O documento discute as famílias no Brasil e as reflexões necessárias para o debate sobre o tema. Primeiro, define família como um fenômeno complexo que abrange diferentes realidades além das relações de parentesco. Segundo, enfatiza a importância do diálogo entre saberes e de estudos locais para entender a realidade brasileira. Terceiro, destaca a necessidade de situar os sujeitos historicamente sem esquecer suas vivências cotidianas.
O documento discute as famílias no Brasil e as reflexões necessárias para o debate sobre o tema. Primeiro, define família como um fenômeno complexo que abrange diferentes realidades além das relações de parentesco. Segundo, enfatiza a importância do diálogo entre saberes e de estudos locais para entender a realidade brasileira. Terceiro, destaca a necessidade de situar os sujeitos historicamente sem esquecer suas vivências cotidianas.
O documento discute as famílias no Brasil e as reflexões necessárias para o debate sobre o tema. Primeiro, define família como um fenômeno complexo que abrange diferentes realidades além das relações de parentesco. Segundo, enfatiza a importância do diálogo entre saberes e de estudos locais para entender a realidade brasileira. Terceiro, destaca a necessidade de situar os sujeitos historicamente sem esquecer suas vivências cotidianas.
O documento discute as famílias no Brasil e as reflexões necessárias para o debate sobre o tema. Primeiro, define família como um fenômeno complexo que abrange diferentes realidades além das relações de parentesco. Segundo, enfatiza a importância do diálogo entre saberes e de estudos locais para entender a realidade brasileira. Terceiro, destaca a necessidade de situar os sujeitos historicamente sem esquecer suas vivências cotidianas.
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TTULO: FAMLIAS E SERVIO SOCIAL ALGUMAS REFLEXES PARA O DEBATE
AUTORA: Rita de Cssia Santos Freitas PROFISSO: Assistente Social - Docente VINCULO INSTITUCIONAL: ESS-UFF TTULO ACADMICO: Mestre em Servio Social (UFRJ, 1995) e Doutora em Servio Social (UFRJ, 2000). ENDEREO: Rua Dr. Arthur Tibau, 05, apto 1108, So Domingos Niteri. 24240-160 Niteri RJ TEL: (21) 3027-4764 e (21) 8571-2925 E-mail: ritacsfreitas@uol.com.br VINCULAO AO EIXO TEMTICO: Classe Social, Gnero, Raa/Etnia, Gerao, Diversidade Sexual e Servio Social FORMA DE APRESENTAO: Mesa Temtica Coordenada APRESENTADORA DO TRABALHO: Rita de Cssia Santos Freitas (UFF) 2
FAMLIAS E SERVIO SOCIAL ALGUMAS REFLEXES PARA O DEBATE
No, nem a pergunta eu soubera fazer. No entanto, a resposta se impunha a mim desde que eu nascera. Fora por causa da resposta contnua que eu, em caminho inverso, fora obrigada a buscar a que pergunta ela correspondia (Clarice Lispector, escritora).
Esse texto reflete o dilogo de trs professoras em seus cotidianos em sala de aula, no contato com alunos, nas supervises e orientaes, em seminrios e congressos e nas reunies de pesquisa 2 . O contato com os alunos e suas angstias talvez seja o maior motivador dessa forma de escrito/bate papo que tentamos fazer aqui. Assim, iniciamos problematizando o tema famlia e dessa forma, nos aproximamos da noo de circulao de crianas (FONSECA, 1996). Num segundo momento refletimos acerca das famlias hoje e discutimos proteo social. Esse caminho nos levou a pensar, em nossas consideraes finais, a centralidade das famlias (e das mulheres) nas polticas hoje.
