Casos Práticos 2

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CASOS PRÁTICOS – COMODATO (arts. 1129º e ss.

CC)

Caso prático nº1

Vasco empresta a Xavier a sua casa no Algarve para este passar férias durante o mês
de agosto com a sua família.

Empresta-lhe ainda o seu automóvel para ele poder passear durante as férias.

Durante as férias Xavier decide participar num rali com o automóvel obtendo o
primeiro lugar, ganhando um prémio no valor de 1000 euros.

Numa das noites Xavier resolve transformar a casa numa discoteca dando uma festa
para 50 pessoas.

No dia seguinte, sem que Xavier consiga explicar as causas, as paredes encontram-se
riscadas e o chão manchado.

Nessa mesma noite, inesperadamente, ocorreu um violento temporal que arrastou


um contentor do lixo que foi embater no carro de Vasco que se encontrava
estacionado na rua tendo amolgado a parte da frente.

Ao tomar conhecimento deste facto por terceiro, Vasco decide dirigir-se ao Algarve e
aproveitando o facto de Xavier se encontrar na praia mudou a fechadura da casa.

Vem agora exigir-lhe que lhe sejam pagos os danos do veículo, da casa e ainda que
lhe seja entregue o prémio recebido no rali.

Xavier pede uma indemnização a Vasco por este não lhe ter deixado usar a casa
durante todo o mês.

Quid Iuirs.

Reclamação ao comodatário: dano do veículo, danos da casa, prémio.

Relativamente ao veículo: O risco é suportado pelo comodante porque a propriedade


não se transferiu.

Transfere-se o risco se o comodante provar que o comodatário agiu negligentemente –


art. 1136º CC “quando aplique fim diverso ao estipulado”; “quando o comodatário se
tenha responsabilizado por isso”.

Relativamente ao comodante: a mudança da fechadura.

Relativamente à casa: o art. 1135º impõe várias obrigações para comodatário.


Ele utilizou a coisa para fim diverso (No contrato definiu-se que a coisa se destinava a
férias).

A nossa lei aplica sanções quando o comodatário viole as obrigações do contrato.

Desta forma há a inversão da responsabilidade do ónus da prova.

Aqui, sim, o comodatário poderá invocar a relevância negativa da causa virtual, o que
neste caso não colhe.

É uma exceção para as penalizações do comodatário pela utilização diversa do


estipulado no contrato.

Situações de inversão da responsabilidade da coisa:

 Quando aplique fim diverso ao estipulado;


 Quando o comodatário se tenha responsabilizado por isso;
 Quando no momento da celebração do contrato haja uma avaliação dos bens
comodatados.

Quanto ao prémio; Fruto é o que a coisa tenha capacidade de produzir


periodicamente. Os frutos advêm da própria coisa.

Se o comodatário tiver participado decididamente na obtenção do fruto, não é fruto.

Aqui não há fruto porque foi resultado da perícia do comodatário. Ao participar na


corrida o comodatário está a utilizar o carro para fim diverso. Desta forma o
comodante terá direito a uma indemnização se provar que há prejuízos.

Quanto à mudança da fechadura:

A forma de celebração do comodato é consensual.

A resolução também pode ser consensual e por qual qualquer forma (porque não se
exige forma especial para o contrato).

Quanto à mudança da fechadura: podia invocar “ação direta” (art. 336º) porque não
conseguiu contactar o comodatário. Podia invocar que foi o único modo que ele
encontrou para resolver o contrato.

O comodante pode resolver o contrato porque não tem de suportar os prejuízos.

O contrato é sempre feito tendo em conta o comodante (pois se ele é gratuito não é
lógico que seja a favor do comodatário).
(ex.: se ele tivesse uma oferta para venda, mesmo que o comodatário cumprisse todas
as cláusulas do contrato, ele tinha fundamento para a resolução porque se não
vendesse tinha prejuízo, e isso não pode acontecer).

Se se entendesse que esta forma não é a adequada à resolução do contrato o


comodante é obrigado a indemnizar o comodatário, nos termos da restituição da posse
(art. 1284º).

