Apostila Completa 2024
Apostila Completa 2024
Apostila Completa 2024
Curso
Licenciatura em Pedagogia EaD
Disciplina
Filosofia da Educação
Professor
Matheus Barbosa Ribeiro
Diagramação
Sônia Maria Dias
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA
A Filosofia da Educação busca não apenas entender, mas também questionar os princípios
que guiam o processo educativo. Você terá acesso a recursos online, como videoaulas, fóruns
de discussão e materiais complementares, permitindo que adapte seus estudos à sua agenda
pessoal e profissional. Esta flexibilidade de aprendizado online visa potencializar sua
experiência acadêmica.
Apostamos que esta apostila se tornará uma ferramenta valiosa em sua jornada de
conhecimento e crescimento profissional. Estamos comprometidos em apoiar sua
aprendizagem, incentivando a troca de ideias com instrutores e colegas. Não hesite em
compartilhar suas dúvidas e reflexões, pois acreditamos que a Filosofia da Educação é uma
peça-chave para uma formação pedagógica sólida e reflexiva.
Desejamos a você muito sucesso no curso de Pedagogia EAD, esperando que esta apostila
contribua significativamente para sua compreensão crítica e aplicação prática dos
fundamentos filosóficos na educação.
Bons estudos!
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O que é Filosofia da
Educação?
Licenciatura em Pedagogia
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Resumindo
Quando o filósofo alemão Immanuel Kant diz “O homem é a única criatura que precisa
ser educada” (KANT, 1996, p. 11), se refere à especial situação humana. Afirma que, ao
contrário dos animais, nós necessitamos de cuidados para sobrevivermos e crescermos.
Devido à nossa natureza racional, precisamos de cuidados não apenas físicos, mas também
emocionais e intelectuais. Isso nos leva a considerar que todo ser humano necessita de
educação para tornar-se humano, pois ninguém nasce pronto. Essa necessidade original
ao mesmo tempo imprime em nossa espécie uma necessidade gregária, pois dependemos
definitivamente de outros para nos tornarmos o que somos, isto é, humanos.
A Educação tem valor intrínseco, pois se apresenta ligada a todas as dimensões humanas,
seja dos sentidos, seja das emoções, do conhecimento ou do caráter. A educação humana
é um processo no qual se adquirem “bens” humanos. Ao mesmo tempo temos as relações
de uns para com os outros e a relação para consigo mesmo. Ser educado ou educar faz
parte do agir em direção à própria humanidade. O objeto da Filosofia da Educação é
esse fazer humano e todas as possibilidades sustentadas pelas ideias de como tornar um
ser humano um autêntico Homem. A análise sobre as idéias que fundamentam teorias
pedagógicas pode ser uma das perspectivas de nosso trabalho em Filosofia da Educação,
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no entanto também podemos, ao mesmo tempo, buscar elucidar os mistérios do próprio
Humano, enquanto construção cultural, social e individual da humanidade. Se o fenômeno
educativo se direciona para a própria concepção de humanidade contida em cada humano,
devemos buscar a fundamentação filosófica para as teorias sobre Educação.
Buscamos instigar sua curiosidade sobre os conteúdos filosóficos mais importantes para
a tarefa educativa e isso não dispensa, em nenhum momento, uma preocupação com sua
formação filosófica, cultural, moral e política. Muitas vezes queremos saber de imediato
qual é a utilidade do que aprendemos. Com a Filosofia, essa sensação é ainda mais
presente e poderíamos lhe perguntar: você sabe qual é a utilidade da Filosofia? O que
ela é, afinal? Por que temos que estudá-la? Questionamentos como esses são frequentes
quando estudamos algum conteúdo estranho, difícil ou chato. Porém, ao respondermos
sobre a utilidade da Filosofia, podemos tanto dizer que ela não serve para nada como
que não podemos viver sem a Filosofia. Na verdade, a Filosofia está em tudo que o
pensamos, está na forma como agimos, está em cada momento em que vivemos.
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2
Filosofia Antiga
Licenciatura em Pedagogia
2 Filosofia Antiga
1.1 FILOSOFIA ANTIGA
Nossa preocupação constante nessa primeira unidade será esclarecer como o conceito
de Homem se constitui na Antiguidade, pois será através dessa compreensão que
discutiremos a relação entre Filosofia e Educação.
A busca pela origem de todas as coisas é o impulso original da Filosofia e ela busca
manter um olhar para o inédito e inesperado. O espanto original dá vida a Filosofia.
Ela nasce da separação entre o místico do Mito e a busca pela verdade.
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A separação entre Logos e Mito marca o início da Filosofia, como também o início da busca
pela verdade da relação entre o conhecimento e a realidade.
1.2 PRÉ-SOCRÁTICOS
O início da Filosofia é marcado pela busca por explicações racionais para a realidade
humana. Os primeiros filósofos, chamados pré-socráticos ou físicos, buscavam
explicações para a origem de todas as coisas na natureza (physis). Eram naturalistas e
buscavam esclarecer a totalidade do real através da concepção cosmológica do mundo.
Suas principais questões eram: Como surgiu o Cosmos? Quais são as forças originárias
que agem nesse processo original? Como se dá sua geração e corrupção?
Questões como essas preocuparam Tales de Mileto (± 624-546), que foi considerado
o primeiro filósofo. Inicia a filosofia da natureza afirmando que o princípio originário
único, causa de todas as causas, é a água. Essa proposta pode ser considerada a primeira
tentativa de explicação original e racional para a origem da vida. Princípio (arché) é o
termo que melhor conceitua a mistura original da qual derivam todas as coisas, ou
seja, também é o todo. Da cidade de Mileto ainda temos Anaximandro (± 611-546),
que foi provavelmente discípulo de Tales, mas que respondeu à questão original (Qual
é o princípio de todas as coisas) de forma diversa. Para ele o infinito, o indeterminado
(apeiron), é a origem de todas as coisas. Sustenta essa tese por compreender que dos
contrários surgem todas as coisas, como o frio e o calor que dão preponderância a um ou
outro no surgimento das coisas. Anaxímenes (± 586-525), discípulo de Anaximandro,
busca desenvolver um princípio mais racional e lógico que seu mestre. Com isso, admite
que o ar infinito deve ser o princípio de todas as coisas. O ar é de grande mobilidade na
natureza e se presta muito bem a referendar e materializar esse princípio.
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A filosofia da natureza (physis) semeou o germe da busca pela unidade e harmonia e inseriu
na cultura grega a ideia de divindade una, da qual todas as coisas derivam.
1.3 OS SOFISTAS
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Esses homens foram rápidos em absorver a mudança dos tempos.
Com a crise da aristocracia e o crescimento da ação do povo, eles foram
os agentes dessa transformação.
1. A primeira questão referia-se à concepção do saber enquanto tal. Tornou-se consenso, para os
sofistas, que tudo poderia ser ensinado, desde a virtude até a arte da política. Devido a isso, suas
maiores preocupações debruçavam-se na arte pedagógica, ou seja, com o levar o outro ao saber.
São claros seus ímpetos pedagógicos, pois todo professor necessita de alunos e para a satisfação de
seus alunos era necessário delegar-lhes o que mais desejavam, ou seja, a sabedoria prática.
2. A segunda questão choca-se com os princípios morais aristocráticos. Os sofistas geralmente eram
estrangeiros e exigiam remuneração por seus ensinamentos. Eles preenchiam uma lacuna deixada
pela forma aristocrática de ver o ensino. Os sofistas não tinham posses e, por isso, cobravam pelos
ensinamentos, tornando a venda do saber uma profissão, a profissão do mestre e professor.
4. A quarta questão para discussão dizia respeito à liberdade de espírito em relação à tradição e
às normas estabelecidas pela cidade. Os sofistas tinham uma inabalável confiança na capacidade
e habilidade do homem em compreender todos os tipos de inovações e situações. Eram como
“bandeirantes” de ideias.
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Apesar dos sofistas serem tratados como um bloco único, eles apresentam imensas
diferenças: a primeira geração de sofistas, como Protágoras e Górgias, que foram
considerados dignos de respeito por Platão, não eram desprovidos de reservas morais
e suas condutas tinham o respeito de seus opositores. A segunda geração, que ficou
conhecida como erísticos, se detinha no aspecto formal do método. Nessa geração
estavam os políticos-sofistas, que buscavam influenciar as massas ideologicamente.
Com eles o movimento sofístico perde respeitabilidade por parte dos filósofos, porém
adquire fama por parte do povo.
1.4 PROTÁGORAS
Esse axioma estabelece a base de todos os seus ensinamentos. Tal fundamento significa
para o conhecimento a inexistência de uma verdade absoluta e válida para todos: “A
verdade se caracteriza com a experiência de cada homem”.
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“Para quem está com calor, está calor, para quem não está, não está”. A relatividade,
necessariamente, põe a diferença entre o pensamento dos homens. Não existe uma única
verdade e sim verdades particulares.
Resumindo
1.5 GÓRGIAS
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Górgias parte do niilismo para construir sua retórica, que também refuta a possibilidade
de uma verdade absoluta (alethéia), fundamentando todo seu pensamento na opinião
(doxa). Ele admite a antítese entre razão e experiência como algo insuperável, pois, ao
se tentar conciliar a experiência do ser eterno com a existência dos fenômenos em devir,
cria-se uma antítese intransponível. Desse modo, foi necessário admitir que nada existe.