FAMLIAS EXISTE UM TEMA MAIS FAMILIAR? Famlia, famlia / Almoa junto todo dia / Nunca perde essa mania (Arnaldo Antunes Toni Bellotto, msicos)
Existe algo mais familiar do que a prpria famlia? Em sala de aula, sempre relembramos a advertncia de Pierre Bourdieu (1998) que precisamos nos afastar tanto do olhar do estrangeiro para quem tudo extico como do olhar do nativo para quem tudo natural. somente assumindo essa postura que podemos desnaturalizar esse fenmeno e v-lo em sua complexidade. Falar sobre famlias e a nfase no plural importante e faz toda a diferena significa pens-las em suas relaes tanto com a sociedade mais ampla onde se inserem como tambm nas formas como estas se atualizam na vida diria das pessoas que lhe do concretude. Por outro lado, no podemos esquecer que a famlia faz parte de nossa vida a mais privada (Sentamos juntos todo dia!). Ns, assistentes sociais, temos nossas prprias famlias (e modelos) e, nas instituies trabalhamos com elas em sua diversidade. Temos como pressuposto que pensar a famlia na sociedade contempornea significa ter como horizonte que vivemos num mundo cada vez mais globalizado, onde a reestruturao do trabalho e a retrao do Estado na rea social so realidades com que temos de lidar. As transformaes demogrficas constituem-se em outro fator indispensvel para se pensar famlia hoje. Assim, localizando a famlia na complexidade da sociedade
1 Professoras da Escola de Servio Social da Universidade Federal Fluminense. 2 No Ncleo de Pesquisa Histrica sobre Proteo Social/Centro de Referncia Documental (NPHPS/CRD), coordenado pela professora Rita Freitas. 3
moderna, tendo como pressuposto sua pluralidade e a perspectiva de que os sujeitos sociais so sujeitos em transformao que iniciamos nosso texto. Nesse sentido, sem negar a importncia do fator econmico, enfatizamos tambm a dimenso do simblico e do cultural como dimenses importantes para discutirmos famlias. Por isso, fundamental a ateno para a formao histrica brasileira a nossa histria para conhecer essa realidade. Primeiro, necessrio definirmos o que podemos entender por este termo: famlia. O que significa? O que a caracteriza? So as relaes de parentesco, os laos sangneos que a definem? Ou a proximidade fsica, a convivncia entre as pessoas? A famlia constitui-se de pai, me e filhos ou congrega avs, tios, padrinhos, primos que moram numa mesma casa? Uma casa onde s moram mulheres no deve ser entendida como uma famlia em virtude da ausncia da figura masculina? E nos casos em que o pai mora sozinho com os filhos? Aprendemos que as relaes de parentesco so resultados da combinao de trs relaes bsicas: a descendncia entre pais e filhos; a consanginidade entre irmos; e a afinidade a partir do casamento, sendo a famlia considerada como o grupo social atravs do qual se realizam estes vnculos. Contudo, temos convivido com realidades diferenciadas que conformam a constituio deste fenmeno (famlia) para alm das relaes de parentesco. Pensar famlia hoje pressupe seu entendimento enquanto um fenmeno que abrange as mais diferentes realidades. O indivduo est constantemente envolvido em redes de significado (GEERTZ, 1997). A vida social organizada a partir de modelos, de regras culturalmente elaboradas; a partir desses modelos, dessas regras que os indivduos vivem sua vida cotidianamente e se relacionam uns com os outros. Mas esses modelos no so estticos. importante enfatizar essa diversidade de respostas possveis, para podermos escapar a uma leitura dicotomizante e empobrecedora. fundamental sair da polaridade famlia estruturada X famlia desestruturada. no meio dessa diversidade que trabalhamos. Dessa forma, a partir dessas leituras que vamos definir famlia enquanto um processo de articulao de diferentes trajetrias de vida, onde se entrecruzam as relaes de classe, gnero, etnia e gerao. Alm do lugar de reproduo biolgica e tambm social e afetiva , o lugar onde se entrecruzam as relaes sociais fundadas na diferena dos sexos e nas relaes de filiao, de aliana e coabitao (LEFAUCHER, 1991, p. 479). Segundo, uma das coisas que temos aprendido a necessidade de estabelecer dilogos alm das fronteiras do servio social, buscando a articulao com outros saberes. Temos certeza tambm da necessidade de nos voltarmos aos estudos locais; ainda que a literatura internacional sirva como elemento de comparao, so importantes estudos sobre a realidade brasileira, sua histria e cultura no se pode discutir famlias, por exemplo, 4
