2020 GAS 2 - Intestinos Parte 1
2020 GAS 2 - Intestinos Parte 1
2020 GAS 2 - Intestinos Parte 1
1
Cap. DIARREIAS
Tissue) também participa da barreira de proteção da mucosa
ABORDAGEM CLÍNICA-TERAPÊUTICA gastrointestinal...
CLASSIFICAÇÃO
Fig. 1: Observe o intestino delgado normal, contendo vilosidades e
criptas. O papel dos enterócitos é absorver e secretar; analise Existem diversas formas de classificar as diarreias. Todas são úteis e
atentamente as principais vias de absorção e secreção hidroeletrolítica.
A diarreia geralmente é decorrente do desequilíbrio entre essas duas podem ser aplicadas simultaneamente para guiar uma abordagem
forças. diagnóstica racional (as diferentes classificações não são mutuamente
exclusivas). A diarreia adequadamente classificada apresenta um
número reduzido de etiologias possíveis...
A secreção hidrossalina ocorre nos enterócitos das criptas. Em pessoas 2. Diarreia protraída ou persistente (entre 2-4 semanas);
normais, a absorção sempre excede a secreção (mas em alguns tipos de
3. Diarreia crônica (> 4 semanas).
diarreia podemos observar justamente o contrário).
Tab. 1
Viajantes Infecção bacteriana (E. coli Definida como uma diarreia que dura < 2 semanas, na imensa maioria
enterotoxigênica – ETEC), das vezes possui etiologia infecciosa. O restante dos casos é decorrente
infestação por protozoários do uso de medicações, ingestão de toxinas, isquemia, doença
(giardia), espru tropical. inflamatória intestinal e outras etiologias mais raras. Em geral, as
diarreias agudas são leves, cursando com 3-7 evacuações diárias e perda
Epidemia ou surto Infecção viral (Rotavirus), de menos de um litro de líquido nas fezes. Contudo, nos casos graves
(ex.: cólera), o paciente pode evacuar mais de 20 vezes ao dia e perder
infecção bacteriana, toxina
mais de cinco litros de fluido, sobrevindo desidratação, hipovolemia,
alimentar (S. aureus),
choque circulatório e acidose metabólica.
protozoário (criptosporídeo).
Tab. 4
7. Diarreia adquirida no hospital (internação ≥ 3 dias). levam à desidratação. Em lactentes, o aleitamento materno NÃO deve
ser interrompido!
8. Sinais de comprometimento sistêmico (ex.: alteração do estado
mental, disfunção renal).
●
Hidratação
9. Sinais de diarreia "inflamatória" ou "invasiva":
O risco de desidratação tende a ser maior nos extremos de idade
A. Febre (Tax > 38,5ºC); (crianças pequenas e idosos), sendo diretamente proporcional à
gravidade da diarreia... Sempre que possível deve-se preferir a
B. Presença de sangue, pus e muco (disenteria);
reidratação oral, com soluções que já vêm prontas (como o soro de
C. Dor abdominal muito intensa. reidratação oral da OMS ou produtos comerciais como o Pedyalite®)
* Alguns autores consideram que qualquer paciente com mais de 70 ou com preparo do soro caseiro. Uma receita simples para este
anos de idade deve realizar exames para investigar a etiologia de uma último é: 1 litro de água filtrada ou fervida + 1 colher de café (rasa)
diarreia aguda.
contendo sal de cozinha (3 g) + 1 colher de sopa (rasa) contendo
açúcar (20 g). Os soros de reidratação oral devem ser oferecidos a
Que exames devem ser inicialmente pedidos? Observe a Tabela 5.
curtos intervalos na dose total de 50-200 ml/kg/dia, dependendo do
grau de desidratação. A reidratação intravenosa é reservada para os
Tab. 5 casos graves ou naqueles em que o paciente não tolera o uso da via
oral. A solução de escolha é o Ringer lactato, pois o lactato é
EXAMES INICIAIS PARA O DIAGNÓSTICO ETIOLÓGICO transformado em bicarbonato pelo fígado, corrigindo ou prevenindo
DAS DIARREIAS AGUDAS a acidose metabólica (soro "alcalinizante"). O soro fisiológico (NaCl
0,9%) contém um discreto excesso de cloro e, quando ministrado em
1. EAF (Elementos Anormais nas Fezes).* grande volume, ocasiona uma acidose metabólica hiperclorêmica que
2. Coprocultura. pode agravar e prolongar a duração da acidose metabólica
secundária à diarreia (soro "acidificante").
3. Pesquisa de toxina do C. difficile (se internação ou uso recente
de ATB).
SAIBA MAIS...
4. Testes parasitológicos** se:
●
Agentes antidiarreicos
As drogas antidiarreicas podem dar conforto ao paciente,
diminuindo o número de evacuações e a sensação de urgência fecal,
além de aumentar a consistência das fezes. No entanto, seu emprego
só pode ser cogitado em quadros de diarreia aguda "não
inflamatória"... Os principais agentes disponíveis são:
1. Racecadotrila (Tiorfan®): 100 mg VO 8-8h; A diarreia crônica (duração ≥ 4 semanas) possui um grande número de
causas. A classificação em função do mecanismo fisiopatológico, isto é,
2. Loperamida (Imosec®): 4 mg de "ataque" seguido de 2 mg VO após
definir se a diarreia é osmótica, secretória, invasiva, disabsortiva ou
cada evacuação, até um máximo de 16 mg/dia;
funcional é a conduta inicial preconizada.
3. Subsalicilato de Bismuto (Pepto-Bismol®): 30 ml VO 6-6h.
DIARREIA OSMÓTICA
É imprescindível ter em mente que todos os antidiarreicos possuem a
mesma CONTRAINDICAÇÃO BÁSICA: diarreia "inflamatória" ou A diarreia osmótica é causada pelo acúmulo de solutos não absorvidos
"invasiva", isto é, presença de disenteria (sangue, muco e pus nas fezes), na luz intestinal. Tais solutos, por permanecerem no lúmen intestinal,
febre e/ou sinais de toxicidade sistêmica... O motivo é que o uso de impedem a absorção de líquido. Este tipo de diarreia deve ser suspeitado
antidiarreicos em tal contexto aumenta a chance de complicações como quando os sintomas desaparecem no estado de jejum (após uma noite
a síndrome hemolítico-urêmica (caso a infecção esteja sendo causada por
de sono) e reaparecem após uma refeição. O gap osmolar fecal é
uma bactéria produtora de "shigatoxinas", como a E. coli O157:H7) e o caracteristicamente > 75-125 mOsm/L. As principais causas são:
megacólon tóxico.
SÍNDROME CARCINOIDE
DIARREIA CRÔNICA
A síndrome carcinoide é resultado da produção de serotonina e outros
mediadores por um tumor carcinoide, derivado de células
Um caso à parte no universo das diarreias crônicas é a chamada
neuroendócrinas. A síndrome é caracterizada por diarreia secretória,
"diarreia factícia", na qual o paciente voluntariamente induz
episódios de rubor facial e taquicardia, broncoespasmo e fibrose das
aumento na excreção de fezes ou então manipula o material fecal
valvas do coração direito (mais detalhes disponível na versão digital).
de modo a fazer com que pareça uma diarreia verdadeira... A
maioria dos casos é vista em mulheres, geralmente de alto nível
socioeconômico, que com frequência trabalham na área de
CARCINOMA MEDULAR DE TIREOIDE saúde... A principal etiologia é o uso "sub-reptício" (voluntário) de
laxativos, o que nos faz lembrar a autoindução de vômitos vista
A diarreia faz parte do quadro clínico de 30% dos pacientes com CMT, em pacientes com várias formas de transtorno alimentar
e a substância que determina a hipersecreção intestinal é a calcitonina. (inclusive estes dois tipos de distúrbios podem estar associados).
São pacientes que procuram diversos médicos, fazem dezenas
de exames, acabam sendo internadas, e não se chega a uma
DIARREIA DISABSORTIVA(COM explicação convincente para as alterações de seu trânsito
ESTEATORREIA) intestinal!!! Por terem muitas vezes sangue nas fezes e
emagrecimento, um distúrbio funcional acaba sendo excluído! A
Este assunto será abordado no capítulo seguinte. O mecanismo é melhor maneira de fazer este diagnóstico é através da dosagem
decorrente da má absorção de carboidratos e ácidos graxos que, por de magnésio nas fezes (normal até 108 mg/dl – o magnésio é um
efeito osmótico ou secretório colônico, induzem diarreia. Estes componente habitual dos laxativos) ou de laxativos específicos na
pacientes evoluem com perda ponderal e deficiências de múltiplos urina e nas fezes... Atualmente, a técnica mais sensível é a
nutrientes, especialmente ferro, ácido fólico, vitamina B12 e vitaminas pesquisa de laxativos na urina (difenólicos = bisacodil /
lipossolúveis – o grupo "ADEK" (vitaminas A, D, E e K). As fezes são antraquinonas = cáscara sagrada, senne (o famoso 46!!!) /
oleosas, grudam ou boiam no vaso, e são mal cheirosas. A esteatorreia é magnésio / fosfato). Alguns laxativos só podem ser encontrados
confirmada pelo método quantitativo (> 6-7 g/24h de gordura, medido nas fezes (óleo de castor, óleo mineral)...
pela coleta de fezes em 72h após uma dieta contendo 100 g de gordura)
ou qualitativo (teste do Sudam III). Este último é um método mais
prático, porém, de menor acurácia. Como proceder diante de uma diarreia crônica? A investigação com
exames complementares sempre está indicada, exceto quando o
diagnóstico for óbvio (ex.: toxicidade medicamentosa). Devem ser
DIARREIA INVASIVA OU INFLAMATÓRIA solicitados, além do hemograma e bioquímica plasmática, um exame de
fezes completo, com parasitológico (três amostras + pesquisa de
São doenças inflamatórias ou infecciosas que acometem o delgado ou o antígenos de Giardia e Ameba), EAF e gordura fecal (método
cólon, inibindo a absorção (lesão da mucosa) e estimulando a secreção quantitativo ou qualitativo). A dosagem dos eletrólitos fecais (cálculo
(pelas citocinas e outros mediadores). Os pacientes apresentam febre, do gap osmolar fecal) e a determinação do pH fecal podem ser úteis
dor abdominal, perda ponderal e, algumas vezes, muco e sangue nas (como vimos anteriormente). Nos imunodeprimidos, é fundamental
fezes. As principais causas são: amebíase, doença inflamatória intestinal, pesquisar agentes oportunistas como: Cryptosporidium parvum, Isospora
enterite eosinofílica, Alergia à Proteína do Leite de Vaca ("APLV" –
belli, Microsporidia e Mycobacterium avium.
comum em crianças pequenas), colite colágena e enterite actínica. Com
exceção da amebíase, a maioria desses pacientes apresenta exame de
Uma retossigmoidoscopia ou uma colonoscopia são indicadas para os
fezes positivo para leucócitos fecais ou lactoferrina. O hemograma pode
pacientes com suspeita de doença inflamatória ou neoplasia intestinal.
mostrar leucocitose ou eosinofilia.
Nos pacientes com sinais e sintomas de má absorção intestinal deve-se
inicialmente dosar o autoanticorpo antitransglutaminase tecidual IgA
DIARREIA FUNCIONAL (anti-TGT IgA – para screening de doença celíaca), realizando-se uma
biópsia duodenojejunal por endoscopia digestiva alta nos casos positivos.
O protótipo deste tipo de diarreia é a síndrome do intestino irritável. Os
pacientes costumam apresentar redução da consistência das fezes e A síndrome do intestino irritável é um diagnóstico de exclusão, possuindo
aumento na frequência de evacuação diária. Não ocorre no período critérios clínicos bem definidos. Estes serão detalhados em capítulo
noturno! A maioria alterna diarreia com constipação e apresenta específico disponível na versão digital.
episódios frequentes de cólica abdominal. Muitos autores a chamam de
"pseudodiarreia", por não apresentar mais de 200 g de perda fecal O tratamento deve ser especificamente planejado em função do
diária. Outra causa deste tipo de diarreia é a diarreia diabética. A diagnóstico etiológico. Alguns pacientes sem diagnóstico específico e
neuropatia autonômica pode aumentar a motilidade intestinal (por sem sinais de diarreia invasiva podem ser tratados com antidiarreicos
inibição dos neurônios adrenérgicos). A diarreia diabética é exacerbada convencionais (ex.: loperamida).
no período noturno. Também pode haver hipomotilidade intestinal, que
causa constipação ou diarreia, esta última pelo mecanismo do
supercrescimento bacteriano.
