Crítica Genética de Tradução Literária
Crítica Genética de Tradução Literária
Crítica Genética de Tradução Literária
PORTO ALEGRE
2008
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
ÁREA: ESTUDOS DE LITERATURA
ESPECIALIDADE: LITERATURA BRASILEIRA, PORTUGUESA E LUSO-
AFRICANAS
LINHA DE PESQUISA: TEORIAS LITERÁRIAS E INTERDISCIPLINARIDADE
PORTO ALEGRE
2008
As pessoas não morrem, ficam encantadas
(Guimarães Rosa)
À minha filha Paloma, pela paciência, pelo apoio, pelo amor; sempre, sempre;
Por que e de qual maneira a crítica genética pode ser uma forma de
leitura reveladora no processo tradutório de um texto literário? É a pergunta que
guia nossos passos nessa pesquisa. A partir do estudo genético do prototexto do
conto inédito de Caio Fernando Abreu: Anotações para uma estória de amor,
analisamos o processo escritural do autor, isto é, procuramos entender como o
autor criou, estruturou e textualizou sua narrativa. Isso, no fito de embasar nosso
processo tradutório nesse saber genético que um texto fixo não pode revelar.
Pretendemos demonstrar que a passagem pelos manuscritos do autor traduzido
pode ajudar o tradutor na sua tarefa. Procedemos à tradução do texto, a seu
comentário e avaliação, e salientamos de qual forma utilizamos o saber genético
em nosso processo tradutório. Por outro lado, queremos demonstrar que traduzir
não é um simples processo mecânico, que existe uma escritura tradutória e que o
texto oriundo da tradução possui as mesmas características que um texto literário
dito original. De fato, o produto tradução passa por uma trajetória criativa e é
balizado por rastros que atestam um trabalho de criação. Esses rastros são
visíveis no prototexto da tradução que chamamos terceiro texto. O estudo desse
terceiro texto pode levar a entender o processo criativo do tradutor, revelar suas
dúvidas, suas escolhas, suas interrogações, isto é, o seu fazer. Portanto, abordar
geneticamente os rascunhos do tradutor e constituí-los em objeto de estudo pode
revelar-se como uma etapa fundamental no processo de avaliação da tradução.
Estão, então, esboçadas as bases de uma interdisciplinaridade entre crítica
genética e tradução literária.
Palavras-chave:
crítica genética – tradução literária – Caio Fernando Abreu – criação
literária - escritura
RÉSUMÉ
Mots-clés:
critique génétique – traduction littéraire – Caio Fernando Abreu – création
littéraire – écriture
ADVERTÊNCIA
ABERTURA .................................................................................................... 11
CRÍTICA GENÉTICA E TRADUÇÃO LITERÁRIA: UMA INTERDISCIPLINARIDADE 13
UM PROJETO DE TRADUÇÃO, UMA POSIÇÃO TRADUTIVA, UM
HORIZONTE DO TRADUTOR ....................................................................... 17
1
R. Arrojo. O signo desconstruído, p. 107.
2
“Mais en matière de traduction, il reste qu´il ne faut pas confondre théorie et pratique, qu´il faut
bien les séparer avant de les articuler l´une à l´autre. Le pathos théoriciste ne permet pas de faire
l´économie de la pratique traduisante, avec ses écueils. À quoi bon une belle théorie
rigoureusement cohérente, et “scientifique”, qui ne mordrait pas sur les réalités effectives du
métier?” J-R. Lamiral. Traduire: théorèmes pour la traduction, p. 9.
12
3
Antoine Berman. La traduction et ses discours. Meta, v. XXXIV, n. 4, 1989.
4
Umberto Eco. Quase a mesma coisa, p. 11.
5
Utilizamos a palavra "escrita" e "escritura" em duas acepções diferentes. A escrita para
expressar o ato de escrever, a escritura na acepção de Roland Barthes cuja trajetória é analisada
por Leyla Perrone-Moisés no seu livro Texto, crítica, escritura, salientando que a "escritura
acontece onde há enunciação, e não uma mera seqüência de conceitos", p. 36.
13
La traduction d'un texte littéraire, [...] avant même d'être une lecture
esthétique et herméneutique, doit être, justement dans le but de la
fidélité, une lecture génétique. Celle-ci oblige le traducteur à refaire l'acte
même qui a généré le texte original, tout en remontant vers sa poétique
9
et l'époque qui l'avait fait naître (S. Bourjea).
Por que, e de qual maneira, a crítica genética pode ser uma forma de
leitura reveladora no processo tradutório de um texto literário? É a pergunta que
tentamos responder ao longo de nossa pesquisa para demonstrar que o processo
tradutório é um processo criativo remetendo ao ato de escrever, isto é, ao ato de
criar um discurso próprio a partir de um discurso alheio. Esta criação do discurso,
representada pelo “fazer”, pelo “escrever” da tradução em processo, não é uma
simples técnica lingüística de passagem de uma língua para outra, é uma
escritura, ou uma (re)escritura, oriunda do espaço recôndito do pensamento em
criação. Partimos do princípio de que "traduire n'est traduire que quand traduire
est un laboratoire d'écrire"10 e que “traduire la littérature comme tenter de la
6
Doravante, usaremos Caio F. para referimo-nos a Caio Fernando Abreu.
7
Estado já relativamente acabado de uma elaboração textual; podem existir várias versões
manuscritas e/ou várias versões impressas de um mesmo texto. Todas as definições são
extraídas do glossário estabelecido por Almuth Grésillon no seu livro fundador: Elementos de
crítica genética.
8
C.A Pino, R. Zular. Escrever sobre escrever, p. 158.
9
S. Bourjea. Génétique et Traduction, p. 59.
10
H.Meschonnic. Poétique du traduire, p.459.
14
11
S.Bourjea. Génétique et traduction, p.7.
12
Constam 32 GTs na ANPOLL (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras
e Lingüística). A cada dois anos acontece o Encontro Nacional da Anpoll promovendo o
intercâmbio das pesquisas desenvolvidas pelos GTs.
15
13
Na mesma linha, Cristiane Grando, em um artigo publicado na revista Manuscrítica nº 10,
interroga-se sobre as possíveis relações entre crítica genética e tradução literária.
14
H. Meschonnic.Pour la poétique II, p. 317.
16
15
Segundo Jean-René Ladmiral.
16
G.Steiner. Errata, cap. VII, p. 131.
17
17
A. Berman. Pour une critique des traductions: John Donne, p. 73. (grifo do autor).
18
Ibid., p.76.
19
Henri Poincaré (1854-1912), matemático, astrônomo, filósofo, membro da Academia Francesa.
20
J.Guimarães Rosa. Correspondência com seu tradutor alemão, p.115.
18
Nesse sentido, nosso projeto baseia-se em uma negociação cada vez que
o fluxo da escritura tradutória está interrompido com o surgimento de uma
dificuldade. Seja ela uma não-compreensão de origem lexical, semântica,
sintática, ou de reformulação, de recontextualização. Por outro lado, podemos,
21
F.Schleiermacher. Des différentes Méthodes du traduire. Traduction de Antoine Berman, p. 49.
22
"Pour aller vite, je dirai qu'il y a deux façons fondamentales de traduire: ceux que j'appelle les
«sourciers» s'attachent aux signifiants de la langues, et ils privilégient la langue-source; alors que
ceux que j'appelle les «ciblistes» mettent l'accent non pas sur le signifiant, ni même sur le signifié
mais sur le sens, non pas de la langue mais de la parole ou du discours, qu'il s'agira de traduire en
mettant en œuvre les moyens propres à la langue-cible." In: Traduire: théorème pour la traduction,
préface à la seconde édition, p. XV.
23
H. Meschonnic. Poétique du traduire, p. 23.
24
U. Eco. Quase a mesma coisa, p. 19.
19
25
V. Larbaud. Sous l'invocation de saint Jérôme, p. 76.
26
Segundo a define Meschonnic.
27
U. Eco. Quase a mesma coisa, p. 41. (grifo do autor).
28
Capítulos e subcapítulos de Quase a mesma coisa.
29
A. Berman. Pour une critique des traductions:John Donne, p. 74. (grifo do autor).
20
nunca sentidos antes, devido à coloração do texto, à vida nele, de uma quase
imperceptível presença outra. A do autor e a do tradutor, via terceira língua.
Ils [les traducteurs] superposent les idiomes les uns aux autres, et
quelquefois, par l'effort qu'ils font pour amener et allonger le sens des
mots à des acceptions étrangères, ils augmentent l'élasticité de la
langue. À condition de ne point aller jusqu'à la déchirure, cette traduction
30
sur l'idiome le développe et l'agrandit.
30
Citado em: A. Berman. La traduction ou l'auberge du lointain, p. 97.
21
Por outro lado, nossa posição tradutiva distancia-se dos textos de Caio F.
já traduzidos e publicados em francês, por remeterem a um horizonte outro.
Enquanto ao horizonte do tradutor, Berman o define assim: "l'ensemble des
paramètres langagiers, littéraires, culturels et historiques qui «déterminent» le
sentir, l'agir et le penser du traducteur”32.
31
Será ilustrado no comentário sobre o processo de tradução.
