial e da animação
comercial. Ainda quando se dedicava exclusivamente aos mangás (quadrinhos japoneses),
13
Termo utilizado para nomear o desenhista de mangás.
14
Teatro de revista criado em 1913 por Ichizo Kobayashi, na cidade homônima localizada na província de Hyogo.
Consiste em encenar musicais, com adaptações de obras tanto japonesas quanto ocidentais. Uma de suas peculiaridades é
o elenco totalmente feminino.
15
Segundo a pesquisadora Cristiane Sato (2005, p. 33) esse primeiro título de Osamu Tezuka se tornou um dos grandes
sucessos editoriais da época, alcançando a marca de relevo de 500 mil cópias vendidas.
34
o mesmo Tezuka convencionou através de seus trabalhos as características mais latentes
dos animes, isto é, o uso da linguagem narrativa cinematográfica bem como a estética e a
serialização (GRAVETT, 2006). Essas convenções sedimentadas nos mangás de Tezuka
formaram os moldes pelos quais os animes se caracterizam atualmente. A divisão das
histórias em vários capítulos (do mesmo modo que as nossas telenovelas) bem como quase
todas as características lingüísticas, temáticas e estéticas desenvolvidas para o mangá
foram posteriormente incorporadas aos animes. Devido a isso, “seu sucesso nacional e
internacional estabeleceu o relacionamento quase simbiótico entre mangá e anime que tem
sustentado as duas indústrias desde então” (GRAVETT, 2006, p. 34). Algumas das
características marcantes nas obras de Tezuka são comentadas brevemente por Cooper-
Chen (2012):
Peça um espectador atual para descrever os traços mais notáveis dos desenhos japoneses, e eles
podem mencionar cores de cabelo não-asiaticos (que podem variar de um visual ocidental loiro
até mesmo roxo, verde ou azul) e o estilo big-eye. No anime as emoções são expostas nos olhos,
de forma tremula e brilhante. Osamu Tezuka, que protagonizou o estilo, teve sua inspiração nos
desenhos dos anos 1950 como Betty Boop, Gato Félix e criações da Disney. O estilo big-eye
“tornou-se uma convenção e é tipicamente usado para dar ao personagem uma característica
atrativa, doce, adorável. Personagens com olhos pequenos ou orientais tendem a ser menos
simpáticos” (COOPER-CHEN, 2012, p. 45-46)16.
16
“Ask a new viewer to describe noticeable features of Japan’s cartoon creations, and he or she may well mention non-
Asian hair colors (which can range from Western looking blondes to purple, green or blue) and the big-eye style. In
anime, emotion shows in the eyes in the form of tingling, scintillating sparkles. Osamu Tezuka, who started the style,
took his inspiration from 1950s cartoon characters Betty Boop, Felix the Cat and Disney creations. The big-eye style ‘has
become a convention and is typically used to give a character a cute, appealing quality. Characters with small or oriental-
looking eyes tend to be less sympathetic’” (Tradução nossa).
17
“Em 1962, foi exibido Manga Calendar, a primeira série de anime na TV japonesa, produzida pela Otogi Production.
Porém, foram poucos os capítulos produzidos, e sua exibição foi irregular, o que deixou caminho aberto para Tezuka
entrar em ação” (FARIA, 2008, p. 06).
35
criadas ao longo dos anos, incluindo uma adaptação americana em longa-metragem
animado para os cinemas que teve seu lançamento em 2009.
Ainda nota-se que Tezuka teve grande visibilidade e reconhecimento, sobretudo,
em histórias ambientadas em cenários futuristas próprias ao gênero sci-fi. Antes de criar o
Robô Astro, Tezuka já havia dado origem a clássicos que se consagraram entre os fãs de
ficção científica do mundo todo, como Metrópolis (1949)18. Entendemos que a trajetória de
Osamu Tezuka e suas produções pioneiras contribuíram para o sucesso que alcançaria o
anime enquanto gênero, ampliando os caminhos para o surgimento de novos nomes e para
o acesso a esse bem cultural junto ao público de outros países nos anos que se passaram
desde a primeira exibição de Astro Boy na TV japonesa. Assim, na década posterior a
estréia de Tezuka no mercado televisivo, ou seja, nos anos 1970, os animes se consolidam
no ramo da indústria de entretenimento japonesa, através da televisão e do cinema, como
observa Napier (2007):
No final dos anos setenta, o anime foi uma importante tendência nos cinemas, embora os filmes
geralmente fossem ligados a longas séries de TV. Um exemplo é o clássico Space Battleship
Yamato (Uchu Senkan Yamato, 1973), um filme baseado numa série de televisão do mesmo
nome. A série foi tão popular que inspirou longas filas fora dos cinemas no dia anterior ao filme.
Desde o início de 1980 o mercado de OVAs não só aumentou as vendas locais, mas também
ajudou a aumentar as vendas no exterior prodigiosamente (NAPIER, 2007, p. 18)19.
36
Quem não ouviu falar nos Pokémons ou em Godzilla? Gostando ou não, são personagens que
marcaram a vida de mais de uma geração dentro e fora do Japão. Os mais velhos viram Godzilla
e acabam conhecendo os Pokémons através dos filhos. Nas últimas décadas, os heróis vindos do
Japão se rivalizam em popularidade com os Walt Disney, Hanna Barbera ou Marvel. É um ramo
da indústria de entretenimento genericamente conhecido como japop, ou cultura pop japonesa
(SAKURAI, 2007, p. 342).
37
que filmes e lançadas diretamente para o mercado de home-vídeo. E, finalmente, alguns
títulos em longa-metragem com maior qualidade visual são produzidos, principalmente
para a exportação nos mercados estrangeiros. Geralmente, são produções consideradas de
“cunho artístico” e de custo elevado. Essas animações se materializam no trabalho de
diretores reconhecidos no âmbito do cinema de animação, como Hayao Miyazaki e
Katsuhiro Otomo.
Munida dessas impressões, julgamos imprenscindível nesse momento retomar a
uma questão fundamental encontrada na obra de Ortiz (2000): o par tradição-modernidade.
Isso porque acreditamos que a “imagem e o imaginário” que permeia os produtos
japoneses será fundamental para a compreensão do circuito dos fãs brasileiros na reflexão
que segue ao final do capítulo. No momento, nos interessa o pensamento de Ortiz (2000)
que ao argumentar sobre o caso particular dos produtos culturais japoneses sustenta que
mais do que tradição ou cultura milenar, os motivos pelo quais atingem importância
estratégica nos negócios da indústria midiática japonesa está na chave-explicativa do
entretenimento (ORTIZ, 2000, p. 173). Aqui, cabem algumas considerações do autor a
respeito das transformações ocorridas no contexto da modernidade-mundo e seus reflexos
na cultura mundializada:
Não é o budismo, nem o confucionismo, nem o artesanato ‘milenar’ que aproximam as pessoas,
mas o consumo de objetos e bens simbólicos: televisores, telefones celulares, automóveis,
programas de TV, gêneros musicais. Fruto da modernidade, esses artefatos deslocam as culturas
tradicionais, unificando os gostos num mercado transnacional. Assim, a expansão de bens
culturais revela muito mais o processo de mundialização da cultura do que suas qualidades
intrinsecamente nacionais. Como observam alguns autores: ‘Os softwares de jogos japoneses,
manga e desenhos animados estão dominando o mundo e nada tem de japonidade, coisa de
Samurai e de gueixas que usualmente eram a base das exportações culturais. Entretenimento.
Essa é a chave explicativa. Madonna não é norte-americana, na medida em que Doraemon já
não é mais japonês. Encontramo-nos diante de uma cultura internacional-popular que transcende
suas origens autóctones. Não é necessário postular a existência de uma ‘psique’ asiática para
explicar a circulação dos produtos japoneses. É justamente sua ausência que nos permite
compreender o que está ocorrendo (ORTIZ, 2000, p. 173).
38
ressaltar os movimentos dessa indústria que cada vez mais vem operando no sentido de
fortalecer o apelo global do anime e também elevar seus lucros:
Conforme visto, a indústria dos animes vem operando cada vez mais no sentido de
globalizar suas produções e ampliar assim suas operações. Entretanto, apesar da grande
popularização dos animes e da demanda crescente desse produto na programação infantil
do mercado televisivo mundial (ONO, 1996), esse trabalho irá argumentar que o gênero
não se encontra totalmente globalizado (IWABUCHI, 2002; LEE, 2011; LEONARD,
2005). Mesmo diante de uma ampla difusão das animações nipônicas materializadas na
exportação de séries de TV de sucesso no mundo todo como Astro Boy, Pokémon, Dragon
Ball e Naruto e dos clássicos filmes de animação de Hayo Miyazaki (Viagem de Chihiro,
Meu vizinho Totoro) e Katsuhiro Otomo (Akira, Metrópolis, Steamboy) boa parte do que é
produzido pela indústria dos animes não adentra em territórios mais distantes (como é o
caso do Brasil).
39
Portanto, propomo-nos a examinar as irregularidades e os desalinhamentos na
distribuição dos animes no mercado global. Como apontado no início do trabalho, a
compreensão convencional da globalização cultural – abertura e contato intensificado -
quando aplicada ao panorama dos trânsitos dos conteúdos culturais corresponde apenas a
uma pequena parcela do que é produzido pelas indústrias culturais. No caso dos desenhos
animados japoneses, algumas peculiaridades observadas levam-nos a crer que a mediação
promovida por essa indústria não vem sendo suficiente para atender as demandas de
consumidores de outras partes mais distantes do globo. Para isso, discutimos também os
principais aspectos que envolvem a mediação promovida por essa indústria junto aos
públicos, conferindo destaque particular à exportação e distribuição dos animes nos
mercados estrangeiros.
Em matéria de exportações, Iwabuchi (2002) notou apropriadamente que uma
variedade de estratégias fora adotada pela indústria para descontar as especificidades dos
animes e transformá-los em um produto mais facilmente aceito e apreciado pelos
consumidores estrangeiros. Aos distribuidores locais, para quem cabe a função de facilitar
a mobilidade transfronteiriça desse produto em seus mercados locais atuam, sobretudo, na
redução das especificidades culturais e lingüísticas próprias aos desenhos animados
japoneses. Sobre essas ações, Lee (2011) concede destaque à ocidentalização dos traços e
nomes dos personagens das histórias e, no âmbito da distribuição local, os cortes e edição
de episódios de animes, por vezes considerados violentos em países ocidentais, a tradução
e dublagem dos títulos dentre outras intervenções possíveis. Para o autor, todas essas ações
visam, antes de tudo, fortalecer o apelo global do anime, facilitar o relacionamento dos
públicos com o produto e, com isso, elevar os lucros dessa indústria (LEE, 2011, p. 1135).
Antes de tudo, Lee (2011) convenientemente lembra que os produtores japoneses
tendem a confiar, principalmente, em seu respectivo mercado interno antes de se aventurar
nos mercados estrangeiros distantes. Além disso, as distribuidoras locais (materializadas no
mercado televisivo e de home-vídeo), principais mediadoras entre indústria e
consumidores e responsáveis pelo trânsito dos animes nos mercados estrangeiros também
tendem a considerar mais os riscos do que o potencial de demanda crescente desses
produtos em seus mercados locais. Percebe-se assim, que os contornos que vão caracterizar
a distribuição das séries animadas japonesas são bastante singulares, tendo seus reflexos
devidamente sentidos junto às audiências estrangeiras dos animes.
40
No caso dos animes, apenas séries populares são escolhidas para distribuição no exterior por
empresas cuja operação está confinada a territórios nacionais, geográficos ou lingüísticos. Os
editores preferem negócios seguros, produtos de qualidade comprovada, mas ainda que o
potencial do mercado e as necessidades de investimento no processo de mediação sejam
desconhecidos, a demanda de nicho é grande demais para ser ignorada. (LEE, 2011, p. 1135)20.
No bojo desse pensamento, Lee (2011) vai sugerir que a indústria dos animes opera
sob um modelo de distribuição em rede – “centro-local” - que parece ser um dos motivos
que geram uma fragmentação na distribuição de animes para públicos locais de diversos
países. Essa fragmentação observada na distribuição dos animes para os públicos
transnacionais apresenta outras desvantagens, que serão brevemente descritas aqui: 1)
Diferença de tempo entre a exibição do anime (no Japão) e a exibição local dos animes (em
outros países); 2) Qualidade visual limitada, uma vez que as diferenças tecnológicas entre
países se impõem como limitação; 3) Escassez de títulos nos mercados locais e, por fim, 4)
o não-atendimento das demandas de nicho locais (LEE, 2010, p. 1137). De maneira geral,
observa-se que mesmo quando um anime é licenciado e sua versão traduzida é
oficialmente anunciada nos mercados locais, o intervalo de tempo de transmissão original
no Japão pode variar de alguns meses a vários anos evidenciando assim “a natureza
irregular da distribuição global dos bens culturais, que é fortemente ligada ao julgamento
comercial das distribuidoras locais, as quais são territorializadas linguística e
geograficamente. (LEE, 2010, p. 1135)21.
Entretanto, com o surgimento e desenvolvimento das mídias eletrônicas, o trânsito
dos animes, antes restrito às esferas normativas das indústrias e distribuidoras locais, passa
a ser impulsionado por certas práticas das audiências no ambiente da internet. Devido ao
ativismo das audiências globais dos produtos de mídia encontra-se um material vasto
disponível na rede, que inclui desde obras mais populares no mercado global (como os
tradicionais filmes e sitcoms americanas) até produções mais singularizadas, pensadas a
princípio para a distribuição no mercado doméstico interno/local, como é o caso dos
animes. Uma busca simples no Google, por exemplo, revela diversos sites de
compartilhamento de conteúdo que dispõem de uma vasta gama produtos midiáticos de
20
“In the case of TV anime, however, only popular series are chosen for distribution overseas by companies whose
operation is confined to national, geographic or linguistic territories. As local publishers prefer safe, proven products
considering the as yet unknown potential of the market and necessary investment in mediation process, niche demands
are very likely to be ignored” (Tradução nossa).
21
“[…] the ‘un-global’ nature of the global distribution of cultural commodities, which is tightly bound by commercial
considerations of local distributors, who are territorialized linguistically and geographically” (Tradução nossa).
41
formatos, gêneros e linguagem pouco conhecidos, que não circulam nas mídias oficiais em
nível global.
Se até recentemente, as limitações tecnológicas de reprodução de conteúdo
midiático propriamente dito e os custos envolvidos na reprodução e processo de
distribuição funcionava como um mecanismo eficaz para controlar os fluxos dos animes,
atualmente, é do terreno de possibilidades proporcionado pela internet e popularização dos
recursos de produção e distribuição que surge uma ameaça fundamental que põe em jogo a
viabilidade e as operações dessa indústria: a manipulação não-autorizada dessas produções.
A fim de aprofundarmo-nos nessas questões, a próxima sessão tratará de discorrer sobre os
trânsitos dos animes no Brasil, no qual se soma a distribuição oficial no mercado midiático,
através das emissoras de TV e empresas de home-vídeo e, uma circulação não licenciada
engendrada pelos próprios fãs brasileiros, que reunidos sob certas práticas e expressões
parecem reinventar os processos de re-produção, circulação e consumo dos desenhos
animados japoneses no país.
Ao contrário de muitos outros países, o Brasil tem um contato bastante antigo com
a cultura pop japonesa. Desde a chegada dos primeiros imigrantes japoneses no país em
1908 no estado de São Paulo (contratados para trabalhar nas lavouras cafeeiras) à
disseminação dos produtos audiovisuais nipônicos na televisão, geralmente desenhos
animados japoneses, iniciada na década de 1960, foi um longo caminho percorrido no que
concerne à relação estabelecida, em vários níveis, entre Japão - Brasil.
No Brasil, o pop japonês vai se tornar conhecido do público, sobretudo a partir da
mídia televisiva. Através das séries nipônicas presentes no país desde a década de 1960,
que elementos da cultura japonesa tornaram-se conhecidos em terras tupiniquins. A
primeira série japonesa exibida no Brasil foi Nashônaru Kiddo ou National Kid.
Televisionado pela TV Record em meados da década de 1960, essa seriado live-action teve
42
um tímido impacto junto aos publico jovem da época, pois o alto custo dos aparelhos
televisivos no Brasil 22 impediu sua maior difusão devido a tais limitações. Sobretudo,
National Kid é considerado um clássico para os fãs do gênero tokusatsu23. Foi esta série
que preparou o caminho para que outros super-heróis como Ultraman, Ultra Seven e
Espectreman desembarcassem nas telas das TVs brasileiras anos depois. Conforme
Gusman (2005), filmes japoneses também foram transmitidos nesse período que
corresponde a uma presença mais “exótica do que propriamente japonesa” (LOURENÇO,
2009) dessas produções entre 1960 – 1990:
[...] a Record, por exemplo, mostrou vários deles nos anos 70, como A Fuga de King Kong
(de 1967), o divertidíssimo King Kong versus Godzilla (de 1962) e Latitude Zero (de
1969). Também na Record, a tartaruga gigante Gamera teve exibidos quase todos os seus
filmes dos anos 60 e 70 (alguns também puderam ser vistos na Sessão da Tarde da Globo).
[...] o bom e velho Godzilla também teve exibidas algumas aventuras de sua fase moderna.
O SBT mostrou as batalhas contra Biollante (89), King Ghidra (91) e Mothra (92)
(GUSMAN, 2005, p. 12).
22
Nos primeiros dez anos da TV no Brasil, o aparelho de televisor ainda era um artigo de luxo. Segundo Mattos (2002)
essa realidade só se altera a partir de 1968, quando o governo lança uma linha de crédito onde se podia adquirir um
televisor e parcelá-lo em até 36 meses.
23
Segundo Nagado (2007, p. 10) tokusatsu é a abreviatura de “tokushuu kouka satsuei”, sendo que “tokushuu kouka”
significa “efeitos especiais” e “satsuei” significa “filmagem”. O termo passou a designar os filmes e seriados live action
associados a “grandes monstros de borracha e heróis uniformizados”.
43
exibido à noite pela Record, sem muita repercussão. Mas quando a TVS passou a exibi-lo
durante o programa do Bozo, nos anos 80, se tornou um fenômeno Cult” (PEREIRA, 2008,
p. 188). Sobremaneira, nessa época surge uma nova geração de heróis vindos do Japão
trazidos pelos seriados dos gêneros Super Sentai24 e Metal Hero25. Diante deste cenário,
compartilhamos da visão de Pereira (2008) quando este diz que “na década de 70, ninguém
poderia prever que os seriados com super-heróis japoneses, robôs gigantes e monstros
devastadores fossem fazer tanto sucesso no Brasil, como aconteceria nos anos 80”
(PEREIRA, 2008, p. 112). Já Viliegas (2001, p. 18), destaca duas produções que iriam
causaram furor junto ao público brasileiro - Jaspion e Changeman - que “chegaram por
aqui em 1986, apenas um ano depois de sua estréia no Japão. Naquela época, em que não
existiam canais a cabo, esses heróis causaram uma verdadeira revolução na TV brasileira.
Não havia nada que se assemelhasse”. O autor aponta esses live-actions como alguns dos
principais produtos que abririam as portas para uma nova safra de produtos audiovisuais
nipônicos com a chegada da Rede Manchete em 1983. Contrariando certas expectativas, as
séries japonesas encontram nesta emissora um local legítimo de ancoragem.
Tudo indicava que os anos 80 seriam uma década em que apenas alguns desenhos animados
produzidos no Japão, como Patrulha Estelar, estariam representando o Império do Sol Nascente
na programação brasileira. Mas a Rede Manchete veio mostrar que havia espaço não somente
para os super-heróis de lá, mas também para a criação de um novo segmento de consumidores e
fãs. Tudo começou com Jaspion e Changeman. Depois deles, os heróis japoneses criariam uma
legião gigantesca de fãs no Brasil, algo nunca imaginado na época de Ultraman e Nacional Kid
(PEREIRA, 2008, p. 141).
24
De acordo com Nagado (2007) o gênero Super Sentai ou Super esquadrões é um tipo de seriado que foi consagrado no
Japão na década de 1980. “Composto por equipes de cinco integrantes, cada Sentai sempre tem o líder de uniforme
vermelho” cor da bandeira do Japão. Dentre os representantes deste gênero estão os conhecidos Power Rangers, que
vieram revigorar o gênero na década de 1990.
25
Segundo Nagado (2007) esse gênero consiste, principalmente, no uso de reluzentes armaduras de combate por parte de
seus personagens no momento das batalhas. Apesar de ter perdido força ao longo do tempo, os Metal Heroes se
constituem numa importante referencia para os primeiros fãs de animes no Brasil.
44
Levando em consideração todo o exposto, compreende-se que mesmo com a
presença das séries de TV nipônicas na programação das emissoras brasileiras desde a
década de 1960, essas produções circulavam em pouca variedade por serem produtos
considerados de baixo potencial para o mercado televisivo brasileiro:
No geral, tanto as emissoras quanto os empresários viam tudo isso como tapa-buraco de
programação, até mais do que hoje. Praticamente não havia licenciamento. Somente Spectreman
teve série em quadrinhos, pela Editora Bloch, mas não parecia material oficial. (...) E Ultraman
teve alguns brinquedos lançados pela Glasslite no começo dos anos 80, que passaram meio
despercebidos. Mas foram fatos bem isolados. (NAGADO, 2007, p. 97)
A partir do grande boom anime que se deu, definitivamente, via mídia televisiva
nos anos 1990, a expectativa de uma parcela da audiência brasileira de animes era quanto a
uma maior circulação e variedade de novos títulos na grade das emissoras televisivas e no
mercado de home-vídeo nacional. Esse período, também marcado pelo licenciamento de
alguns títulos de relevo para a TV aberta brasileira que logo se tornaram manias nacionais
(se destacam os Cavaleiros do Zodíaco, Saillor Moon, Dragon Ball, Yu Yu Hakusho e
Samurai X), ocorre a consolidação da TV paga no Brasil, dando margens à perspectivas de
uma maior circulação das ficções seriadas japonesas, principalmente, por haver uma avidez
crescente por esse tipo de programação. Acreditava-se, portanto, que um novo espaço de
distribuição para as narrativas seriadas vindas “de fora” solucionaria o “dilema dos fãs de
séries internacionais, já que, a partir da segunda metade da década, vários canais
começaram a exibir uma variedade soberba de seriados, e muitos se transformaram em
objeto de culto” (PEREIRA, 2008, p. 192).
Se num primeiro momento, a consolidação da TV paga no Brasil parecia resolver
um dilema da variedade de oferta dessas produções, mas também da qualidade da
experiência, uma vez que se imaginava que uma nova (e melhor) opção despontava para a
fruição desses produtos de maneira mais fidedigna, num segundo momento, os modos de
tratamento concedido aos animes por emissoras pagas (como o Cartoon Network, por
exemplo) no decorrer do processo de mediação se mostraram semelhantes àqueles
aplicados pela TV aberta. Os freqüentes cortes e edições de episódios, a ausência de uma
cronologia na exibição dos episódios, mudanças de horário na exibição das séries (sem
aviso prévio para os assinantes) são traços que, historicamente, marcam um tipo de
tratamento arraigado concedido pelas emissoras abertas e a cabo às series (animadas)
japonesas.
45
Fundamentalmente, compreendemos que a fim de satisfazer não só as normas e
práticas de seleção de conteúdo, mas também de modo a conciliar os interesses dos pais do
público-alvo, as emissoras de TV (no EUA, no Brasil e em outros países) primam por
licenciar animes específicos tendo em vista temáticas passíveis de serem consumidas por
um público infantil e mais ocasional. Sendo assim, a distribuição de animes na grade de
programação dos canais de TV depende, amiúde, de uma seleção que leva em conta a
classificação etária dos públicos nas escolhas dos horários de veiculação dessas produções.
Por isso, os canais pagos assim como os canais abertos geralmente optam pela edição
(muitas vezes maciça) de cenas consideradas impróprias nos animes e a dublagem das falas
dos personagens. Cabe ressaltar que esses modos de tratamento constituem-se até hoje num
dos tópicos de longa discussão entre os fãs de animes.
Do mercado de home-vídeo nacional era de se esperar o direcionamento para um
público mais especializado, geralmente composto por adolescentes e adultos otakus,
interessados em narrativas mais adultas. Particularmente, as características mais marcantes
desse último formato possibilitam aquilo que acreditamos ser um tipo ideal de mediação
oficial. Por oferecer uma experiência mais autêntica com o texto anime (em termos
lingüísticos e culturais) quando comparada à experiência promovida pela mídia televisiva,
o DVD desponta como uma alternativa de consumo oficial mais fidedigna para aqueles fãs
que buscam uma experiência mais autêntica com o texto anime (sem cortes, edições ou
dublagens). No entanto, nesse mercado, o que vai pautar a escolha das séries para
comercialização é o fato de que a produção tenha sido transmitida em alguma rede de
televisão, tenha construído uma rede considerável de fãs de modo a tornar-se passível de
ser comercializada em DVD mediante a essa comprovação prévia de sua popularidade.
A Playarte26, empresa de relevo na venda de animes em DVD no Brasil dá ênfase
na comercialização em sua loja on-line de títulos considerados mainstream pelo fandom de
animes brasileiro como Dragon Ball, Yu Yu Hakusho, Cavaleiros do Zodíaco, Naruto. Já
no que concerne a circulação de DVDs de animes no comércio varejista local, por exemplo,
é possível encontrar alguns poucos títulos e episódios aleatórios de animes
impossibilitando (para o fã, geralmente, otaku e colecionador) uma experiência de
desdobramento da narrativa (seriada) via esse mercado. Ainda ressaltamos o alto custo
cobrado por DVD’s de animes no mercado de home-vídeo nacional; um único episódio em
DVD de uma série (Naruto, por exemplo, que possui mais de 200 episódios), é vendido
26
Disponível em: http://www.lojaplayarte.com.br/secao.aspx?ActualPage=27&categ=DVD&subcateg=GENANI
46
atualmente no comércio varejista (como as Lojas Americanas, Saraiva e Livraria Cultura,
no Rio e em São Paulo) e na loja on-line da Playarte pelo valor médio de 15 reais.
Neste sentido, compreendemos que as particularidades da mediação oficial
promovida pelos distribuidores locais e/ou transnacionais (emissoras de TV, mas também
empresas de home-vídeo) inferem diretamente na experiência dos fãs estrangeiros com os
animes. De maneira geral, a principal diferença que reside entre essas diferentes formas de
mediação (TV e DVD) está no papel desempenhado pelos editores locais no processo de
confecção das versões das séries animadas japonesas para o idioma (inglês, espanhol,
chinês, português, dentre outros possíveis) do público do país para o qual se dirige. Por
isso, acreditamos que certas demandas dos fãs brasileiros, principalmente, aquelas
concernentes a uma maior oferta, variedade e qualidade no tratamento dos animes
licenciados foram historicamente negligenciadas pelos distribuidores locais no Brasil.
Colocando de maneira mais enfática, creio que os contornos que caracterizam a
distribuição e circulação dos animes no Brasil são fundamentais para compreender as
novas formas de consumo que, por intermédio dos fãs, passaram a constituir a experiência
atual das audiências com os animes.
47
mídia nipônicos, com ênfase particular na relação estabelecida entre os fãs e os desenhos
animados japoneses. Para isso, primeiramente julgamos necessária uma descrição mais
clara de quem são esses agentes e de que forma são visualizados na literatura acadêmica
recente, embora reconheçamos que tal tarefa empreendida contém seus riscos. Buscando
evitar concepções monolíticas sobre esses indivíduos, essa seção concede atenção especial
às novas formas de consumo e apropriação que caracterizam e dão singularidade à
experiência dos consumidores brasileiros com os produtos de mídia nipônica. Comumente
denominados como otakus, isto é “um indivíduo que vive ‘fechado em um casulo’, isolado
do mundo real e dedicado a um hobby” (NAGADO, 2005, p. 55), o termo vai assumir uma
conotação “cool” (GALBRAITH, 2010) na década de 1990, algo que ocorre por extensão
da tendência “cool japan” que passa a orientar as atividades da indústria cultural japonesa
no cenário global, mas não só isso. O fenômeno “otaku” evidencia outras mudanças
localizadas no interior da sociedade japonesa que merecem nossa atenção antes de nos
debruçarmos no caso brasileiro. Dentre essas mudanças, sem dúvidas, “a alta pressão da
competitividade, juntamente com meios para gastar, permitiu a formação de uma enorme
indústria de entretenimento, a qual servia como meio de escape das pressões cotidianas do
japonês” (CARLOS, 2011, p. 36). Sobremaneira, os traços pelos quais a sociedade
japonesa passa a se caracterizar, desencadearam, nos casos mais exagerados, a formação de
hobbys excessivos como o “otakismo”, termo utilizado pelo jornalista francês Étienne
Barral (2000) para descrever o modo de vida de um otaku. Cabe ressaltar que um dos
traços mais marcantes da cultura otaku, algo também observado na cultura nerd e demais
subculturas é, sem dúvidas, o colecionismo: “É possível encontrar aquele que coleciona
tudo sobre uma modelo-cantora (como as ninfetas denominadas pop idols), bandas de rock,
filmes de monstros ou, naturalmente, personagens de mangá”. (NAGADO, 2005, p. 55).