As proteínas da dieta, sob a forma de polipeptídeos, têm sua digestão
iniciada no estômago pela ação da pepsina e finalizada no duodeno por
ação da tripsina e quimotripsina. Estas enzimas digerem as proteínas
(proteólise) em tripeptídeos, dipeptídeos e aminoácidos, que então são
absorvidos pela mucosa intestinal. O pepsinogênio é secretado pelas
células principais das glândulas oxínticas da mucosa gástrica e
convertido em pepsina por ação do pH ácido. O tripsinogênio é liberado
no duodeno pelo suco pancreático e, para ser convertido em tripsina,
precisa sofrer ação de uma enzima presente na borda em escova dos
enterócitos duodenais, a enteroquinase. A tripsina se encarrega de
converter o quimotripsinogênio e o próprio tripsinogênio em
quimotripsina e mais tripsina. Os tripeptídeos, dipeptídeos e
aminoácidos penetram no enterócito através de carreadores próprios. Os
aminoácidos são classificados em grupos: aminoácidos ácidos, básicos
(cistina) e neutros (triptofano); e para cada grupo existe um carreador
específico, responsável pelo seu transporte através do enterócito.
2
Cap. com diarreia, deficit de crescimento e hipoalbuminemia.
SÍNDROME DISABSORTIVA
Como já dito, embora possa haver má absorção seletiva de nutrientes, o Na maior parte das vezes, as características das fezes esteatorreicas são
sinal mais característico da síndrome disabsortiva é a esteatorreia. Isso tão marcantes que tornam sua comprovação laboratorial desnecessária
torna a sua comprovação a pedra angular do diagnóstico de má – entretanto, para os casos de dúvida, a única maneira realmente
absorção. fidedigna de se confirmar a esteatorreia é através da dosagem da
quantidade de gordura presente nas fezes acumuladas em 72h, período
O achado de esteatorreia é decisivo para o diagnóstico de síndrome de má no qual o paciente terá ingerido uma dieta rica em gorduras (100
absorção. gramas/dia). Em uso desta dieta, indivíduos normais excretam menos de
7 gramas de gordura/dia (> 7 gramas/dia = esteatorreia).
TESTES BIOQUÍMICOS
excretado na urina na forma de arilaminas. Se num período de descrição, pois, historicamente, foi através dele que se pode
6h após a administração oral de 500 mg de bentiromida, a compreender a fisiologia da absorção intestinal de vitamina B12...
Quimotripsina fecal e elastase fecal: a redução da excreção Mas então qual é a utilidade da B12 não marcada IM?
fecal de quimotripsina (exame muito utilizado no passado na
triagem da insuficiência pancreática) revelou ter baixa Como o teste de Schilling é utilizado em indivíduos com reservas
sensibilidade, só ficando alterado nos estados mais avançados da baixas de B12, se fosse administrado somente a B12 marcada
doença. Foi então substituído pela dosagem da elastase fecal, oral, esta poderia ser incorporada para suprir as próprias
com acurácia em torno de 95%. deficiências corpóreas, não sendo excretada na urina e dando a
impressão falsa de não ter sido absorvida... Assim, a B12 não
marcada IM serve para reabastecer os reservatórios corpóreos,
possibilitando que a forma marcada oral, caso absorvida, seja
excretada normalmente na urina.
da coleta ser feita, o pâncreas é estimulado por uma injeção de secretina 3. Deficiência exócrina do pâncreas;
e/ou colecistoquinina. 4. Supercrescimento bacteriano;
5. Lesão ileal.
●
Supercrescimento bacteriano
ESTUDOS RADIOLÓGICOS
TESTE DE EXALAÇÃO DO HIDROGÊNIO (H2): As informações úteis que os exames de imagem podem fornecer em
relação à investigação de um paciente com síndrome de má absorção
são:
●
Supercrescimento bacteriano
●
Intolerância à lactose
1. Detecção de calcificações pancreáticas (evidenciando pancreatite
Supercrescimento bacteriano (teste da lactulose): os Gram-negativos crônica);
entéricos fermentam carboidratos não metabolizados pelo homem, 2. Achado de condições predisponentes para supercrescimento
como a lactulose, produzindo hidrogênio (H2), que pode ser medido no bacteriano, como diverticulose do delgado, alça cega cirúrgica (alça
teste respiratório. Após ingestão oral de lactulose, o H2 exalado é de delgado que não recebe o trânsito intestinal) ou semioclusão
medido. Um valor acima de 20 ppm é considerado positivo. É intestinal;
fundamental que antes do teste o paciente não tenha fumado nas
3. Detecção de lesões da mucosa (muitas vezes mostrando um caráter
últimas 2h e tenha feito lavagem bucal com antissépticos (para
salteado característico de doença de Crohn).
exterminar a flora oral).
Intolerância à Lactose (teste da lactose): a lactose é um dissacarídeo e, Obs.: na investigação de um paciente com diarreia crônica, a presença
como tal, não consegue ser diretamente absorvida pela mucosa de floculação do bário, em estudo contrastado do delgado, é bastante
intestinal. Como já descrito, a absorção final dos carboidratos necessita sugestiva de síndrome disabsortiva.
da ação de dissacaridases, como a lactase. Quando há lesão do epitélio
intestinal (com perda da atividade das dissacaridases), a lactose fica Outro estudo de imagem que pode ser usado é a
"perdida" no delgado, sendo eliminada através de uma diarreia colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE), que pode
osmótica. O teste de exalação de H2 após ingestão de lactose é utilizado fornecer indícios de pancreatite crônica ao demonstrar irregularidades
para determinar a possível deficiência de lactase e se baseia no fato de no ducto pancreático principal (Wirsung).
que a lactose, quando não absorvida, fica sujeita à ação das bactérias
intestinais, liberando H2 no ar exalado… É realizado da seguinte forma:
ENDOSCOPIA E BIÓPSIA DO DELGADO
administra-se 25 g de lactose oral e mede-se o H2 do ar exalado. Se
houver aumento em relação aos níveis de H2 respiratórios prévios,
A biópsia do delgado é, por motivos óbvios, fundamental para o
diagnostica-se intolerância à lactose.
diagnóstico de muitas das condições intestinais que cursam com
síndrome disabsortiva. Embora para algumas destas condições os
CULTURA DO DELGADO achados histopatológicos sejam patognomônicos (e, portanto,
diagnósticos), para a maioria delas eles costumam ser apenas sugestivos
O exame "padrão-ouro" para o diagnóstico do supercrescimento (ou mesmo compatíveis), assumindo um importante papel sim, mas na
bacteriano é a cultura quantitativa do fluido aspirado do delgado. O montagem de um algoritmo diagnóstico. Como nem todas as doenças
intestino é cateterizado após jejum noturno (endoscopia ou sonda entéricas têm um padrão de acometimento difuso e homogêneo como a
radiopaca) e, com medidas que garantam a esterilidade do processo, doença de Whipple, a doença celíaca ou mesmo a abetalipoproteinemia,
uma amostra é colhida e rapidamente levada ao laboratório. devemos ficar bastante atentos para a interpretação do material
histopatológico.
O intestino delgado é composto pelo duodeno, jejuno e íleo! Diversas
enteropatias disabsortivas, como a doença celíaca, acometem
predominantemente o duodeno, afetando o jejuno e o íleo, em
combinações variáveis (duodenojejunite na doença celíaca; jejunoileíte
ou ileíte na doença de Crohn). Assim, a maneira mais simples e
disponível para se obter a biópsia do delgado é através da endoscopia
digestiva alta. Por este exame, o endoscopista faz uma inspeção na
porção distal do duodeno, que pode apresentar ulcerações (linfoma),
aspecto em pedra de calçamento (doença de Crohn) ou atrofia (doença
celíaca). A atrofia pode ser revelada pela cromoendoscopia, injetando-se
o corante índigo-carmim no lúmen intestinal. Rotineiramente, são
obtidas quatro biópsias a fórcipe em locais diferentes após a ampola de
Vater (duodeno distal).
Abetalipoproteinemia
Linfoma Giardíase
Amiloidose Coccidioidose
Fig. 3A
Capilaríase Mastocitose
Criptosporidíase Estrongiloidíase
Enterite eosinofílica
Supercrescimento Desnutrição
bacteriano
Doenças pancreáticas
Por exemplo: o primeiro exame indicado pode ser a ileocolonoscopia, se
os dados forem sugestivos de doença de Crohn; ou a endoscopia
Retocolite ulcerativa (doença restrita ao cólon) digestiva alta com biópsia de delgado, se a suspeita principal recair
sobre a doença celíaca ou a doença de Whipple... Ou ainda, o primeiro
Doenças hepáticas exame pode ser a USG ou a TC contrastada de abdome, se os dados
sugerirem pancreatite crônica (o diagnóstico de insuficiência exócrina
Doenças intestinais funcionais do pâncreas posteriormente poderá ser confirmado por meio do teste da
secretina)...
2. Perda da função de reservatório, antes exercida pelo estômago, o que ● Cirúrgicas: Billroth II, anastomoses terminolaterais;
acelera a entrada dos alimentos no delgado e diminui a produção das
● Anatômicas: diverticulose do delgado, fístula jejunocólica,
enzimas pancreáticas.
gastrocólica, estenose do delgado (todas condições comuns na
doença de Crohn);
A esteatorreia pós-gastrectomia geralmente é leve (menos de 10 g de ● Funcionais: enteropatia diabética, esclerodermia, pseudo-obstrução
gordura/dia), mas ocasionalmente pode ser grave. Nos casos graves, o intestinal idiopática, enterite actínica.
supercrescimento bacteriano costuma ser o responsável.
São múltiplos os fatores que conduzem a uma síndrome de má absorção 2. Queda do pH intraluminal com inativação da lipase;
em um paciente com síndrome de Zollinger-Ellison, e os principais são:
3. Lesões dos enterócitos por toxinas secretadas pela microbiota
a. A volumosa hipersecreção gástrica inativa a lipase pancreática, excessiva;
causando insuficiência pancreática "secundária";
b. O ambiente ácido faz precipitar os sais biliares, impedindo a 4. Competição das bactérias pelos alimentos ingeridos, especialmente a
formação das micelas; vitamina B12
Artrite;
O tratamento deve ser feito com a abstinência de laticínios, ou com a
Linfadenomegalia periférica;
ingestão de uma ou duas cápsulas de lactase, quando da ingestão
daqueles e com a suplementação de cálcio sob a forma de carbonato de Anormalidades neurológicas:
cálcio (já que a redução da ingestão de leite pode gerar deficiência de
● Nistagmo;
cálcio).
● Oftalmoplegia;
Endocardite subaguda.
Dada a sua enorme importância para a prática médica e para os
concursos de residência, por motivos didáticos este assunto será
O quadro articular é de poliartralgia ou artrite migratória de grandes
abordado com maior destaque ao final deste capítulo.
articulações periféricas, que pode eventualmente preceder os sintomas
gastrointestinais. O quadro neurológico costuma cursar com disfunção
ESPRU TROPICAL cognitiva (demência) e alteração de pares cranianos. Existe um achado
patognomônico: a miorritmia oculomastigatória (movimentos
O espru tropical é uma condição intestinal "infecciosa" que resulta em involuntários repetitivos de convergência ocular e contração da
má absorção e ocorre nas regiões tropicais (Caribe, Índia, etc.). A musculatura mastigatória). É comum a associação com paresia do olhar
biópsia não revela amputação das vilosidades, mas sim alterações vertical. Alguns pacientes desenvolvem endocardite subaguda, com
inespecíficas (encurtamento, espessamento) e infiltração da lâmina destruição valvar progressiva e insuficiência cardíaca congestiva.
própria, idênticas à doença celíaca. A doença cursa com deficiência de
folato e B12, com anemia megaloblástica. A patogênese é desconhecida, A biópsia de delgado sela o diagnóstico em cerca de 90% dos casos
mas acredita-se que esteja relacionada ao supercrescimento de demonstrando uma intensa infiltração da mucosa por macrófagos PAS-
coliformes fecais (Gram-negativos entéricos). O tratamento é positivos. Os macrófagos estão abarrotados de bacilos, cuja membrana
prolongado feito com antibióticos orais de amplo espectro e reposição revela uma estrutura trilamelar à microscopia eletrônica. O principal
vitamínica.
diagnóstico diferencial é aids com infecção intestinal pelo complexo
Mycobacterium avium (MAC), condição em que a biópsia também revela
GIARDÍASE E ESTRONGILOIDÍASE infiltração da submucosa por macrófagos PAS-positivo. A principal
diferença está no fato de que o MAC é um Bacilo Álcool-Ácido
São causas relativamente comuns de síndrome disabsortiva nos trópicos. Resistente (BAAR-positivo), ao passo que o bacilo de Whipple é
Ambos são parasitas da mucosa duodenojejunal. Em pacientes poli- BAAR-negativo.
infestados, pode haver diarreia crônica e esteatorreia. A estrongiloidíase
pode cursar com enteropatia perdedora de proteínas (hipoalbuminemia
e anasarca). Estas parasitoses serão discutidas no módulo de
Infectologia...