32
A. Berman. Pour une critique des traductions:John Donne, p. 79. (grifo do autor).
22
CRÍTICA GENÉTICA
33
Philippe Willemart, Crítica genética e psicanálise, p. 17.
34
Louis Hay, La Littérature des écrivains, p. 67.
35
Jean Bellemin-Noël, Reproduire le manuscrit.
24
36
L.Hay. La littérature des écrivains, p. 87.
37
Centre National de Recherche Scientifique: CNRS.
38
A introdução oficial da critica genética no Brasil, segundo Cecília Almeida Sales, se dá em 1985
pelo intermédio do Professor Philippe Willemart, organizador, na USP, do evento fundador: I
Colóquio de Critica Textual: O manuscrito moderno e as edições. In: Gesto inacabado, p. 14.
39
A.Grésillon, Elementos de Crítica Genética, p.1.
25
40
D.Bergez. Introduction aux méthodes critiques pour l´analyse littéraire, p.38.
41
A.Grésillon. Elementos de Crítica Genética, p.172.
42
Ver: Crítica genética x filologia, in. A gênese de Incidentes em Antares, Márcia Ivana de Lima e
Silva, p.34-36.
43
Citação extraída de «Rhizome», título da introdução do livro de Gilles Deleuze e Félix Guattari:
Capitalisme et schizophrénie. Paris: éditions de Minuit, 1980, p. 30-31. Disponível em:
<http://www.boson2xorg/spip.php?article162>. Acesso em: 27 de agosto de 2008.
26
44
C. Almeida Sales. Gesto inacabado, p. 28.
45
P-M. De Biasi. La génétique des textes, p. 85.
46
L. Hay. La littérature des écrivains, p. 69.
27
47
Ibid., p. 245.
48
Ver a citação de Guimarães Rosa, na página 95.
28
espaço. Não um espaço que emerge dos outros. Um espaço que já existe, e que
por já existir, possibilita uma impossibilidade49.
Este campo metafórico pode ser estendido ao que diz respeito à tradução,
à escritura tradutória, que faz passar de uma língua-cultura para outra, e ao
próprio tradutor, comumente chamado de passador. A palavra em francês
49
Tal a concepção do terceiro espaço, definida por Homi Bhabha.
50
Fixo, no sentido de que está fixado numa determinada forma, num livro, contudo não imutável,
pois a qualquer momento o autor pode modificá-lo e publicá-lo em uma edição nova e revisada.
51
G. Bachelard. L'eau et les rêves, p. 8.
29
passeur parece-nos mais ilustrativa por ser conotada e remeter a uma carga
pejorativa, sendo, por exemplo, Caronte, o passeur por excelência, que passa e
repassa o rio Aqueronte52. Essa citação de L. Hay pode avalizar nossa intuição
sobre o processo de passagem, outro ponto comum entre critica genética e
tradução literária:
Longtemps, nous avons cru que la littérature tenait tout entière dans le
livre. À découvrir son devenir, nous avons compris qu'elle naissait et
existait encore dans un autre espace. En le parcourant, le critique
demeure fidèle à son rôle. Il lui faut être le passeur entre l'univers des
écrivains et celui des lecteurs, faire que le livre, dans leur main, ne reste
53
pas un objet,mais vive encore de toutes les vies qu'il a traversées.
L'ensemble constitué par les brouillons, les manuscrits, les épreuves, les
«variantes», vu sous l'angle de ce qui précède matériellement un
ouvrage quand celui-ci est traité comme un texte [...] On pose donc en
57
principe que l'avant-texte est (dans) le texte et réciproquement.
57
Citado por Almuth Grésillon, in: Éléments de critique génétique, p. 108.
58
J. Bellemin-Noël, Reproduire le manuscrit, présenter les brouillons, établir un avant-texte, p.33.
59
P-M de Biasi. L'avant-texte. Disponível em: <http://www.item.ens.fr/index.php?id=13588>.
Acesso em: 24 de maio de 2007.
31
texto móvel não ocupa um espaço físico. Assim, o sintagma pelo qual designamos
o prototexto da tradução pode, aí, funcionar como sinônimo de prototexto. Parece-
nos que a abordagem genética de um prototexto, oriundo de uma tradução inter-
língual, ou não, sempre faz o geneticista mergulhar no mais, no a mais, portanto
em um espaço terceiro onde se dá a unidade, do antes e do depois, no presente
de um movimento escritural. Presente e movimento hão de ser procurados. Nunca
sabemos se os encontramos. A busca é que importa por levantar interrogações.
60
A. Grésillon. Éléments de critique génétique, p. 109.
61
Na obra: A crítica literária do século XX, de Jean-Yves Tadié, o tradutor optou pela palavra
"antetexto".
62
Dicionário Houaiss.
63
Ibid.
32
nunca feito64. Ao contrário, ante, é um mero localizador. Com essa escolha lexical
a crítica genética brasileira diferencia-se, fazendo do prototexto uma entidade em
si e não somente um conjunto de documentos antes do texto. A partir daí, para
continuarmos a usar o termo, convém circunscrever o objeto por ele designado.
Em nossa pesquisa, ele é circunscrito aos manuscritos das três versões, uma vez
que trabalhamos na área da literatura. Portanto, é nesse âmbito que usamos a
palavra prototexto, para caracterizar o nosso objeto de estudo e recorte, que se
confundem. Essa entidade pode, a partir daí, constituir-se em terceira margem da
literatura. Pode configurar a margem da escritura, enquanto o texto, o escrito,
como linguagem-sistema, remete ao signo – a ausência da coisa – que define a
literatura. No entanto, como diz Meschonnic, não podemos escapar do signo por
ele ser a natureza própria da linguagem. Então, falando de escritura ainda
estamos falando de signo. O que possibilita a terceira margem é um
descentramento em relação ao signo. A terceira margem não permite a saída do
signo, permite “repérer les limites du signes et conceptualiser un autre modèle
culturel où on ne pense plus le discontinu du signe mais le continu”65. É este
contínuo que, para nós, define o movimento da escritura. De certa forma, essa
terceira margem tem algo “babeliano” por dar a ler um absoluto, uma plenitude
escritural, cujos leitores, o próprio escritor e o geneticista, respectivamente, cria e
decifra o movimento. Parece-nos necessário salientar como sendo peculiar da
terceira margem um tipo de escritura e um tipo de leitura.
64
Ver a citação p. 95.
65
Entrevista de Henri Meschonnic para a Radio Suiça Italiana, Rete 2, em 27/09/2003.
66
C. Almeida Sales. Crítica genética: uma introdução.
67
C. Almeida Sales. Crítica genética: uma (nova) introdução.
33
68
C. Almeida Sales. Gesto inacabado, p. 17.
69
C. Amigo. Pino, R. Zular. Escrever sobre escrever. Uma nova introdução crítica à crítica
genética.
70
Ibid., p. 49-91.
34
71
Ibid.
72
M. Contat. L'auteur et le manuscrit, 23.
73
Termo cunhado a partir de prototexto e seguindo a inovação da colega Isabel Faria de Lima que
criou o termo protopersonagem.
35
sua repercussão em uma prática tradutória outra. Tendo acesso ao arquivo CFA,
procuramos nele todo documento susceptível de integrar nosso dossiê
preparatório. Isto é, outros contos afins, correspondência ativa e passiva, diários,
material de pesquisa do próprio autor, e outros documentos, além das três
versões. Por outro lado, a construção do conto em forma de diário nos levou a
formular a hipótese de que os próprios diários do autor poderiam constituir uma
fonte. Consultamos, então, os diários de Caio F., que estão sob os cuidados de
sua irmã e cunhado. E, de fato, encontramos um caderno de 1969/1970 que se
revelou ser a matéria-prima da narrativa. O caderno passou a fazer parte de
nosso dossiê. Por ser inédito, não consta, em nosso dossiê, o texto publicado.
Analisando este dossiê, tentamos cingir a historicidade da escritura de Caio F.
entre 1968 e 197074. Não podemos dizer que estabelecemos um recorte
específico por se tratar de uma narrativa curta, por não visar uma análise teórica
específica, mas por almejar uma tradução. Contudo, pode-se dizer que não existe
critica genética pura, que seria uma mera descrição de rascunhos sem grande
interesse. Fizemos incursões teóricas, principalmente na psicanálise, na análise
do discurso e na lingüística.
74
Começamos em 1968 por ser a data de publicação do primeiro romance de Caio F, Limite
branco, que tem uma estrutura similar a do conto escolhido. 1970 é a data que consta no conto.
36
75
Citado por Fitch, in: Le langage de la pensée et l'écriture, p. 118.
76
Todas as definições são extraídas do glossário estabelecido por A. Grésillon, no seu livro:
Elementos de crítica genética. Página: Superfície do papel sobre a qual se escreve; cada página
representa a frente ou o verso de uma folha ou fólio.
77
Estado datilografado de um texto em devir, geralmente situado no fim da elaboração textual;
pode ser construído pelo autor ou por uma outra pessoa. Sinônimo: “datiloscrito”.
78
Um manuscrito é dito original quando ele porta uma intervenção escrita pela mão do autor sobre
todo o documento ou parte dele.