Quando Parmênides demonstrou que o ser é uno e imutável, não deu chance às coisas
múltiplas e em devir de serem. O argumento que Górgias usa contra Parmênides é
o seguinte: se os conceitos sobre o ser se anulam reciprocamente, o ser não pode
nem ser uno, nem múltiplo, nem incriado, nem gerado, e portanto é nada. Contudo,
se admitíssemos a existência de alguma coisa, não poderíamos ter um conhecimento
absoluto e irrefutável, porque com base na razão não se pode afirmar a verdade ou a
falsidade da experiência. Assim, Górgias admite que não é possível que os olhos julguem
experiências do ouvido, e vice-versa. Ele quer demonstrar que a razão e a experiência
são categorias heterogêneas e que se excluem na procura da verdade absoluta.
A sofística demonstra como a busca pela verdade se torna inútil e, portanto, não pode ser
aquilo no qual se baseia toda a vida do homem e a que ele deve se submeter.
Resumindo
O sábio deve persuadir sobre as escolhas, não mais aquilo que é verdadeiramente
bom ou verdadeiramente justo, mas sim sobre aquilo que em determinada situação
parece ser o mais oportuno, mas que pode não ser oportuno em outra situação.
Górgias é da opinião que a oportunidade e a conveniência da escolha são o mais
importante.
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Para aprofundar ainda mais seu conhecimento sobre o assunto, leia: GUTHRIE, W.
K. C. Os Sofistas. Tradução de: João Rezende Costa, São Paulo: Paulus, 1995.
1.6 SÓCRATES
Sócrates nasceu em Atenas, por volta de 470/469 a.C e morreu 399 a.C., depois de um
longo processo onde foi condenado por “impiedade”. Sua condenação foi baseada em
acusações de não crer nos deuses da Cidade e corromper os jovens.
Sócrates não deixou nada escrito. Porém, sabe-se que realizou seu ensino em
locais públicos e era considerado um pregador leigo. Concentrou seu interesse na
problemática do homem e, devido a isso, foi muitas vezes considerado mais um sofista.
Como sua vida é envolta em mistério, foi sempre motivo de controvérsia a dimensão
do personagem Sócrates que Platão, Aristófanes e Xenofonte descrevem do próprio
homem Sócrates.
Com Sócrates que a filosofia se volta para a pesquisa sobre a racionalidade e as coisas
FIGURA 2: SÓCRATES
FONTE: http://commons.wikimedia.org/wiki/
File:Socrates_Louvre.jpg
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da alma (psyché). Com ele entra em desequilíbrio a harmonia grega, festejada através
dos deuses Apolo e Dionísio.
Está aí também, o modo como Sócrates sobreviveu a sua própria morte, através
de seus discípulos. O espírito de Sócrates, seu daimon, sobreviveu à condenação.
O estudo das questões socráticas sobre a determinação dos conceitos universais e
sobre o método indutivo de investigação significam muito para a educação, pois nos
colocam sob a pesquisa dos universais e sob um método largamente utilizado na
construção do conhecimento.
O método de ensino de Sócrates ficou conhecido como maiêutica, que era uma espécie
de “parto do conhecimento”, em que o aluno desenvolvia raciocínios dedutivos até dar
vazão ao conhecimento. A ação do mestre era induzir ao desvelar do que o aluno já
tinha em sua alma (psyché), através do questionamento rigoroso.
A crítica socrática à sociedade é ainda mais radical que a dos sofistas. A noção de que
a sociedade e a cultura grega não apresentam a ideia da verdade coloca Sócrates em
situação ameaçadora, pois se tudo que vive de determinada forma está alheio à ideia
de verdade e este modo de viver se mostra ilegítimo diante do verdadeiro saber, então
devemos reformá-lo ou destruí-lo. Estar no âmbito do verdadeiro, para Sócrates, é a
exata noção de nada saber, pois apenas com o ímpeto de nada saber é que poderemos
nos lançar á procura de algo que não temos.
O que é o homem?
Qual é a essência humana?
O que é a natureza e a realidade última do homem?
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Questões centrais nas preocupações de Sócrates e de toda a origem da
filosofia humanista. Ele concentrou-se no homem e em tudo que lhe diz respeito.
Sua necessidade de desvelar a “essência” de todas as coisas o levou a uma concepção
puramente ética do Homem.
Quando admite que o homem é sua alma, entendida como a razão humana, a atividade
pensante e eticamente operante, descobre o caminho para a verdade.
Sócrates ainda tinha à mão seu daimon, uma espécie de “voz divina” particular, que na
verdade não tinha nada a ver com as questões e as verdades filosóficas. Essa voz não
revela nada sobre o saber humano, do qual Sócrates se dizia portador (só sei que nada sei).
É certo que os princípios filosóficos só poderiam ser extraídos do logos e jamais de uma
revelação divina. Tais princípios também não originavam de seu daimon, nem sua opção
moral ou seus princípios éticos. O daimon socrático era uma espécie de voz interior que
não lhe ordenava nada, apenas lhe vetava determinadas coisas. Hoje em dia diríamos que
o daimon é pode ser representado pela consciência individual, como forma de as pessoas
colocarem limites para suas ações. Esse daimon não se relacionava com a Filosofia nem
com a opção ética, mas sim com o indivíduo Sócrates. São os acontecimentos particulares
dele que estão dominados pelo daimon. Essa voz vetava algumas das atitudes de Sócrates,
impedindo-o de fazer coisas particulares que pudessem lhe prejudicar. Atribui a esse
espírito o afastamento da vida pública ativa, na qual se reservou o papel de contraponto
ao sistema político democrático.
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1.7 PLATÃO
Platão é apenas um apelido possivelmente relativo à largura de suas costas. Seu primeiro
mestre foi Crátilo, que foi discípulo de Heráclito. Por volta de seus vinte anos, Platão,
começa a estudar com Sócrates com o objetivo de todos os outros jovens: se preparar,
através da filosofia, para a vida política.
Sua relação com Sócrates marca muito sua obra, porém na maturidade essa influência
vai dando lugar à busca de proposições mais autênticas. É Platão o grande divulgador do
pensamento de Sócrates. No entanto, o problema central no pensamento de Platão é a
construção de um sistema que demonstra como o conhecimento acontece, a chamada
“Teoria das Ideias”. A criação dessa teoria busca resolver problemas fundamentais do
conhecimento: o conteúdo do conceito, a inteligibilidade do ser e sua relação com a
multiplicidade dos seres.
O mundo das ideias se mostra como inteligível, pois a ideia é pensada e não sentida.
Assim, é preciso um afastamento do mundo dos sentidos (multiplicidade), para uma
autêntica aproximação com o todo (unidade).
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As ideias são tantas quantas forem os conceitos, isso determina o mundo inteligível como
conteúdo do conhecimento conceitual. O mundo dos sentidos é como o conteúdo do
conhecimento sensível e particular.
Dentro deste panorama Platão assinala a dependência que as coisas sensíveis e o próprio
devir tem com o imutável e eterno. É somente dentro dessa perspectiva que podemos
entender a “Teoria das Ideias” de Platão, pois é dentro desse círculo que ele afirma a
dependência que o mundo sensível tem do mundo das ideias. Também depende dessa
hierarquia o enfrentamento entre verdade e opinião, assunto central em toda a obra de
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Platão, motivo pelo qual a relação entre o homem e a verdade permeia seus diálogos.
A educação do Homem deve ser tratada como prioridade, pois apenas diante
de uma educação comprometida com o bem e a perfeição, se poderá requerer
um Estado justo.
Apesar de Platão não fazer referência ao povo ou à massa da população, seus costumes
e nível de vida, ele trata demoradamente de assuntos relativos à formação do homem
ideal quando discute sobre música e a poesia. Seu sistema educacional retrata um ideal
de formação humana, o estabelecimento da educação do filósofo.
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SÓCRATES - Imagina nossa natureza, relativamente à educação ou a sua falta, de
acordo com a seguinte experiência. Suponhamos alguns homens numa
habitação subterrânea em forma de caverna, com uma entrada aberta para
a luz, que se estende a todo o comprimento dessa gruta. Estão lá dentro
desde a infância, algemados de pernas e pescoços, de tal maneira que só
lhes é dado permanecer no mesmo lugar e olhar em frente; são incapazes
de voltar a cabeça, por causa dos grilhões; serve-lhes de iluminação um
fogo que se queima ao longe, numa eminência, por detrás deles; entre
a fogueira e os prisioneiros há um caminho ascendente, ao longo do
qual se construiu um pequeno muro, no gênero dos tapumes que os
homens dos “robertos” colocam na frente do público, para mostrarem
suas habilidades por cima deles.
SÓCRATES - Visiona também ao longo desse muro homens que transportam toda
espécie de objetos, que o ultrapassam: estatuetas de homens e de animais,
de pedra e de madeira, de toda a espécie de lavor; como é natural dos que
transportam, uns falam, outros seguem calados.
GLAUCO - Como não respondeu se são forçados a manter a cabeça imóvel toda a
vida? (PLATÃO, 1990, 514 a- 515b).
Primeiro é preciso ver que o homem na alegoria tem uma capacidade original
de mover-se no mundo da Caverna e no superior, e também em cada um dos
níveis. O homem que pode viver como se só existissem as sombras também
pode elevar-se até ver o Sol no mundo superior, podendo voltar de modo
distinto ao mundo da Caverna. É necessário esclarecer que o homem que
resolve sair da Caverna “aparentemente” é o mesmo, mas na verdade ele muda
radicalmente o seu modo de ser, tornando-se outro de si mesmo, diferente do
seu ser quando prisioneiro (FRANKLIN, 1998, p 32).