De maneira geral, além do afeto incondicional, aquele que comumente é
denominado como otaku conhece intimamente aquele produto, seja ele um astro, uma
personagem ou narrativa, e, sobretudo, consome seus derivados: animes, mangás, livros
sobre mitologias, filmes, bottons, toucas, bonés, camisetas, mochilas, máscaras, cards,28
coleções de DVDs, pulseiras, anéis, às vezes até reproduz as roupas de seus personagens
preferidos, seus acessórios, e também suas características psicológicas e gestos como é o
28
Os Cards são cartas de animes. Funcionam como um jogo e servem de vínculos entre crianças e jovens. Nos eventos de
fãs são comuns as vendas dos cards como objeto de coleção.
48
caso de expressões como o cosplay29. Uma percepção bastante consistente sobre a origem
do otakismo no Japão é encontrada na obra de Hiroki Azuma (2001):
A cultura otaku, representada por histórias em quadrinhos e animes, muitas vezes mantém a
imagem de uma cultura juvenil. No entanto, a geração de japoneses nascidos entre o final dos
anos 1950 e início dos anos 1960 – com trinta e quarenta anos de idade, que assumem cargos
respeitáveis na sociedade - são realmente seus principais consumidores. Eles não são mais
jovens desfrutando de um período de liberdade e limbo pós-faculdade antes de assumir suas
responsabilidades sociais. Dessa forma, pode se dizer que a cultura otaku tem raízes profundas
na sociedade japonesa (AZUMA, 2001, p. 03)30.
Originalmente, o termo “otaku” foi usado para se referir aos adeptos de uma nova
subcultura que surgia no Japão da década de 1970, mas só veio a se tornar conhecido
através das mídias devido a um trágico episódio, envolvendo o seqüestro, estupro e
assassinato de várias meninas em 1989, pelo jovem Tsutomu Miyazaki, apresentado pela
mídia como um otaku típico (AZUMA, 2001; BARRAL; 2000). De maneira desastrosa, o
termo torna-se amplamente conhecido devido a este incidente grotesco, e, como resultado,
a conotação da palavra “otaku” no Japão passa a denominar àqueles indivíduos com traços
de personalidade anti-social e pervertida, isto é, “sem habilidades básicas de comunicação
humana e, que muitas vezes, isolam-se preferindo viver em seu próprio mundo", sendo esta
a percepção amplamente difundida até então (AZUMA, 2001, p. 04)31.
Na década de 1990, o status social do otaku na sociedade japonesa vai se alterar
significativamente. Azuma (2001) comenta sobre o surgimento de uma nova geração de
japoneses que se apropriaram do termo de maneira positiva. Embora obtendo uma tímida
visibilidade das mídias, tratava-se, pois, de um efeito inverso; uma espécie de contra-
ataque à conotação pejorativa concedida pela imprensa devido ao incidente Miyazaki. Na
visão do autor, tal reação só foi possível, pois esses indivíduos haviam tornado-se
autoconscientes de sua identidade enquanto otakus. No entanto, Azuma (2001) vai notar na
divisão da opinião pública que se formou a partir do incidente Miyazaki o cerne dos
problemas no que concerne à escassez de discussões significativas acerca dessa subcultura
até o final da década de 1990:
29
Abreviação das palavras costume e play significando uma apresentação e/ou concurso onde um fã se veste como um
personagem (geralmente de anime, manga ou jogo eletrônico).
30
“Otaku culture, as exemplified through comics and anime, still often maintains an image as a youth culture. However,
the generation of Japanese people born between the late 1950s and the early 1960s – thirty – and forty-years-olds holding
positions of responsibility within society – are actually its core consumers. They are no longer youths enjoying a period
of post-college limbo and freedom before taking on social responsibility. In this sense, otaku culture already has some
deep roots in Japanese society” (Tradução nossa).
31
"[…] without basic human communication skills who often withdraw into their own world" (Tradução nossa).
49
[...] uma vez que Neon Genesis Evangelion se torna um sucesso em 1995 e a cultura otaku ganha
grande atenção, algumas questões gradualmente vieram à tona. Um exemplo foi a publicação de
“Uma introdução aos Estudos Otaku” pelo crítico cultural Okada Toshio em 1996. Em sua
introdução, Okada posta em causa a forma como o termo otaku havia se tornado depreciativo,
evoluindo essa visão – se trata de um novo tipo de pessoa sensível às condições culturais de uma
sociedade altamente consumista (AZUMA, 2001, p. 05)32.
[...] o interesse da primeira geração em ficção científica e filmes B foi substituído, na terceira
geração, por uma fascinação completa pelos mistérios dos jogos de computador. Além disso, a
terceira geração otaku experimentou a difusão da Internet durante a adolescência, e, como
resultado do interesse em ilustrações e em computação gráfica, as atividades gerais de fãs
deslocaram principalmente para fóruns e web sites. Rotas de distribuição e formas de expressão
muito diferentes dos das gerações anteriores. (AZUMA, 2001, p. 07)34
32
"[…] once Neon Genesis Evangelion (Shin seiki evangelion, Anno Hideaki, 1995) becaume a hit in 1995 and otaku
culture gained wide attention, these issues gradually surfaced. One example was the publication of An introductin to
Otaku Studies (Otakugaku nyumon) by cultural critic Okada Toshio in 1996. In his introduction, Okada called into
question the way in which 'otaku' as 'those who possessed an evolved vision' - a 'new type' of person responsive to the
cultural conditions of a highly consumerist society" (Tradução nossa).
33
A discussão do autor se concentra principalmente sobre o terceiro e mais recente modelo de otaku visualizado por
Azuma (2001) que, antes de tudo, evidenciaria a emergência de um novo tipo de consumidor na era da informação pós-
moderna.
34
“[...] the first generation’s interest in science fiction and B-grade movies has been replaced in the third generation by a
through fascination with mysteries and computer games. Furthermore, third-generation otaku experienced the spread of
the Internet during their teens, and, as a result, their main forum for general fan activities has moved to Web sites, and
50
Considerando todo o exposto, o termo “cultura otaku” nos parece útil para designar
e compreender as dinâmicas de consumo e apropriação dos produtos de mídia asiática por
parte dos fãs brasileiros. Todavia, julgamos primordial salientar brevemente as
especificidades que o termo comporta quando aplicado ao caso brasileiro, como bem
notara Giovana Carlos (2011, p. 38) em seu estudo sobre as práticas dos fãs da cultura pop
japonesa, “o otaku ganha características específicas e diferenciadas fora do Japão, ao
mesmo tempo, é claro, que mantém uma essência. Algo próprio do consumo em
diferenciadas nações e respectivas culturas”. Uma ancoragem possível para a afirmação
dessas especificidades também é oferecida por Nagado (2005):
O público brasileiro é formado por muitas garotas e casais de namorados otakus, o que seria
uma contradição no Japão. Muito mais soltos, entusiastas e barulhentos do que suas contrapartes
orientais, os fãs brasileiros se acotovelam por um autógrafo de seu dublador preferido, pulam
ouvindo anime songs como se estivessem em um show de rock e promovem uma
confraternização bem brasileira, que certamente, estão distantes do fanatismo solitário e isolado
presente em muitos otakus japoneses. (NAGADO, 2005, p. 56)
their interest in illustrations, to computer graphics. Both distribution routes and forms of expression greatly differ form
those of earlier generations” (Tradução nossa).
51
de São Paulo (e de modo especial o bairro da Liberdade) tem sido considerada como uma
espécie de “Meca possível” para os fãs brasileiros, principalmente, por se constituir em
lócus privilegiado para o consumo da experiência da cultura (pop) japonesa. No Rio de
Janeiro destacam-se locais como o Clube América, Clube Hebraica, UERJ, dentre outros
mais tradicionais (como a Associação Nikkei, por exemplo) principalmente, por serem
espaços de referencia para os eventos e convenções anime. Esses locais formam circuitos
concretos, que são marcados pelos traços da cultura japonesa presente na vida dessas
cidades. Por isso, destacamos a importância que esses “espaços praticados” no sentido
proposto por Certeau (1994) possuem quanto à consolidação de uma experiência singular
de consumo entre os fãs brasileiros. Certas práticas tradicionalmente desenvolvidas nas
convenções de fãs que chegaram ao Brasil ao final dos anos de 1990 (AMARAL E
DUARTE, 2008; COELHO JR. E SILVA, 2007) como o cosplay35 e o animekê 36 , por
exemplo, denotam que se trata menos da aquisição de objetos materiais da grande mídia
sendo mais um interesse duradouro sobre determinados aspectos da cultura japonesa que se
relaciona intrinsecamente com o mundo anime (no caso das práticas citadas, a moda e a
música asiática, respectivamente).
Com efeito, observamos no caso brasileiro que se trata de um tipo de consumo que
não corresponde às duas imagens freqüentemente associadas ao consumidor na literatura
das ciências sociais: 1) O consumidor racional, ou seja, aquele que racionaliza e utiliza
seus recursos cuidadosamente tendo em vista obter o máximo de vantagens; 2) O
consumidor indefeso, explorado e alienado pelo mercado de massa. Ainda trata-se de
considerar uma terceira imagem, 3) que “não representa o consumidor nem como um ator
racional, nem como um tolo indefeso, mas como um manipulador dos significados
simbólicos” (FEARTHESTONE apud CAMPBELL, 2004, p. 46). Fundamentalmente,
notamos um tipo de consumo entre uma parcela dos fãs brasileiros dos produtos de mídia
asiática que corresponde a uma quarta imagem de consumidor sugerida por Colin
Campbell (2006) e que se baseia na pressuposição inicial da personalização e/ou
humanização da “mercadoria” – a imagem do “consumidor- artesão”, isto é:
35
Abreviação das palavras costume e play significando uma apresentação onde um fã se veste como um personagem
(geralmente de anime, manga ou jogo eletrônico).
36
Consiste na prática de cantar as trilhas de seus animes ou séries preferidas em concursos localizados nesses eventos.
Boa parte dos “animekeiros” (forma pela qual são denominados esses fãs) investe na formação de bandas de gêneros
musicais especificamente asiáticos, com o j-pop e o k-pop, por exemplo, tendo grande visibilidade no fandom de animes
em geral.
52
[...] alguém que transforma ‘mercadorias’ em objetos personalizados, ou, poder-se-ia dizer,
‘humanizados’. E é pelo fato de esse tipo de consumo ser usualmente caracterizado por um
nítido elemento de habilidade e maestria, ao mesmo tempo em que dá margem à
criatividade e à expressão da individualidade que se justifica descrevê-lo como ‘consumo
artesanal’ (CAMPBELL, 2004, p. 50).
Sem dúvidas, umas das coisas que mais chama atenção no consumo dos produtos
japoneses no Brasil em relação às outras produções são os tipos de experiência suscitadas
por esse consumo. Certamente, o surgimento de novas práticas de consumo entre os fãs
brasileiros expressam uma tendência geral das audiências globais em se relacionar com
seus produtos de mídia favoritos intensamente e ampliar a experiência de consumo,
inserindo-o nas práticas do seu cotidiano. Sobretudo, cremos que a estratégia que aí reside
é “abraçar o mundo das mercadorias e usar seus próprios recursos culturais e pessoais para
transformá-las em ‘singularidades’” (CAMPBELL, 2004, p. 61). Assim, se certas práticas
dos fãs como se vestir de um personagem de mangá ou anime em ocasião de um evento de
fãs desperta um interesse mais duradouro em atividades como o cosplay e a moda japonesa
levando à aquisição de um conhecimento especializado sobre o assunto (seja na confecção
de suas próprias indumentárias, por exemplo, dentre outras possíveis) se transformando em
um projeto em longo prazo, estaríamos diante do genuíno consumo artesanal, definido pelo
conjunto de experiências acumuladas por esse interesse. Pois, embora a “apropriação”, a
“customização” e a “personalização” seja o caminho natural do processo que dá forma ao
consumo artesanal, convém ressaltar que “o consumidor tem de estar diretamente
envolvido tanto na concepção quanto na produção do será consumido” (CAMPBELL,
2004, p. 54) para que se configure num caso de consumo artesanal. Portanto, trata-se de
uma experiência de consumo intrinsecamente condicionada às habilidades de humanização
e manipulação dos objetos materiais e dos signos imagéticos oriundos da grande mídia de
massa.
Convém ressaltar que não queremos sugerir com isso, que a experiência dos
consumidores brasileiros com os produtos asiáticos se dá num mesmo nível de imersão ou
que todo aquele que consome animes, mangás e seus produtos derivados sejam
necessariamente fãs e/ou otakus, ou “consumidores-artesãos”. Primordialmente,
gostaríamos de destacar a emergência de um novo tipo de experiência ligada a um
“consumo como artesania” tal como sugere Campbell e que exige, por si só, um tipo de
envolvimento, engajamento e habilidades singulares que se contrapõe à idéia de um
consumo patológico, alienante freqüentemente associado ao consumidor, aos fãs e,
53
conseqüentemente, a imagem do otaku em sua concepção original. Sobremaneira, cremos
que as diversas práticas culturais e maneiras de engajamento dos fãs/otakus brasileiros
demonstram a existência de uma relação intensiva37 com seus objetos de devoção e que
denuncia: “mais do que meros consumidores-compradores que colecionam seus objetos de
desejo, os otakus não se contentam com o produto comercial: extrapolam, transformam,
transcendem, adaptam o produto, apropriando-se completamente dele” (CARLOS, 2011, p.
37).
O consumo dos animes no Brasil, portanto, ganha nova dimensão e se intensifica
quando ele envolve outras atividades além de acompanhar os episódios das séries através
da televisão, além de depender do engajamento e das habilidades e o interesse de alguns
fãs dedicados para ganhar forma. Hoje, além dos eventos animes que, continuam
relevantes do ponto de vista de uma experiência presencial, face a face, de partilha de
sentidos acerca dos animes, existe um circuito fortemente produtivo e estruturado –
administrado e mediado pelos fãs – localizado na internet, com uma gama considerável de
comunidades e de fóruns de discussão virtuais, dedicados à(s) série(s) nipônica (s) e aos
demais produtos da cultura pop japonesa. Atualmente, através das redes digitais é possível
participar desses fóruns de discussão, consumir os últimos lançamentos do mercado e, até
mesmo se envolver de maneira mais comprometida com o mundo anime com a criação de
pinturas (fanarts) inspiradas em personagens e cenários ficcionais dos animes à produção
de ficções e poemas (fanfictions) músicas, vídeos e filmes (Anime Music Vídeo, fanfilms
fandubs), periódicos e websites de vários teores. Trata-se, pois, de práticas culturais que
atuam significativamente no estabelecimento de um envolvimento mais imersivo com
aspectos da cultura japonesa, promovendo um prolongamento da experiência de um dado
texto cultural. Por isso, acreditamos que esse conjunto de experiências promovidas pelos
fãs no âmbito off-line e on-line acabam por singularizá-los, conferindo-lhes uma aura Cult,
isto é, subvertendo a trajetória dos animes no contexto da cultura massiva.
37
“A relação extensiva é aquela que não é característica desse fã, mas do telespectador normal, eventualmente um
apreciador da série. Ele assiste, pode acompanhar a série e pode até colecionar algumas imagens, por motivos estéticos ou
emocionais, mas isso não quer dizer que ele se entregue a algum tipo de exegese especial desse material ou mesmo da
série. Já a relação intensiva implica uma atitude exegética que exige uma outra relação do fã com a série, com as
personagens e com o material visual relativo a elas. Para começar, esse fã é capaz de retomar várias vezes o mesmo
episódio, as mesmas seqüências e cenas. Enfim, o episódio, a temporada e a série passam a constituir um corpus fechado,
permitindo várias formas de interpretação expressas nas manipulações que vão se sucedendo a cada retomada das
imagens”. (GOMES, 2007, p. 334)
54
FIGURA 02
OTAKUS BRASILEIROS EM EVENTOS ANIME
55
materialidade tecnológica e a transforma de acordo com seu próprio gosto e identidade
ampliando tanto o repertório de artefatos culturais, como ressignificando as práticas de
consumo” (BARRAL apud AMARAL; DUARTE, 2008, p. 11). Mais do que o consumo
de produtos discretos e isolados, a experiência com os animes e demais produtos de mídia
nipônicos se caracteriza por um consumo generalizado da cultura japonesa, ao menos da
forma como ela se deixa perceber a partir de uma perspectiva brasileira.
56
CAPÍTULO II
57
dentre outras línguas são disponibilizadas para outros fãs numa rapidez e velocidade que
sugere a atuação desses grupos em escala global.
De forma a atingir os objetivos propostos, dividimos o conteúdo do capítulo em
quatro partes. Na primeira delas, os esforços se concentrarão em discutir sobre a cultura
dos fãs de animes à luz de algumas reflexões recorrentes na literatura acadêmica recente
sobre o tema e seus desdobramentos. Com a ascensão do discurso da economia criativa e
da cultura colaborativa (JENKINS, 2009), algumas atividades promovidas por fãs em suas
comunidades on-line ganham cada vez mais visibilidade e amplitude na paisagem
midiática global, como é o caso das práticas desenvolvidas pelos fãs de animes. De modo
particular, trata-se de uma discussão que, freqüentemente, tem sido associada ao fenômeno
da convergência midiática e da cultura colaborativa - debate encerrado pelos teóricos mais
entusiastas das novas mídias (LÉVY, 1999a, 1999b; JENKINS, 2009). Tal discussão tende
a considerar a partir de uma perspectiva virtuosa as relações que se estabelecem no seio
dessas comunidades de fãs. Fundamentalmente, pontuamos que algumas das práticas
culturais promovidas no fandom de animes apontam para a constituição de uma teia de
relacionamentos, contradições e antagonismos que seriam melhor analisadas se articuladas
as disputas por hierarquia e capital subcultural como sugerem alguns estudos do campo
(BOURDIEU, 1989, 2008; CAMPANELLA, 2012; HILLS, 2002, 2005; NAPIER, 2007;
THORNTON, 1996 ).
Já na segunda parte, o texto se concentra na história do fansubbing e sua evolução
com a transposição para o universo digital. Considerando que a atividade se expandiu
consideravelmente nos últimos anos, a análise também visa descrever como a mediação
promovida pelos fansubbers veio evoluindo nas últimas décadas acompanhando a esteira
do desenvolvimento das tecnologias de reprodução e compartilhamento de arquivos. Mais
do que isso: buscamos resgatar o passado da prática para pensarmos como essas
comunidades configuram-se contemporaneamente em termos de organização, usos das
tecnologias e políticas culturais de produção. Por isso, na terceira parte, nos dedicamos a
apresentar o modelo de produção dos fansubs contemporâneos. Sobremaneira, esse trajeto
visa aproximar o leitor de algumas convenções (culturais e tecnológicas) e regras
implícitas para uma melhor compreensão dos usos e apropriações dos meios, tecnologias e
conteúdos de mídia pelos agentes da comunidade de fãs em questão.
Por fim, na quarta parte, apresentamos uma reflexão final pontuando os aspectos
observados e encaminhando as questões debatidas até então. Sobretudo, cremos que a
58
prática fansubber, enquanto experiência que tem como referência um produto da mídia
tradicional (as series animadas japonesas), nos últimos tempos, passou da condição de uma
prática de pouco impacto e relevância para o mercado oficial para o status de principal
base de mediação e distribuição global dos animes (organizada exclusivamente por fãs),
principalmente, no que concerne à distribuição desse produto de mídia para os fãs
estrangeiros como é o caso do Brasil.
38
Ver Jenkins&Tulloch (1989) em estudo pioneiro sobre o fandom de Doctor Who, série britânica de ficção científica,
criada pela rede BBC.
59
[...] um veículo para grupos subculturais marginalizados (mulheres, jovens, gays, e além)
para abrir espaço para seus consentimentos culturais dentro das representações dominantes;
fandom é uma forma de apropriação e releitura de textos da mídia de forma que sirva a
variados interesses, uma forma de transformar a cultura de massa em cultura popular
(JENKINS, 2006a, p. 40)39.
39
“Fandom is a vehicle for subculture groups marginalized groups (women, young people, gays, and beyond) to make
room for their consent Culture within representations dominant, is a form of fandom appropriation of media texts which
implies reread them so as to serve the varied interests, a way to transform the culture mass in popular culture” (Tradução
nossa).
40
Junção das palavras producer (produtor) e user (usuário). Esse novo conceito tenta dar conta de uma realidade em que
a palavra produção não é capaz de representar com precisão o contexto atual onde os papéis de produtor e usuário se
confundem (BRUNS, 2008).
60
como inspiração o produto original, daí se daria o diálogo imaginado por Jenkins entre
indústrias e consumidores.
No momento, nos interessa que na visão de Jenkins, a participação crescente dos
“amadores” na manipulação e produção de conteúdos midiáticos seria o resultado natural
de duas tendências culturais contemporâneas: a convergência midiática e a apropriação
tecnológica por parte do público para recriar e recircular produtos. O autor entende a
convergência como:
41
A inteligência coletiva se constituiria em “uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada,
coordenada em tempo real, que resulta uma mobilização efetiva das competências” (LÉVY, 1999a, p. 28).
42
Lévy (1999a) propõe a existência de quatro espaços antropológicos: Terra, Território, Mercadorias e Espaço do Saber.
Este último espaço, para o autor, não existiria: seria uma “utopia”. Contudo, estaria sempre se configurando, na
expectativa de um vir-a-ser.
61
dinâmico e participativo -, continuamente testando e reafirmando os laços sociais do grupo
social (JENKINS, 2009, p. 88).
Sobremaneira, o que Jenkins (2009) define como cultura participativa, traduz nossa
idéia inicial sobre o fandom de animes, cujo fluxo de produção, reprodução, criação e
circulação é cada vez mais abrangente, conforme apontamos inicialmente no capítulo
anterior. Graças ao desenvolvimento da comunicação eletrônica, as práticas culturais dos
fãs de animes também se tornaram globalizadas e bastante visadas (e até mesmo
combatidas) e algumas até mesmo vem causando impactos nos negócios da indústria dos
animes. Por isso, cremos também em consonância com Baym que “juntos, esses fãs servem
como filtros de experts enquanto examinam, separam, rotulam, traduzem, valorizam e
anotam uma ampla, desorganizada e geograficamente remota quantia desses materiais
culturais para consumo internacional” (BAYM, 2008, p. 03)43.
Sendo assim, destacamos a capacidade dos fandoms em transformar as relações
entre consumidores e artefatos culturais em potenciais interações sociais, promovendo o
rompimento com alguns dos paradigmas clássicos que guiaram as atividades dos mercados
de bens culturais. No caso especifico da cultura dos fãs de animes, as maneiras plurais com
esses fãs se articulam a partir desse dado texto cultural, em conjunto com o uso das novas
tecnologias, associado às linguagens e estéticas utilizadas nesta conjuntura e o circuito
promovido e alimentado colaborativamente por estes agentes em suas comunidades, dão
margem a perspectivas de que estas conexões promovem um novo sistema ou meio
ambiente que não atende sob a lógica dialética produção/consumo. Decerto, a possibilidade
de produção e exibição de trabalhos construídos de forma caseira, artesanal, contrária à
lógica de um produto industrializado, gerou uma nova tendência de valorização da
criatividade e da expressão pessoal dos consumidores, dentre eles os fãs de animes. Ainda,
o posicionamento ativo que os fãs de animes assumem em suas comunidades representa
uma rejeição à idéia de que o produto oferece apenas uma visão, produzida, autorizada e
veiculada pela indústria do entretenimento (VARGAS, 2005, p. 10-12).
De fato, ser fã de animes envolve muito mais do que assistir animes e consumi-los,
em seu aspecto econômico propriamente dito: significa trocas de conhecimentos, partilhas
de informações e até mesmo o desenvolvimento de práticas culturais diversas que vão
desde pinturas (fanarts) inspiradas em personagens e cenários ficcionais dos animes à
43
“Together, these fans serve as expert filters as they sift, sort, label, translate, rate and annotate a large, disorganized,
and geographically remote set of cultural materials for international consumption“(Tradução nossa).
62
produção de ficções e poemas (fanfictions), músicas, vídeos, filmes e dublagens amadoras
(Anime Music Vídeo, filk music, fanfilms fandubs) dentre outras. Mais do que isso: ser fã de
animes também envolve tecer discussões e críticas em torno do que é produzido pelo
mercado oficial e do que é produzido no interior das comunidades on-line dedicadas aos
animes, dentre outras questões que envolvem esse circuito na rede e fora dela. Por isso,
entendemos esses fãs enquanto mediadores potenciais e que ganham destaque, portanto, ao
se tornarem um elo entre animes (e seus assuntos derivados) e os demais fãs na rede.
Sendo assim, eles intermediam o circuito desse produto cultural, formando preferências e
padrões de consumo no decorrer das atividades desempenhadas em suas comunidades on-
line. Nesta medida, são mediadores que ganham destaque e singularidade em suas
comunidades devido às suas práticas e expressões direcionadas a um público ávido por
fruir e discutir sobre animes e assuntos correlacionados e que ganham voz nos espaços de
discussão e produção de conhecimento mantido por esses mediadores na rede.
Acresce que nem tudo que dá forma ao fandom de animes é baseado no consenso e
na colaboração mutua entre seus agentes. Pelo contrário: alguns elementos dentro de um
mesmo texto podem ser repelidos e mesmo odiados por esses fãs, embora no conjunto
geral esse texto seja apreciado. Jenkins, em “Textual Poachers” (1992) convenientemente
lembra a coexistência de fãs e não fãs no interior dos fandoms,
[...] fãs vêem a comunidade como uma oposição consciente ao mundo comum, habitado
pelos “não fãs”, tentando construir estruturas sociais mais receptivas as diferenças
individuais, onde exista mais espaço aos desejos particulares e que sejam democráticas e
comunitárias em suas operações. Entrando o fandom significa abandonar estados sociais
pré-existentes buscando aceitação e reconhecimento em termos do que contribui para esta
nova comunidade. (JENKINS, 1992, p. 213)44.
No caso dos animes, é comum ouvir fãs reclamando dos “fillers”45, que são arcos
de histórias inseridos no anime inexistente no mangá. Além disso, existe também aquele fã
que caracteriza-se não pela paixão por um dado texto cultural mais pelo repudio: o “antifã”
(“anti-fan”). O termo, que foi proposto por Jonathan Gray (2003), refere-se a indivíduos
44
“Fans view this community in conscious opposition to the ‘mundane’ world inhabited by non-fans, attempting to
construct social structures more accepting of individual difference, more accommodating of particular interests, and
more democratic and communal in their operation. Entering into fandom means abandoning pre-existing social status
and seeking acceptance and recognition in terms of what you contribute to this new community” (Tradução nossa).
45
É comum no Japão os quadrinhos serem adaptados para a TV antes mesmo de acabarem, mas enquanto o capítulo do
mangá sai mensalmente, por exemplo, o anime é exibido toda semana e, quando este alcança a HQ, novas histórias são
criadas para não parar a exibição até que se retome a história do mangá. Alguns fãs inclusive recusam-se a ver os
episódios com filler, voltando à série com a continuação a partir do mangá (CARLOS, 2011).
63
que por algum motivo entram em contato com algum produto midiático de forma negativa,
considerando-o estúpido ou de baixa qualidade. Já Derek Johnson (2007, p. 293) enfatiza
que “antifãs que odeiam um programa (sem necessariamente vê-lo) devem ser
diferenciados de facções de fãs descontentes que odeiam episódios, arcos ou produtores
porque perceberam uma violação do texto mais amplo que ainda amam”, como no caso dos
fillers. Como esse autor assinala, “antagonismos internos e externos ao fandom estruturam
suas práticas” (JOHNSON, 2007, p. 287).
Neste sentido, acreditamos que o fandom de animes e suas práticas correlacionadas
não podem ser analisados apenas sob o foco da colaboração e da inteligência coletiva
conforme sugere Jenkins (2009) em “fase mais politicamente descontraída de sua carreira”
(FREIRE FILHO, 2007, p. 98). Longe de se configurar num circuito caracterizado pelo
consenso entre seus membros, a cultura promovida pelos fãs de animes em suas
comunidades envolve contradições e dissensões. Fundamentalmente, pontuamos a forte
existência de hierarquias, alianças e rivalidades constituindo a organização de algumas
dessas comunidades que podem sobrepor-se às dinâmicas que poderiam levar à formação
de uma inteligência coletiva. Na visão de Campanella (2012), algumas conclusões de
Jenkins, obscurecem a natureza pela qual algumas comunidades de fãs se organizam:
46
“[...] fan cultures cannot be pinned down through singular theoretical approaches or singular definitions” (Tradução
nossa).