37
80
L. Hay. La littérature des écrivains, p. 177.
39
81
A. Grésillon. Elementos de Crítica Genética, p. 244.
40
82
Nietzsche le dit en 1882. Citado por Louis Hay, La littérature des écrivains, p. 159.
83
Aquele que domina a técnica da datilografia. Dicionário Houaiss.
84
C. Viollet. Architecture du dactylogramme. In: Genesis n. 10, 1996.
85
L. Hay. La littérature des écrivains, p. 160.
41
86
Ver página 51.
42
cena, cortar e colar a nova versão, era um inferno tal que eu preferia
87
deixar como estava.
editado. No entanto, o ato de ler, por ser tão espontâneo e inquestionável na sua
prática, quando inserido no contexto genético, pode ser assimilado ao ato de ler
tradicional, comum, natural. Não que a leitura genética seja uma aberração. Ela é
uma peculiaridade, uma idiossincrasia. Ela visa a ler o fazer, não o feito. O
transbordamento da escritura, derramada pelo scriptor, decorrente de uma fase
de leitura do escritor; leitura inerente à própria escritura ou campanha de
reescritura89.
89
Campanha de escritura: operação de escritura correspondendo a uma certa unidade de tempo e
de coerência escritural; depois de uma interrupção mais ou menos longa pode começar uma nova
campanha de escritura, que freqüentemente implica uma reescritura.
90
Nathalie Kremer. La lecture comme tableau: la microlecture entre révélation et réécriture. In:
Complication de textes: les microlectures, Fabula LHT, n. 3, 1, septembre 2007, URL. Disponível
em: <http.//www.fabula.org/lht/3/Kremer.html>. Acesso em: 20 de outubro de 2007.
44
91
H. Meschonnic. Pour la poétique II, p. 319.
92
H. Meschonnic. Poétique du traduire, p. 437.
93
«J'ai voulu dire ce que ça dit, littéralement et dans tous les sens.» Frase escrita por Rimbaud em
uma carta para sua mãe, citada por Isabelle Rimbaud in: Rimbaud mystique, Le Mercure de
France, Paris, juin 1914, p. 699 et suiv.
45
94
H. Meschonnic. Éthique et politique du traduire, p. 62.
95
La production littéraire entre l'écrit et la voix. In: Pourquoi la critique génétique, p. 173.
46
96
S. Bourjea, Voir la voix, Paul Valéry: le sujet de l'écriture, p. 121-155.
97
A. Grésillon. «Le langage de l'ébauche: parole intérieure extériorisée». [em linha], colocado em
linha em 7/11/2006. Disponível em: <http://item.ens.fr/index.php?id=14034>. Acesso em: 25 de
abril de 2007.
47
98
Valéry, CAH2, 823. Todas as citações dos cadernos (CAH) de Valéry são extraídas do site
<http://www.valery.fabula.org>. Acesso em: 25 de abril de 2007.
99
CAH1, 409.
48
de fato o geneticista na vida dessa troca maravilhosa. Contudo, ele revela que
essa vida existiu e já é um ponto nevrálgico que qualquer texto publicado nunca
mostrará. Nesse sentido, também, dissemos que o objeto de leitura não é o
manuscrito, são as marcas enunciativas, nos ruídos escriturais, do silêncio da
criação. É nessa leitura que se sente a performatividade do enunciado. Assim, a
leitura sinestésica provoca efeitos no leitor-geneticista-tradutor. Nesse sentido, ela
participa da necessária compreensão do fazer do texto visando às duas propostas
de nossa pesquisa. A analise genética dos manuscritos. A tradução via
manuscritos. Para nós, a compreensão sensitiva leva à recriação por provocar
efeito fisiológico que desencadeia o pensamento agindo no texto móvel e que se
revela pela sua exteriorização na criação do terceiro texto. Podemos dizer que um
efeito não se explica, ele se sente. Explicá-lo seria destruí-lo, interromper a
corrente sensitiva, o prazer do texto. Seria, em tradução, produzir um não-texto.
100
P. Valéry. «Stéphane Mallarmé», in Œuvre, t.1. p.624. Grifado por Valéry.
49
extático. Podemos dizer que a leitura dos manuscritos de Caio F. foi também
epifânica porque deu a sentir nitidamente a emergência de um dito que se quer de
alegria, mas permanece abafado nos meandros sibilinos do fluxo de consciência,
se dissimula na ausência de pronome, se rompe em prantos na rasura final
quando a esperança esvai-se.
101
Na apresentação de sua tradução de A filosofia da composição (Philosophy of composition) de
Edgar Poe. Citado por L. Hay, In La littérature des écrivains, p. 62.
102
Estado já relativamente acabado de uma elaboração textual; podem existir várias versões
manuscritas e/ou várias versões impressas de um mesmo texto.
50
Quand mon roman sera fini, dans un an, je t’apporterai mon manuscrit
complet, par curiosité. Tu verras par quelle mécanique compliquée
103
j’arrive à faire une phrase (Gustave Flaubert).
103
Carta a Louise Colet, 1852.
104
P-M. de Biasi. La génétique des textes, p.57.
105
Ph.Willemart. Bastidores da criação literária, p. 173.
51
106
Segundo Irène Fénoglio, pesquisadora do ITEM.
107
Ph.Willemart. Crítica genética e psicanálise, p.73.
52
Por outro lado, a rasura traduz a luta que o escritor trava com e contra a
palavra. Única forma, no caso do escritor, de concretizar seu pensamento, a
escritura revela-se uma faca de dois gumes. De um lado, ela deixa fluir a
expressão; de outro, se não a impossibilita, a limita. Neste sentido vai o conselho
de Hemingway: "Rasure: a palavra destrói o senso criativo”109, o que corrobora a
reflexão de Wittgenstein, dizendo que a linguagem limita a inteligência. Com
efeito, parece-nos que o escritor escreve apesar das palavras, da linguagem
escrita, como se fosse "escravo" dessas mesmas palavras. "Écrire enchaîne.
Garde ta liberté" disse Valéry. Muitos são os escritores que falaram desse
paradoxo. No seu livro, Les écrivains contre l'écriture, Laurent Nunez traça um
panorama dos autores do chamado Terror110. Para resumir, diremos que, com
essa denominação, ele designa os escritores111 que suspeitam e desgostam da
literatura, preferindo a realidade à arte. Todavia, esses escritores continuam a
escrever para "salvar" a escritura, tentando fazê-la reproduzir o real de modo
perfeito. Partem do princípio que a linguagem escrita não passa de uma
convenção e que as palavras são finitas, assim, não é possível inovar e a
repetição do mesmo é infinita. Portanto, os escritores do Terror sonham com a
descoberta do texto originário, primeiro. Contudo, mesmo se podemos rotular de
romântica essa atitude, não deixamos de notar a referência à busca do texto
primeiro, de Ph. Willemart, ou do alto original, de Guimarães Rosa. Por outro lado,
esses escritores procuram criar um texto virgem de intertextualidade, um texto
sobre o nada. Flaubert, também, desejava escrever um livro sobre nada. Será
Flaubert membro do Terror? Parece-nos que Flaubert, quando ele fala de
108
Ph.Willemart. Critica genética e psicanálise, p. 69.
109
Décimo conselho do autor no seu decálogo de conduta do escritor.
110
Segundo Paulhan, em Les fleurs de Tarbes ou la Terreur dans les lettres.
111
Paulhan, Valéry, Aragon, Cioran, Gide, Peret, Bataille, Leiris, Artaud, para citar alguns dos
nomes recenseados por Nunez.
53
112
"Si tu as bien écouté Novembre, tu as dû deviner mille choses indisables qui expliquent peut-
être ce que je suis". Carta a Louise Colet, Rouen, quarta, 2 horas, 2 de dezembro de 1846.
113
CAH2.1146.
114
Crise de vers. (le ver qui de plusieurs vocables refait un mot total, neuf, étranger à la langue).
Disponível em : <http://www.tierslivre.net/litt/mallarmé.CDV.html>. Acesso em: 25 de abril de 2007.
115
Artaud afirmava ter escrito um livro em uma língua que não era o francês mas que leitores de
qualquer nacionalidade podiam entender. Segundo o próprio Artaud, infelizmente, o livro
perdeu-se.
116
Ph. Willemart. Crítica genética e psicanálise, p. 68.
54
por sua mão”117. E a luta perdura, a escritura avança apesar das palavras. Essa
frase de Jean-Louis Baudry parece-nos a idônea ilustração dessa busca infinita:
117
Ibid.
118
J-L Baudry. Nos plus belles idées, p. 19.
119
Reescritura que intervém no gume da pena, imediatamente; ela é identificável graças a um
critério de posição: seu lugar é imediatamente à direita da unidade riscada, na mesma linha.
Reescritura que intervém depois de uma interrupção do gesto escritural, geralmente depois de
uma releitura; seu lugar está no espaço interlinear ou nas margens. Não consideramos o
processador de texto do computador que, nesse sentido, facilita o ato escritural. E, a título de
exemplo, citamos o caso da escritora Lya Luft que trabalha exclusivamente com o texto na tela do
computador: “Há muitíssimos anos trabalho só no computador. Nesse caso, com a facilidade de
transpor, deletar, modificar etc., aquele trabalho quase de palimpsesto ao menos para mim deixou
de existir”.