CASOS PRÁTICOS – CONTRATO DE MÚTUO (art. 1142º do CC)

Caso prático nº1

António e Berta celebraram contrato de mútuo de 1000 euros por um ano tendo
ficado estabelecido que haveria juros porém não determinaram a taxa aplicável.

Quid Iuris?

Caso prático nº2

Em fevereiro de 2018, Ivone emprestou a Julieta 20 000 euros, através de documento


particular assinado por ambos. Convencionaram que Julieta pagaria juros à taxa de
6% ao ano, mas que se venceriam mensalmente.

Não foi convencionada data para a restituição do capital mutuado.

Em novembro de 2018, Julieta deixou de pagar os juros que se venciam


mensalmente.

Quid Iuris?

O contrato de mútuo celebrado entre Ivone e Julieta é um contrato formalmente


válido, já que as partes observaram a forma legalmente exigida para o efeito.

Do disposto no art. 1143º que o mútuo de valor superior a 2 500 euros e inferior a
25 000 euros só é válido se for celebrado por documento assinado pelo mutuário.

Bastava, assim, um documento particular assinado por Julieta para garantir a validade
formal do contrato.
Sendo o contrato válido, dele emergiram direitos e deveres para os contratantes,
nomeadamente o dever de Julieta pagar os juros mensalmente vencidos.

Entretanto Julieta em mora quanto ao pagamento dos juros, deveria Ivone fixar-lhe um
prazo razoável para o pagamento em falta, sob pena de, por perda do interesse,
resolver o contrato, nos termos do art. 808º e art. 1150º.

Por força do efeito retroativo da resolução (art. 434º, nº1), Julieta teria de devolver
imediatamente o capital mutuado e pagar os juros vencidos, apesar de as partes não
terem fixado um prazo de duração do contrato.

Caso não existisse este incumprimento, qualquer das partes poderia extinguir este
contrato, por denúncia comunicada à outra parte com uma antecedência mínima de 30
dias em relação à data em que se deveria verificar o efeito extintivo (art. 1148º, nº2).

Caso prático nº3

No dia 2 de janeiro de 2010, Guilherme emprestou a Humberto 28 000 euros, que


este deveria restituir até ao final de dezembro de 2019.

O contrato foi celebrado de forma meramente verbal e Guilherme entregou, de


imediato, o dinheiro a Humberto, tendo sido convencionado que este pagaria ao
primeiro 5% de juros ao ano.

Chegado o final de dezembro de 2019, Humberto recusa-se a pagar os juros a


Guilherme.

Quid Iuris?

Guilherme e Humberto celebraram um contrato de mútuo (art. 1142º).

A taxa fixada não é usurária (juro legal – 4%) eles fixaram um valor de 5% (podiam ir
até 8%) sem garantia real.

O contrato em causa estava sujeito a forma como condição de validade.

Dispõe o art. 1143º que o contrato de mútuo de valor superior a 25 000 euros só é
válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado
e o de valor superior a 2 500 euros se o for por documento assinado pelo mutuário.

Nos termos do art. 220º, a declaração negocial que careça da forma legalmente
prevista é nula.
O contrato celebrado entre Guilherme e Humberto é, assim, nulo por vício de forma,
pois, dado o valor mutuado, o contrato deveria ter sido celebrado por escritura pública
ou por documento particular autenticado.

Humberto tem razão quando se recusa a pagar os juros convencionados, pois o


contrato, sendo nulo, não produziu efeitos.

E a obrigação de pagar juros pressuponha a validade do contrato.

(Além disso, a fixação da taxa de juros deveria sempre ser feita por escrito)

Todavia, o facto de o contrato não ser válido não permite a Humberto apropriar-se do
dinheiro mutuado.

Terá de o restituir a Guilherme por força do disposto no art. 289º, já que a invocação da
nulidade tem, neste caso, efeito retroativo.

Caso Prático nº4

Manuel celebrou com Natália um contrato por escrito pelo qual lhe emprestava
15.000€. Determinava o contrato que Manuel lhe entregava de imediato 50% e
passado um ano o restante.
Acordaram que Natália pagaria juros semestrais à taxa anual de 8%.

