TCC - Giulia Ribeiro
TCC - Giulia Ribeiro
TCC - Giulia Ribeiro
RESUMO
Este trabalho pretende discutir a forma como se deram as origens da dificuldade de
incorporação brasileira a uma identidade comum latino-americana, sob a perspectiva
sociocultural através dos seguintes aspectos: identifica teorias acerca do conceito de
identidade, e sua importância no autoconhecimento de um Estado para definição de sua
agenda de política externa; atravessa os processos históricos do Brasil e sua sociedade,
juntamente dos reflexos da influência que os países desenvolvidos e o neoliberalismo
exerceram e ainda exercem no país; a forma como esses reflexos afetam sua relação com os
países latino-americanos, e análise dos fundamentos da dificuldade de incorporação regional
entre esses países e o Brasil; busca captar a percepção atual da sociedade brasileira sobre a
identidade e cultura latino-americana; e, por fim, rastrear caminhos para que haja maior
integração sociocultural.
2
ABSTRACT
This paper intends to discuss the nature of the difficulty of Brazilian incorporation to a
common Latin American identity, under the sociocultural perspective through the following
aspects: it identifies theories about the concept of identity, and its importance in the
self-knowledge of a State for defining its foreign policy agenda; it crosses the historical
processes of Brazil and its society, together with the reflections of the influence that
developed countries and neoliberalism exerted and still exert in the country; the way in which
these reflexes affect its relationship with Latin American countries, and analysis of the
fundamentals of the difficulty of regional incorporation between these countries and Brazil;
seeks to capture the current perception of Brazilian society about Latin American identity and
culture; and, finally, tracking paths for greater sociocultural integration.
I. Introdução
A pesquisa de opinião pública “The Americas and the World: public opinion and
foreign policy”, realizada em 2015, demonstrou o resultado de que somente 4% dos
brasileiros participantes definiram-se como latino-americanos, tal resultado se mostra
interessante pois cada vez mais a ideologia identitária ascende como uma importante pauta
política e de auto-afirmação, além da já conhecida relevância do acesso às raízes, memória e
cultura de um povo, para que sua força e história sejam mantidas e enaltecidas. O Brasil e
seus vizinhos latino-americanos possuem diversas semelhanças em variados aspectos -
principalmente histórico e político -, mas em algum momento o afastamento do país para com
seus potenciais aliados fez com que o povo brasileiro deixasse de se identificar como um
grupo latino, e até visse o termo e tudo o que se associa a ele de maneira pejorativa.
De acordo com outras ocorrências no cenário internacional, os Estados em
desenvolvimento tendem a se destacar econômica, política e culturalmente aliando forças,
principalmente de maneira regional, ao invés de buscar acordos e cooperação com as grandes
potências mundiais, tal qual o caminho que o governo brasileiro historicamente tende a tomar.
Essa pesquisa busca entender os motivos da cisão deste grande grupo – analisando o senso de
3
desconexão do povo brasileiro para com seus vizinhos latino-americanos, através da ótica
sociocultural –, demonstrar a importância de que essa identidade seja recuperada
positivamente e sugerir caminhos para que isso ocorra.
Organizando os blocos de forma a traçar o seguinte caminho: primeiramente
apresentar a etimologia dos conceitos de identidade e representação social, entendendo sua
importância e como isso se aplica no subconsciente dos indivíduos; em seguida, analisar o
que é e como se deu a formação da chamada América Latina, bem como quem pode ser
considerado seu povo; a partir disso, compreender os fundamentos da resistência da
incorporação brasileira a uma identidade regional comum, pautando-se nos processos
históricos da região; investigar a forma como as influências neoliberais agiram e ainda agem
nesse processo. Para posteriormente interpretar como isso afeta atualmente a percepção
brasileira sobre sua própria identidade e cultura, e por fim, propõe-se buscar caminhos para
que ocorra maior integração entre as partes, principalmente nos planos social e cultural.
Esse sentimento de não pertencimento que paira sobre o povo brasileiro no que se
refere à grande comunidade latino-americana por certo tem fundamentos, e o foco aqui é
compreendê-los. Sabe-se que o processo de construção do Estado e sociedade brasileira foi
diferente, em diversos aspectos, das demais nações que dividem o continente com o Brasil.
Empreenderam-se formas diferentes de colonização e de independência – uma transição
pacífica para o modelo monárquico português no Brasil, frente aos conturbados e conflituosos
eventos no processo de independência da maioria dos países da América hispânica –, o que
fez com que se iniciasse um instinto de desconfiança mútua entre as partes. A política externa
do Brasil por décadas teve olhos apenas para as metrópoles nortistas (Estados Unidos e União
Europeia, principalmente), o que confrontava a ideologia das outras nações, visto que muitas
delas enfrentaram uma série de embates com tais metrópoles.
Além dos seguidos obstáculos encontrados ao longo da história das então “duas”
américas latinas, nos momentos em que a integração regional foi considerada, não houve
estrutura ou suporte suficientes para que se despontasse essa identificação comum
latino-americana. Alguns governos brasileiros direcionaram a atenção de suas agendas para o
fim regional, contudo esqueceram de incluir o povo nesse processo, a construção social que
prega a distância de realidades desses países está instalada muito profundamente, por isso os
processos de integração sempre foram bastante questionados pela sociedade.