64
propostas47 pelo autor visam ilustrar as contradições presentes no interior dos fandoms e
suas negociações culturais intrínsecas. Dentre esses modelos, nos interessa aquele
relacionado a lógica da formação de uma comunidade/hierarquia, na qual os fãs são tidos
como jogadores competindo por “conhecimento, acesso ao objeto do fandom, e status”
(HILLS, 2002, p. 46) 48 . Entram em campo os capitais social, cultural, simbólico e
econômico, elaborados por Bourdieu (1974; 1989; 2008), contextualizados no fandom para
se pensar na hierarquização. Aliás, através de Bourdieu, diversos estudos retratam como o
gosto dos fãs é distintivo e reflete seu capital. Dentre esses estudos, as noções debatidas
por Sarah Thornton (1996) em sua investigação sobre a cena clubber inglesa e a
investigação empreendida por Susan Napier (2007) junto ao fandom de animes são um
bom ponto de partida para pensar as micro-relações que se estabelecem entre os fãs nessas
comunidades. Thornton (1996), que analisou os gostos dos membros da subcultura clubber
no Reino Unido nos anos 90 observou que as normas dominantes entre esses jovens
participantes não girava em torno de aspectos socioeconômicos, mas sim do que ela
chamou de “capital subcultural”. À luz dessas idéias, a autora postula que:
[o] capital subcultural confere status para o seu possuidor, aos olhos daquelas pessoas que
importam. [...] Assim como livros ou pinturas são demonstrações de capital cultural dentro
da casa de uma família, o capital subcultural é objetificado na forma de cortes de cabelo da
moda, e de coleções de discos bem construídas (THORNTON, 1996, p. 11)49.
47
São elas: consumismo/resistência, comunidade/hierarquia, conhecimento/justificação e fantasia/realidade.
48
“[...] knowledge, access to the object of fandom, and status” (Tradução nossa).
49
“Subcultural capital confers status on its owner in the eyes of the relevant beholder…subcultural capital is objectified
in the form of fashionable haircuts and well-assembled record collections (full of well-chosen, limited edition "white
label" twelve-inches and the like “ (Tradução nossa).
50
“knowledge about an area of fandom that allows you to feel comfortable to interact with other fans, but also to gain
status among fellow enthusiasts” (Tradução nossa).
65
acerca de animes, sobretudo os raros e não mainstream. Já sua incorporação se dá tanto na
forma de “saber o que é preciso” para interagir e discutir sobre essas produções e, portanto,
intermediar o circuito do fandom, estando por dentro das raridades, mas também das
novidades, dos lançamentos e modas do momento, relacionadas ao universo não só dos
animes, mas da cultura pop japonesa como um todo. Trata-se, pois, de considerar que tais
atributos e conhecimentos valorizados no fandom de animes são ligados a uma idéia de
autenticidade, que existe enquanto oposto a uma concepção subjetiva de mainstream
(BOURDIEU, 1989; THORTHON, 1996): este, representando, de certo modo, as práticas
culturais e os que não possuem tais saberes distintivos. Por isso, embora reconheçamos
nessa dissertação que parte do capital de conhecimento do fãs de animes venha de noções
positivistas sobre o compartilhamento de paixões e objetivos em comum, acreditamos que
é igualmente possível acumular tais conhecimentos através de meios e relações mais
competitivas e conflituosas.
Conforme discutimos no capítulo anterior, ao contrário dos textos de mídia
americana, de conteúdo e linguagem popularizados pelo mundo, os textos de mídia
japoneses carregam uma série de valores e sentidos próprios que necessitam de um
tratamento especializado no decorrer do processo de mediação para a assimilação do
grande público. As histórias, seus personagens contam com uma infinidade de detalhes que
dificilmente seriam percebidos por aqueles que não acompanham, estudam e discutem
sobre as referências que inspiraram a produção e a concepção das mesmas. Evidentemente,
dentre esses fãs alguns se destacam mais no fandom de animes por atuarem
significativamente no estabelecimento de um envolvimento mais imersivo com o os
animes, pois, antes de tudo, são detentores de certo know how para promoverem um
prolongamento da experiência com os animes através de suas práticas e expressões
diversas. Por isso, apostamos que nesse processo de negociação permanente do saber e
busca por uma ordem estabelecida (JENKINS, 2009; LEVY, 1999a) que caracterizam os
fandoms, surgem relações mais competitivas e conflituosas que se evidenciam em formas
plurais e divergentes de mediação que, não necessariamente implicam na consolidação de
um espaço ideal (“o espaço do saber”), isento de tensões sociais no cotidiano de seus
integrantes.
Soma-se a isso que, se o objetivo de algumas práticas integrantes da cultura dos fãs
de animes parecem bastante claros por se constituírem objetivamente na discussão sobre
essas narrativas e a escrita de novos conteúdos, tendo como base os já existentes, outras já
66
são mais problemáticas em definição, por envolverem diferentes formas de manipulação
por conta de sua pluralidade. Localizadas nas raízes do fandom de animes, práticas como a
do fansubbing 51 e a do scalantion 52 , apresentam algumas nuances em suas formas de
organização, produção e distribuição que as diferenciam, substancialmente, das dinâmicas
de outras atividades desenvolvidas pelos agentes dessa cultura de nicho.
Fundamentalmente, o dilema que reside aparentemente sobre o fansubbing (e também
sobre o scanlation) consiste no desequilíbrio existente entre a capacidade dos
consumidores em fruírem os animes através de um acesso legítimo e oficial e via internet
através da circulação de textos de mídia promovida pelos fãs. Portanto, algumas atividades
promovidas no fandom de animes não só preenchem as lacunas de acesso, mas também
ameaçam o alcance dos negócios da distribuição global desse produto via mercado oficial.
Na esteira dessa reflexão, a próxima seção propõe uma discussão pormenorizada
sobre as origens do fansubbing, que a presente dissertação traz como foco de análise.
51
Em poucas palavras, consiste na tradução e legendagem de animês para distribuição gratuita na rede.
52
Em poucas palavras, consiste na tradução e legendagem de mangás para distribuição gratuita na rede.
67
crescente interesse desses fãs por novidades do gênero sci-fi. Assim, em maio de 1977 o
C/FO deu início a suas atividades.
53
“At that time, many LASFS members maintained pen pal relationships with other science fiction fans around the world.
Most of them were in English-speaking countries, but a few of them had correspondents in Japan. As a result, C/FO
members began to trade videos with Japanese fans who wanted Star Trek and Battlestar Galactica. C/FO members were
interested in the Japanese science fiction cartoons that were not being shown in Los Angeles television, and it was a
fortunate coincidence for the fans that both the United States and Japan used the NTSC system for broadcast, so that
videotapes could be played in both countries” (Tradução nossa).
68
a qualquer anime” (LEONARD, 2005, p. 35) 54 . Muitos fãs também tiveram conflitos
ideológicos quando a comunidade anime cresceu nos anos 1980 e ganhou força através da
década de 1990. As palavras de Fred Pattern apontam para esses conflitos: “Eu tive
discussões amargas no início dos anos 80 com alguns fãs contra a idéia de que não
deveríamos tentar promover o anime japonês, mas que deveríamos mantê-lo restrito a um
pequeno grupo selecionado, você sabe — a idéia de essência pura que só nós, de dentro do
CFO, teríamos consciência. Eu sempre contestei isso” (LEONARD, 2005, p. 25)55.
Com a chegada da tecnologia VHS e, posteriormente, utilizando-se das facilidades
de distribuição proporcionadas pela internet e a conexão banda larga podemos dizer que
esses fãs encontraram meios de organização e ferramentas adequadas para disseminar e
aumentar a circulação das séries animadas japonesas em seus países. Jenkins (2009)
salienta como o desenvolvimento da tecnologia foi preponderante para a emergência da
troca de conhecimentos e compartilhamento de competências em torno dessas animações:
Com o advento dos videocassetes, os fãs americanos conseguiram dublar os programas dos
canais com transmissão em japonês e compartilhá-los com amigos de outras regiões. Logo
os fãs começaram a fazer contatos no Japão – tanto a juventude local como militares
americanos com acesso às novas séries. [...] Fã-clubes americanos surgiram para apoiar o
armazenamento e a circulação de animação japonesa. Nos campi das faculdades,
organizações de estudantes formaram grandes bibliotecas, com material legal e pirateado, e
realizavam exibições destinadas a educar o público sobre os artistas, estilos e gêneros do
anime japonês. O Anime Club, do MIT, por exemplo, organiza exibições semanais
utilizando material de uma biblioteca com mais de 1.500 filmes e vídeos (JENKINS, 2009,
P. 220).
54
“[...] became a matter of who you knew in order to gain access: once you knew the right people, however, it was easy to
access any anime” (Tradução nossa).
55
“I got into some pretty bitter arguments with some fans in the early 80s [within the C/FO] that thought we should not
try to promote Japanese anime, that we ought to keep it a small select group, you know—neat stuff that only we were
aware of. I have always disputed it”. (Tradução nossa).
69
do desenvolvimento das tecnologias de reprodução e compartilhamento de arquivos.
Leonard evidencia a importância do surgimento da legenda de fã no estabelecimento de um
maior trânsito dos animes nos Estados Unidos:
(...) a legenda de fã foi crucial para o crescimento do número de fãs de anime no mundo
ocidental. Se não fossem as exibições dos fãs do final dos anos 1970 e início dos anos 1990,
não haveria o interesse pela animação japonesa inteligente e ‘intelectual’, como existe hoje”.
O alto custo dos primeiros aparelhos fez com que a produção de legendas permanecesse um
empreendimento coletivo: os clubes concentravam tempo e recursos para garantir que suas
séries favoritas atingissem um público maior. À medida que o custo baixou, a produção de
legendas se espalhou, e os clubes passaram a utilizar a internet para coordenar suas
atividades, distribuindo as séries a serem legendadas e recorrendo a uma comunidade maior
de candidatos a tradutores (LEONARD apud JENKINS, p. 221, 2009).
Na última década, esses fãs migraram para o universo digital e se reúnem em certos
espaços da internet como sites, blogs, plataformas de comunicação e fóruns formando
coletivos conhecidos como fansubs56 e distribuem via sites de compartilhamento e redes
como IRC, BitTorrent, filehostings e streaming de vídeo para os demais fãs suas versões
legendadas de animes57. Lançando mão das facilidades da internet e da comunicação P2P, a
atividade de fã-legendagem se expandiu consideravelmente e ganhou novos contornos: o
processo se tornou mais fácil além de mais barato, e o padrão visual das produções
melhorou drasticamente. Convém ressaltar que, em sua fase VHS, as versões produzidas
por fansubs eram bastante artesanais em qualidade visual, não competindo assim com a
qualidade visual das versões oficiais, algo que se alterou drasticamente com a migração
dessa atividade para o universo digital. Atualmente existem muitos fansubs que traduzem
animes para diversas línguas, em formatos de vídeo e modos de distribuição diversos sendo
difícil precisar, quantitativamente, o número de grupos em atuação na rede. Versões de
animes legendados em inglês, italiano, chinês, espanhol e taiwanês dentre outras línguas
são disponibilizadas para outros fãs que sugere a atuação desses grupos em escala global.
No Brasil, é difícil precisar quando surge o primeiro fansub. Assim como os fãs
estadunidenses, os aficcionados brasileiros constituíram uma rede informal de troca dessas
animações constituída por amigos, conhecidos e demais indivíduos interessados em animes
que se expandiu com a migração para a internet. Alguns fãs concedem ao B.A.C – Brasil
56
Um fansub é constituído por grupos de fãs, que visam a produção de legendas para um audiovisual nipônico. Na
perspectiva que se adota aqui, significa um espaço onde se traduz e legenda séries japonesas (informalmente) para
posterior divulgação na internet, para outros fãs.
57
Podem ser séries de televisão, filmes e OVAs (Original Video Animation).
70
Anima Club, grupo surgido em Brasília no ano de 1996, o título de primeiro fansub
brasileiro. O grupo inicialmente distribuía materiais legendados ou dublados dos fansubs
norte-americanos, mas depois de um tempo passou também a criar legendas em português.
Além da produção de legendas em si, o BaC ainda realizava mostras de anime na cidade de
Brasília, local de onde vem seu fundador, Antonius Kasbergen. No rastro desse
pioneirismo foram criados muitos outros fansubs, como o Lum’s Club e o AnimeGaiden.
Convém ressaltar que o BAC passou a compor em 1997, juntamente com os grupos K-
Anime, Paradoxx e Shin Seki Anime o Projeto Anime Plus, um projeto com fins
colaborativos que consistia na produção de legendas de títulos de animes de interesse entre
os grupos. De maneira geral, o objetivo dos primeiros fansubs brasileiros estava em
consonância com os ideais que nortearam a atividade em seu surgimento nos Estados
Unidos:
58
Trecho retirado do site do BAC – Brasil Anime Clube. Disponível em:
http://web.archive.org/web/20010923121513/http://bac.simplenet.com/
71
novidades em sua dinâmica interna. Atualmente, através do facebook e twitter é possível
acompanhar as atualizações, postagens e curiosidades sobre os lançamentos dos episódios
dos fansubs que, também mantém perfis nessas redes sociais. No entanto, é importante
ressaltar a importância simbólica do IRC para os fansubbers brasileiros e, também,
americanos. Em entrevista para o site Anime News Network (ANN), Tofusensei, membro
do fansub americano Live-eviL 59 fornece informações pertinentes sobre essa questão,
trazendo sua visão acerca desse tradicional espaço de sociabilidade e colaboração utilizado
até hoje por esses grupos na rede:
Tudo girou em torno do IRC. Começou com os geeks da internet e vai morrer com geeks da
internet. Precisávamos de um lugar colaborativo onde pudéssemos juntos fazer o nosso
trabalho; naturalmente, o IRC se encaixava perfeitamente para o fansubbing porque sendo
uma rede de bate-papo as pessoas estavam inclinadas a conversarem. Mas, contava com um
sistema de distribuição de arquivos muito rudimentar. Havia canais de anime no IRC, antes
mesmo de ter um método de distribuição de arquivos e canais de IRC do anime, antes
mesmo dos fansubs existirem.
Era, basicamente, de onde vinha os grupos de colaboração. Você passava horas e horas
trabalhando em fansubs e conversando com os outros no computador. Basicamente, a
comunidade se formou em torno disso.
O IRC costumava ser – antes da chegada do bittorrent – o principal local para as pessoas
adquirirem fansubs. Agora, obviamente, Bittorrent tomou a distribuição de IRC. Mas é
principalmente uma comunidade - de indivíduos de gostos em comum que gostam de ir lá.
Não é muito diferente, digamos de Second Life. O videogame. De fato é a mesma coisa.
Seu aspecto social é o mesmo.
[...] Noutro dia lançamos um título e decidimos fazê-lo somente no IRC; Eu não fiz
qualquer distribuição de bittorrent para ele. Isso porque queríamos alguma nostalgia,
queríamos que as pessoas voltassem para o IRC e com certeza todas essas pessoas nós não
vemos a anos, porque eles estão apenas transferindo os arquivos e nós não conseguimos
falar mais com eles. Um monte dos velhos subbers estão perdendo essa natureza. Mas a
comunidade gira em torno do IRC, é o coração dela. (BERTSCHY, 2008, online).
59
Página oficial do fansub Live-eviL. Disponível em: http://www.live-evil.org/faq
72
conteúdo mais conhecidos, como os do gênero shounen (destinado a jovens do sexo
masculino) ou shoujo (direcionado ao publico adolescente feminino) outros grupos se
especializaram em gêneros mais polêmicos tais como o Yaoi (temática homossexual
masculina), Yuri (temática homossexual feminina) dentre outros. Mas, de maneira global, o
que há em comum entre os fansubs brasileiros e demais grupos que operam na rede é a
diversidade dessas produções, permitindo esses fãs trabalharem com projetos ligados aos
seus gostos pessoais, concedendo a sua audiência o direito de escolher as versões que mais
convenientes lhes parecerem.
Conforme discutimos acima, existem muitos fansubs que traduzem animes para
diversas línguas, em formatos de vídeo e modos de distribuição diversos sendo difícil
precisar, quantitativamente, o número de grupos em atuação na rede. Trata-se, pois, de uma
atividade que atingiu escala global, em termos produção e distribuição, mas também, em
visibilidade. A ascensão de novas tecnologias de produção (Aegisub, DivX) e distribuição
(BitTorrent) representou algo que, fundamentalmente, colocou os fansubs (sobretudo, os
brasileiros) no “mapa internacional” de distribuição dos animes (LEE, 2011),
representando assim uma evolução no conceito de produção e distribuição pelo qual os
fansubs se organizavam, em seu período inicial de atuação na internet. Essa flexibilidade
trazida pela inserção das novas tecnologias nos processos de produção e distribuição,
naturalmente, tem seus reflexos na organização dos atuais fansubs.
Sobremaneira, a chegada e a adição de novas tecnologias de produção nos
processos de produção e distribuição dos fansubs tais como o Matroska60 (contêiner de
áudio e vídeos digitais), Combined Community Codec Pack (CCCP – filtros de compressão
de vídeo) e o Aegisub (software de fonte aberta) trouxeram mais flexibilidade para a
atividade (figura 03 e 04). Em termos de produção de legendas, os fansubs atualmente
dividem-se em dois tipos: hardsub ou softsub. O fato é que os primeiros fansubs digitais
60
O matroska é um container (lembrando que muitos acham que o Matroska é um codec, mas na verdade não é), sem
patente, com um formato de código aberto. Dentro de um matroska (.mkv), pode se colocar vídeo(s) + áudio(s) +
legenda(s). No caso dos fansubs, além de anexar somente a legenda, anexa-se também as fontes no matroska para que se
possa ver 100% do trabalho da edição do fansub.
73
(estadunidenses e brasileiros) anexavam a legenda ao vídeo, como se fosse um filtro
adicional, e esse tipo de “legenda” denomina-se como hardsub. Já a legenda softsub é o
inverso. A legenda softsub não é colada ao vídeo, como se fosse um filtro adicional 61 .
Atualmente, com o avanço dos codecs/containers e dos filtros de vídeo, existe um meio de
se ter a legenda e o vídeo “anexados” em um único arquivo, sem que ela esteja pregada no
vídeo. Referimo-nos especificamente ao Matroska (neste caso, extensão .mkv). Um ponto
forte do soft sub é que ele preserva mais a qualidade do vídeo ao contrário do hard sub que
exige mais espaço, mais bitrate no vídeo e, conseqüentemente, possui maior tamanho62.
Apesar de o softsub ser comum em fansubs estrangeiros, até recentemente, era pouco
usado entre os grupos no Brasil. Muitos ainda preferem legendar em hardsub onde a
legenda é fixada no vídeo, o que dificulta sua recodificação, ainda que possível nesse
padrão.
A popularização dessas ferramentas entre os fansubs e demais fãs vem adicionando
ao “jogo” novas formas de mediação e distribuição não planejadas de antemão nessa
comunidade de fãs. Com o softsub, abriu-se o caminho para que o trabalho dos fansubs
possa ser facilmente re-apropriado, modificado, refeito e retrabalhado por outros grupos e
agentes de diversos países no ciberespaço.
Devido a isso, a chegada de grupos no circuito fansubber que traduzem e legendam
animes num curto período (entre 5 e 8 horas após transmissão oficial) - os speed fansubs –
parece acompanhar uma tendência cada vez mais crescente à velocidade, o que vem
modificando as bases artesanais de mediação e distribuição que guiaram a prática até
pouco tempo atrás. Por isso, muitos fansubbers não consideram essa nova maneira de
apropriação e mediação legitima (ver cap. IV). De acordo com essa perspectiva, a
emergência dos grupos de velocidade no circuito fansubber parece ter acompanhado a
tendência contemporânea à instantaneidade requerida pela audiência que, como presume
Hills (2002), está cada vez mais interessada em acompanhar os ritmos da temporalidade de
difusão de seus produtos favoritos. O autor argumenta que as interações dos fãs uns com os
outros em suas comunidades são organizadas cada vez mais em torno de agendas de
61
A legenda softsub, antigamente, era vista da seguinte forma: imagine fazer um download de um filme que estivesse
estreando na internet, e em seguida esperar que um fansub soltasse a legenda para ver o filme com a tal legenda. Este é
um exemplo prático de legenda softsub. O que muitos grupos faziam era deixar na mesma pasta, o arquivo de vídeo (.avi)
e a legenda (.srt), ambas com o mesmo nome.
62
Pode-se ter diversas legendas diferentes no vídeo. Por exemplo: uma com um type normal e outro mais ousado ou
várias linguagens diferentes.
74
difusão de seus textos preferenciais, algo que observamos no consumo específico de
animes através do modelo dos grupos que atuam em nível speed.
[…] práticas de fandom tornaram-se cada vez mais entranhadas nos ritmos e
temporalidades de transmissão; os fãs vão agora on-line para discutir novos episódios logo
depois de transmitidos - ou mesmo durante os intervalos comerciais - talvez para
demonstrarem na oportunidade, a capacidade de resposta de sua devoção. (HILLS, 2002, p.
178)63.
75
metabólica que a tecnologia se dedica a aumentar e aperfeiçoar, como soube fazer para as
espécies animais” (VIRILIO, 1996, p. 108).
FIGURA 03
SCRIPT DE TRADUÇÃO - AEGISUB
FIGURA 04
SITE BITTORRENT – OMDA FANSUBS
76
Diante todo o exposto, cremos que está se tornando bastante difícil para os
fansubbers regularem as práticas em suas comunidades on-line bem como a distribuição de
seus trabalhos na rede para os demais fãs. Nossa aposta é que um novo tipo de comunidade
fansubber está se formando atualmente. Em termos comportamentais, observa-se que as
dinâmicas contemporâneas dessas comunidades assemelham-se bastante àquelas
encontradas no universo dos Multiuser Massive Online Role Playing Games (MMORPG).
No entanto, uma diferença substancial aí se impõe: apesar de se constituírem socialmente
como as comunidades de MMORPG, em termos de competitividade, os fansubbers criam
produtos finais que podem ser utilizados, reutilizados e re-produzidos ao fim do “jogo”
para além de fronteiras lingüísticas e nacionais (DENISON, 2011).
77
do mesmo programa; b) Uso de cores para identificar os diferentes personagens; 2) A
utilização de mais subtítulos com mais de duas linhas (até quatro linhas); 3) Utilização de
notas lineares na parte superior da tela; 4) Utilização de efeitos no corpo das legendas; 5) A
posição de legendas varia na tela (scenetiming); g) Karaokê nas aberturas e encerramentos;
6) Adição de informações sobre os grupos e, por fim, 7) Tradução dos créditos de abertura
e encerramento (FERRER SIMÓ, 2005, p. 30) .
Em estudos anteriores localizados na área da tradução audiovisual encontramos
descrições de suma importância quanto à organização das etapas de trabalho o que nos
permite entrever as competências requeridas para o processo de concepção dessas legendas
amadoras. Os pesquisadores espanhóis Jorge Díaz Cintas e Pablo Muñoz Sánchez (2006)
vão postular a existência de etapas de produção que se traduzem nas seguintes tarefas:
aquisição de fonte (raw), começando com a obtenção dos vídeos originais em sites P2P64,
tradução, sincronismo, typesetting, edição, codificação, distribuição e karaokê para as
seqüências de aberturas e encerramento dos animês (DIAZ E SÁNCHEZ, 2006, p. 40-42).
Após a revisão textual, o grupo disponibiliza na rede. Essas tarefas são divididas entre
membros do grupo e por muitas vezes um membro pode fazer várias tarefas. Quanto ao
tempo requerido, há que se dizer que depende deveras das habilidades das pessoas
envolvidas. Tofusensei, membro do fansub americano Live-eviL também comenta sobre
esse processo, em detalhes:
Inicialmente, nós temos que obter as raws. O que vem de uma variedade de fontes – para
compramos alguns títulos em DVD’s, cheguei ao ponto de viver no Japão para capturar os
shows para minha televisão – mas principalmente nós adquirimos a partir de sites japoneses
de peer-to-peer, às vezes as pessoas usam o bitorrent, mas principalmente nós usamos sites
japoneses de peer-to-peer, onde um novo show será exibido normalmente algumas horas
após a transmissão.
O próximo ponto importante é conseguir fazer a tradução. Isso é a primeira coisa que
precisa acontecer para que toda a gente possa começar a trabalhar, por isso o tradutor tem
de fazer a bola rolar. Assim, a primeira coisa que fazemos é obter para um tradutor o
arquivo e é tão simples como traduzindo o show em um arquivo de texto e indo de lá.
Existem alguns passos diferentes, de ter alguém a ir a tradução para ter alguém a hora no
arquivo de texto para o vídeo. O programa que normalmente usávamos era chamado
SubStation Alpha, mas o software que tem sido usado é chamado AegiSub, que é um
pacote de legendagem de ciclo livre.
Em seguida, há a edição do script ficando tudo cronometrado, com fonte bonita, karaokê,
tudo isso. Temos uma equipe de pessoas especializadas nesse ramo – assim você vai ter
alguém que é um editor, alguém que é um temporizador. E então todos nós juntos, fazemos
uma verificação de qualidade – grupos diferentes têm maneiras diferentes de fazer as coisas,
64
No decorrer das entrevistas com Aracraud, do Ryussei Fansub cheguei a esses dois sites que disponibilizam raws:
http://leopard.raw-providers.net/ e http://yousei-raws.org/
78
nós temos um grupo dedicado de pessoas que se voluntariou para assistir os shows várias
vezes e examinar tudo. A última etapa é a distribuição, que, atualmente, é uma fatia do
bolo; não é como era há 5-6 anos atrás. Se você tiver um bom tradutor e pessoas
qualificadas, o típico episódio será completado e liberado em torno de 12 a 20 horas
(BERTSCHY, 2008, online).
79
FIGURA 05
ASSINATURA ELETRÔNICA DOS FANSUBBERS
FIGURA 06
KARAOKÊ ANSK
80
Além disso, ressaltamos que por tradição, também se criou o costume de legendar
as músicas de abertura e encerramento que compõem os episódios das séries, os chamados
“karaokês” (figura 06). Na maioria dos casos, coloca-se a letra original de forma
romanizada em um canto da tela, e a tradução no canto oposto, para que a pessoa que
estiver assistindo possa acompanhar e cantar junto. Para isso, são utilizados todos os tipos
de recursos nessas legendas (efeitos e cores) de forma a auxiliar o espectador a visualizar
exatamente as partes da música que está sendo cantada (em japonês). Interessante notar
que as legendas e os karaokês dos grupos que atuam na rede diferem-se umas das outras.
Enquanto há grupos que primam por uma estética mais clean em suas legendas, isto é,
mais próxima daquela encontrada no mercado oficial, há aqueles que trabalham suas
legendas de forma bastante artesanal.
Ao contrário dos modos de tratamento historicamente dado aos textos nipônicos
pelo mercado televisivo brasileiro (com a edição de cenas, suprimento de jargões e termos
culturais pela dublagem), as principais idiossincrasias culturais presentes nos animes
ganham relevância e destaque na mediação promovida pelos fansubbers. Aspectos como a
gramática (na língua japonesa se diz “fulano tal coisa faz”), a transliteração (palavras sem
tradução), ditados e trocadilhos e as onomatopéias, além da inserção de créditos dentre
outras intervenções possíveis, materializadas nesse tipo de “legenda especial” conferem
complexidade e singularidade à experiência de consumo dos animes trabalhados por esses
grupos. Os fansubbers, familiarizados nos termos e jargões, sendo conhecedores exímios
de algumas das principais idiossincrasias culturais dos textos nipônicos, buscam uma
experiência mais “nipônica” possível na produção e concepção de suas produções. No que
concerne à tradução, quanto mais literal possível, melhor para uma grande parcela da
audiência-fã, principalmente, quando nos referimos àqueles mais aficcionados que buscam
uma experiência mais “nipônica” possível na fruição de seus animes preferidos. No entanto,
Carlos (2011) adverte que,
[...] se os fãs de hoje preferem uma tradução mais literal possível, por estarem aprendendo
elementos da cultura nipônica, como seus ditados, nem sempre foi assim. No caso da
tradução e dublagem de animês no Brasil, por exemplo, é comum ouvir fãs preferirem
legendas e reclamarem das dublagens. Muitos recorrem ao exemplo de “Yu Yu Hakusho”,
exibido pela Rede Manchete, no final dos anos 1990, como um trabalho bem feito. Porém,
a tradução é repleta de gírias, sendo claramente “abrasileirada”. Ou seja, a internet teve e
tem um papel importante para a construção de parâmetros para os fãs, visto que na época
não era tão comum no país, assim como baixar animês, devido à baixa velocidade.