O empréstimo destina-se á compra de um automóvel.

1. Suponha que Natália apenas pagou juros no 1º semestre deixando de o fazer


a partir daí. Como pode Manuel reagir e quais os efeitos daí decorrentes.

2. Natália após sair de casa de Manuel é assaltada sendo desapossada do


dinheiro. Como não chegou a empregá-lo no fim a que se destinava entende
nada ter a pagar.

3. No fim do ano Manuel recusa-se a entregar a Natália os restantes 7.500€.


Natália pretende saber como pode reagir.

Quid iuris.

Estamos perante um contrato de mútuo oneroso.

Os juros aplicados não são usuários porque os juros legais são de 4% - para ser usurário
teria de ser de ± 5% (10% de juros já seria usurário).

Não havendo garantia real, não ultrapassa os 9%, logo não são usurários.
É um contrato que foi celebrado por escrito, logo é válido nos termos do art. 1143º.

1. O mutuante pode resolver o contrato – art. 1150º.


Quais as consequências práticas da resolução?
São as mesmas da nulidade -> Cada um restitui o que adquiriu.
Mas aqui aplica-se o art. 434º -> O mutuário devolve a quantia mutuada, mas o
mutuante não tem de restituir as prestações já vencidas porque a mutuária até
já usou o dinheiro e disso tirou proveito, pelo que deve juros.

2. O art. 1144º estipula que as coisas mutuadas tornam-se propriedade do


mutuário.
Transferindo-se a propriedade transfere-se o risco – art. 796º CC.

3. O contrato de mútuo para além de ser quoad effectum é também quoad


constitutionem porque a traditio é um ato de constituição do contrato (é
condição). Só há mútuo com a entrega. Aqui estão dois contratos: - um de
mútuo, quando entrega parte do dinheiro; o outro não é mútuo porque não há
entrega. Se não é mútuo o que é?
Aqui surgem teorias diferentes:
Antunes Varela: - se não é mútuo é promessa de mútuo.
Menezes Cordeiro: - não é promessa porque no contrato promessa promete
celebrar o contrato. Aqui ele não promete emprestar, diz que empresta. Assim
será́ um mútuo consensual. É um mútuo atípico. Não se rege pelas regras do
contrato mútuo, mas por outras.
Para ser mútuo tem de haver entrega do bem. No contrato de mútuo não
nasce a obrigação de entrega do bem. Tem de entregar logo. Se não entregar
logo não é mútuo.
O contrato de mútuo neste caso é idêntico ao do comodato. São ambos quoad
effectum porque ambos só́ se celebram com a entrega do bem.
Para quem considerar que é um contrato promessa aplica as regras da
promessa.
Para quem considerar que é um contrato atípico tem de ir-se às regras gerais
do contrato.

Caso Prático nº5

O Banco X, onde Daniel tem conta, obrigou-se a transferir para a conta Daniel 3 000
euros, que este se obrigou a restituir no prazo de 6 meses. Trata-se de um contrato
de mútuo?
Abertura de crédito (aberta linha de crédito, na qual se pode atingir um montante
final) vs contrato de mútuo (valor concreto).

O mútuo encontra-se previsto nos arts. 1142º e ss do CC, correspondendo ao


denominado empréstimo de coisas fungíveis.

De acordo com o art. 1142º o contrato de mútuo é o contrato pelo qual uma das partes
empresta dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro
tanto do mesmo género e qualidade.

De acordo com o art. 1143º uma vez que o contrato tem por objeto a quantia de 3 000
euros está sujeito a forma especial, neste caso, a documento assinado pelo mutuário.

O mútuo é um contrato naturalmente oneroso – refere o art. 1145º, nº1 em que as


partes podem convencionar o pagamento de juros como retribuição do mútuo – e
presume-se oneroso em caso de dúvida.

Neste caso não parecem ter sido estabelecidos juros uma vez que Daniel apenas se
obrigou a restituir no prazo de 6 meses os 3 000 euros sem ser referido qualquer valor
de juros.

