Choque Hemorrágico e Trauma: Breve Revisão e Recomendações para Manejo Do Sangramento e Da Coagulopatia
Choque Hemorrágico e Trauma: Breve Revisão e Recomendações para Manejo Do Sangramento e Da Coagulopatia
Choque Hemorrágico e Trauma: Breve Revisão e Recomendações para Manejo Do Sangramento e Da Coagulopatia
Pedro Francisco Brandão1; Pedro Henrique Alvares Paiva Macedo2; Felipe Schaeffer Ramos3
DOI: 10.5935/2238-3182.20170041
RESUMO
1
Anestesiologista, Título Superior em Anestesio-
O choque consiste em um estado de má perfusão tecidual, sendo o tipo hemorrágico logia (TSA/SBA), Coordenador do Serviço de
Anestesiologia do Hospital Estadual Dr. Jayme
o mais comum em vítimas de trauma. Nessa circunstância, utilizam-se estratégias para Santos Neves – Serra/ES;
garantir oferta tecidual de oxigênio, além de prevenir e tratar coagulopatias. Nesta revi- 2
Anestesiologista, Título Superior em Anestesio-
logia (TSA/SBA), Centro de Estudos de Anestesia
são da literatura médica, a quarta edição do guideline europeu para manejo do grande – Goiânia/GO;
sangramento e da coagulopatia no trauma foi utilizada como base, além de outras 3
Médico em Especialização em Anestesiologia
do Hospital Evangélico de Vila Velha – Vila
publicações relacionadas – em língua inglesa e em português. Velha/ES.
Os pacientes com lesões traumáticas devem ser rapidamente transportados para um
centro especializado. Além disso, medidas para monitorar e conservar a coagulação
devem ser iniciadas o mais precocemente possível e utilizadas para guiar a ressuscita-
ção. Quando indicada, uma abordagem de controle de danos deve guiar a conduta. O
manejo do choque hemorrágico é complexo e, apesar de todo o conhecimento que se
agregou ao tema nos últimos anos, as taxas de mortalidade permanecem altas. Ainda
existem controvérsias quanto às melhores estratégias de ressuscitação e, para que se
possa evoluir, é necessário estabelecer abordagens terapêuticas baseadas em evidên-
cias e com claros objetivos.
Palavras-chave: choque; coagulação sanguínea; ferimentos e lesões; hemorragia
ABSTRACT
Shock is a state of poor tissue perfusion and the hemorrhagic type is the most common
in trauma victims. In this circumstance, strategies are used to guarantee tissue supply of
oxygen, as well as to prevent and treat coagulopathies. The fourth edition of the europe-
an guideline on management of major bleeding and coagulopathy following trauma was
used as a basis, as well as other related publications - in English and Portuguese. Patients
with traumatic injuries should be transported quickly to a specialized center. In addition,
Hospital Estadual Dr. Jayme Santos Neves –
measures to monitor and maintain coagulation should be started as early as possible HEJSN
and used to guide resuscitation. When indicated, a damage control approach should
guide the conduct. The management of hemorrhagic shock is complex and, despite all
the knowledge that has been added to the topic in recent years, mortality rates remain
high. There is still controversy regarding the best resuscitation strategies and, in order
to evolve, it is necessary to establish evidence-based therapeutic approaches with clear
objectives.
Key words: shock; blood coagulation; wounds and injuries; hemorrhage
capacitância venosa e a função do ventrículo direito. coagulopatia é frequente (10 a 34% dos pacientes –
O cateter de artéria pulmonar possibilita conhecer as dependendo da gravidade do choque e do trauma)
pressões do átrio direito, da artéria pulmonar e de e constitui fator independente de morbidade e de
oclusão de capilar pulmonar. Além disso, proporcio- mortalidade nesse contexto. Por isso, é crucial evitar
na aferição do débito cardíaco e da saturação veno- atrasos na administração de hemocomponentes para
sa mista de oxigênio (SvO2).7 garantir adequada ressuscitação hemostática.12,13
A monitorização da SvO2 é executada por meio
da coleta de sangue da artéria pulmonar e a aferição Transfusão maciça (TM)
da saturação venosa central de O2 (SvcO2) é realiza-
da através de cateter venoso central. Valores baixos Existem vários conceitos para TM: o mais tradi-
de SvO2 (<65-70%) e de ScvO2 (<60-65%) indicam cional a define como substituição de toda a volemia
hipoperfusão tissular global e demandam correção. em até 24hs e/ou transfusão de pelo menos dez uni-
Quando há prejuízo significativo à oferta ou à dades de concentrados de hemácias (CH) em até
utilização de oxigênio, ocorre aumento dos níveis 24hs.12 Outras definições mais dinâmicas consideram
séricos de lactato, cujo clearence pode ser útil em a transfusão de quatro ou mais CH em até uma hora,
pacientes críticos – quando interpretado em conjun- associada a sangramento ativo, ou a substituição de
to a outros marcadores.8 mais de 50% da volemia em até três horas. Nesses
A monitorização de variações dinâmicas envolve casos, é importante administrar precocemente os
provocar alterações da pré-carga a fim de predizer produtos do sangue – hemácias, plasma e plaquetas
a resposta hemodinâmica à terapia de expansão do – em uma razão que tende a ser de 1:1:1. Essa es-
volume intravascular. Dentre elas, pode-se citar a ele- tratégia está associada a redução da mortalidade em
vação passiva das pernas, a variação do calibre da situações de trauma – tanto em combatentes, quanto
veia cava inferior e a variação da pressão de pulso em civis.13,14
(Delta PP).
