A Pós-Modernidade
A Pós-Modernidade
A Pós-Modernidade
A pós-modernidade filosófica
Mesmo restringindo-se ao âmbito da filosofia, deparamo-nos com um panorama filosófico
impressionante.
Durante os anos 40-50 o segundo Heidegger(após a “volta ou retorno: Kehre” do seu pensar,
em meados dos anos 30) tornou-se um autêntico pioneiro graças a obras como Carta sobre o
Humanismo, Conferências e Artigos ou Identidade e Diferença; mais tarde em 1961 publica os
seus dois volumes sobre Nietzsche e instaura assim a crítica filosófica pós-moderna à
modernidade racionalista, à burguesia e ao capitalismo. E culmina a sua obra, pois o arco que
iniciara o primeiro Heidegger em 1927, com o sue Ser e Tempo, deslocou-se agora até ao
espaço temporal da linguagem do ser com o texto da conferência Ser e Tempo (1962).
Nessa época, em 1966, surge Hans-Georg Gadamer que publica Verdade e Método, por onde
flui e se consagra a corrente hermenêutica como crítica ao Iluminismo
; em 1966, surge as Palavras e as Coisas de Michel Foucault, que abre o caminho pós-moderno
ao pós-estruturalismo; e Jacques Derrida publica quase em simultâneo DA Gramatologia e a
Escritura e a Diferença em 1967, com que inicia o desconstrutivismo. A estas obras seguem-se
outras como Diferença e Repetição (1968) de Gilles Deleuze; Vigiar e Punir (1975) de Foucault;
Mil Planaltos (1980) de Deleuze com Félix Guattari; Imperio (2000), de Negri e Hardt; e um
inesgotável elenco de obras, conferências, artigos e autores cujo labor teórico-crítico, tão
rigoroso como criativo, se pode incluir nas três correntes mencionadas: a hermenêutica, o pós-
estruturalismo e o desconstrutivismo. Estas são algumas das correntes que ao longo de mais de
50 anos conseguem criar um mapa filosófico vivo, extremamente dinâmico, cambiante e muito
criativo. Um rico arco filosófico que se estende graças à integração das obras de Jan- François
Lyotard e Gianni Vattino.
Tudo isto à custa dos direitos da alteridade, aos quais os pós-modernistas recorrem não só a
partir da crítica, mas também da alternativa:
O que foi dito até aqui resume-se nas viragens do pensamento da diferença.
A filosofia da pós-modernidade destaca-se, assim, por não julgar nem desprezar: prefere não
apontar culpados e resolver as coisas de modos mais complexos(mas eficazes), onde a força
que instrumentaliza a razão não se possa impor, mas a potência possibilitante da alteridade e
das diferenças ligadas (pela diferença) com relações exteriores aos termos e não
monopolizáveis nem pelas partes nem pelos todos, que pertencem aos mundos elementares
da mera extensão, a própria dos objetos e sujeitos de consumo.
O seu pensar torna-se um operador de distorção dos esquemas que vê na especulação uma
atividade governada pelo sujeito que, apetrechado de uma razão que descreve os traços mais
íntimos da realidade, avança de forma progressiva dotando da luz do conhecimento aquilo que
estava obscurecido pelo erro, pelo preconceito ou pela ignorância. A atitude de “deriva”
concebida (e que põe em ação a libido desejante) oscila, flui e abre pontos de discussão sem
pretender dizer toda a verdade relativamente a isso. A sua principal intenção é antes revelar as
falhas que estão subjacentes aos nossos preconceitos mais assentes, precisamente aqueles que
consideramos mais seguros, e portante indignos de reflexão, para os devolvermos à atividade
inacabável do pensamento.
Objetivamente falando, seja o que for a pós-modernidade é algo que está além dos nossos
propósitos.