Essa alegoria mostra como os dois mundos estão claramente unidos por um caminho
que leva de um ao outro. A libertação pelo conhecimento se dá através da Educação.
O processo educativo aprimora o homem e para Platão este deve ser o objetivo de
todo o Estado que deseja viver sob a luz da sabedoria.
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Com essa imagem, Platão reforça a necessidade de contínua busca pelo conhecimento.
O conhecimento prático será adquirido com o retorno ao mundo das sombras, que
representa o cotidiano dos homens. O filósofo contemplou as ideias, agora poderá se
fazer político, aplicando os fundamentos ideais na vida prática.
Ao manter os conhecimentos que eram proferidos em sua época, Platão não combate
os conteúdos, mas sim a forma como esses conteúdos eram utilizados. Ao buscar uma
dupla utilidade para o que se estudava comumente, Platão redireciona o olhar para o
que realmente é importante, a formação integral do homem.
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Faça um exercício de reflexão buscando descobrir as duas dimensões das disciplinas
do programa educativo de Platão. Elas encontram-se na seqüência do livro VII da
República. Desafie-se a descobrir a dimensão prática e formativa das disciplinas
apresentadas por Platão.
1.8 ARISTÓTELES
Sua grande experiência educativa, que lhe rendeu dinheiro e fama, foi quando, em 343
a.C., o rei Filipe da Macedônia o chamou para ser preceptor de seu filho Alexandre,
que estava com treze anos. Alexandre, o Grande, estava destinado a mudar a história
da Grécia e Aristóteles esteve sempre ligado a essa fama.
Tal qual Platão, Aristóteles também se ocupa com as questões da Virtude, relacionadas
à busca da Felicidade (Eudaimonia).
FIGURA 3: ARISTÓTELES
FONTE:http://commons.wikimedia.
org/wiki/File:Aristoteles_Louvre.jpg
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Todo conhecimento humano se volta e se refere a algo que é, isto é, um ente.
Os fins são vários e nós escolhemos alguns dentre eles (como riqueza, flautas e
os instrumentos em geral). Segue-se que nem todos os fins são absolutos; mas
o sumo bem é claramente algo de absoluto. Portanto, se existe um fim absoluto,
será o que estamos procurando; e se existe mais de um, o mais absoluto de todos
será o que buscamos [...] chamamos de absoluto e incondicional aquilo que é
sempre desejável em si mesmo e nunca no interesse de outra coisa. Ora, esse
é o conceito que preeminentemente fazemos de felicidade. É ela procurada
sempre por si mesma e nunca com vistas em outra coisa [...] A felicidade é,
portanto, algo absoluto e autossuficiente, sendo também a finalidade de toda
ação (ARISTÓTELES, 1991, p. 15).
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É necessário se praticar ações justas para ser justo.
O justo-meio não aparece em Aristóteles como uma ação medíocre (média), mas sim
como o ponto alto de uma ação deliberada e comandada apenas pela razão. A vitória
da razão sobre os instintos é inevitável no modo deliberativo de viver.
Aristóteles absorve toda a sabedoria da tradição grega ao trazer à luz certas colocações
atribuídas aos Sete Sábios: “meio do caminho”, “nada em excesso” e “justa medida”
como a regra do agir. Dentro de todas as possíveis virtudes éticas, Aristóteles também
se preocupa com a Justiça, tal como Platão. Compreender a justiça como a justa medida
é a melhor forma de se atribuir valores. É na justiça e em tudo que a envolve que tanto
Platão como Aristóteles depositam toda a virtude possível.
Definitivamente, não é a média matemática entre os dois extremos, por isso não pode
ser calculada com a precisão de um cálculo matemático. Ela depende das circunstâncias
que envolvem cada questão e só se revela a uma razão madura e flexível. Por isso
a insistência de Aristóteles em afirmar que somente a prática de ações justas e o
estabelecimento do hábito e da tendência da alma em manter-se no justo-meio é que
transformarão o homem em um virtuoso na arte de agir. Essa virtude deveria ser
proporcionada pela Educação:
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Ao legislador compete ocupar-se da educação, e que ela precisa ser comum.
Não se pode também deixar na ignorância o que vem a ser educação e como se
deve dirigi-la. Pois não se está concorde no tocante aos fatos, e já não se entende
mais quanto às matérias que os jovens precisam aprender para atingir a virtude e
a vida perfeita. Não se conhece bem se é conveniente ocupar-se da inteligência
ou das qualidades morais.
O atual sistema educacional traz empecilho a esse exame; não se conhece com
certeza se as artes necessárias à existência devem ser ensinadas, ou os preceitos
de virtude, ou a ciência de pura recreação. Todos têm seus adeptos, e não ficou
nada estabelecido sobre a virtude; os preceitos variam sobre a essência mesma
da virtude, de modo tal que as opiniões são diferentes a propósito dos meios de
exercê-la (ARISTÓTELES, 2003, p. 156).
http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/politica.pdf)
Resumindo
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Filosofia Medieval
Licenciatura em Pedagogia
Filosofia Medieval 3
2.1 FILOSOFIA MEDIEVAL
Entretanto, é curioso ressaltar que não é o mais rico, do ponto de vista do pensamento.
A concepção geral de mundo e de homem difundida nesse momento histórico está
intimamente ligada ao pensamento cristão. A liberdade do pensar encontra-se restrita às
condições determinadas pela fé. A filosofia está, portanto, encerrada sob as condições
limitantes das verdades de fé. Com isso, o fundamental para o desenvolvimento do
pensamento, a liberdade de expor e discutir conceitos e ideias, limita-se, pelos dogmas
impostos pela Igreja.
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Para saber mais sobre o tema fundamental da Filosofia Medieval leia o texto “A
filosofia entre a Religião e a Ciência, de Bertrand Russell, em:
http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/russell.htm
A filosofia medieval não é nem a de Platão, nem a de Aristóteles, mas antes aquilo
que uma e outra se tornaram ao se integrarem ao corpo da sabedoria cristã.
Muitas outras foram incorporadas a elas. A filosofia dos cristãos não é a única a
dizer que segue a Bíblia e os gregos: um filósofo judeu, como Maimônides, um
filósofo muçulmano, como Avicena, por sua vez, realizaram uma obra paralela à
que os próprios cristãos perseguiam. Como não há de haver estreitas analogias,
até um verdadeiro parentesco entre doutrinas que trabalham sobre os mesmos
materiais filosóficos e declaram proceder de uma mesma fonte religiosa? De
modo que a filosofia cristão na Idade Média não é solidária unicamente da
filosofia grega; os judeus e os muçulmanos lhe servem tanto quanto os antigos.
(GILSON, 1998).
É fundamental que saibamos, também, que foi através da filosofia desenvolvida por
esses orientais que a Filosofia retorna ao ocidente. A aproximação entre as culturas
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orientais e ocidentais, devolve ao Ocidente aquilo de que os orientais tão bem haviam
se apropriado: a Filosofia Grega.
Durante sua juventude, Agostinho não poderia ser chamado exatamente de cristão,
embora oriundo de família com forte tradição de fé. Sofreu forte influência dos
maniqueus.
Maniqueísmo é uma religião herética fundada pelo persa Mani no século III e
implicava: 1) um vivo racionalismo; 2) um marcado materialismo; 3) um dualismo
radical na concepção do bem e do mal, entendidos não apenas como princípios
morais, mas também como princípios ontológicos e cósmicos (REALE, G.;
ANTISERI, D. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. São Paulo:
Paulus, 1990.)
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Aquilo que efetivamente perturbava Agostinho era a busca pela verdade. E essa busca
só vai encontrar uma resposta na compreensão da verdade em Cristo. Agora, Agostinho
afasta-se por completo das idéias céticas, afirmando com bastante clareza que, “se eu
me engano, isso quer dizer que existo, e quem não existe, não pode se enganar; se eu
me engano, logo, por isso mesmo, eu existo” (Agostinho, 1990).
Segundo Agostinho, existem verdades que podem ser ditas inalteráveis, que serão as
mesmas para sempre. Um tipo de verdade assim pode ser encontrado na matemática.
Por exemplo: a soma 7 + 5 será sempre igual a 12.
Em primeiro lugar, afirma que não podem vir das sensações, pois essas podem nos
enganar. Além disso, são passageiras, mutáveis e dependem de uma série de fatores
(lugar, tempo, situação, etc.).
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Outra questão bastante importante no pensamento de Santo Agostinho, que muito
nos ocupa até hoje, é o problema da vontade e da liberdade. Diferentemente de
Sócrates, Agostinho afirma que a liberdade provém da vontade, e não da razão.
Dessa forma, a razão pode até conhecer o bem e fazer o mal, sem cair no paradoxo
apresentado por Sócrates. Resumindo: a razão conhece e a vontade escolhe.
AGOSTINHO - Mas, então, de que maneira pensas que se possa aprender, senão per-
guntando?
AGOSTINHO - Ainda neste caso, creio que só uma coisa queremos: ensinar. Pois, dize-me
interrogas por outro motivo a não ser para ensinar o que queres àquele
a quem perguntas?
