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Nesta colecdo, a escritora e professora Katia Canton presenta temas que emolduram o mundo contempo- raneo e que sao refletids na arte atual: a superacao da modernidade; a questo das narrativas; o tempo © suas rela¢des com a meméria; 0 corpo, aidentidade e o erotismo; as nocbes de espace ¢ lugar; as politicas ¢ micropoliticas. Em linguagern acessivel, a teoria é centremeada a entrevistas com artistas brasileiros. Projet apoiado pela Governo de Estado de Sto Paulo, Secretaria ‘de Estado de Cultura - Programa de Apdo Cultural de 2008 REORS ABSETEES AW unymartinstonres Corpo, Identidade e Erotismo Katia CantonCooyrght © 2009 Edtora WME Martins Fontes Ces. ‘ste Paula, pra. presenta adcso. aseaicto 2009 si tiragem 2012 Coordenacio eetorat Tedotpe Elona paracio do original ‘Bisuaia Caearin, Revisdo gritica Danilo Nertas Cassia Land ‘Nore Lima Producio aritica Bersde Mires Nori ima Page Nunes Catalogacso na Publicado CIP) Dados nternacinais ado Livro, 3, Bra) (imara Bras Canton, Katia [orgs ientrind «ertisma Katia Canton, - Sao Paulo Esra dr Maing Fonts, 2007 [cecbo temas ca ortecontemporines SBN 978-85-7827-226-5 1. Arte contempornea | Title I Série ov-ti670 00-709 indice para catsioge setamstico |. Corpo, itenicades ratieme: Arte contempordnes 709 Todos 0s dicitas desta edici reservados & Editors WME Martine Fontoe Ltda. Prot Laerte Ramos de Carvao, 199 01328090 Se Paulo SP Braet Tet (}so98.8180 Fax!) 31011042 «mall. inogimimariinstontes com br ‘nttps/uve mimartinsontes.combe Para meu editor, Alexandre, nha assistente, Daniele Ebling, e para meus alunos. Também dedico este projeto {0s professores, com respeito e admiracio.Apresentacao Raa Antes de tudo, devo dizer que esta colecio, composta de seis livros, presta homenagem 2 um projeto editorial que, a partir dos anos 1780, marcou minha vida, Um denso universo me foi descortinado por pequenos livros de assuntos variados, que passavam do teatro né 8 adoles- céncia. Todos os temas do mundo pareciam caber na di- mensao reduzida da série Primeiros Passos, concebida por Caio Graco Jr. na Brasiliense. Partindo do mesmo formato de botso e do preco acessivel (cada livre custa quase 0 mes- ‘mo que uma revistal, resolvi criar uma colecao. Meu editor, Alexandre Martins Fontes, apoiou a ideia. Juntos, pensamos numa colecdo com temas sobre os quais tenho me debru- ‘ado hd anos em minha pesquisa académica: os desdobra- ‘mentos entre a arte contemporénea e o mundo atwal Gostaria de frisar que hoje a arte faz por si sé essa apro- ximaco, misturando cada vez mais questées artisticas, estéticas © conceituais aos meandros do cotidiano, em todas as instancias: 0 corpo, a politica, a ecologia, a ética, as imagens geradas na midia ete o0 projeto desta Coleco Temas da Arte Contemporanea 6 resultado de uma pesquisa realizada na condicao de professora e curadora do Museu de Arte Contempora: nea da Universidade de Sdo Paulo (MAC-USP] desde meados dos anos 1990, quando passei a acompanhar consistentemente 0 que os artistas que surgiam bus- cavam como assuntos para emoldurar sua producao. Também devo muitos instrumentos de pesquisa aos anos de pratica como critica de arte, jornalista e cria- dora de textos, poemas e imagens para livros infantis ¢ juvenis, muitas vezes realizados em parcerias com va~ rios desses artistas. Como diz o titulo da colegao, nestes livros estdo refle- tides 0s principais assuntos que definem 0 mundo con- tempordneo ¢ que so espelhados na arte, Os volumes foram concebidos como mediagao entre teorias, fatos, pensamento dos artistas (na forma de entrevistasl © 0 leitor, formado de professores, artistas, educadores, alunos e [por que nao?) curiosos ~ muito bem-vindos. Para tornar a mediacao mais fluida e propor uma apro- ximacdo entre a arte e todas as pessoas, evitel o uso de termos especificos do universo artistico. 0 © volume inicial, Do moderno ao contempordneo, pode ser lide como uma introdugao a colegao, preparanda as bases dos volumes seguintes: Narrativas enviesadas; Tempo e meméria; Corpo, identidade e eratismo; Espa- ¢0€ lugar; Da politica &s micropoliticas. Voc’, leitor, perceberé que todos os temas esto conec- tados nos volumes da colecao € que, sobrepostos, es- pelham a complexa rede na qual se emaranha o mundo atual. Para organizar essa rede, busquei desenvolver cada tema num livro, mas sem criar uma sequéncia rigi- dda: vocé pode decidir comecar a leitura por um ou outro volume, Um pano de fundo Nos anos 1960, jd dizia o critico brasileiro Mario Pedro- sa que a “arte é 0 exercicio experimental da liberdade’ Acredito que é uma detinicéo poderosa, sobretuda se considerarmos que o conceito de liberdade depende de um contexto para se defini. 