esquecendo nosso recente passado escravagista para podermos entender como algumas prticas de longa durao histrica persistem nos dias de hoje. Nesse sentido, o recurso demografia, antropologia e histria fundamental. Foi a partir destes estudos que pudemos ir conhecendo, que mesmo no perodo colonial a casa grande e a senzala no eram as nicas realidades possveis como viviam os brancos pobres nesse perodo? E as famlias escravas, como se constituam? E as relaes entre brancos, escravos e ndios? Essas questes esto sendo alvo de estudos recentes e podem nos ajudar a conhecer melhor nosso passado. Especialmente o recurso antropologia , em nosso entender, central para o assistente social. A perspectiva de compreender a famlia como uma realidade em rede e no nuclearizada deve-se em grande parte aos estudos antropolgicos como os de Claudia Fonseca (1990 e 2002) e Cinthya Sarti (2003) e, saindo da antropologia, o livro clssico de Elisabeth Boot, Famlias e redes (1976). Terceiro, enfatizamos sempre com nossos alunos a importncia de no esquecer os sujeitos em suas anlises, mas enfatizamos tambm a necessidade de situar esses sujeitos historicamente; afinal, j dizia Ginzburg (1991), da cultura do nosso sculo e de nossa classe a gente no sai facilmente a no ser num estado patolgico. Os diferentes modelos de convivncia e relacionamento esbarraram no dia-a-dia, na realidade concreta onde as pessoas vivem e sentem (e para os quais tem que encontrar respostas e criar estratgias cotidianamente). Se hoje o modelo hegemnico a famlia nuclear, no podemos negar que o recurso s avs, parentes e vizinhos continua sendo prtica cotidiana, principalmente em nossas classes populares fazendo emergir de novo uma famlia extensa, ainda que as pessoas no convivam na mesma casa (SARTI, 2003). Alguns textos clssicos como o de Woortman (1987) ou o de Sarti (2003) mostram como as famlias pobres se aglutinam em torno de um eixo moral onde as mulheres ocupam posio central. A famlia das mulheres que nos fala Woortman e que pode ser remetida tradio das famlias de santos uma realidade que nos acompanha e que no pode ser vista como desviante, mas sim como a construo possvel das relaes familiares construdas no cotidiano dessas pessoas. Dessa forma, fundamental desnaturalizar essas relaes, tentando melhor conhecer esse fenmeno to familiar e to diverso em nossos dia-a-dia.
A circulao de crianas conceito fundamental para pensar a famlia brasileira Me quem criou (Cludia Fonseca, antroploga)
A coletivizao no cuidado das crianas vem caracterizar o que Cludia Fonseca (1990 e 2003) chama de circulao de crianas um conceito que consideramos central para o estudo das famlias brasileiras. Este fenmeno pode ser entendido relacionado aos rearranjos conjugais (com a realizao de novas unies, por exemplo), mas no s a esses. 5
Frente s grandes dificuldades econmicas, a internao dos filhos em escolas particulares ou a sua circulao entre amigos ou parentes aparece como uma alternativa importante em vrios segmentos de classe. Segundo Sarti (2003), o cuidar dos filhos dos outros, muitas vezes, seus prprios netos, faz com que se mantenha aceso os vnculos de sangue, junto aos de criao, atuando ambos na definio dos laos de parentesco, o que vem atualizar um padro de incorporao de agregados que lembra aquela mesma famlia brasileira descrita por Freyre (2005). Como o aborto, moralmente recusado, uma alternativa para essas mulheres dar os filhos para criar, o que no necessariamente uma expresso de desafeto. No temos dvidas em afirmar que o fenmeno da circulao de crianas central para discutirmos a famlia brasileira, pois faz parte de nossa cultura familiar. A expresso circulao de crianas denomina a transferncia e/ou partilha de responsabilidades de uma criana entre um adulto e outro. Esse um exemplo tpico de praticas realizadas por toda parte do mundo, sendo adaptada a cada realidade scio- cultural. Interpretar esse fenmeno como abandono descaracterizar o sentido dessa palavra; no considerando as questes que motivam essa dinmica e acima de tudo, desconsiderando as diferenas de outras realidades sociais 3 . A importncia do estudo antropolgico realizado por Cludia Fonseca a demonstrao de que o modelo de famlia nuclear/ moderna no est ao alcance de todos (material e simbolicamente falando). Como relembra Sarti, no universo cultural dos pobres, no esto dados os recursos simblicos para a formulao deste projeto individual que pressupe condies sociais especficas de educao e valores sociais tambm especficos, muitos dos quais alheios ao seu universo cultural. Em relao aos chamados pobres, argumenta que:
Pensam seu lugar no mundo a partir de uma lgica de reciprocidade de tipo tradicional em que o que conta decisivamente a solidariedade dos laos de parentesco e de vizinhana com os quais viabilizam sua existncia. Sua busca em serem modernos, ou seja, de usufrurem da possibilidade, dada por nossa poca, de conceber e realizar projetos individuais, quando chega a ser formulada, torna-se uma busca frustrada, em que aparece o peso de sua subordinao social (1995: 47).