O estudo aqui referido se trata de uma pesquisa teórica em que analisaremos
bibliografias referentes às relações latino-americanas e aos temas que intentamos trabalhar;
com um objetivo de estudo explicativo, em que serão identificados os fatores causadores das
4
1
SANTOS, L. D, 2011, “As Identidades Culturais: proposições conceituais e teóricas”, en Rascunhos Culturais,
Coxim, vol. 2, nº 4
2
Canclini, Néstor García. Latino americanos à procura de um lugar neste século. Editora Iluminuras Ltda, 2008,
p. 30
5
impede que este grupo seja plural e flexível, e suas delimitações sejam imprecisas e
complexas. A conjuntura contemporânea de globalização intensifica essas imprecisões, por
abrir o caminho para a interconexão entre diferentes países e regiões, especialmente através
das migrações, dessa forma os espaços não permanecem tão fixos quanto costumavam ser
antes deste fenômeno, favorecendo assim processos de aculturação e, por vezes, de
homogeneização cultural, em que “observam-se transformações tanto nos grupos migrantes,
quanto no grupo dominante do país receptor (geralmente em menor intensidade).”3
Acaba sendo necessário empreender maiores esforços para que as raízes e memórias
de um povo específico sejam protegidas e semeadas através do tempo e das mudanças
sociológicas decorrentes dele; esforço este que não é visto com tanta importância quando se
trata da recuperação histórica de um povo atualmente visto como minoria social, como por
exemplo os povos escravizados (principalmente nativos indígenas e povos negros), apesar de
alguns deles serem maioria absoluta em números4. Esses povos foram marginalizados e
excluídos dos processos de socialização, por não se encaixarem nas classificações normativas
dos padrões elitistas estabelecidos pelo sistema capitalista; a limpeza étnica pela qual
passaram é dificilmente revertida, pois o processo de eliminação de grupos étnicos de
determinada região com objetivo de homogeneizá-la inclinando-se ao grupo dominante, tende
a ser bastante agressivo, tanto fisicamente (com as migrações forçadas e genocídios), quanto
histórica e socialmente (com o apagamento memorial de sua cultura); os esforços de limpeza
étnica são comumente acompanhados da destruição de impressões físicas do povo alvo, como
casas, centros sociais, monumentos e lugares de adoração, e posteriormente é implementada a
instalação de infraestruturas e subjetividades relacionadas à classe dominante no território
apropriado em questão.
No processo de categorização de identidades tende-se a se realizar certa generalização
e hiper simplificação das imagens sociais, o que constitui os estereótipos, utilizados com a
intenção de definir e limitar indivíduos principalmente quanto à sua aparência,
comportamento e naturalidade, em uma vulgarização irreal acerca de um grupo de pessoas, o
3
Berry, J. W. (2001) ‘A Psychology of Immigration’, Journal of Social Issues, 57(3): 615-631.
A convivência massiva de grupos distintos implica uma troca expressiva de experiências, de práticas e tradições,
essa troca influencia ambos os grupos mutuamente, fazendo com que absorvam fragmentos da outra cultura
mesmo quando não têm a intenção. A questão é que geralmente, quando há um grupo dominante, este possui
maior interesse e facilidade em projetar seus costumes sobre o outro grupo – principalmente ao controlar os
meios de comunicação – que se vê em posição de submissão e, muitas vezes, conformidade.
4
De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) divulgada pelo
IBGE no ano de 2016, pessoas negras e pardas representam a maioria da população brasileira com 54.9% de
indivíduos autodeclarados no grupo.
6
que levanta uma barreira entre o que, na teoria, seríamos "nós" (in-group) e o que seriam
"eles" (out-group), o grupo alvo – conceitos bastante utilizados na psicologia social. O maior
problema dos estereótipos sociais acontece quando associados à complexidade psicológica
estrutural daqueles que não pertencem ao grupo em questão, e que passam a replicar não
apenas seus preconceitos acerca do grupo alvo, como também podem chegar a tomar atitudes
violentas fundamentadas em suas ideias pré-concebidas sobre o tal, esses preconceitos
colonizam o imaginário coletivo com ideias que tendem a reforçar a marginalização das
minorias sociais. Entretanto, segundo Tajfel (1982) os estereótipos podem ser positivos no
sentido de ajudar os indivíduos na organização cognitiva do seu meio e proteção dos seus
valores, partindo da mesma ideia de in-group e out-group já apresentada, mas agora
observada por outra perspectiva “somos o que somos, porque eles não são como nós”5, além
de fazer com que os grupos se reconheçam enquanto grupo e se organizem estrategicamente
para manter suas representações sociais de forma positiva para “os de fora”, e evitar
identificações negativas sobre eles próprios.