VIDEO_04_GAS2
DOENÇA DE WHIPPLE
Raros pacientes têm doença restrita ao SNC, sendo a biópsia de delgado GASTROENTERITE EOSINOFÍLICA
normal... Em tais casos, a pesquisa de T. whipplei no liquor, utilizando a
técnica de PCR, representa o método diagnóstico de escolha. Cumpre
Esta doença se caracteriza por eosinofilia periférica e infiltração
ressaltar que cerca de 40% dos pacientes com doença intestinal
eosinofílica do trato gastrointestinal. Verificam-se três padrões de
apresentam acometimento concomitante do SNC (sintomático ou não).
envolvimento:
Por tal motivo, atualmente a coleta de liquor para a realização de PCR é
feita de rotina em todos os pacientes! O diagnóstico também pode ser
dado através da demonstração do bacilo em outros líquidos ou tecidos 1. Acometimento da muscular do estômago e delgado com obstrução
(com auxílio de PCR ou imuno-histoquímica), por exemplo: linfonodos funcional;
e/ou líquido sinovial. As hemoculturas costumam ser negativas (isto é, a
2. Envolvimento da mucosa do delgado com má absorção;
doença de Whipple faz parte do diagnóstico diferencial da endocardite
infecciosa subaguda "cultura-negativa"). 3. Envolvimento da serosa dos intestinos, causando ascite.
2. Hiperproliferação bacteriana;
ABETALIPOPROTEINEMIA
DOENÇA DE CROHN
intestinal extensa que resultam na síndrome do intestino curto. Quando 2. Má absorção induzida por medicamentos (rara).
até 40-50% do delgado é removido, as porções remanescentes costumam
3. Má absorção dos idosos (hiperproliferação bacteriana/diminuição da
se adaptar sem maiores problemas (após um ano, a capacidade
secreção ácida do estômago).
absortiva do restante do intestino pode aumentar em até 4x). Ressecções
acima desse limiar invariavelmente comprometem o equilíbrio 4. Má absorção e aids (infecções/sarcoma de Kaposi).
nutricional, necessitando de tratamento de suporte. Este pode ser feito
através do uso de antidiarreicos (ex.: loperamida 2-4 mg 2-3x/dia) e
octreotide (um análogo da somatostatina que reduz a motilidade e a VIDEO_05_GAS2
secreção intestinal). Os inibidores da bomba de prótons também são
rotineiramente utilizados, pois a hipersecreção gástrica de ácido é DOENÇA CELÍACA
comum nesses doentes... Se houver menos de 100-200 cm de jejuno, a
Nutrição Parenteral (NP) passa a ser imprescindível para a
Também chamada de "espru não tropical", "espru celíaco" ou
sobrevivência. A mortalidade nesta situação é de 2-5% ao ano (ex.:
"enteropatia induzida pelo glúten", trata-se de uma doença autoimune
sepse, esteatose hepática, perda do acesso vascular). O teduglutide é um
de caráter PERMANENTE, que só aparece em indivíduos
análogo do GLP-2 (glucagon-like peptide) capaz de estimular o geneticamente predispostos, sendo desencadeada pela exposição ao
crescimento e a absorção do intestino delgado, reduzindo a necessidade
glúten na dieta.
de NP. A única opção para os pacientes que evoluem com complicações
recorrentes ou incontornáveis da NP é o transplante de intestino delgado,
cuja taxa de sobrevida do enxerto após cinco anos gira em torno de
Glúten é uma mistura de proteínas presente no endosperma (reservas
40%.
nutritivas) das sementes dos cereais (trigo, centeio, aveia, cevada, etc.).
Um de seus principais constituintes é a gliadina, que representa a fração
OBSTRUÇÃO LINFÁTICA tóxica diretamente envolvida na gênese da doença celíaca.
FISIOPATOLOGIA
OUTRAS
O glúten é parcialmente digerido na luz do tubo digestivo, liberando a Por outro lado, quando o quadro se inicia em crianças mais velhas ou
gliadina, um peptídeo rico em resíduos de glutamina. A gliadina se liga adultos, geralmente NÃO ocorre uma síndrome de má absorção
à enzima transglutaminase tecidual (tTG) presente nos enterócitos da "completa". Os indícios de doença celíaca são amplamente variáveis
mucosa do delgado, formando um complexo macromolecular que pode nestes indivíduos, podendo aparecer de forma mais ou menos intensa
ser especificamente reconhecido como "antígeno" por células como: (1) diarreia crônica; (2) dispepsia; (3) flatulência e/ou (4) perda
apresentadoras que possuem determinados alelos do complexo principal ponderal... Alguns pacientes são assintomáticos do ponto de vista
de histocompatibilidade (MHC) classe II: HLA-DQ2 (presente em 95% gastrointestinal, possuindo isoladamente as chamadas
dos casos de doença celíaca) e HLA-DQ8 (presente nos 5% restantes). MANIFESTAÇÕES ATÍPICAS (extraintestinais) da doença: (1) fadiga; (2)
Quando isso acontece, essas células apresentadoras de antígeno podem depressão; (3) anemia ferropriva refratária à reposição oral de ferro; (4)
estimular os linfócitos T a montar uma resposta imune adaptativa osteopenia/osteoporose; (5) baixa estatura; (6) atraso na puberdade; (7)
contra aquele "neoantígeno", recrutando tanto o braço celular quanto o amenorreia; (8) infertilidade; e (9) dermatite herpetiforme.
braço humoral da imunidade, o que acarreta a destruição da mucosa
intestinal (infiltração linfocítica + produção de autoanticorpos contra o A dermatite herpetiforme é considerada uma forma de "doença celíaca
glúten, gliadina e tTG). da pele", podendo aparecer em pacientes com ou sem queixas
gastrointestinais associadas. Menos de 10% dos celíacos desenvolvem
Cerca de 40% da população geral é portadora do HLA-DQ2 ou do dermatite herpetiforme, porém, todos os portadores desta última são
HLA-DQ8! Felizmente, apenas uma minoria desses indivíduos celíacos, mesmo que não refiram sintomas gastrointestinais (a biópsia de
desenvolve doença celíaca... A exata explicação para este fenômeno intestino delgado sempre demonstra a presença de alterações
ainda não foi esclarecida, mas é possível que um ou mais fatores características – ver adiante)!!! Trata-se de um rash papulovesicular
exógenos influenciem a chance de surgimento do processo autoimune pruriginoso, que se distribui sobre regiões extensoras das extremidades e
que caracteriza a doença. sobre o tronco, couro cabeludo e pescoço (FIGURA 6).
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
EXAMES COMPLEMENTARES
EXAMES GERAIS
O encontro de alterações laboratoriais também depende da extensão do ENDOSCOPIA DIGESTIVA ALTA
comprometimento intestinal. Lesões mucosas predominantemente
proximais tendem a causar má absorção de ferro e ácido fólico, ao passo
Uma EDA sempre deve ser realizada na suspeita de doença celíaca em
que lesões longas o bastante para atingir o íleo conseguem provocar má
pacientes com sorologia positiva. Nos raros casos em que a pesquisa de
absorção de vitamina B12. Assim, o paciente costuma apresentar
autoanticorpos é negativa, mas a suspeita clínica permanece elevada,
ferropenia, que pode ou não ser acompanhada por níveis séricos
também pode-se indicar a EDA. A mucosa duodenal deve ser biopsiada
reduzidos de folato e B12. Como consequência, é comum que haja
em suas porções proximal (bulbo) e distal (após a papila de Vater)... É
anemia (geralmente hipocrômica e microcítica, pois a deficiência de
importante ter em mente que as alterações endoscópicas e
ferro é mais frequente). A má absorção de vitamina K pode justificar o
histopatológicas características da doença celíaca não são
alargamento do TAP/INR, e a má absorção de cálcio e vitamina D
justifica hipocalcemia e hipovitaminose D, o que comumente se patognomônicas! Outras condições (ex.: alergia à proteína do leite de
acompanha de aumento da fosfatase alcalina, indicando a existência de vaca, espru tropical, supercrescimento bacteriano, enterite eosinofílica,
entre outras) também poderiam justificar achados idênticos... O que
doença óssea... Alguns autores preconizam a realização de densitometria
confirma em definitivo o diagnóstico de doença celíaca é a reversão do
óssea após o diagnóstico para todos os pacientes, a fim de detectar
quadro após o início de uma dieta sem glúten!!! As alterações esperadas
osteopenia/osteoporose... Os níveis de vit. A e E também podem estar
na doença celíaca "em atividade" são:
reduzidos. Hipoalbuminemia indica má absorção de proteínas, e na
vigência de diarreia importante pode surgir acidose metabólica
● MACROSCOPIA: atrofia e aplainamento das dobras mucosas e
hiperclorêmica e hipocalêmica (pela perda intestinal de HCO3 e K+).
vilosidades;
Cerca de 40% dos celíacos apresentam elevação discreta das
aminotransferases. ● MICROSCOPIA: infiltração linfocítica no epitélio e na lâmina
própria, com atrofia das vilosidades e hiperplasia das criptas.
Observe a FIGURA 7.
SOROLOGIA
3
Cap. OBSERVAÇÕES:
DOENÇAS INTESTINAIS
INFLAMATÓRIAS IDIOPÁTICAS
(DOENÇA DE CROHN X RETOCOLITE CIGARRO versus DII: o fumo protege para RCU, mas está
ULCERATIVA) associado à DC. Mais de 80% dos pacientes com RCU não
fumam, enquanto mais de 80% dos pacientes com DC fumam.
Ex-fumantes portadores de RCU geralmente têm evolução pior,
VIDEO_06_GAS2
A expressão "Doença Intestinal Inflamatória" (DII) aplica-se a duas tendendo a desenvolver doença refratária e comumente
doenças intestinais crônicas e idiopáticas: a Doença de Crohn (DC) e a necessitando de colectomia. Por outro lado, a DC refratária é
Retocolite Ulcerativa (RCU). Ambas devem ser diferenciadas das mais comum entre fumantes, assim como a recorrência após
demais doenças que também promovem inflamação dos intestinos, ressecção cirúrgica.
como: infecções, diverticulite, apendicite, enterite por radiação,
medicamentos ou toxinas, e vasculite intestinal.
Intolerância à lactose: esta entidade NÃO é mais prevalente
entre portadores de DII do que na população geral, mas a
presença de DII pode agregar um componente de intolerância
"A DC e a RCU são doenças crônicas de etiologia desconhecida que
"secundária" em consequência à diminuição da capacidade
compartilham muitas características epidemiológicas, clínicas e
absortiva intestinal, principalmente na DC com lesão extensa do
terapêuticas, mas que também possuem importantes diferenças".
delgado.
CM142034
CM142036A
SAIBA MAIS
RCU COM RETO NORMAL
1. Extensão lateral de forma linear, retilínea: quando várias úlceras 5. Presença de granulomas não caseosos.
progredindo retilineamente se encontram, geralmente passam a 6. Presença de fístulas.
separar áreas de mucosa normal, num aspecto de "pedras de
calçamento" (FIGURA 5);
Uma pequena porcentagem (5%) tem comprometimento predominante
2. Aprofundamento através das camadas da parede intestinal,
na cavidade oral (úlceras aftoides) ou mucosa gastroduodenal (dor tipo
resultando em fístulas para o mesentério e órgãos vizinhos.
ulcerosa ou síndrome de obstrução pilórica); e uma porcentagem ainda
menor tem lesões em esôfago (odinofagia e disfagia) e intestino delgado
Na DC os aglomerados linfoides são comuns em todas as camadas da proximal (síndrome de má absorção).
mucosa, submucosa e serosa. Aglomerados típicos, compostos por
histiócitos, são vistos na biópsia de 50% dos pacientes.
Um terço dos pacientes com DC tem doença perianal (fístulas, fissuras,
abscessos). Este fato pode distinguir a colite de Crohn da RCU.