Como afirma a autora, as potencialidades do mundo contemporneo so amplas, mas rdua a tarefa de realiz-las. Assim, famlia para o pobre definida, como aqueles em quem se pode confiar: no havendo status ou poder a ser transmitido, o que vai definir a extenso da famlia a rede de obrigaes construdas: so da famlia aqueles com quem se pode contar, isto quer dizer, aqueles que retribuem ao que se d, aqueles, portanto, para com quem se tem obrigaes (SARTI, 1994: 52). A famlia se define, assim, em torno de
3 Ver estudos como de Venncio (1997 e 1999) e Motta (2008). 6
um eixo moral; onde a noo de obrigao sobrepe-se de parentesco 4 . A circulao de crianas envolve aspectos econmicos e culturais no existindo sempre de forma harmnica, deve-se ressaltar sendo uma das estratgias de sobrevivncia possveis s nossas classes trabalhadoras. dentro dessa experincia que ganha sentido nossas noes de parentesco e de relaes familiares que se nutrem das vrias relaes sociais travadas ao longo de nossas vidas (FONSECA, 2002). Outra caracterstica importante dessa prtica a formao de redes sociais em funo da sobrevivncia da criana, que com isso, contribui para o fortalecimento de outras redes j existentes. Suely Gomes Costa (2002) traz para o debate a interessante noo de maternidades transferidas para se referir forma como as mulheres atriburam-se mtuas responsabilidades com a delegao das tarefas administrativas de suas casas a outras mulheres. Olhar sem preconceito essa realidade no fcil. O assistente social um dos maiores notificadores da violncia contra crianas e adolescentes algo extremamente positivo ao se enfatizar o compromisso com as crianas e adolescentes. Mas muitas vezes as famlias acusadas de negligncia so, na verdade, extremamente negligenciadas. A pobreza, por exemplo, no deveria ser motivo de afastamento de uma criana de sua famlia. Mas no segredo para ningum que trabalhe nessa rea que a pobreza est na base da maior parte das denncias existentes 5 . A quem denunciar a negligncia sofrida por essas famlias? Como enquadrar o Estado que pode muito bem ser caracterizado como o principal agente perpetrador da violncia ao no possibilitar educao e sade para as crianas e seus pais, por no oferecer polticas eficazes de transferncia de renda, por no prover polticas culturais para essa populao, por no garantir um padro de sobrevivncia mnimo e decente para cada cidado e cidad desse pas?
FAMLIAS HOJE DIVERSIDADES E CONTINUIDADES Aprendi com as primaveras a me deixar cortar para poder voltar inteira (Ceclia Meirelles, poeta).