AGOSTINHO - Há, todavia, creio, certa maneira de ensinar pela recordação, maneira
sem dúvida valiosa, como se demonstrará nesta nossa conversação.
Mas, se tu pensas que não aprendemos quando recordamos ou que não
ensina aquele que recorda, eu não me oponho; e desde já declaro que
o fim da palavra é duplo: ou para ensinar ou para suscitar recordações
nos outros ou em nós mesmos (AGOSTINHO,1973).
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2.4 BOÉCIO
De maneira geral, podemos dizer que Boécio levou a cabo um trabalho árduo de
conciliação. Ele buscou aproximar as filosofias de Platão e Aristóteles. Nessa tarefa,
apreendeu que é possível dividir a Filosofia em dois grandes campos: 1) A filosofia
teórica ou especulativa, que procura conhecer a verdade; e 2) A filosofia prática ou
ativa, que procura colocá-la em prática. A filosofia teórica será justamente o que Boécio
chamará de quadrivium, ou seja, é aquela que se ocupa da Aritmética, da Geometria, da
Música e da Astronomia.
Anselmo de Canterbury (1033 -1109) merece seu destaque entre os filósofos medievais
que de alguma forma influenciaram as questões fundamentais da Filosofia da Educação,
graças à sua busca por uma síntese entre razão e fé. Ao abordar a importante relação
entre fé e razão, Anselmo deixa claras todas as questões que o inquietavam, pois não
bastava apenas sintetizar essas duas fontes de conhecimento, também era preciso
buscar compreender a essência das palavras. É através do diálogo que se torna possível
a aproximação entre razão e fé.
FIGURA 4: Canterbury
FONTE: http://commons.
wikimedia.org/wiki/File:
Anselm_of_Canterbury.jpg
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Assim, a importância da linguagem ganha sua força a partir de um método chamado
de disputatio. Essas disputas, ou debates foram fundamentais para a expansão das
discussões sobre os limites dos conhecimentos de fé e razão. Ao estabelecer a síntese
possível entre esses dois tipos de conhecimento, Anselmo busca esclarecer com a razão
aquilo que já se possui com a fé.
Em outras palavras, Anselmo busca fazer um uso da razão com vistas à fé.
Das discussões sobre a síntese entre razão e fé surge um dos argumentos que marcam
a história da Filosofia: o argumento da prova ontológica da existência de Deus.
Esse argumento não possui apenas valor teológico, como podemos pensar em um
primeiro momento, mas também e, sobretudo, um valor filosófico. Podemos citar
vários filósofos que se ocuparam com a questão formulada por Anselmo. Alguns, a
favor, outros contrários. Entre eles, podemos citar Descartes, Tomás de Aquino, Kant,
Leibniz e Hegel.
Resumo do argumento ontológico: Se posso pensar um ser tal que não se pode
conceber outro maior que ele, como seria possível afirmar sua inexistência?
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2.6 HUGO DE SÃO VÍTOR
Hugo de São Vitor (1096 - 1141) marca seu nome na história da Filosofia e da Educação
de forma veemente, através de sua participação na formação dos alunos do Mosteiro
de São Vítor. Importante centro de formação no século X, a escola do mosteiro
buscava aliar os estudos filosóficos e científicos com a oração e a contemplação de
Deus. Não encontramos uma única obra que se refira a Hugo de São Vítor que não
ressalte sua excelência na arte da Pedagogia. A utilidade da Filosofia e das ciências
é, para Hugo, indiscutível. Mas, segundo o filósofo, não se deve esquecer que elas
devem sempre encaminhar os homens àquilo que verdadeiramente importa, isto é, ao
amor de Deus. Curioso ressaltar que esse objetivo não é algo que Hugo de São Vítor
simplesmente acrescenta ou justapõe ao que já seria a escola, mas é aquilo que norteia
a própria essência da organização e dos métodos pedagógicos adotados no processo
de formação.
Se, portanto, lês, ou estudas, e tens por isto a inteligência e conheceste o que se
deve fazer, isto já é princípio do bem, mas ainda não te será suficiente, não és
perfeito ainda. Sobe, pois, na arca do conselho, e medita como poderás realizar
aquilo que aprendeste através da leitura e do estudo que deve ser feito. De
fato, houve muitos que possuíram a ciência, mas poucos foram aqueles que
souberam de que modo era importante saber. (Didascalicon, L.V, C.9.).
Importante também é ressaltar a coragem de Hugo de São Vítor ao colocar ao lado das
disciplinas clássicas do trivium e quadrivium as artes mecânicas. Essas demonstram a
preocupação de Hugo com a realidade do mundo que o cercava. Tanto que encontramos,
entre essas artes mecânicas, as técnicas de navegação; a confecção de tecidos e roupas;
a fabricação de armas e de instrumentos para o trabalho agrícola; etc. A inclusão
dessas novas disciplinas no currículo de formação que a escola do mosteiro (ou abadia)
ministrava encontrava sua justificativa na crença de Hugo de que esses estudos poderiam
contribuir para a elevação da atual condição humana. Do mesmo modo que a ética ajuda
a agir corretamente e a física serve para fornecer instrumentos para um conhecimento
mais eficaz do mundo, as artes mecânicas servem para nos trazer de encontro às nossas
54
necessidades cotidianas (REALE; ANTISIERI, 1990, p. 507).
Podemos dizer que o pensamento filosófico sobre a Educação na Idade Média encontra
no “De Magistro” de Agostinho sua obra de abertura. Por outro lado, também
podemos afirmar que o pensamento educativo desse período se encerra com outro
“De Magistro”, agora de Tomás de Aquino (1225 - 1274). Esse texto trata diretamente
do problema da descoberta do saber.
Segundo Tomás de Aquino, a inteligência possui dois lados bem definidos: um passivo
e um ativo.
1. Ela pode ser dita passiva porque, se tentasse modificar aquilo que conhece, cairia no erro.
A demonstração deve partir de afirmações que são retiradas do real.
2. A inteligência é também ativa, porque ela deve captar o inteligível do sensível, que a contém
apenas de forma virtual. E aqui se apresenta a etapa maior da abstração. Essa abstração
permite que se possa chegar, a partir da experiência, à ciência e à sabedoria.
55
A alma e o corpo não são duas coisas separadas, mas duas partes
de uma mesma coisa: do homem.
Alma e corpo são, como ensinava Aristóteles, forma e matéria. Sem corpo não há
homem. Entretanto, vai nos ensinar Tomás, a alma é distinta do corpo. E isso porque
toda forma é distinta da matéria em que se encontra. Por não ser material, a alma
possui a capacidade de conhecer todas as coisas, visto que para o conhecimento é
necessário um certo grau de imaterialidade.
Vimos que o conceito de homem é completo na união de corpo e alma. Pois bem, o
homem é um animal possuidor da capacidade de inteligência. Logo, segundo Tomás de
Aquino, possui como característica o fato de poder ser aperfeiçoado pela educação. A
maneira pela qual pode levar uma vida verdadeiramente humana passa pela cultura. Sua
inteligência só pode se desenvolver através da linguagem e apenas no interior de uma
sociedade. A cultura o impulsiona ao seu destino, à sabedoria, e permite a aquisição das
virtudes. Do ponto de vista do indivíduo, a cultura pode se identificar com a aquisição
das virtudes intelectuais e morais. Mas, essa aprendizagem apenas é possível graças à
convivência com o outro, isto é, graças à civilização.
O homem é capaz de conhecer o fim ao qual cada coisa tende por natureza. Ao mesmo
tempo, percebe que há uma ordem nas coisas passíveis de serem conhecidas, e que
no ápice encontra-se Deus, como Bem Supremo. Segundo Tomás de Aquino, em sua
vida terrena, o intelecto humano apenas conhece o bem e o mal de coisas e ações
que não são Deus. Pois, se pudesse oferecer a visão de Deus, a vontade humana não
poderia deixar de querê-la. Assim, resta à vontade a liberdade para querer ou não as
coisas disponíveis ao intelecto. À essa liberdade, damos o nome de livre-arbítrio. E é
justamente nesse livre-arbítrio que Tomás de Aquino vê a raiz do mal, concebida como
a falta do bem.
Ora, segundo Tomás de Aquino, os seres humanos não se dirigem apenas para um
fim. Antes, eles se dirigem livremente para um fim. Consequentemente, por causa
dessa liberdade, o homem peca quando se afasta deliberadamente e infringe aquelas
leis universais que a razão lhe dá a conhecer e a lei de Deus lhe revela. Para Tomás, há
3 tipos de leis que servem para dirigir a comunidade ao bem comum:
56
1. Lei natural.
A lei natural é plano racional de Deus, através do qual a sabedoria divina dirige todas as
coisas para o seu fim. Seu núcleo essencial está baseado no preceito de que se deve fazer o
bem e evitar o mal. Para o homem, como para todo animal, é bem seguir os ensinamentos
universais da natureza (por exemplo: união do macho e da fêmea; proteção dos filhotes, etc).
Para o homem, considerado desde o ponto de vista de sua condição de ser racional, será bem
conhecer a verdade, viver em sociedade e em paz com os outros indivíduos. Em resumo, a
lei natural é a forma pela qual o homem deve querer para que sua vontade e a consequente
ação estejam em conformidade com a lei natural e, portanto, moral. E essa forma é a da
racionalidade. A lei natural diz respeito àquilo a que o homem é levado pela natureza e é
própria do homem ser levado a agir segundo a razão.