Granulomas não caseosos, semelhantes aos da sarcoidose, podem ser
encontrados em até 30% dos casos de DC. Como não ocorrem na RCU,
CM142036B
o encontro desses granulomas em material de biópsia diferencia a DC da
RCU! Contudo, por se tratar de achado pouco sensível (S = 30%), eles
NÃO SÃO imprescindíveis para esta diferenciação... O fato é que, Por fim, uma das alterações macroscópicas mais características da DC,
embora o achado de granuloma não seja fundamental para o diagnóstico que há muito já fora percebida por cirurgiões durante laparotomias ou
de DC, sua presença constitui achado patognomônico, desde que sejam laparoscopias, é a invasão da serosa por tecido adiposo (fat wrapping)!
excluídas outras afecções granulomatosas como tuberculose, sarcoidose, Olhando a superfície externa de uma alça intestinal, também é possível
etc. notar a presença de pequenos nódulos esbranquiçados, conhecidos
como "semente de milho", que indicam a presença de granulomas na
serosa, um achado específico da DC...
Do ponto de vista macroscópico, a porção distal do íleo e o cólon
ascendente são os mais comprometidos (ileocolite, presente em 70-75%
dos casos), mas outros padrões de lesão são reconhecidos:
Como já dito, em 10-20% dos pacientes com "colite" não se consegue, As manifestações extraintestinais da RCU são mais frequentes nas
num primeiro momento, diferenciar entre RCU e DC. Nesta formas extensas da doença (além da flexura esplênica) e serão descritas
circunstância, a resposta à terapia e a observação da evolução da adiante.
doença em geral acabam por revelar o diagnóstico correto.
A RCU geralmente se apresenta como episódios de diarreia invasiva 1. Diarreia crônica invasiva associada à dor abdominal;
(sangue, muco e pus), que variam de intensidade e duração, e são
2. Sintomas gerais como febre, anorexia e perda de peso;
intercalados por períodos assintomáticos.
3. Massa palpável no quadrante inferior direito*;
Os principais sintomas de colite ulcerativa consistem em diarreia 4. Doença perianal (FIGURA 7).
sanguinolenta e dor abdominal, acompanhada muitas vezes de febre e
sintomas gerais nos casos mais graves.
a. As manifestações de uma colite de Crohn são muito semelhantes às Além dos critérios acima, pelo menos um dos seguintes:
da colite ulcerativa (RCU), já descritas acima; ●
Desidratação;
b. O acometimento extenso e crônico do intestino delgado geralmente ●
Alteração do nível de consciência;
cursa com síndrome disabsortiva grave, seguida por desnutrição e
debilidade crônica; ●
Distúrbios eletrolíticos;
As manifestações extraintestinais da DC são semelhantes às da RCU e As radiografias mostram acúmulo intraluminal de gás, num cólon
tendem a ser mais frequentes nos pacientes com comprometimento
dilatado. Eventualmente há ar dentro da parede intestinal (pneumatose
colônico. Elas serão descritas adiante.
intestinal)!
COMPLICAÇÕES DAS DII Obs.: os agentes que provocam hipomotilidade, muitas vezes usados para
tratar a diarreia da colite (codeína, anticolinérgicos, etc.), devem ser
evitados, pois podem precipitar esta complicação.
SANGRAMENTOS
Como resultado do enfraquecimento da parede intestinal, as
A pesquisa de sangue oculto é geralmente positiva em pacientes com complicações do megacólon incluem perfuração e peritonite séptica.
DC, mas sangramentos macroscópicos (hematoquezia) são muito mais
frequentes na RCU do que na DC.
Mesmo que não esteja presente uma dilatação importante, a presença de
sintomas como dor abdominal espontânea e à descompressão, febre alta
Sangramentos visíveis na DC são mais comuns na colite de Crohn do e leucocitose continuam indicando colite grave, com risco de perfuração
que na ileocolite: 50% versus < 25%. Sangramentos maciços são raros e peritonite.
na DC.
O megacólon tóxico deve ser temido em todo paciente com colite grave.
MEGACÓLON TÓXICO / PERFURAÇÃO /
PERITONITE Indivíduos com colite grave devem ser cuidadosamente acompanhados
para detecção de dilatação colônica ou mesmo de ar na cavidade
peritoneal.
O megacólon tóxico ocorre quando a inflamação compromete a camada
muscular, levando à perda de seu tônus intrínseco e consequente
adelgaçamento da parede intestinal. Todo o cólon (ou segmentos dele) O megacólon tóxico deve ser tratado de forma clínica intensiva, logo
pode se dilatar... Em geral, a dilatação colônica predomina no nos primeiros estágios (ver adiante). A ausência de resposta em 12 a 24h
transverso e no cólon direito. pode indicar colectomia, evitando a alta morbimortalidade de uma
perfuração.
CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DE MEGACÓLON TÓXICO As estenoses costumam resultar do comprometimento repetitivo e grave
dos planos profundos da parede intestinal e, por isso são mais comuns
Evidências radiográficas de distensão colônica (> 6 cm). na DC. Como já dito, se houver estenose intestinal, predominam os
sintomas de uma obstrução parcial, como cólicas e distensão abdominal
pós-prandiais, constipação/diarreia paradoxal e massa palpável
(refletindo ou uma alça intestinal de diâmetro aumentado, geralmente
dolorosa à palpação, ou um abscesso intra-abdominal).
CAUSAS DE MEGACÓLON TÓXICO
INFECCIOSAS
Bacterianas:
● Clostridium difficile;
●
Salmonella (tifoide e não tifoide);
● Shigella;
● Campylobacter;
● Yersinia.
Parasitárias:
● Entamoeba histolytica;
● Cryptosporidium.
Virais:
●
Citomegalovírus.
INFLAMATÓRIAS
●
Retocolite ulcerativa.
●
Doença de Crohn (colite).
OUTRAS
●
Colite pseudomembranosa.
●
Sarcoma de Kaposi.
●
Colite isquêmica.
●
Vólvulos.
Fig. 9: Estenose de íleo na DC.
●
Neoplasia obstrutiva de cólon.
FÍSTULAS
3. Enteromesentéricas; DC X CÂNCER
4. Enterocutâneas;
VIGILÂNCIA
A DC também pode aumentar a incidência de adenocarcinoma
intestinal, e os mesmos fatores de risco estão envolvidos (extensão e Início após 8 anos de doença.
duração), embora esta relação não seja tão evidente como ocorre com a
Colonoscopia a cada 1-2 anos.
RCU.
RCU X CÂNCER
Tipicamente, a oligoartrite periférica (principalmente em grandes
ALERTA articulações de membros inferiores) tem correlação com a atividade da
Displasia de baixo grau (exige confirmação e seguimento por 3 a 6 doença, podendo, em alguns casos, precedê-la. Ao contrário, a
DII E GRAVIDEZ
VIDEO_08_GAS2
MANIFESTAÇÕES ARTICULARES
MANIFESTAÇÕES OCULARES
●
Espondilite anquilosante;
●
Pioderma gangrenoso;
●
Uveíte.
SAIBA MAIS...
As anormalidades das "provas de função hepática" (aminotransferases, Os cálculos de ácido úrico também são mais frequentes nos pacientes
fosfatase alcalina, etc.) são bastante comuns em pacientes com DII e com DII, relacionando-se mais constantemente à desidratação em
representam, na maioria das vezes, hepatite focal ou esteatose hepática. pacientes com diarreia ou ileostomia.
Os fatores que favorecem esteatose são a desnutrição e a terapia com
corticoides. Estas lesões não são progressivas e geralmente involuem A DC ileal (enterite de Crohn), com muita frequência, se complica com
com a melhora da doença de base. a formação de fístulas para a bexiga, em associação a comunicações
ileossigmoidovesicais. Tais fístulas costumam se manifestar por
Muitas anormalidades inflamatórias das vias biliares podem polaciúria, disúria, piúria e cistites recorrentes.
acompanhar as DII, desde pericolangite até colangite esclerosante com
cirrose biliar associada.
MANIFESTAÇÕES ÓSSEAS
A pericolangite (triadite portal) é uma inflamação dos canalículos
As DII costumam cursar com osteoporose e osteomalacia. A
biliares intra-hepáticos, não progressiva, e que se manifesta geralmente
osteoporose é uma complicação frequente da corticoterapia prolongada,
por discreta elevação da fosfatase alcalina. Costuma ser clinicamente
mas também se deve à redução da absorção intestinal de vit. D e cálcio.
inaparente, a bilirrubina permanece normal, e a inflamação se restringe
às tríades portais.
DISTÚRBIOS NUTRICIONAIS E METABÓLICOS
A colangite esclerosante é mais rara nas DII (3%) e representa uma
forma progressiva de inflamação das vias biliares, que acomete a árvore Perda de peso, retardo do crescimento em crianças, enteropatia
biliar intra e/ou extra-hepática, e que pode produzir graus variáveis de perdedora de proteínas, desnutrição com hipoalbuminemia e
obstrução biliar. Clinicamente, a colangite esclerosante pode se deficiências vitamínicas (mais na DC), são manifestações comuns das
manifestar como icterícia assintomática ou episódios intermitentes de DII.
colangite. Os níveis de aminotransferases e fosfatase alcalina geralmente
estão muito elevados, e o diagnóstico deve ser dado ou por
colangiopancreatografia retrógrada endoscópica ou por colangiografia
MANIFESTAÇÕES TROMBOEMBÓLICAS
trans-hepática. A doença é progressiva independentemente do curso da
DII. Alguns pacientes com doença intestinal inflamatória desenvolvem um
estado de hipercoagulabilidade, manifesto como trombose venosa
Não há tratamento que comprovadamente modifique a história natural profunda e, eventualmente, embolia pulmonar, acidente vascular
da doença, embora o ácido ursodesoxicólico seja usado com resultados encefálico ou embolia arterial. Redução dos níveis de proteína S e
controversos. Pacientes com hipertensão portal de difícil controle, ascite antitrombina III, assim como aumento dos níveis de fator VIII, V e I
refratária, encefalopatia hepática, desnutrição grave e/ou episódios (fibrinogênio), são alterações que podem justificar esta grave
5. Cólon em aspecto tubular (cano de chumbo). Anti-OmpC (+) e anti-CBir1 (+): sugestivo de DC.
Na DC:
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
1. Ulcerações assimétricas e focais;
Síndrome do cólon irritável
2. Fístulas;
3. Preservação do reto; Os pacientes com esta síndrome não se apresentam com características
4. Íleo terminal comprometido, com refluxo do bário. "inflamatórias". O clister opaco e a sigmoidoscopia (com biópsia) são
normais. A persistência dos sintomas, apesar da instituição do
tratamento específico, sobretudo na presença de perda de peso,
O trânsito de delgado ou enteróclise (exame contrastado do delgado)
sangramento retal (muitas vezes atribuído às hemorroidas) e história
era classicamente utilizado para demonstrar a extensão do
familiar de DII indicam uma investigação mais aprofundada.
acometimento do delgado pela DC, mas não tem valor na RCU
desacompanhada de ileíte de refluxo.
Infecção entérica
respectivamente) são preferíveis. Tais métodos identificam áreas de inflamatórias. A maioria das infecções entéricas bacterianas é
parede intestinal "doente" (aumento de espessura, hipercaptação focal autolimitada, também durando pouco (aguda), e a minoria delas é
de contraste), sendo obtidos de forma mais rápida do que um trânsito inflamatória. Entretanto, em determinados casos, uma infecção
de delgado, além de garantir a visualização de TODO o tubo digestivo bacteriana pode determinar diarreia inflamatória, com sangue, muco e
(delgado + cólon). pus, e uma mucosa de aspecto endoscópico indistinguível das DII.
● Shigella;
● Campylobacter jejuni; A despeito das diferenças que existem entre as duas DII (DC e RCU),
os mesmos medicamentos são usados no tratamento de ambas. Como se
●
Clostridium difficile (colite pseudomembranosa)
tratam de patologias idiopáticas, não existe uma terapia específica, haja
● Yersinia enterocolitica. vista que não conhecemos sua exata etiologia... Assim, as principais
drogas úteis para o controle geral do processo inflamatório associado a
A amebíase pode se apresentar com diarreia, sangramento retal e um essas doenças são: (1) derivados do ácido 5-aminosalicílico (5-ASA); (2)
aspecto endoscópico semelhante ao das DII, o que faz da procura de glicocorticoides; (3) imunomoduladores; e (4) agentes "biológicos". A
cistos, trofozoítas ou antígenos de ameba em fezes frescas um exame seguir, descreveremos cada grupo isoladamente. Depois, abordaremos as
importante. estratégias preconizadas para cada doença individual.
O câncer de cólon também pode se apresentar com sintomas crônicos e c. Inibição da função linfomonocitária e da produção de
sangramento retal intermitente. imunoglobulinas pelos plasmócitos;
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5. Glicocorticoides
A mesalamina também pode ser ministrada pela via retal quando o
Os glicocorticoides DEVEM SER USADOS APENAS PARA
paciente apresentar apenas colite distal (proctite ou proctossigmoidite).