55
120
C. Viollet. Architecture du dactylogramme. In: Genesis, n. 10, 1996.
121
Ibid.
122
Tipo de substituição que consiste em não riscar a primeira unidade, colocando-a em cima ou
embaixo, mas em reescrever traçando a nova unidade sobre o próprio traço da unidade de partida;
procedimento comum para palavras breves ou correções gramaticais.
123
Operação de anulação de um segmento escrito, ou para substituí-lo por um outro segmento
(substituição), ou para retirá-lo definitivamente (supressão). Acréscimo: expansão sintática e
semântica por inserção de palavras, sintagmas ou frases suplementares, por exemplo: “sua mão”,
que se torna “sua branca mão”. Deslocamento: operação que consiste em trocar de lugar uma
unidade já escrita, por exemplo, transportar um episódio para uma outra parte da diégese de um
romance.
56
124
Almuth Grésillon. Éléments de critique génétique, p. 19.
125
Comparar e registrar as diferenças entre dois estados genéticos ou duas versões impressas de
um texto.
57
ser claramente definida quando palavras ou frases não se repetem nas outras
versões, quando somente nela atesta-se um estado determinado do texto em
devir. Já citamos o título como exemplo. No intuito de reforçar a justificação,
ampliamos os exemplos, tomando nas correções lexicais, a primeira ocorrência
da palavra “Lindo”126. Ela foi riscada no fluxo da escritura datilografada e a palavra
“Lento” foi acrescentada na entrelinha superior, começando, portanto, o parágrafo
e o conto. Nas versões 2 e 3, a palavra “Lento” permanece na mesmo posição e
no mesmo parágrafo mas já não pertence mais ao incipit127 do conto. O gesto
escritural inaugural é pontuado por uma rasura de substituição. Podemos intuir
que a correção não aconteceu logo após a escritura da palavra, pois nesse caso o
scriptor a teria riscado (xxx) no fluxo da datilografia e reescrito a nova palavra na
seqüência e no eixo sintagmático da mesma linha. Embasamos nossa análise na
comparação com as outras rasuras similares: as palavras substituídas sendo
todas escritas linearmente no fluxo da escritura mecânica. No conjunto gestual
limitado, com o uso da máquina de escrever, é uma solução de facilidade que
interrompe o menos possível o fluxo escritural, ilustrando ao mesmo tempo a
similaridade e a simultaneidade do ato de ler e de escrever.
126
Ver nos Anexos a reprodução do manuscrito.
127
Início de um texto impresso, mas também trabalho sobre um prototexto que deveria colocar-se
no começo de um texto; observando que os dois não coincidem necessariamente.
128
Suporte papel com formato variável cujas duas faces se chamam “frente” e “verso”; na tradição
do livro manuscrito, a folha, de grande formato, foi dobrada em dois, ou em quatro, ou em oito (de
onde vêm os in folio, in quarto, in octavo) antes de chegar ao formato do livro, do qual designava-
se as unidades então pelo termo de “folheto”; atualmente, esta diferença se apagou; assim, pilha
de manuscritos comporta tanto de “folhetos”.
129
Matéria sobre a qual vêm inscrever-se os traços manuscritos; para os manuscritos modernos, o
papel.
58
130
Esse conto foi publicado no Minas Gerais Suplemento Literário, v. 6, n. 232, p. 1-2, fev. 1971.
59
O que fez o autor parar a numeração? Será que foi neste momento que
ele acrescentou o texto manuscrito? Será que o texto manuscrito já havia sido
escrito? Podemos pensar que ele o escreveu depois dessa segunda campanha
de numeração pois ele está numerado uma única vez. Provavelmente no final da
primeira campanha de numeração, após ter relido o texto assim reestruturado, o
escritor-scriptor resolveu mudar de novo a estrutura, e foi no fluxo desta segunda
campanha, não somente de numeração mas obviamente de releitura, que ele
acrescentou ao texto um parágrafo manuscrito. Posteriormente, em uma outra
60
131
«C´est la comparaison avec ce procédé du blason qui consiste, dans le premier, à mettre un
second «en abyme»». Gide, André, Journal 1889-1939. «Pléiade»,p.41. In Le récit spéculaire,
p.15.
132
Restabelecemos a forma gramatical, o que consta no manuscrito é a forma "a muito tempo"
[sic].
133
A leitura do diário esclarece essas dúvidas que, contudo, precisam ficar ocultas para não
aniquilar o efeito procurado pelo escritor. Aqui, tentamos analisar o efeito como leitora.
62
134
P. Ricœur.Temps et récit II, p.171.
63
claras, pois o autor escreve para si e não está procurando criar efeito, mesmo se
o faz com uma escritura rebuscada e poética. Na passagem para a criação, o
escritor adota uma técnica narrativa, consistindo em tornar profundamente literário
o substrato. Com efeito, no diário, os pronomes sujeitos não são omitidos, a
identificação de quem fala, a quem fala, com quem fala é imediata.
135
Caio F. procedeu de uma forma similar à de Guimarães Rosa em Uma Estória de Amor,
quando ele aproveitou os diários de viagem no sertão mineiro, na elaboração do conto. O próprio
titulo escolhido por Caio F. remete à obra de Guimarães Rosa pelo qual ele tinha uma grande
admiração.
136
A técnica da colagem consiste em selecionar certos elementos em obras, objetos, mensagens,
conjuntos já existentes e a integrá-los numa criação nova para produzir uma totalidade original em
que manifestam-se rupturas de vários tipos.
66
que ele cita o título, porém com uma nuance: Breve história de peixes. No conto,
as anotações do dia 7 retomam a idéia sem mencionar o título. Na data de 11 de
junho, que consta no diário e no conto, o escritor retoma somente o que diz
respeito a seu estado de espírito, sua dor, sua angústia, à sua história de amor. A
mesma técnica repete-se no dia 17 e em todas as outras datas. Dia 22, no conto,
está mencionada a escritura do poema. A referência a venenos consta no dia 22
no diário de Caio F. e no dia 24 no conto. O dia 25, fragmentado, em tarde e
noite, não consta no diário. No conto, a frase do dia 25 aparece no dia 24, no
diário de Caio F.. O dia 26 de junho, de forma mais desenvolvida no diário e
contraída no conto, passa a idéia de não-concretização do almejado. No diário de
Caio F., as anotações, extensas e analíticas, do dia 30, relatam o acontecimento
que se deu no sábado. Ora, no conto, o mesmo acontecimento é relatado, de
forma concentrada e impactante no dia 27 de junho, portanto no sábado anterior.
Nesse mesmo dia 30, no diário, está mencionada a escritura de outro conto cujo
titulo é: Anotações para uma estória incompleta (título roubado de Myriam
Campello) [sic]. Não é possível dizer se remete ao mesmo conto, nas versões 2 e
3. Podemos intuir que escritura do diário e escritura do conto acontecem, se não
no mesmo dia, pelo menos em uma seqüência temporal muito próxima. No diário
de Caio F., as anotações do dia 30 relatam o acontecimento que se deu no
sábado, dia 27. No conto, o mesmo acontecimento é relatado no dia 27 de junho,
portanto no sábado. O conto termina no dia 28 de junho. É difícil dizer se as
anotações do conto foram anteriores às do diário, já que a versão 2, do conto,
porta a data manuscrita de 29 de junho. Não existe, no diário de Caio F.,
anotação nesse dia, nem no dia 28. Na versão 3 do conto, uma rasura manual
suprime a última anotação do dia 28, dando como data final o dia 27. A data
depois da assinatura é dia 29 de junho. Portanto, podemos pensar que o conto foi
finalizado antes de o autor voltar a anotar seu diário dia 30 de julho. Contudo, não
é possível confirmar a hipótese. Por outro lado, uma anotação interessante no
diário, em 1 de julho, deixa claro que as datas 27, 28, 29 de junho, são datas
chaves na vida do autor, pois nesses dias aconteceram coisas fundamentais para
ele. Outra hipótese é que o conto apresente um ciclo fechado de anotações, em
que coincidem tempo da narrativa, tempo da escritura, tempo dos
acontecimentos, que começam em 29 de abril e terminaram em 29 de junho, data
67
137
Esse conto, cujo manuscrito consta no Acervo Caio Fernando Abreu, na UFRGS, foi publicado
no Suplemento Literário de Minas Gerais. Belo Horizonte v. 5, n. 208, p. 8, ago. 1970.
68
Une note est un énoncé fragmentaire, souvent bref, qui peut être une
simple notation (le résultat de l'acte de noter), et qui peut aussi se greffer
sur un autre texte comme son commentaire et sa glose (une annotation)
138
(Anne Herschberg Pierrot).
138
«Les notes de Proust», colocado em linha em: 28 de março de 2007. Disponível em:
<http://www.item.ens.fr/index.php?id=13999>. Acesso em: 25 de maio de 2007.
69
139
Paul Valéry, CNRS 4, p. 371.
71
o scriptor, ao fazer esse gesto, está em uma fase intermediária, não desprovida
de criação, pois ele faz uma substituição lexical extremamente significativa.