0 que é considerado um ato ou pensamento de liberdade em determinado mo- mento histérico pode nao ser em autre, Par isso, emse tratando de arte, é necessario prestar atencdo nos sinais dos tempos e em seus significados. E para que serve a arte? Para comecar, podemos dizer que ela provoca, instiga e estimula nossos sentidos, descondicionando-os, isto é, retirando-os de uma or- dem preestabelecida e sugerindo ampliadas possibili- dades de viver ¢ de se organizar no mundo. Para ilustrar essa ideia, cito um trecho do poema “Uma didética da invencao", de Manoel de Barros, Desaprender ita horas por dia ensina os principio. Lal As coisas ndo querem mais ser vistas por pessoas razodveis: Elas desejam ser olhadas de azul ~ que nem uma crianga que vocé olha de ave. [0 tivro das ignoracas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993] Aarte ensina justamente a desaprender os principios das obviedades que sao atribuidas aos objetos, as coisas. Ela parece esmiugar 0 funcionamento dos processos da vida, desatiando-os, criando para novas possibilidades. A arte pede um olhar curioso, livre de “pré-conceites”, mas re- pleto de atengao. Mas, ao mesmo tempo que se nutre da subjetividade, ha outra importante parcela da compreensio da arte que & constituida de conhecimento objetivo envolvenda a histéria da arte e da vida, para que com esse ma- terial seja possivel estabelecer um grande nimero de relacdes. Assim, a fim de contar essa histéria de modo potente, efetivo, a arte precisa ser repleta de verdade Precisa conter o espirito do tempo, refletir visao, pen- samento, sentimento de pessoas, tempos e espacos Katia Canton é PhD em Artes Interdisciplinares pela New York University, livre-docente em Teoria @ Criti- ca de Arte pela ECA-USP. E professora-associada do MAC-USP, curadora de arte e autora de vérios livros envolvendo arte e literatura. 2Celebracdo mével TT Com pedacos de mim eu monto um ser aténito Manoel de Barros (Livro sobre nada} Esse poema, curto e potente, parece apontar um incémo- do que é sentido pelo ser humana contemporaneo: uma inseguranca generalizeda (igada a busca ideslizeda de uma identidade estavel e fixa, Ser que ainda se pode fa- lar em uma identidade Unica, em uma esséncia do eu? E exatamente isso que 0 socilogo Stuart Hall questiona em seu livro A identidade cultural na pés-modernidade. Depois de detinir os diferentes tipos de identidade, de acorda com 0s sujeitos que organiza historicamente, 6 autor comenta a identidade pos-moderna, que surge com a globaliza e mais dificil de ser detinido: 10, € torna o conceito muito mais fluido 0 sujeito previamente vivido como tendo uma identi- dade Unica e estavel esta se tornando fragmentado, composta nao sé de uma Unica, mas de varias iden- 6tidades, muitas vezes contraditérias ou nao resol- vidas, 0 processo de identificacao, através do qual projetamos nossas identidades culturais, tornou-se provisério, variével e problematico. Esse proces- 50 praduz 0 sujeito pés-moderno, conceitualizado ‘como nao tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma celebragao mével, transfarmada continuamente em relagao as formas pelas quais somos representados ou inte pelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (pp. 12-3). A velocidade da vida contemporanea, a virtualizagao das relagdes de producao e a instabilidade generalizada que resulta dessas trocas provocam uma sensacao de estra- nhamento em relagao ao conceito de identidade, Somos cada um de nds e somos também os outros, as alterida- des, tuda aquilo com o que nos relacionamos. 0 sujeito assume identidades diferentes em dife- rentes momentos, identidades que nao so unifica- das a0 redor de um “eu" coerente, Dentro de nés| ha identidades contraditérias, empurrando em di- ferentes direcdes, de tal modo que nossas identifi- cages esto sendo continuamente deslocadas... A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia, Ao invés disso, 8 medi- da que os sistemas de significacao e representacao cultural se multtiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiente de identidades possiveis, com cada uma das quais poderfamos nos identificar - a0 menos temporaria mente Ip. 131.Identidade/alteridade na obra de Peter Brook = a =a No teatro, um dos diretores mais perspicazes no que diz respeito 3 construcao da nocaa de identidade e al- teridade & 0 inglés Peter Brook (1925-1. Por meia de técnicas variadas, muitas delas baseadas no budismo e ina medita¢o nao ocidental, Brook apresenta uma pro- posta aos seus atores. Pede para que eles construam personagens que obedecam as demandas dos textos que irdo encenar ¢, a0 mesmo tempo, sejam compostas pelas experiéncias de vida dos préprios atores. € des- sa mistura, desse didlogo que surgem os mais potentes exercicias de criacdo de si e do outro. Em 2000, Peter Brook criou um Hamlet muito particu- lar, protagonizado por um ator briténico negro, filho de jamaicanos, chamado Adrian Lester. Para Brook; Um bom ator chega 8 maturidade, na qual a riqueza da experiéncia na vida permite a ele estar comple- tamente no personagem, enquanto o personagem & nutrido por tudo 0 que seu corpo perde e. a0 mesmo ‘empo, de tudo 0 que o corpo possui. Assim, o que 6 cheio, 0 que é vazio, meio cheio, meio vazio, essa detinigao nao tem importancia (Depoimento de Peter Brook ~ Brook by Brook, Inglaterra, 2002, DVD. Traducéo livre pela autora.)20 Aexposicao Espelho de artista era eee ‘A exposicao Autorretrato: espetho de artista — ergani- zada pelo Museu de Arte Contompordnea da Universida- de de Sao Paulo, sob minha curadoria — teve lugar na Galeria de Arte da Federacdo das Indiistrias do Estado de Sao Paulo [Fiesp] em 2001 e foi acompanhada do livro Espetho de artista 0 objetivo era par em discussao como os artistas veem a questo da identidade e lidar com ela por meio da repre- sentao do préprio corpo, Essa exposicao evidenciou 0 contexto do conceito de autorretrato, desde a época das ca~ vernas até hoje, Trés dos