INDUÇÃO DA REMISSÃO NAS DII MODERADAS A
Inclusive, com essa estratégia podem ser empregadas doses bem mais
GRAVES, VISANDO A RÁPIDA MELHORA DA
altas do medicamento, com baixíssimo risco de efeitos colaterais...
INFLAMAÇÃO! Seu uso por períodos prolongados deve ser
Temos, por exemplo, o supositório Canasa® (1.000 mg de 5-ASA) e o
evitado, se possível, pois a relação risco-benefício se torna bastante
clister Rowasa® (4 g/60 ml).
desfavorável (são muitos os efeitos colaterais, e existem
medicamentos melhores para manutenção da remissão). Podem ser
feitos pela via intravenosa, oral ou retal, dependendo das
Os compostos ligados à sulfa têm como diferencial o fato de que o
circunstâncias clínicas.
radical "sulfa" os permite atravessar o intestino delgado sem sofrer
metabolização e absorção. A ligação com o radical é desfeita apenas por
A via intravenosa é reservada aos casos mais graves, aqueles onde a
ação das bactérias da microbiota colônica, logo, o paciente toma o
inflamação intestinal é intensa (impossibilitando o uso da via oral) e,
medicamento pela via oral, mas este só começa a agir no cólon (onde,
principalmente, quando existem sinais e sintomas de inflamação
vale lembrar, não ocorre absorção do 5-ASA)... A olsalazina contém
sistêmica exuberante. As drogas comumente empregadas são a
duas moléculas de 5-ASA ligadas por uma ponte sulfídica. A
hidrocortisona e a metilprednisolona (ministradas de 6/6h ou em
balsalazina contém uma molécula de 5-ASA ligada a um radical inerte
infusão contínua). Por esta via, mesmo o uso de curta duração já se
(4-aminobenzoil-beta-alanina). Já a sulfassalazina é formada pela
associa a uma série de paraefeitos incômodos, como por exemplo:
ligação do 5-ASA ao antimicrobiano sulfapiridina.
alterações do humor, insônia, disglicemia, HAS, acne, ganho de peso e
edema (retenção hidrossalina), dispepsia e fácies cushingoide.
A sulfapiridina não exerce ação anti-inflamatória, e é prontamente
absorvida pela mucosa colônica! Na realidade, atribui-se a ela os efeitos Pela via oral podemos utilizar a tradicional prednisona, porém,
colaterais sistêmicos da sulfassalazina, que ocorrem em 15-30% dos atualmente prefere-se a budesonida, um glicocorticoide com potente
usuários. Estes paraefeitos podem ser "dose-dependentes", como náusea, ação anti-inflamatória TÓPICA que apresenta como vantagem o
cefaleia, leucopenia, oligospermia e antagonismo do folato, ou "dose- fato de possuir um grande efeito de primeira passagem hepática, isto
independentes" (alergia ou idiossincrasia), como febre, rash, anemia é, ainda que a budesonida seja absorvida na mucosa intestinal, o
fígado se encarrega de inativar a maior parte do medicamento antes
hemolítica, neutropenia, agravamento da colite, hepatite, pancreatite e
que ele atinja a circulação sistêmica!!! Desse modo, por exercer
pneumonite. Pelos inconvenientes descritos, nos dias de hoje, a
menor efeito sistêmico que os demais glicocorticoides, a budesonida
sulfassalazina vem sendo cada vez menos utilizada... É importante
acarreta menos efeitos colaterais e promove pouca ou nenhuma
salientar que usuários dessa droga devem fazer reposição de ácido fólico
inibição do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal...
(1 mg/dia), pois as sulfas produzem inibição competitiva da absorção
intestinal de folato.
Existem duas formulações particularmente interessantes de
budesonida: (1) Entocort®, um comprimido de liberação
controlada que "entrega" a budesonida especificamente ao íleo
terminal/cólon proximal – ÚTIL NA DC; (2) Uceris®, um
comprimido que só se dissolve quando o pH do meio é maior
que 7, liberando a budesonida exclusivamente no cólon – ÚTIL
NA RCU (OU NA "COLITE DE CROHN" ISOLADA).
Os principais são as tiopurinas: azatioprina e mercaptopurina. Essas Este grupo é composto por anticorpos monoclonais quiméricos ou
drogas são empregadas em portadores de DII moderada a grave (DC humanizados que têm como alvo moléculas essenciais para a cascata
ou RCU), em combinação com um agente anti-TNF (ver adiante, em inflamatória. Atualmente, existem duas classes em uso clínico nas
"biológicos") ou em pacientes que não conseguem reduzir a dose de DII: (1) agentes anti-TNF; e (2) agentes anti-integrina.
glicocorticoide sem apresentar exacerbação ("corticodependência").
Neste último caso, os imunomoduladores são prescritos para Agentes anti-TNF
permitir o desmame do glicocorticoide, garantindo a manutenção da
O TNF-alfa é uma citocina imprescindível para a ativação dos
remissão (sendo, posteriormente, mantidos em monoterapia).
linfócitos TH1 (responsáveis pela resposta pró-inflamatória). Quatro
A azatioprina é uma pró-droga convertida in vivo em bloqueadores específicos foram aprovados no tratamento das DII:
mercaptopurina. O metabólito ativo da mercaptopurina é a 6- infliximabe, adalimumabe, golimumabe e certolizumabe pegol.
tioguanina. Efeitos colaterais são observados em 15% dos usuários,
O infliximabe é uma IgG monoclonal quimérica (75% humana/25%
podendo ser de natureza alérgica (febre, rash e artralgia) e não
rato) de administração intravenosa. Reações adversas agudas são
alérgica (náuseas, vômitos, pancreatite, hepatite, mielotoxicidade e
observadas em 5-10% dos casos, sendo em geral leves (náuseas,
infecções oportunistas – ex.: infecção primária grave por EBV em
cefaleia, tonteira, palpitações) e raramente graves (menos de 1%
indivíduos não previamente expostos a este vírus). Outro problema
apresenta hipotensão, anafilaxia e/ou desconforto torácico intenso).
relacionado às tiopurinas é o risco de câncer! Estima-se que 1 a cada
No primeiro caso, a conduta é reduzir a velocidade de infusão e
1.000 pacientes-ano desenvolva linfoma não Hodgkin com o uso
ministrar sintomáticos, como antieméticos, analgésicos e anti-
dessas drogas, sendo também relatado um aumento no risco de
histamínicos. Nas reações mais graves, a infusão deve ser
câncer de pele não melanoma e câncer de colo uterino em mulheres interrompida, seguido de terapia de suporte conforme a necessidade
HPV+. (ex.: suplementação de O2, hidrocortisona IV, epinefrina)... Um dos
maiores problemas do infliximabe é que seu uso prolongado faz com
A monitorização dos níveis séricos de 6-tioguanina é que até 40% dos pacientes desenvolvam anticorpos anti-infliximabe, o
controversa e não padronizada. Por outro lado, todo paciente que pode culminar em três desfechos: (1) menor duração do efeito
que vai usar tiopurinas deve antes dosar a atividade da TPMT terapêutico; (2) resistência ao infliximabe; (3) "doença do soro"
(tiopurina metiltransferase), enzima responsável pela (síndrome multissistêmica causada pela deposição de
metabolização da 6-tioguanina... Uma a cada 300 pessoas é imunocomplexos contendo infliximabe em diferentes órgãos e
homozigota para deficiência de TPMT, e nestes casos não tecidos).
devemos prescrever a medicação, pelo risco de mielotoxicidade e
imunossupressão profunda.
Todas essas reações adversas ocorrem com menor frequência
nos pacientes que fazem uso concomitante de
imunomoduladores (azatioprina, mercaptopurina ou
O metotrexato é considerado um imunomodulador de segunda linha
metotrexato). O risco de surgirem anticorpos anti-infliximabe
no tratamento das DII, sendo reservado aos pacientes que não
também pode ser adicionalmente reduzido (chegando a 10%) se
toleram as tiopurinas. Apesar de poder ser feito por qualquer via,
antes da infusão for feita a profilaxia com glicocorticoide (ex.:
prefere-se a via subcutânea (as vias oral e intramuscular apresentam
200 mg de hidrocortisona IV).
absorção errática, e a via IV é mais tóxica). Seus principais efeitos
colaterais são: náuseas, vômitos, estomatite, infecções oportunistas,
mielotoxicidade, fibrose hepática e pneumonite. Usuários dessa droga Adalimumabe e golimumabe são IgG’s monoclonais 100% humanas.
devem fazer reposição de ácido fólico. Já o certolizumabe pegol é "quase" totalmente humano (5% de sua
porção Fab vem do rato). O diferencial deste último é o fato dele ser
uma IgG monoclonal ligada ao polietilenoglicol (PEG), o que
garante níveis séricos mais estáveis. Os três são ministrados pela via
subcutânea.
Leve a O paciente tolera a dieta oral e não Apesar de recentemente também terem surgido controvérsias na
moderada apresenta desidratação. Não há sinais de literatura em relação à eficácia, muitos autores continuam
inflamação sistêmica, hipersensibilidade recomendando antibióticos (metronidazol, ciprofloxacina ou rifamixina)
abdominal, massas, obstrução intestinal ou para os portadores de DC leve a moderada que não toleram ou não
perda de peso > 10%. respondem (após 3-4 semanas de uso) aos derivados 5-ASA. Logo, os
antibióticos constituem o tratamento de segunda linha. É digno de nota
Moderada a O paciente tem sinais de inflamação que não se sabe se essas drogas exercem efeito anti-
grave sistêmica (febre), além de náuseas, vômitos, inflamatório/imunomodulador por si mesmas, ou se o mecanismo seria
dor e hipersensibilidade abdominal, perda a diminuição na densidade da microbiota intestinal, reduzindo o
ponderal > 10% e/ou anemia. Também são estímulo à inflamação descontrolada que caracteriza as DII...
enquadrados nesta categoria aqueles com
doença "leve a moderada" que não
Classicamente, os glicocorticoides só são prescritos na DC leve a
responderam ao tratamento inicial.
moderada como terceira linha terapêutica, isto é, na intolerância ou
ausência de resposta aos derivados 5-ASA e antibióticos. Como vimos,
Grave a O paciente está toxêmico (febre alta,
tem-se preferido a budesonida de liberação ileal, mas também podemos
fulminante prostração), apresentando vômitos
utilizar a tradicional prednisona.
persistentes, obstrução intestinal, sinais de
irritação peritoneal e franca caquexia
(síndrome consumptiva), podendo ter Os autores que se posicionam contra o emprego de derivados 5-ASA e
indícios de abscesso intra-abdominal (massa antibióticos (por acreditarem que tais drogas são ineficazes na DC leve a
palpável). Também são enquadrados aqui moderada) sugerem como primeira linha terapêutica os glicocorticoides,
aqueles que não respondem aos agentes de preferência budesonida de liberação ileal.
anti-TNF.
CLASSIFICAÇÃO DE GRAVIDADE
COLITE DISTAL
TRATAMENTO DA RETOCOLITE ULCERATIVA
De um modo geral esses pacientes têm doença leve, e a estratégia de
Os objetivos terapêuticos da RCU são os mesmos da DC (alcançar e escolha consiste no uso de mesalamina via retal. Na proctite isolada
manter a remissão). Inclusive, o mesmo arsenal terapêutico pode ser fazemos supositório de mesalamina, e na proctossigmoidite prefere-se o
usado... Não obstante, diferentemente da DC, aqui existe uma enema de mesalamina. Corticoide retal ou derivados 5-ASA orais são
possibilidade de CURA: proctocolectomia total. Como a RCU é uma opções menos eficazes em monoterapia, porém, igualmente válidas (ex.:
doença restrita ao cólon, a retirada cirúrgica deste órgão elimina por derivado 5-ASA oral para pacientes que não aceitam ou não conseguem
completo a fonte de doença! Todavia, a colectomia deve ser a exceção, e utilizar medicação retal). Se não houver resposta clínica essas drogas
não a regra: trata-se de procedimento agressivo, com elevado risco de devem ser associadas, por exemplo: mesalamina retal + corticoide retal,
morbimortalidade. Logo, só indicaremos a proctocolectomia em casos mesalamina retal + 5-ASA oral, mesalamina retal + corticoide retal + 5-
selecionados de doença refratária e/ou extremamente grave (ver ASA oral... Na vigência de colite distal grave ou refratária à terapia
adiante). combinada, o próximo passo pode ser a corticoterapia sistêmica
(prednisona) ou o uso de agentes biológicos.