81
Neste sentido, é possível afirmar que “as traduções oficiais em comparação com as
de fãs, muitas vezes amadoras e literais, acabam colocando em questão as traduções feitas
por profissionais” (CARLOS, 2011, p. 107). De fato, como observam Diaz e Sanchez:
Um dos fatos mais interessantes sobre fansubs é que os tradutores sabem que eles estão
lidando com um público muito especial composto de pessoas muito interessadas no mundo
do anime e, por extensão, na cultura japonesa. Esta é uma das principais razões pelas quais
tradutores tendem a ficar perto do texto original e para preservar algumas das
idiossincrasias culturais do original no texto de destino. Por exemplo, no Japão, as pessoas
preferem usar o sobrenome da família, em vez de o primeiro nome a tratar uns aos outros, e
eles aderem a um protocolo de linguística que se baseia na distância social. Usam sufixos
especiais como - Kun para adolescentes e menino - Sensei para os professores. Na versão
fansubbed do anime DNA 2, um dos personagens principais é tratado como Momonari-
kun (seu apelido de família + sufixo adolescente menino), enquanto que na versão em
espanhol comercial, ele é tratado como Junta (seu primeiro nome). Neste caso particular,
pode se argumentar que o fansub possa melhor identificar o status de seu personagem
favorito para a audiência. Apesar de serem necessárias mais pesquisas na área, parece
seguro afirmar que consumidores de fansubs são geralmente expostos a externas
idiossincrasias culturais do que outros espectadores (DIAZ E SÁNCHEZ, 2006, p. 46)65
Trata-se, pois, de convenções incorporadas por esses fãs que tem sua inspiração e
força simbólica em uma apropriação (em boa medida imaginada) acerca do modo como o
produto é consumido no Japão.
******************************************************
65
“One of the most interesting facts about fansubs is that translators know that they are addressing a rather special
audience made up of people very interested in the world of anime and, by extension, in Japanese culture. This is one of
the main reasons why translators tend to stay close to the original text and to preserve some of the cultural idiosyncrasies
of the original in the target text. For instance, in Japan, people prefer to use the family surname rather than the first name
to address each other, and they adhere to a linguistic protocol that is based on social distance. They use special suffixes
like -kun for boy teenagers and -sensei for teachers. In the fansubbed version of the anime DNA^2, one of the main
characters is addressed as Momonari-kun (his family surname + boy teenager suffix), whereas in the Spanish commercial
version he is addressed as Junta (his first name). In this particular case, it can be argued that the audience of the fansub
can better identify the status of their favourite character. Though more research is needed in the area, it seems safe to
assume that consumers of fansubs are generally exposed to more foreign cultural idiosyncrasies than other viewers”.
(Tradução nossa)
82
2.4 - Apontamentos finais
66
Discussões interessantes acerca da legitimidade da prática fansubber podem ser encontradas em diversos blogs
mantidos por fãs de animês na rede. Tais discussões carecem de uma investigação mais aprofundada.
83
O que penso dos fansubbers e sites de scans? Bem, quem acompanha o Papo de Budega
desde muito tempo - ou veja em "conscientização" - sabe que eu era terminantemente
contra um e outro. Hoje, tenho repensado que há casos e casos. Há situações que,
definitivamente, não devem nunca ser apoiadas, como fansubbers venderem Dragon Ball
Kai, sendo que este título já tem representante legal e emissora legal para exibir o anime.
Mas... há situações que, realmente, pedem uma análise. Vide mangás com traduções porcas
e DVDs com problemas técnicos sérios. Para casos assim, é de ser pensar realmente se a
saída são os scans e fansubbers. Mas, não um consumo aleatório, e sim um consumo
de protesto. Afinal, é um absurdo que um mangá, por exemplo, seja lastimavelmente mal
traduzido e incompreensível, que ninguém entende piada alguma, que o texto é deturpado
de forma horrorosa.67
[...] se o “de fã para fã” ainda resiste em alguns pequenos pontos de forma genuína e
honesta, a verdade é que ele serve como desculpa aos fãs e aos “fansubs” (que de fãs não
tem quase nada) para perpetuar um modelo de comportamento completamente
antropofágico. Se antes o movimento “de fã para fã” tinha algo a alcançar, o “de fã para fã”
atual é o maior perigo e o maior impedimento para que sequer exista um mercado brasileiro
de animes [...] Não estou pregando a eliminação de todos os fansubs, mas o modelo que
temos hoje não é sustentável se pensarmos de uma maneira mais macro como fãs de
animes que querem ver o mercado oficial crescer. Fansubs tem seu papel, mesmo que
tenham esquecido, e sempre vão existir68.
Lee (2010) vai notar em seu estudo sobre os fansubs do Reino Unido, que
predomina entre esses fãs uma visão bilateral acerca dos direitos autorais dos animes. Se
por um lado, reconhecem que realizam a prática por amor, com o objetivo de divulgar a
obra de determinado diretor que não se encontra disponível no mercado local, por outro,
compreendem que a atividade não é regulamentada e tem suas implicações no mercado
oficial. Fundamentalmente, se argumenta na comunidade fansubber que quando versões
legendadas começaram a circular na rede há alguns anos atrás, a indústria nada fez para
impedir ou fornecer textos substitutos para suas audiências locais. Enquanto a indústria
deixou de considerar o potencial da distribuição para os públicos estrangeiros, fansubs de
diversas línguas adotavam novas tecnologias para trazer os animês para um público cada
vez mais vasto. Por isso, ao mesmo tempo, considera-se que a atividade demonstra
claramente um novo modelo de distribuição de conteúdo, que é inseparável da produção
social do conhecimento coletivo sobre os animes. Apesar da legitimidade do modelo
fansubber ser questionada, enfatizamos que a natureza da atividade tem sido eficaz no
cultivo da cultura anime para além-mar. Mais do que diversificar a disponibilidade de
oferta de animes desconhecidos - exemplificando a estratégia “cauda longa” tal como
67
Trecho de post publicado em 07/02/2011 no blog Papo de Budega. Disponível em:
http://www.papodebudega.com/2011/02/fansubbers-e-scans-um-mal-necessario.html
68
Trecho de post publicado em 26/01/2012 no blog Gyabbo! Disponível em: http://gyabbo.wordpress.com/2012/01/26/o-
de-fa-para-fa-criou-e-matou-a-possibilidade-de-um-mercado-de-animes-no-brasil/
84
descrita por Chris Anderson (2006) – em várias línguas, a comunidade fansubber também
promoveu a produção e o compartilhamento de conhecimentos coletivos sobre os animes.
De todo o modo, é prudente ressaltarmos que a dimensão que a prática fansubber
adquiriu nos últimos anos, em função do seu desenvolvimento sinérgico com as novas
tecnologias tem implicações potenciais para o mercado oficial que, em certa medida, vem
tentando vir com modelos de distribuição que possam competir com o modelo de mediação
desses grupos. Enfrentando esses desafios, produtoras e distribuidoras de animes nos
Estados Unidos começaram a utilizar a internet como meio de distribuição através dos
serviços de streaming de vídeo on-line. Alguns desses sites são financiados pela
publicidade e assim pode oferecer transmissão gratuita, enquanto outros cobram dos
espectadores uma taxa, como é o caso do Crunchyroll. Atualmente, o Crunchyroll possui
os direitos para exibição online de mais de 200 animes, incluindo séries como Naruto
Shippuden e Bleach e outros títulos recentes lançados quase que simultaneamente com o
Japão, como Usagi Drop e Nichijou. Através do site é possível consumir conteúdo
fornecido diretamente por empresas de mídia asiáticas como a TV Tókio, Gonzo e a Toei
Animation, quase em seu tempo real de transmissão na TV japonesa. Para aderir ao serviço,
o usuário realiza o pagamento de uma taxa69 e passa a ter acesso a essas produções logo
após suas transmissões oficiais na TV japonesa. Além de Crunchyroll70, muitos sites de
streaming estão atualmente operando como o Hulu 71 , NBC.com 72 , Cartoon Network
Video73 e Funimation vídeos74.
69
Disponível em: http://www.crunchyroll.com/premium_comparison?src=bottombar
70
Disponível em: http://www.crunchyroll.com/videos/anime/simulcasts
71
Disponível em: http://www.hulu.com/
72
Disponível em: http://www.nbc.com/
73
Disponível em: http://www.cartoonnetwork.com
74
Disponível em: http://www.funimation.com/videos/simulcast
85
legitimamente, podem acessar títulos influentes, ao mesmo tempo como eles, no ar no
Japão. (DENISON, 2011, p. 14)75
Essa resposta dada pelo setor é vista como um grande salto, porém o impacto de
tais ações ainda têm sido tímido, sobretudo no Brasil que conta desde outubro de 2012 com
uma versão em português do Crunchyroll. De maneira geral, a percepção em torno dessas
transmissões oficiais é que elas ainda estão muito aquém do trabalho promovido
voluntariamente pelos fansubbers em diversos aspectos (DENISON, 2011).
Primeiramente, porque esses serviços de transmissão são geograficamente limitados não
podendo competir assim como o caráter descentralizado da distribuição encerrada por
esses fãs. Em segundo lugar, a oferta de títulos pelo serviço de streaming oficial também
parece estar longe de satisfazer o apetite dos fãs dessa cultura de nicho. E, terceiro, o
serviço de streaming, que se mantém através de um servidor central, não pode competir
com a distribuição peer-to-peer encerrada pelos fansubbers, que é determinante em termos
de capacidade técnica para a qualidade visual do anime. E, talvez mais importante: como
um fansub deve ser entendido como um hobby baseado na exploração criativa das
habilidades de seus agentes, não pode ser simplesmente substituído por esse tipo de
serviço.
Em suma, percebemos que a comunidade fansubber passou de uma condição de
pouca visibilidade e impacto na paisagem midiática global para uma posição privilegiada
de base de mediação e distribuição (informal, gratuita e especializada) das produções
seriadas japonesas para os fãs de muitos países. O fato é que as práticas dos grupos fansubs
em suas comunidades – desde seu surgimento em VHS até chegar ao universo digital -
reduziram a barreira de acesso aos animes. Atualmente, o espectador interessado pode
acessar facilmente os últimos lançamentos em matéria de animes, participar de fóruns de
discussão localizados nas páginas desses grupos e, até mesmo se envolver de maneira mais
comprometida no fandom de animes na rede com a manutenção de blogs, podcasts dentre
outras práticas possíveis. Mais do que intermediar o circuito desse produto cultural,
formando preferências e padrões de consumo, a atividade desenvolvida pelos fansubbers
75
“FUNimation recently began offering episodes of its English-language dubs on its website and ‘simulcasts’ of high
profile shows like Fullmetal Alchemist: Brotherhood (created by Hiromu Arakawa, 2009) that aired at the same time
online as it did in Japan. The Japanese industry is also adopting similar technologies, making previously illegal fansub
sites like Crunchyroll into rehabilitated partners. Japanese producer and distributor Gonzo and others (Rebuck, 2008) are
simulcasting through Crunchyroll, while Kadokawa have joined forces with YouTube (Fowlkes, 2008) in attempts to
achieve near simultaneous releases of anime product in and outside of Japan. These simulcasts are a direct challenge to
the proclaimed ethics of fansubbing groups, as there should be less need for fansubs when fans can legitimately access
high-profile titles at the same time as they air in Japan” (Tradução nossa).
86
em suas comunidades on-line oferece novos modelos de organização e distribuição de
conteúdo que não só suplementam, mas também poem em cheque o modelo pelo qual
operam as indústrias e distribuidoras dos animes. A amplitude de títulos, a velocidade nos
lançamentos e a qualidade textual e visual, fruto do trabalho de fãs dedicados, de caráter
descentralizado e ao mesmo tempo auto-organizado, vêm atualizando a relação entre
produção e consumo das séries (animadas) nipônicas, principalmente no contexto
brasileiro, na qual a televisão, até certo período histórico, desempenhou função de extrema
relevância.
Necessita-se, todavia, entender com maior detalhamento o contexto pelo qual se
deu a delimitação do tema e a coleta de dados da referida pesquisa para que se possa
melhor articular essas discussões aos dados observados ao longo da observação empírica
na comunidade fansubber brasileira. Dito de outra maneira, na próxima fase, apresentamos
os dados coletados com os fansubbers brasileiros, problematizando nossa aproximação
com o objeto de pesquisa, momento no qual também apresentamos o método e o corpus
privilegiado para nossa análise.
87
CAPITULO III
88
dos informantes com o fandom e os grupos em que atuam, encaminhando assim a
discussão para última fase da pesquisa, destinada à análise dos dados que obtivemos com
aplicação do questionário, contato e observação das dinâmicas e discussões entre esses
agentes.
Neste sentido, questões referentes à delimitação do objeto de pesquisa e os níveis de
aproximação da pesquisadora com os fansubbers brasileiros se impõem enquanto
elementos dignos de explicação. O fato é que o contato estabelecido com o fandom de
animes e suas práticas culturais e, particularmente, com os fansubbers brasileiros
representou um processo extremamente enriquecedor, mas também um grande desafio para
a pesquisa. Primeiramente porque a minha incursão no universo “cool japan” se deu
anteriormente à minha entrada na vida acadêmica; remonta a segunda metade da década de
1990, período no qual se dá o grande boom anime no país. Embora não saiba o ano exato
em que assisti o primeiro seriado nipônico ou participei da primeira convenção de fãs
adquiri um contato bastante estreito e afetivo com a cultura pop japonesa ao longo desse
período, tendo por vezes, me aventurado em práticas como o cosplay em ocasião dos
eventos anime, produzido amadoramente alguns fan vídeos e, até mesmo, legendado
animes preferidos, tendo em vista explorar minhas habilidades nessas ferramentas.
Naturalmente, o trânsito desses produtos via televisão, juntamente com o circuito das
minhas relações pessoais composto por colegas de escola, de bairro, amigos mais próximos
e conhecidos e, posteriormente, a rede de relações que estabeleci no ambiente universitário,
me ajudaram a ter um contato bastante próximo com os produtos e práticas que permeiam
não só o mundo anime, mas também outras práticas, expressões e hábitos de consumo
relacionados à cultura nerd que, intrinsecamente, se relaciona com o universo do pop
japonês como os jogos de RPG, Cards Games, campeonatos, eventos destinados a esse
nicho dentre outras possíveis. Sendo assim, essa proximidade previamente existente
advinda do meu interesse por esses produtos e o contexto social e cultural no qual me
encontrava localizada foi fundamental para que eu visualizasse posteriormente nas práticas
promovidas no fandom de animes como fenômenos empíricos potenciais para um estudo de
cunho acadêmico. Entretanto, ressalto que ao acompanhar os animes pela TV, discuti-los
em meu circuito de relações e freqüentar eventos e convenções de fãs em minha cidade (no
Rio de Janeiro) e fora dela (prioritariamente, em São Paulo) estabeleci um olhar afetivo
com essa cultura. Até o presente momento, visualizava as práticas promovidas por esse
fandom sob o prisma da afetividade, porém sem saber ou refletir exatamente o que tais
89
práticas revelavam. Só anos mais tarde, observando o crescente interesse da academia
sobre as questões que envolvem as audiências e suas práticas de consumo, produção e
colaboração, encorajei-me a pensar na possibilidade de elaborar um projeto de dissertação
relacionado ao universo dos fãs de animes.
Particularmente, as festividades de comemoração do Centenário da Imigração
Japonesa concentradas na cidade de São Paulo foram decisivas para um “despertar” para a
realização da presente pesquisa. Foi em junho de 2008, período no qual residia na referida
cidade que se deu o ponto de partida da empreitada. Recordo-me da multidão no
Sambódromo do Anhembi (o principal local que abrigou as festividades) carregando
bandeiras do Brasil e do Japão; a reação do público com a chegada do príncipe herdeiro
Naruhito que desfilou em carro fechado e foi recebido, respeitosamente, por uma platéia
em absoluto silêncio; os inúmeros shows de dança, música, artes marciais e ginástica
rítmica que se somavam às expressões no campo da tradicional culinária, da arte e da moda
pop japonesa. Workshops, projeções de filmes de mangá e anime, além de campeonatos de
Cosplay e palestras exaltavam os hábitos, cultura e valores trazidos pela imigração, alguns
já bastante difundidos no Brasil, sobretudo nos eventos realizados por fãs. Minha sensação,
ao término das comemorações era de que havia descoberto, finalmente, um fenômeno que
pudesse investigar na pesquisa que ensejava fazer em nível de mestrado. Sendo assim,
decidi que investiria na investigação do processo de circulação da cultura nipônica no
Brasil dando ênfase ao circuito alimentado pela cultura fã, subcultura na qual
aparentemente já me encontrava imersa enquanto consumidora e enquanto fã, mesmo sem
ter consciência disso até a presente ocasião.
Em 2010, período no qual efetivamente se deu minha candidatura e aprovação no
processo seletivo do mestrado da UFF, empenhei-me na verificação de trabalhos
acadêmicos que versavam sobre o tema, assim como das áreas que dialogam com o campo
da comunicação, constatei que diversos pesquisadores trabalharam - em livros, artigos,
teses e dissertações - com algumas das muitas questões que envolvem o universo dos fãs
dos produtos de mídia asiática - os denominados otakus (BARRAL, 2000; AZUMA, 2001)
- e dos trânsitos e consumo dos produtos da cultura pop japonesa no Brasil (LUYTEN,
2000, 2005; SATO, 2007), mais precisamente, os mangás e animes. Encontrei análises
pontuais e reflexões relevantes acerca dos espaços onde as práticas e expressões dos fãs
brasileiros ganham forma (MACHADO; 2009a, 2009b; LOURENÇO, 2009). Aspectos
como violência, guerras e conteúdos eróticos, ou seja, os gêneros contidos nos mangás e
90
animes também foram alvo de análises, principalmente, devido às implicações desses
conteúdos na formação subjetiva das audiências. Fundamentalmente, notei que embora
existentes (AMARAL; DUARTE, 2008; CARLOS, 2011; OLIVEIRA; MORENO, 2010;
NUNES, 2012), ainda são escassas pesquisas brasileiras com enfoque no universo dessa
cultura de nicho, sobretudo, associadas às práticas aportadas nas redes digitais.
Observando que uma parcela de fãs mais engajados, composta em grande medida
por amigos e conhecidos meus que se reconheciam enquanto fãs (alguns otakus e/ou nerds
auto declarados) destinavam uma parte significativa de seu tempo livre no
desenvolvimento de práticas colaborativas no universo da internet atreladas ao mundo dos
animes, optei por dar ênfase particular à investigação sobre a prática fansubber, atividade
que sempre me despertou um interesse particular dentre as demais práticas que permeiam o
mundo anime. A escolha se deu, primeiramente, devido a minha própria experiência
enquanto freqüentadora dessa comunidade de fãs e consumidora de animes traduzidos por
esses grupos, mas, acima de tudo, por considerar relevante dentre as demais práticas no
que tange à compreensão dos processos de circulação e consumo dos produtos
audiovisuais nipônicos no Brasil.
Todavia, para que pudesse entender mais profundamente as dinâmicas existentes na
comunidade fansubber, contei com o auxílio de Anissina Keiko (AniKei), alguém que foi
fundamental na minha excursão nos espaços virtuais onde se desenrolam as interações
entre os fansubbers brasileiros. Mesmo detendo de certo capital de conhecimento sobre a
linguagem, os códigos de comportamento e assuntos que envolvem a dinâmica dessas
comunidades me fossem familiares (por constituir juntamente com os outros fãs, a
“audiência” desses grupos), notei que precisava adentrar mais profundamente em tais
ambientes para visualizar as relações “micros” que se estabeleciam entre os próprios
fansubbers. Neste sentido, as primeiras informações concedidas por Anikei foram
imprescindíveis para que eu pudesse tecer minhas primeiras impressões sobre o fenômeno.
Mas do que isso: o conhecimento anterior que tinha acerca das regras, funcionamento,
códigos da comunidade e, ainda, sobre a produção de legendas em si, boa parte oriundos da
minha relação pessoal com Aníssina Keiko e outros membros do circuito da cultura nerd
(não necessariamente fansubbers) da minha cidade foram fundamentais para que eu
dialogasse com esses agentes no decorrer da pesquisa.
O passo seguinte consistiu numa tímida, porém intensa observação nessa
comunidade através dos blogs, sites fansubs, nos fóruns localizados nessas comunidades e,
91
principalmente, nos canais dos grupos mantidos na plataforma MIRC. Considero, portanto,
esse período que compreende a elaboração do projeto e a entrada no mestrado como uma
espécie de laboratório de onde emergiu as minhas primeiras impressões sobre o fenômeno.
Tal período foi fundamental para que pudesse pensar as questões, perguntas e estratégias
que agora são adotadas na dissertação.
No decorrer da realização do mestrado, prossegui na observação das interações
entre os fansubbers e com os demais fãs em alguns canais de discussão do MIRC e nos
fóruns de discussão em blogs e sites fansubs. Entretanto, restringi meus comentários nos
espaços dos grupos buscando acompanhar – como simples observadora – as discussões nos
principais blogs e canais do MIRC dos fansubs cujos quais já tinha o hábito de acessar.
Poder acompanhar discussões sem ser visto pode gerar resultados significativos,
diferentemente da etnografia presencial, por exemplo. A meu ver, somente através de uma
postura de “silenciamento” de minha parte, seria possível entender melhor as dinâmicas
dessa comunidade. Isso porque, um dos desafios que visualizava na presente pesquisa
referia-se justamente em minha proximidade com o objeto, ou seja, o universo anime e os
próprios fansubber. Visava, portanto, uma mudança no olhar sobre um objeto que me era
“familiar” em algo que fosse “exótico” (DAMATTA, 1987, p. 157). Todavia, ao
compreender que a realidade (seja ela familiar ou exótica) é sempre capturada por um
determinado ponto de vista do pesquisador, ou seja, é sempre percebida de maneiras
diversas, passei a visualizar o objeto de pesquisa não necessariamente como o “exótico”,
mas como “uma realidade bem mais complexa do que aquela representada pelos mapas e
códigos básicos” (VELHO, 1978, p. 12). O desafio, portanto residia em “estranhar” aquilo
que me era “familiar”:
93
MIRC, espaço virtual tradicional desse fandom, onde uma parcela dos fansubs brasileiros
ainda se reúne e nos blogs e sites mantidos pelos grupos na rede. Com base em
informações preliminares, acreditava que o conhecimento na plataforma MIRC seria de
suma importância para a minha inserção no universo de alguns grupos tidos como mais
“tradicionais” que compõem a comunidade brasileira de fansubbers na rede. A estratégia,
portanto, consistia em utilizar os meios pelos quais esses agentes estavam habituados, isto
é, suas ferramentas de interações preferidas tendo em vista facilitar a minha entrada e
permanência do diálogo com os grupos e seus agentes em questão. No entanto, embora a
relevância do MIRC para os fansubbers seja enfatizada no presente trabalho, primei por
observar as interações desses fãs em suas comunidades virtuais, principalmente, através
dos blogs e sites de torrent mantidos pelos grupos brasileiros, sobretudo, porque percebi
uma mudança significativa nos meios de distribuição dos animes trabalhados por esses
grupos, bem como nas formas de interação entre os fansubbers brasileiros e sua audiência
na rede.
A fim de dar conta da análise desse material, isto é, analisar esse conjunto de
agentes, suas dinâmicas e micro-relações em suas comunidades, a “etnografia” foi o
método utilizado para a realização desse estudo em sua dúbia aplicação: tanto enquanto
“método” privilegiado quanto como “produto resultante de uma pesquisa (relatório,
narrativa)” (FRAGOSO, AMARAL e RECUERO, 2011). Sendo assim, optamos pela
etnografia para dar conta de analisar os fansubbers brasileiros, de forma que fosse possível
uma maior aproximação com esses agentes sociais no ambiente onde se desenrolam suas
práticas. Dessa forma, as etapas metodológicas seguidas neste trabalho foram:
1) Primeiramente, realizei via chat do MSN um primeiro contato, onde fiz diversas
perguntas para Aníssina Keiko, fansubber que fazia parte da minha rede pessoal de amigos,
acompanhada de uma observação das páginas dos grupos que havia previamente pensado
em trabalhar 76 , de modo que pudesse tecer minhas primeiras impressões quanto ao
fenômeno e também checagem de algumas questões e problemas elencados previamente
no projeto de pesquisa. Considero, portanto, essa primeira etapa, realizada em 2010, como
uma fase piloto da pesquisa, momento no qual restabeleci alguns contatos e fiz novos
contatos na referida comunidade e no circuito anime de maneira geral.
76
Minha idéia inicial era trabalhar apenas com um (01) grupo de tradução: o OMDA fansub ou o grupo Dattebayo Brasil.
Com a descontinuação desse último grupo e o encerramento definitivo de suas atividades em 2011 e, devido ao avanço da
pesquisa, tive que repensar o trajeto.
94
2) Após a revisão do projeto de pesquisa (período no qual também fiz uma revisão
bibliográfica sobre o tema), dediquei-me exclusivamente à observação participante nos
blogs e sites fansubs que julgava serem relevantes para compor o corpus da pesquisa, mas
também na tentativa de fazer um mapeamento dos grupos brasileiros em atuação na rede.
Sendo assim, nesse período que compreende agosto de 2011 a março de 2012, me dediquei
a mapear os grupos brasileiros atualmente em atuação na rede. Assim, cheguei ao longo
desse período a um total de 137 fansubs no Brasil, mas é inegável que devam existir outros
mais. Importante ressaltar que, embora a maioria dos ambientes online dos grupos em
atuação ofereça um acesso fácil ao usuário comum e contenha dados relevantes para o
estudo, como por exemplo, as discussões que ali se estabelecem, há certos grupos na
comunidade brasileira que atuam de maneira mais discreta e pontual. Uma das ferramentas
utilizadas durante esse mapeamento foi o site Anime Blade (figura 07) onde são listados
dezenas de grupos de fansubs (assim como de scanlations). Outra forma foi checar os links
de recomendações e parceiros nas próprias páginas dos fansubs.
FIGURA 07
SITE ANIME BLADE
Banco de dados que reúne informações sobre animês e atua na divulgação dos fansubs brasileiros
(FONTE: Internet)
3) Num terceiro momento, tendo em vista fazer um recorte mais preciso para a
pesquisa, primei por entrar em contato com os membros dos fansubs que se mostraram
95
mais relevantes ao longo da observação participante do ponto de vista da análise proposta.
Acreditava, assim, que a abordagem sob um recorte de pesquisa mais preciso seria
vantajosa. Por isso, contactei a partir de maio de 2012 um total de doze grupos através de
alguns de seus membros ou mesmo pelo email do grupo, quando esse era existente. Aos
grupos pré-selecionados, enviei um convite informando-os sobre o meu interesse de
pesquisa, fornecendo algumas informações acerca da minha posição enquanto
pesquisadora do tema. A proposta, portanto residia em deixar claras as minhas “intenções”
quanto à abordagem do tema, uma vez que sabia, desde o início da pesquisa que incorria
no risco desses fãs me confundirem com alguém do mercado ou da área jurídica que
possivelmente poderia estar ali travestido de pesquisador para sondar os grupos. Visando
minimizar essas desconfianças que possivelmente poderiam surgir, forneci o link do meu
currículo lattes e do meu facebook e, ainda, de dois artigos de minha autoria que expunham
inicialmente a idéia da dissertação.
O resultado desse contato inicial com os grupos foi sentido de diferentes maneiras:
enquanto metade (6) dos grupos contatados apresentou interesse em colaborar com a
pesquisa, respondendo prontamente o convite enviado, os demais adquiriram uma postura
silenciosa, apesar de terem sido contatados por diversas vezes ao longo da pesquisa.
Curiosamente, entre alguns dos grupos que não nos responderam, residem inúmeras
polêmicas envolvendo os métodos de mediação e distribuição aplicados em seu sistema
produtivo77. Esse episódio ilustra algumas das dificuldades que encontramos ao longo da
pesquisa, mas também nos serviu de alerta para nos atentarmos à pluralidade dessa
comunidade, nos aproximando de certas discussões recorrentes e relevantes para a pesquisa,
sobretudo, aquelas relacionadas à legitimidade das práticas conduzidas pelos grupos
brasileiros em suas comunidades.
Sendo assim, ao final contamos com a colaboração de membros de 6 grupos:
Ryussei Fansubs78, Eternal Animes Fansub79, OMDA Fansubs80, Sukinime81, Seitokai82 e
Anime No Sekai83. Para os membros dos grupos, enviei um questionário com perguntas
77
Os grupos que nos referimos são Naruto Project, Bleach Project e PUNCH! Fansub.