2. Lei humana.
Aquela estabelecida pelo homem com base na lei natural e dirigida à utilidade comum. São
leis jurídicas ou de direito, no caso, de direito positivo. Os homens, que são seres sociáveis
por natureza, fazem as leis jurídicas para dissuadir os indivíduos do mal. Essas leis devem ser
promulgadas pela coletividade ou por quem tem a responsabilidade pela comunidade, sempre
mirando o bem comum. Assim, o Estado é, para Tomás de Aquino, da mesma forma que
para Aristóteles, uma necessidade natural.
3. Lei divina.
Como o nome indica, o terceiro tipo de lei tratado por Tomás de Aquino é a lei revelada,
a lei positiva de Deus, encontrada no Evangelho. Essa lei será a guia para se alcançar a
bem-aventurança. Seu principal papel será a de completar e corrigir as imperfeições das leis
humanas. A lei divina é sinônimo do plano racional de Deus. Será através dela que a totalidade
das coisas se dirigirão para seu fim, por meio da sabedoria divina.
Com a apresentação, mesmo que brevemente, dos três tipos de leis que dirigem os
homens para o bem, fica fácil compreender que a ideia de educação em Tomás de
Aquino adquire o papel de meio para atingir o fim último, a saber, o ideal de verdade e
o Bem. As tentações impostas pelo pecado devem ser superadas para a finalidade ser
cumprida. Que o homem é dotado de razão e deve fazer uso dela, é tido como certo
para Tomás de Aquino. Os meios e modos para percorrer o itinerário rumo ao bem
são definidos e dependem exclusivamente da educação. Justamente por isso a educação
possui um caráter evangelizador, ao lado das questões científicas e filosóficas.
57
1) ESCOLAS DA IDADE MÉDIA:
d) Palatinas junto aos palácios. Não é difícil concluir que tais escolas estavam
dirigidas para os nobres. Os estudos abordavam, além das disciplinas do trivium
(gramática, retórica e dialética) e do quadrivium (aritmética, geometria, astronomia
e música), a arte da guerra e da boa administração.
58
2.8 FILOSOFIA NO RENASCIMENTO
• Machiavel 1469-1527
• Copernico 1473-1543
• Montaigne 1533-1592
• Francis Bacon 1561-1626
• Galileu 1564-1626
Ao mesmo tempo em que não se pode falar em total ruptura, também não é
possível falar de uma mera continuidade.
59
Gênova, Nice, Toulouse, Milão, Veneza, entre outras cidades. Em todos os lugares por
onde passou deixou sua forte marca. Tudo lhe interessava, lhe inquietava. Caçado por
suas heresias, Bruno decide, aos trinta anos, deixar sua pátria, a Itália. Parte, então, pela
Europa para levar palavras de inovação e oposição àquilo que considerava ultrapassado
e problemático.
Interessante notar que Giordano Bruno não tinha pretensões políticas, apesar de
muitas de suas palavras versarem sobre essa questão. No fundo, a grande questão
de Bruno é encontrar um apoio nas forças temporais para poder atacar, com mais
precisão, as forças espirituais. Justamente por isso ele concentra sua atividade no campo
das ideias. O âmbito das ideias, Giordano Bruno pôde encontrar o terreno sólido para
apoiar sua luta. Não há, nesse campo, necessidade de respeitar qualquer autoridade,
principalmente as instituídas pela religião.
Elas deveriam ser atacadas para a efetivação do novo. A proposta de Bruno é que, no
lugar da lógica aristotélica, uma nova deve ser instituída. À astronomia de Ptolomeu,
Bruno propõe a de Copérnico e de Pitágoras. À Física de Aristóteles, com seu mundo
finito e seu céu incorruptível, ele opõe a idéia de um mundo infinito, garantido por uma
evolução universal e eterna. À religião cristã, caracterizada pela graça e pelo espírito
que, segundo Bruno, é repleta de superstições e simbolismos, Bruno propõe a religião
da natureza, que explica o sobrenatural pelo físico.
60
de decomposição e recomposição em que essa substância única e imutável atravessa
estágios diversos e sucessivos. Nesse sentido, a única religião possível será a que torna
o homem parte dessa natureza cheia de energia e vitalidade e o faça participar do todo
infinito. Consequentemente, Bruno concebe a ética do amor intelectual a Deus e à
natureza como um impulso supremo da mente em direção à fonte de todas as coisas”
(BOMBASSARO, 2007, p. 37).
Após anos de caminhadas pela Europa, Bruno retorna a Veneza no ano de 1591.
Imediatamente foi processado e julgado pelo Santo Ofício. Mesmo depois de uma
retratação, no ano de 1592, Bruno é novamente preso em 1593. Desse novo processo,
não aceitando a rejeição de suas teses, recebe a pena capital, sendo condenado à
fogueira e executado em 1600.
2.10 MAQUIAVEL
Esse afastamento não significa um reducionismo. Pelo contrário, Maquiavel nos ensina
a perceber os lados opostos da mesma moeda. Falar em afastamento não significa,
também, que não há moral ou religião. Apenas que, quando tratamos das questões
políticas, essas devem se ocupar com seus limites, de modo autônomo, sem estarem
condicionadas por princípios de outros campos (religiosos ou morais).
61
Ideia pessimista de homem.
Os homens seriam, por natureza, vorazes, buscando sempre mais poder, conforme
capítulo III de O Príncipe: “O desejo de conquistar é coisa verdadeiramente natural e
ordinária e os homens que podem fazê-lo serão sempre louvados e não censurados” (p.
14). Cabe ao soberano conseguir dominá-los, sempre fazendo uso da astúcia e do poder.
Aprender como fazer uso dessa astúcia e desse poder é a meta do escrito mais famoso
de Maquiavel: O Príncipe. Nesse livro, Maquiavel dá uma aula de como um soberano
pode conquistar e manter Estados sob seu domínio.
Afasta por completo as reflexões morais para dar lugar a um realismo rígido.
Uma excelente demonstração do que dissemos até agora pode ser encontrado no
Capítulo XVIII do Príncipe.
Para Maquiavel é fundamental que um soberano saiba usar sua inteligência e poder
para manter-se no governo. A força do leão e a astúcia da raposa, unidas, representam
aquilo que é necessário para o príncipe manter seus súditos a serviço do Estado. Aliado
a esses, Maquiavel dá lugar à virtude e ao conhecimento da história como companheiros
necessários e inseparáveis de um bom príncipe.
62
A virtude não é compreendida como a tradição cristã a interpreta, ou seja, como
um ideal norteador da moral. Em Maquiavel, virtude é compreendida como a
arethé grega. É virtú, isto é, um saber fazer, uma habilidade no bem fazer. E essa
virtude é aprendida.
Ainda de acordo com Maquiavel, nada melhor do que conhecer a história para saber
como agiram os antigos. Se erraram, devemos aprender com seus erros. Se acertaram,
imitá-los é garantia de seguir um bom caminho. Conforme Maquiavel.
No Capítulo XIV, ao tratar da questão dos deveres do príncipe para com suas tropas,
Maquiavel volta a falar desse importante passo para a educação, a saber, a relevância do
estudo da história. Nesse capítulo, Maquiavel acrescenta á formação do príncipe a arte da
guerra. Importante ressaltar que é dever do príncipe praticá-la sempre, mesmo em tempo
de paz. Mas como fazer isso? Ora, Maquiavel afirma que existem duas formas: pela ação
ou apenas pelo pensamento. Através da ação fica claro como o príncipe pode exercitar a
arte da guerra. Mas a inovação está pelo pensamento. Sobre isso, Maquiavel diz:
63
Elabore um texto (3 a 5 laudas) que analise as principais características herdadas
pela educação contemporânea brasileira do pensamento sobre o conhecimento e a
educação do período medieval e do renascimento. Poste no fórum e debata suas ideias
com as dos colegas.
64
35
4
Filosofia Moderna
Licenciatura em Pedagogia
4 Filosofia Moderna
3.1 FILOSOFIA MODERNA
Primado da Razão
• Como posso conhecer? • Descartes
• Pascal
• O que posso conhecer? • Spinoza
• Leibniz
Conhecimento humano
Racionalismo e Empirismo Primado da experiência
• Hobbes
• Locke
• Berkeley
Séc. XVII XVIII
• Hume
Síntese Crítica
•Kant 1724 - 1804
O período conhecido como Filosofia Moderna se estende por pouco mais de dois
séculos e meio de história. Como todo período histórico da filosofia, é bastante difícil
fixarmos uma data para seu início. Por convenção, considera-se Descartes o primeiro
nome desse novo período. Entretanto, alguns outros, anteriores a Descartes (1596-
1650), como Montaigne (1533-1592) e Francis Bacon (1561-1626), aparecem como
membros da filosofia moderna. Outra dificuldade que aparece a partir de agora no
estudo da Filosofia é o surgimento de correntes filosóficas. Não que isso já não ocorra,
desde o surgimento da Filosofia. Mas, no período moderno, as correntes são mais
determinadas, mais claras, ou seja, há uma classificação mais detalhada de cada posição
filosófica, buscando aproximar ou distanciar os filósofos conforme as principais ideias
contidas nelas. Como exemplo inicial, temos o Racionalismo e o Empirismo.
69
Principal problema da Filosofia moderna (problema gnosiológico) à a correspondência de nos-
sas representações com a realidade externa.
