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RESUMO: O artigo tem por objetivo reconstruir, a partir da visão dos idosos, as suas
impressões sobre as relações de sociabilidade e solidariedade da infância à velhice. Os
dados foram coletados através de dezoito relatos pessoais. Os dados revelam a
ocorrência de uma série de mudanças na vida dos idosos e da família, influenciadas
pelos acontecimentos socioculturais, novas regulamentações do Estado em relação à
sociedade e família e novas formas de proteção social.
Palavras-chave: Velhice; Família; Memória.
ABSTRACT: This article aims at reconstructing from the perspective of the elderly,
their impressions on the sociability and solidarity relations from childhood to old age.
The data were collected from eighteen personal testimonies. The data reveal the
occurrence of a series of changes in lives of the elderly and their families, influenced by
socio-cultural events, new regulations of the State in relation to society and family and
new ways of social protection.
Keywords: Aging; Family; Memory.
O presente artigo faz parte da discussão realizada em minha tese de doutorado intitulada “Mudanças e Permanências
nas relações de sociabilidade nas famílias de idosos”, defendida no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social.
Escola de Serviço Social/UFRJ.
Barros, J.C., & Barros, M.M.L.de. (2014, dezembro). Memórias de Velhos: Rememorando a Trajetória de Vida e a
Sociabilidade nas Relações Familiares. Revista Kairós Gerontologia,17(4), pp. 337-358. ISSN 1516-2567.
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Introdução
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não são mais os mesmos, visto que sua percepção se alterou, assim como o significado
que atribuem às relações sociais ao longo da vida.
No resgate de suas trajetórias, os entrevistados voltaram o olhar para o passado,
reconstruindo sua história, sobretudo a partir das relações familiares, haja vista que
eram os pais que organizavam a experiência de socialização a partir de regras morais e
religiosas com estrutura hierárquica e conservadora em sua essência, na divisão interna
do trabalho e de papéis nas relações matrimonial e filial (Moragas, 1997).
Com relação às características das famílias, estas eram extensas, organizadas em
unidades de produção fundamental no processo reprodutivo, seja por meio da
agricultura familiar ou no setor de serviços, nas cidades de pequeno porte do interior do
país. Todos os membros da família realizavam tarefas bem definidas, sendo o resultado
do trabalho voltado para satisfação das necessidades básicas da família, como mostram
as narrativas abaixo:
“Nossa avó criou cinco netos vendendo pão caseiro, lavando roupa
pra fora. Ela morreu, eu acho que tinha uns 90 anos. O idoso fazia
de tudo até morrer.” (Isaura).
A “labuta” dos pais e avós dos narradores foi rememorada como uma rotina
constante na vida, seja no plantio de roças, seja no trabalho na cidade, quando
realizavam serviços de pouca remuneração e reconhecimento social, em um período
histórico quando a maioria não possuía qualquer tipo de proteção social (Batista, 1999),
vindo estes a trabalhar até o momento em que não possuíssem mais forças físicas.
Para os entrevistados, as condições de vida de outrora eram mais difíceis, sendo
corriqueiros o apoio e o acolhimento por parte de seus pais em suas propriedades, após
o casamento, ajudando-os materialmente e sendo responsáveis pelos cuidados com os
netos. E ainda os pais, que mantinham autonomia física até a velhice, permaneciam
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Com o objetivo de garantir o anonimato das pessoas idosas, utilizaram-se nomes fictícios para referir cada
participante durante a exposição dos depoimentos.
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sendo autoridade, principalmente para os filhos que conviviam com, ou próximo a estes,
quando as suas determinações eram acatadas com resignação. Apenas quando os
entrevistados adquiriam independência econômica, ou saiam para trabalhar em outras
propriedades, passavam a obter relativa autonomia quanto à autoridade parental.
De acordo com os entrevistados, os relacionamentos se centravam na rede de
convívio das famílias, facilitada pela proximidade geográfica, baseada nos costumes e
valores marcados pelas tradições locais. As mudanças incorporadas nessas relações
ocorriam de forma muito lenta, sugerindo um cotidiano rotineiro, preservado por várias
gerações.