78
http://www.ryuusei-fansubs.com/
79
http://eternalanimes.org/
80
http://bt.omda-fansubs.com/
81
http://sukinime.org/home/
82
http://www.seitokaianimes.com/
83
http://www.ansktracker.net/
96
individuais, isto é, para que cada membro descrevesse sua função no grupo e refletisse
sobre questões relacionadas à prática fansubber. Composto por perguntas abertas e
fechadas, o questionário tinha como principal objetivo captar as impressões individuais dos
fansubbers em torno da atividade que desenvolvem em seus grupos.
O questionário individual84 aplicado aos fansubbers era composto por quatro eixos
fundamentais, contendo perguntas abertas e fechadas sendo todas de resposta obrigatória.
Na primeira parte, pedia-se que os fansubbers preenchessem seu nome completo e o
apelido pelo qual são conhecidos em seus grupos, seguido de idade, escolaridade, profissão,
estado e cidade onde reside e o grupo fansub o qual está vinculado. Na segunda parte,
pedia-se aos fansubbers que informassem o tipo de relação que possuem com a cultura
anime de maneira geral; se costumavam a participar de eventos animes, se desenvolviam
outras atividades relacionadas à cultura pop japonesa, se os mesmos se consideravam
otakus/fãs da cultura japonesa e se desempenhavam outras atividades paralelas
relacionadas à cultura pop japonesa (desde o cosplay, a manutenção de blog, podcast ou
práticas como o scanlation). Na terceira parte, perguntava-se aos participantes questões
referentes aos níveis de envolvimento com a comunidade fansubber internacional e local;
se viam diferença entre fansub brasileiro de um grupo para outro; questionou-se se
existiam brigas entre os grupos de fansubs ou mesmo entre os membros do mesmo grupo, e
o tipo de contato estabelecido com entre eles e a audiência (fãs) dos grupos que fazem
parte.
Por fim, na quarta e última parte, perguntava-se aos fansubbers questões tendo em
vista entender as regras norteadoras que regem as atividades desenvolvidas nessa
comunidade de fãs. Perguntou-se se existia algum código de ética e/ou regras de conduta
estabelecida nessa comunidade para a atuação dos grupos; questionou-se também sobre o
que torna alguém um bom fansubber e/ou um mau fansubber; ainda perguntamos qual o
desafio de fazer fansub no Brasil; também pedimos que dessem suas opiniões acerca da
associação da prática com a violação dos direitos autorais; se costumavam comprar títulos
lançados pelo mercado oficial e, por fim, se acreditavam que a atividade fansubber um dia
pudesse não ser mais necessária e se sim, por quais motivos. Nosso objetivo na aplicação
do questionário foi o de compreender, principalmente, quem é esse fã que traduz e legenda
animes, quais as motivações individuais na realização dessa atividade, além de evidenciar
84
Ver anexos.
97
as reflexões desses próprios agentes sobre a mediação e distribuição – formal e informal -
de animes no Brasil.
4) Por fim, a partir das respostas85 obtidas nesses questionários foram selecionados
sete (07) informantes que por terem revelado aspectos importantes na resposta de algumas
das questões elencadas e, ainda mais importante, por estarem dispostos a participar das
demais fases da pesquisa compõem, assim, um corpus de amostragem intencional86 para a
abordagem qualitativa que o trabalho propõem. Embora nosso foco se dê na análise das
considerações desses sete informantes, utilizo-me eventualmente dos dados obtidos por
outros fansubbers entrevistados, e casos de outros grupos que não compõem efetivamente
a amostragem da pesquisa. Neste sentido, mesmo que tenha tentado restringir o número de
fansubbers e grupos que menciono nesta pesquisa, a fim de evitar confundir o leitor com o
excesso de nomes, acredito que, em alguns momentos, este poderá sentir-se perdido quanto
às várias identidades aludidas. Acredito, no entanto, que a não memorização das
identidades virtuais dos fãs e de seus grupos não tire a força dos argumentos propostos.
Dentre os elementos mais significativos para a escolha desses membros estavam o
fato de: a) por terem tempos de atuação distintos na comunidade fansubber e ocuparem
funções também distintas no processo de produção (tradutor, revisor, karaokê maker, etc.);
b) por terem um status de relevo nos grupos que atuam, representando assim a visão geral
dos fansubs investigados (algo percebido ao longo da observação de suas dinâmicas em
seus espaços on-line) c) por terem respondido de modo significativamente particular sobre
as questões que versavam acerca dos modos pelos quais a prática fansubber deveria se
conduzida pelos grupos e, talvez mais importante: por terem demonstrado um interesse
elevado sobre a discussão que o trabalho propõe e por estarem dispostos a manterem o
diálogo com a pesquisadora e colaborarem ao longo das demais fases da pesquisa,
conforme já exposto.
Através das respostas obtidas nas entrevistas (combinadas com a observação
participante) nos colocamos a par das principais questões, discussões e acontecimentos que
envolvem o multifacetado circuito da comunidade brasileira de fansubbers. Mais do que
isso: aos poucos, fomos tomando conhecimento que há uma idéia fortemente construída no
fandom de animes e na comunidade fansubber brasileira sobre o modo como a prática
fansubber deva ser conduzida pelos grupos. Isto é, existem certos códigos e regras de
85
No total, contamos com 14 participantes que responderam o questionário em sua totalidade.
86
Sobre amostras intencionais na internet ver Fragoso, Recuero e Amaral (2011, p. 78).
98
conduta nessa comunidade sob os quais os grupos brasileiros guiam suas atividades, em
menor ou maior grau. Não obstante, creio que em um meio caracterizado pela falta de
contato face-a-face, o estabelecimento de reputações e hierarquias entre os membros da
comunidade fansubber junto ao fandom de animes depende, amiúde, do modo como as
práticas desses grupos são conduzidas por seus membros. Mas antes de nos debruçarmos
nessas questões, cabe-nos traçar um breve perfil dos grupos investigados e dos informantes
da pesquisa, para passar à próxima fase da pesquisa, destinada a análise dessas políticas
ativas atualmente em voga na comunidade fansubber brasileira.
87
Consiste numa coleção de arquivos de áudio, materializados em um ou mais CDs com histórias lidas por atores,
geralmente, dubladores japoneses. Das muitas séries de mangá que são convertidas em anime logo são também
produzidas em CDs utilizando os seyuus que realizaram as vozes originais do anime. No entanto, isto não é sempre o
caso e existem vários exemplos de CD dramas onde se utiliza um elenco completamente diferente ao do anime.
88
“Vocaloid é um sintetizador de voz criado pela Yamaha Corporation, o qual possibilita a criação de canções a partir um
banco de voz específico. (conjunto de gravações da voz do dublador de um vocaloid). O software se tornou um grande
sucesso com sua segunda versão, sendo que grande parte de sua popularidade foi graças à Crypton Future Media e seus
bancos de voz da Character Vocal Series, em especial o banco Hatsune Miku. Com todo esse sucesso uma loja oficial de
Vocaloid foi aberta pela Yamaha e diversas empresas aderiram ao Vocaloid3 com diversos planos diferentes
para expandir ainda mais a popularidade do software”. Disponível em: http://eternalanimes.org/vocaloid-sobre/
99
Os grupos de tradução brasileiros investigados nesse estudo eram em sua maioria
antigos, criados entre 2000 e 2007 (com exceção do Seitokai), época na qual se dá a
popularização da prática fansubber no Brasil através da rede, conforme apresentado no
relato que seguiu no segundo capítulo sobre a história da prática no país. Os grupos OMDA
e ANSK eram, respectivamente, os mais antigos, datando de 2000 e 2003; em 2006 foram
criados o Eternal Animes e o Sukinime; em 2007, o Ryussei fansubs e, em 2011, o Seitokai
animes. No que se refere à quantidade de membros envolvidos no processo de produção
dos grupos, o Ryussei possuía cerca de 10 pessoas envolvidas, sendo dos fansubs
entrevistados o mais numeroso em número de membros, enquanto o Eternal Animes era
praticamente uma iniciativa individual, pois tinha apenas seu criador e ocasionalmente
contava com alguma ajuda conforme será relatado na trajetória desse membro. O segundo
mais numeroso foi o ANSK, com 8 membros. O OMDA, Sukinime e Seitokai apresentaram
uma média de 5 pessoas em sua staff. Observou-se também que os membros dos grupos
investigados ocupavam uma ou mais funções no decorrer do processo de produção. Sendo
assim, nesses grupos maiores como o ANSK, a criação de uma staff própria para cada
projeto é corriqueira, embora tenhamos observado em grupos menores como o Sukinime
esse mesmo tipo de funcionamento.
No que diz respeito aos espaços utilizados por esses grupos na rede, há que se dizer
que todos os fansubs investigados privilegiam a manutenção de uma face pública, seja
através de sites (Ryussei e Seitokai), portais (Sukinime), blogs (Eternal Animes) e trackers
(OMDA e ANSK). Nesses espaços, além dos links diretos para downloads são despejadas
informações de toda a sorte relacionadas ao universo dos animes trabalhados pelos grupos,
além de conter as regras de convivência e interação nesses espaços, que variam de grupo
para grupo. O contato dos fansubs com os freqüentadores geralmente se dá por fóruns
públicos (ou semi-públicos), geralmente localizados em trackers ou nas páginas dos grupos,
através de chats e espaços destinados a esse tipo de interação, mas também no IRC.
Dos seis grupos investigados, cinco deles utilizam-se dos serviços do BitTorrent na
distribuição de seus trabalhos, embora até pouco tempo atrás utilizassem prioritariamente
dos serviços de filehosting, com exceção do grupo Sukinime. Com o fechamento de um dos
mais populares serviços de file host - o Megaupload - em janeiro de 2012, relacionado a
dois projetos de lei para combater a pirataria na internet, SOPA (Stop Online Piracy Act) e
PIPA (Protect IP Act), o trabalho dos grupos brasileiros foi altamente impactado,
sobretudo, entre aqueles que tinham como método único esse tipo de distribuição. Dois
100
grupos (ANSK e OMDA), os mais antigos em termos de atuação no circuito fansubber
brasileiro possuíam tracker próprio todos mantidos por doações feitas pelos usuários-fãs
do serviço. O Seitokai utiliza o conhecido tracker público (e internacional) Nyaa89 para
distribuir suas produções. Outros dois grupos (Eternal Animes e Ryussei fansub)
distribuem seus projetos através de uma parceria com a comunidade do OMDA, grupo que
hospeda atualmente em seu tracker os lançamentos de 28 fansubs, incluindo os citados. Já
o Sukinime utiliza-se de servidores eventuais (que são instáveis) para distribuir os animes
que trabalham. Nenhum dos grupos investigados utiliza-se do serviço de streaming, ainda
que observado ao longo da observação participante que muitos grupos brasileiros oferecem
essa possibilidade. Sendo assim, temos os trackers como sistema de distribuição
compartilhado entre a maioria dos grupos investigados, embora as metas, regras e
características da comunidade do ANSK e OMDA e, por conseguinte, de grupos parceiros
deste último como Eternal Animes e Ryussei, apresentem diferenças conforme veremos na
próxima fase da pesquisa. Todos os grupos investigados informaram manter bots de
distribuição em canais do MIRC.
A maioria dos fansubs entrevistados trabalha com re-traduções a partir da língua
inglesa por estarem mais disponíveis em nível de rapidez e acessibilidade na rede. Com
exceção do Sukinime que possui membros em sua staff com domínio da língua japonesa e,
que podem traduzir os textos diretamente do áudio, isto é, compor uma tradução direta, os
demais grupos re-traduzem os scripts do inglês diante da maior facilidade de aquisição de
raws 90 nessa língua na internet. Este dado mostra também como a prática fansubber
articula-se globalmente, mais do que a suposta ligação direta entre Japão (pelo anime ou
por raw fornecido por japoneses) e Brasil (pelo fansub), há uma ligação entre fansubbers
de diferentes nacionalidades, pois há toda uma relação em rede (não organizada, fluida,
instável), caracterizando a prática como transnacional. Ainda observamos que existe uma
grande variedade de grupos que primam por adaptar ao máximo suas legendas para o
português. Nos grupos abordados, observou-se uma primazia de informações e termos em
japonês em seus projetos. Notas explicativas e karaokês das músicas de abertura são
convenções ainda bastante latentes no trabalho desses grupos, o que confere ao trabalho
final dos grupos brasileiros um caráter bastante artesanal, um tipo de legenda especial que
89
http://www.nyaa.eu/
90
No decorrer das entrevistas com Aracraud, do Ryussei Fansub cheguei a esses dois sites que disponibilizam raws:
http://leopard.raw-providers.net/ e http://yousei-raws.org/
101
diferenciam assim as legendas aplicadas por outros fãs, por exemplo, no universo dos
legenders91 das séries americanas.
Quanto às formas de indexação das legendas, apenas o Eternal Animes utiliza-se da
legenda soft sub como meio padrão. Os demais grupos ainda utilizam-se do tipo de legenda
hard sub, o que dificulta sua recodificação por outros usuários. Já em relação ao formato e,
conseqüentemente, o tamanho dos seus arquivos de vídeo, os grupos investigados não
trabalhavam com formatos menores (como o RMVB), embora grupos populares no circuito
brasileiro (como o Naruto Project) e sites de reencodes privilegiem esse padrão de menor
qualidade. Todos os grupos, portanto, apresentaram uma preocupação com padrões de
qualidade visual e textual de seus projetos. O ANSK e o Eternal Animes, por exemplo,
trabalham com formatos como Bluray e DVD Rip. Já o Ryussei, Sukinime e OMDA estão
entre os grupos que lançam mão de formatos como o MP4 e AVI para a distribuição de
suas produções.
1) Aracraud
Aracraud tem 23 anos de idade, mora na cidade de Alegrete no Rio Grande do Sul
e tem o ensino médio completo. Trabalha como técnico de informática numa empresa de
médio porte, no mesmo município. No grupo de legendagem que colabora há quatro anos –
91
Ver Bernardo (2010).
102
o Ryussei fansub - ocupa diversas funções: além de raw hunter, ainda é tradutor (inglês-
português), timer e karaokê maker. O informante afirma que cada uma dessas funções
possui suas especificidades e, portanto, a duração de cada etapa pode variar bastante de
grupo para grupo. Atualmente, sua rotina divide-se entre “trabalhar, estudar e fansubar”,
sendo a última atividade considerada por ele um tempo lazer e diversão, mas que exige
certa obrigação, mas afirma com orgulho: “faço por que gosto”.
Sua relação com a cultura pop japonesa se deu de maneira semelhante à de uma
parcela significativa de fãs: através dos animes veiculados na TV aberta brasileira. Ele diz
ter se fascinado com a possibilidade de poder assistir tokusatsus (seu gênero predileto) e
animes sem cortes e legendado através da internet. Aracraud afirma que seu primeiro
download desse tipo de material foi de um site de reencode apresentado por um amigo há
alguns anos atrás e, desde então esse interesse vem sendo permanentemente renovado. Já
sua relação com a atividade fansubber começou efetivamente em 2006, no grupo
descontinuado Anime Koi. Quando o questionei sobre o que o levou a desenvolver a
atividade, sua resposta foi que através de um pedido de ajuda do extinto Anime Koi
despertou um interesse maior em fazer parte de uma atividade pela qual necessariamente
pudesse ajudar na sua constituição. Segundo o informante, seu contato com a audiência do
Ryussei fansub atualmente se dá no canal do IRC, diariamente e semanalmente nos
comentários do tracker do grupo parceiro OMDA, onde os projetos do Ryussei são
lançados. Já com os membros de seu grupo essas conversações se dão através do skype, o
que o faz ficar longas horas “falando com o computador”. Não obstante, ele afirma que
sua profissão e seu divertimento se dão através das atividades que desenvolve na rede,
tanto como profissional tanto como fansubber. Sobretudo, afirma que a recompensa que
recebe por conta da atividade que desenvolve se dá quando “os fãs reconhecem o trabalho
e agradecem pelo esforço que tivemos para fazer o anime”.
O informante não desenvolve nenhuma outra atividade relacionada à cultura pop
japonesa além do fansub, já que, segundo ele, “dispõe de pouco tempo para isso”, nem
possui o hábito de freqüentar as tradicionais convenções de fãs (apesar de afirmar já ter
freqüentado), por julgar a concentração dos eventos (em cidades como São Paulo, por
exemplo) e a inadequação de muitos espaços em cidades de menor porte, fazerem com que
sejam qualitativamente “muito abaixo do que deveria ser”, como é o caso dos poucos
eventos existentes em sua cidade. No entanto, se assume enquanto otaku devido ao
103
conjunto de produtos pelos quais se interessa; o informante coleciona quadrinhos, animes,
mangás, tokusatsus e possui uma extensa lista em seu computador de músicas japonesas
(assuntos pelo quais consistia muitas de nossas conversas via skype ao longo da
observação participante).
Quando lhe indaguei sobre as diferentes características observadas por mim entre
os grupos brasileiros e estrangeiros de fã-tradução, o informante no disse que essas
diferenças “sempre existiram e irão existir”, pois a seu ver, não é um objetivo da
comunidade fansubber a uniformização de todas as variáveis da prática. Para ele, seria
natural cada grupo privilegiar um gênero específico ou um formato de arquivo particular
para disponibilizar os títulos. Devido a isso, admite consumir animes trabalhados por
outros fansubs, pois em sua opinião “nenhum fansub bom tem staff para lançar todos os
projetos de uma temporada”. Para Aracraud, um elemento substancial a se considerar
quanto às diferenças entre os grupos brasileiros são os modos de tratamento concedidos
aos animes: “alguns deles são bem criteriosos nos projetos que fazem, outros já não
seguem essa linha”. Em linhas gerais, o informante apresentou uma opinião bastante crítica
acerca das atividades de alguns grupos brasileiros em suas comunidades, sobretudo, os
grupos de velocidade e os sites de reencodes.
Quanto ao status informal da prática fansubber, o informante curiosamente
classificou a atividade como pirataria, embora considere ser esse “o menor dos problemas,
pois fazemos de graça não cobramos nada pelo que fazemos”. Segundo Aracraud, a
gratuidade da atividade é um fator de relevo para a legitimidade da atuação dos grupos
brasileiros. Para ele, o fato de algumas pessoas acharem que não existem princípios a
serem seguidos nas atividades desenvolvidas nessas comunidades, se deve justamente por
conta das práticas de alguns grupos “mal intencionados” que passaram a compor o circuito
brasileiro nos últimos anos. Ele ressalta: “isso não diferencia do fansub, apesar de alguns
acharem que não temos isso, nos tratam como criminosos, afinal, esses animes são
produzidos e disponibilizados por pessoas que o fazem sem o consentimento de seus
criadores”. Para ele, “ética existe em tudo que se faz na vida” seja no ambiente off-line
como no on-line.
Ainda para Aracraud, o atual mercado brasileiro de animes é incipiente por ser
condicionado totalmente ao mercado norte-americano: “hoje em dia não se trás mais
animes para o Brasil se eles não fizerem sucesso nos E.U.A [...] o que a meu ver torna o
anime muito comercial”. Para ele, um dos maiores desafios enfrentado atualmente na
104
comunidade fansubber local e internacional está no “caça as bruxas” declarados aos
servidores de hospedagem e trackers. O informante ainda arrisca dizendo que, futuramente,
redes tradicionais de distribuição fansubber como o IRC podem ser altamente impactadas
por essas ações, complementando: “Sim os fansubs ainda usam IRC mesmo sendo velho e
fora de moda”. Para ele, o cenário ainda é “muito incerto” para afirmar se a prática terá
vida longa ou se irá acabar no Brasil.
2) Jihox
Jihox tem 20 anos, mora na cidade de Cabo Frio, município do Rio de Janeiro e é
graduando do curso de Ciência da computação da Universidade Federal Fluminense (UFF).
É tradutor, revisor e moderador da comunidade do speed fansub Anime no Sekai (ANSK),
grupo que está desde 2003 em funcionamento na rede e que atualmente se resume ao
tracker e canal do grupo no MIRC. Sua primeira tradução foi em dezembro de 2011,
quando passou nos testes pelos quais o grupo submete geralmente os novos membros e
considera-se “ bem novo nesse ambiente nipônico ” quando comparado a outros
fansubbers como Aracraud, por exemplo. Aliás, foi através do ANSK em 2010 que se deu
sua primeira experiência com um material não oficial, produzido por fansubs. Ele afirma
que sua principal motivação para desenvolver essa atividade foi seu interesse particular por
animes e por idiomas estrangeiros (Jihox é fluente no inglês). O estudante informou que
mantinha um blog em inglês onde discutia suas impressões sobre animes que assistia, mas
que parou de atualizá-lo há dois anos, uma vez que prefere mais “assistir e traduzir” do
que simplesmente “escrever sobre animês”. Ele corrobora seu interesse ao dizer que
“traduzi-los” (os animes) é uma forma de se “manter próximo do idioma” pelo qual
se interessa, “enquanto faz algo que gosta”.
Segundo o informante, fatores como a experiência, disposição, concentração,
tamanho do script e até a linguagem utilizada pelas personagens inferem diretamente no
tempo que utiliza para a tradução dos episódios. Ele afirma que procura sempre “adequar
o nível de coloquialidade da tradução com as marcas das falas”, no que pode levar cerca
de “até seis horas desde a tradução da primeira linha até a revisão completa” para
finalizar o processo. Quando o questionei como sua função de tradutor interfere em seu
105
cotidiano, ele me respondeu que a consonância da datas com que os episódios são lançados
pelo grupo ajuda na programação das suas atividades cotidianas. Sobretudo, ele afirma que
ainda que necessite conciliar esse tempo com outras responsabilidades como a faculdade,
tem “total liberdade para atrasar a tradução de um episódio, se for preciso, ainda que não
goste disso”. Apesar de “traduzir por lazer”, ele diz que se “considera na obrigação
de fazer um bom trabalho e não atrasar os lançamentos, já que muitas pessoas ficam na
expectativa dos lançamentos semanais”.
Quando o questionei se ele se considerava um fã da cultura pop japonesa, isto é, se
ele se via como um otaku, o fansubber nos disse “não ser (muito) fanático”. Ele diz que
apesar da predileção particular pelo “estilo de animação japonesa, as histórias (ainda que
alguns argumentem serem escassas), as trilhas sonoras e até mesmo os seiyuus (pessoas
que fazem as vozes das personagens), diferentemente de Aracraud, rejeita a classificação
de otaku e acrescenta: “não como comida japonesa e não tenho a menor vontade de morar
no Japão, mas gostaria muito de visitá-lo”. Seu discurso revela uma aversão a esses
rótulos próprios a cultura anime. O informante, curiosamente, ainda revelou nunca ter
experenciado os eventos anime, principalmente, por “ não se sentir atraído em
participar”, embora tenha nos contado de sua pretensão nesse ano (2012) em participar de
um evento por “pura pressão dos amigos”, mas também por acreditar “ser legal por ser
um contato presencial entre pessoas com o mesmo hobby”, o que é bem diferente do
contato via fóruns e chats na internet.
Ao perguntá-lo sobre o tipo de relação que possuía com a comunidade fansubber, o
informante disse se “dar bem com todos os membros da staff do ANSK”, embora sua
relação com membros de outros fansubs possa ser considerada incipiente. Para ele, esses
contatos não influenciam muito no seu trabalho sendo, em sua visão, “apenas troca de
experiência com pessoas "do ramo"”. Entretanto, o informante ressalta que o contato
estabelecido com os usuários presentes no canal do IRC e no fórum do ANSK, no decorrer
da sua atividade enquanto moderador dessa comunidade é deveras importante para a
visibilidade do grupo: “Criar uma base de fãs também pode ser difícil, mas é legal ver as
pessoas consumindo o seu trabalho e discutindo sobre os projetos que você lança”. Quando
lhe indaguei sobre as diferentes características dos grupos brasileiros de fã-tradução, o
estudante afirmou que “cada grupo tem um perfil de projetos que lançam, o que define
bastante quais “tipos de fãs teremos”.
106
O estudante afirma que um dos maiores desafios de se fazer fansubber no Brasil se
encontra na instabilidade dos sistemas gratuitos de distribuição disponíveis na rede. Para
ele, especificamente, “sites de filehosting geram muito problemas com baixas velocidades
e deleção dos arquivos, sem contar que fazer o upload dos lançamentos para esses sites
com a internet que temos no Brasil é demorado”. Para ele, isso dificulta o trabalho dos
grupos brasileiros e os distingue dos grupos internacionais. Ainda sobre isso, para o
informante, “a comunidade internacional também é muito maior e possui trackers públicos
bem conhecidos (como tokiotosho, nyaa) além de bots que distribuem episódios pelo IRC
de forma centralizada”. O informante ainda foi categórico ao afirmar que não acompanha
trabalhos produzidos por outros grupos brasileiros (com exceção do ANSK) tendo
predileção especial pelos grupos internacionais com legendas em inglês.
O informante afirma ainda que a seu ver, a prática que desenvolve seria “um crime
do bem”, que não gera “prejuízos para as mídias japonesas já que o Brasil não é foco de
nenhum serviço delas”. Para ele, essas obras jamais estariam disponíveis para os brasileiros
se não fosse o trabalho desenvolvido pelos fansubbers em suas comunidades. Em sua
opinião, “essas mídias ganham visibilidade no Brasil graças ao nosso trabalho [...]
Basicamente as empresas japonesas de animação ganham, os fas de animes ganham e nós...
Trabalhamos. E ganhamos também de certa forma fazendo o que gostamos”. Segundo o
informante, “há tempos emissoras brasileiras deixaram de lançar periodicamente animes
por aqui e mesmo que você tente ser um bom fã e comprar blu-ray, boxes dos animes que
você gosta, o valor a ser pago é tão absurdo que eu duvido que muitas pessoas o façam”.
Por isso, atualmente, acredita que com a internet cada vez mais acessível seja possível que
se estabeleça em longo prazo um mercado oficial para a distribuição de animes com
abrangência mundial. Mesmo com uma visão positiva acerca dessa possibilidade, ele
adverte: “as mídias japonesas só precisarão traduzir suas obras para outros idiomas [...] A
Crunchyroll já faz isso, alguns animes lá são legendados em português, mas a baixa
qualidade da nossa internet e a pouca variedade ainda são entraves para a popularização do
serviço”.
107
3) Seyffert
Seyffert tem 26 anos, mora em Santo André, no estado São Paulo, possui o ensino
médio completo e trabalha como programador e webmaster. Atua desde 2007 como
karaokê maker e typesetting no grupo OMDA fansub, um dos grupos mais antigos em
funcionamento abordados nessa pesquisa, com 13 anos em atividade. Seu contato com a
cultura pop japonesa se deu através de um vizinho, que trouxe do Japão fitas VHS de
Dragon Ball e Akira e a partir daí foi se interessando mais pelo assunto e procurando saber
mais a respeito. Como freqüentador assíduo da Rede Rizon no IRC, que hospedava boa
parte dos canais de fansubs como o OMDA, foi se tornando conhecido pela staff do grupo e
logo recebeu um convite para colaborar num dos projetos do grupo, já que possuía todos os
requisitos requeridos, devido à natureza da sua profissão. Desde então é membro do
OMDA sempre atuando nas mesmas funções que, variam em termos de tempo de
realização: “tem projetos que levam até 3 dias para serem concluídos”. Segundo o
informante, suas funções no OMDA não interferem tanto no seu cotidiano, embora admita
que seja um tempo tanto dedicado a um hobby quanto um tempo de obrigação, uma vez
que “de certa forma tira a liberdade do seu lazer”. Ele conta que seu contato com o
grupo é diário, via “mirc, email ou mesmo gtalk”, mas que conhece alguns dos membros
do grupo pessoalmente. O informante ainda revelou “não ser um fanboy assumido da
cultura japonesa e suas adjacentes”, e não desempenha outras funções no fandom de
animes. Mas se considera “muito fã” de animação, “não necessariamente a japonesa”.
Para ele, basta ter uma boa história e belos traços para que lhe chame a atenção.
De modo semelhante à posição de Aracraud, a visão de Seyffert acerca do circuito
anime no Brasil é bastante crítica. De maneira particular, ele enfatiza a má organização dos
eventos e o difícil acesso a essa experiência para as pessoas que não residem em São Paulo.
Segundo o informante esses são os fatores que desmotivam sua participação presencial.
Mais do que isso: para Seyffert, a venda dos animes legendados por fansubbers (comum
nos estandes desses eventos) é um dos maiores agravantes para considerar “desnecessário
esse tipo de evento”.