Aquilo que para o senso comum e para o realismo é verdade, isto é, a existência da
realidade externa, para a filosofia moderna é ideia, representação.
Apesar de a realidade externa ser diferente para Descartes e Locke ou Kant, permanece,
todavia, constante o pressuposto da afirmação da existência da realidade externa. Essa
existência será ela própria envolvida na problematização da relação entre pensamentos
e realidade (iniciada por Descartes). Apenas com o idealismo procurará a superação
dessa oposição entre certeza e verdade.
70
De modo esquemático, poderíamos dizer que:
http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/discurso.pdf
71
1. A primeira regra é a evidência: não admitir “nenhuma coisa como verdadeira se
não a reconheço evidentemente como tal pela evidência, ou seja, evitar acuradamente
a precipitação e a prevenção, assim, como nunca se deve abranger entre nossos juízos
aquilo que não se apresente de forma tão clara e distintamente à nossa inteligência a
ponto de excluir qualquer possibilidade de dúvida”. Ou seja, evitar toda “precipitação”
e toda “prevenção” e só ter por verdadeiro o que for claro e distinto, isto é, o que
“eu não tenho a menor oportunidade de duvidar”. Assim, a evidência é o que salta
aos olhos, é aquilo de que não posso duvidar, apesar de todos os meus esforços, é o
que resiste a todos os assaltos da dúvida, apesar de todos os resíduos, é o produto do
espírito crítico.
É preciso que se ponha, ao menos uma vez na vida, todos seus conhecimentos à
prova da dúvida. Eu posso duvidar de tudo, metodicamente, de maneira sistemática
e hiperbolicamente (de modo exagerado). Mas nada pode impedir que eu pense, uma
vez que duvido. Duvidar que eu penso é pensar que eu duvido. O “eu penso” (cogito)
é, então, uma certeza inabalável. Ora, para pensar é preciso ser. Assim, eu penso, logo
eu existo. A certeza do pensamento implica a certeza de minha existência como ser
pensante. E essa é a primeira verdade para Descartes.
72
A certeza do cogito vem do fato de que eu posso ver claramente que, para pensar, é
preciso que eu exista. A clareza e a distinção são os critérios da verdade. Mas quem
pode me garantir que essa certeza não passa de uma ilusão, de uma quimera? Como
sair da solidão do cogito e estar certo da existência do objeto de meus pensamentos?
Em outros termos: como posso garantir meu conhecimento?
Para responder a essa questão, Descartes elabora duas provas da existência de Deus,
que também garantirão que meu conhecimento das coisas não se resume a meras
ilusões.
Tendo considerado provada a existência de Deus, Descartes pode afirmar que sendo
Deus bom, Ele não pode querer ou desejar que eu me engane quando estou certo de
ser na verdade. A certeza das ideias claras e distintas estão assim garantidas por esse
Deus veraz. Eis então a ideia do edifício do conhecimento estar fundado em bases
sólidas, segundo Descartes.
Na sequência desse raciocínio, temos que o erro provém dos sentidos e da imaginação,
não da razão. Portanto, é preciso ter a razão como guia para nosso conhecimento.
Encontra-se aqui justificado o título de racionalismo ao pensamento de Descartes.
73
O fato do cogito revelar minha existência como puro ser pensante, traz duas
consequências para Descartes:
MORAL PROVISÓRIA:
Entretanto, Descartes não vai afirmar que ninguém não é mal voluntariamente. Mesmo
se conhecemos o Bem, podemos sempre escolher com toda a liberdade o Mal.
O que Descartes compreende por cogito e o que entende pelo processo da dúvida
metódica? Qual seu objetivo ao aplicá-la?
74
3.3 LEIBNIZ
A experiência não é totalmente afastada em suas ideias, mas ocupa o papel de motor
de impulsão primeiro do conhecimento. Leibniz vai afirmar que, se nos contentamos
com as percepções captadas pelos nossos sentidos para conhecer a verdade, então nós
conheceremos apenas verdades particulares ou individuais.
Por exemplo: se nós conhecemos apenas um cão, e ele é feroz, não podemos concluir
disso que a agressividade é uma característica de todos os cães, mas apenas que se trata
de uma característica particular desse cão que conheço.
Dessa forma, Leibniz vai concluir que não podemos conhecer a verdade unicamente
graças aos sentidos e às experiências vividas. A verdade, dada e percebida através dos
sentidos, possui por princípio a razão. Essa afirmação empírica de que não existe nada
no entendimento que não esteja primeiro nos sentidos, Leibniz acrescenta: “salvo o
próprio entendimento”.
Segundo o filósofo, verdades de fato seriam aquelas que são empíricas, contingentes.
Por outro lado, as verdades da razão são eternas e inatas. Teremos, disso, que
todo o conhecimento oriundo da verdade de fato é válido, porém é inferior ao
conhecimento das verdades da razão. Esse é o autêntico conhecimento racional,
pois não depende da experiência.
75
Princípios pelos quais o conhecimento racional é dirigido:
2. Princípio da razão suficiente não existe nada que não tenha uma razão
suficiente para existir.
Ora, diz Leibniz, se a substãncia deve ser simples, sem partes, então apenas o espírito
pode sê-lo, uma vez que apenas o espírito é indivisível.
Para Leibniz, o mundo é composto por várias mônadas. Todas essas mônadas estão
ligadas entre si, em relações, mediante uma harmonia pré-estabelecida. Cabe à razão
perceber a unidade incomunicável que há em cada mônada. E, cabe ressaltar, essa
harmonia não se dá ao acaso. Há um autor do mundo, que é Deus. Deus será razão
suficiente não apenas do ser das coisas, mas também da possibilidade e da efetividade
da comunicação mútua entre as mônadas.
Para Leibniz, a verdade, dada e percebida através dos sentidos, possui por princípio
a razão.
76
3.4 THOMAS HOBBES
Hobbes vai mostrar que, quando alguém deixa algo para outro, no fundo está se
privando de ter esse algo. Em primeiro lugar vem os interesses próprios. Justamente
por isso pode-se dizer que a característica fundamental do homem é o egoísmo. O
homem, conforme nos mostra Hobbes, é um ser que deseja tudo, quer sempre mais,
mesmo que seja do outro.
77
Estado cria a moral, além do direito. A ideia de moral para Hobbes é diversa daquela
exposta pela tradição filosófica medieval, em que a moral é participante do ser. Agora,
a moral é material, oriunda de um desejo humano e egoísta. E isso porque o Estado,
que cria a moral, está acima dos indivíduos, a fim de que estes possam desfrutar da
tranquilidade necessária para fazer bom proveito de seus bens materiais.
Se os homens são maus por natureza, como afirma Hobbes, qual seria o papel da
educação?
O empirismo inglês encontra em John Locke (1632 - 1704) seu maior nome. A filosofia
de Locke abrange os principais pontos do empirismo, atuanto e agindo em variados
campos de pesquisa, entre eles a teoria do conhecimento, a política, a ética e a educação.
A principal obra de Locke sobre o conhecimento leva o título de Ensaio sobre o
entendimento humano.
78
Segundo Locke, se existissem ideias inatas, então de onde surgiriam as
grandes diferenças de ideias que existem, principalmente aquelas que se ocupam
dos costumes, da moral, da religião?
Ora, dirá Locke, só a questão já nos deixa claro que não há nada anterior à experiência.
Todo nosso conhecimento provém da experiência. A mente humana é uma tábula rasa,
onde nada está dado anteriormente.
O ponto crucial da defesa da experiência em Locke é dado quando ele afirma que não
há diferença ou distinção entre o conhecimento sensível e o inteligível (intelectual).
Caso exista alguma, não passa de diferença na organização de um material que é único,
que provém sempre das sensações.
1. Como sensação São ideias daquilo que nos é externo, por exemplo: ideias
de cor (vermelho), temperatura (calor), sabor (doce).
2. Como reflexão São ideias daquilo que nos é interno, por exemplo: amor,
dor, desejo.
As ideias mostradas acima são descritas por Locke como ideias simples. Mas o sujeito,
a partir delas, pode elaborar ideias mais complexas. Como exemplos dessas ideias,
Locke fala da infinitude, da substância e da eternidade. Essas ideias complexas são,
no fundo, modos de organização das ideias simples. Assim, as ideias simples podem
ser consideradas, conforme nos ensina Locke, como verdadeiras, uma vez que são
impressões dos objetos sobre o intelecto humano.
Em um exemplo clássico, retirado das lições contidas no Ensaio, Locke afirma que
quando falamos “cavalo”, na verdade estamos reunindo um feixe de sensações, ou seja,
79
reúno sob o mesmo pensamento a forma “cavalo”, a figura “cavalo”, as propriedades
típicas de um “cavalo”, etc. No fundo, nós apenas podemos conhecer cada uma dessas
propriedades, que reunidas podem ser resumidas na palavra “cavalo”.
ÉTICA E POLÍTICA
Segundo Locke, a ciência política possui três aspectos: 1) ela é normativa, ou seja,
as normas da ação futura podem ser rigorosamente definidas, uma vez que as ideias
são produtoras de seu objeto. 2) A ciência da ação leva a um método de descoberta
racional e a uma ordem de exposição demonstrativa. 3) A importância da concepção
subjetiva dos direitos, que vai levar às premissas dos Direitos Humanos.