Do art. 1145º resulta que a onerosidade não sendo uma característica essencial é uma
característica natural do mútuo, uma vez que vigora uma presunção de onerosidade.

Contundo as partes podem estipular a gratuitidade deste contrato, derrogando a


presunção.

A presunção da onerosidade do mútuo funciona relativamente à estipulação de juros à


taxa legal, dado que se as partes quisessem estipular uma taxa diferente, terão que o
fazer por escrito (art. 559, nº2).

Importa ainda saber se se exige alguma forma especial se as partes quiserem estipular
expressamente o carácter gratuito do mútuo.

Não está sujeito a forma especial.

A Doutrina tem respondido no sentido maioritariamente negativo, considerando que a


estipulação do carácter gratuito do mútuo não está sujeita a forma especial, podendo
resultar inclusivo do conteúdo do contrato ou dos elementos que o acompanham,
desde que resulte com toda a probabilidade que a vontade das partes vai nesse
sentido.

No entanto, caso o mútuo tenha por objeto dinheiro, o acordo de exoneração de juros
apenas se aplicará àqueles que seriam devidos até à data do vencimento da obrigação
de restituição do capital, uma vez que após essa data, com a entrada do mutuário
passam a ser automaticamente devidos juros legais (art. 805º, nº2, al. a) e art. 806º).

Dentro das modalidades dos especiais de mútuo assume especial relevância o caso
bancário, o que qual consiste no mútuo que é celebrado por instituições bancárias.

Normalmente, o mútuo bancário corresponderá a um mútuo com um fim


predeterminado, uma vez que os empréstimos bancários costumam ser realizados
tomando em atenção o fim específico a que o mutuário se compromete a aplicar as
quantias mutuadas, mas tal não corresponde a uma característica essencial desse
contrato.

O mútuo bancário seja qual for o seu valor quando feito por estabelecimento bancário
autorizado pode provar-se por escrito particular ainda que a outra parte não seja
comerciante. No caso, não é referido se foi celebrado o contrato por firma escrita (mas
esta é uma exigência que provém do regime geral dos contratos de mútuo uma vez que
a quantia é superior a 2 500 euros).

Neste caso estamos assim perante um contrato de mútuo bancário curto (inferior a um
ano a partir da data em que os fundos são colocados à disposição do respetivo
beneficiário).

Este mútuo tem por objeto a quantia de 3 000 euros.

Este deve ser realizado por documento escrito.

O mútuo bancário seja qual for o seu valor quando feito por estabelecimento bancário
autorizado podem provar-se por escrito particular ainda que a outra parte não seja
comerciante – neste caso não é referido se foi celebrado o contrato por forma escrita
(esta é uma exigência que provém não só́ do regime geral dos contratos de mútuo uma
vez que a quantia é superior a 2 500 euros, quer seja pelo estabelecido no DL nº
58/2013.

As partes sendo o mútuo um ato de administração extraordinária tanto para o


mutuante como para o mutuário (seja este oneroso ou gratuito), não podem estar
abrangidos por alguma incapacidade (menoridade, interdição, inabilitação) e a sua
legitimidade para celebrar contratos de mútuo é limitada ao proprietário das coisas ou
a quem tem a faculdade de disposição sobre elas – neste caso as partes não parecem
sofrer de qualquer vicio a nível quer de capacidade quer de legitimidade.

CASOS PRÁTICOS – MANDATO (arts. 1157º e ss.)


Caso prático nº1

Em janeiro de 2019, de forma verbal, Avelino incumbia Bernardo, perito em arte, de


lhe comprar os melhores quadros do pintor X que fossem postos à venda até final de
abril de 2019, tendo-lhe conferido, para o efeito, acesso a uma conta bancária.

Em março de 2019, Avelino tomou conhecimento de que Bernardo se encontrava de


férias no Brasil, por um mês, e que tinha incumbido a sua secretária de proceder à
aquisição de quadros.

Quid Iuris?