seis médulos da exposicao abor- davam a produgdo contempordnea, dividindo-a em niicleos intitulados Simulacro ea produgdo contempordnea, As polf- ticas da autoimagem e Contemplacao e o eu postico No médulo Simulacro e a producao contemporénea, uma sensacao de estranhamento em relacao a propria auteimagem foi materializada por parte dos artistas por meio de um incémodo com a no¢ao estavel de iden- tidade. Numa série de fotografias trabathadas digital- mente, Edgard de Souza replica seu corpo nu, em uma espécie de clonagem de si mesma. Keila Alaver resgata a infancia ao se retratar em foto- ‘montagem como boneca: com 0 recurso do computador, ela transforma a sie a seus amiguinhos em bonecos que esto sempre fazendo alguma coisa estranha ~ um deles, por exemple, parece querer enforcé-la, A artista também criou uma boneca escultural, toda branca, cam os mem- bros unidos por parafusos. Trata-se de uma autoimagem fem tamanho natural que remete a uma espécie de visio hospitalar do corpo, todo branco, sem formas definidas. Albano Afonso usa camadas de imagens de autorretratos célebres na histéria da arte, como obras de Rembrandt @ Albrecht Durer, e sobrepie essas obras ao seu préprio autorretrato, Com um perfurador, 0 artista cria uma ima~ gem de diferentes autorretratos em camadas que se s0- brepdem ao othar dependendo do angulo do observador, confundindo-o e instigando-o. No médulo As politcas da autoimagem, os artistas em- prestam suas identidades para o questionamento politico @ asocial, Adriana Varejéo se retrata em trés obras como di ferentes tipos de mulheres mexicanas. Nessa configuragéo de autoimagens, sem chassis, as telas ficam enrugadas, 0 que reforca a nocdo de marginalizacdo do papel feminine. Tanto Josely Carvalho come Lourdes Colombo abardam 0 papel de mulher nos paises érabes. Josely Carvalho, ar- tista que vive em Nova York, se insere como testemunha das perdas humanas durante a Guerra do Golto. Lourdes Colombo cria imagens fotogrsficas usando a burca, que passa de adorno a objeto de sufocamento. Dora Longo Bahia transporta seu autorretrato pare 0 cotidiano violento exposto nos jornais. A artista se co- loca no lugar das vitimas: Dora Longo Bahia, gravida de seis meses, apenhou do marido porque o jantar no estava pronto quando ele chegou em casa. Dora Longo Bahia levou uma sapatade do irmao porque arrumou um amante jover demais para ela Efrain Almeida, por sua vez, criow um boneco miniaturi- zado de si mesmo feito de cedro, apontando a pequenez humana diante do universo. No iltimo médulo, intitulado Contemplacées e o eu poé- tico, 05 artistas se apresentaram em situagdes de repou- 50: Sandra Cinto dorme entre livres e desenhos, abrindo sua identidade para um mundo de sanhos e fSbulas. José Rufino incorpora sua autoimagem & carta enviada para 0 avé paterno, de quem emprestou © nome, propando um deslocamento de identidades pelo viés da meméria. Lina kim criou um espetho em forma de animal, no qual se re- flete toda a exposicao, expandindo infinitamente autoima~ ‘gens ¢ identidades.Eu souo Corpo fever an Artistas modernos ja utilizaram © corpo como moldu- ra para a produgao contemporanea. Yves Klein, por ‘exemplo, tornou-se célebre por suas conhecidas An- tropometrias, em que os corpos nus de suas modelos eram pintados com a tonalidade azul protundo (que fi- cou conhecida como blue Klein| e depois cerimbados sobre superficies como tecidos e telas. Diferentemente dessa atitude, artistas contemporaneos nao lidam com © corpo como tela. Nas obras contemporaneas, em suas sensibilidades diversas, 0 corpo assume 0s pa- péis concomitantes de sujeite ¢ objeto, que aparecem mesclados de forma a simbolizar a carne ¢ a critica, misturadas. Maria Rita Kehl, em seu artigo "0 eu é 0 corpo", comenta: existe [ai] um paradoxo interessante, porque dize- mos sempre “meu corpo", como se existisse um eu em algum lugar externa ao corpo que é dono desse corpo, porque nao existe nenhum eu em nenhum outro lugar que nao seja 0 préprio corpo. Quer dizer. oeu€o corpo (p. 110) Essa é, de fato, uma das grandes percepcaes que per- meiam a obra dos artistas contemporaneos, que se mosiram atentos as tensdes situadas em um corpo cada vez mais idealizado pela sociedade de consumo, confuso em meio a tantas imagens cujos modelos so espetacularizados, inseguros na projecao de uma di- mensao do corpo que é sempre aquela que supervalo- riza a forma e o prazer. 0 “corpo artista", expressao cunhada pela pesquisado- ra Christine Greiner, é justamente 0 corpo que vibra na contramao desse panorama de idealizagao, Sua potén- cla esté na forma como ele ajudaria a humanidade a se alimentar de conhecimentos com base na desestabili- zacéo de antigas certezas. Segundo essa autora, no texto “0 corpo artista como desestabilizador de certezas assim como a atividade sexual e a experiéncie da morte (préxima ou anunciadal, a atividade estética representa no processa evolutivo uma igni¢ao para @ vida. Uma espécie de atualizacdo de um estadocorporal sempre latente e fundamentalmente ne~ cessério para nossa sobrevivéncia, Isso significa que tedo corpo muda de estado cada vez que per- cebe 0 mundo, Mas, dessa experincia, necessa- riamente arrebatadora, nascem deslocamentes de pensamentos que sero, por sua vez, operadores de outras experiéncias sucessivas, prontas a desesta- bilizar outros contextos [corpes e ambientes] ma- peados instantaneamente de modo que 0 risco se tornar4 inevitavelmente presente [p. 138] Greiner explica como o “corpo artista” se torna um “de- sestabilizador de certezas que nos faz sentir vivos" [p. 139] Destacamos, a seguir, alguns dos muitos exemplos de “cor~ po artista” na arte contemporénea, Ja nos anos 1960 e 1970, 2 cubana Ana Mendieta foi precursora de uma obra em que o corpo é ritualizado & se torna o grande centro de um debate sobre vida, mor- te @ transcendéncia, Hannah Wilke, uma das primei- ras artistas feministas norte-americanas, iniciou sua carreira na década de 1970 criando vaginas em cera- mica, enquanto realizava performances. Depois de ser Pa diagnosticada com linfoma, a artista realizeu a série Brushtrokes, usando coma pincel seu préprio cabelo, ‘que caia devido ao tratamento quimiaterapico. Também nessa época fez. série intravenus, obra fetogritica em que comenta padraes de beleza com o préprie corpo, no hospital, dias antes de sua morte. A iraniana Shirin Neshat escreve em seu corpo uma histéria de discriminacaa da mulher no isla. A italiana Vanessa Beecroft cria padrdes de mulheres nuas em série, provocando o alhar do outro em relacao a pré- pria objetificagao do corpo feminino. 0 norte-america- no Matthew Barney cria uma mitologia pessoal em que 05 corpos se transformam em um mistura de perso- nagens mitolégicos, cyborgs celtas, em uma série de operacées simbdlicas realizadas corporalmente, Ron Mueck, na Inglaterra, replica corpos humanos re- forgando neles particularidades que chegam a causar estranhamento. Mare Quinn, também pertencente nova geracdo briténica, cria estranhas imagens com © préprio corpo - como um autorretrato feito com seu sangue, retirado © congelado para depois ser esculpi- ado e mantido refrigerado. No mérmore, Quinn realizou uma série de esculturas feitas @ partir de corpos com alguma deformidade fisica. Spencer Tunick, outro nome referencial da arte contemporanea, conveca mithares de pessoas nuas que, juntas, compdem uma verdadeira tapecaria humana, preenchendo ¢ ressaltando espacos fisicos; trava-se ai um dialogo entre civilizacdo e nature- 2a, arquitetura e organicidade. A sérvia Marina Abramo- vic, um dos principais nomes da performance contem- porénea mundial, usa 0 seu corpo para, incitar debates sobre sexualidade, dor, vida, longevidade e cultura. 0 trabatho desses artistas consiste num contraponto poética a todo um projeto de servidio voluntéria do corpo contemporaneo, escravo da imagem na socieda- de de consumo. Para Maria Rita Kehl, co critério de inclusdo é o consumo ou a identificacso com imagens de consumo... Nas sociedades do es- petéculo, s6 valem os sentimentos que prestam as imagens adequadas ao discurso midistico. Os “sen- timentos desprovidos de midia” nao tém reconheci- mento, ndo tém expressio. Os sofrimentos narmais da Vida, 05 lutos, as perdas, as fases da timidez, de desBnimo, os momentos de recalhimento necessé- ris &reflexdo e & contemplacdo nao encontram lu- gar, no s80 respeitados - ou entao se tornam ime- diatamente alvo da medicina psiquiatrica (p.116) Isso corresponde ao que o psiquiatra efilésofo Joel Bir- ‘man chama, em Mal-estar na atualidade, de “a medica- mentago da sociedade contempordnea”, que recorre cada vez mais a remédios como antidepressives para evitar 0 contato com dimensdes da vida nao aceitas na contemporaneidade — aquelas de dor, de tristeza, ou com sentimentes de fracasso.Entrevista com Marcela Tiboni | aS) A artista Marcela Tiboni use a fisicalidade de seu cor- po para entrar em contato com a arte e sua histéria 0 corpo se mistura 4 pintura. Em entrevista realizada em setembro de 2007, ela comenta sua experiéncia Uuando eu decidi fazer arte, eu inicialmente tinha uma relacdo muito distante com ela, pois sabia pouco de sua histéria, Mas af fiz faculdade de Ar- tes Plasticas e fui me encantando pelas pinturas, principalmente. Por um tempo, eu me considerei até uma pintora frustrada, mas hoje eu percebo {que no, que eu consigo um didlogo com a pintura através da fotografia e do meu corpo. Sobre como ocorre esse didlogo, a artista revela: O primeira pensamento que eu tive foi de que a pin- tura seria 2 cor somada aa geste do artista, 0 que resultou na obra O gesto da arte, Hoje o meu tra- De La Tour, 2008, nbatho nao esta tao ligado com a tinta, mas continua com toda a discussao do corpo, de sentir a tinta, de fazer 0 gesto e recebé-lo. A obra sempre acontece no meu préprio corpo. Eu penso que a experimen- taca0 da arte vai para todas as instancias, como fazer uma pintura no préprio corpo, comer a tinta, ‘A questo do artista como suporte passa por uma performance privada que resulta em um registro, Em relaco ao inicio do trabalho, notadamente mono- cromético, Marcela comenta: Depois eu comecei a tratiathar com mascaras lima~ gens retirades de livros e colocadas como masca~ ras}. Com esse trabalho, eu queria uma aproxi- macao, uma comunicacda com a histéria da arte, sem trugues: eu nao optei pelo uso de artificios da manipulacdo de imagens, @ minha ideia & de que 0 observador nda cai nesse jogo de ilusda Na obra Habitantes da pintura, a minha vontade era de literatmente entrar na pintura. Assim eu fui en- contrando recursos para isso. Queria @ sensagao da tinta na pele, Em uma viagem a Paris eu também fiz um trabalho no qual entrei