Dessa maneira as identidades e representações sociais possuem uma relação mútua de
entendimento e construção, levando sempre em consideração a conjuntura psicossocial e
política em que se inserem:
5
Tajfel, H. (1983) Grupos Humanos e Categorias Sociais II, Lisboa: Livros Horizonte. p. 388
6
PINTO-COELHO, Zara; ZAGALO, Nelson. Comunicação e Cultura. III Jornadas Doutorais, Ciências da
Comunicação e Estudos Culturais. 2014. p. 130
7
7
PINTO-COELHO, Zara; ZAGALO, Nelson. Comunicação e Cultura. III Jornadas Doutorais, Ciências da
Comunicação e Estudos Culturais. 2014. p. 131
8
O próprio nome "Latina" refere-se à genealogia linguística que seria falada nesse território posteriormente à
colonização (especificando: línguas derivadas do latim, que são a espanhola, a portuguesa e a francesa). Segundo
essa visão, Luis Bonaparte já categoriza o território americano com um "sobrenome" de referência europeia,
sabendo de pronto que aquela região pretendia ser sua.
9
ALVAREZ, Maria Luisa Ortiz. (Des) Construção da Identidade Latino-Americana: Heranças do Passado e
Desafios Futuros. p. 2
10
DOS SANTOS, Fabio Luis Barbosa. Atualidade da noção de América Latina: diálogo crítico com Leslie
Bethell. p. 6
11
Doutrina que fomentava a ideia de que seria uma designação divina a de liderança estadunidense sobre o
restante do mundo (tendo como escopo principalmente os povos da América Latina, pela proximidade territorial
e incapacidade de sujeitarem outros povos aos seus mandos), fazendo acreditar que seu expansionismo
geopolítico seria apenas uma demonstração desse desígnio.
8
12
BOLÍVAR, Simón. Carta de Jamaica. Revista de economia institucional, vol. 17, n. 33 (2015)
13
DOS SANTOS, Fabio Luis Barbosa. Atualidade da noção de América Latina: diálogo crítico com Leslie
Bethell. p. 269
9
de retorno das interferências europeias nas políticas locais, buscavam exercer suas autonomias
enquanto novos Estados soberanos, de maneira até paradoxal: aliar-se para conseguir mais
independência.
Contudo, a condição de pluralidade dos povos latino-americanos surge com força ao
debate, o que traz à tona a complexidade da análise da América Latina no âmbito de definição
de uma identidade (no singular) ao invés de assumir a diversidade de identidades que se
apresentam na região. Essa complexidade porém consegue ser bem esclarecida nas palavras
de Fernando Henrique Cardoso, sociólogo e político brasileiro, em seu artigo
"Desenvolvimento e Identidade Latino-Americana", em que traz a compreensão de que apesar
de haverem várias Américas Latinas, ainda sim há uma comunidade de heranças e desafios
comuns entre os países em questão, e uma evidência desse fato é que, mesmo que
supostamente utópica, a ideia de "unidade latino-americana" continua viva e sendo estudada
há quase dois séculos, o necessário agora seria entender sobre quais bases, valores e
aspirações atuais essa unidade identitária pode ter vigência e se desenvolver, reconhecendo a
pluralidade de suas diferenças.14
Houve um período em que a concepção de identidade esteve ligada a uma rotulação
consolidada e permanente, período em que se descrever em algumas poucas características já
parecia dar uma visão geral do que esse indivíduo seria e o que as pessoas em volta poderiam
esperar dele. Entretanto, esse conceito acabou passando por um processo de ressignificação
em alguns quesitos e os elementos que o constituem adotaram um novo formato, mais
aceitavelmente fluido e polissêmico, como aponta o autor e linguista Rajagopalan (1998), os
indivíduos não mais possuem uma identidade fixa anterior, ao invés disso passa a construí-la
em sua língua e por meio dela, em sua relação com o próximo e com o meio social em que se
insere15.
Por sua vez, a América Latina usufrui desta permissão de linguagem em que adota o
termo "identidade" para se definir e definir seu povo, mesmo reconhecendo que sua definição
é fluida e "seu povo" na verdade são vários; a pluralidade cultural latino-americana representa
um genuíno laboratório de experiências sociais, e isso não torna menos legítima sua vivência
enquanto povo unificado, muito pelo contrário, essa pode ser considerada sua maior riqueza,
14
CARDOSO, Fernando Henrique. Desenvolvimento e identidade latino-americana. Nossa América, Revista
Memorial da América Latina, n. 23, ano 2006.
15
RAJAGOPALAN, K. O conceito de identidade em Linguística: é chegada a hora de uma reconsideração
radical? p. 41
10
"Cinco séculos após a chegada dos europeus a suas praias, serras e florestas,
os latino-americanos de descendência espanhola, portuguesa, italiana, alemã, africana,
chinesa ou japonesa são tão “nativos” ao continente quanto aqueles cujos ancestrais
foram os antigos astecas, toltecas, maias, quéchuas, aimarás ou caraíbas. E a marca
que os africanos deixaram no continente, onde vivem por cinco séculos, é
onipresente: nas pessoas, língua, música, comida e até em certas formas de se praticar
a religião. Seria um exagero dizer que alguma tradição, cultura ou raça deixou de
contribuir para o vértice fosforescente de misturas e alianças diluídas em todas as
ordens da vida latino-americana. Essa aglomeração é nosso maior patrimônio: ser um
11
continente que não possui uma só identidade porque contém todas as identidades. E,
graças aos seus criadores, continua se transformando a cada dia."16
imperial do país, que não tinham interesse em qualquer tipo de integração ou aproximação,
como aponta Tancredi em um trecho de seu artigo 'A dificuldade de Incorporação da
Sociedade Brasileira a uma Identidade Latino-Americana':
Após sua independência e ao longo da história, o Brasil buscou a todo custo se aliar às
potências do Norte, em especial aos Estados Unidos, pretendendo pegar carona na sólida
projeção internacional e crescimento econômico que o país obtinha ano após ano devido às
suas políticas imperialistas, enquanto os demais Estados latino-americanos possuíam relações
tensas com o país, em função das inúmeras intervenções deste nas questões internas da região.