Nos termos do contrato em análise, Bernardo obrigou-se a praticar vários negócios


jurídicos (compra de quadros) por conta de Avelino, pelo que se verificam os requisitos
do contrato de mandato, previsto no arts. 1157º e ss.

O contrato celebrado no caso concreto não está sujeito a qualquer exigência de forma,
pelo que é válido tendo sido celebrado verbalmente.

Supondo, assim, que o contrato é firmal e substancialmente válido, dele nascem, para
ambas as partes, direitos e deveres. Questão central do problema em apreço é a de
saber se Bernardo cumpriu as suas obrigações de mandatário.

Incumbe ao mandatário “praticar os atos compreendidos no mandato, segundo as


instruções do mandante”, como determina a al. a) do art. 1161º. O mandatário só
poderá deixar de seguir as instruções do mandante em face de circunstâncias que pelas
partes não haviam sido ponderadas, quando se possa razoavelmente supor que o
mandante aprovaria a sua conduta caso tivesse sido possível informá-lo em tempo útil
(ex: vender ou comprar algo por um preço muito vantajoso, que só era possível
alcançar decidindo celebrar o negócio num espaço de tempo muito curto). O
mandatário desvia-se do cumprimento programado, por pensar ser esse
comportamento o que melhor serve o interesse do mandante.

No caso concreto, porém, Bernardo não cumpriu as instruções do mandante porque


decidiu ir de férias.

Por outro lado, Bernardo incumbiu a sua secretária de praticar atos que a si lhe
competiam, adquirindo os quadros do indicado pintor.

O art. 1165º permite que o mandatário se faça substituir por outrem ou se socorra de
auxiliares na execução do mandato, nos mesmos termos em que o procurador o pode
fazer.
Assim, Bernardo só poderia incumbir a sua secretária de comprar os quadros caso se
verificassem os requisitos do art. 264º. Deste modo, não tendo havido consentimento
do mandante para que o mandatário se pudesse substituir por outrem este não
poderia enviar a sua secretária para negociar e decidir sobre a aquisição dos quadros.
Acresce que, mesmo considerando que a secretária desempenhava apenas uma função
de auxiliar na execução do mandato (o que, em princípio, seria admitido pelo nº4 do
art. 264º), a natureza do ato a praticar dificilmente se coaduna com a execução por
quem não tem as qualidades de perito em arte. E foi pelo facto de Bernardo ter essa
qualidade que Avelino o mandatou para escolher e adquirir os melhores quadros.

Conclui-se, assim, que o mandatário violou as suas obrigações, podendo o mandante


revogar livremente a procuração, nos termos do art. 1170º.

Caso prático nº2

Em fevereiro de 2019, Herculano celebrou um acordo com os advogados Ivo e Joel,


colega de escritório, para que estes, no prazo de 3 meses, vendessem um conjunto de
jóias de família, pelo preço que, por comum acordo, entendessem ser o mais
adequado, porquanto Herculano não queria que se soubesse que aquelas jóias lhe
pertenciam.

Convencionaram que Ivo e Joel receberiam 1% do valor das vendas como


remuneração da sua atividade.

Em fevereiro de 2019, Ivo faleceu num acidente de viação, mas Joel continuou aquela
atividade, tendo vendido mais algumas jóias e depositado o dinheiro na sua conta
bancária.

Supondo que Herculano toma conhecimento destes factos em março de 2019,


quando Joel ainda tem em seu poder algumas jóias para vender, diga como poderá
reagir.

No caso concreto está em análise uma situação de mandato plural , já que Herculano
incumbiu duas pessoas da prática dos mesmos atos jurídicos.

O mandato plural pode ser disjunto ou conjunto (art. 1160º).

Na primeira hipótese existem tantos mandatos quanto as pessoas designadas, na


segunda hipótese existe apenas um mandato, devendo os mandatários agir
conjuntamente, harmonizando os seus comportamentos perante o mandante e
perante terceiros como se de um só mandatário se tratasse.
Na situação concreto, como o mandante incumbiu os mandatários de venderem as
jóias pelo preço que de comum acordo entendessem ser o mais justo, devemos
concluir que se trato de um mandato conjunto.