em contato direto ‘com uma escultura, interagindo com ela em gestos e assim criando um novo significado para a cena Eu faco desenhos no corpo, estudos para desenho de corpo feminine - essa vivéncia ¢ uma necessidade muito forte. No meu trabalho, é o corpa da artista que entra em contato, que aproxims artista e arte, 2Pour étr plus belle et effciente: pour étre plus beau et efficient, 2008, Que corpo é esse! lensidade sup i Tatuagens, piercings, maquiagem, cirurgias plasticas, escarificagao, pinturas, queimaduras (branding), além de vestimentas e adornos corporais ~ sao maneiras de construir a relacdo de identidade e alteridade por meio do préprio corpo. Ele 6, afinal, nossa existéncia materia~ lizada e estetizada Ao longo do tempo e em diversas culturas, 0 corpo tem sido modificado de maneira consistente, com inten¢bes que respondem tanto a uma diferenciagao, a uma singu- larizagao de determinado corpo, como a uma atitude de localizagao dentro de um grupo, uma marca de perten- cimento. Trabathando na vertente da body art, que articula varios tipos de experimentagaio carporal, a artista e pesquisado- ra Priscilla Davanzo propde constantes transformagies no préprio corpo. Com graduagae em Artes Plasticas ¢ mestrada em Artes Visuais, ambos pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (Unesp], Davanzo apre- senta uma visio critica sobre as simulacdes e as mudan- 2s» ‘cas apenas aparentes e defende veracidade nas alteracées corporais, cada vez mais alargadas com as possibilidades trazidas pelo uso de novas tecnologias. Conhecida pelo pracesso radical de tatuagem, que fez com que, em 2000, ela realizasse a perfarmance As vacas comem duas vezes a mesma comida, numa critica & su- perficialidade da condi¢o humana, Davanzo tatuou todo ‘seu corpo com manchas de vaca Everyday People Everyday Life 2,200 Essa coisa do permanente assusta as pessoas, por que ninguém quer assumir esses compramissos. A tatuagem permanente representa um conceito total- mente diferente. Seria outra coisa se ela fosse pinta- da com uma tinta guache, por exemplo, principal men- te no caso das taluagens de vaca que eu fago no meu corpo. Assim, eu estou senda vaca para sempre, n30 estou brincando de ser vaca (Depoimento da artista ~ Geotomia, 2000, dirigido por Marcelo Garcia.) A ideia de permanéncia e verdade, associadas & preocupa~ go de Davanzo em seu trabalho, inclui a possibilidade da dor, como um sentir que faz parte da vida hurnana, Ador, para ela, é um elemento que pode ser incorporado nas praticas artisticas, assim como ¢ aceite em ativida- des cotidianas ligadas ao culto ao corpo, come tratamen- tos de beleza e exercicios fisicos. Esse elemento da dor, segundo a artista, nao equivale 3 violéncia, Na performance Pour étre plus belle et plus efficiente, a artista colhe flores naturais de um jardim e ”‘5 costura na pele, Trata-se de um embelezamento com dor, numa critica as praticas cosméticas, Enquanto Priscilla Davanzo produz marcas reais no pré- prio corpo, o artista pernambucano Rodrigo Braga faz Uso de técnicas de manipulacdo de imagem que geram resultados radicais, causando desconforto e repulsa. As séries Fantasia de compensacao e Risco de desassosse- 190 lambas de 2004), bem como Sem titulo, de 2005, si0 quase insuportéveis de sever, ainda que o observador te- nha consciéncia do tratamento de imagem realizado Em Fantasia de compensaréo, 0 artista apresenta uma sequéncia de imagens em que ele mesmo incorpora pe- dagos da cabeca de um co morte. Por intermédio de uma cirurgia, o focinho, as orethas e parte da cabeca sangren- tos do cao sao costuradas a seu rosto, Em Risco de desassossego, um palito de fésforo é enfiado na base do pescoco do artista, proximo ao l6bulo da ore- tha. Posteriormente, ele & aceso, Em Sem titulo, 0 resto de Rodrigo é pintado com grossas camadas de tinta ver- ‘melha, que também cobrem por dentro seu alho aberto, © mais desconcertante em seu trabatho é justamente 3 junga da repulsa com a consciéncia de que se trata de uma obra cujas imagens sdo manipuladas digitalmente, final, 0 que impressiona mais: a realidade ou seu simu- lacro? Ou melhor, seré que na sociedade da informacao virtual, essas diferencas jd nao se diluiram?Corpo, narcisismo e dor NT Desde os anos 1960, a artista francesa Orlan vem tra- balhando com performances, mas foi somente em 1990 que ela incorporou as cirurgias plasticas como formas de articular a plasticidade do corpo humano e as potén- clas de transformacao das identidades. A partir daquele ano, na série intitulada A reencarnagao do santa Orlan, a artista realizou nove cirurgias plésticas, ‘assumindo, a cade uma delas, novas formas e particule ridades em seu rosto. Na primeira, implantou protube- rancias em cada lado da testa, para, de acordo com sua concepcéo, fazer lembraras sobrancethas da Mona Lisa, de Leonardo da Vinci. Essas mudangas pretendiam emprestar particularidades e Icones de beleza de grandes obras da histéria da arte, como O nascimento de Vénus de Botticelli e Diana saindo do banho de Francois Boucher ete, Enquanto se submetia as cirurgias, Orlan se manteve consciente a maior parte do tempo, desenhando com seu dedo manchado de sangue e declamando partes de seu Manifesto de arte carnal: "Posso observar meu préprio corpo aberto, sem sofrimentos... Me vejo inteira, por den- tro, até as entranhas.... Um