A condição pós-moderna que tem uma continuação esclarecedora no livro (1986) O Pós-
moderno Explicado às Crianças serve de motivo àquela que talvez seja a obra mais relevante Le
Différend, publicada em 1983. Neste texto, a filosofia do pensador francês abre-se à defesa da
heterogeneidade, da pluralidade das racionalidades que se põem em jogo na diversidade de
discursos linguísticos que são incomensuráveis entre si. Trata-se de um renunciar a “saber” –
ao estilo objetivo- para se embrenhar na exuberância “dos pensamentos”. Não há uma Lei do
pensamento, um critério fixo que nos permita decidir entre os que são bons ou os que são
maus. A única lei do pensar é a que nos exorta a explorar a diversidade e a
incomensurabilidade dos discursos. Lyotard reclama não dominar o pensamento, não ser “seu
dono” pedindo antes que apenas o “habitemos”. Para isso, é necessário guiar-se pelos
sentimentos, que por sua vez, são muito difíceis de julgar.
O último Lyotard aproxima-se novamente da estética e o sublime passa a ser o seu conceito
capital. Com esta categoria remete-nos para o sentimento simultâneo de prazer e de dor que
se experimenta perante o infinito, perante a magnitude e o poder de objetos que mostram a
limitação da mente. A estética do sublime experimenta a diferença, expressando-a enquanto
desacordo e conflito.
DERIVAS E CONTEXTOS
Elaborar um marxismo crítico: Socialismo ou Barbárie
Ele junta-se ao historiador Pierre Souyri com quem partilhava a convicção de que o
materialismo dialético aliado ao ativismo político eram os remédios mais eficazes para os
abusos, designadamente as injustiças sociais.
O marxismo heterodoxo emanado pelos membros do socialismo ou barbárie tem como ponto
de partida a crítica radical ao “marxismo real”, um regime que tinha substituído a aristocracia
ou a burguesia dominante para continuar a manter a divisão desigual de classes intacta. O
estalinismo e o marxismo ortodoxo burocratizado em que se baseia, abandona o autêntico
espírito da classe operária.
Com a dissolução de Socialismo e Barbárie, a discussão continuou mas desta vez com a reflexão
sobre que tendência deve seguir a luta contra o capitalismo. No entanto com as diferentes
opiniões sobre o marxismo, havia um problema radical no marxismo real, tal como estava a ser
entendido: a sua linguagem. Em que idioma se deveria falar e em que idioma se devia decidir?
Com o Diferendo com o marxismo ortodoxo surgiu no momento em que se questionou a sua
capacidade, como idioma e como discurso teórico para abordar os deferentes problemas e
processos surgidos no contexto do mundo contemporâneo. Para Lyotard, o marxismo tinha
perdido a capacidade de expressar com legitimidade as modificações políticas-económicas
ocorridas após a Segunda Guerra Mundial.
É a partir da perceção de que não existe um idioma único que estabeleça a realidade dos
acontecimentos que Lyotard começa a elaborar uma filosofia da diferença, onde a questão do
desejo, dos fluxos energéticos libidinais, ocupará um lugar central. Neste contexto, já não se
trata de refutar dialeticamente o outro ( o que pensa de forma diferente da nossa: quer seja
capitalista, liberal ou comunista ortodoxo), procurando um quadro mais real que expresse
objetivamente como são as coisa, mas de constituir um pensamento flutuante, menos rígido: à
deriva.
O capitalismo, segundo Lyotard, continua a ser considerado um regime que não só produz uma
persistente desigualdade económica como ainda ampara e promove um modo de vida que
regula totalmente as existências.
O tipo de vida capitalista cuja moral tem como referentes básicos a competitividade, a
rentabilidade e a felicidade através do consumo ilimitado de objetos. Loytard por seu lado
defende a necessidade de inverter estas equação e considera que o capitalismo (apesar da
liberdade que diz defender, não é por acaso que a filosofia com que se justifica é o liberalismo)
se constitui como uma estrutura carcerária, tendo em conta o seu poder para regular
totalmente as nossas vidas. Efetivamente a coisa mais perigos do capitalismo é a sua
capacidade para se constituir como a sociedade da planificação total das existências,
construindo um modelo de vida em que a possibilidade de decidir sobre os fins que devem
conduzir a sua vida é arrebatada ao ser humano, já que estão todos totalmente submetidos ao
primado do ciclo produção-consumo, o que estabelece audazmente uma estrutura universal de
opressão e repressão das melhores qualidades humanas.