Através da Doutrina Monroe (1823)20, os EUA iniciam um processo de aparente aproximação
com a América Latina, a fim de estabelecer bases seguras de influência e de contenção da
ameaça comunista e europeia – no sentido de possível "re-ocupação" do território –, contudo
essa "aproximação" pode ser traduzida principalmente como "sequência de operações
militares intervencionistas" em que os interesses norte-americanos acabavam amplamente
atendidos enquanto os latinos ficavam à mercê de seu novo dominador; essa atitude
imperialista estadunidense se prolongou e prolonga até os tempos atuais, exemplo disso é o
histórico de interferências em Cuba ao longo de sua trajetória, que contemplou,
posteriormente, como um dos eventos mais nítidos dessas ideologias dos EUA, a Emenda
Platt21 (1901), que foi imposta em sua constituição a fim de conceder aos Estados Unidos
permissão para construção de suas bases militares no país, assim como também ocorrido no
19
TANCREDI, Leticia di Maio. A dificuldade de incorporação da sociedade brasileira a uma identidade
latino-americana. Contexto Internacional, p. 14
20
Doutrina instaurada por James Monroe em 1823, com a finalidade de barrar a interferência europeia nos países
americanos. Ilustrada pelo slogan "América para os americanos", a Doutrina Monroe simulava a intenção de
defender os países latinos com independência recém declarada de uma possível recolonização. Dessa forma os
Estados Unidos conseguiram se projetar mais facilmente enquanto potência política e econômica regional sobre
o território, e disseminar seu modelo liberal e incisivamente capitalista aos Estados da América Latina.
21
Instrumento constitucional norte-americano que os permitiam intervir em questões políticas e militares da ilha
de Cuba (vide a criação da base militar de Guantánamo na região), foram obrigados a assinar a emenda no ano
de 1901.
13
Por todos esses motivos, o Brasil era tratado com desconfiança por seus vizinhos, e o
sentimento era recíproco, principalmente por suas agendas de política externa serem tão
distintas e pelo discurso da elite imperial, que se baseava na crença do funcionamento de uma
unidade brasileira estável com instituições sólidas para que se formasse uma identidade
nacional forte, simultaneamente considerando as repúblicas latino-americanas como um
grande mosaico de governos instáveis sujeitos ao risco dos protestos das massas, evento este
ilustrado pela revolução negra do Haiti24, que acabou por se tornar um símbolo de ameaça às
22
Termo utilizado para definir a política externa estadunidense no governo de Theodore Roosevelt (1901-1909),
"Big Stick" em português significa algo como "grande porrete", demonstrando uma forma de diplomacia em que
se utilizam discursos aparentemente amistosos ao mesmo tempo em que deixa claro a possibilidade de uso da
força caso necessário, basicamente na hipótese dos interesses norte-americanos não serem atendidos. Este termo
foi tirado de um provérbio originário da África Ocidental "fale com suavidade e tenha à mão um grande porrete,
assim irás longe"
23
BUTLER, Smedley Darlington. War is a Racket: The antiwar classic by America's most decorated soldier.
New York. Skyhorse Publishing, 2013. p. 16
24
A Revolução Haitiana iniciou-se em 1791, liderada por Toussaint Louverture e Jean-Jacques Dessalines foi
uma grande rebelião de pessoas escravizadas e pessoas negras libertas contra o sistema colonial escravista
francês, que levou a antiga colônia de São Domingos à independência. As rebeliões foram inspiradas pelos ideais
14
da própria Revolução Francesa (1789-1799), que abordavam pautas de igualdade entre os homens e despertaram
o âmago da luta por seus direitos e liberdade. Sua independência foi proclamada em 1804, tornando o Haiti a
primeira nação independente da região caribenha e primeiro país a conquistar sua emancipação através de uma
rebelião de pessoas escravizadas.