Segundo o informante, os fansubs estrangeiros se destacam em termos de dedicação
e quantidade de membros, mas principalmente, esse destaque se dá por “ conta da
facilidade de acesso a computadores de ponta que auxiliam no encode e na edição do
108
anime”. Ele ainda pontua que a principal razão de diferenças entre os grupos brasileiros
está no quesito visibilidade: “as diferença sempre existem, ainda mais quando um fansub
quer se destacar do outro. Sempre existem erros de português, encodes falhos, traduções
feitas no Google translator”. Para ele, a natureza gratuita da prática contribui para que
esse tipo de tratamento seja freqüente entre os grupos brasileiros. Ainda nos relatou que
costuma assistir animes sem legendas, diretamente da raw com o áudio em japonês, mas
“não pelo fato de não gostar dos fansubs brasileiros, mas pelo pouco tempo que tenho,
nem sempre os fansubs conseguem lançar em ‘tempo real’ os animes que gostamos”.
Quanto ao aspecto informal da prática fansubber, demonstrou conhecimentos nas
implicações da atividade, afirmando naturalmente: “se você cria algo, vende e paga
fortunas de impostos para manter uma obra intelectual certamente você não gostaria de ver
seu material sendo disponibilizado gratuitamente para grande massa”. Ele informou que
não possui o hábito de contribuir com o mercado oficial local, sobretudo por considerar
que é um tratamento que não é “feito com carinho”: “não compro nada da Playarte por não
gostar das traduções e adaptações tanto em legenda, áudio e encode de vídeo”. Seyffert
definiu o mercado brasileiro de animês como “vergonhoso”. Para ele, existem poucas
editoras publicando o material nipônico: “lançam apenas o popular, mas existem muitas
histórias lado b fantásticas”, algo pouco explorado, a seu ver, pelo mercado local. Assim,
considera que a atividade que desenvolve contribui para uma maior circulação dessas
histórias. O informante ainda nos disse que embora seja natural que a prática se torne
pouco exercida com o desenvolvimento do mercado transnacional, acredita que “ela nunca
irá acabar”.
4) MegaSenpai
MegaSenpai tem 36 anos, mora em Juquitiba, interior de São Paulo, possui o ensino
médio completo e é vigilante. Iniciou suas atividades como fã-tradutor em 2008; por ter
um “bom conhecimento em inglês/português e gostar de animes” se ofereceu para
colaborar na equipe do Ryussei fansub, grupo que atua desde então. Atualmente, acumula
quatro funções no grupo que foram sendo incorporadas com o passar do tempo: é tradutor,
revisor, timer e encoder. Em sua opinião, o tempo de execução das etapas aplicadas a cada
109
função é variado e considera a “tradução, revisão, time e typesetting” as etapas mais
demoradas de todo o processo. Ele diz ser uma atividade que toma bastante seu tempo,
uma vez que possui mais de uma função, mas diz fazer isso por diversão. Segundo o
informante, “fansubar deixa de se tornar divertido se começar a ser considerado como
obrigação, por isso afirma não deixar “de ter vida social ou ignorar outras atividades
importantes” por conta das funções que desempenha no Ryussei.
Assim como Aracraud, ele se considera um otaku: “sim, é algo que gosto muito.
Me divirto, me emociono e sinto prazer ao assistir um bom anime ou ao ouvir uma boa
música japonesa”, mas também diz ter uma predileção por outros produtos culturais como
“filmes, livros, musica e poesia”. Ele afirma ter freqüentado (ao longo da época de ouro
dos animes) de diversas convenções de fãs e acredita que a expansão desses eventos tende
a continuar atraindo muitas pessoas. Diz ainda que seu primeiro contato com um material
legendado por fansubs se deu no período que corresponde à fase VHS da atividade, embora
não saiba especificar o ano exato. O informante nos apontou (assim como Seyffert) que em
São Paulo, mais especificamente no bairro da Liberdade, “há um grande comércio
proveniente de fansubers. Coisa que acho deprimente, pois nós não visamos lucros.
Sempre colecionei revistas especializadas em animes e tenho dezenas de mangás em casa”.
Ao perguntá-lo sobre o tipo de relação que possuía com a comunidade fansubber, o
informante disse se comunicar com a audiência do trabalho do grupo, principalmente, por
intermédio do canal do Ryussei no IRC, respondendo dúvidas, recebendo sugestões de
projetos e, principalmente, batendo papo: “a parte legal de ser um fansuber é o fato de se
conhecer diversas pessoas [...] fiz diversas amizades com diversas pessoas de fansubs
também diferentes”. Mas pontuou a existência de conflitos entre os grupos brasileiros:
“infelizmente, eu já presenciei diversos atritos entre fansubs diferentes e entre membros
de um mesmo fansub. Os motivos são os mais variados possíveis, desde simples
infantilidade por parte dos membros até desentendimentos sérios ” . Ainda para o
informante, as diferenças que residem entres os grupos brasileiros e os internacionais estão
nos modos de execução dos projetos – na tradução, revisão e encode – e o gosto por
determinado gênero ou estúdio de animação.
Fundamentalmente, o informante nos disse notar certo desgaste no circuito
fansubber brasileiro. Para MegaSenpai, esses conflitos são negativos e podem gerar
algumas conseqüências para os grupos e para a audiência-fã: “isso pode atrapalhar a
110
continuidade de um projeto ou mesmo levar à extinção do fansub e de todos os projetos no
qual o mesmo estiver envolvido”. Para ele, “muito disso se deve porque todos os membros
dos fansubs precisam trabalhar e estudar. Já perdemos vários talentos por causa disso. E
como ser um fansubber requer dedicação e conhecimento, poucos estão dispostos a essa
agradável ocupação”. Em diálogo com esse informante, notamos que um dos grandes
desafios encontrados pelos grupos brasileiros de fansubs diz respeito à escassez de
candidatos a tradutores e revisores. Apesar de um interesse crescente de membros mais
novos no fandom em colaborarem com as atividades inerentes à prática fansubber, o que
ocasionou uma potencial renovação dessa comunidade, nem todos os grupos possuem em
sua staff membros que detenham conhecimentos avançados sobre a língua japonesa ou
inglesa e até mesmo o português, de modo a compor uma tradução e uma revisão textual
satisfatória. Para ele, um dos maiores desafios enfrentado atualmente na comunidade
fansubber está em estabelecer um padrão de qualidade, “seguindo normas corretas da boa
tradução e revisão [...] ao assistirmos um anime bem produzido, sentimos prazer e nos
divertimos”.
O informante afirmou categoricamente que “fansubbers não podem ser
relacionados à pirataria, pois não visam lucro naquilo que fazem”. Para ele, trata-se de uma
atividade que visa à partilha com os outros daquilo que não é oficialmente distribuído no
país: “levamos esse conceito tão à sério que deixamos de produzir qualquer projeto que
seja oficialmente lançado no Brasil”. Em sua opinião, os grupos de fã-tradução de maneira
geral “levam a fama de pirateiros por causa de pessoas sem escrúpulos que se apropriam de
nossos projetos para vende-los em lojas e barraquinhas por todo o país”. A seu ver, apesar
da prática ser motivada pela diversão, “é necessário ser responsável” uma vez que se trata
de “uma atividade que requer amor e dedicação como qualquer outra”.
Segundo MegaSenpai, o mercado de animes local é “muito fraco” atualmente em
comparação a época de ouro dos animes no país: “Hoje em dia tal mercado perdeu a
importância pois para as grandes emissoras animes não geram a audiência de uma novela
da globo, por exemplo”. O informante ainda no disse não ter o hábito de comprar DVDs
lançados oficialmente no país.
111
5) ShionTNT
112
procurando sempre ajudar e responder os questionamentos dos usuários do fansub. Para ele,
esse período de atuação na comunidade proporcionou a criação de amizades e respeito
mútuo entre aqueles que o informante conhece (entre fansubbers e usuários): “respeito o
conceito particular de fansub de cada um, não fico "querendo ensinar o padre a rezar a
missa na igreja dele" como dizem na minha terra. Respeito todos e graças a isso sou
respeitado também”.
O informante salientou ser um fã de animes e mangás, ressaltando sua apreciação a
tudo relacionado ao Japão: “Sempre fui fã da cultura japonesa desde pequeno e meu sonho
sempre foi morar no Japão”. Por isso, se assume enquanto otaku devido ao conjunto de
produtos pelos quais se interessa: “sou um grande otaku porque gosto de animes, mangás,
escuto música japonesa, discuto sobre esses assuntos muitas vezes esquecendo até do
assunto principal da conversa. Parece que quando escuto a palavra "anime" um botão liga
dentro de mim e eu viro outra pessoa”. O informante ainda revela sua predileção pelos
produtos oriundos do Japão, embora ressalte fazer parte de uma geração que cresceu
“assistindo Pica-Pau, Tom & Jerry, Duck Tales, Caverna do Dragão, Flinstones, Os Jetsons
entre outros”. Fundamentalmente, Shion aponta que, “em comparação aos animes, os
produtos americanos são muito pobres tanto em conteúdo quanto em diversão [...] Para
pessoas desentendidas não há muita diferença atualmente, mas quem entende um pouco
disso percebe a grande diferença”. Aliás, dentre os nossos informantes, Shion foi o único
que comentou mais abertamente sobre o estereotipo que ronda a figura do otaku e,
consequentemente do fansubber:
Acho que é um problema meio comum entre gente do mundo do fansub e otakus em geral
serem considerados pessoas anormais. No meu caso muita gente fala que eu sou um ET,
sou retardado, tenho deficiência mental e que embora tenha 30 anos no corpo a mente num
cresceu mais depois dos 10 anos e coisas assim. Ou seja, de certo modo sofro um
preconceito por ser otaku e fansubber. Meus amigos que são fãs de animes e otakus são os
únicos de quem eu não sofro preconceito por estarem na mesma situação que eu. Já sofri
preconceito pelo simples fato de estar ouvindo músicas em japonês de gente que acha que
anime é algo idiota (ShionTNT).
113
Muita gente não vai a eventos de animes por serem mal divulgados, caros e inseguros. Falo
por experiência própria”. Já por outro lado, considera-se um “crítico de qualidade” quando
o assunto são outros fansubs. Segundo o informante, os fansubs brasileiros e estrangeiros
seguem o mesmo esquema de organização, sendo a língua a única diferença mais evidente.
A seu ver, “sempre tem os fansubs que fazem algo com qualidade e outros que deixam a
qualidade de lado e prezam a velocidade pra lançar mais cedo”.
Quanto ao caráter informal da prática fansubber, o informante foi categórico ao
defender que a atividade fansubber não pode ser vinculada à pirataria, considerando tal
discurso “besteira” uma “desculpa dos que fazem distribuição oficial pra terem lucro”.
Em sua opinião,“embora o vídeo seja sobre o mesmo assunto, a tradução é diferente, o
encode é diferente, o container do arquivo e o modo de distribuição são diferentes”. Para
ShionTNT, “se não fosse a questão burocrática, da papelada e de quem vai embolsar os
lucros, os fansubs estariam sendo pirateados pela ordem da coisa”, tendo em vista que os
fansubs sempre saem à frente das mídias oficiais locais em questões de distribuição.
Assim como boa parte dos informantes, Shion considera o atual mercado brasileiro
de animes defasado, principalmente, devido a inserção da internet no cotidiano das pessoas.
Para nosso informante, aqueles interessados em animes procuram cada vez mais formas
gratuitas de aquisição e que dêem conta de uma experiência completa com o texto92. Para
Shion o cenário ainda é “muito incerto” quanto ao destino dos fansubs: “o que está levando
o Fansub brasileiro à decadência é que quase ninguém quer assumir a responsabilidade de
terminar algo que começou [...] o que deixa o grupo com mais um "buraco a tapar". No
entanto acredita que “sempre tem alguém querendo ver algo atual e com boa qualidade”.
Por isso, crê que a prática continuará tendo demanda e, conseqüentemente, oferta no
fandom de animes.
92
O informante nos forneceu um exemplo prático sobre isso: “Como exemplo vou citar o anime Vampire Princess Miyu.
Em 2002, o Studio Gabia resolveu entrar no ramo da distribuição de animes em dvd de olho no que se pensava ser um
mercado promissor. Eles compraram um monte de séries e longas que seriam gradativamente lançadas nas bancas de
revistas, mas Vampire Princess Miyu teve somente 3 volumes lançados, o que dá uns 10 episódios (A série tem 26 e 4
OVAs), e apesar do 4º volume estar pronto o estúdio saiu do mercado dos animes e com isso várias séries que eles
compraram como Shaman King nunca saíram deixando o comprador a ver navios embora a culpa seja dos próprios
"clientes"” (ShionTNT).
114
6) Chiaki-Senpai
115
atuar no fansub. Mas de maneira geral, o informante ressalta as amizades que fez ao longo
desse curto período de atuação (em comparação aos demais informantes): “o nosso contato
é o melhor possível, tendo poucos problemas com pessoas do ramo”. Ainda ressaltou não
ter presenciado nenhum atrito envolvendo o Seitokai, ou quaisquer outros grupos, sendo
discreto quanto a esses questionamentos.
Quando lhe indaguei sobre as diferentes características dos grupos brasileiros, o
informante nos disse que “a maioria não possui uma equipe muito bem qualificada para
tais funções comprometendo assim a qualidade do lançamento. Mas para ele, “desde que
seja feito e distribuído sem quaisquer cobranças aos fãs/usuários, vejo tudo como sendo
feito de coração e dentro de suas limitações tentando fazer o seu melhor”. Devido a isso,
admite consumir animes trabalhados por outros fansubs como MDAN, Shakaw, Ryuusei,
Eternal Animes, MorningSpeed, pois considera o trabalho desenvolvido por esses grupos
(entre outros vários que já encerraram suas atividades), de grande qualidade. O informante
revelou ainda ser contrário à idéia de que fansub se relacione com pirataria. Em sua
palavras, “pirataria seria obter lucro sobre alguma propriedade privada.”. Para ele, trata-se
de uma atividade que visa a partilha com os outros daquilo que não é oficialmente
distribuído no país: “a prática de fansubbing é um compartilhamento de cultura. Se não é
cobrado um valor por aquilo, não é pirataria”.
Segundo Chiaki-Senpai, o mercado de animes local é um “desastre”, poderiam
investir mais e melhor na área que teriam retorno garantido: “Os animes estão
completamente esquecidos, embora saiam alguns títulos eventualmente. Eu não gosto de
animes dublados, então, para mim, as empresas deveriam investir em legendas decentes e
vídeos sem edições ridículas. Por isso, acredita que os fansubs só irão acabar se, por acaso
“houver investimentos na área para trazer, legalmente, os títulos para o Brasil”.
7) Aníssina Keiko
116
mangás (scanlation) do gênero Yaoi, gênero preferido de nossa informante. Entretanto, sua
história na comunidade fansubber data de 2004, bem antes de sua entrada no Sukinime. De
acordo com a informante, tudo começou quando um amigo lhe apresentou o MIRC e o
canal #OMDA na rede Rizon, onde costumava fazer downloads de animes. A partir daí,
devido ao seu grande interesse pelos animes, foi conhecendo os caminhos para adquirir
essas produções e também alguns membros ativos de grupos fansubs, até ser convidada
para fazer parte de um projeto: “o Chrono me perguntou se eu queria fazer parte do
fansub (Oga fansub), mas como eu não sabia nada, ele me disse que não haveria problema,
que ele me ensinava. Comecei só nesse fansub, como revisora, mas em dois anos eu já
fazia parte de 40 canais no MIRC e estava envolvida em diversos projetos, aí o troço
começou a ficar pesado”.
Devido a esse envolvimento intenso com o universo fansubber, a informante se
deparou com diversos aspectos como a falta de tempo para executar outras atividade de seu
cotidiano, optando por paralisar suas atividades nos grupos durante dois anos: “muita
parte do meu dia era só pra isso. Mas na época eu não tava trabalhando, estudando. Por
isso eu cheguei e avisei pro pessoal que ia ficar sem tempo”. Seu retorno se deu em 2008
com o Sukinime, de uma maneira também não planejada de antemão ou como ela diz “sem
querer ter entrado”. Anissina nos contou como se deu seu retorno na comunidade
fansubber através desse grupo:
[...] Um dia eu fui procurar um yaoi na net que eu queria ver, nessa eu acabei conhecendo o
Sukinime. Entrei no canal e encontrei um amigo que era do primeiro fansub de yaoi que
teve no Brasil, que eu também fiz parte [...] aí a Lisa viu que eu já tinha feito coisa de
fansub e tal, aí ela me perguntou se eu não queria entrar no fansub [...] A minha primeira
reação foi dizer “não, não quero mais essa vida pra mim” [...] Aí ela perguntou se eu não
queria tentar traduzir, sem compromisso, daí eu fiz, pedi pra ela conferir se tava legal,
porque meu japonês e meu inglês na época não era “grande coisa”, mas ela achou ótimo
[...] Daí ela me colocou como OP do canal e aí foi. (Anissina Keiko)
Nunca me considerei otaku porque assim... otaku é uma palavra muito feia em japonês.
Otaku é aquele viciado, fanático por qualquer coisa. Eu gosto de alguns animes e mesmo
assim são extremamente restritos [...] Adoro yaoi mas não é todo yaoi que eu gosto de
117
assistir. Sou muito seletiva com os animes que eu vejo [...] Sou fã de anime mas não me
considero otaku, porque não consigo assistir qualquer coisa (Anissina Keiko).
Se eles não fizerem da maneira que fazem, colocando num linguajar a altura de suprir as
relações entre os personagens (o chan, o sam, o Sama) até considero a posssibilidade de
consumir por esses meios. Lá o tipo de relação é muito determinado e aqui não se respeita.
Outro fato de adequação da linguagem que eles também não respeitam é quando o
personagem fala numa linguagem histórica (tipo, o Samurai X) e substituem com uma
simplificação, gírias dos dias atuais (Anissina Keiko)
Por isso, sempre que possível, a informante importa mangás e animes do Japão, por
considerar o que está disponível no Brasil, não só de baixa qualidade, mas também pelo
objetivo de consumir aquilo que ainda não foi licenciado, contribuindo assim para “o
verdadeiro mercado oficial” (Anissina Keiko). Embora reclame das altas taxas e custos
dessa importação, ela ressaltou valer “muito a pena” ter o material oficial original do Japão
em mãos e, completa: “É outra experiência, outro cuidado”. Sendo assim, acredita que por
mais que se invista num mercado local a longo prazo, não vê a possibilidade da prática
acabar, por envolver uma dinâmica que consegue abarcar uma diversidade de títulos que
seria difícil o mercado “simplesmente copiar”.
118
CAPÍTULO IV
A atividade de um fansub possui um slogan bem bacana: "Feito de fãs para fãs". É
uma frase bem conhecida e tem algumas implicações, a primeira delas sendo a
gratuidade. Quem se compromete a desenvolver uma atividade fansubber, seja
qual for, deve fazê-la de graça. As doações devem partir das pessoas que se sentem
confortáveis em contribuir com o seu trabalho de alguma forma e essa
contribuição DEVE SER USADA para manter e melhorar a infra-estrutura do
grupo, não para enriquecimento próprio da equipe. Outro princípio um tanto
implícito mas que eu gosto de ressaltar é que a gratuidade não deve ser desculpa
para trabalho mal feito. Faça o trabalho, faça-o de graça e faça-o da melhor
maneira possível, SEMPRE. Quem não concorda com isso, que não faça, existem
outras formas de ajudar que não envolvem tanto comprometimento. Uma terceira
prática que gosto muito é a de não se meter nos assuntos de outros grupos. Darei a
minha opinião sobre um grupo ou outro só se me perguntarem, mas não ficarei
"semeando o mal".
119
ambiente, demonstram como o ethos da comunidade fansubber - historicamente e
socialmente construído – naturalmente é suscetível aos efeitos de mutabilidade do tempo.
De fato, algumas das principais questões reveladas por nossos informantes ao longo
das entrevistas e observação participante apontam para o estabelecimento de mediações
diversas – como as promovidas pelos speed subs e sites de reencode – que, antes de tudo,
evidenciam o amplo campo de disputas e conflitos nessa comunidade. Por isso,
defendemos nessa dissertação que o olhar ortodoxo recorrente em torno da cultura fã pela
literatura acadêmica fundamental (JENKINS, 2009; LÉVY, 1999a, 1999b), que
pressupõem a constituição de um espaço colaborativo, onde seus membros estariam isentos
das tensões e antagonismos sociais, apresenta uma concepção que vem se revelando
freqüentemente inadequada e simplificadora, não correspondendo a complexidade das
dinâmicas dos fandoms e, principalmente, dos fansubs brasileiros.
Com o objetivo de situar a complexidade dessas dinâmicas e compreender o que
elas nos revelam, dividimos esse capítulo em dois momentos distintos. No primeiro,
apresentamos as premissas éticas que nortearam as atividades dos fansubbers até pouco
tempo atrás, de forma a demonstrar como a inserção dos speed fansubs (e dos sites de
reencodes) no circuito fansubber promoveu uma redefinição no ethos dessa comunidade de
fãs. Já num segundo momento, para fins de distinção, categorizamos essas políticas tendo
em vista os dados que obtivemos, chegando a quatro grandes eixos que, na prática,
correspondem mais a tipos ideais, em boa parte imaginados por esses fãs, quais sejam: 1)
Políticas sócio-culturais e lingüísticas; 2) Políticas de qualidade; 3) Políticas de
temporalidade e; 4) Políticas de acessibilidade e distribuição. Tais eixos, portanto, devem
ser entendidos como ferramentas de análise tendo em vista a estruturação dos dados
obtidos.
O primeiro eixo discute as políticas sócio-culturais e lingüísticas que norteiam a
constituição dos fansubs brasileiros. Essas políticas tornam-se visíveis quando observamos
os critérios de escolha dos grupos em relação aos seus membros, principalmente através
das competências valorizadas entre os fansubbers para um trabalho final satisfatório em
seus grupos. Já o segundo eixo, por sua vez, explora mais especificamente como a busca
por uma experiência nipônica e autentica no decorrer do processo de produção fansubber
se reflete no estabelecimento de certos padrões de qualidade (não só textual e visual, mas
também em termos de velocidade) dos títulos trabalhados pelos grupos investigados. No
terceiro eixo, exploramos as políticas de temporalidade, contemplando desde a produção à
120
distribuição encerrada pelos fansubs investigados. Aqui, entram novamente em jogo os
ideais de qualidade e autenticidade construídos nessa comunidade tradicionalmente que se
opõem a uma lógica temporal de produção e distribuição centrada na instantaneidade, isto
é, no consumo da velocidade, uma tendência contemporânea das audiências. E, por fim, no
quarto eixo discutiremos sobre as políticas que envolvem a acessibilidade e distribuição
dos títulos legendados pelos fansubs investigados.
Os eixos dedicam-se, assim, não só a perceber de que modo o capital subcultural e
as hierarquias (BOURDIEU, 1989, 2008; NAPIER, 2007; THORNTON, 1996) articuladas
nessa comunidade de fãs são demonstradas através dessas políticas de mediação, mas
também, propõem-se avançar na direção de uma concepção mais complexa da organização
desses coletivos de fãs. Neste contexto, esse capítulo enseja, essencialmente, refletir sobre
as tensões e divergências que marcam as dinâmicas contemporâneas, moldando e
transformando as relações nessa comunidade de fãs.
121
centrada na instantaneidade da mediação e no consumo da velocidade em si. Embora seja
prudente ressaltar que as fronteiras que demarcam as atividades dos fansubs e speeds subs
sejam fluidas e, em boa medida, esses critérios tradicionais estejam bastante latentes nessa
comunidade como um todo, é interessante perceber as aproximações e afastamentos entre
esses dois modelos de mediação concebidos dentro dessa mesma comunidade de fãs.
Em primeiro lugar, tem-se o fato de que, historicamente, os fansubs não visam
benefício financeiro na atividade que desenvolvem (nem para si, nem para seus membros),
logo, não vendem os seus animes traduzidos e nem outros produtos correlacionados em
seus espaços virtuais. Por isso muitos grupos, como os abordados nessa pesquisa dispõe do
seguinte aviso em seus títulos legendados “Anime feito por fãs para fãs, não venda ou
alugue”. Aliás, o envolvimento e retorno financeiro não seriam compatíveis com os
princípios fins dessa atividade colaborativa. No entanto, nossos informantes enfatizaram
que as atividades atuais dos grupos de tradução envolvem não só um investimento
intelectual e cultural de seus membros para ganharem forma. Particularmente, essas
atividades requerem dos próprios fansubbers, e em boa parte dos casos, de sua audiência-fã
certo investimento financeiro, mas também simbólico, para sua manutenção (dos links,
sites, portais etc.). De modo a minimizar as despesas, boa parte dos fansubs brasileiros
dispõe de sistemas de doação, outros atuam através de meios mais profissionais,
envolvendo um sistema de troca de prestações materializados em taxas fixas de
upload/download para seus usuários e, nos casos mais extremos (e polêmicos), cobrando
valores em dinheiro para um acesso VIP aos títulos legendados. De maneira geral, a idéia é
que a comunidade - composta pelos fansubbers e sua audiência-fã - possa colaborar
efetivamente para manter seus animes favoritos on-line e, conseqüentemente, assegurar a
permanência da atuação do fansub no qual costuma fazer seus downloads.
Em segundo lugar, os fansubs brasileiros, em certa medida, trabalham com animes
não licenciados em seus países, quando um anime é licenciado em seu país, o fansub para
de legendar o mesmo. Uma exceção é feita quando o licenciador pretende editar o
conteúdo pesadamente sem liberar uma versão sem cortes. Tendo como justificativa o
trânsito escasso de animes no mercado global, essas versões disponibilizadas pelos fãs-
tradutores atuariam na divulgação de títulos inéditos de animes, sobretudo, aqueles ainda
não-licenciados para exibição em seus países. Um caso que particularmente ilustra essas
questões é o do Dattebayo fansub, grupo de fã-tradução americano que em 2008 cessou a
distribuição da série Naruto devido à aquisição dos direitos pela empresa americana de
122
distribuição Viz Media. Não obstante, recordamos que nesse mesmo período, uma parcela
dos fansubs brasileiros que trabalhavam com o referido título também retirou o anime de
seus catálogos on-line seguindo o exemplo dos fãs americanos. Na medida em que Naruto
esteve em exibição na TV brasileira de 2007 até abril de 2011, data que marcou a
veiculação do último episódio da saga no Cartoon Network 93 alguns grupos brasileiros
perceberam que já era mais necessário dar continuidade à sua divulgação na rede.
Entretanto, são muitos os motivos que levam os fansubs a iniciarem ou darem fim a um
projeto e, não necessariamente, a aquisição dos direitos por distribuidoras locais se
impõem enquanto empecilho para as atividades desses grupos em seus países.
Em última análise, como o trabalho feito pelos fansubs não visa lucro algum, não
haveria um dia específico, nem uma periodicidade estipulada para a distribuição dos
episódios legendados. Entendendo que a prática fansubber foi descrita pelos nossos
informantes como um tempo de lazer, um hobby organizado, guiado pela devoção (FISKE,
1992) ao produto cultural em questão, percebemos que alguns critérios ganham relevância
entre os fansubs tradicionais em detrimento a outros. Sobretudo, a ausência de
sazonalidade proclamada por essa última premissa revela uma oposição nessa comunidade
a qualquer lógica que remeta as dinâmicas de temporalidade do mercado oficial. O
diferencial de mediação dos fansubs tradicionais, portanto, residiria na valorização de
critérios como qualidade (visual e textual de suas re-produções), em detrimento a uma
lógica massiva de mediação e distribuição, tal como aquela encerrada pelo mercado e, mais
recentemente, pelos grupos que atuam em nível speed.
Os speed fansubs e, também, os chamados sites de reencode encontram-se na
contracorrente desse modelo de mediação. Ambas as propostas se caracterizam por
promoverem uma nova mediação calcada na velocidade, na rapidez da distribuição e na
facilidade na aquisição dos animes na rede. Porém, enquanto os speeds subs operam sob
uma lógica de produção propriamente dita (isto é, produzem legendas) semelhante as dos
grupos tradicionais, os segundos, os reencodes, são grupos formados tendo em vista a
replicação/redistribuição dos projetos dos fansubs e, principalmente, daqueles grupos que
atuam em nível speed dentro de uma proposta mais ampla de divulgação da cultura pop
japonesa. A questão que se colocou nas discussões via skype junto aos informantes dessa
pesquisa é que os sites de reencodes não produzem um trabalho “original” e dependem da
produção dos fansubs e, sobretudo, da velocidade imposta pelos speeds para funcionarem
93
Disponível em http://www.anmtv.xpg.com.br/naruto-finaliza-nesta-segunda-no-cartoon-network/
123
plenamente já que boa parte da audiência desses grupos integra-se a proposta de
velocidade proclamada pelos speeds.