Para o filósofo francês o economicismo, o cientificismo instrumentalista e o materialismo são
estruturas que facilmente se transformam em formas autoritárias ou em mecanismos que.
Embora possam implicar um maior bem-estar material, provocam miséria, ao impossibilitarem
o ser humano de ser capaz de decidir por si próprio acerca do que realmente quer.
Socialismo e capitalismo são iguais se se tornarem regimes dirigistas que não aceitam a
diferença.
Vemos assim a obra Lyotardiana a uma tentativa de reconhecer a mais-valia do mais pequeno,
apartado ou silencioso. Porque a diferença remete para a dimensão do ausente /silente, do
nunca expressável, que permite existir um espaço de remanescência que impede a afirmação
de uma estrutura única. A metodologia do acesso a isso que não fica integrado na lógica da
ciência positiva é a deriva.
A deriva tenta expressar o modo de acesso ao que está subjacente a toda atividade e
impulsiona-a a mover-se: o desejo. Daí que o comportamento humano, além do racionalismo
exacerbado, próprio da metafísica ocidental, se exercite sobretudo a partir dele. O desejo é o
fluxo desestabilizador, não redutível ao princípio da realidade. Foge, gera,vai e volta. É a
fiferença.
A revisão profunda de Marx e Freud feita por Lyotard exerce-se fazendo uso da deriva como
método.
A deriva marxista põe em causa alguns dos elementos mais reconhecíveis do filósofo alemão,
ou seja questiona-se a noção de sujeito que em Marx ainda se entende numa perspetiva
“moderna”, o que dá azo à revisão da categoria de proletário, enquanto ideal do sujeito
revolucionário. Ele acha que é necessário desmontar a filosofia da história marxista, que
entendia o comunismo como uma sociedade idealizada que superava as contradições
capitalistas.
Lyotarde apoia-se em Freud para redefinir a subjetividade, análise que recorre ao vocabulário
psicanalítico mais douto, onde a categoria de desejo passa a ocupar um lugar central. Nessa
análise também se vê a influência de Nietzsche e Espinosa. Para todos eles, o desejo, longe da
conceção que o via como um impulso negativo, e que enfatizava a dimensão de falta ou de
aus~encia do que não se possui e que implica sofrimento, é entendido como uma potência
afirmativa e criativa. A volição é uma energia que atua como motor das açõe dos seres vivos,
levando-os até ao limite das suas capacidades.
Lyotard descreve o desejo como uma energia que transita, um fluxo marcado por diversos
níveis de intensidade e de inter-relação que acontece para lá da sua localização ou
concretização num sujeito e num objeto determinados. Nesta perspetiva, importa muito mais a
imanência do desejo, o seu aparecer e decorrer, do que a sua objetivação. O desejo é
interpretado como um cruzamento de linhas, de várias forças energéticas de intensidades
variáveis, que diluem ou pelo menos não são englobáveis numa forma definida.
O desejo derrama-se, estende-se de forma ilimitada além das ações conscientes dos sujeitos
que o põem em jogo ou das direções a que aspiram.
A política, a economia ou o jogo interno (com as suas escalas, as suas posições, os seus papéis)
articulados pela sociedade são decisivamente definidos pelas forças emotivas pulsionais, e não
tanto pela lógica racional que dirige as decisões voluntárias e conscientemente.
O saber científico é um tipo de discurso afetado de forma radical pelas novas tecnologias da
manipulação de informação, fundamentalmente as digitais, que exercem uma profunda
influência tanto no domínio da investigação como no da criação e transmissão de
conhecimentos. O saber transforma-se mais numa mercadoria que se vende, compra e
consome para ser avaliado já não a partir do seu valor de uso, mas a partir do valor de troca. O
saber mercantiliza-se e ao mesmo tempo privatiza-se. Neste quadro o saber já não é apreciado
pelo seu valor epistemológico para ser distribuído publicamente, mas pelo seu valor
monetário/económico pelo que os fluxos de informação são controlados segundo interesses
comerciais (só terá acesso ao conhecimento, quem o puder pagá-lo).