novo estado de espelho..." Um dos assuntos polémicos em relacao’ arte contempar: nea 6 eventual atracao por imagens de dor, defarmacae ¢ vinci, que so exibidas como simulacros. Ahistoriadora Denise Bernuzzi de Sant/Anna, em entrevista concedida em abril de 2008, explica como essas exibi dor real que por sua vez é evitada a todo custo: jes substituem 2 Desde a inveneo da anestesia no século XIX, a dor ‘no tem mais utilidade. Anteriormente, ela fazia parte de um rito, mostrava a coragem, tinha uma utilidade moral. Porém, hoje hé uma terrivel aversio a0 sofri- mento: hd roupas que negam o sofrimento, ha manei ras de ser que negam a sofrimento, Na verdade, ne gam que o soirimente posse ter alguma naturalidade, Nossa cultura acha que 0 sofrimente nde é normal, 140 € natural; natural é ser feliz e alegre, 24 horas por dia. 0 corpo nunca foi tda exigido, 0 corpo individual hoje esté achatado dentro das normas cientificas. aEm outra série mais recente realizada por Orlan, intitu- lada Auto-hibridizacao, ela conta com a manipulacdo de imagens por computador para exibir seu rosto, mistura- do a formas que chegam a padraes de beleza de diferen- tes culturas e civlizacdes, como as pré-colombianas, a5 africanas, a chinesa, entre outras, Em depoimento recente ao jornalbriténico The Guardian, a artista dectara O narcisisma é muito importante. Ele esta na capa- cidade de mostrar algo interessante sobre a nossa sociedade. Ja a dor é anacrénica, Existem aneste- sias, morlinas. Se eu experimentasse @ dor, nao le- ria como, durante algumas partes das cirurgias, ler meus textos ou desenhar com o meu sangue. Corpo e erotismo TTS) Quando falamos em erotismo, imaginamos uma rela- ¢80 sensual entre corpos, uma entrega amorosa, uma tensdo sexual, uma paixo. Pois bem, parece haver hoje uma desconfianca dessa tradicao. Artistas contempo- raneos ironizam essa entrega, essa necessidade do outro, e descontiam de todas as convencées ligadas as sexualidades humanas. Como afirma Denise Bernuzzi de Sant’Anna em entrevista realizada em 2008, O imperative do sexo no corpo, que é to visivel nos anos 1960 e 1970, depois perde sua importancia Quando eu falo de imperativa do sexo, estou me refe- rindo a ideia que vem desde o século XIK na filosafia e na histéria, de que a sexualidade é o lugar de identi- dade humana. Quer dizer, tudo vai para a sexualidade e tudo sai da sexualidade. Esse imperativo tem a ver com Freud e com todo a final do século XIX, que cria ‘essa maneira de pensar o ser humana. E esse século ‘que apostou na identidade sexual, e consequentemen- te criou tantos controles da sexualidade, estd se esgo- tando, est mostrando certa fragilidade, esté hesitan-do. O imperativo sexual (como o atributo principal da identidade humanal hesita. Veja, por exemplo, todos 0s estudos sabre o género: eles cantribuem para isso. Na Sociologia ¢ na arte, essa tendancia aparece, hi sempre uma necessidade de dizer que é possivel um devir ou um tipo de vida que nao é necessariamente essa do imperative sexual, © para isso is vezes se vai 20 limite, 8s vezes se nega, Louise Bourgeois é pioneira na relacae entre arte con- temporénea, corpo e erotismo. 0 trabalho dessa artista, nascida na Franga em 1911, foi profundamente marcado por sua histéria pessoal. Os processos de construgio da obra sé revelados por ela mesma, num mergulho a sua Infancia, quando contemplava a atividade da mae, confec- cionando tapetes, ¢ testemunhava as infidelidades conju- gais do pai, A postica de Bourgeois utiliza todos os tipas de mate- rial possiveis, assim como formas que lembram pro- tuberdncias, érglos sexuais, tudo a servigo de um co- mentério sobre a potencialidede brutal da sexualidade ¢ do eratisma A artista viveu estudou na Franca até o final dos anos 1930, quando entao se transferiu para os Estados Unidos. Seu trabalho comecou a se destacar a partir do final dos anos 1980, inicio dos anos 1990, com obras de teor intimis- ta, quando a meméria pessoal passou a ser valorizada, Mediante a fusao entre o pessoal e o piblico, ela es- tabeleceu 0 espaco para a obra hibrida, usando varios suportes ao mesma tempo lescultura, desenho, obje- tos etc,]. Nesse momento Bourgeois jé tinha quase 90 anos. Ela ainda é uma das maiores referéncias da arte contempordnea internacional, Em uma série de obras, a artista norte-americana Cindy Sherman, ja nos anos 1970 e 1980, articula no- 0es sobre corpo e persona, ao realizar autorretratos em preto e branco, em que ela se transforma cons- tantemente, ao incorporar e apresentar uma série de clichés dos corpos femininos que costumam aparecer nos filmes noir. Na fase seguinte, nas décadas de 1980 e 1990, a artista replica retratos retirados de pinturas famasas da his- cotéria da arte ocidental. Aqui, Sherman inicia um traba- tho com fatagrafias coloridas e a utilizagdo de roupas, maquiagem e préteses de todos os tipos, também para incorporar personagens diversos. A artista passa por processos variados, que incluem engordar, emagre- cer, colocar perucas ¢ fantasias. No entanto, deixa ab- solutamente evidentes os artificios empregadas, como o nariz falso ou o latex de uma cabeca careca Em outra fase de sua obra, Cindy Sherman, em vez de mostrar 0 préprio corpo, transvestido em diferentes personas, ela passou a utilizar bonecos de plastico, feitos com partes desiguais, ora estithagados, que- brados, ora fragmentados. Esses “bonecos” montados aparecem constantemente se relacionando com falos de plastico, linguicas, salsichas, numa composigao de ‘cenas em que sexo rima com agressividade. Novamente, a violéncia das cenas sexuais é mostra~ da com absoluta auséncia de realismo. 