Medidas gerais
Portadores de colite distal leve que respondem de forma rápida e
completa à terapia tópica costumam apresentar remissões duradouras e,
Na RCU grave/fulminante, o doente deve ser internado e colocado em
por isso, podem ser poupados do tratamento de manutenção. Nestes
dieta zero por no mínimo 24-48h, ou até surgirem sinais de melhora
casos, cursos intermitentes da medicação poderão ser repetidos conforme
clínica. Um cateter nasogástrico deve ser deixado em sifonagem
a necessidade! Por outro lado, quando o paciente tem recidivas precoces
(descompressão gástrica). Institui-se NPT somente naqueles que se
e frequentes, o tratamento de manutenção é indicado: novamente a
apresentam profundamente desnutridos, ou então quando a dieta zero
escolha recai sobre a mesalamina pela via retal, tendo como opção os
precisa ser prolongada por mais de 7-10 dias. Todas as drogas que
derivados 5-ASA orais. Glicocorticoide (retal ou oral) não deve ser
diminuem a motilidade colônica (ex.: opioides, anticolinérgicos) devem
usado em longo prazo para manutenção da remissão...
ser suspensas, e uma hidratação venosa generosa, com correção dos
distúrbios hidroeletrolíticos, deve ser iniciada em caráter emergencial. A
hemotransfusão é indicada para os casos com hematócrito < 25-28%. É
COLITE LEVE/MODERADA
importante não esquecer ainda que, dado o elevado risco de
tromboembolismo venoso, esses doentes necessitam de tromboprofilaxia
Em geral esses pacientes têm colite proximal ao sigmoide, e a terapia de (ex.: compressão pneumática dos membros inferiores para pacientes
primeira linha consiste de um derivado 5-ASA pela via oral. A droga com hematoquezia e anemia). Se o paciente conseguir, podemos pedir a
tradicionalmente mais usada é a sulfassalazina, que apesar de barata é a ele para rolar de um lado para o outro no leito, várias vezes por dia, a fim
que acarreta mais efeitos colaterais. Mesalamina, olsalazina e de mobilizar gás e reduzir a distensão do cólon.
balsalazina são igualmente eficazes, e vêm substituindo a sulfassalazina
na prática atual. O que muda no tratamento da colite moderada em
relação à colite leve é a DOSE do derivado 5-ASA: como regra, nos Em toda RCU grave/fulminante temos que obter imagens seriadas do
quadros moderados, a dose efetiva costuma ser o dobro da dose nos abdome, que podem ser radiografias simples (avaliar presença de
quadros leves. A maioria dos pacientes responde com 3-6 semanas de megacólon). Exames de fezes também são mandatórios (coprocultura,
tratamento, mas alguns só melhoram após 2-3 meses... pesquisa de toxina do C. difficile, parasitológico). A pesquisa de
superinfecção por citomegalovírus deverá ser considerada em
Pacientes que não respondem após quatro semanas de 5-ASA podem usuários crônicos de drogas imunossupressoras que não respondem à
associar um glicocorticoide (prednisona ou Uceris® = budesonida de corticoterapia intravenosa.
liberação colônica). Pacientes que não respondem à terapia dupla (5-
ASA + corticoide), ou então que recidivam durante a tentativa de
Medicamentos
desmame do corticoide, devem associar um imunomodulador, com
preferência pelas tiopurinas (azatioprina ou mercaptopurina). O
metotrexato é menos eficaz na RCU, e por isso não costuma ser usado... Antimicrobianos de amplo espectro, com cobertura contra Gram-
Os anti-TNF são prescritos nos casos de refratariedade ou intolerância negativos e anaeróbios, devem ser prescritos a todos os casos de colite
às terapias anteriores. Os agentes anti-integrina servem como resgate fulminante/megacólon tóxico. Esquemas comumente empregados são:
para os casos refratários ou intolerantes aos anti-TNF (ou seja, o (1) ciprofloxacina + metronidazol; (2) amoxicilina + clavulanato.
tratamento da RCU leve/moderada é feito com "step up")... Glicocorticoide IV também deve ser prescrito para todos os doentes.
Podemos utilizar hidrocortisona (300 mg) ou metilprednisolona (48-64
mg) em infusão contínua ao longo de 24h, ou então dividido em quatro
Um probiótico (composto contendo micro-organismos vivos que doses diárias. Não há benefício com doses mais altas de corticoide,
trazem benefício ao receptor) chamado VSL-3 mostrou benefício como nos esquemas de "pulsoterapia"... A maioria dos pacientes
responde de forma satisfatória à corticoterapia, atingindo a
significativo quando comparado ao placebo no tratamento da RCU leve a
REMISSÃO do quadro em 7-10 dias. Assim que o doente começa a
moderada. Trata-se de uma mistura de 8 espécies não patogênicas de
Lactobacillus, bifidobacteria e Streptococcus. Entretanto, tal melhorar podemos introduzir a hidratação oral, que se for bem tolerada
adjuvante no tratamento da RCU, podendo ser associado à estratégia três opções: (1) agente anti-TNF; (2) ciclosporina; (3) partir direto para a
cirurgia.
farmacológica convencional.
TRATAMENTO DE MANUTENÇÃO
Até 75% dos pacientes que entram em remissão com a terapia inicial
2. Colectomia abdominal + Proctectomia mucosa + Anastomose entre
apresentam recidiva num período de um ano, caso não recebam
bolsa ileal e canal anal (IPAA = Ileal Pouch Anal Anastomosis) –
tratamento de manutenção. As drogas de primeira linha com este
FIGURA 14.
intuito são os derivados 5-ASA, como sulfassalazina e as formulações de
mesalamina que "entregam" o 5-ASA especificamente ao cólon. Os 3. Colectomia abdominal + Anastomose entre bolsa ileal grampeada e
imunomoduladores (tiopurinas) são reservados aos pacientes que reto distal (IPDRA = Ileal Pouch Distal Rectal Anastomosis).
apresentam ≥ 2 recidivas/ano, bem como para aqueles que se mostram
"cortico-dependentes" (os imunomoduladores entram para permitir o O procedimento de escolha é a IPAA. Pacientes submetidos a esta
desmame de corticoide, sendo posteriormente mantidos). O papel dos cirurgia apresentam de 5-7 evacuações pastosas por dia e, de um modo
agentes anti-TNF na terapia de manutenção da RCU ainda não está geral, evoluem com continência fecal satisfatória. A IPDRA tem como
claro... Alguns estudos mostram benefício nos pacientes com colite desvantagem o fato de deixar um pedaço de mucosa doente, sendo, por
grave que necessitaram dessas medicações para induzir a remissão. conseguinte, contraindicada em pacientes com câncer ou displasia
Contudo, é preciso pesar os riscos e benefícios de utilizar essas drogas acentuada em qualquer outro ponto da mucosa colorretal... Não
em longo prazo, em comparação com a realização de proctocolectomia obstante, por se tratar de um procedimento relativamente simples, ela
total curativa! pode ser indicada em idosos (alto risco cirúrgico) ou pacientes em que a
mobilização da bolsa ileal para a construção de uma anastomose se
mostra tecnicamente difícil.
CONCEITOS CIRÚRGICOS EM RCU
Até 25% dos portadores de RCU necessitarão de uma abordagem Uma clássica complicação da IPAA é a inflamação da bolsa ileal (bolsite
cirúrgica em algum momento de suas vidas. As principais indicações ou pouchitis). Ainda não se conhece a exata etiopatogenia da bolsite,
são:
mas sabe-se que ela ocorre apenas nas anastomoses ileoanais de
portadores de DII... Por isso, o tratamento é feito com antibióticos
(metronidazol ou ciprofloxacina) ± corticoides tópicos ou sistêmicos.
INDICAÇÕES DE CIRURGIA NA RCU
DEFINIÇÃO
ETIOLOGIA
1
Apêndice COLITE PSEUDOMEMBRANOSA
equilíbrio é rompido pelo uso de antibióticos, pode haver o crescimento
exagerado do Clostridium difficile, com produção de suas toxinas e lesão
intestinal (colite).
Tab. 1
Frequentemente
Amoxicilina
Cefalosporinas
Fluoroquinolonas
Recentemente foram relatados surtos nosocomiais de uma cepa de C.
Ocasionalmente
difficile capaz de produzir até 20 vezes mais toxina do que os Clostridium
habituais... A doença associada a esses casos foi muito mais grave que a
Sulfonamidas
média dos pacientes com colite pseudomembranosa! A explicação para o
surgimento desta praga é a deleção do tcdD, um gene que controla a
Eritromicina
transcrição do RNAm das exotoxinas bacterianas... Esta cepa foi
encontrada nos EUA, Inglaterra e Holanda, e é chamada de NAP1/BI/027.
Trimetoprima
Raramente
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
Aminoglicosídeos parenterais
A doença pode começar tão cedo quanto um dia após o início da
antibioticoterapia ou tão tarde quanto seis semanas após o seu término.
Tetraciclina
Assim, devemos suspeitar de colite associada aos antibióticos em todo
paciente que desenvolva os sintomas característicos dentro de um período
Cloranfenicol
de seis semanas após a exposição a um agente antibioticoterápico.
Metronidazol
Os sintomas podem variar de uma diarreia não invasiva a uma colite
Vancomicina fulminante com manifestações típicas de febre, leucocitose, dor
abdominal e diarreia invasiva (sangue, muco e pus). Felizmente, os
sintomas de colite leve são mais comuns que os de colite grave, e isso
É interessante ressaltar uma curiosidade... Veremos logo mais que torna a diarreia aquosa profusa associada à dor abdominal, a forma de
existem duas drogas para tratar o C. difficile: metronidazol e apresentação mais encontrada.
vancomicina. Ora, acabamos de dizer na Tabela 1 que ambas podem
raramente estar associadas ao surgimento de CPM! Como isso é Os casos graves, que se manifestam com diarreia invasiva, no entanto,
possível??? Veja bem: o C. difficile é um germe com elevada capacidade fazem com que a CPM possa se apresentar clinicamente com
de se tornar resistente aos antimicrobianos. Lá no início da década de desidratação, hipotensão, taquicardia, megacólon tóxico e perfuração,
70, ele era sensível a uma série de drogas, e uma das primeiras contra a num contexto bastante semelhante ao de doenças de maior morbidade,
qual ele se tornou resistente foi a clindamicina (que, por isso, é um dos como a retocolite ulcerativa.
fatores de risco mais clássicos para a doença). Na microbiota fisiológica,
existe um grupo de germes que impede o crescimento do C. difficile – os Independentemente do tipo de apresentação intestinal, a maioria dos
BACTEROIDES (os principais "inimigos" do C. difficile). A clindamicina pacientes que desenvolve CPM está febril e apresenta leucocitose (em
aniquila a população de Bacteroides do cólon, "abrindo espaço" para o 50% das vezes, o leucograma é > 15.000/ mm3), às vezes atingindo
C. difficile... Atualmente, já existem cepas de C. difficile resistentes ao valores tão altos quanto 50.000/mm3.
metronidazol (< 10% dos casos). O metronidazol também aniquila os
Bacteroides... Logo, não é difícil deduzir que o metronidazol raramente Em casos raros, o paciente não desenvolve nenhum tipo de diarreia,
pode induzir CPM, e que, nesta situação, o tratamento deve ser feito apresentando-se apenas com febre, leucocitose e dor abdominal. Tal
com vancomicina. situação torna o diagnóstico bastante difícil e pode estar associada, por
exemplo, ao uso de opioides (constipantes) para alívio álgico num pós-
operatório. Quadros que cursam com íleo intenso (comum nas formas
FATORES DE RISCO
fulminantes), também podem evoluir sem diarreia pela retenção de
líquidos no interior do cólon atônico.