Por outro lado, como Herculano não quer que terceiros saibam que as jóias lhe
pertencem, conclui-se que, no plano das relações externas, se trata de um mandato
sem representação (previsto no art. 1180º).

Deste modo, ao venderem as jóias, os mandatários devem agir em nome próprio,


devendo, de seguida, transferir para Herculano os direitos adquiridos em execução do
mandato, ou seja, o preço recebido com a venda das jóias (como dispõe o art. 1181º).

Como Joel depositou o preço das jóias na sua conta bancária, verifica-se a violação da
obrigação que lhe é imposta pela al. e) do art. 1161º, ou seja de entregar ao mandante
o que recebeu em execução do mandato.

Não concordando com a atuação de Joel, Herculano poderá revogar o mandato, a todo
o tempo, nos termos do art. 1170º.

No caso concreto existia, porém, outro fundamento para a extinção do mandato. Como
faleceu um dos mandatários, o mandato caducou em relação a ele, nos termos do art.
1176º. Todavia, como se tratava de um mandato conjunto, apesar de a causa de
caducidade respeitar apenas a um deles, o mandato caduca em relação a todos, nos
termos do art. 1177º.

Assim, após o falecimento de Ivo, Joel deixou de ter poderes para representar
Herculano e consequentemente para vender as jóias. Nesse momento deveria ter
cumprido a obrigação de prestar contas que lhe era imposta pela al. d) do art. 1161º.

Caso prático nº3

Em outubro de 2014, António acordou com Margarida, estudante do curso de Direito,


que este ficaria responsável por, em seu nome, praticar atos de gestão referentes aos
imóveis de que é proprietário, nomeadamente, receber as vendas e depositá-las
numa conta bancária de António, e pagar as despesas de condomínio e de IMI
relativas a esses mesmos imóveis. Combinaram que Margarida receberia por mês 150
euros.

Em maio de 2019, António comunicou a Margarida que, apesar de reconhecer a


qualidade dos seus serviços, prescindia deles a partir de junho desse ano.

Quais os direitos que assistem a Margarida?


Nos termos do art. 1157º, o mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a
praticar um ou mais atos jurídicos por conta de outra.

No caso concreto, António conferia a Margarida poderes para a realização de qualquer


ato relativo à gestão de um conjunto imobiliário, pelo que estamos perante um
mandato geral, que compreende apenas os atos de administração ordinária (art.
1159º, nº1). Estamos, também, perante um mandato oneroso, na medida em que foi
fixada uma remuneração a Margarida.

O mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção
em contrário ou renúncia ao direito de revogação (art. 1170º, nº1).

A revogação ad nutum justifica-se pelo cariz intuitu personae deste contrato.

É certo que se o mandato tiver sido conferido no interesse do mandatário, não pode
ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo havendo justa causa
(art. 1170º, nº2).

Porém, um contrato de mandato não se considera celebrado também no interesse do


mandatário só pelo facto de ser oneroso.

A retribuição é apenas uma remuneração pelo esforço do mandatário, enquanto o


interesse juridicamente relevante do mandatário há-de consistir num direito subjetivo.

Assim sendo, António poderia livremente revogar o mandato, estando apenas


obrigado a indemnizar Margarida se o tivesse feito sem a antecedência conveniente,
nos termos do art. 1172º, al. c), a final (responsabilidade por factos lícitos).

Findo o mandato, Margarida, nos termos do art. 1161º, tem a obrigação de prestar
contas, se houver em relação a ambos créditos e débitos recíprocos [al. d)], e tem
ainda a obrigação de entregar ao mandante o que recebeu em execução do mandato
ou no exercício deste (dinheiro que recebeu de terceiro, documentos, etc.).

Caso Prático nº4

Diogo, residente em Coimbra, tendo recebido por legado dois apartamentos situados
no distrito do Porto, pediu a Bernardo, seu amigo e residente nessa cidade, que os
vendesse, Diogo indicou a Bernardo que queria receber pelos dois imóveis um valor
não inferior a 300 000 Euros, sendo-lhe indiferente o preço pelo qual cada um deles
seria vendido individualmente. Em março de 2022, foi outorgada procuração a favor
de Bernardo, pela qual Diogo lhe conferiu os necessários poderes de representação.