comum encontrarmos na literatura e tambm no senso comum referncias ao fato de que a posio das mulheres se alterou profundamente, uma vez que esto cada vez mais ocupando legitimamente os espaos pblicos, trabalhando mais e estudando mais 6 - ainda que isso ainda no tenha trazido transformaes mais amplas nas relaes de
4 Utilizando o pensamento de Marcel Mauss, afirma a impossibilidade de se estabelecer relaes, ainda que com parentes de sangue, se no for possvel dar, receber e retribuir, ou seja, as trs obrigaes fundamentais que compem este universo moral fundado no princpio da reciprocidade. 5 Basta ver, nesse sentido, os resultados do Levantamento Nacional de Abrigos para Crianas e Adolescentes da Rede SAC, realizado pelo IPEA e disponvel em http://portaldovoluntario.org.br/documents/0000/0189/109726162757.pdf. 6 Outra caracterstica de nosso tempo a liberao de tempo feminino decorrente das novas tecnologias que invadem o espao domstico e os cuidados com crianas - dissociando gestao e nutrio e socializando os cuidados com a criana. Os mtodos anticoncepcionais, igualmente, trouxeram mais perto das mulheres o controle sobre seu corpo e sua sexualidade. 7
gnero, no se pode negar que muitas coisas mudaram. Mas importante enfatizar que dizer que as mulheres esto mais no mundo pblico no significa dizer que algum dia elas tenham estado ausente. Na verdade, as mulheres especialmente as mulheres pobres sempre trabalharam. A idia recente do trabalho como emancipao uma realidade mais das camadas mdias. Tambm a legislao sobre famlia mudou: o casamento no mais o nico mecanismo de reconhecimento legal das relaes familiares. Nossa constituio prev como famlias a comunidade formada por qualquer um dos cnjuges e seus descendentes (artigo 226). O reconhecimento se d pela unio formada pelo casamento, a unio estvel entre um homem e uma mulher, incluindo ainda a possibilidade da famlia monoparental ainda est ausente o reconhecimento das relaes homoafetivas, mas acreditamos que estamos no caminho desse reconhecimento. O Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA) tambm define famlia como uma comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes. Hoje, temos uma multiplicidade de tipos de organizao familiar 7 . O casal sem filhos uma delas, mas tambm as famlias chefiadas por mulheres. Temos famlias cada vez mais extensas, onde irmos casados dividem a mesma casa. Muitas vezes, dentro da mesma casa, co-habitam dois, trs ncleos familiares. E at mesmo casais separados, mas sem condio de manuteno sozinhos, permanecem debaixo do mesmo teto. Muitas famlias so formadas a partir de segundas unies (as chamadas famlias recombinadas), fazendo habitarem na mesma casa irmos de pais diferentes; vrias mes, vrios pais. O reconhecimento de casais compostos por pessoas do mesmo sexo traz outro elemento revolucionador na definio das famlias modernas. Outra realidade que vem conquistando espaos a discusso da paternidade e novas formas de masculinidades mas, e ns? Temos aberto espaos para esses homens participarem? Ou continuamos a utilizar vises generificadas dos papis de homens e mulheres na famlia e no abrimos espaos nas instituies onde trabalhamos para que essa participao se d de forma plena. A viso da masculinidade e dos homens como invulnerveis ainda percorre as falas de profissionais e alunos para os quais difcil admitir que homens podem precisar de ajuda. Sentimos em nosso dia, e as anlises (de diversas disciplinas) vm comprovando essas impresses, o modo como a paternidade (e por conseqncia, a masculinidade) vem sendo posta em questo e estabelecendo formas diferenciadas de exerccio. Cresce o nmero de famlias (embora ainda seja uma porcentagem bastante pequena) onde os homens se afirmam como nico chefe, exercendo o que seria o papel materno e paterno. Principalmente entre os pobres, mas tambm nas camadas mdias, o recuso a avs, tias ou
7 Em virtude do pouco espao existente nesse texto, vamos nos abster de expor dados e estatsticas. Mas vale a pena consultar a Sntese de Indicadores do IBGE (2008). 8