Outras tecnologias de monitorização minima- Recomendações para manejo do choque hemor-
mente [ou não-] invasivas incluem ecocardiograma, rágico
doppler esofagiano e análise do contorno do pulso
arterial (como LIDCO®, PiCCO® e FloTrac®).8 As recomendações para ressuscitação inicial,
prevenção de sangramento adicional, diagnóstico
Ressuscitação de controle de danos (RCD) e monitorização do sangramento são resumidas na
FIGURA 1.4
Cirurgia de controle de danos (CCD) é um con-
ceito de laparotomia abreviada, desenvolvido para As demais recomendações do guideline euro-
priorizar a recuperação fisiológica a curto prazo em peu4 seguem abaixo:
detrimento da reconstrução anatômica em pacientes
gravemente traumatizados. Nos últimos dez anos, um Oxigenação tecidual, tipo de fluido e manejo da tem-
novo paradigma emergiu dentro desse conceito: a peratura
RCD, cujos objetivos iniciais são ressuscitação hipo-
tensiva e administração de produtos do sangue para ■■ Oxigenação tecidual: recomenda-se o alvo de
prevenir a tríade letal do trauma (acidose, coagulo- pressão arterial (PA) sistólica de 80–90 mmHg,
patia e hipotermia).9 Assim, é essencial que aqueles até que o sangramento principal seja interrom-
que lidam com o trauma estejam familiarizados com pido, na fase inicial do trauma sem lesão cere-
esses princípios, pois essa estratégia pode represen- bral. (Grau 1C) Em pacientes com traumatismo
tar a diferença entre um bom e um mal desfecho. O cranioencefálico (TCE) grave (Escala de Coma
anestesiologista, portanto, possui papel fundamental de Glasgow ≤8), recomenda-se manter PA média
na oferta adequada dessa modalidade terapêutica. ≥80 mmHg. (Grau 1C).
10, 11
■■ Reposição volêmica restritiva: recomenda-se
uma estratégia de reposição volêmica restritiva
Coagulopatia relacionada ao trauma para alcançar os alvos pressóricos até que o san-
gramento possa ser controlado. (Grau 1B)
Sabe-se que vários mecanismos interagem e con- ■■ Vasopressores e agentes inotrópicos: na presen-
tribuem para o desenvolvimento da coagulopatia ça de hipotensão ameaçadora à vida, recomen-
relacionada ao trauma, como: perda de fatores e pla- da-se administração de vasopressores associa-
quetas por diluição; ativação excessiva da coagula- dos a fluidos para manter o alvo de PA. (Grau
ção; fibrinólise; hipotermia; acidose; hipocalcemia; 1C) Recomenda-se ainda infusão de agente ino-
e anemia. No choque hemorrágico traumático, a trópico na presença de disfunção miocárdica.
tema nos últimos anos, as taxas de mortalidade ainda resuscitation: More than just transfusion
permanecem altas. Nesse cenário, o papel principal strategies. Curr Anesthesiol Rep. 2016.
do anestesiologista inclui manejar a coagulopatia, ga- 12. Patil, Vijaya, Shetmahajan M. Massive transfusion
rantir oferta de oxigênio – apesar do sangramento – e and massive transfusion protocol. Indian j.
limitar a hipóxia tecidual, a inflamação e a disfunção anaesth. 2014; 58.5: 590–5.
orgânica.
13. Bouglé A, Harrois A, Duranteau J. Resuscitative
Ainda existem controvérsias quanto às melhores
strategies in traumatic hemorrhagic shock. Ann
estratégias de ressuscitação e, para que se possa evo-
Intensive Care. 2013; Jan 12:3(1)-1.
luir, é necessário estabelecer abordagens terapêuti-
cas baseadas em evidências e com claros objetivos 14. Pham HP, Shaz BH. Update on Massive
quanto a administração de fluidos, alvos pressóricos Transfusion. Br. j. anaesth. 2013; 11(S1): 71-82.
e níveis de hemoglobina para limitar os riscos da so-
brecarga hídrica e da terapia transfusional.
REFERÊNCIAS
ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Sumário das modalidades de tratamento para o sangramento relacionado ao trauma. TC: tomografia
computadorizada; Hb: hemoglobina; BD: déficit de bases; TP: tempo de protrombina; TTPa: tempo de trombo-
plastina parcial ativada. Fonte: adaptado de Roissant et al, 2016.4.