O modo de viver nas cidades de pequeno porte não se diferenciava muito do da
zona rural no que se refere aos grandes quintais com plantações de muitas árvores
frutíferas, hortas e criação de pequenos animais, assim como a luta pela sobrevivência
com o “trabalho dos braços”, produzindo quase tudo que necessitavam para a
sobrevivência familiar. Nas relações estabelecidas, seu Benedito, um dos entrevistados,
relembra um cotidiano marcado por muitas trocas de bens produzidos ou adquiridos nos
negócios, uma vez que no modo de viver não envolvia quase nenhuma circulação de
dinheiro, contexto cujo modelo era eminentemente agrário.
Com rendimento precário e instável da família, tornava-se necessário aprender a
fazer de tudo e a produzir quase tudo de que necessitavam com a utilização de técnicas
rudimentares, tendo sido comum nos depoimentos a informação sobre o cultivo de uma
pequena horta de fundo de quintal e a criação de frango e porcos que, associados ao
acesso aos frutos do cerrado e aos peixes nos rios, favoreciam a fartura na sobrevivência
familiar.
A inserção dos entrevistados nas relações de trabalho se dera desde a tenra idade
por meio da linguagem e da observação dos movimentos repetidos das pessoas mais
velhas, que eram os responsáveis pela transmissão da tradição e cultura, representantes
da memória coletiva:
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“Antigamente era só olhar e olha que nós era dezessete, treze do meu
pai e quatro adotados, e tudo obedecia.” (Chica).
“Os filhos tinham mais respeito pelos pais, antigamente tinha, não sei
se é porque a gente tinha medo de pau [de apanhar]. Respeitava
direitinho, mais como que é diferente de hoje.” (Vera).
As falas dos entrevistados acerca da autoridade dos pais encontram guarida nas
reflexões anteriores, pois, ao contarem suas histórias, rememoraram acontecimentos,
como a educação recebida baseada em rígidos princípios transmitidos pelos pais,
envolvendo castigos corporais, regras verbais e não verbais, ou regras “silenciosas”
expressas pelo corpo.
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A procedência rural e a distância da área urbana fizeram com que os pais de seu
João, por morar próximos a outras famílias, organizassem-se para arcar com o
pagamento de professor particular que era rigidamente fiscalizado em relação ao
conteúdo transmitido e comportamento em sala de aula:
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“Eu sei ler um pouco, isso ajuda. Mas, eu fiz muitos cursos de
trabalho manual e o meu pai me ensinou a mexer com injeção, fazer
curativo, a trabalhar na roça, fazer sabão. Era seis irmãos e só eu de
mulher, mas ele não deixava eu sem produzir, não. Até para varrer
uma casa, ele fazia e perguntava: olha como eu fiz, tá bom assim?
Era assim que ele ensinava.” (Bernadina).
De acordo com Dona Bernadina que frequentou pouco os bancos escolares, seus
conhecimentos são resultado da socialização familiar, realizada na convivência do dia a
dia, quando lhe foram transmitidos valores, crenças, comportamentos que,
incorporados, garantiram a continuidade das tradições e saberes dos grupos familiares.
Os que não frequentaram a escola expressaram-se desta forma:
“Nós não sabe ler, nem escrever, mais fazemos conta de cabeça
[referindo-se a ela e ao marido]. Isso nós pagamos um professor para
ensina. Precisava, nós trabalhava com vendas”. (Estela).
“Não estudei nem um ano. Nós foi criada no sertão que ninguém
sabia o que era uma bicicleta, carro. Ninguém sabia o que era uma
professora. A educação que os pais davam era a trabalhar, ensinou
nós a respeitar.” (Margarida).
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para o acesso à educação, haja vista que esses espaços eram marcados pela precariedade
social. Em caso de necessidades como tratamento médico, justiça, e até mesmo a ida à
Igreja paroquial, as pessoas tinham que se deslocar para a cidade.
Confirmando esta assertiva, os narradores que vieram, ainda na infância, para a
área urbana tiveram mais oportunidades educacionais, permanecendo por mais tempo na
escola, conforme relata dona Chica, Vera e Benedito que concluíram a 8ª série do antigo
ginasial, como se falava à época.
Os que frequentaram a escola foram unânimes nos relatos quanto aos métodos
educacionais autoritários, em que os castigos corporais constituíam normas
estabelecidas culturalmente, principalmente a palmatória.