amigos se faz absolutamente necessrio, estabelecendo uma rede de apoio mtuo. O fato que impossvel pensar a famlia brasileira sem atentar para a importncia do parentesco e da vizinhana na vida dessas pessoas uma realidade, diga-se de passagem, mais prxima das mulheres (socialmente predispostas a atuar em rede) do que dos homens. No entanto, essas reflexes vm passando ao largo de nossa produo. O masculino na sade, embora ainda de forma incipiente j est em discusso faz algum tempo. O masculino na assistncia ainda um assunto no falado. Trazer essa dimenso da realidade no quer dizer que no enxergamos a extrema vulnerabilidade das famlias monoparentais femininas 8
expressa na chamada feminizao da pobreza. Mas importante lembrar que a associao famlias monoparentais feminina e pobreza ao invs de enfocar tambm o fato de que as mulheres esto construindo relaes mais independentes, terminam por reforar apenas o estigma de que as mulheres so menos capazes para cuidar de suas famlias e de suas vidas sem a existncia de um homem (FALLER VITALE, 2002) 9 . Outro dado interessante a queda da taxa de fecundidade acompanhada de um aumento da expectativa de vida. Pensemos um pouco nossa realidade. Vemos que caminha junto com a queda da taxa de fecundidade a existncia principalmente nas camadas populares da gravidez na adolescncia, tida como um problema de sade pblica, mas que no pode ser encarada apenas sob esse ngulo 10 . Ser me constitui a identidade (muitas vezes a nica possvel) para muitas mulheres jovens afinal, desde pequenas somos ensinadas a brincar de bonecas. O que podemos e estamos oferecendo a essas jovens, sem muita perspectiva de vida? Um bom sistema educacional? Boas possibilidades de trabalho e desenvolvimento? A gravidez passa a fazer parte de seus cotidianos, podendo ser smbolo de status e de insero na vida adulta. No incomum o relato de famlias compostas por mulheres cada vez mais jovens e seus filhos e netos.
CONSTRUINDO UMA CONCLUSO: A CENTRALIDADE DA MULHER NAS POLTICAS VOLTADAS PARA AS FAMLIAS Nada na vida deve ser temido, somente compreendido. Agora hora de compreender mais, para temer menos. (Marie Curie, fsica)
Historicamente, podemos ver com Gis (sd) que a reproduo dos pobres durante vrias dcadas da histria brasileira passou ao largo da interveno estatal, pois sem a
8 No entanto, importante relembrar aqui a advertncia de Faller Vitale (2002) para quem as famlias no so monoparentais, elas esto monoparentais, uma vez que fica difcil delimitar as realidades familiares a um nico momento, as famlias vivem suas vidas num processo aonde as relaes conjugais vo se fazendo, desfazendo e refazendo. 9 Lavinas (2006) coloca na existncia de filhos o maior fator de vulneralibilidade das famlias sejam ou no chefiadas por mulheres. J a presena de um idoso, por outro lado, pode significar o aumento da renda e da prtica de cuidados (principalmente se este idoso for uma mulher) e a diminuio da vulnerabilidade. 10 Algumas geraes atrs a gravidez aos quatorze, quinze anos era uma gravidez na ordem natural da vida, absolutamente presente nos cotidianos de nossas avs. 9
ateno dos mecanismos pblicos a populao engendrava sua sobrevivncia no circuito das solidariedades sociais comunitrias e familiares. Podemos ver tambm com o autor que durante o Estado Novo ao se consolidar uma poltica social mais interventiva a famlia ocupou um papel de destaque 11 . A importncia dessas reflexes mostrar, de um lado, como na construo da proteo social 12 brasileira as solidariedades grupais se tornaram um elemento fundamental para a sobrevivncia das famlias pobres (podemos pensar na circulao de crianas que j estudamos aqui). De outro lado, temos tambm o fato de que a famlia foi e tomada como elemento de interveno para as aes estatais. Mas foi recentemente, que os programas de renda mnima recolocaram a famlia no centro da discusso sobre proteo social. Na rea da sade, a famlia surge como elemento fundante. A famlia aparece, assim, como uma dimenso fundamental para o estabelecimento e implementao de polticas tanto na assistncia como na sade. Essa assistncia, mais prxima e preventiva, pode significar uma efetiva melhora nas condies de vida da populao atendida e tem gerado demandas entre os profissionais pela humanizao no atendimento. Por outro lado, persistem as denncias de falta de transparncia, da continuidade de prticas clientelistas, de mau atendimento, etc. Na verdade, deve-se