Idade ≥ 65 anos; comorbidades graves ("paciente debilitado"); uso de
múltiplos antibióticos; antibioticoterapia prolongada (> 10 dias);
São sete as formas clínicas possíveis de apresentação do Clostridium
cirurgia gastrointestinal prévia; alimentação por sonda enteral; uso de
difficile:
inibidores de bomba de prótons ou quimioterapia; exposição a
companheiro de quarto portador; crianças e adultos com baixos títulos
de anticorpos antitoxina (principalmente, contra a toxina A). História 1. Portadores assintomáticos;
prévia de doença inflamatória intestinal também parece aumentar o
risco de CPM segundo alguns estudos... 2. Diarreia sem colite;
3. Colite sem pseudomembrana;
SAIBA MAIS 4. Colite com pseudomembrana;
CEPAS DE ALTA VIRULÊNCIA 5. Colite fulminante;
6. Colite com enteropatia perdedora de proteína;
7. Infecção recorrente.
Corresponde de 2 a 3% dos casos sintomáticos, expressando-se por febre
PORTADORES ASSINTOMÁTICOS
alta, calafrios, desidratação, cólicas e distensão abdominal com íleo
prolongado e, eventualmente, megacólon tóxico e perfuração com
Cerca de dois terços dos pacientes hospitalizados infectados pelo
peritonite grave. Há leucocitose acentuada (30.000 a 40.000/mm³) e
Clostridium difficile permanecem assintomáticos. Isso ocorre, acidose metabólica. A diarreia pode faltar nos casos que evoluem com
provavelmente, porque estes pacientes possuem níveis protetores de IgG íleo intenso, quando então o diagnóstico deve ser suspeitado na vigência
contra a toxina A. de febre, dor abdominal com distensão e leucocitose acentuada. O
achado de pseudomembrana durante exame retossigmoidoscópico,
neste contexto, é patognomônico de colite pseudomembranosa – vale
DIARREIA SEM COLITE
ressaltar que o exame endoscópico deve ser feito com cuidado por
profissional experiente, insuflando a menor quantidade de ar possível
Estes pacientes apresentam diarreia geralmente leve (três a quatro
dentro do cólon... A TC de abdome mostra espessamento de alças
evacuações aquosas/ dia), sendo que alguns pacientes apresentam
colônicas.
cólicas discretas. Febre, leucocitose e desidratação são leves ou ausentes.
As toxinas são encontradas nas fezes, mas a retossigmoidoscopia é
normal. A descontinuação do esquema antibiótico causador do quadro COLITE PSEUDOMEMBRANOSA COM
normalmente é suficiente para cessar a diarreia, sendo raramente ENTEROPATIA PERDEDORA DE PROTEÍNA
necessário usar metronidazol ou vancomicina.
●
Cerca de 50% dos infectados pelo Clostridium difficile possuem INFECÇÃO RECORRENTE
leucócitos nas fezes, o que não ocorre na diarreia osmótica
antibioticoinduzida;
Aproximadamente 15 a 35% dos portadores de colite
● A presença de febre e leucocitose favorece o diagnóstico de infecção; pseudomembranosa recorrem após a interrupção do tratamento com
● O jejum oral melhora a diarreia osmótica, mas não tem repercussão vancomicina ou metronidazol. A recorrência tipicamente surge nas
primeiras três semanas, sendo que a maioria dos casos ocorre em idosos.
benéfica sobre a diarreia infecciosa pelo Clostridium. Por este motivo,
Em cerca de 50% das vezes a recorrência é devida a uma nova infecção,
não temos diarreia osmótica durante o período noturno.
causada inclusive por uma cepa diferente (a qual é adquirida durante a
permanência do paciente no hospital). Tais quadros parecem ser
COLITE SEM PSEUDOMEMBRANA favorecidos por uma deficiência na resposta imune humoral, quando
baixos níveis de anticorpos específicos são insuficientes para neutralizar
Neste caso, surgem manifestações sistêmicas mais graves como astenia, as toxinas.
cólicas aliviadas pelas evacuações, hiporexia, diarreia aquosa profusa (5
a 15 evacuações aquosas/dia) e desidratação. Há febre baixa (37,2°C a
DIAGNÓSTICO
38,3°C) e leucocitose. A retossigmoidoscopia mostra eritema difuso ou
em placas, sem pseudomembrana.
Após suspeita clínica (sintomas + uso recente de antimicrobianos),
recomenda-se confirmar o diagnóstico de CPM por meio da pesquisa de
COLITE COM PSEUDOMEMBRANA toxinas nas fezes (se esta for positiva, o diagnóstico está dado!). Os
imunoensaios (ELISA) são rápidos (resultado em 24h), acurados (uma
Estes pacientes apresentam as mesmas características clínicas descritas amostra = sensibilidade 75-90%; duas amostras = sensibilidade 90-95%)
acima, além de retossigmoidoscopia, que evidencia pseudomembrana e, tradicionalmente, têm sido considerados o método de escolha...
formada por placas esbranquiçadas ou amareladas de 0,2 a 2 cm de Recentemente, porém, foi desenvolvido o teste fecal de amplificação por
diâmetro. Um subgrupo de pacientes possuem retossigmoidoscopia sem PCR do gene da toxina B do C. difficile. Esse teste se revelou superior ao
pseudomembrana, a qual pode ser visualizada em porções mais imunoensaio (sensibilidade 97%) e muitos autores agora afirmam que
proximais do cólon, através de colonoscopia. ele passou a ser o exame preferencial, se disponível... A pesquisa de
glutamato desidrogenase nas fezes (um antígeno comum do C. difficile)
COLITE FULMINANTE pode ser usada como screening, devido ao seu alto valor preditivo
negativo (um resultado negativo afasta a possibilidade de CPM). No
entanto, quando esta é positiva, é preciso confirmar o diagnóstico
através de imunoensaio ou PCR, pois trata-se de um exame com
especificidade relativamente baixa.
A retossigmoidoscopia ou a colonoscopia podem sugerir o diagnóstico, Obs.: gestantes, crianças e indivíduos com intolerância ao metronidazol
mas não são obrigatórias... O achado de pseudomembranas no exame devem fazer uso de vancomicina (ver posologia abaixo) ou fidaxomicina
endoscópico é altamente sugestivo de CPM no contexto clínico (200 mg – VO – 12/12h por 10-14 dias).
apropriado, contudo, vale lembrar que nem sempre as
pseudomembranas estarão presentes (ex.: colite leve ou moderada) e
CASOS GRAVES
raramente, outros enteropatógenos também podem induzir a formação
de pseudomembranas (ex.: K. pneumoniae, S. aureus, C. perfringens)...
Logo, o exame endoscópico não é tão sensível e específico quanto a Vancomicina: 125 mg – VO – 6/6h por 10-14 dias
pesquisa de toxinas ou PCR fecal!
iniciada, podendo ser feita com metronidazol, vancomicina ou pois retardam a eliminação da toxina aumentando a chance de
2
Apêndice comorbidades psiquiátricas (depressão, síndrome do pânico),
SÍNDROME DO INTESTINO
especialmente aqueles que apresentam quadros álgicos mais dramáticos
IRRITÁVEL
(isto é, os doentes que procuram especialistas). Entretanto, a presença
de um transtorno mental não faz parte dos critérios diagnósticos, e
muitos pacientes não possuem qualquer evidência de problemas
psicossociais.
possa se manifestar em qualquer idade, é muito mais comum em jovens dismotilidade que supostamente seriam mais comuns em pacientes com
do que nos velhos. Apesar de não ameaçar a vida, causa grande SII:
Tab. 2 Pólipos.
Doença celíaca.
Para excluir outras patologias, alguns exames complementares podem
ser solicitados de acordo com as características clínicas de cada caso.
Contudo, autores modernos têm afirmado que quando o paciente
preenche os critérios para a SII e não tem nenhum sinal de alerta (ver TRATAMENTO
Tabela 3), os exames complementares podem ser dispensáveis! A função
dos critérios é justamente tentar separar os portadores de doenças O tratamento da SII é baseado nas seguintes medidas:
orgânicas dos portadores de SII...
Suporte Psicossocial
Tab. 3
Hematoquezia História familiar de câncer, doença O médico deve estar seguro de que não se trata de nenhuma doença
inflamatória intestinal ou doença orgânica e deve demonstrar isso convincentemente para o paciente. É
celíaca. importante a conscientização de que a doença é crônica e que, embora
possa ser aliviada, é tipicamente recorrente. A solicitação excessiva de
Perda ponderal Febre recorrente. exames, bem como a repetição de exames já realizados, deve ser evitada,
pois aumenta a ansiedade (o que por sua vez exacerba ainda mais os
Anemia Diarreia crônica intensa. sintomas, gerando um ciclo vicioso)...
Tratamento Farmacológico
Mais de 2/3 dos portadores de SII apresentam um quadro brando e ● Antiespasmódicos: hioscina, escopolamina e brometo de pinavério.
intermitente que responde bem às medidas conservadoras (suporte Reduzem o reflexo gastrocólico, diminuindo a dor e a diarreia pós-
psicossocial + modificações dietéticas). Logo, os fármacos são prandiais. São indicados para melhorar a dor em cólica, apesar de
formalmente indicados somente nos casos graves e refratários... Vale não existirem evidências definitivas de benefício na literatura. Como
dizer que não existe uma única classe de medicamentos que amenize os se tratam de drogas com ação anticolinérgica, devem ser usadas com
sintomas de todos os pacientes! Como as manifestações clínicas da SII muito cuidado em pacientes idosos, pelo risco aumentado de efeitos
são variáveis, a terapia farmacológica deve se pautar no tipo de sintoma colaterais neste subgrupo (ex.: constipação, xerostomia, retenção
predominante (dor, constipação ou diarreia), sendo considerada uma vesical).
medida adjuvante e não "curativa"... ● Antidiarreicos: indicados para os casos de diarreia refratária às
medidas dietéticas. Utiliza-se a loperamida (Imosec) ou o difenoxilato
(Lomotil). A colestiramina (quelante de sais biliares) pode ser tentada
em casos refratários aos antidiarreicos, pois um subgrupo de
pacientes parece ter alterações no ciclo êntero-hepático de sais
biliares, sendo a diarreia, nestes casos, mediada pelo efeito tóxico
direto dessas substâncias quando elas atingem o cólon em maior
quantidade (melhorando com o uso de quelantes)... Seja como for, o
ideal é que os antidiarreicos sejam empregados apenas de forma
"profilática", em antecipação aos desencadeantes de diarreia (ex.:
eventos estressantes, como uma prova de residência).
●
Anticonstipantes: diversos laxantes osmóticos, como lactulose e
sorbitol, aumentam a produção de flatos e promovem distensão
abdominal, o que costuma ser mal tolerado por portadores de SII...
O polietilenoglicol 3350 (Miralax) é um laxante osmótico que não
apresenta este inconveniente. Dois novos medicamentos foram
desenvolvidos para tentar amenizar a SII com predomínio de
constipação: lubiprostona (Amitiza) e linaclotide (Linzess). Ambos
ativam canais de cloreto na mucosa colônica levando a um aumento
na secreção intestinal de fluidos, o que acelera o trânsito intestinal!
●
Antifiséticos: a dimeticona (Luftal) tem eficácia controversa na
distensão abdominal e flatulência.
Psicoterapia
PROGNÓSTICO
3
Apêndice 6 casos por 100.000 pessoas/ano. Séries de necrópsia, por outro lado,
TUMOR CARCINOIDE
quase sempre relatam uma proporção maior, o que pode ser explicado
pela natureza indolente da maioria desses tumores (muitos pacientes
acabam morrendo de outras causas sem receber o diagnóstico em
vida)... A ocorrência dos carcinoides e tumores neuroendócrinos em
geral vêm aumentando nas últimas décadas, devido à maior capacidade
INTRODUÇÃO de detecção dos exames de imagem e endoscópicos! Nos EUA, os
carcinoides são um pouco mais frequentes em negros e no sexo
masculino, e a média de idade ao diagnóstico é de 63 anos. O único
O termo "carcinoide" foi cunhado em 1907 pelo patologista alemão
fator de risco descrito é uma história familiar positiva em parente de
Oberndorffer para descrever uma neoplasia do tubo digestivo que
histologicamente se assemelhava a um carcinoma, porém, presumia-se primeiro grau (risco relativo de 3,6). Não há etiologia conhecida.
(erroneamente) que sempre possuísse comportamento "benigno"
(FIGURA 1). Um tópico bastante controverso na literatura é a distribuição dos
tumores carcinoides no corpo, quer dizer, em que local eles aparecem
com maior frequência? Leia atentamente os parágrafos a seguir...
carcinoide, que será descrita em detalhes neste capítulo. provas de residência – vamos nos ater ao macete do parágrafo anterior...
SAIBA MAIS
EPIDEMIOLOGIA
UMA POSSÍVEL EXPLICAÇÃO PARA A CONTROVÉRSIA
Tumores carcinoides em geral são assintomáticos, sendo descobertos por Posteriormente, viu-se que a classificação embrionária não era capaz de
acaso quando da realização de exames. Logo, pode-se esperar que, predizer o prognóstico em todos os casos, isto é, o local de surgimento
dependendo da acurácia de determinado exame e da frequência com que de um tumor carcinoide nem sempre determina seu comportamento
ele é feito, a taxa de detecção dos carcinoides em diferentes sítios biológico... O grau de diferenciação celular e o índice proliferativo, por
anatômicos varie em função do tipo de estudo realizado... Na literatura exemplo, independem do sítio de origem e exercem muito mais
cirúrgica, a maioria dos estudos envolve carcinoides diagnosticados em influência no prognóstico da doença, logo, constituem parâmetros mais
espécimes cirúrgicos. Como a apendicectomia é um dos procedimentos fidedignos! Uma nova classificação dos tumores carcinoides foi então
mais realizados na prática, e como em 1 a cada 300 apendicectomias desenvolvida, e é a mais utilizada na atualidade: trata-se da classificação
encontra-se um tumor carcinoide, o local onde os carcinoides seriam da Organização Mundial da Saúde (WHO) ‒ ver Tabela 3.