O outro motivo que no entender no pensador invalida a noção de saber objetivo é a questão
da linguagem, da sua heterogeneidade. Influenciado pelo segundo Wittgenstein, entende que
as linguagens são inúmeras, de forma que existem diversos e variados jogos linguísticos. Toda a
linguagem, incluindo a científica, possui determinadas regras de funcionamento e de
significação que elaboram e transmitem mensagens a partir de determinadas normas de
criação e articulação interna, se inscrevem num espaço social determinado que lhe dá um
pragmatismo ou seja usa-se numa determinada situação de forma concreta.
Nos jogos da linguagem, as regras não se legitimam a si próprias, senão quando são aceites
pelos outros “jogadores”, de forma que se as regras mudam, muda o próprio jogo. Falar é
“jogar” um jogo, combater agonisticamente, aceitando as suas regras: a sociedade estabelece
ligações, quando os indivíduos que a compõem entram no jogo social a partir dos jogos de
linguagem de que dispõem e fazem uso. Neste sentido o indivíduo não está assim tão isolado.
O saber pós-moderno torna a nossa sensibilidade mais útil perante as diferenças e fortalece a
nossa capacidade de suportar o incomensurável. Assim uma vez que as explicações unitárias
caem por terra, abre-se a oportunidade ao aparecimento de diversas narrações, ou seja, à
polifonia. Começam a ouvir-se novas vozes.
Assim para que o saber não se converta numa ferramenta de poder (exercido por tecnocratas
com determinados interesses) deve defender o aparecimento da diferença, a construção de um
“modelo aberto” que permita o aparecimento de novas ideias, isto é, de novos enunciados e
até de novas regras.
O ocidente considerou-se a si próprio a civilização mais avançada, por ser o maior exemplo do
desenvolvimento da razão no mundo, e sentiu-se legitimada para se impor, dominar e dirige
aquelas culturas que permaneciam ancoradas em estádios supostamente inferiores. Esta
história única esquece a diferença para tender à unidade e à homogeneização.
Lyotard vincula a queda das grandes narrativas ao fim da metafísica objetivista, de forma que a
partir de agora será inaceitável a construção de sistemas universais que descrevam os diversos
acontecimentos históricos, como elementos pertencentes a uma narração única e integrada.
As principais narrativas modernas deixam de ter validade: nem a cristã, nem a iluminista, nem
a idealista, nem a marxista, nem a capitalista são capazes de levar o ser humano à plenitude ou
à salvação. O facto de uma Razão histórica universal deixar de ser válida leva ao aparecimento
e à atenção sobre as racionalidades “locais” que já não são grandes relatos, mas narrativas
descentradas de validade limitada cujas suas conquistas são instáveis e parciais.
Neste sentido, na pós-modernidade a realidade torna-se plural e complexa, uma vez que se
constrói a partir de uma lógica do provisório aberta à diferença. Os pós-modernos aceitam a
heterogeneidade dos saberes e das linguagens afirmam o devir plural e oscilante da história e
ficam abertos a uma perspetiva muito mais fica do ser humano, dada a diversidade de culturas
heterogéneas entre si.
Esta multiplicidade discursiva, com que o ser humano cria a sua realidade, permite-lhe ao
mesmo tempo afastar o grande perigo do relativismo ( posição que defende que uma vez que
nãoexiste uma verdade única “pode ser dita qualquer coisa”; uma postura que é tão perigosa
como o dogmatismo totalitário, já que nela se impõe o mais forte, o rico, o poderoso, o mais
violento…)
A questão da diferença
O problema da linguagem. O diferendo
A linguagem torna-se um elemento de análise central em Lyotard.
Apelando ao segundo Wittgenstein e a Kant, Lyotard entende que existem inúmeros jogos de
linguagem heterogéneos entre si, com regras de formação diferentes com os quais se pode
elaborar um sem-fim de géneros de discurso e de regimes de frases incomensuráveis, visto que
não possuímos uma regra externa objetiva capaz de elucidar qual é mais válido do que o outro.