25
FERNANDES, Tiago Coelho. Entre Bolívar e Monroe: o Brasil nas relações interamericanas. Las relaciones
interamericanas: continuidades y cambios, p. 215
15
Ainda que haja insegurança mútua entre o Brasil e os demais países latino-americanos,
atualmente as semelhanças entre eles se sobressaem, mesmo que haja significativas variações
nacionais devido aos antecedentes de cada um. No que se refere aos seus processos históricos,
ambos tiveram seus povos originários subjugados, fazendo com que houvesse uma longa
trajetória de negação de suas culturas, religiões e símbolos próprios (Merian, 2000)27. A
extorsão das terras e força de trabalho indígenas eram justificadas pelo sentimento de
desprezo racial cometido contra esses povos, desprezo este que, por sua vez, nutria a
destruição de civilizações nativas e escravizadas, utilizando o discurso de que tais pessoas não
possuíam alma, suas espiritualidades foram "demonizadas" e substituídas por uma cristandade
forçada, que os ensinava sobre pecados e obediência, disseminando crenças que facilitassem o
controle dos dominadores sobre eles. Geração após geração, a catequização firmava suas
raízes e a eugenia começava a mostrar seus impactos a nível estrutural, as qualidades culturais
dos povos originários e escravizados iam se dissipando em culturas cada vez mais
miscigenadas e histórias não preservadas, pouco a pouco dificultando a busca pelas origens de
quem se interessasse, suas raízes foram sendo roubadas ao longo do caminho.
Ambos passaram por grande influência europeia, não apenas ibérica, mas também
inglesa e francesa no século XIX, posteriormente ainda se deparando com forte
intervencionismo norte-americano durante o século XX. Esse encadeamento de explorações
impôs novos formatos nos campos político, econômico, cultural e religioso, além da
importação de instituições que conjugassem com esse novo mundo – não apenas a
catequização dos povos, mas também a imposição de vestimentas específicas, do sistema de
produção e mercado de consumo, de linguagem importada e pré determinação de quais seriam
as condutas socialmente aceitas naquela conjuntura.
Ainda analisando as semelhanças intra América Latina, pode-se citar a ampla e
duradoura exploração de mão-de-obra escrava (prática herdada até hoje em alguns países,
atualmente de maneira ilegal)28, regime esse que tinha como principais alvos os povos nativos
26
DOS SANTOS, Fabio Luis Barbosa. Atualidade da noção de América Latina: diálogo crítico com Leslie
Bethell. Revista Eletrônica da ANPHLAC. p. 13
27
TANCREDI, Leticia di Maio. A dificuldade de incorporação da sociedade brasileira a uma identidade
latino-americana. Contexto Internacional, p. 13
28
A chamada "escravidão moderna" mantém formato semelhante à que estudamos, até 1888 no Brasil, ainda
implica relações exploratórias de trabalho das quais não se consegue sair em que a vítima é obrigada a exercer
uma atividade sob ameaças, violência e detenção, majoritariamente atraídas por falsas promessas de emprego.
17
e pessoas cativas do continente africano, e que se dava como sustentáculo dos sistemas de
produção que se baseavam na acumulação de capital e ativos – inicialmente a terra e tudo o
que rendesse dela. Algumas dessas repúblicas anunciaram a abolição de suas escravidões em
períodos bastante tardios – em comparação com os movimentos do restante do mundo – e
esse atraso evidentemente deixou sequelas intensamente racistas na estrutura dessas
sociedades. São poucas as gerações que não conheceram a escravidão de perto e a
normalizaram em sua rotina, e isso faz com que as representações negras e nativas
latino-americanas escravizadas ainda estejam frescas na história desses países, e que pessoas
negras e indígenas ainda não tenham suas imagens totalmente desvencilhadas dessa vivência
associada ao sofrimento e à violência de seus corpos. Essa miscigenação, ao invés de trazer
puramente a igualdade entre os povos que Martí tanto almejava, atualmente se divide entre
discriminação de um povo sobre outro, confusão de pertença em relação a uma descendência
ou outra, e um tanto desse sentimento de que "todos somos iguais" (que pode ser muito
promissor ou talvez muito perigoso, no sentido de deslegitimar a existência do racismo
claramente presente em nossas estruturas).
Os Estados latino-americanos constituem democracias recentes, que custaram a se
estabelecer e ainda cambaleiam a depender do líder que os governa, sua significativa maioria
passou por um período ditatorial entre as décadas de 60 e 80, o que demonstra o caráter tardio
de suas transições democráticas. Esse caráter de democracias jovens deixa os referidos
governos e povos suscetíveis a ataques aos seus regimes democráticos, a ideologia do
chamado "governo do povo" ainda não parece estar intrínseca o suficiente na subjetividade
dos povos dessa região para que tenhamos fora de vista os riscos da chegada de um novo
governo autoritário, e pior, com apoio do povo. Ainda no que se refere ao regime político
dessa gama regional, pode-se dizer que os Estados adotaram precocemente o modelo
liberalista em seus contextos político, eleitoral e judiciário (além de todos os outros campos
adjacentes), logo após seus processos de independência29. Isso se deu justamente por
circunstância de terem sido mais amplamente influenciados pelas metrópoles capitalistas, em
Diferentemente dos tempos coloniais, a mão de obra escrava não mais vitima apenas negros e indígenas, mas
essa nova configuração se mostra sujeita à qualquer pessoa em situação de miséria.
A fundação australiana Walk Free, em seu Índice Global de Escravidão publicado em 2016, estima que mais de
45,8 milhões de pessoas vivem em situação de escravização no mundo atualmente, sendo os principais tipos de
trabalho que empregam esse regime: a indústria da pesca, de cultivo de drogas, de exploração sexual e em
propriedades particulares.