Em síntese, a formação dos narradores oriundos do meio rural basicamente
ocorrera pela transmissão oral realizada pelos pais, parentes e poucos vizinhos, já que o
“esquecimento” do trabalhador rural por séculos no Brasil fazia com que estes vivessem
segregados, alheios aos acontecimentos políticos e sociais, pelas dificuldades de
comunicação, transporte e de políticas públicas que contemplassem esses trabalhadores.
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Contudo, o fato é que seus filhos frequentaram poucos anos de bancos escolares,
pressionados pelas necessidades vivenciadas pelas famílias, ingressaram precocemente
no mercado de trabalho, nos afazeres domésticos, no cuidado dos irmãos, perpetuando a
prática do trabalho infantil para ajudar no orçamento familiar.
A pouca escolaridade dos filhos da maioria dos entrevistados impeliu-os a que
também ocupassem vagas de posição hierárquica subordinada e de menor escala em
termos de posição funcional e/ou ingressassem no mercado formal de menor
remuneração. Dos treze chefes de família entrevistados somente três filhos, um em cada
família, concluíram o ensino superior, enquanto nas demais a escolaridade variaou entre
ensino ginasial incompleto e 2ª grau completo e incompleto. Alguns optaram por cursos
de curta duração, o que favoreceu o ingresso no mercado de trabalho.
Em síntese, um conjunto de fatores como a ausência, por décadas, de uma
política governamental para a educação, sua fragilidade, a não acessibilidade dos
entrevistados ao ensino, bem como a necessidade de permanecerem nas relações de
trabalho, contribuíram para a reprodução da vulnerabilidade social, embora estes fatores
não tenham sido impeditivos para a transmissão dos legados culturais e tradições.
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medida em que o outro é considerado um ser expulso não só dos meios modernos de
consumo, mas do gênero humano.
Entre o passado e o presente, mesmo vivenciando a velhice com muitas
privações, devido à ausência de acesso a bens sociais, culturais e econômicos, os
narradores consideram estar vivendo o momento do “descanso” e “tranquilidade”,
principalmente se comparado com outros períodos de suas vidas e da velhice de seus
pais que tiveram uma trajetória de pouco acesso à proteção social. No que concerne a
este aspecto, seu Ciro expressa “[...] se falta força pra continuar trabalhando, você já
tá encostado”, referindo-se ao amparo assistencial.
Outro aspecto que leva as mulheres a afirmarem que o trabalho na atualidade é
“mais brando” está no fato de que todas possuem eletrodomésticos que facilitam a
realização das tarefas diárias; mesmo estes equipamentos sendo de menor tecnologia,
sua importância é expressa assim: “facilitam a vida”, como descreve dona Bernadina,
70 anos: “Velhice é o período mais folgado da vida, as coisas estão melhores do que
antes [juventude]. A vida hoje é mais fácil do que antigamente, a máquina de lavar
[tanquinho de bater roupa], geladeira, máquina de costura, água na torneira, ônibus na
rua, isso ajuda muito”.
Para homens e mulheres das camadas populares que viviam basicamente da
força de seu trabalho desenvolvido de forma autônoma, a aposentadoria ou benefício
assistencial aparece como um marco de mudança na vida e, ao mesmo tempo, uma
segurança diante das privações e instabilidades constantes que permeavam suas vidas.
Dando continuidade às suas narrativas, ao se referirem aos projetos de vida,
apresentaram as expectativas em consonância com as discussões de Lins de Barros
(1989), ao afirmar que a velhice não impede a elaboração de projetos de vida futuros,
sendo estes claramente vinculados à trajetória de vida. No entanto, os projetos
vislumbrados vinculam-se muito mais à necessidade de continuar atendendo à
reprodução familiar, isto é, aos seus filhos, netos e bisnetos do que em relação a si
mesmas.
A educação consistiu um dos projetos de vida mencionados por quatro dos
narradores, dentre eles dona Joana e Helena que, em vista do modo de vida duro de
trabalho na infância na roça, não frequentaram a escola. Na velhice, afirmaram que
mesmo com as mãos calejadas e enrijecidas para desenhar as letras e/ou gravar o que a
professora ensina, resolveram enfrentar pela primeira vez os bancos escolares por meio
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Recebido em 06/10/2014
Aceito em 02/12/2014
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