Naturalmente, a velocidade se impõe enquanto ferramenta competitiva nessa
comunidade de fãs na contemporaneidade e suas conseqüências são devidamente sentidas
na mediação exercida por essa comunidade de fãs. Mais do que ampliar o repertório de
títulos e a velocidade dos lançamentos, a adição de novas maneiras de “legendar e
distribuir” os animes, significativamente, alterou os modos pelos quais à atividade
funcionava desde seu surgimento. Uma vez que a prioridade dos grupos de velocidade
reside no quesito “velocidade”, algumas questões como “qualidade” e “autenticidade”
(sobretudo do texto), bem como associações com práticas comerciais naturalmente passam
a ser passíveis de discussão por se oporem, em certa medida, as premissas históricas que
guiaram as atividades dessa comunidade até pouco tempo atrás.
Ao ser indagado sobre a existência de divergências na comunidade fansubber,
principalmente, no que concerne a atuação do speed fansub cujo qual faz parte, Jihox foi
categórico:
Brigas dentro ou envolvendo o ANSK eu nunca vi (lembre-se que sou bem novo
comparado com os oito anos de idade do fansub). Já ocorreram discussões onde não se
tinha um acordo entre as partes, mas felizmente todos no grupo são pessoas esclarecidas e
sabem reconhecer o erro, ainda que só após ter provas concretas (Jihox).
Ele ainda complementa que“já brigas entre grupos diferentes de fansubs sempre
existiram”e ressalta os aspectos positivos dessas disputas que acabam“por oferecer mais
opções para os fãs acompanharem seus animes favoritos, já que os fansubs "brigados" não
se importam de fazer projetos repetidos”. No entanto, na opinião desse informante um
tópico nas discussões entre os fansubs brasileiros que transcende as rixas entre os grupos
mais antigos e os grupos de velocidade são os sites de reencode. Em sua opinião, tratam-se
de “grupos que simplesmente pegam os nossos trabalhos, fazem alguns reencodes
(transformam nossos arquivos de alguma forma) e redistribuem como se fosse deles, muita
das vezes sem dar os créditos”. Para ele, embora esses sites sejam visualizados como um
meio do usuário comum ter mais facilmente acesso aos títulos legendados pelos grupos, a
prática do reencode interfere numa divulgação de qualidade trabalho “original” dos grupos
de fã-tradução.
124
Esses grupos têm todo o nosso desprezo porque muita gente que procura os animes para
baixar vão nesses sites e não na fonte que somos nós, os grupos de tradução. Não é que
procuramos reconhecimento, é que a maioria desses grupos lucram em cima do nosso
trabalho gratuito e absorvem uma parte do dinheiro "bem intencionado" que serviria para
melhorar o nosso serviço.
Note que nós não damos créditos para os grupos nos quais as nossas traduções se baseiam
por dois motivos. Primeiro, eles não se importam. Segundo, são tantas modificações que
nós fazemos nos scripts que no final das contas não sobra nada do trabalho original deles.
Eu ainda sou a favor de indicar a fonte de nossos scripts, mas isso está além do que eu
posso fazer, por enquanto. (Jihox)
Utilizei esse tipo de sites no inicio, pois a internet era a lenha, digo discada e todos
sabemos que baixar um anime de 150 MB a 5 Kb era uma tortura, então muito utilizavam e
alguns ainda utilizam dessa pratica. Mas isso era valido naquela época há 4 anos atrás, por
que com o salto que a internet deu nos últimos anos usar essa desculpa e falha.Também
tem a desculpa de que o PC é ruim, hoje em dia também não cola a maioria dos
computadores tem ou 1gb de RAM ou 2g de RAM o que roda quase todos os lançamentos.
Por isso hoje em dia eu não aprovo essa pratica, pois vejo que os sites de reencode apenas
baixam os arquivos e não informam o fansub sobre o ocorrido o que faz com que o fansub
acabe perdendo o controle de como seu anime está sendo aceito pelos fas. (Aracraud)
Tem uns que botam versão do fansub X, versão do fansub Y (...) Eles botam versões de
dois fansubs de três fansubs do mesmo anime que é pra pessoa poder escolher qual versão
quer baixar. Eles fazem o que eu considero mais correto em termos de reencodes [...] Mas
isso é raro, a sua maioria não faz isso. (Anissina Keiko)
125
conflitos e divergências que permeiam esse agrupamento de fãs. Termos como “lixo subs”,
“câncer dos fansubs” dentre outras formas pejorativas foram atribuídas aos grupos de
velocidade por nossos informantes ao longo da pesquisa.
Enquanto uma minoria de nossos informantes mostraram-se otimistas e/ou pouco
afetados pelo crescimento exponencial da comunidade fansubber, marcado principalmente
pelo surgimento das novas possibilidades técnicas de produção e distribuição, conforme
discutido anteriormente, outros apresentaram uma visão bastante pessimista em torno da
popularização da prática no Brasil. A maioria de nossos informantes mencionou haver um
desgaste na comunidade fansubber ocasionado pela popularização da prática entre os
demais fãs, o que vem promovendo a emergência de novas práticas e grupos que não
comungam dos mesmos códigos tradicionais que compõem a comunidade desde seu
surgimento. ShionTNT comentou que as disputas mais relevantes nessa comunidade
ocorreram nos primórdios dela, sobretudo, por conta da noção de qualidade que foi sendo
construída nessa comunidade, gerando uma competição “saudável” entre os grupos.
Segundo o informante, nesse período que corresponde a 2004-2008 se estabelece uma
disputa válida nessa comunidade que em nada se assemelha com o cenário atual:
"Brigas" entre fansubs existiam no tempo mais antigo do fansub onde qualidade era
essencial acima de tudo e cada grupo tentava fazer melhor que o outro. Onde um erro na
tradução era inaceitável, uma palavra errada na revisão era motivo de te jogarem um
dicionário na cabeça e onde uma falha no encode era sentença de morte ao encoder. [...] o
que leva à conclusão de que brigas de fansub não existem mais pois o Fansub nacional
decaiu tanto que os fansubs de qualidade foram sendo descontinuados (ShionTNT).
126
vários sites de reencode brasileiros – Animakai 94 , Yokai animes 95 (figura 08) e Sakura
animes96 - lançaram na rede que estariam sendo alvos de ataques hackers feitos por um
membro (mas especificamente conhecido como Tetsu) do PUNCH! Fansub. De maneira
geral, esse episódio ilustra a ampla discussão que há em torno da legitimidade das práticas
dos fansubs mas, principalmente, dos speed subs e dos sites de reencodes no fandom on-
line de animes:
Em 2011, um dos grandes sites brasileiros de conteúdo otaku, a Yokai Animes, sofreu
constantes ataques de hacker, não somente o Yokai, mas outros sites brasileiros que
divulgam animes, além de fansubs sofreram vários ataques nos últimos tempos. Após muita
discussão, os sites de animes brasileiros reuniram provas que comprovavam ser o mesmo
número de IP responsável pelo ataque de seus sites
[...] O IP 62.212.72.230 pertence ao fansub PUNCH, que atualmente possui um site que
fornece animes desde o formato HD até o formato SLQ. Assim sendo, as versões
de encode antes encodadas e distribuídas por sites como o Sakura Animes, passou a ser
fornecido também pelo próprio fansub PUNCH!.
Nota-se que no site do acusado além do pedido de doações, e o valor excessivo cobrado
pelo banner publicitário, existe ainda a venda de camisetas, que teoricamente servem para
ajudar a manter o site no ar, entretanto, sendo os animes distribuídos gratuitamente em
forma RAW, e o servidor não passando de R$ 340,00/mês, assim surge a questão de porque
é necessário tantos artifícios para arrecadar dinheiro.
Todavia, como conclui os donos de sites atacados, o fansub PUNCH! o ato de hackear e
atacar o servidor alheio, contradiz a premissa de um fansub de que o anime é legendado por
fãs para fãs, uma vez que, além de tentar destruir os sites de re-encode, haveria um interesse
monetário por trás dos ataques97.
Diante todo o exposto, cremos que o cenário é um pouco mais complexo do que o
idealizado. Ao invés de constituírem um circuito de colaboração ideal, mutuamente
solidário ou afetivo em seus grupos, os fansubbers brasileiros vêm operando cada vez mais
num ambiente competitivo e conflituoso, marcado principalmente pelo surgimento das
novas possibilidades técnicas de produção e distribuição, a chegada de novos membros e
novas práticas que passaram a compor, conseqüentemente, o escopo da experiência de uma
parcela significativa desses grupos. Por esses motivos, defendemos que há um processo de
redefinição nas formas de mediação atualmente em curso nessa comunidade que se atrela,
94
http://www.animakai.com.br/animes/
95
http://yokaianimes.com/
96
http://www.sakuraanimes.com/
97
Disponível em: http://noticiasanimeunited.com.br/noticias/sites-acusam-fansub-brasileira-de-ataques-hacker/
127
fundamentalmente, a tendência cada vez mais crescente à velocidade, o que vem
modificando as bases artesanais que guiaram essa comunidade até pouco tempo atrás.
FIGURA 08
PÁGINA DO YOKAI ANIMES COM REDIRECIONAMENTO AUTOMÁTICO
Por isso, a perspectiva aqui adotada nessa dissertação prefere manter alguma
distância das posições de Jenkins e Lévy, (sobretudo as positivistas) por entendermos,
primeiramente, que ambos centram seus argumentos em uma suposta natureza
determinística da internet, ou seja, são pontos de vista “mídia-centrados” (CAMPANELLA,
2010). Embora seja possível visualizar claramente na contemporaneidade a internet como
fator decisivo na reorganização dos modos de produção, circulação e consumo de
conteúdos que, sobretudo indicam uma maior participação dos consumidores culturais,
pontuamos que as relações na comunidade fansubber envolvem mais elementos de
conflitos do que se poderia supor.
É certo que Lévy (1999a, p. 29) afirma que “a base e o objetivo da Inteligência
Coletiva são o reconhecimento e o enriquecimento mútuos das pessoas” e que esta se dá
em uma espécie de comunidade onde se “assume como objetivo a negociação permanente
da ordem estabelecida, de sua linguagem, do papel de cada um, o discernimento e a defini-
ção de seus objetos, a reinterpretação de sua memória.” (LÉVY, 1999a, p. 31). Já para
Jenkins (2009) que se inspirou nas teorias desse autor, essas novas comunidades que
emergem nas redes digitais seriam “definidas por afiliações voluntárias, temporárias e
128
táticas, e reafirmadas através de investimentos emocionais e empreendimentos intelectuais
comuns” (JENKINS, 2009, p. 57). Por isso, ainda que essas noções sejam particularmente
relevantes no que concerne às práticas e dinâmicas internas da comunidade fansubber,
pontuamos que as relações estabelecidas entre os fansubbers são mais ambíguas e
conflituosas do que como descritas por Jenkins que, por exemplo, acredita que “estamos
testemunhando uma convergência dentro do cérebro dos consumidores individuais e em
suas interações sociais com outros” (JENKINS, 2009, p.30).
Longe de serem frias ou harmoniosas, as dinâmicas existentes na comunidade
fansubber revelam o estabelecimento de disputas e tensões entre seus membros quando o
assunto são os outros grupos e seus modos de produção e distribuição. Por isso, ao
observarmos as dinâmicas da comunidade fansubber brasileira, podemos afirmar que os
aspectos e objetivos que emergem dessa “negociação permanente” e busca por uma
“ordem estabelecida” são bastante plurais, principalmente quando estamos levando em
consideração um coletivo heterogêneo e dividido, não só em termos organizacionais e
geracionais, mas também em linhas éticas.
De modo a compreender essas disputas evidenciadas entre os fansubbers brasileiros,
proponho a partir de então explorar as políticas de mediação vigentes nessa comunidade,
dentro de uma proposta de classificação e análise dos critérios valorativos que presidem o
modelo atualmente em voga nessa comunidade de fãs.
****************************************************************
129
4.2 – Das políticas de mediação fansubber: por uma classificação e análise
Uma das questões que focalizamos no decorrer das entrevistas refere-se aos
critérios valorativos que norteiam a constituição dos fansubs brasileiros e suas produções
de legendas. Sobretudo, nesse primeiro momento nos interessa discutir sobre aquelas
premissas relacionadas aos aspectos sócio-culturais e lingüísticos que atravessam a
mediação promovida por esse coletivo de fãs.
Sem dúvidas, algumas premissas são requeridas entre aqueles que desejam fazer
parte da staff de um fansub ou speed fansub, conforme ficou visível ao longo das
entrevistas. De maneira geral, aos que desejam fazer parte dos grupos, são aplicados testes
respectivos para a função pretendida. O que notamos nas respostas que obtivemos é que os
fansubs brasileiros procuram pessoas interessadas e que detenham de certo tempo livre,
uma vez que são recorrentes as queixas de pessoas abandonando o grupo após um ou outro
projeto ser trabalhado e que tenham o conhecimento específico da função. Embora isto
pareça ser o primordial, muitos grupos valorizam o engajamento, o conhecimento do
mundo anime e a vontade em colaborar em detrimento do conhecimento técnico específico
e comprometem-se a ensinar a função para os “novatos” 98. Além disso, são valorizadas
pessoas que possam conviver bem com grupo, isto é, que estejam dispostas a trocarem
experiências, discutirem e interagirem com os demais membros dos grupos - num sentido
de sociabilidade.
De maneira geral, nossos informantes apresentaram uma visão bastante semelhante
acerca do sentido de sociabilidade implícito à atividade fansubber, seja em suas mais
variadas formas (fansubs, speeds fansubs e reencodes). Principalmente, quando foram
indagados diretamente sobre as características que envolvem um “bom (ou mau)
fansubber”, revelou-se alguns imperativos essenciais para uma boa convivência nessa
comunidade:
No meu ver um bom fansubber é aquele que tem a responsabilidade de acabar o que
começou a fazer em qualquer função, ser comunicativo e ter bom relacionamento com
outros grupos e os fãs. Um mau fansubber pra mim é aquele que não ajuda os outros em
nada além da sua função mesmo sabendo onde está o problema e sabe o que fazer pra
98
Tutorial elaborado por Anissina Keiko ensinando como revisar, traduzir e timear pelo Aegisub. Disponível em:
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=iDuEPuGA7Vo
130
arrumar e fica pensando "ele que se foda" em vez de ajudar, e que acha que é único no
mundo por ser um egocêntrico. [...] Outro tipo de mau fansubber é aquele que não quer
ajuda e opinião de ninguém. A palavra final é dele e vai ser do jeito dele ou ele sai fora, o
que remete a egocentrismo e um pouco de narcisismo também. (ShionTNT)
O bom é aquele que faz de boa vontade e vontade de aprender coisas novas, embora ter
conhecimento seja importante também. O mau fansubber é aquele que faz por "estrelismo",
por querer ser o centro das atenções, ou aquele que cobra, mesmo que indiretamente, pelo
trabalho desempenhado.(Chiaki-Senpai)
O bom fansubber é alguém que não se vanglorie pelo que sabe e sempre está disposto a
ajudar e disseminar seus conhecimentos para com os demais. O mau fansubber é alguém
que sempre tem o ego inflado de si mesmo e não tem conhecimento do que faz e muito
menos deve saber que o que ele faz não se deve esperar reconhecimentos. (Seyffert)
Um bom fansuber faz o seu melhor, tem bons conhecimentos em sua área e dá de si mesmo
aos outros. Fansubers ruins dão mais importância ao seu ego pessoal, são mesquinhos e não
aceitam críticas. (MegaSenpai)
131
Anissina Keiko, conforme descrito em seu perfil. O que nos pareceu ao longo das
entrevistas é que não ensejar fazê-lo, ou seja, não apresentar o desejo de aprender sobre a
língua japonesa parece ir de encontro com todas as expectativas e características que são
desejáveis para um bom fansubber e, em particular, a um bom candidato a tradutor
fansubber. Porém, é importante ressaltar que embora haja um interesse , nem todos os fãs
dispõem de recursos financeiros para efetivamente aprenderem essa língua, seja através de
intercâmbios, viagens ou cursos especializados espalhados pelas principais capitais
brasileiras.
Por isso, o conhecimento do japonês se sobressai nessa comunidade por ser uma
das habilidades mais valorizadas não só entre os fansubbers, mas no fandom de animes.
Mais do que isso: o grande interesse nas idiossincrasias culturais dos textos nipônicos
permite aos fansubbers produzirem traduções que se imaginam mais verossímeis e
próximas do significado da sentença original em japonês. Primeiramente, porque o
discurso dos mais aficcionados, que visam uma experiência cultural singular com os
animes, defende a permanência dos traços identitários das histórias e dos personagens,
expressados, sobretudo, através da narrativa em sua sonoridade original.
Portanto, a tradução pode ser considerada a primeira função mais importante de
todo o processo fansubber, pois através dela que o texto anime torna-se decodificavel para
o usuário-fã. Através da tradução que a mediação fansubber promove, se torna mais latente
e visível certas idiossincrasias culturais que foram frequentemente suprimidas quando
observamos as versões de animes veiculados na TV aberta brasileira, por exemplo. Nas
conversas que tive como Aníssina Keiko, ficou bastante visível como o processo de
tradução tem a capacidade de mobilizar todo o grupo, mostrando sua relevância também
em termos de sociabilidade, conforme percebemos no comentário abaixo.
A maior preocupação quando a gente está legendando, é dar o sentido certo as coisas [...] a
adaptação pro português é mais difícil do que a tradução em si porque, por exemplo: eu to
estudando japonês e muita coisa eu traduzo pelo áudio, mas as vezes, mesmo entendendo a
idéia geral do negocio, a gente fica na duvida de como expressar aquela idéia em português
e isso mobiliza as vezes, o pessoal do fansub todo pra chegar a melhor conclusão de uma
frase (Aníssina Keiko)
Direto do áudio em japonês é muito difícil de fazer porque consome muito tempo. Tem que
pegar, timear, traduzir... geralmente você acha um script pronto em inglês e aí você pega e
aproveita o script. Você não vai ter dois trabalhos [...] Aí você passa por um tradutor de
japonês, uma pessoa que traduza do japonês, é muito mais rápido: o cara leva algumas
horas se tiver alguma coisa pra ajeitar [...] Mas aí vai pelo áudio: você deixa passando o
anime, na hora que o cara falar outra coisa e estiver escrito outra, é hora de ajeitar.
(Anissina Keiko).
133
Na minha ótica de tradutor, o que difere o bom do mau tradutor é o uso correto do
português e saber interpretar bem o inglês. Uma letra faltando ou sobrando aqui, uma
palavra escrita errada ali, uma crase acolá mal utilizada são erros comuns e aceitáveis, mas
não devem ser freqüentes. Reparo que muitas traduções possuem tantos erros de português
que claramente são reflexo do tradutor não dominar o idioma, e um texto mal escrito pode
acabar estragando a experiência de quem o lê. Muitos textos também são "pobres" do ponto
de vista de uso do vocabulário por falta de conhecimento de sinônimos para variar e até
melhor traduzir uma idéia. Não saber uma palavra ou outra em inglês e japonês é natural e
na internet dispomos de vários dicionários e serviços gratuitos (Google translate, babylon,
linguee, etc.) que nos ajudam com isso. Porém muitos tradutores não sabem inferir o
significado de uma sentença como um todo e acabam por traduzir errado, fugindo do
significado original da frase e casos assim são pouco ajudados pelos dicionários. Outros
tradutores são só preguiçosos demais para buscar traduções e sinônimos na internet e
melhorar a qualidade do próprio trabalho (Jihox).
[...] sem tradução você não revisa nada. Mas sem a revisão você corre o risco de lançar um
negócio errado e de repente com um sentido todo diferente daquilo que você ta querendo
dizer (Anissina Keiko)
Eu acho que há uma falta de interesse das pessoas escutarem e fazer uma boa revisão. As
pessoas não têm mais interesse em estudar pra fazer uma boa revisão, porque é uma coisa
134
maçante, é uma função desgastante. Mas é uma função importante, tão importante quanto a
tradução e quanto todo o resto (MegaSenpai)
Em inglês eles não se priorizam o san, chan, senpai, [...] Eu acho horrível, na nossa língua
pode não ter, mas no japonês você tem duas opção para traduzir isso: ou você coloca na sua
língua de uma maneira muito formal ou muito informal, a ponto de você conseguir denotar
a relação entre os personagens ou você deixa do jeito que é realmente no japonês Porque
você não tem como expressar na sua língua que a relação dele é formal ou informal [...] A
partir do sufixo que vai junto com o nome do personagem, você tem um grau de intimidade
que você vai ter que denotar isso com a fala, mas que aqui no Brasil você não tem como
expressar isso pelo português (Anissina Keiko)
Já peguei vários animes que o cara fala Senpai e substituem pelo nome do personagem [...]
Pra gente que trabalha com isso é compreensível, então mesmo que não tenha na versão
que pegamos, colocamos o chan, o san [...] O Bluray do filme original do Final Fantasy é
bem isso. Não tem Senpai, não tem Chan, não tem nada, é igual, acho isso bizarro
(MegaSenpai)
Se a língua tivesse a palavra correspondente até valeria. Tipo, quando eles estão falando
com um médico, eles usam o Sensei. Mas tu pode falar doutor , porque tu ta vendo ele com
um jaleco e o estetoscópio pendurado no pescoço (Aracraud)
135
4.2.2 – Políticas de qualidade
[...] a maioria das traduções brasileiras de animes usam scripts em inglês para fazer a
tradução (assim como eu), ou seja, é uma retradução. Para mim é indiferente ler em
português ou em inglês mas o fator que me faz fugir das traduções brasileiras é a qualidade.
136
Alguns tradutores claramente não sabem inglês, muitos não sabem português e a grande
maioria não sabe japonês. Ou seja, some os três fatores e você tem uma tradução que foge
muito da obra original além de erros graves de português (Jihox).
Como um exemplo conheci um revisor que fazia questão de fazer tudo na famosa “Norma
Culta”enquanto eu tento deixar a legenda mais tipo "povão" com expressões de uso
cotidiano e fácil entendimento. Não que o outro esteja errado, é apenas uma questão de
estilo de cada um. (ShionTNT)
Embora sejam plurais, essas políticas de qualidade nos revelam um forte senso de
compromisso dos grupos investigados com uma experiência que possa ser legitimada no
fandom de animes e, principalmente, junto a sua audiência-fã. Por essa razão, a maioria dos
grupos abordados na pesquisa prima por operar através de critérios de qualidade bastante
particulares e que se diferem bastante daquela qualidade que poderia se imaginar quanto ao
produto oficial, por exemplo. Em outras palavras, queremos dizer que a noção de qualidade
que foi sendo constituída entre os grupos de tradução brasileiros, primeiramente, foi
permeada pela idéia da proximidade cultural no que concerne à experiência textual-sonora
–imagética com os animes. Até pouco tempo atrás, a idéia do excesso se fazia bastante
presente nas dinâmicas de produção dos grupos, uma vez que além das legendas das falas,
adotava-se notas explicativas (lineares) ao longo dos episódios, efeitos nos karaokês
(figura 09), logos animadas; diversas intervenções de natureza escrita e visual, que
disputavam a atenção do fã, no momento da fruição, mas que, sobretudo eram vistas como
sinal de qualidade para alguns indivíduos mais aficcionados. A este respeito, acreditamos
que essas características representam um aspecto importante das dinâmicas dessa
comunidade servindo, sobretudo, para legitimar as traduções fornecidas por eles,
funcionando como um meio de capital subcultural em detrimento a mediação oferecida
pelo mercado oficial local.
Acresce que novos critérios como velocidade e web-presença são visualizados
atualmente por alguns fãs como um sinal de qualidade em matéria de fansub, neste caso,
dos grupos que atuam em nível speed (ver discussão em 4.2.4). Sobretudo, notamos que se
até recentemente valorizava-se uma estética mais artesanal em suas legendas, baseadas na
137
idéia do excesso de informações dispostas no vídeo, e numa produção e distribuição
temporalmente descontínua, ao longo da observação participante observou-se uma
tendência cada vez mais crescente a uma estética mais simples nas legendas, conjugada
com uma produção e distribuição veloz e de fácil acesso, mas que são questionadas em
termos de uma experiência de qualidade e em termos de legitimidade nessa comunidade.
No entanto, acreditamos que essas diferenças nas propostas dos fansubs e speed fansubs
prepararam os caminhos para o estabelecimento de diferentes relações (pessoais e
perceptuais) dos fãs com a cultura e a língua japonesa. A pluralidade de versões e
interpretações lingüísticas e culturais dos fansubs (e também dos speed subs), também são
determinantes em termos de experiência (plural) da audiência-fã desses grupos com o
anime.
Ainda assim, conforme ressaltado por ShionTNT, a adaptação do texto anime tem
muito haver com o estilo adotado por cada tradutor e, conseqüentemente, do grupo cujo
qual faz parte, isto é, não necessariamente implica em menor qualidade. Um caso que
particularmente vem norteando os nosso principais argumentos acerca dos fansubbers
brasileiros encontra-se no modelo de mediação oferecido pelo speed fansub PUNCH!.
Trata-se de um grupo que, a grosso modo, prima pela simplicidade na tradução e estética
de suas legendas e, até mesmo, suprime convenções já arraigadas na comunidade
fansubber, como os karaokês de abertura e encerramento dos animes. O grupo mantêm em
sua página explicações quanto a esse estilo adotado pelo grupo:
Buscamos adaptar o máximo possível nossas legendas para o português, se houver uma
tradução aceitável para uma palavra ou frase, de modo que fique entendível para todos sem
o uso de notas, nós a usaremos.Temos algumas exceções de poucas séries em que usamos
os termos em japonês, mas nossa prioridade é traduzir e adaptar o máximo possível.
Para MegaSenpai, a grande questão que se coloca quanto aos grupos de velocidade
é que o padrão de speed subs com “qualidade” não se fixou no Brasil, (“infelizmente”,
ele ressalta) quando comparados aos grupos americanos. Segundo esse informante, a
escassez de candidatos que possam promover uma tradução satisfatória num curto espaço
de tempo impede a disseminação desse padrão, dentro dos critérios de qualidade aceitáveis
pelos fansubbers. Assim, nos parece que o primeiro problema que aí reside encontra-se nas
138
implicações inerentes à qualidade da experiência, diante dessa nova lógica adicionada na
comunidade. Nossos informantes argumentaram que a fidelidade da tradução, uma boa
estética das legendas (num sentido de legibilidade) e a qualidade de resolução das imagens
são pontos deveras importantes no que concerne a atividade executada por eles e, portanto,
não devem serem sobrepostos a uma lógica massiva de produção e distribuição. Neste
sentido, detalhes introduzidos convencionalmente no processo produtivo desses grupos
como as notas lineares, os karaokês e seus efeitos, logos animadas dentre outras
intervenções são características ainda desejáveis na experiência de uma boa parcela dos fãs
no fandom de animes. Por isso, para atingirem um nível de qualidade ideal e que leva em
conta todas essas características, nossos informantes alegaram ser extremamente necessário
trabalhar sob uma lógica temporal (ver 4.2.3) que permita abarcar todo o processo que
envolve a produção e confecção desses elementos.
Dito isto, entendemos que a noção de qualidade atualmente em voga nessa
comunidade apresenta interpretações diversas, principalmente, por não haver um padrão
estético, textual e de distribuição único pelo qual os grupos guiam suas traduções,
produções de legendas e distribuições na rede. Apesar disso, ressaltamos que o tratamento
oferecido pelos grupos que atuam em nível speed foram retratados pelos fansubbers
investigados (com exceção de Jihox) como de qualidade inferior ao oferecido por eles, em
diversos pontos. Conforme visto, o principal deles diz respeito à qualidade da experiência,
expressadas através de critérios culturais, lingüísticos e estéticos bastante particulares.
Trata-se, pois, de considerar que essas oposições até então pontuadas estão ligadas a uma
idéia de autenticidade, que existe enquanto oposto a uma concepção subjetiva de
mainstream: este, representando, de certo modo, as práticas e as condutas dos grupos que
atuam em nível speed (BOURDIEU, 2000; THORTHON, 1996).
Fundamentalmente, o debate que se estabeleceu diante desse tópico entre nossos
informantes girou em torno da polaridade qualidade X velocidade:
Com o surgimento de muitos "fansubs" que não prezam a qualidade e fazem um serviço de
qualquer jeito (leia-se Lixosubs como são chamados.) o nível do Fansub nacional caiu
muito levando à situação atual onde alguém que aprende a usar o Google translator e
"aprende a encodar" monta um "fansub". Hoje a maioria preza velocidade e uma minoria
prefere aguardar um pouco mais e pegar algo de qualidade (ShionTNT).