29
ALVAREZ, Maria Luisa Ortiz. (Des) Construção da Identidade Latino-Americana: Heranças do Passado e
Desafios Futuros. p. 7
18
especial pelos Estados Unidos, que por dividirem o território do continente americano
conosco, acaba desfrutando de maior facilidade para projetar suas políticas e práticas sobre
novas soberanias, ainda mais pelo fato dessas soberanias serem tão recentes, pois se mostram
mais vulneráveis ao risco de imposições do sistema utilizado por soberanias mais antigas e
bem estruturadas, como é o caso das políticas relacionadas à Doutrina Monroe.
No campo econômico, as repúblicas latinas se assemelham por se assentarem
majoritariamente pelo capital internacional, sendo que seu papel nesse sistema integrado é o
de produção de matérias-primas para exportação (Chile com o cobre, Venezuela com o
petróleo, México e Peru com a prata, e assim por diante), fazendo com que grande parte dos
bens manufaturados sejam importados de outros Estados, e implicando uma relação de
dependência para com os países mais economicamente desenvolvidos , pois, em sua maioria,
carecem de investimentos para que consigam ampliar sua capacidade produtiva, devido à falta
de acumulação interna de capital, empregam políticas de importação de bens e serviços, o que
os faz contrair empréstimos para construção de infraestrutura e modernização de
equipamentos, como resultado disso acabam em situação de endividamento e dependência
externa30. A situação econômica foi delineada de forma bastante esclarecedora por Robert
Valls, em matéria publicada no jornal El País, em 2014:
E ainda com uma percepção desmotivadora, mas aguçada, apontada pelo antropólogo
argentino Néstor García Canclini (2008):
“(...) Globalizamo-nos como produtores culturais, como migrantes e como
devedores. A tibieza com que assumimos esses três papéis, que redundou no fracasso
de muitos projetos de integração regional (...) Assim chegaremos a 2010, quando
várias nações do continente celebrarão o segundo centenário de sua independência,
com mais sujeições do que patrimônio.”32
30
MACHADO, Luiz Toledo. A teoria da dependência na América Latina. Estudos avançados, v. 13, p. 199
31
VALLS, Robert, 2014. O ‘vício’ da América Latina pelas matérias primas, El País.
32
CANCLINI, Néstor García. Latino americanos à procura de um lugar neste século. Editora Iluminuras Ltda,
2008, p. 12
19
33
IGLECIAS, W, 2014. O que o brasileiro médio sabe da América Latina?, Carta Capital.
34
A União Europeia é o exemplo de bloco melhor sucedido e consolidado na história do Sistema Internacional,
compreende um complexo com instituições supranacionais que decidem pautas de ordem econômica, social,
ambiental e militar. O PIB de alguns de seus países detém posições de destaque diante do cenário global e sua
moeda comum de circulação superou o dólar em valor de mercado, essa prosperidade ajuda a inibir o surgimento
de conflitos intra-bloco.
Apesar de ser um case de sucesso, o bloco atualmente enfrenta diversos problemas, como as altas taxas de
desemprego, a desigualdade de infraestrutura e econômica, questões separatistas, elevada xenofobia, entre
outros. A UE influenciou a criação de outros importantes blocos econômicos, como NAFTA, MERCOSUL e
APEC.
20
35
O "spillover" faz parte das teorias de integração de frente neofuncionalista, e de acordo com Ernst Haas
(1970), esse processo define uma cadeia de efeitos decorrentes da integração de dada região. A consequência do
processo de integração em determinado plano, seria a integração de outros planos em seguida, e assim por
diante, em efeito cascata, que acaba intensificando gradativamente mais a cada plano os processos de integração
deste percurso.
21
industrial, de uma forma mecânica e padronizada", como afirma Thiago Torres (2021)36, essa
indústria proporciona uma forma de controle da população através das grandes mídias,
influenciando nosso modo de pensar e nos comunicar, seja, por exemplo, exaltando somente
pessoas brancas e magras na televisão, de maneira parcialmente velada, ou mesmo inundando
as propagandas de bandeiras coloridas durante o mês de Orgulho LGBTQIA+, por ser o
posicionamento que as pessoas esperam de empresas "preocupadas com pautas sociais". Nada
do que vem da grande mídia é por acaso, e ela não dá um único ponto sem nó37, os filmes
majoritariamente passados nos Estados Unidos não são simples coincidência, os reality shows
em que os participantes competem por dinheiro não possuem sempre esse formato por
coincidência e os livros e matérias de "auto ajuda" que dão a entender que acordando cedo
para trabalhar e persistindo você enriquece também não; os ideais que a burguesia quer que
repliquemos acabam se tornando intrínsecos ao nosso modo de enxergar a realidade e se
camuflam em nossa mente como aquilo que é considerado "normal", precisamos sempre
ativar nosso senso crítico e entender a quem serve que acreditemos nos discursos e
representações sociais apresentados pelas grandes mídias e nos atenhamos a isso, a quem
serve que nos acostumemos com as formas de arte oferecidas facilmente e deixemos de
buscar formas diferentes de enxergar o mundo, modalidades alternativas de vivência, que
usemos nosso tempo vago de um jeito que não nos faça refletir sobre a nossa própria
realidade. A quem serve tudo isso?