Lyotard mantém um profundo interesse ético e político nas suas obras, mas agora numa ótica
muito diferente da marxista, pois sai em defesa dos silenciosos, dos marginalizados ou
afastados da história, a quem não foi permitido expressar ou fazer ouvir nela a sua voz.
Quando ele escreveu um dos seus principais livros Différend, 1983, ele entende por diferente
de um litígio, uma diferença é um caso de conflito entre (pelo menos) duas partes, conflito que
não se pode resolver equitativamente por faltar uma regra de juízo aplicável às duas
argumentações. O título do livro sugere que falta uma regra universal de juízo entre géneros
heterogéneos.
Para o filósofo francês a linguagem é um fenómeno muito mais complicado do que a sua
redução “funcionalista” e “humanista”, entendida como um mero intercâmbio de informação.
Para compreender a sua complexidade é necessário atender aos diferendos. A diferença que se
fala aqui é o estado instável e o instante da linguagem em que algo que deve poder explicar-se
em proposições não o pode ser ainda. Esse estado implica o silêncio que é um proposição
negativa. O objetivo da literatura de uma filosofia e talvez de uma política seria assinalar
diferenças e encontrar-lhe idiomas.
Afirmar, sugerir, descrever, prescrever, mandar, recomendar, conjetural, orar, rogar, etc são
espécie de discursos diferentes com os seus referentes os seus objetos os seus conceitos e as
suas relações próprias. Fala-se de forma diferente, com diferentes discursos para referir o
verdadeiro, o válido, o bom, o belo, o eficiente, o rentável. Por isso conclui-se que não há
tribunal supremo que possa validar todas as proposições.
A filosofia deve ser capaz de elaborar discursos racionais sem, no entanto, defender a
existência de uma racionalidade única, deve promover os debates entre discursos
heterogéneos e entre diferentes regimes de frases.
A atenção à estética
O interesse pela arte é central no primeiro dos seus grandes livros, Discours, Figure (1971) e
culminará num outro grande livro Leçons sur L’Analytique du Sublime (1991). No primeiro livro
considera que o pensamento deve ajudar a libertar a energia positiva, que é o motor das ações
criativas humanas: o desejo. O discurso é a estratégia de que a racionalidade formal faz uso
para manter o desejo nos carris, para o tentar articular e definir com conceitos e categorias
que, além disso, tentam descrever a realidade tal como ela é. Lyotard mostra que há
acontecimentos que rompem a lógica da racionalidade formal e que não é por isso que se
situam fora do nosso devir histórico; eles assinalam aspetos da nossa interioridade mais íntima,
mas cujos conteúdos e expressões foram silenciados.
A arte para Lyotard é definida como a tarefa contradiscursiva que permite o aparecimento da
energia libidinal, reprimida pelas narrações racionais que tentam delimitar o existente nos
limites do conceito. A atividade artística deve orientar-se pelo acontecer do inconsciente,
convocando o desejo que surge de forma figural em silêncio pois não se deixa dizer pela tática
formalista, discursiva e categorial. A arte transgride o estabelecido e constitui-se como uma
prática subversiva com marcadas consequências políticas. A arte desenvolve pequenas ações
locais que desestruturam o equilíbrio do sistema. Mallarmé, Cézanne, Klee ou Picasso mostram
o acontecimento libidinal que desafia e destrói o paradigma racional estabelecido.
A arte do sublime possui como função primordial não tanto a construção de um paradigma
estético que gere acólitos adstritos a um critério predeterminado, mas antes a busca da
liberdade do sentimento, que é o que se entende por “autêntico” prazer estético.
O sublime para Lyotard remete para o acontecer de uma liberdade não limitada pelo realismo
objetivista, que preestabelece o que deve agradar. O prazer da arte consegue-se ao obter
novas regras de formação estéticas que permitam o aparecimento da alteridade, do situado
mais além dos princípios de realidade já instituídos. O sublime nem se conceptualiza, nem se
categoriza, sente-se.