Uma das coisas que notei quando entrei para o Ryussei foi, o carinho que eles fazem cada
episódio, tomando cuidado em todos os aspectos, para que saia um arquivo de boa
qualidade, e aí com certeza agradar aos nossos fãs e é claro a nós mesmos. Por isso muitas
139
vezes, esses episódios acabam demorando, pois todos temos vida própria, e esse trabalho
na verdade é feito devido ao amor que temos aos animes e à quem nos assiste (Sky2209)
FIGURA 09
KARAOKÊ DO PUNCH! FANSUB
FIGURA 10
KARAOKÊ DO RYUSSEI FANSUB
140
Sugerimos, portanto, que no processo de obtenção de capital subcultural na
comunidade fansubber, não só a qualidade do trabalho final é tida como sinal distintivo,
mas também à maneira pela qual os fansubbers se organizam temporalmente em termos de
produção e distribuição de seus projetos. Tendo em vista examinar esses aspectos, o
próximo tópico explora os critérios temporais que envolvem a produção e distribuição dos
animes dos fansubs brasileiros.
Enquanto eu puder colaborar com isso sem interferir em minha vida particular e tiver
espaço pra um velho (risos...) como eu no mundo do fansub com certeza irei ajudar onde
for possível. Eu particularmente darei como encerrada minha vida em fansub quando
minha vida particular exigir o tempo que eu dedicaria ao fansub não tendo tempo de fazer
outras coisas ou quando o Fansub brasileiro chegar ao ponto de os novos fansubbers não
me aceitarem mais por ser da velha guarda do fansub (ShionTNT).
Eu não deixo de fazer nada que eu queira para "fansubbar". Atualmente tenho um "bico"
como Revisor/QC na empresa Crunchyroll, dos EUA. É algo que faço porque gosto, mas
recebo uma compensação financeira para tais atividades, transformando-se, então, em uma
obrigação. Mesmo nessas circunstâncias, ainda vejo, também, como uma forma de lazer
(Chiaki-Senpai)
As vezes você vai dormir um pouco mais tarde, porque teve que terminar de subar, as vezes
você se atrasa pra alguma coisa por querer terminar logo... É aquela Krystal: querendo ou
não querendo, é um trabalho, ainda que voluntário mas é um trabalho. ´É como um trabalho
141
em ONG, sabe, você tem um trabalho. Não é porque você não ganha que ele vai deixar de
ser um trabalho. Aliás, é trabalho, dá trabalho e é muito trabalho. (Anissina Keiko)
Anissina Keiko nos contou que um dos aspectos que contribui diretamente para sua
atuação como fansubber atualmente encontra-se na flexibilidade dos prazos do grupo cujo
qual faz parte, o Sukinime. Naturalmente, entre aqueles fansubbers que já possuem certo
renome no circuito anime e que se localizam na “velha guarda” dessa comunidade,
algumas questões são primordiais para a continuidade de sua colaboração nesse circuito.
Para Aníssina, que realiza a atividade há cerca de dez anos, trabalhar com títulos e gêneros
relacionados ao seu gosto pessoal e, principalmente, no seu tempo livre é o primordial para
sua permanência no grupo: “no Sukinime a gente não trabalha com prazo. É no tempo que
a pessoa estiver livre. Eu mesma já enrolei a Lisa 6 meses num karaokê que eu não tava a
fim de fazer. E eu era a única pessoa que sabia fazer karaokê no Sukinime” (Anissina
Keiko).
FIGURA 11
OMDA FANSUB
Porém, isso não quer dizer que os fansubs que operam sob um ethos mais
tradicional com os abordados nessa pesquisa não se preocupam com a periodicidade em
142
seu processo de produção e distribuição. Pelo contrário, entre esses grupos há casos de
projetos lançados quase concomitantemente com o Japão, além de grupos que trabalham
com uma temporalidade de distribuição semanal de episódios (como o Ryussei), embora
isso não se apresente como primordial na mediação oferecida pelos grupos tradicionais.
Um caso curioso discutido por nossos informantes nas entrevistas e que ilustra bem essa
questão é o do OMDA fansub, grupo cujo qual um dos nossos informantes faz parte
(Seyffert). O grupo que, desde 2006 trazia entre seus projetos principais, a tradução e a
distribuição de Bleach, um dos mais recentes títulos que obteve grande sucesso entre os fãs
brasileiros nos últimos tempos, operou sob um sistema de produção e distribuição
semelhante aqueles proclamados pelos grupos de velocidade. Com periodicidade semanal e,
mais importante, disponibilizando num intervalo entre 1 ou 2 dias da sua exibição original
no Japão, Bleach foi um dos projetos que, sem dúvidas, colocaram o OMDA numa posição
de destaque no fandom de animes. Segundo alguns de nossos informantes (Aracraud,
Anissina Keiko e MegaSenpai), o destaque desse grupo se deve, principalmente, a alta
qualidade de suas traduções não só em Bleach, mas nos demais títulos trabalhados pelo
grupo. Por diversas vezes, o nome do tradutor do grupo – Shinobi – figurou em nossas
conversas no skype como exemplo de qualidade em termos de tradução (Figura 11): “a
tradução do Shinobi era ninja, com o trocadilho da palavra”, comentou Aracraud em uma
de nossas conversas.
Na contracorrente desse tipo de mediação baseada numa experiência descontinua
com o tempo, encontra-se os speed fansubs e, consequentemente, os sites de reencodes.
Conforme discutimos no capítulo 2, os avanços tecnológicos centrados na instantaneidade
ocorridos na comunidade fansubber, como o desenvolvimento de redes de distribuição (do
BitTorrent, MegaUpload) da banda larga e ferramentas de edição (Aegisub) representou
um caminho natural para a emergência dos speedsubs e dos reencodes no circuito
fansubber. Por isso, defendemos nessa dissertação que a adição dos grupos de velocidade e
dos sites de reencodes no circuito fansubber acompanhou a tendência das audiências em
estarem cada vez mais próximas dos ritmos de difusão de seus animes favoritos. Nesse
sentido, ao manter-se atualizado com os produtos/conteúdos mais recentes, os speed
fansubs bem como sua audiência-fã podem ser tidos como consumidores ideais, mas não
necessariamente, bons fãs para uma parcela dos fansubbers que atuam a mais tempo na
rede, conforme observamos ao longo da pesquisa. Por isso, as políticas que envolvem a
dimensão temporal da mediação fansubber refletem as diferentes interpretações existentes
143
entre os grupos brasileiros quanto as prioridades inerentes a mediação promovida por essa
comunidade de fãs:
A questão é o imediatismo. Entra a questão tipo “Punch”, porque foi o primeiro fansub que
descaradamente começou com isso. Eles legendam rápido, tem muitos views, ficaram
muito conhecidos porque geralmente esses sites de reencodes pegam do primeiro fansub
que lança, não interessa qual seja, depois eles até mudam. O Punch legenda rápido, tem
muito viewer e muito leechers, que querem o anime pra ontem [...] Mas o problema é a
questão ética. E seus pedidos de doações de 700 reais utilizados para outros fins (Anissina
Keiko).
144
ao usuário comum de poder ajudar ativamente o fansub, sem necessariamente ter que
pagar/doar um valor pelo serviço. Isso porque uma vez que nenhum arquivo fica no
servidor do fansub, a comunidade se sustenta com seus membros enviando materiais uns
para os outros a partir de um sistema denominado Ratio, que consiste na relação entre
bytes enviados e bytes recebidos, isto é, upload/download. O sistema de ratio do ANSK,
por exemplo, é pensado para ter o mínimo possível de leechers e o máximo de seeders99 se
esforçando para a movimentação do tracker. O grupo denomina o ratio como uma espécie
de “medida de generosidade”, uma vez que o ratio precisa ser mantido acima de um valor
mínimo para que o fã possa exercer, sem limitações, todos os seus benefícios de ser um
membro da comunidade. Ou seja, quanto maior o ratio do usuário, maior o número de
arquivos que ele compartilhou. Por isso é tão importante que, após baixar, o usuário
continue enviando aquele material para outras pessoas, sob pena de ter seu acesso suspenso
- o chamado “Ban temporário” ou “Ban permanente” e conseqüente perda do ratio e dos
privilégios do tracker. Mas embora fansubs como o Anime No Sekai e o OMDA operem
pelo mesmo tipo de sistema de distribuição, possuem diferenças substanciais em modos de
utilização.
O OMDA Fansubs adicionou a tal modelo em parcerias com outros fansubs, de
modo que esses pudessem disponibilizar seus projetos utilizando-se do tracker pessoal do
grupo. O site conta atualmente com 28 grupos em parceria, dentre os quais estão o Ryussei
Fansub e o Eternal Animes, ambos participantes dessa pesquisa. No entanto, o grupo não
estipula em suas regras um valor mínimo de ratio para seus usuários, sendo mais flexíveis
quando comparados ao ANSK quanto às movimentações de upload/download de sua
audiência. A principal proposta desse tipo de modelo é oferecer uma experiência
descentralizada e levar para o usuário o maior número possível de animes a partir de um
único meio e local. Dessa forma, acreditamos que os fansubs operam sob uma lógica
bastante próxima daquela que Paul Booth (2010) argumenta ter características da junção da
“economia de mercado” com a “economia da dádiva”, denominada pelo autor como
economia Digi-Gratis. Na visão de Booth, essa nova forma econômica,
[...] indica uma estrutura econômica onde não há troca monetária, mas que retém elemento
de estrutura de mercado. Em uma economia “grátis”, pessoas criam e compartilham
99
Leecher é o nome que se dá aos usuários que estão baixando algo e Seeder é o nome que se dá aos usuários que já
baixaram e agora estão compartilhando (enviando) os dados recebidos. Ou seja, uma mesma pessoa pode ser tanto
Leecher quanto Seeder. Por exemplo, enquanto eu estiver baixando algum torrent, serei considerado "Leecher", mas
quando eu acabar de baixar e começar a enviar os dados recebidos, serei considerado “Seeder”.
145
conteúdo sem recompensas ou cobranças, ou, pelo menos, cobrando uma taxa variável
determinada pelo usuário. Em muitos sentidos, esta troca está relacionada à economia da
dádiva descrita por Mauss como sendo nas quais “trocas e contratos acontecem na forma de
presentes...” A economia da dádiva constrói laços sociais. Esta estrutura econômica, em
muitos aspectos, difere de nossa idéia contemporânea de economia de mercado, na qual
produtos e serviços são trocados por recompensa monetária, e na qual o propósito é
construir riqueza (BOOTH, 2010, p. 24).
Essa declaração gera aquela pergunta que todos fazem, se não cobra por que tem um botão
de doação no site do fansub, isso é fácil de responder temos gastos como todo mundo, o site
não fica online por vontade divina e sim por que hospedamos a pagina em um servidor que
mantém ele online 24 horas por dia 7 dias por semana, e isso gera gastos, por isso que
pedimos a membros que possam doar alguma quantia de dinheiro para o fansub será bem
recebida (Aracraud).
146
no fandom sobre o caráter ético da atividade fansubber, passando a constituir o cerne das
questões discutidas nessa comunidade.
Atentos (ou utilizando-se desse) a esse movimento, o speed fansub PUNCH! lança
uma notícia em seu site, em janeiro de 2012 a respeito da situação. Além de informar ao
seu usuário da situação atual para os grupos fansubs que usam desse tipo de serviço, lançou
a seguinte indagação para os seus usuários: afinal, você doaria para fazer uma doação
através de link direto? Se sim, de quanto – dez, quinze ou vinte reais mensais?
FIGURA 12
PUNCH! FANSUB E SEU SISTEMA VIP DE DISTRIBUIÇÃO
147
Como era de se esperar, a notícia da implantação de um sistema VIP no PUNCH!
teve grande repercussão na comunidade fansubber e no fandom de animes em geral. Em
sua totalidade, os fansubbers investigados apresentaram a opinião de que esse tipo de
sistema contraria a lógica de um trabalho feito de “fã para fã”, uma vez que o usuário,
obrigatoriamente, é levado a colaborar a partir de uma doação mensal para ter os animes
mais atuais disponíveis para downloads:
:
Há no Brasil o fansub PUNCH que é tido como o "câncer" dos fansubs. "Pediam/Pedem"
quantias absurdas de doações para manter seu site e meios de distribuição. Este é um dos
motivos para ser o mais odiado no meio, além de sua falta de qualidade notória. (Chiaki-
Senpai).
[...] o VIP deles significa que o cara vai ter um link antes, o download mais rápido e vai ser
avisado primeiro, apenas isso [...] E a pessoa ainda paga pra não ter uma qualidade.... o
problema é essa mentalidade “não quero ver qualidade, quero ver primeiro” (Aracraud)
100
Ver anexos.
148
pela comunidade brasileira de fansubbers e, em certa medida, pelos grupos que atuam em
nível speed (como o ANSK), o código foca, sobretudo, no princípio voluntário e não
remunerado da prática:
O lema “De fã para fã” é uma pratica que é seguido pela maioria dos fansubs sérios, que
visam apenas a distribuição dos animes para todos sem visar lucro, mas nesse meio tem
algum fansubs que comercializam isso, vendendo animes, camisetas, e todo tipo de coisas
que possam mais ser caracterizados como Pirataria do que como fansub. Nesse ponto quem
mais faz isso são os speedsubs, fansubs que não se preocupam com qualidade e sim com
velocidade. Como foi dito não vou citar nomes apenas digo que um grande exemplo é o
Grupo que começa com “P” e termina com “unch” é um exemplo disso como seus aliados
da “_ _ _ ject”. São a meu ver um exemplo de quem não segue esse lema. (Aracraud)
149
Porém, observamos que ao mesmo tempo em que esse ethos ortodoxo é
extremamente valorizada nessa comunidade de fãs – inclusive entre os membros dos speed
fansubs (conforme relato de Jihox apresentado do início do capítulo), os fansubs com
maior visitação (como os citados) também acabam ganhando posição e visibilidade dentro
da comunidade. Além disso, encontramos evidencias de que há um desejo premente entre
alguns desses fãs em atuarem no mercado profissional explorando as habilidades que
dedicam ao promoverem uma mediação amadora através do fansub, como é o caso de
Chiaki-Senpai, que atualmente, divide-se entre as atividades do Seitokai animes e do
Crunchyroll brasileiro.
Por isso, pontuamos que há um retorno do trabalho colaborativo promovido pelos
fansubs e speed fansubs, sobretudo, para seus membros em suas mais variadas formas.
Esse retorno se dá não só por meio de doações para os grupos, mas principalmente se
materializa no reconhecimento das habilidades individuais de seus agentes (seja pelo
mercado ou pela sua audiência fã). Sejam fansubs ou speed fansubs, ambos convivem e se
integram, em certa medida, aos anseios e expectativas de uma audiência-fã plural que
também apresenta prioridades diversas quando o assunto são os modos de fruição dos
animes. No entanto, acreditamos que certas práticas que emergem na comunidade
fansubber fornecem um ganho em termos de visibilidade para os grupos brasileiros, mais
também ocasionam um déficit em reputação junto à comunidade brasileira de fansubbers e
também no fandom de animes ambientado nas redes digitais.
150
Conclusão
Devido a isso, na primeira fase da pesquisa, optei por uma abordagem que
compreendesse uma discussão geral sobre os fluxos culturais no contexto da globalização.
Sobretudo, esse trajeto se apresentou produtivo em diversos aspectos. Com efeito, as
operações da indústria dos animes - que desde a década de 1990 vem ganhando cada vez
mais espaço no cenário da cultura global - oferecem evidência suplementar acerca das
disjunções e irregularidades constituintes da mediascape global. A natureza irregular da
distribuição global dos animes, fortemente ligada por incentivos comerciais das produtoras
dos animes (no Japão) e restrições das distribuidoras locais (no Brasil) é um dado
significativo nesse sentido e que aponta para essa direção. Neste sentido, um prisma
elementar para a compreensão das forças que estão jogo nas dinâmicas culturais
contemporâneas, que procuramos ressaltar ao longo dessa dissertação, encontra-se
151
principalmente nas ações e práticas dos consumidores culturais que emergem do
imaginário que permeia os produtos de mídia japoneses nos países estrangeiros, em
especial, os animes.
Sendo assim, a relevância dos laços históricos estabelecidos entre o nosso país e o
Japão com a imigração japonesa, a importância da mídia televisiva na introdução dos
animes e demais produtos audiovisuais asiáticos no cotidiano do público brasileiro desde a
década de 1960, a cidade de São Paulo e, de modo especial o bairro da Liberdade foram
enfatizadas, relacionadas a outras questões discutidas. Essa dada relação histórica entre os
dois países preparou os caminhos que impulsionaram uma parcela dos fãs brasileiros a
recepcionaram os produtos de mídia asiática, inserindo-os no seu cotidiano de consumo.
Dessa forma, por intermédio de certas práticas de consumo e apropriação como as
promovidas pelos fãs em convenções e eventos animes e, mais recentemente, no universo
das redes digitais, produtos midiáticos japoneses que não figuram no mainstream do
mercado brasileiro - tal como os animes, os mangás, j-pop, etc. - são compartilhados com
outros fãs em seus circuitos de sociabilidade, contribuindo para um maior fluxo na
circulação da cultura pop japonesa, entretanto, através de meios e estratégias não oficiais
de mediação.
152
Dessa forma, é possível perceber que a comunidade fansubber age diretamente no
estabelecimento de um fluxo maior na circulação de animes para além-mar, atendendo uma
demanda que o mercado oficial deixou de explorar. Mais do que isso: através da mediação
promovida pelo trabalho colaborativo desenvolvido no interior dessa comunidade, muitos
títulos de animes, dos mais variados gêneros, formatos e vertentes temáticas que,
dificilmente alcançariam a simpatia do mercado local brasileiro, são disponibilizados para
outros fãs nessas comunidades. Através de um lógica bastante particular de mediação
(informal, gratuita e especializada), utilizando-se das facilidades advindas das tecnologias
de produção e distribuição, a prática fansubber passou de uma condição amadora para se
constituir na principal base de mediação dos animes para os fãs brasileiros.
Por isso, esse trabalhou optou por observar as políticas de mediação fansubber,
dentro de uma perspectiva brasileira e destacando sua pluralidade atual. Fundamentalmente,
o objetivo foi primar por uma análise que abarcasse as inúmeras possibilidades de
significação da prática fansubber, para além de uma perspectiva simplificadora e
reducionista sobre esse tipo particular de engajamento de fã. Por isso, ao invés de
enfatizarmos em nossa análise final os pressupostos teóricos que remetem as dinâmicas da
cultura colaborativa e inteligência coletiva, frequentemente associados as discussões sobre
153
as práticas da cultura fã, primamos por trilhar outro caminho, que nos permitisse
compreender o significado das múltiplas mediações reveladas por nossos informantes que
configuram atualmente o circuito dessa comunidade de fãs.
Por fim, gostaria de ressaltar que não pretendi em nenhum momento da minha
investigação alcançar uma espécie de verdade absoluta sobre os fansubbers e as dinâmicas
que entre eles se estabelecem. No máximo, o que obtive foi uma amostra bastante reduzida
e, por si só, bastante complexa da verdade individual de cada entrevistado. As informações
reunidas ao longo desta dissertação naturalmente me permitiram obter determinadas
respostas. No entanto, outras conclusões teriam sido obtidas se nosso recorte de
informantes fosse constituído por fãs possuidores de outras trajetórias e repertórios de
consumo. Aos olhos de alguns críticos, posso ter incorrido em vários dos erros dos quais
tentei me precaver na elaboração desta pesquisa. Acredito, no entanto, que dentro da
perspectiva adotada, e lembrando sempre que o terreno no qual os estudos sobre a cultura
fã é instável e repleto de contradições, este projeto alcançou um equilíbrio considerável.
Que as lacunas de investigação possam constituir o verdadeiro legado desta dissertação,
impulsionando futuras pesquisas sobre o fenômeno da cultura fã no universo acadêmico
brasileiro.
154
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161
GLOSSÁRIO
Anime – O termo anime/animê (escrito no sistema japonês de sílabas e pronunciado “ah nee may”)
é uma abreviação da palavra japonesa (anime ¯ shon) e, que por sua vez, consiste numa corruptela
de animation (animação), do inglês, falada pelos japoneses como animeeshon.
Anime Music Video – vídeo editado com cenas de algum anime, geralmente com alguma trilha
sonora com músicas de gêneros variados.
Animesong – geralmente uma canção de abertura ou encerramento de algum anime (também pode
ser alguma música tema de um personagem).
Card game – jogo de cartas onde, como nos casos de Pokémon e Yu-Gi-Oh, as cartas representam
criaturas com diferentes habilidades e fraquezas para serem postas em combate.
Convenção – reunião oficial de distribuidores de animes, garage kits, etc., freqüentada por otakus.
Cosplay – abreviação das palavras costume e play significando uma apresentação onde um
aficionado se veste como um personagem (geralmente de anime, manga ou jogo eletrônico).
Dorama (ou drama): palavra genérica para Dramas de TV no Japão. Esses dramas são
semelhantes às nossas telenovelas e se popularizaram nos demais países asiáticos, dando origem a
diversas denominações. Os dramas japoneses, chineses e da Coréia do Sul são especificados,
respectivamente, como: J-drama (Japanese-drama), C-drama (Chinese-drama) e K-drama (Korean -
drama).
162
Fandom – Etimologicamente, união das palavras inglesas kingdom (reino) e fan (fanático). No
sentido aqui adotado, literalmente significa “domínio dos fãs”, cobrindo o consumo de produtos e a
criação de material relativo ao tema preferido pelo aficionado.
Fandubs – Dublagem realizada por fãs. Pode ser um episódio de um anime, um filme ou até
mesmo programas de TV asiáticos.
Fan-Fiction – textos de ficção produzidas por fãs, geralmente parodiando personagens conhecidos
de anime ou manga. Pode ser abreviar o termo para fan-fic.
Fan-Film – na perspectiva aqui adotada, trata-se de um filme feito por fãs com cenas editadas de
animes ou com fãs atuando, interpretando personagens conhecidos ou criados por eles.
Fansubber – aficcionado que traduz e legenda animes para distribuição gratuita pela Internet.
Filler: termo utilizado em casos de adaptações de um meio para outro no qual a história apresenta
arcos ou sagas não presentes na obra original.
Gothic Lolita – é uma moda urbana japonesa onde há a mistura de elementos góticos com um
visual infantil.
Hentai – termo significando pervertido e atribuído a mangás/animes com cenas de sexo explícito.
IRC (Internet Relay Chat) – Programa gratuito que permite a comunicação entre servidores IRC -
programa para bate-papo. Esse programa, que antecedeu o MSN, GTALK entre outros, ainda
163
continua sendo utilizado entre os fansubbers brasileiros como meio de distribuição de suas
produções.
J-Music – denominação aplicada à música originária do Japão, como o J-Pop e/ou J-Rock (estilos
de música pop produzidos por bandas/cantores japoneses).
Kawaii – conceito de beleza que envolve delicadeza e, por vezes, certa ingenuidade infantil.
Leecher: em português “sanguessuga”, a palavra é utilizada na internet para designar aquele que
não contribui na mesma medida em que usufrui de algo como, por exemplo, só baixa conteúdos
para si sem nunca compartilhar ou disponibilizar outros.
Metal Hero – tipo de seriado de tokusatsu onde o herói, geralmente, usa uma armadura de metal.
Mecha: do inglês “mechanical”, diz respeito a enredos com robôs, ciborgues e/ou andróides.
Otome: palavra usada como forma feminina de otaku, porém pouco conhecida e usada no fandom
de cultura pop japonesa aqui no Brasil.
OVA – um Original Video Animation é um anime feito diretamente para o mercado de vídeo (às
vezes contém histórias alternativas e, por vezes, têm qualidade gráfica superior por não ser
produzido em série).
Otaku – maneira formal de dizer sua casa, ou de, polidamente, chamar alguém de “você”. Teria
sido usado como forma de mostrar como os fanáticos por alguma coisa se distanciam das demais
pessoas. No Brasil ganhou um sentido positivo, de consumidor de animês e mangás.
Scanlation – digitalização de mangás feita por fãs para ser disponibilizada pela Internet.
164
Scanlantors - aficcionado que traduz e legenda mangás para distribuição pela Internet
Seeders – nome que se dá aos usuários que já baixaram os animes de algum fansub e agora estão
compartilhando (enviando) os dados recebidos com outros usuários do tracker.
Shonen ai – tipo de anime/manga que possui histórias de amor, ou de sugestão de tensão amorosa,
entre homens (o seu equivalente seria shoujo ai, mas esse termo é pouco usado, sendo mais
conhecido o Yuri).
Staff – pessoa que trabalha como assistente, coordenador ou supervisor em algum evento anime –
muitas vezes é um(a) otaku. Os membros de um fansub também são chamados de staff.
Super Sentai – tipo de seriado de tokusatsu onde os heróis formam uma equipe, geralmente com
cinco integrantes.
Tokusatsu – a palavra tem ligação com efeitos especiais, geralmente explosões, que marcam esse
tipo de seriado com atores reais.
Tracker – Um BitTorrent tracker (ou apenas "tracker") é um servidor que auxilia na comunicação
entre dois computadores que utilizam o protocolo P2P BitTorrent.
Vocaloid - Vocaloid é um sintetizador de voz criado pela Yamaha Corporation, que possibilita a
criação de canções a partir um banco de voz específico. O software se tornou um grande sucesso
com sua segunda versão, sendo que grande parte de sua popularidade foi graças à Crypton future
media e seus bancos de voz da Character Vocal Series, em especial o banco Hatsune Miku.
165
Anexo I: Questionário individual
1 - PERFIL DO INFORMANTE
Nome completo:
Nick (pelo qual é conhecido como fansubber):
Idade:
Cidade e estado em que mora:
Escolaridade:
Trabalha? Se sim, em quê?:
Grupo de Fansub:
166
• Você se considera otaku/otome - /fã de cultura pop japonesa?
• Você percebe-se como um fã de animação, de forma geral, ou apenas de anime? Dê
sua opinião acerca do cenário de eventos animes no Brasil.
167
Anexo II: Adsenses e propagandas nas páginas dos fansubs brasileiros.
Naruto Project
PUNCH! fansub
168
Anexo III: Portal do grupo Sukinime.
169
Anexo IV: Página do fansub Seitokai animes.
170
Anexo V: Removendo e alterando legendas no soft sub – Tutorial do Eternal Animes
Programas necessários:
Aegisub
Mkv Merge
Mkv Extract GUI
1- Após instalar tudo. Abra o MKV Extract GUI, clique nas “…” em Input e indique o arquivo que
você queira. Aparecerá uma lista do que o arquivo contém (pode ocorrer um bug e a lista não
aparecer, reabra o arquivo para que apareça). Marque o arquivo ASS (subtitles) e clique em extract.
2 - Agora abra o arquivo de legenda no Aegisub. A estrutura do arquivo é simples. Ao lado de cada
frase temos o estilo da fonte e o tempo que ela aparecerá. Algumas podem conter uma referência a
quem diz a fala. Símbolos negros nas frases são comentários na legenda ou efeitos.
171
3- Caso você altere alguma coisa numa frase, aperte enter para confirmar. No caso de time, mexa
nos tempos e também confirme com enter ou use o áudio do arquivo para sincronizar. Para alterar
estilos, clique no “S rosa” que está na barra de ferramentas. Uma janela se abrirá com cada estilo.
4- Dê um clique duplo no nome do estilo. Agora você poderá mudar a fonte, cor e etc. Você pode ir
em “Vídeo” e abrir um vídeo para ter uma prévia das mudanças. Basta selecionar uma linha com a
172
fonte alterada, o programa move o vídeo para o ponto da fala e mostra a frase (cuidado! Falas com
\fad não aparecem no momento “programado”, elas aparecem gradualmente com transparência ).
5- Em algumas linhas, editar o estilo pode não afetá-las. Isso se deve porque tem um código
influenciando o estilo na linha. Você pode simplesmente deletar o código ou a linha ou alterar o
código. Para isso, bord define a borda, shad define a sombra e \c define a cor. Apague os códigos
de cores. E use os botões ao lado do botão “Aceitar” para alterar as cores e a fonte em si.
173
6- Caso você tenha alterado alguma fonte (por exemplo, trocar de arial para verdana), clique no
clipe azul para abrir a lista de anexos. Remova as fontes indesejáveis e anexe as que você queira.
7- Após isso, salve tudo. Agora abra o MKV Merge. Clique em ADD e escolha o arquivo de vídeo
que você tinha aberto no Extract GUI. A lista do conteúdo dele surgirá. Clique novamente em ADD
e adicione a legenda que você alterou. Ele entrará na lista do conteúdo. Na lista, desmarque a
legenda antiga. Depois vá em “Browse” e defina um caminho diferente para o novo vídeo ou altere
o nome do arquivo, senão você perderá o antigo.
8- Clique em Start muxing e espere acabar o processo. Pronto! Basta executar o vídeo e assistir.
174