A Indústria Cultural começou a receber investimentos e atenção especial no início do
século XX, quando começaram a surgir diversas revoluções de cunho socialista, tinha por
objetivo amansar as massas e domesticá-las tanto quanto possível, atualmente os moldes
convincentes e lucrativos de fazer cultura já foram desenvolvidos, e uma das características da
indústria é seguir essa padronização das fôrmas prezando pela rentabilidade econômica,
reciclando formatos que dão certo (que vendem melhor), não pelo conteúdo em si. Esses
conteúdos nos ensinam a se contentar com o sistema e aceitar passivamente a realidade de
subversão que nos é oferecida, além de fomentar a rivalidade entre os povos
latino-americanos justamente para que sua potência como território unido se limite às
possibilidades, e não se converta em realidade, por isso é sempre interessante que
mantenhamos nosso senso crítico em alerta.
36
TORRES, Thiago (Chavoso da USP). A Indústria cultural e o Mito de que o Passado era Melhor. Youtube,
março de 2021.
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TORRES, Thiago (Chavoso da USP). A Indústria cultural e o Mito de que o Passado era Melhor. Youtube,
março de 2021.
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O conceito foi criado pelo escritor brasileiro Nelson Rodrigues, em referência a um evento futebolístico em
1950, mas mostrou sua validade em diversas circunstâncias ainda atualmente. Nas próprias palavras do autor o
termo demonstra uma relação de "inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto
do mundo", dizendo ainda "[...] o brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a
verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima."
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ensino da cultura latina, dos acontecimentos históricos e da política de seus países de maneira
individual passa praticamente despercebido.
A grade curricular das escolas deve ser elaborada de forma a despertar o interesse dos
jovens acerca de seu meio, da cultura e costumes desses países, para que tenham referências
de herois regionais também para além das figuras europeias e/ou norte-americanas, para que
se identifiquem com seu território e abranjam seu conhecimento para mais do que apenas a
rivalidade entre Brasil e Argentina no futebol. Se faz necessário um aprofundamento na
história dos povos nativos e primeiros habitantes da região – como os astecas, indígenas, incas
e maias –, a explicação das semelhanças e diferenças sobre eles em relação aos nossos povos
originários, entre seus processos históricos e os nossos, e sobre como tudo isso se
interrelaciona, até o tipo de vínculo que mantemos com as nações vizinhas atualmente. Quais
as formas de relevo da região? Como se mantém a economia desses países? Quais as suas
tendências políticas? Como se desenvolveu sua cultura e suas tradições? São exemplos de
questões importantes que precisam ser instigadas e respostas que precisam ser apresentadas
para que nossas crianças e jovens se conheçam a história de um povo um pouco mais próximo
do seu, e para que tenhamos uma visão macro do que pode-se esperar desses países,
individualmente (entendendo seus contextos) e dentro do sistema regional, no que concerne às
suas relações com o Brasil.
As aulas sobre esse tema precisam ser criativas, para que se prenda a atenção da
audiência, buscando primordialmente romper a barreira de rivalidade que surgiu ao longo da
nossa construção histórica, e despertando nos alunos melhor noção sobre sua identidade
latino-americana. Alguns analistas ainda trazem um ponto bastante pertinente, a perspectiva
de avanço possível caso houvesse uma atualização nos currículos educacionais em que se
encurta a distância linguística entre brasileiros e hispano-americanos, promovendo o ensino
da língua portuguesa em países hispanófonos e ensino do espanhol, mais ativamente, aqui no
Brasil. (CANCLINI, 2008)39
Considerando toda a argumentação apresentada vem à tona a noção de que “as
informações que chegam até as classes média e baixa pouco falam da América Latina,
fazendo com que essas classes incorporem a visão e o discurso elitista acerca desta região”40.
Não dá para se sentir parte de algo com o qual o indivíduo não se identifica e não dá para se
39
CANCLINI, Néstor García. Latino americanos à procura de um lugar neste século. 2008, p. 17
40
TANCREDI, Leticia di Maio. A dificuldade de incorporação da sociedade brasileira a uma identidade
latino-americana. Contexto Internacional, p. 16
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identificar com algo que ele não conhece a fundo. A maioria do que se sabe (a partir da
perspectiva média brasileira) sobre América Latina se fundamenta em locais de profunda
violência e miséria, algum conhecimento esportivo, alguns destinos turísticos e os demais
estereótipos difusos socialmente.
41
IGLECIAS, W, 2014, O que o brasileiro médio sabe da América Latina?, Carta Capital. Disponível em:
<https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/O-que-o-brasileiro-medio-sabe-da-Ame-rica-Latina-/6/
30216>.
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paz abrem a perspectiva de uma integração cada vez mais intensa entre países que convivem
em um mesmo espaço de vizinhança"42.