Contudo, não podemos saber por que ele escreveu na entrelinha acima e não ao
lado da rasura. Embaixo dessa última frase, afastada do texto, consta uma data
manuscrita, em caneta azul: 29/6/70. Podemos emitir a hipótese que o tempo da
escritura da versão 2 e 3 ocorreu num mesmo e único dia, em 29 de junho de
1970, pois ambas portam a mesma data, inscrita na versão 2 de forma
manuscrita, e na versão 3 datilografada. Contudo, devemos emitir uma reserva,
considerando que o último dia do diário é 28 de junho, e que em nenhum
momento o ano está assinalado.
Definimos essa versão como sendo a terceira, por ser a mais elaborada, a
menos rasurada e por apresentar um texto incorporando as diversas modificações
efetuadas na versão 1 e na versão 2. Por outro lado, é visível que ela foi
"formatada", pois o título ocupa a primeira folha, fazendo ofício de capa, e o texto
foi assinado no fluxo da escritura à máquina.
140
CAH2, 999.
73
141
Trajeto da mão que conduz o traço; impulsão pessoal dada ao traçado das letras; variável
segundo o estado físico e psíquico do escritor.
74
escritor tenha repetido duas vezes a palavra, e que na releitura o scriptor tenha
decidido conservá-la uma só vez.
142
G.Leclerc. Le sceau de l'œuvre, p.160.
76
"Il n'est d'œuvres posthumes que celles des noms illustres, porteurs
d'autorité" diz Leclerc144. A obra de Caio Fernando Abreu é portadora de inegável
autoridade. Portanto, seus textos inéditos têm valor presumido, o que leva os
herdeiros a autorizarem e encorajarem uma publicação. É uma prova de
confiança, uma responsabilidade e uma façanha dar vida ao inédito de Caio F.
143
Écriture en acte et genèse de l'énonciation. Disponível em :
<www.item.ens.fr/index.php?id=13955>. Acesso em: 24 de maio de 2007.
144
G.Leclerc. Le sceau de l'œuvre, p. 166.
77
145
J.Bellemin-Noël. Reproduire le manuscrit, présenter les brouillons, établir un avant-texte.
146
Reforma instituída pela lei de 18 de dezembro de 1971, que aboliu: o trema nos hiatos átonos;
o acento circunflexo diferencial nas letras e e o da sílaba tônica de certas palavras, usado para
distingui-las de seus respectivos pares homógrafos, que têm as letras e e o abertas (com exceção
de pôde, que continua com acento por oposição a pode); o acento circunflexo e o acento grave
com que se assinalava a sílaba subtônica das palavras derivadas em que ocorre o sufixo –mente
ou sufixos iniciados por z. (Disponível em: <http://www.portrasdasletras.com.br>. Acesso em: 6 de
março de 2007).
78
margem direita, circulada e ligada por um traço ao lugar previsto para sua
incorporação: <Te sinto e te falo com a voz de Lorca: “amor de mis entrañas, viva
muerte.”> Na linha 6, incorporamos a rasura de supressão de : /Peito sobre peito/,
e colocamos uma maiúscula na palavra “nudez” que passa a iniciar a frase,
conforme a sobrecarga manuscrita.
147
I. Fenoglio, «l’autonymie dans les rectifications de lapsus», Colocado em linha, em: 21 de
setembro de 2006. Disponível em: <http://www.item.ens.fr/index.php?id=13726>. Acesso em: 03
de setembro de 2008.
80
teria visto e corrigido o erro. No entanto, ele não o vê. Contudo, não podemos
explicar essa cegueira, o que a provoca e a mantém. Só podemos dizer nosso
sentimento de estar face a um événement d'énonciation148, oriundo de um gesto
psíquico de escritura do qual o scriptor não é consciente, pois nenhuma
seqüência genética de correções é desencadeada. Segundo Irène Fénoglio, esse
gesto psíquico de escritura é a designação do conjunto complexo feito de
neurofisiologia, cognição, consciência, inconsciente, assim como do pensamento
reflexivo e imaginário149. Notamos que nas três versões do conto Caio F. substitui,
sistematicamente, a construção "há tempo" pela construção "a tempo". Graças à
materialidade do escrito, podemos notar essa diferença que uma enunciação oral
não permitiria reparar devida à homofonia. Seguindo a análise que Irène
Fénoglio150 realizou sobre os lapsos de Althusser, tentamos, senão analisar a
troca de "há" por "a" por se tratar de um lapso não corrigido, pelo menos
descrevê-la, formulando interrogações e intuições. No diário de Caio F., essa
forma "a tempo" não aparece, o autor usa a forma "há tempo". Podemos, então,
supor que ela está ligada ao processo da escritura criativa e não da escritura para
si.
148
I. Fénoglio criou o conceito de événement d'énonciation em 1995, a partir da noção de evento,
desenvolvida em filosofia por Badiou.
149
«Les événements d'énonciation graphique» colocado em linha em: 25 de setembro de 2006.
Disponível em: <http://www.item.ens.fr/index.php?id=13752>. Acesso em: 24 de maio de 2007.
150
Ibid.
81
151
L’autonymie dans les rectifications de lapsus. Ibid., nota 146, p. 69.
82
152
C.Almeida Sales. Gesto inacabado, p.29.
153
CAH1, 458-459.
154
Ibid., Valéry sublinha.
84
155
A. Grésillon, Le langage de l'ébauche: parole intérieure extériorisée. Disponível em:
<http://www.item.ens.fr/index.php?id=14034>. Acesso em : 25 de abril de 2007.
SEGUNDA PARTE
TRADUÇÃO LITERÁRIA
Cette réflexion ne présente pas forcément les visage d'une «théorie» [...].
Mais, dans tous les cas, elle indique la volonté de la traduction de
devenir une pratique autonome, pouvant se définir et se situer elle-
même, et par conséquent se communiquer, se partager et s'enseigner.
157
(Antoine Berman)
156
Thomas Abt, in. L'épreuve de l'étranger, p. 68.
157
Antoine Berman, L'épreuve de l'étranger, p. 12.
158
Umberto Eco, Quase a mesma coisa, p. 17.
159
Alina Ledeanu, Génétique et Traduction, p. 59.
87
160
Henri Meschonnic, Poétique du traduire,p. 97.
161
A.Berman. La traduction et la lettre ou l'auberge du lointain, p. 17.
88
162
DITL, Dictionnaire International des termes Littéraires, segundo o qual, o verbo em francês
“traduire” aparece pela primeira vez no século XIII com o sentido de “reprovação, crítica” e “pena,
castigo”. O sentido moderno data do século XVI. Por sua vez, o Dicionário etimológico da língua
francesa, de Oscar Bloch, atesta, p.61: Traduire « faire passer d'une langue dans une autre» 1535;
traducteur, 1540 (E.Dolet); [...] e, traduire «conduire d'une prison dans une autre, citer en justice»,
eme
XII .
163
Fragments I, n. 236, p. 77. In: A.Berman. L'épreuve de l'étranger. p, 171.
89
164
Ibid., p.170.
90
165
Carta a Louise Colet, 19 de setembro de 1852.
166
Em uma carta a Cazalis, concernente ao soneto em X.
167
M. Blanchot. La part du feu.
91
mais rápido ou mais simples, uma definição em negativo, mas não temos certeza
absoluta de poder resumir em poucos itens o que não é traduzir. Tal definição,
portanto, seria aporética?
Antes de Eco, Ricœur formulou o seguinte: "il est toujours possible de dire
la même chose autrement”172. Contudo, ao reexpressar-se em outras palavras
consegue-se, realmente, dizer a mesma coisa? Por mais equivalências que
ofereça o léxico, em tradução interna como em tradução externa173, é pouco
provável que se diga exatamente a mesma coisa. Pelo menos, no registro do
discurso. Inscrevemo-nos na posição de Eco: de fato, em outras palavras, diz-se
quase a mesma coisa. Portanto, falar de tradução é entrar no registro do quase.
Quase mais ou quase menos. A crítica da tradução, suspeitosa por essência,
tende geralmente para o quase menos e sua conotação pejorativa.
Traduzir é falar língua e falar texto para criar uma tradução-texto, sendo
imprescindíveis ambas as habilidades para fazer do tradutor um escritor. Assim, a
168
U. Eco. Quase a mesma coisa, p. 9.
169
Ibid.
170
Grifo nosso.
171
Ibid., p. 10.
172
P. Ricœur. Sur la traduction, p. 45.
173
Isto é intralingual e interlingual.
92
tradução não é uma categoria da lingüística, ela participa do espaço literário, pois
escrever não é copiar.
174
H. de Campos. Metalinguagem e outras metas, p. 47.
175
W. Benjamin. La tâche du traducteur, p. 252.
93
176
Mallarmé dizia: “[...] penser étant écrire sans accessoires [...]”. In: Crise de vers. La Pléiade, p.
363.
177
V. Hugo. Les Traducteurs, p. 113.
178
F. Garcia Lorca. Teoria y juego del duende.
179
H.R. Jauss. Pour une herméneutique littéraire, p. 357.