80
Quanto aos homens, não há entre eles uma diferença inerente: eles são todos livres e
iguais aos olhos de Deus. O filósofo defende a ideia que os homens são originalmente
livres e iguais, e que a origem do governo reside em uma livre associação. Com isso,
Locke se opõe à teoria da monarquia divina.
Em outras palavras, o governo e a sociedade civil surgem do direito que cada um possui, pela lei
da natureza, de fazer aquilo que lhe parece conveniente para assegurar sua conservação.
De acordo com Locke, podemos perceber que há a ideia de uma ordem espontânea
pela qual os poderes públicos devem garantir a segurança do povo. Há uma formação
espontânea do direito, anterior ao surgimento do estado, cuja função é mais de garantir
do que criar o direito.
O estado tem como principal tarefa preservar a segurança e aquilo que foi
adquirido por seus membros.
A propriedade deve ser salvaguardada pelo Estado. Com isso, a preservação aparece
como sendo a finalidade última do contrato social em Locke. Conforme o filósofo,
a propriedade diz respeito não apenas aos bens possuídos, mas também à vida e à
liberdade. Em cada propriedade existe um valor inalienável.
EDUCAÇÃO
No campo da educação, Locke possui profunda importância até os dias de hoje. Sua
obra, ainda não traduzida para o português, intitulada Pensamentos sobre a educação,
aborda a questão com profundidade e clareza, trazendo trechos polêmicos que ainda são
amplamente passíveis de discussão hoje em dia. A título de orientação, podemos dizer
que os Pensamentos possuem três características fundamentais em sua organização e
exposição:
81
1. Locke trata no início de sua obra da educação física. Segundo o autor, esse momento
da educação é fundamental para que a criança aprenda a suportar as dificuldades e
obstáculos que naturalmente ocorrerão em toda sua vida. É chamado de momento de
endurecimento.
David Hume (1711 - 1776) pode ser considerado o filósofo moderno que com mais
furor investiu contra a metafísica. Em suas principais obras: “Tratado sobre a natureza
humana”, “Investigação sobre o entendimento humano” e “Investigações sobre os
princípios da moral”, as preocupações empiristas de Hume tornam-se argumentos
fortes para ataques às ideias de cunho metafísico que permeavam a filosofia até então.
Para saber mais sobre a obra de Hume, leia o texto integral em: http://www.cfh.ufsc.
br/~wfil/ensaio.pdf)
Hume afirma que tudo procede da experiência sensível, e sobre aquilo de que não há
experiência, nada pode ser afirmado.
82
35
5
Ensinar Filosofia
Licenciatura em Pedagogia
Ensinar Filosofia 5
ENSINAR FILOSOFIA
Nesta unidade final abordaremos como todo o conhecimento filosófico que você
estudou até agora poderá ser um auxiliar do trabalho do professor (a) no Ensino
Fundamental. O professor de filosofia das séries iniciais deve ser também um
pesquisador, pois as constantes dificuldades que aparecem nesse trabalho não são
exclusividades da infância, também incomodam o mundo dos adultos. Abordar
questões controversas com crianças leva à necessidade de melhorias nas estratégias
metodológicas, nas abordagens cada vez menos dogmáticas, bem como no
aprimoramento da linguagem pessoal e do grupo.
Educação é Tudo!
133
5.1 FILOSOFIA NO ENSINO FUNDAMENTAL
A filosofia foi adquirindo grande importância na escola primária depois dos anos 70
e foi pela grande visibilidade do trabalho de Matthew Lipman e Gareth B. Matthew,
entre outros, junto ao Institute for the Advancement of Philosophy for Children de
Montclair State College. Preocupado com as remediações sistemáticas de um sistema
educacional ineficiente, esse grupo de professores desenvolve o argumento de que não
é mais possível remediar, o que se necessita é de uma reforma do ensino.
Na verdade, essa conclusão sobre o sistema educacional como uma doença epidêmica
parece ser a tônica do argumento reformador da educação. Isso significa dizer que não
são dificuldades pontuais dos alunos que devem ser o foco da busca por soluções, mas
sim uma nova lógica no modo de conceber o sistema educacional.
134
Ao chegar a essa conclusão, Lipman analisa as expectativas de pais e crianças com
respeito à escola. Quase todas são frustradas. Os pais querem que a escola faça seus
filhos aprenderem, isso significa dizer que se o processo educacional fosse interessante
e relevante não haveria a necessidade de fazer aprender. As crianças querem aulas
interessantes e significativas para suas vidas, porém também não encontram isso. Os
adultos têm a tendência em não ouvir os apelos por significados e relevância, também
porque as crianças têm pouca capacidade argumentativa diante dos adultos.
“A ênfase ao termo descobrir não é por acaso. A informação pode ser transmitida,
as doutrinas podem ser incutidas, os sentimentos podem ser compartilhados mas os
significados têm de ser descobertos” (LIPMAN; SHARP; OSCANYAN, 1997, p. 24).
135
para todas as informações que recebem de seus diferentes professores. Não exigimos
muito delas?
Assim como todo mundo, as crianças anseiam por uma vida repleta
de experiências ricas e significativas. Elas não querem simplesmente
ter e compartilhar, mas ter e compartilhar de modo significativo, não
simplesmente gostar e amar, mas sim gostar e amar significativamente; as
crianças querem aprender mais significativamente (LIPMAN; SHARP;
OSCANYAN, 1997, p. 25).
Como podemos ver Lipmam critica a forma como é concebida a educação como um
todo. Desde a forma como pensamos a escola e as disciplinas e matérias até o livro
didático. Nesse sentido, sua proposta de reforma do sistema educacional tem largo
alcance: busca reestruturar todo o modo de pensar a escola e o conhecimento escolar.
136
Para conhecer mais o trabalho e o projeto do norte-americano Matthew Lipman,
acesse o endereço: http://www.cbfc.org.br
Já nas primeiras experiências, feitas nos Estados Unidos, a filosofia nas séries
iniciais demonstrou toda a sua possibilidade e importância. Os alunos se dispuseram
à investigação de forma impressionante, adquirindo padrões de pensamento
interessantes. O estímulo e motivação para a descoberta incentiva as crianças na
aprendizagem de todas as disciplinas, porém é o método o que mais impressiona nessa
abordagem. As crianças, através do questionamento sobre seu próprio conhecimento,
aprendem também a aprender de forma interessante e motivadora, aprendendo sobre
si mesmas e seu modo individual de aprender. Essa descoberta abre o caminho para o
conhecimento de qualquer outra disciplina, pois adquirem confiança e método.
Podemos dizer que a motivação para a introdução das temáticas filosóficas no ambiente
escolar situa-se em compreender que as crianças são interlocutoras interessantes
e competentes para as questões da existência humana. Dessa forma, buscamos as
atitudes do princípio do filosofar, isto é, o espanto, o deslumbre e a curiosidade, como
motivadoras do trabalho.
Vê-se, então, nos filósofos como Sócrates, Platão ou Aristóteles, Tomás de Aquino ou
Santo Agostinho, Kant ou Maquiavel, um universo conceitual e de pesquisa capaz de
encantar as crianças. Se Sócrates mantinha em seu método maiêutico toda a impulsão
do filosofar com seus alunos, porque não podemos fazer o mesmo com os nossos?
138
5.2.1 O que ensinar
Apesar de Lipmam enfatizar a lógica e a moral, não devemos tomar esses conteúdos
com o objetivo de moralização no sentido de incutir algum valor predeterminado
nas crianças. A filosofia não deve ser usada para reforçar quaisquer padrões de
comportamento. Ela deve se tornar uma prática reflexiva sobre os conceitos que
determinam o agir. Isso significa que ela vai tratar dos princípios sobre os quais qualquer
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pessoa age. Se a criança não se sentir livre para pensar e relacionar, não vai gostar de
exercitar seu pensamento, e isso pode comprometer todo o seu desenvolvimento.
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Ninguém conhece ao certo como acontece, mas o pensamento está tão
intimamente ligado à linguagem que muita gente acha que aprender a falar,
aprender a pensar e aprender a raciocinar estão mutuamente interligados.
A razão disso poderia ser porque parte da explicação de como as crianças
aprendem a raciocinar encontra-se na observação de como elas aprendem a
falar. Certamente é maravilhoso o que uma criança consegue fazer ao aprender
a organizar as palavras em enunciados gramaticais. (...) Não só é notável a
aprendizagem das palavras, mas também o fato de as crianças a organizarem
em estruturas gramaticalmente corretas ao falarem e fazem isso desde muito
pequenas. (...) Evidentemente as crianças possuem essas disposições de
organizar seus pensamentos e suas falas de uma forma gramatical e lógica.
Mas assim como é preciso ensinar às crianças a diferença entre usar bem a
linguagem e usa-la mal (por exemplo: sem respeitar a gramática), também é
preciso ensinar-lhes a diferença entre raciocinar de uma maneira sólida ou de
um modo descuidado” (LIPMAN, SHARP, OSCANYAN, 1997, p. 36).
Sob o ponto de vista do programa de Lipman, isso é o desejável para uma escola que
busca dar significado ao que o aluno aprende. Quando se ensina língua portuguesa ou
literatura, ou até mesmo quando ensinamos a mecânica da leitura e da escrita, estão
necessariamente envolvidas as habilidades motoras, da fala e as do pensamento. Porém,
quando o professor só se preocupa com a escrita bem feita ou a ordenação sintática,
nem sempre está preocupado em como a criança pensa sobre o assunto. Buscar uma
ordenação nos textos escolares tem de estar associado à busca de uma ordenação nos
argumentos da criança, isto é, buscar desenvolver as habilidades de seu raciocínio.