Bernardo vendeu, no passado mês de abril, um dos imóveis a Eduardo, pelo preço de
180 000 Euros, e o outro a Fernando, pelo preço de 130 000 Euros.
Todavia, Eduardo ainda não pagou o preço, Diogo está profundamente aborrecido
com a situação e pretende responsabilizar Bernardo.

Quid iuris?

O mandato é um contrato de prestação de serviços que tem por objeto a prática de


atos jurídicos (art. 1157º).

No caso concreto, Bernardo obrigou-se a vender dois imóveis pertencentes a Diogo,


pelo que estamos perante um mandato especial, que abrange, nos termos do art.
1159º, nº2, além da venda propriamente dita, todos os demais atos necessários à sua
execução, como, por exemplo, receber o preço convencionado e dar quitação.

Estamos, também, perante um contrato gratuito, já que não foi fixada nenhuma
retribuição a Bernardo.

No contrato de mandato, o ato jurídico deve ser praticado por conta do mandante,
mas não necessariamente em seu nome.

Assim, o mandatário age em nome do mandante se houver mandato com


representação (art. 1178º), mas pode realizá-lo em seu próprio nome, se for um
mandato sem representação (art. 1180º).

No primeiro caso, o ato produz os seus efeitos na esfera jurídica do mandante


(contemplatio domini); no segundo, na esfera jurídica do mandatário.

Na situação em apreço, Diogo passou uma procuração a favor de Bernardo, logo


estamos perante um mandato com representação. As duas figuras não se podem
confundir.

O mandato é um contrato, a procuração é um ato unilateral: o primeiro impõe a


obrigação de celebrar atos jurídicos por conta de outrem; a segunda confere o poder
de os celebrar em nome de outrem,

No contrato de mandato, rege o princípio da liberdade de forma (art. 219º), mas a


procuração deve revestir a forma exigida para o negócio que o procurador deva
realizar.

Assim, nos termos do art. 262º, nº2, conjugado com o art. 875º (na redacção que lhe
foi dada pelo DL nº 116/2008, de 4 de Julho), a procuração deverá ter sido feita por
escritura pública ou documento particular autenticado.
Tendo Bernardo recebido poderes para agir por conta e em nome do mandante, os
negócios realizados por ele produzem imediatamente os seus efeitos na esfera jurídica
do Diogo, sem necessidade de atos posteriores de transmissão.

No contrato de mandato, a determinação e a vontade do próprio mandatário têm um


papel preponderante na obrigação de negociar e dar execução a um ato jurídico, ou a
conjunto de atos jurídicos.

Todavia, o mandante não está impedido de dar instruções ao mandatário, quer no


momento em que o mandato é constituído, quer em momento posterior, durante a
execução do contrato. No caso concreto, Diogo deu instruções sobre o valor mínimo
pelo qual deveriam ser vendidos os apartamentos, que Bernardo é obrigado a seguir
[art. 1661º, al. a)].

Tendo Bernardo vendido os apartamentos a Eduardo e a Fernando, está obrigado, nos


termos do art. 1161º, al. c), a comunicar ao mandante, com prontidão, a execução do
mandato, e, nos termos da al. e), a entregar tudo o que, na execução do mandato,
recebeu dos compradores ou de terceiros, como dinheiro ou documentos.

Quanto ao facto de Eduardo ainda não ter pago o preço do imóvel, que é uma
obrigação resultante do contrato de compra e venda [art. 879º, al.c)], o art. 1183º
estabelece que, salvo estipulação em contrário, o mandatário não é responsável pela
falta de cumprimento das obrigações assumidas pelas pessoas com quem haja
contratado.

A posição de Bernardo é, assim, de irresponsabilidade pelas dividas do terceiro,


Eduardo, com quem contratou por conta do Diogo.