94
“l'une des tâches d'une herméneutique du traduire est la prise en vue du sujet
traduisant”180, isso, no intuito de embasar a crítica da tradução na objetividade do
sujeito escrevente, sujeito do enunciado tradutório. Nesse emaranhado de pontos
de vista dos estudiosos, muitas vezes conflitais, tentemos vislumbrar nossa
própria análise de como se dá e se escreve nossa compreensão.
180
A. Berman. Pour une critique des traductions, p. 73.
181
P. Ricœur. Sur la traduction, p. 45.
95
Victor Hugo disse que os tradutores têm uma função de civilização182. Sua
reflexão parece corroborar o que Berman qualifica de lado educativo da tradução.
Contudo, tendo em vista a carga amplamente normativa e prescritiva, tanto da
civilização quanto da educação, convém salientar que o nosso intuito, longe de
querer moldar, é puramente epifânico, no sentido de levar o leitor até o outro para
possibilitar o encontro e a hospitalidade.
182
V. Hugo. Les Traducteurs. In. Siècle 21, revue, p. 111.
183
J. Guimarães Rosa. Correspondência com seu tradutor italiano, p. 8.
184
H. Meschonnic, Poétique du traduire, p. 436.
96
185
As citações de Ch. Kiefer, M. Backs e E. Nepomuceno são todas extraídas de um questionário
que foi enviado e respondido por e-mail. Grifo de Kiefer.
97
186
A. Grésillon. Elementos de Crítica Genética Ler os manuscritos modernos, tradução do grupo
do Bacharelado em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul no âmbito do Projeto “A
Tradução no Instituto de Letras: da teoria à prática”, p. 18.
187
Usamos a palavra no gênero masculino, mas entendemos o tradutor e a tradutora.
188
Meschonnic Henri, Pour la poétique II, p. 47.
189
Meschonnic Henri, Poétique du traduire, p. 460.
190
Charles Kiefer respondendo ao questionário. Grifo do autor.
191
Ibid., p. 27.
192
T. Carvalhal. O próprio e o alheio, p. 227.
98
193
A. Berman. La traduction et la lettre ou l'auberge du lointain, p. 131.
194
R.Barthes. Le degré zéro de l'écriture, p. 16.
195
Actes des deuxièmes Assises de la traduction littéraire, Arles 1985, p.36.
196
Communication, traduction et transparence: de l´altérité du traducteur, Méta, n. 40, in: Le conflit
des énonciations. Traduction et discours rapporté, p. 376.
99
197
Tradutora literária, ensina a tradução literária em Paris VII, no Instituto Charles V e em
Bruxelas.
198
«Le staut du traducteur en France, in: Actes des deuxièmes Assises de la traduction littéraire en
Arles, 1986, p.180-189.
199
A psicanálise observa três tipos de trabalhos psíquicos: o trabalho do sonho, o trabalho do luto,
o trabalho da criação. Anzieu Didier, Le corps de l´œuvre, p. 19.
200
Ibid., p. 17.
201
U. Eco. Apostille au Nom de la Rose, traduzido do italiano por Myriem Bouzaher, p. 513. In: Au
nom de la Rose, Grasset, 1985.
202
Intitulado: contar o processo, (raconter le processus), ibid., p.513.
100
nous devons le lire, mais quels problèmes il s´est posé pour réaliser un effet
poétique”203.
203
Ibid., p. 513.
204
Ibid., p. 514.
205
Ph. Willemart. A pequena letra em teoria literária, p. 142.
206
I. Fénoglio. Ibid., p. 68, nota 140.
101
Parece-nos que essa poussée légère, essa leve puxada, é o que irá
"desencadear o processo escritural que põe em marcha a pulsão de escrever",
como explica Philippe Willemart. Por outro lado, esse principe d'incertitude, o
princípio de incerteza, caracteriza não somente a escritura mas também a
escritura tradutória, em suas várias camadas ou "consistências novas" sob efeito
do Terceiro que, de forma ininterrupta, faz alternar a presença do escritor-leitor e
do escritor-scriptor nas releituras, nos riscos, nas rasuras, nessa escritura em
207
M. Blanchot. L'amitié, p. 71.
103
processo, en friche, dizia Marguerite Duras, o que faz do manuscrito, do texto por
vir, un tissu de traces, como o qualificava Jacques Derrida.
208
J. Barrento. O poço de Babel, p. 85.
209
Salientamos a diferença entre Genética Textual que analisa os manuscritos, os classifica, os
decifra e pode editá-los, e Crítica Genética que interpreta os resultados dessa análise.
210
P-M. de Biasi. La Génétique des textes, p. 9.
104
211
H.Meschonnic. Poétique du traduire, p. 191.
212
V. Larbaud. Sous l´invocation de saint Jérôme, p. 65.
213
“L'image acoustique est par excellence la représentation naturelle du mot en tant que fait de
langue virtuel, en dehors de toute réalité de la parole”. In: Saussure Ferdinand de, Cours de
Linguistique Générale, p. 98.
214
H. Meschonnic.Poétique du traduire, p. 55.
215
Segundo Mallarmé. L'effet de fiction dans la poésie de Mallarmé.
216
E. Poe. Filosofia da composição.
105
217
Citado, em português, pelo professor Nei, A Mesa p. 128. In: Claude Lévesque &V. McDonald.
L´oreille de l´autre, p. 202.
218
O. Paz. Traducción: Literatura y literalidad, p. 14.
219
Ph.Willemart, Crítica Genética e psicanálise, p. 18.
220
H. Meschonnic. Poétique du traduire, p. 10.
106
“produit de l'écriture lu et transformé dans et par l'idéologie”221. Por outro lado, não
podemos esquecer que, por mais original que seja o texto dito original, ele não
passa de um original après-coup. Com efeito, é a tradução que faz dele um
original.
221
H.Meschonnic. Pour la poétique II, p. 25.
222
Tradutor e professor, fundador da disciplina intitulada «Theory and Practice of translation» na
Middlesex University de Londres, em meados dos anos 1990; responsável, no programa europeu
Ariane, da direção da rede de centros de formação profissional, “Le traducteur, lecteur et écrivain”,
atualmente diretor do British Centre for Literary Translation (BCLT).
107
226
"O termo performativo será usado em uma variedade de formas e construções cognatas, assim
como se dá com o termo imperativo. Evidentemente que esse nome é derivado do verbo inglês to
perform, verbo correlato do substantivo ação, e indica que ao se emitir o proferimento está se
realizando uma ação, não sendo, conseqüentemente, considerado um mero equivalente a dizer
algo". J. L. Austin. Quando dizer é fazer. Trad. de Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1990, p. 25.
109
O que está escondido sob a rasura, muito mais do que seu efeito – o
texto visível – é frequentemente o ponto de partida do scriptor e assinala
um não-dito do texto publicado. Por isto, sustentamos que o texto
229
publicado é a metonímia do manuscrito.
227
Fotografia que produz uma imagem tridimensional e que contém informação sobre a
intensidade e a fase de radiação refletida, transmitida ou difratada pelo objeto fotografado.
(Houaiss). É interessante relacionar holograma com holográfo (totalmente escrito pela mão do
autor), que poderia caracterizar o manuscrito.
228
Sentimos o efeito de concentração e de difração na segunda fase tradutória, quando
acompanhamos a sincronia da escritura.
229
Ph. Willemart. Crítica genética e psicanálise, p. 20.
230
I. Fénoglio. Une auto-graphie du tragique, p. 144.
110
232
Sourcier: que leva o leitor até a fonte; cibliste: que leva a fonte até o leitor.
233
C. Almeida Sales. O gesto inacabado, p. 28.
112
234
J. Authier-Revuz. Arrêt sur mot, citado em: I. Fénoglio. L'écriture et le souci de la langue, p.
118.
235
J. Barrento. O poço de Babel, p. 63.
113
Umberto Eco. Numa entrevista concedida a Irène Fénoglio, ele diz ter usado, na
gênese de O Pêndulo de Foucault, um programa de computador para organizar o
quadro (35 páginas) das estruturas narrativas e tê-lo enviado a seu tradutor inglês
com uma recomendação: "fais attention, parce que les rapports temporels sont
ceux-là, peut-être les as-tu perdus de vue, c'est possible, mais le lecteur doit en
être averti d'une façon subliminale, à travers l'emploi des temps verbaux”237.
Concluímos que, sem a consulta dessa parte do prototexto, o tradutor corre o
risco de amputar uma parte do holograma original recriando um original "aleijado",
não a nível superficial do semântico, mas a nível mais profundo que Eco qualifica
de subliminal, e que é imprescindível por fomentar o efeito. É nesse sentido que o
escritor francês Pascal Quignard afirma
237
I. Fénoglio. L'écriture et le souci de la langue, p. 183.
238
Scriptum: o escrito; scriptio: processo de textualização; operatio: ação de um poder que
provoca um efeito (sentido moderno – XIV). P. Quinhard. Petits traités, p. 124.
115
239
L.Vygostki. Pensée et langage, p. 365.
116
240
Ibid., p. 363.
117
241
Ph.Willemart. De qual inconsciente falamos no manuscrito. In: Manuscrítica, n. 5, p. 58.
242
Ibid., p. 59.