"aparentemente" mais frequentes é o apêndice (viés de seleção). No caso
da literatura clínica, o íleo seria o sítio mais frequente pelo fato de ser o
Tab. 3
mais associado ao surgimento da síndrome carcinoide. A base de dados
do Instituto Nacional do Câncer dos EUA, o SEER (Surveillance, CLASSIFICAÇÃO DA WHO
Epidemiology, and End Results), só contabiliza os carcinoides
"clinicamente significativos", isto é, desconsidera grande parte dos Tumor bem diferenciado, com baixo
carcinoides fortuitamente diagnosticados numa apendicectomia (que, índice proliferativo (< 2%).
como veremos, costumam ser curados apenas com este procedimento). WHO I
Geralmente tem < 2 cm e está confinado à
Por conseguinte, o SEER afirma que a maioria dos carcinoides aparece
mucosa ou submucosa.
no íleo, sendo possível que isso também reflita apenas mais um viés
metodológico... Já o recente aumento na proporção de carcinoides retais
(do ano 2000 em diante) seria justificado pelo uso da colonoscopia como Também é bem diferenciado, mas possui
screening para Ca colorretal... Enfim, TALVEZ A CIÊNCIA AINDA alto índice proliferativo (entre 2-15%).
WHO II
NÃO CONHEÇA, DE FATO, O SÍTIO VERDADEIRAMENTE MAIS Geralmente tem > 2 cm e costuma ser
COMUM DOS TUMORES CARCINOIDES, daí toda essa confusão na localmente invasivo.
literatura!!!
Tab. 4
Tab. 5
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
Vale frisar que a maioria dos carcinoides do apêndice se localiza na
Conforme dissemos, a maioria dos tumores carcinoides não produz "ponta" do órgão e possui pequeno tamanho (< 1 cm), sendo
sintomas, pois em geral, trata-se de neoplasias indolentes descobertas absolutamente assintomáticos. Em menos de 10% dos casos, a lesão
por acaso. As manifestações clínicas que denunciam sua presença se acomete a base apendicular, onde pode obstruir o lúmen e provocar
devem a um crescimento localmente invasivo do tumor ou ao apendicite aguda... No reto, os carcinoides podem causar hematoquezia
surgimento da síndrome carcinoide. Esta, na maior parte das vezes, só e obstrução.
aparece se houver metástases à distância.
SÍNDROME CARCINOIDE
As manifestações locorregionais dependem do sítio de origem. No trato
respiratório, os carcinoides se comportam como qualquer tumor
endobrônquico, provocando hemoptise, tosse, pneumonias de repetição Apesar de representar a manifestação mais clássica dos tumores
e atelectasia obstrutiva. Mais de 75% dos casos são prontamente carcinoides, sabemos que a síndrome carcinoide ocorre em < 10% dos
identificados pela radiografia (geralmente nódulo/massa com 2-5 cm de casos! Antigamente acreditava-se que a serotonina fosse a única
diâmetro). No tubo digestivo, os carcinoides também se comportam responsável pelo quadro, mas hoje sabemos que diversas substâncias
como outros tumores intraluminais, causando dor abdominal e cossecretadas pelo tumor também justificam alguns de seus sinais e
sintomas obstrutivos. Um fato curioso é que os carcinoides estimulam sintomas... As lesões mais associadas são os carcinoides do intestino
delgado, que só produzem a síndrome carcinoide na vigência de
uma intensa reação desmoplásica quando penetram até a camada serosa
metástases hepáticas. Carcinoides do reto, por outro lado, não
‒ diversas substâncias produzidas pelo tumor justificam a formação
costumam provocar síndrome carcinoide, nem mesmo quando há
exagerada de tecido fibrótico! A consequente distorção anatômica
metástases... Nas demais localizações tumorais o surgimento da
promove angulação e estreitamento do lúmen, cursando, em geral, com
síndrome é variável, e pode ocorrer na ausência de metástases hepáticas
"suboclusão intestinal" intermitente ‒ ver FIGURA 2.
quando o tumor primário tem origem num órgão extra-abdominal (ex.:
pulmão, timo, etc.).
Tab. 6
A SÍNDROME CARCINOIDE
Diarreia 30-80%
DIARREIA. A serotonina é o principal mediador da diarreia na Crise carcinoide é uma condição ameaçadora à vida que consiste
síndrome carcinoide, estimulando a peristalse e a secreção numa exacerbação súbita de todas as manifestações da síndrome
hidroeletrolítica gastrointestinal. Outros mecanismos também podem carcinoide. Cursa tipicamente com flushing generalizado, diarreia,
ser operantes, como o supercrescimento bacteriano secundário à broncospasmo, hipotensão arterial, taquicardia e hipertermia. O quadro
obstrução intestinal parcial (o que leva à má absorção). Os episódios pode ser espontâneo, mas classicamente é desencadeado pela indução
são tipicamente "explosivos", acompanhados por dor abdominal em anestésica. Fatores como infecções, quimioterapia e embolização
cólica. Drogas que bloqueiam receptores de serotonina, como arterial do tumor também são capazes de provocá-la. Todo portador da
ondansetron e metisergida, conseguem amenizar a diarreia, assim como síndrome carcinoide deve receber profilaxia da crise carcinoide com
o já citado octreotide, que inibe a secreção das células neuroendócrinas. infusão intravenosa de altas doses de octreotide + antagonistas dos
receptores H1 e H2 de histamina antes de ser submetido a um
LESÃO CARDÍACA. Tanto a serotonina quanto as taquicininas procedimento cirúrgico. O tratamento da crise instalada também é feito
isótopos radioativos), de modo a permitir a realização da chamada dos tumores carcinoides é a tomografia por emissão de pósitrons
cintilografia para receptores de somatostatina ‒ o famoso "octreoscan", utilizando 5-HTP marcado com carbono-11 (C11-5-HTP PET-scan). O 5-
que avalia o corpo inteiro do paciente (FIGURA 4). A sensibilidade HTP (hidroxitriptofano) é um precursor da serotonina captado pelas
deste método é de 80-90%. células dos tumores carcinoides. Após o advento das modernas câmeras
de PET-scan, tornou-se possível, com esta técnica, localizar lesões tão
pequenas quanto 0,5 cm! Vale dizer que o PET-scan convencional
(utilizando F18-fluorodeoxiglicose, o FDG-PET-scan, que localiza
neoplasias com alta taxa metabólica) não é útil para detectar
carcinoides, já que se trata de tumores, em geral, indolentes...
Após a localização das lesões, deve-se lançar mão dos métodos de
imagem convencionais (USG, TC ou RM, conforme disponibilidade) a
fim de delinear melhor a anatomia das lesões... O passo final é a
realização da biópsia confirmatória, aplicando as técnicas de imuno-
histoquímica descritas. Observe, na FIGURA 5, um algoritmo
diagnóstico.
TRATAMENTO
Carcinoides ileais < 1 cm e sem metástases nodais podem ser curados
CONTROLE DO TUMOR pela enterectomia segmentar. Tumores > 1 cm, múltiplos e/ou
acompanhados de metástases nodais (independentemente do tamanho
da lesão primária) são mais bem abordados com uma ampla ressecção
A maioria dos tumores carcinoides assintomáticos e descobertos por
intestinal que englobe o meso adjacente, associada à linfadenectomia.
acaso podem ser curados por ressecção. É o que acontece, por exemplo,
Lesões no íleo terminal podem requerer hemicolectomia direita, e lesões
quando uma ou mais lesões pequenas e superficiais são encontradas na
duodenais podem ser abordadas com ressecção endoscópica ou
mucosa gástrica durante uma endoscopia digestiva alta (FIGURA 6), ou
duodenopancreatectomia, na dependência do tamanho do tumor.
na mucosa retal durante uma colonoscopia. Carcinoides gástricos
invasivos, por outro lado, devem ser submetidos à gastrectomia +
No caso dos carcinoides brônquicos, a ressecção broncoscópica em
linfadenectomia. Carcinoides retais > 2 cm devem ser submetidos à
geral não é recomendada. Se o risco cirúrgico permitir, deve-se proceder
ressecção do reto.
à ressecção cirúrgica da lesão, acompanhada de linfadenectomia
hilar/mediastinal.
INTERFERON
Nas fases iniciais, mudanças no estilo de vida para evitar fatores
desencadeantes (ex.: estresse físico e emocional, álcool, comidas
condimentadas e drogas que precipitem os sintomas) podem ser as Os interferons alfa-2a e 2b podem ser empregados de forma isolada ou
únicas medidas necessárias para o controle sintomático. combinada aos análogos de somatostatina. Eles exercem efeitos diretos
e indiretos sobre as células tumorais (bloqueio ao ciclo replicativo e à
síntese proteica, e estímulo às células natural killer que reconhecem e
Cada sintoma da síndrome carcinoide também pode ser abordado
matam o tumor, respectivamente). A formulação de ação prolongada (o
individualmente... A diarreia pode ser amenizada com o uso de
interferon "peguilado") também pode ser utilizada... O interferon
loperamida ou difenoxilato (antidiarreicos). A cardiopatia carcinoide
funciona como coadjuvante dos análogos de somatostatina nos
sintomática deve ser tratada com as mesmas drogas indicadas para a
pacientes que apresentam taquifilaxia a estes últimos: os análogos de
insuficiência cardíaca congestiva em geral (diuréticos de alça, IECA ou
somatostatina são suspensos por alguns meses visando reduzir a
BRA, etc.). O broncospasmo pode ser combatido com o uso de
taquifilaxia, enquanto o interferon é mantido para controle dos
agonistas beta-2 adrenérgicos inalatórios (que não estimulam a secreção
sintomas. Os principais paraefeitos são: síndrome da fadiga crônica,
hormonal pelo tumor)... Drogas que antagonizam a síntese de
anemia, leucopenia, plaquetopenia e fenômenos autoimunes (ex.:
serotonina (ex.: alfametildopa) ou seus receptores (ex.: metisergida)
tireoidite).
NÃO SÃO mais utilizadas, por serem menos eficazes e menos seguras
que os análogos de somatostatina (ver adiante). Tumores que
hipersecretam histamina (como os carcinoides gástricos) se beneficiam QUIMIOTERAPIA
da associação de bloqueadores H1 e H2.
A somatostatina inibe a atividade das células neuroendócrinas (saudáveis A irradiação externa tem valor apenas na paliação de metástases ósseas
e neoplásicas). Por ter meia-vida extremamente curta (cerca de 2,5 e cerebrais. A forma de "radioterapia" mais eficaz no tratamento dos
minutos), ela deve ser substituída por análogos sintéticos com ação mais tumores carcinoides é a utilização de radiofármacos especificamente
duradoura, os "octapeptídeos", como octreotide, lanreotide e captados e internalizados pelas células tumorais, como o I125-MIBG e o
vapreotide. O uso dessas medicações diminui a síntese hormonal e I131-MIBG, ou os análogos de somatostatina marcados com In111, Y90
exerce efeitos antiproliferativos nas células do tumor carcinoide! Logo,
ou Lu177 (ex.: Lu177-DOTA-octreotato). Contudo, é digno de nota que
os análogos de somatostatina têm sido indicados para todos os
os radiofármacos tendem a ser eficazes somente em lesões de pequeno
pacientes com doença metastática!!!
volume...
TERAPIAS EXPERIMENTAIS O principal fator prognóstico é a presença de metástases à distância.
Outros fatores diretamente relacionados à expectativa de sobrevida são
os níveis de CgA no plasma (que refletem a "carga" tumoral) e o índice
Drogas como o bevacizumab (anticorpo monoclonal anti-VEGF, que
de proliferação tumoral. No passado, entre 30-40% dos pacientes falecia
exerce efeito antiangiogênico) e o everolimus (inibidor do mTOR, um em decorrência de complicações da cardiopatia carcinoide. Hoje, devido
"alvo" intracelular importante para a proliferação das células ao reconhecimento e tratamento mais precoces dessa entidade e da
neuroendócrinas) têm sido empregadas com sucesso variável no síndrome carcinoide em si, a mortalidade atribuída à cardiopatia é
tratamento dos tumores carcinoides metastáticos, geralmente em inferior a 10%.
associação às demais estratégias já descritas.