GIANNI VATTIMO
ONTOLOGIA HERMENÊUTICA DEBOLE
Preâmbulo
Três fases do seu pensamento:
1ª 20 anos (1960-1970) onde o filósofo italiano elabora e transmite o legado dos seus “mestres
pensadores”: Luigi Pareyson e Hans- Georg Gadamer,de Nietzsche e Martin Heidegger. Neste
primeiro período destaca-se o seu interesse pela estética e pela produção-perceção artística,
posta em relação com a experiência da verdade do ser na arte e em especial com a poesia
criadora.
Desta forma, visto de uma forma global, notamos que Vattimo transita da estética (ontológica),
em cujo centro estará a “ontologia da verdade como experiência estética e hermenêutica” de
Nietzsche, Heidegger e Gadamer, até à (teologia) política do cristianismo comunista
hermenêutico, passando pela ontologia niilista do pensamento débil, que afeta o ser da
linguagem.
Em toda a sua obra, o filósofo italiano faz seu o lema de Nietzsche: “Não há factos, mas sim
interpretações”, e esta é mais uma interpretação
Guianni Vaattimo nasce no dia 4 de janeiro de 1936, no ano em que são publicadas duas
grandes obras: A origem da Obra de Arte de Heideggeer, onde o filósofo alemão defende a tese
de que a arte é o lugar do acontecer, da verdade ontológica e histórica. Por outro lado a Obra
de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica, de Walter Benjamin, um filósofo judeu de
cariz marxista, cuja defesa dos mais fracos irá aparecendo, de forma cada vez mais explícita, no
pensamento de Vattimo. Perde o pai quando tinha 17 meses de idade. Cresceu com a sua mãe
Rosa, a sua irmã mais velha Liliana e pela tia Angelina. As três mulheres eram operárias
assalariadas. Com a guerra a família deixa Turim e muda-se para a Calábria. Ali no campo
encontrariam alguma coisa para comer. Quando tem cinco ano a família regressa a Turim, onde
o pequeno será alvo de uma cruel troça por parte dos colegas pelo sotaque de Calábria. Pouco
a pouco torna-se o primeiro da turma o que lhe permite obter algumas bolsas, com a ajuda da
Igreja e da Ação católica e ir para a Universidade.
Nunca podemos perder de vista que nós pertencemos à linguagem tal como se pertence a um
meio (Heidegger costumava dizer que o homem pertence à linguagem como os peixes ao mar
ou as aves ao céu), ou seja, com uma invencível ambiguidade entre a proximidade e a distância
oscilatória que se põem em jogo na interpretação: na relação aberta e crítica que mantemos,
paralelamente com os passados que nos estranham e se nos apropriam ao mesmo tempo e
com o futuro que abrimos ao reenvia-los.
Doutorou-se com uma tese sobre Aristóteles. Pedindo conselho a Pareyson se deveria estudar
Adorno, ele encaminhou-o para Nietzsche. Desde aí Nietzsche e Heidegger, lidos um a partir do
outro e vice-versa, alterando-se mutuamente, acabam por ser determinantes para a
elaboração da ontologia (linguagem do ser) hermenêutico (interpretativa e histórica) de
Vattimo.
O Nietzsche de Vattimo
Três obras sobre o tema:
Morte de Deus – outros filósofos tinham falado da morte de Deus, no entanto a radical
novidade de Nietzsche reside em indagar o que implica tal morte. Trata-se de um evento, de
um “facto interpretativo” de carácter político- histórico com consequências epistemológicas e
éticas: pois com “essa morte” deslegitima-se todo o fundamento e sujeito absoluto. Zaratustra
clama que “os piores dos homens foram os assassinos de Deus”, os homens do grande
desprezo; os homens que se julgavam superiores, esse são os deicidas.