Caso Prático nº5

Álvaro, emigrante na Suíça, escreveu uma carta ao seu primo Eugénio, em que lhe
pediu para arranjar um comprador para um apartamento situado em Viana do
Castelo, de que era proprietário e que estava interessado em vender.

Eugénio respondeu-lhe que não se preocupasse, que iria tratar do assunto o mais
depressa possível.

Depois de contactar com alguns amigos e conhecidos, Eugénio contratou com Carlos
a venda do apartamento por 120 000 euros, mas até agora ainda não entregou esse
dinheiro a Álvaro,

Quid iuris?
O mandato é um contrato de prestação de serviços, pelo qual uma das partes se obriga
a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra (art. 1157º).

No caso concreto, Eugénio comprometeu-se a arranjar comprador para o imóvel de


Álvaro.

Este ato jurídico deve ser praticado por conta do mandante, mas não tem
necessariamente de ser praticado em seu nome.

Assim, o mandatário age em nome do mandante se houver mandato com


representação (art. 1178º), mas pode realizá-lo em seu próprio nome, se for um
mandato sem representação (art. 1180º).

Como Álvaro não outorgou a procuração a Eugénio, estamos perante um mandato sem
representação.

No caso em apreço, estamos perante um mandato especial (art. 1159º, nº2).

As obrigações do mandatário estão expressas no art. 1161º.

Este executa em nome próprio o negócio de que está incumbido, tomando-se o sujeito
dos direitos e obrigações resultantes da atividade exercida, embora os deva transferir
ao mandante.

Álvaro, no interesse de quem a atividade foi exercida (art. 1181º), pode, pois, intentar
uma ação para o cumprimento.

Caso Prático nº6

Carolina incumbiu Filipe de proceder à venda de um imóvel seu, "pelo preço e


condições que entender, outorgar a escritura pública e receber os preços", A
necessária procuração foi outorgada.

Com base nos poderes que lhe foram conferidos, Filipe celebrou com Raquel um
contrato promessa de compra e venda do imóvel.

Carolina, entretanto, revogou a procuração conferida a Filipe, disse-lhe que tinha


perdido a confiança nele, e recusa-se a cumprir o contrato-promessa celebrado com
Raquel.

Quid iuris?
O mandato é um contrato de prestação de serviços que tem por objeto a prática de
atos jurídicos, e encontra-se regulado nos art. 1157º e ss.

No caso concreto, Filipe obrigou-se a vender um imóvel pertencente a Carolina, pelo


que estamos perante um mandato especial.

Nos termos do art. 1159º, nº2, este mandato abrange, além da venda propriamente
dita, todos os demais atos necessários à sua execução, como, por exemplo, receber o
preço convencionado e dar quitação.

Tendo sido outorgada a necessária procuração (art. 262º, nº1), através de escritura
pública (nos termos do art. 262º, nº2, conjugado com o art. 875º - na redacção que lhe
foi dada pelo DL nº 116/2008, de 4 de Julho - a procuração poderia ter sido feita por
escritura pública ou documento particular autenticado), estamos perante um mandato
com representação e os negócios realizados por Filipe produzem imediatamente os
seus efeitos na esfera jurídica de Carolina (contempla tio domini).

É discutível se uma procuração para venda atribui poderes para celebrar um contrato-
promessa do mesmo bem.

Há́ quem defenda que não, já que o contrato-promessa não é acessório da venda, não
é um ato necessário à execução do mandato, para efeitos do art. 1159º, nº2. Para
estes autores, o negócio é ineficaz em relação ao mandante se não for por este
ratificado.

Todavia, parece-nos que a posição mais defensável é aquela que entende que o
mandato para vender inclui o poder de celebrar um contrato-promessa de compra e
venda, que se apresenta como uma forma normal de assegurar a realização do
contrato definitivo.

Como o mandato é livremente revogável por qualquer das partes, (artº 1170, nº1),
dado o carácter intuitu personae deste contrato, Carolina pode revogá-lo ad nutum.
Todavia, tem de cumprir o contrato-prometido por Filipe, que é plenamente eficaz e
que produz efeitos na sua esfera jurídica, sob pena de responder pelo seu não
cumprimento.

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