Morte e Vida Autoral Estrategias Contemp PDF
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Wayner Tristão
Universidade Federal do Espírito Santo
Resumo
Na era da interatividade o receptor é dotado de maior poder criativo, o autor sai de campo e
refugia-se na apropriação das obras alheias. Será que revê atualmente seu papel decisivo
na criação de significados e ressurge como demiurgo?
Depois da morte do autor pregada por Roland Barthes e Umberto Eco, e com a ascensão do
leitor como criador ativo da obra, o autor perdeu espaço e até mesmo foi decretada sua
morte. Atualmente porém, existe uma tendência de retorno à figura central do autor como
realizador da obra, que cria uma narrativa conceitual na qual o espectador deve seguir sua
lógica com fim de compreender sua arte.
Abstract
In the age of interactivity, the receiver is equipped with more creative power, the author
leaves the field and takes refuge in ownership of the works of others. Is currently reviewing
its role in the creation of meanings and reappears as demiurge? After the death of the author
preached by Roland Barthes and Umberto Eco, and the rise of the reader as an active
creator of the work, the author lost ground and even his death was decreed. Currently
however, there is a tendency to return to the central figure of the author as director of the
work, establishing a conceptual narrative in which the viewer to follow your logic with order to
understand his art.
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19º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas
“Entre Territórios” – 20 a 25/09/2010 – Cachoeira – Bahia – Brasil
o receptor, instaurando assim uma época na qual a arte, está nos olhos de quem a
vê. A participação do receptor ultrapassa os manifestos da arte moderna em todos
os seus momentos e exige um espaço cada vez maior e mais criativo na arte
contemporânea.
Se ao princípio a arte sempre foi vista como ofício, como técnica (tekhiné) o artista
era somente um trabalhador, destituído de qualquer aura demiúrgica ou mítica.
Como a arte buscava tão somente uma mimese, a criação passava por um processo
de cópia do real. Assim, grandes obras na Grécia antiga, são anônimas, como em
muitas outras épocas que se viu florescer várias obras primas cujos autores são
desconhecidos. Em toda história da arte temos estes exemplos de escolas famosas,
ou de artistas reconhecidos, mas que permanece ao lado destes obras primas sem
assinaturas, ou assinadas pelo mestre, dono do ateliê de ofícios a partir do séc. XIV.
A identidade assim como a questão do homem como sujeito será então segundo
Foucault é uma invenção recenteii. Não será até o Renascimento que o artista vai
começar a assinar seus quadros, criando assim o que hoje conhecemos por estilo
com o simples ato de identificar-se como autor da obra. Até então único ser capaz
de criar era Deus, o homem renascentista começa a desvincular-se deste
sentimento religioso com seus valores racionais e antropocentristas criando o
primeiro sujeito consciente de si mesmo.
O nascimento deste sujeito artista ganhará força com o auxílio dos pintores reais,
que contarão com apoio da nobreza na realização de quadros personalizados, cujos
valores bíblicos serão substituídos por poses heróicas criando assim outro indivíduo:
o comprador, que é o observador principal neste estágio da história da arte.
Assim temos que o nascimento da figura do artista está vinculada diretamente com a
figura do observador especializado, o que consegue ler mais informações nas obras,
feitas já segundo um estilo próprio de cada autor.
Durante séculos esta dicotomia não será deslocada, sendo o artista o produtor e o
outro leitor, com ou sem habilidades para tal.
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Nas vanguardas esse papel começará a ser discutido. O Dadaísmo aparece como o
movimento em especial que vai requerer mais deste observador. Que participe das
obras.
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Deixa claro ainda que estas divisões não são fixas, podendo os espectadores ir de
um ponto a outro desta classificação, e que na construção deste público é
fundamental conhecer esta natureza fluida.
Outro ponto discutido por muitos artistas contemporâneos será a produção num
mundo tão cheio de informação. Muitos artistas já vinham se preocupando com a
quantidade de informação no mundo e discutindo se continuar produzindo seria o
melhor caminho criativo. Michel de Certeau da uma pista no que concerne a autoria
propondo qualquer ato de consumo um ato consciente, e colocando o usuário
(segundo ele a nomenclatura mais adequada ao consumidor atual) como um autor,
assumindo o simples ato de comprar como toda uma escolha pessoal, além da
transformação do objeto a ser consumido, que geralmente adquire uma
característica distinta do que geralmente é colocado à venda. Assim segue os
mesmos passos principiados por Umberto Eco que vê na obra aberta a principal
forma de entrada do leitor neste mundo autoral, uma vez que o leitor compreende
muitas vezes de outro modo totalmente distinto as palavras do escritor. Ou mesmo
Roland Barthes quando propõe a morte do autor, principia assim o (re) nascimento
do leitor como participante na criação de sentido da obra.
Nossa época tão acostumada ao espetáculovii parece criar suas próprias narrativas
para fugir de uma realidade tão monótona e sem fortes emoções.
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Claro que todas as linguagens artísticas podem ser divididas entre narrativas e não
narrativas, não ficando a cargo do suporte, mas do autor o tipo de arte que resolve
desenvolver. Assim tínhamos nas vanguardas do início do século passado uma arte
mais voltada para a poesia, enquanto parece que nosso tempo se volta para visões
mais prosaicas da arte.
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Dos anos sessenta até nossos dias, a arte parece ter tomado um rumo distinto,
levantando questões autorais e solicitando uma carga autobiográfica como forma de
manutenção do poder do autor.