ter em mente a dialeticidade da realidade e ver nesses processos, formas de continuidade, mas tambm de rupturas com procedimentos e, portanto com a construo de novos protocolos de atendimento. O que nos parece inquestionvel, e a literatura no tem duvidas em afirmar, a continuao/consolidao hoje da famlia como uma instncia fundamental na elaborao das polticas sociais. A questo quem, na famlia, arcar com os encargos decorrentes do cuidar e da proviso e gesto do lar? Se as famlias esto sendo chamadas para uma parceria com o Estado, importante pensar que uma parceria pressupe uma relao de iguais e, neste sentido, poderamos nos perguntar: como se d essa participao da famlia, com que graus de autonomia 13 ? A centralidade da famlia trouxe como seu correlato, a centralidade da figura feminina como interlocutora dessas polticas. A proteo, o cuidar das crianas, dos idosos e doentes sempre se caracterizou como uma das caractersticas da famlia uma caracterstica que historicamente teve na mulher um elemento de destaque. Nas polticas sociais dirigidas s famlias (bem como idosos, crianas e adolescentes, enfermos e doentes mentais) o contato da famlia com a sociedade e com o Estado continua ocorrendo em grande parte atravs da figura materna. As polticas
11 Ver neste sentido, tambm, Gomes (1979). 12 Entende-se proteo social como aes humanas voltadas ajuda e mtua-ajuda, envolvendo tanto os investimentos do Estado, do Patronato, das associaes filantrpicas e mais modernamente das Organizaes No Governamentais, na rea social, como tambm os atos gerados na esfera das relaes primrias, na esfera comunitria, em particular as de ordem familiar (GS, sd.: p. 06). 13 Concordamos com Pereira-Pereira que o objetivo da poltica social em relao famlia, ou ao chamado setor informal, no deve ser o de pressionar as pessoas para que elas assumam responsabilidades alm de suas foras e de sua alada, mas o de oferecer-lhes alternativas realistas de participao cidad (2004, p. 40). 10
sociais dirigidas a esse pblico tomam como pressuposto a presena de algum em casa para cuidar daqueles, e esse lugar naturalmente identificado com a mulher. Dessa forma, as polticas vem continuamente reafirmando os papis de gnero, contribuindo pouco para a transformao destes. O advento de muitas dessas polticas efetivamente vem ao encontro dos desejos de muitas mulheres. Porm, no podemos deixar de enunciar como esse fato recoloca a responsabilidade por esses cuidados nas mos das mulheres desresponsabilizando os homens (SUREZ e LIBARDONI, 2007). Concordamos com Novellino (2005) que as polticas pblicas para mulheres pobres deveriam articular a dimenso do combate pobreza com aes comprometidas com a luta pela igualdade de direitos e oportunidades para mulheres e homens. Gostaramos de enfatizar que sempre importante no perder de vista a necessria perspectiva universalista na hora de pensarmos polticas pblicas e, assim, reduzir a pobreza de todos e no de grupos especficos. No entanto h diferenciais de gnero (e classe assim como tnico-raciais) que devem ser considerados. No temos dvida que s vezes, necessrio ser desigual para poder garantir a igualdade. Mas para isso, as mulheres precisam ser ouvidas e os homens precisam estar envolvidos, pois a dominao masculina se exerce sobre ambos. DISCRIMINAO POSITIVA (ROSELI) O governo brasileiro comeou, no final da dcada de 1990, a construo de uma poltica social focalizada no combate a pobreza. A atuao do tcnico que atende essa populao precisa estar atenta para as demandas dessa populao, tomando-a como sujeito, respeitando sua alteridade o que no uma tarefa fcil. O fato que as estratgias continuam sendo implementadas pelas pessoas em seu cotidiano, como o fortalecimento das redes de parentesco e a circulao de crianas. As pessoas circulam nas redes sociais e econmicas dentro da comunidade onde estas pessoas vivem. Esse conjunto de questes demanda um esforo de atualizao e a construo de uma agenda de investigaes dentro do Servio Social, essencial ao desenvolvimento de uma prtica terico-metodolgica e politicamente consistente neste domnio. Enfim, parafraseando a epgrafe que inicia essa sesso, hora de compreendermos mais para fazermos mais.
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