Posteriormente, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o direcionamento da política
externa brasileira reforça a necessidade de unidade entre os países latino-americanos, ainda
que o foco dos esforços fosse a América do Sul especificamente. O novo governo do PT
(Partido dos Trabalhadores) manifestou mudanças significativas não apenas no Brasil, mas em
toda a região, dada a aliança estratégica com a Venezuela, o aprofundamento da relação com a
Argentina e o espaço atribuído à América do Sul como prioridade na agenda brasileira de
relações internacionais, não apenas no sentido político, mas também econômico, robustecendo
os intercâmbios comerciais e equilibrando a conjuntura regional. O continente tornou-se o
eixo central de atuação brasileira, buscando, a cada projeto, subir um degrau no propósito da
criação de um hemisfério mais sobrelevado e um sistema mais justo para o Sul, de forma que
deixasse de se demonstrar tão subserviente às decisões do Norte.
Entretanto, o governo petista não deixou de lado as relações com os Estados Unidos e
nem pretendia, o confronto não se mostrava ser uma opção interessante e suas boas relações
se mantiveram, ainda que com algumas contendas. Vale destacar ainda, que um dos motivos
que possibilitou a evolução dos projetos de integração regional, para além da ascensão de
governos nacionalistas na América Latina, foi o afastamento norte-americano deste território
após o ataque de setembro de 2001 às torres gêmeas, em Nova Iorque. O recuo dos Estados
Unidos acarretou um "vácuo de poder", como aponta Luiz Bandeira, que propiciou maior
autonomia às decisões e união destes Estados, esse contexto possibilitou ao Brasil a abertura
de caminhos sentido à liderança no subcontinente sul-americano, e foi esse rumo que o
governo seguiu, e obteve sucesso em alcançar uma posição mais protagônica no cenário
internacional.
Nesse sentido, apresentado o maior caso de sucesso da política internacional brasileira,
e por acaso ainda possivelmente considerada recente, caso o plano de governos posteriores
seja o de empreender uma integração regional sul-americana – ou esperançosamente
latino-americana – se faz necessária a inclusão da sociedade no processo, essa aproximação
com os vizinhos seria muito vantajosa para o Brasil, e o governo precisa instruir seu povo
sobre tais benefícios.
Notícias sobre os países latino-americanos precisam ser difundidas (para além das de
cunho desfavorável) e o conhecimento precisa ser estimulado, pois o desconhecimento sobre
42
BANDEIRA, Luiz A. de V. Moniz. Relações Internacionais e Integração Regional, Enciclopédia
Latinoamericana.
26
nossa própria região é histórico e abre espaço para um tom discriminatório. A indústria
cultural também deve agir nesse processo “importando produtos criativos da região em
detrimento da exclusividade que hoje dá às indústrias dos países nortistas”43. A riqueza
cultural da América Latina é grandiosa, e se sustenta, principalmente, em sua diversidade
representada por incontáveis tradições, costumes, variações culinárias, manifestações
artísticas e religiosas, dos diferentes povos que a compõem.
Em entrevista concedida ao projeto Escuta sobre música, arte e cultura no Brasil, Rita
Von Hunty sinaliza a questão da desvalorização brasileira a respeito de sua própria cultura
(baseada principalmente na mistura de tradições), enquanto o público de fora contempla e
admira essas manifestações:
43
TANCREDI, Leticia di Maio. A dificuldade de incorporação da sociedade brasileira a uma identidade
latino-americana. Contexto Internacional, p. 17
44
VON HUNTY, Rita. (Tempero Drag). Cultura em Debate. Youtube, 04 de novembro de 2021.
45
LEMOS, Maria Teresa Toribio Brittes. Fronteiras rompidas: Multiculturalismo na América Latina. p. 156
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multietnicidade e pluralidade cultural são os atributos de sua riqueza, que está na diversidade
e intercâmbio entre elas, assim como na produção de novas culturas provenientes dessas já
existentes, observadas tanto no âmbito estético, quanto no intenso patrimônio histórico
cultural presente. O que se deve ser feito no Brasil é a abertura para que haja esse recebimento
das composições vindas desses países; deve haver um interesse em explorar, "pois se não há
interesse, não há porque divulgar, e se não há divulgação, não há interesse"46, com
conhecimento regional e interesse cultural estabelecidos, a importação de produtos de cultura
latina será abrangentemente maior.
VIII. Conclusão
O destaque que o país almeja no cenário internacional passa primeiramente pela
concepção de laços e inserção regional no campo latino-americano, e para isso é importante
que o Brasil entenda sua posição no sistema e que reitere seu lugar de evidência, assim
devendo estabelecer claramente a distinção entre “nós” e “eles” em um nível supraordenado,
se entendendo parte da gama de nações da América do Sul e Latina, e aliando-se a ela, não
àqueles que o exploraram e exploram.
A discussão acerca dos processos identitários de indivíduos latino-americanos é
necessária para que se possa seguir com políticas de integração efetivas, e esses processos
podem ser executados a partir de representações sociais trabalhando em cima da dinâmica de
pertencimento social, esses conceitos devem ser dedicados não apenas em nichos específicos
da população, mas em competências de ampla divulgação de conhecimento, portanto nas
escolas e na circulação das grandes mídias, para que assim se desperte o interesse do
brasileiro em geral em se sentir parte da identidade comum latino-americana.
46
RADUSEWSKI, Carolina Dias. Difusão da Cultura Latina no Brasil. Rio de Janeiro, 2011. p. 28
28
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