118
Il est par ailleurs généralement admis que traduire est la façon la plus
243
accomplie, la plus complète de lire (Freddie Plassard).
Traduire un texte est la manière, la plus parfaite la plus complète de le
244
lire (Jaume Pérez Muntaner).
249
H. Meschonnic. Éthique et politique du traduire, p. 157.
250
Sábado, 23 outubro de 2004. Caderno Cultura. Eric Nepomuceno é, entre outros, o tradutor de
Gabriel García Márques.
121
Procuro jamais ler antes de traduzir. Vou lendo conforme vou traduzindo.
É a maneira que tenho de me embrenhar no texto, mergulhar fundo, me
surpreender a cada dia, a cada fim de jornada de trabalho, a cada
252
começo. É como se estivesse escrevendo o livro.
251
Dois artigos nasceram desse diálogo. Um em português, publicado na revista de crítica
genética Manuscrítica, n. 14; outro, em francês, publicado na revista eletrônica de critica genética
francesa, Recto/Verso, n. 2.
252
Respondendo um questionário que enviamos por e-mail em julho de 2005.
253
Ver p. 125.
254
Tradução do romance de Gabriel García Márques, Memória de mis putas tristes.
122
quando não entendemos. O que quer dizer interpretar? Pensamos que é tentar
saber o que o autor quis dizer, enquanto que compreender é saber o que o autor
disse, de fato, no seu texto. Compreender remete à intentio operis e interpretar à
intentio auctoris. Parece-nos que o importante em tradução é o efeito produzido,
que há de ser reproduzido, e logo reconduz à intenção operis. Contudo, não é
uma regra, cada um tem a sua prática, ou segue instruções. Mas cada trabalho é
um caso especifico que deve passar por uma negociação, como diz Eco. No
entanto, estamos convencidas que existe uma diferença entre compreender e
interpretar. E que essa diferença sustenta a escritura tradutória. Compreender é
uma reação imediata, compreende-se ou não, logo. Sofre-se o efeito da
compreensão, ou da não-compreensão. Ao compreender, reescreve-se no
instantâneo o que está compreendido, o efeito que isso causou no tradutor.
Quando há não-compreensão, não há efeito espontâneo. Precisa buscá-lo,
explicando, especulando, imaginando. É a atitude idônea do leitor comum, pois é
o fito da leitura de desencadear questionamento. Mas, em tradução, equivale a
escrever uma elaboração própria a partir da interpretação da intentio operis,
porém a tradução não é um comentário. De uma certa forma, interpretando, o
tradutor não sente o efeito, é ele que o produz. Não se trata de proscrever a
interpretação em tradução, pois várias vezes não se pode escapar dela; contudo,
ela aparece como uma limitação da intentio operis.
255
W. Humbold. Introduction à l'œuvre sur le Kavi. Paris: Seuil, 1974.
124
256
H. De Campos. Metalinguagem e outras metas, p. 35.
257
A. Bensoussan. Traduction et création. L'ombre du géant. Disponível em: <http://www.lycée-
chateaubriand.fr/cru-atala/publications/bensoussan2.htm>. Acesso em: 03 de junho de 2007.
258
H. de Campos. Paul Valéry e a poética da tradução. In: COSTA, Luiz Angélico da (Org). Limites
da tradutibilidade, p. 201.
259
T. Carvalhal. O próprio e o alheio, p. 221.
260
H. Meschonnic, Poétique du traduire, p. 28.
125
La traduction se situe bel et bien dans la continuité d'un dire, d'un texte
préalable, mais, en le «reproduisant», en l'imitant, non plus seulement au
niveau de l'expression, mais du processus génétique lui-même, elle
contribue à le produire à nouveau, à faire œuvre d'invention et
d'innovation tout en continuant à relever du régime de l'intertextualité,
261
envisagée ici dans sa composante transformatrice plus qu'imitatrice.
261
F. Plassard. Lire pour traduire, p. 170-171.
126
genèse de l'écriture n'est pas un mirage. Elle repose sur un réel, écrit et
262
transmis, qui demande à être déchiffré et interprété.
Assim, não se pode evocar a gênese de uma obra sem entrar no espaço
genético. É o passo que há de ser dado, pois é patente, nas reflexões dos
estudiosos, que a necessidade de incursão nessa terceira dimensão está
aflorando. Com efeito, esboça-se a necessidade do recurso prévio ao processo
criativo do autor traduzido, ao seu fazer, à gênese de sua escritura, posto que o
tradutor, como autor, produzirá um novo espaço textual no qual ele exercitará sua
criatividade no e com a sua língua. Isto é, da mesma forma que o autor passou do
pensamento às palavras, por sua vez, o tradutor seguirá os mesmos passos, e é
porque "[le traducteur] s'est approprié les représentations mentales véhiculées par
le dire de l'auteur ou du scripteur et les a intégrées à son propre espace mental
qu'il est a même de les redéployer dans son propre langage, moyennant
«dissimilation» et reconstitution du parcours génétique”263. Essa frase de Plassard
ilustra plenamente nosso propósito; contudo, sustentamos que a partir do texto
fixo não se reconstitui o percurso genético. Por outro lado, parece-nos que a
referência ao scripteur não é no sentido do scriptor utilizado nos estudos
genéticos, mas para designar quem escreve. Por outro lado, Plassard tende a
relacionar o fato de a tradução literária ser criativa por aproximar-se do processo
de criação inicial:
262
A. Grésillon. La mise en œuvre, p. 96.
263
Ibid., p. 170.
264
Ibid., p. 169.
127
Assim, o fato dessa relação entre critica genética e tradução literária estar
subjacente nas reflexões dos estudiosos conforta nossa pesquisa.
Guimarães Rosa, para traduzir seu pensamento, para tentar dar a ler o
“texto móvel”, o "alto original" que obceca todo escritor, precisa fazer transbordar
sua língua materna; ele diz:
A linguagem e a vida são uma coisa só. Quem não fizer do idioma o
espelho de sua personalidade não vive; e como a vida é uma corrente
contínua, a linguagem também deve evoluir constantemente. Isto
significa que como escritor devo me prestar contas de cada palavra e
considerar cada palavra o tempo necessário até ela ser novamente vida.
O idioma é a única porta para o infinito, mas infelizmente está oculto sob
265
montanha de cinzas.
265
No catálogo de Instalação Grande Sertão: Veredas, concebida por Bia Lessa para a
inauguração do Museu da Língua Portuguesa, São Paulo, março 2006.
266
Segundo Eric Nepomuceno.
128
Por outro lado, os três autores definem-se como escritores que traduzem
e não como escritor e tradutor. Nepomuceno diz que, acima de tudo, ele não é
tradutor, "sou um escritor que traduz os amigos, ou, no máximo, alguma coisa que
seja extremamente curiosa". Charles Kiefer define: "Sou um escritor que traduz,
porque ao traduzir sinto-me um ser duplicado, metade escritor e metade tradutor.
No processo, não há nenhuma diferença. Sigo os mesmos procedimentos de
quando eu mesmo estou escrevendo um texto". E, Backes confirma: "Eu sou um
escritor que traduz. Sou um escritor, sempre quis ser um escritor, e por
circunstâncias de ordem objetiva também virei tradutor".
267
Ibid.
268
Ibid.
129
269
In. S. Bourjea (ed). Critique génétique et traduction, p. 5.
270
Partimos da tradução de Meschonnic embabelar. Poétique du traduire, p. 446.
271
Ibid., p. 457.
130
Então, quando Paul Ricœur sugere que, para avaliar o texto traduzido,
precisaria de um terceiro texto
Ele nos parece abrir a porta para a critica genética. De fato, esse espaço
vazio de texto pode ser preenchido pelo prototexto da tradução, que funcionará
como esse texto terceiro que não existe, pois o prototexto também não existe, e
ele não existe por existir “a mais”, em excesso. Isto é, ele é um texto além do
texto publicado, é o transbordamento da escritura literária. Ele não se situa no
mesmo plano; contudo, está no mesmo espaço literário, porém além dos eixos
paradigmático e sintagmático, ou apesar deles: “Ni synchronie, ni diachronie, une
anachronie de tous les instants”273. O manuscrito como o invisível do texto, como
uma excrescência legitimada pelo trabalho do geneticista em um gesto de
construção e recorte, e que revela um tipo de escritura estrelada, plena, por
272
P. Ricœur, Sur la Traduction, p. 39.
273
J. Derrida, Demeure, p. 53.
131
275
H. Meschonnic. Poétique du traduire, p. 191.
276
Ph. Willemart. Crítica genética e psicanálise, p. 20.
135
277
A. Grésillon. La mise en œuvre, p. 91.
278
V. Larbaud. Sous l'invocation de saint Jérôme, p. 77.
136
279
M. Laranjeira. Poética da tradução, p. 31.
137
língua para, nela e com ela, fazer e, portanto, refazer o efeito. Podemos, então,
falar de criação, de invenção e reenunciação de discurso.
280
As línguas não pro-drop, como o francês, não autorizam uma ordem inversa, verbo-sujeito. No
português, o parâmetro do sujeito nulo envolve também a possibilidade da inversão verbo-sujeito.