O artista atual cria maneiras de validar seu discurso, entrando muitas vezes num
conceitualismo cujos códigos já são apresentados de vários modos na sociedade
contemporânea (desde publicitários a arquitetos já manejam o conceito como
principal fonte agregadora de valor ao projeto). Outra forma de validação foi
encontrada no ato de contar sua própria experiência, assim a biografia muitas vezes
será utilizada como manobra artística no intuito de valorizar uma subjetividade
narrativa do próprio autor. Se a arte está enraizada neste sentido pessoal de
expressão, aqui ela irá auxiliar-se somente da narrativa do autor na construção de
uma confissão, criando assim um vinculo ainda maior com o espectador ao revelar
alguma experiência particular, como um segredo do próprio artista.
Nasceu na Bélgica e como artista global atua na cidade do México onde vive em
trânsito. A desterritorialização criou uma forma autônoma de arte, na qual o artista
utiliza recursos conceituais na criação de suas obras.
Uma obra emblemática na carreira deste artista é The Seven Lives of Garbage
(1995) na qual o artista produz sete objetos em bronze e os joga fora. A obra pode
ser dividida em quatro partes, onde cada um dá sentido ao próximo de forma
encadeada. a reunião dos 4 atos é a obra em sí:
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O objeto desprezado pelo artista teve que ter uma forma atraente para fosse
encontrado por alguém e mostrasse certa serventia, desde um aspecto estético, uma
vez que não possuía valor utilitário. A forma que o artista inseriu a princípio foi o que
determinou os lugares nos quais o objeto poderia parar depois de recolhido do lixo.
Ou seja, o primeiro ato é de fundamental importância na construção do processo.
Essa é uma obra processual na qual o objeto funciona como índice do recorrido,
assim como as fotos e depoimentos.
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As ações de Tim Sehgal aprofundam o principal conceito da arte dos anos 60: a
convicção de que a realidade se transforma à medida que o indivíduo a percebe e
interage com ela. Não é o espaço que produz os acontecimentos mas ao revés,
numa linha fenomenológica. Ainda pretende ir alem percebendo a arte como
linguagem intersubjectivas. Para isso, o artista criou uma obra iconoclasta, a qual
proíbe qualquer tipo de documentação, destinada a ser experimentada ao vivo, fora
de telas, sem nenhum modo de registro. “Se Donald Judd introduziu o “objeto
específico” no museu na era do capitalismo industrial, Sehgal propõe-se agora fazer
o mesmo com as “ações específicas” próprias do capitalismo de serviços; substitui o
intercâmbio de mercadorias pelo intercâmbio de experiências.”xii
Este artista espanhol parece mudar gradativamente sua área de interesse nas artes,
de meramente quantitativo-conceitual passa a relacionar-se com pessoas no intuito
de criar questões relativas ao contrato com estes, que se tornam trabalhadores,
formalizando assim uma cooperação e fusão entre o conceito criador e autor. Assim
os trabalhadores envolvidos na obra são diretamente proclamados artistas na
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Ou seja
num mundo espetacular onde cada vez menos tempo temos de reflexão as obras
cada vez mas se confundem com mercadorias. para maior consumo as diferentes
categorias artísticas são simplificadas e estereotipadas facilitando assim o
entendimento e o consumo das mesmas. A industria cultural, massificando assim as
obras de arte, permitem uma maior visibilidade, mas influenciam numa menor
acepção das mesmas.
Os artistas contemporâneos buscam pontos de fuga distintos para tal questão,
entrando no sistema de reprodução midiatizado e com ele obtendo um respaldo a
sua produção, realizando uma obra vendável e altamente mercadologicamente
aceitável, ou por outro lado construindo uma poética particular, fechando-se em seu
mundo, mas sem perder o contato com o mercado artístico igualmente. Criam assim
estratégias muito similares em quanto a utilização permanência no mercado, sendo
criticadas por outros criadores que “saem” dos circuitos artísticos tradicionais –
utilizando ruas, supermercados e outros lugares insólitos – para só assim retornarem
às galerias e ganharem reconhecimento por seus trabalhos.
Muitos artistas atualmente estão criando uma forma mais hermética de validação de
suas obras, criando todo um sistema lógico no qual para compreendê-las o leitor
deve colocar-se no seu lugar e acreditar no artista como fundamentador destas
novas sintaxes artísticas. O artista assim ganha seu lugar de volta como criador
máximo e remete a uma aura perdida de criador, restando ao objeto ainda um que
sacralizado uma vez que a mão divina do criador toca qualquer coisa
transubstancializando o lugar comum.
i
PLAZA, Júlio. Arte e interatividade: Autor-Obra- Recepçao. Revista Ars maio, Edusp, São Paulo 2000 pp 34
ii
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. São Paulo: Martins
Fontes, 1966.
iii
DUCHAMP, M.O Ato criador In: A Nova Arte. Gregory, B. São Paulo: Perspectiva, 2004. Pp26
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v
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Paulo, 2009.
vi
CERTEAU, Michel de. A Invenção do cotidiano. Artes de fazer. Petrópolis, Vozes, 1994
vii
Aqui no sentido destacado por DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. São Paulo. Contraponto: 1992.
viii
Segundo Danto, Arthur Após o fim da Arte. Ed Odysseus, São Paulo 2002, Pp 12
ix
Idem pp. 18
x
PASOLINI, Píer Paolo. Escritos (1957-1984). Nova Stella. São Paulo, 1986
xi
ECO, Humberto. A Obra Aberta: forma e indeterminações nas poéticas contemporâneas. São Paulo:
Perspectiva. 1971.
xii
LLANO, Pedro de. Tino Sehgal. A arte enquanto acontece. Catálogo da exposição, Museu de Serralves, 2005,
Porto.
REFERÊNCIA
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