Super-homem – ser que vai ocupar o lugar de Deus. Trata-se de um homem ou mulher todo-
poderoso sem limites um humano emancipado, único dono de tudo o que quiser a seu bel-
prazer, e que luta por se antepor como amo e senhor à Ordem, ao Tempo, à Linguagem e ao
Mundo. Vattino extrai outra leitura ( nisto igual a Foucault de As Palavras e as Coisas): entender
o super-homem como “trans-homem”, como “um homem de bom temperamento”, o que sabe
contraefetuar o acontecimento ou fazer da necessidade virtude e que sabe extrair as paixões
alegres da condição trágica do mortal. O que, por cortesia e generosidade para com os outros e
para com o dom gratuito da vida e da existência trágica, poderá cultivar as “Paixões Alegres” de
Espinosa que Nietzsche lia quando lhe apareceu a ideia do eterno retorno: as alegres virtudes
e paixões de gaio saber, ou da Gaia Ciência, do próprio Nietzsche. Tal é a mensagem de Aurora,
de Humano Demasiado Humano ou mesmo da Gaia Ciência e em geral do que Vattimo chama
“o Nietzsche iluminista”: prescindir de um Deus-Ídolo Assegurador e abrir-se a renomear o
sagrado (indisponível) e o divino de Deus, não como se fosse uma substância autossuficiente
( um sujeito em si: metafísico, que não precisasse de nada nem de ninguém), mas antes
encarregando-nos da forma como o divino só acontece na palavra, na oração, e na linguagem
dos seus Outros: os mortais, os que não são Deus, esses seres de um dia que talvez por amor à
diferença e alteridade que de nós necessita: por amor a Deus, se simultaneamente se desse a
assunção da morte e com isso não se extinguisse o desejo de eternidade… Assim agora livres
do deus todo-poderoso, inventado pelos homens do poder, poderia acontecer o melhor do
possível (para o divino e para nós) que oferecêssemos ao divino precisamente o que não
temos, o que não podemos ser: o eterno, a linguagem-lugar do cruzamento onde pode
realmente dar-se o acontecer (provavelmente descontínuo) da alteridade da sua diferença,
como continuidade histórica, embora cada um de nós tenha de desaparecer.
Assim Vattimo opta e toma partido não pela vontade de força, mas pela “inversão dos valores”:
a transvaloração, que abraça a razão dos Débeis.
Há com efeito outra interpretação da vontade de poder, a que antes poderíamos chamar
“desejo ou quere de potência, de possibilidade”, baseada na afirmação da afirmação, que se
afirma duas vezes já que assumindo o vínculo da vida/morte, mas afirmando ambos e
assumindo, enfim, a finitude trágica, diz que sim outra vez à vida e à morte inseparáveis,
abrindo, então, caminho ao desejo da amizade e ao amor pelo outro, pelo diferente, que
sobrevoa a possessão. Assume o limite porque compreende que este é a condição de
possibilidade da pluralidade e a diferença. Inaugura o “Grande Perdão” que nos livra da
“doença das cadeias” e do espírito de vingança, recriando a abertura a outa historicidade
menos violenta: mais culta e cultivada, mais alegre, mais ligeira. Assim se liberta a Vontade de
Potência do super-homem e nasce o “trans-homem” de bom temperamento, sereno, alegre,
prudente, inocente como o menino de “ As transformações do espírito humano” nietzschianas,
que encerra a série.
O eterno Retorno do Igual – também são possíveis duas aceções: um “Física” e outra
hermenêutica ou espiritual ou histórica. A hermenêutica, que, no caso do Tempo, impede uma
leitura física ou cosmológica do pensamento do “eterno retorno do igual” e permite a
compreensão de outra temporalidade que, por um lado, nos abra a outra historicidade e a
outra humanidade, menos violentea: interpretativas e , por outro lado, ofereça o método (o
caminho) para as investigações hermenêuticas e o seu critério preferencial…
O que recebe Vattimo de Nietzsche
“O homem da nossa época passeia-se como um turista pelo jardim da história; considera-o
um armazém de máscaras teatrais, que pode usar ou abandonar a sua bel-prazer.
O Heidegger de Vattimo
Recebe de Heidegger que não há só o homem, mas também o ser; que a linguagem é a
casa do ser e o homem o pastor do ser que escuta a chamada da co-pertença recíproca e
tensional de ambos.
Heidegger foi buscar a Nietzsche o niilismo crítico para dissolver os absolutos impositivos,
ônticos: o ser transformado em supremo ente; o sujeito racional, em fundamento
assegurador da racionalidade do Kosmos-ordem do mundo.