0 que vemos 6 um simulacro propositadamente malfeito. Trata-se de uma sexualidade repulsiva, mas o limite da abjecao esté na sua caracteristica de nao real, de simulacio. “ Outro artista norte-americano que usa o simulacro para comentar 0 erotismo contemporanes é Jeff Koons. Ex- tremamente irénico, ele mistura vida e arte. Depois de seu casamento com a atriz porné Cicciolina, ele reali- zou, em 1991, uma exposicao na Galeria Sonnabend, em Nova York. Nela havia esculturas de gesso, imitando bustos histéricos, réplicas do artista e sua esposa em posicoes sexuais, posteres e fotografias de relacdes se- xuais, assim como bibelés de florzinhas, borboletas cachorrinhos de pelucia, ‘A norte-americana Nan Goldin chamou a atengao para si mesma ao retratar de maneira crua 0 submundo nova-iorquino ao qual ela pertence, em que estio pre- sentes a transexualidade, as drogas e a aids, Catherine Opie mostra no préprio corpo a condi¢ao de um femini- no homossexual. ‘A inglesa Sarah Lucas faz uso de humor para apontar os clichés relativos & imagem sexual da mulher, Os irmaos Chapman, também ingleses, criam imagens provocativas, construindo um ser humano pés-humano, ae mesma tempo hermafrodita e assexuado. O paulista Elias Muradi cria ob- ajetos estranhos eitos para se relacionarem com o corpo, os quais lembram ora objetos hospitalares, ora religiosos, Matthew Barney acredita que sé as fantasias perversas ainda podem nos salvar. A obra desse artista norte americano, um ex-ginasta que rejeita 0 corpo natural, é baseada na pratica performética do corpo e na sexua- lidade. Criador da série de filmes intitulada Cremaster Inome de masculo ligado & manutengao da tempera- tura dos testiculos), Barney é 0 responsdvel por uma nova configuragao de corpos e figuras pés-humanas. Suas personagens hibridas combinam géneros e épo- cas misturando referéncias de atletismo, satires, ithas celtas, éperas barrocas etc. Sem uma narrativa linear, 05 episédios se desenvolvem a partir de jogos erdticos, em uma combinacao de masculino e feminino, dentro e fora, aco e passividade, tensda ¢ gozo. Em contraste com esse mundo fake, a sérvia Marina Abramovic, em seu video Balkan Erotic Epic, de 2005, resgata um ritual erétice da tradicdo dos Balcas, que vai na contramao das manipulacdes e dos hibridismos da arte conternporénea: um ritual de fertilidade e passagem fem que as mulheres acariciam seus seios enquanto é en- toada uma cangao sobre a passagem das geracdes, Denise Bernuzzi de Sant’Anna, conclui em entrevista concedida em 2008: Nessas obras em que o campo sexual ¢ importan- te, existe um fator, que é 0 da culpa, ou da ideia da repressao do corpo, da coercao corporal. Anterior mente, isso aparece no Acionisme Vienense, com 0 corpo amarrado, destrocado. Mas, hoje, a ideia de uma sexualidade culpada faz muito menos sentido no campo da arte, Talvez ela tenha sido substitulda por uma ideia de um corpo obsoleto, ou por par- tes do corpo cbsoletas, que nao servem mais para acompanhar 6 ser humano na sua empreitada vida afora. Dai vern a atracao pelo fake. oso ‘Mac, da série Alegoris biblicas, 2005/2007, Entrevista com Gal Oppido as Em uma entrevista realizada na Galeria Oeste, em Sa0 Paulo, em maio de 2007, durante a exposicao fotogréti- ca Alegorias biblicas, o estranho erotismo de Gal Oppido transparece numa tensdo constante entre corpe e espiri- to, 0 profano e o sagrado, o terreno eo transcendental: ‘A Biblia para mim é um livro de protecdo do cor- po. Nela s8o estabelecidos alguns cénones que vao orientar quais os pracedimentos mais interessantes 1a vida do homiem, da relacao dele com seu corpo & do corpo coletivo, do corpo como objeto a ser preser- vado, desejado, castigado e eternizado. Nessa expo- sigg0, eu tentei pensar 0 corpo como o corpo terreno, porém arientado por um conjunto de normas espiri- tuais, que foram colocadas ha 3 mil anos. [..| Eu par- to da ideia de que 0 corpo é um papel branco © que todos os elementos anexados a esse corpo passam a sugerir um canteddo cultural. No caso de Maria Madalena, por exernplo, eu tratei o corpo como se ele tivesse o feminino ¢ 0 masculino, unidos, como emblema, paradigms. No caso de Caime Abel, utilize’ dois modelos para campor a fotografia que, de fato, S80 irmaos. Nessa obra ha o vermelho, representando a violéncia. No trabalho sobre Arca de Nog, falo sobre os corpos encapsulades, fechados dentro de uma embarcacao, No Biblia, os acontecimentos sao extremamente densos, dramstices, lidam com a mor le, wuin a vida, com a fuga, com a persegui¢a © o corpo navega em todas essas turbuléncias, almejando o eterno, Mas o que é o eterna? E a permanéncia do seu préprio cor- po com os sentimentos, prazeres mores, ou seja, da vida. A ideia do eterno é a ideia da pessoa viva Pele, alma: corpo A exposic3o Pele, alma, que aconteceu em 2003 no Centro Cultural Banco do Brasil, em Sao Paulo, arti- culou 0 trabalho de artistas brasileiros contempora- eos com poemas e videos, na tentativa de discutir a questo: pode um corpo transcender? Para iniciar essa discussao estética, 0 