Não desenvolvemos o parâmetro pro-drop em todas suas ocorrências por remeter a um estudo
lingüístico fora de nosso propósito nesta análise. Limitamo-nos a dizer que o português é uma
língua pro-drop parcial. Por outro lado, a ordem das palavras não é livre, o substantivo precede o
adjetivo, a inversão é rejeitada.
140
281
A. Berman. La traduction et la lettre ou l'auberge du lointain, p. 131.
282
J. Barrento. O arco da palavra, p. 175.
283
H. Meschonnic. Pour la poétique II, p. 345.
284
O sintagma pareceu-nos idôneo para definir nosso pensamento; no entanto, Marcos Bagno usa
o conceito no âmbito sociolingüístico, em uma relação de poder.
141
Com "ando" ouve-se dois sentidos, "erro, vagueio", e "estou, me sinto". É essa
tensão carregada por "ando" que provoca um sentimento de mal-estar, de
desconforto, não alcançado por "estou". Na tradução é a mesma tensão que há
de ser mantida. Elimina-se, portanto, "je suis", "j'erre" que interpreta e retém um
só sentido. Optou-se por "je vais" que funciona como "anda" e mantém a
dubiedade. Verificamos que, no diário, o tempo do verbo está no imperfeito:
"andei muito perdido", e que a frase vem pontuar o fim de um ciclo em que o autor
ficou sem escrever, sem produzir. Na passagem para a ficção, ele coloca a ação
no presente para mostrar a continuidade de um estado de espírito.
285
J.G. Rosa. Correspondência com seu tradutor alemão, p. 116.
286
A. Berman. La traduction et la lettre ou l'auberge du lointain, p. 112-113.
143
car l'écriture suppose, elle aussi, une autre langue-reine, qui d'ailleurs a été
longtemps le latin”287. É nesse sentido que consideramos o tradutor como um
autor cem por cento, por ele criar seu discurso, escrever a sua singularidade e ter
sua terceira língua.
287
Ibid., p.113.
288
Hebraico.
289
Entrevista para Le monde des livres, em 21.02.08.
144
Por outro lado, intuíamos que ter acesso ao texto sagrado, na língua em
que ele foi escrito, nos daria a possibilidade de estudar como ele foi traduzido,
podendo aproveitar esse estudo em nosso processo tradutivo. Pois, como diz
Meschonnic:
290
H. Meschonnic. Éthique et politique du traduire, p. 73.
291
No salmo 62: Deus falou uma vez; duas vezes ouvi isto. Está dada a abertura do ouvido para o
sentido duplo.
145
292
Citação de Guimarães Rosa.
293
Tradução, em hebraico.
294
R. Barthes. Roland Barthes par Roland Barthes, p. 72.
295
R. Barthes. S/Z, p. 11.
146
langage, mais l'attitude la plus courante dans notre tradition culturelle”296. Assim,
quando Meschonnic, sempre ele, abre as veredas, o seguimos, pois, de certa
forma, trabalhar na anfibiologia do significante é, para o escritor-tradutor, sublimar
a sua tão conhecida solidão.
296
H. Meschonnic. Éthique et politique du traduire, p. 173.
297
J. Barrento. Poço de Babel, p. 106.
298
L. Aragon. D'un grand art nouveau: la recherche, Flammarion, 1979, p. 8. Essais de critique
génétique.
147
299
Artigo do jornal Le Monde, 1996. Da mesma forma, no seu livro Les testaments trahis, no
capítulo: Une phrase, ele crítica com virulência as traduções de Kafka. Por sua vez, no seu livro,
Escândalos da tradução, L. Venuti dirige uma critica ácida a Kundera acusando-o de querer
controlar as interpretações dos tradutores de seus livros, e de ter a visão ingênua que "a intenção
do escritor estrangeiro pode cruzar de forma não adulterada uma fronteira lingüística e cultural" (p.
17).
300
P. Blanchaud. Du problème que pose la révision des traductions littéraires par les éditeurs.
L'Atelier du Roman, n. 4, maio de 1995.
148
301
A. Berman. Pour une critique des traductions: John Donne, p. 13-14.
149
302
Citado na p. 106.
150
Todavia, o terceiro texto, por si só, não sustenta uma crítica. Ele deve
fazer parte de um conjunto, formado do texto de partida e do texto de chegada,
ocupando o espaço vazio que mencionou Ricœur. Nele estaria concentrado o
critério absoluto da tradução por excelência, a perenização do sentido: "Ce critère
absolu serait le même sens, écrit quelque part, au-dessus et entre le texte
d'origine et le texte d'arrivée. Ce troisième texte serait porteur du sens identique
supposé circuler du premier au second"303. Relembrando Eco, esse sentido
idêntico absoluto não existe, pois não se pode dizer a mesma coisa em outra
língua, somente quase a mesma coisa. Que seja. No terceiro texto, portanto, se
dá a gênese do quase. Por outro lado, o terceiro texto desmistifica a facilidade da
tradução e a revela em todo o seu complexo processo, da mesma forma que o
prototexto desmistifica as "musas" da inspiração e revela o suor no rosto do
escritor burilando seu texto.
303
P. Ricœur. Sur la traduction, p. 60.
304
A lei considera a obra do tradutor original somente na expressão; contudo, ele produz uma obra
do espírito. No Brasil, o tradutor, e sua obra derivada, são protegidos pela Lei nº 9.610. Na França,
o tradutor é considerado como um autor, seus direitos morais e patrimoniais são protegido pelas
leis: L. 131-4 et L. 132-6 do Código da Propriedade Intelectual.
151
305
A. Berman. Pour une critique des traductions: Jonh Donne, p. 65.
152
confundem, pois acabam não mostrando nada. Aí, parece-nos um ponto a favor,
pois o pronome só assume sua função sintática na língua não pro-drop e não
interfere na narração.
Por outro lado, há passagens que fluem, sobretudo no diário, como por
exemplo nas p. 3 e 4.
306
"Ils sont là depuis pas mal de temps, ils ne savent pas combien. Il pense: il faut que ça dure
longtemps". Ao em vez de: "Ils sont là depuis longtemps, ils ne savent pas combien. Il pense: il
faut que ça dure beaucoup".
154
307
A. Berman. L'épreuve de l'étranger, p. 249.
308
M. Blanchot. L'amitié, p.71.
309
A. Berman. Pour une critique des traductions: John Donne, p. 71.
310
Ph. Willemart. Crítica genética e psicanálise, p. 20.
155
311
A. Berman. Pour une critique des traductions: John Donne, p. 71.
312
Ibid., p. 171.
313
H. Meschonnic. Pour la poétique II, p. 307.
156
314
A. Berman. Pour une critique des traductions: John Donne, p. 73.
157
315
Ver o texto traduzido nos anexos.
158
318
Segundo a expressão de Berman.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Je conçois, quand à moi, que le même sujet et presque les mêmes mots
pourraient être repris indéfiniment et occuper toute une vie (Paul
319
Valéry).
É, de fato, como o disse Valéry, difícil colocar um ponto final, mesmo que
provisório, quando o trabalho enfoca a criação. Contudo, recapitulamos as etapas
da pesquisa e seus resultados.
319
Les cahiers, CAH2, 999.
161
texto que estávamos traduzindo, o texto fixado não portava mais fisicamente as
marcas de sua gênese, de modo que equivalia a traduzir um texto publicado.
Contudo, podíamos identificar, nele, o lugar das rasuras passadas por estarmos
imbuídos desse processo criativo longamente estudado.
320
Ver citação p. 154.
163
321
Citado por F. Plassard, in: Lire pour traduire, p. 223.
322
L.Hay. Disponível em: <http://www.item.ens.fr/atelier/cr/222.php>. Acesso em: 03 de junho de
2007.
164
323
J.Guimarães Rosa. Correspondência com seu tradutor alemão, p. 153.
165
lo, em uma porção do sistema literário, rotulando-o num gênero que o fechará
para sempre. Aí, estará consumida a traição e designado o eterno traidor. Assim é
o não-texto, ou texto legível que, segundo Barthes, faz o leitor mergulhar "dans
une sorte d'oisiveté, d'intransitivité, et, pour tout dire, de sérieux: au lieu de se
jouer de lui-même, d'accéder pleinement à l'enchantement du signifiant, à la
volupté de l'écriture[...]”324.
Para nós, essa terceira língua é a da tensão, que não interpreta, que
difrata e estilhaça o sentido no continuum do gozo semântico recobrado. Não se
trata de inventar palavras, somente de tocar o novo discurso no compasso
harmônico da desarmonização da norma, justamente para não desafinar, não
deixar o autor rouco, ou gago, ou mudo. Em outras palavras, essa terceira língua
para o tradutor-escritor "estar atento à emoção mais pura, à obsessão, e não
fazer uma tarefa maquinal. Escrever é o fio da navalha, é a tensão do acrobata, é
a bailarina na ponta dos pés, buscando a graça e a magia sem perder a tensão do
equilíbrio"325.
324
R. Barthes. S/Z, p. 10.
325
Eric Nepomuceno.
166
que deve ser traduzida. Entendemos, também, que somente o manuscrito pode
abrir-nos esse mundo.
326
S. Bourjea. Génétique et traduction, p. 7.
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