catélogo da mostra inicia com um trecho do livre Qs cinco senti- dos, de Michel Serres: Existe um lugar quase pontual que o corpo intei- ro assinala na experiéncia espacial da passagem. Desde meu quase naufragio, costumo chamar de lugar. A alma mara no ponto onde o eu alma ess: se decide [p. 8) Seguia-se a esse excerto um poema de minha autoria: Apele é 0 pore do pulso, o tunel do toque, a casa dos érgdos, =« abrigo dos sentidos Eo lara lingua Apele 6 0 dtero da alma No médulo inicial da exposi¢ao, intitulade Pele, roupa- gem da alma, a obra de artistas come Ernesto Neto, Renata Pedrosa, Leda Catunda, Solange Pessoa, Sonia Guggisberg e Efrain Almeida mostrava como as formas de tecidas e telas poderiam se tornar verdadeiras pe- les porosas. Os textos e trechos de poemas apresentados 2 seguir foram retirados do catélogo Pele, alma, do qual fui curadora, ‘A pele, como uma roupagem continua e flexivel, en= volve-nos por completo. € 9 mais antigo eflexivel dos noss0s 6rg806, nosso primeira mei de comunica- ¢40, nosso mais eficiente protetor. 0 corpo todo é re- coberto pela pele. A pele também se vira para dentro para revestirerificies como a boca, as narinas © 0 canal anal (p. 13]. No médulo Alma em dor encontram-se os trabalhos de Ps Karen Lambrecht, Adriana Varejao, Dora Longo Bahia, Debora Muszkat ¢ Paulo Gaiad. Sinal 0 corpe da pele ndo reage mais 0 passeio des moscas 20 inseto auiomatico na seu ir evr para a picada mesmo se houvesse ameaca Igesto de mao contra 6 voo instintive de ataguel que por ser de desejo todo risca assimila Sera sempre e rosas, para esses seres a sensacéo, a sequéncia silenciosa do sangue que pode atlorar? Armando Freitas Filho [Fio terra, Rio de Janeiro: Lithos, 2001.) No médulo Desenhos da pele, deparamos com as obras de Sandra Cinto, José Rufino e Roséngela Renn. Os cinco sentidos Mas para cada epiderme seria preciso uma tatua-gem diferente, seria preciso que ela evoluisse como tempo: cada rosto pede uma mascara tatil original, Aumdesenho colorido ouabstrato, corresponderiauma tatuagem fiel e sincera, onde se exprimiria 0 sensivel A pele vira porta-bandeira, quando porta impressbes. Michel Serres. (0s cinco sentidos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.) O quarto editimo médulo, intitulade Alma brithante, é com- Posto dos trabalhos de Del Pillar Sallum, Flavia Ribeiro, Albano Afonso e Sandra Tucci. O corpo eo espirito, esta presenca invencivelmen: te atual & esta auséncia criadera que disputam o ser, € que ¢ preciso enfim compor: este finito e este infinito que trazemos em nés mesmos, cada qual segundo sua natureza. Paul Valery (Eupalinos ou o arquiteto) Brithar para sempre Brithar como um farol Brithar com britho eterna Gente é pra brithar Que tudo o mais va para o inferno Este 0 meu slogan E odo sol Maiakévski No livro Corpos de passagem, a historiadora Denise Bernuzzi de Sant‘Anna propde o “exercicio da compo- sigao” como forma de atribuir consisténcia a uma sin- gularidade em movimento e interaco, algo que cor- responde ao que artistas contemporaneos parecem propor esteticamente em suas obras: Nao bastaria apostar na singularidade de cada in- dividuo e defend@-la por ela mesma, pois haveria 0 risco, mais uma vez, de cair no circuito nauseante de transformar o singular numa ménada isoleda e liberade de toda relacao e transcendéncia. De fato, 0 respeita as relagdes aparece como uma questo de sobrevivéncia individual e coletiva. Talvez por isso mesmo, 0 respeito & vida nao seja simples: mente 0 objetivo final, mas, muito mais, o modo de existéncia dos seres, durante toda a sua duracao 3Em suma, entende-se por ética o estabelecimento de relacées nas quais, no lugar de dominacao, se ‘exercem composigées entre os seres; estas nao so nem adequacdes harmoniosas entre diferencas, nem fusées totalitérias fadadas @ tornar tades os, seres similares. Trata-se de estabelecer uma com- posicdo na qual os seres envolvidas se mantém sin- gulares, diferentes, do comeso aa fim da relacdo: 9 composicao entre eles realca tais diferengas sem, contudo, degradar qualquer uma delas em proveito de outras Ip. 94-5) Sugest Tee IT Livros BERNUZZI DE SANT'ANNA, Denise. Corpos de passagem: ensaios sobre 2 subjetividade contemporsnea. Sio Paulo: Estacao Liberdade. 2001 BIRMAN, Joel. Mal-estar na atualidads Rio de Janeiro: Civilizagao Brasileira, 2001 CANTON, Katia. Espelho de artista lAutorretrato]. 3* ed. ‘Sao Paulo: Cosac Naify, 2006. ELIAS, Norbert. 0 processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993. FREIRE COSTA, Jurandir O vestigio ea aura: corpo e consumisma na moral do espetéculo. Rio de Janeiro: Garamond, 2004GREINER, Christine. 0 corpo: pistas para estudos indisciplinares. S80 Paulo: Annablume, 2005. —-“Ocorpo artista como desestabilizador de certezas”, In: COCCHIARALE, Fernando & MATESCO. Viviane (curadorial. Corpo. Sa0 Paulo: Ital Cultural, 2008, p. 197. KEHL, Maria Rita. “O eu 6 0 corpo”. In: COCCHIARALE, Fernando & MATESCO, Viviane (curadorial. Corpo. a0 Paulo: Itac Cultural, 2008, p. 110, Catélogos de exposigies COCCHIARALE, Fernando & MATESCO, Viviane (curadorial Corpo. Sao Paulo: tau Cultural, 2005. Pele, alma. CANTON, Katia [curadorial. ‘So Paulo: Centro Cultural Banco do Brasil, 2003, Entrevista Denise Bernuzzi de Sant'anna. Sao Paulo, abril de 2008,
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