Mas como fazer isso? Vamos ministrar aulas sobre História da Filosofia? As crianças
vão ler Kant, Descartes, David Hume e Aristóteles?
É claro que não será dessa forma, mas também não precisaremos nos afastar totalmente desses
autores. O que devemos fazer é considerar a questão a ser abordada, tratar com seriedade a
comunidade de investigação e transformar a pesquisa filosófica em hábito na escola.
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O método socrático da maiêutica foi um dos modos de ensino mais interessantes na
história da filosofia e, por ter se constituído no início da filosofia Ocidental, mantinha
fortes relações com o modo do despertar do conhecimento. Os educadores muitas vezes
se inspiraram em Sócrates para despertar nas crianças o que lhes é natural, o gosto pela
descoberta, auxiliada pela curiosidade da idade e a vontade de compreender o mundo.
Sem dúvida foi Dewey quem previu, nos tempos modernos, que a filosofia
tinha que ser redefinida como o cultivo do pensamento ao invés de transmissão
de conhecimento; que não poderia haver diferença entre o método pelo qual os
professores eram ensinados e o método pelo qual seria esperado que ensinassem;
que a lógica de uma disciplina não devia ser confundida com a seqüência das
descobertas que constituiriam sua compreensão; que a reflexão do estudante
é melhor estimulada pela experiência vivida do que por um texto desidratado,
formalmente organizado; que nada melhor que a discussão disciplinada
para aguçar e aperfeiçoar o raciocínio são essenciais para ler e escrever com
sucesso; e que a alternativa para não doutrinar os estudantes está em ajudá-los
a refletir efetivamente sobre os valores que constantemente são impostos a eles
(LIPMAN,1990, p. 20).
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Para conhecer mais sobre o filósofo JOHN DEWEY acesse: http://pt.wikipedia.
org/wiki/John_Dewey
Mas para que as crianças descubram como é interessante aprender e estruturar seus
pensamentos, também é preciso que tenhamos professores mais preparados para
conduzir a tal caminho. Assim, é preciso dispensar os manuais de professores com
exercícios de fixação e reforço do conteúdo. Proporcionar ao professor uma capacitação
para conduzir ao questionamento criterioso inevitavelmente leva a necessidade de
uma formação mais filosófica, do ponto de vista do conhecimento geral, e mais
questionadora, do ponto de vista do método.
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a aplicabilidade da filosofia.
Aplicar filosofia e fazer filosofia não são a mesma coisa. O paradigma do fazer
filosofia é a figura altiva e solitária de Sócrates. Para ele não se tratava de uma
aquisição nem de uma profissão, mas de um modo de vida. O que Sócrates nos
exemplifica não é uma filosofia conhecida nem aplicada, mas praticada. Ele nos
desafia a reconhecer que como obra, como forma de vida, a filosofia é algo a que
qualquer um de nós pode dedicar-se (LIPMAN, 1990, p. 28).
Uma coisa é dizer que o debate e a argumentação são artifícios disciplinares úteis
na preparação daqueles que se engajam no raciocínio filosófico; outra coisa,
completamente diferente, é supor que a filosofia é redutível à argumentação. O
método erístico de ensino, provavelmente introduzido em Atenas pelo sofista
Protágoras, pode ter sido adequado para preparar futuros advogados e políticos,
mas será que era realmente útil para a preparação de todos os demais (inclusive
pretensos filósofos) que buscavam uma visão de mundo mais racional? (...) O
que Sócrates enfatiza é o prosseguimento ininterrupto da investigação filosófica,
seguindo o raciocínio para onde quer que ele conduza (confiante de que, seja
onde for, a sabedoria se encontra naquela direção) e, não o ofegar e o tinir de
armaduras em batalhas dialéticas, onde o prêmio não está na compensação mas
na vitória (LIPMAN, 1990, p. 30).
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O método maiêutico busca desenvolver um diálogo no qual os interlocutores
pretendem chegar a alguma verdade juntos, ou seja, o diálogo é envolto em
amizade e camaradagem. Esse despertar para o conhecimento é uma vontade de
toda criança, basta estimulá-la para que ela adquira o gosto pela descoberta.
Resumindo
A metodologia a ser mantida com as crianças leva em conta que temos de reestrutu-
rar nossas práticas diárias na sala de aula, onde a explicação de algo toma quase que
a maior parte de nosso tempo. “A explicação é a “arte da distância” entre o aprendiz
e a matéria a aprender, entre o aprender e o compreender: o segredo do explicador é
apresentar-se como quem reduz as distâncias à sua mínima expressão” (KOHAN, 2005,
p. 188). Nesse sentido, teremos de desenvolver estratégias didáticas capazes de manter
as crianças interessadas pelo que no mundo as afetam.
145
5.2.3 O que e como: uma proposta.
Muito se pergunta como podemos aplicar uma nova proposta educativa na escola pública
se temos poucos recursos para “comprar” experiências e propostas prontas como a de
Lipman ou até mesmo a do CBFC. Como poderíamos ter acesso a esses conhecimentos
sem, necessariamente, ter de “comprar” material e manter o treinamento dos professores
aplicadores do método? A única resposta está vinculada à qualidade da formação dos
professores. Precisamos formar professores capazes de manter-se atualizados nas met-
odologias e capazes de ser criativos e comprometidos com a aprendizagem de seus alunos.
Não basta ensinar a escrever, temos que ensinar o deslumbre de contar uma história;
não basta ensinar a ler, temos de compartilhar a emoção de recitar um poema; não
basta ensinar a contar, temos de ensinar a descoberta dos números; não basta ensinar
história, temos de ensinar a ver a própria história mesclada a nossa vida; enfim, temos
de ensinar e aprender com as crianças como é a vida, pois estamos em constante apre-
ndizagem também.
Já temos o que precisamos, mas podemos produzir mais. Temos o que precisamos,
porque na História da Filosofia ou na própria Literatura podemos encontrar textos
capazes de produzir nas crianças o mesmo efeito das novelas filosóficas.
Mas também podemos produzir mais: podemos formar professores capazes de produzir
histórias filosóficas para seus alunos.
Através de estudo e oficinas, podemos fazer de cada escola um centro capacitado para
fomentar o pensamento criterioso, buscando um aprimoramento no pensar. Devido a tal
convicção, colocamos um exemplo de material produzido que poderá ser reproduzido
em qualquer escola ou comunidade de escolas.
Tal como a origem da filosofia se dá a partir do afastamento das pessoas das explicações
mitológicas, propomos que nas séries iniciais a criança tenha acesso à iniciação filosó-
fica através da mitologia, seja a clássica, a indígena ou qualquer outra. Ao tomarmos
como argumento a mitologia, colocamos em evidência fatos e explicações (no caso das
alegorias) dogmáticas. A análise desses fatos pode ser motivador para as discussões em
sala de aula. Crianças pequenas ficam estimuladas com histórias fantásticas e originais,
por isso os mitos podem servir como pretextos dessa iniciação metodológica das co-
munidades de investigação. Aprender a conversar e discutir ordenadamente, tendo um
objetivo comum, é a melhor forma de iniciar na filosofia.
Vamos dar um exemplo de texto adaptado a partir do Livro VII da “República” de Platão:
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O MITO DA CAVERNA
Sócrates era seu nome. Um grande contador de histórias. Um belo dia resolveu nos
contar sobre uma estranha cena e a situação em que alguns viviam...
“Imagine uma caverna de difícil acesso e com uma abertura ao longe. Dentro dela pessoas
que estão lá desde o nascimento. Elas estão presas por correntes, nas pernas e pescoços,
e só conseguem olhar para a frente, para o fundo da caverna. Em um patamar acima e
atrás delas existe um muro mais ou menos da altura de uma pessoa adulta. Porém, as
pessoas que passam por ali não se comunicam com os prisioneiros. Elas falam entre si,
caminham e carregam em seus ombros estátuas de vários tipos de coisas. Uma fogueira
aquece e ilumina estas pessoas. Os prisioneiros, no fundo da caverna, podem ver uma
infinidade de imagens e podem ouvir uma infinidade de sons. São as estátuas que refletem
lá no fundo da caverna, e lhes aparecem como sombras e as vozes das pessoas que pas-
sam formam um eco. Os que estão lá no fundo da caverna, por nunca terem visto outra
coisa, pensam que essas sombras são a realidade, pois além de se mexerem elas falam.
Um dia um dos prisioneiros conseguiu se soltar das correntes. Começou a subir até
o muro. Com muita dificuldade conseguiu ultrapassá-lo e ver o que tinha atrás dele.
Primeiramente foi ofuscado pela luminosidade, mas depois de acostumar-se pôde ver
com nitidez. Qual foi sua surpresa quando viu a fogueira, as pessoas passeando com
seus vasos e estátuas. Mesmo com a pouca luminosidade da fogueira, ele via que as
imagens que tinha visto no fundo da caverna eram apenas sombras disso que via agora.
Estas eram muito mais nítidas e mais bonitas que suas sombras.
Ao olhar para longe e para cima viu a abertura da caverna. Uma luz muito forte penetrava
no caminho íngreme e difícil. Não conseguiu se conter e começou a subir. O caminho
era extremo, difícil. Viu muitos outros parados, cansados durante o percurso, mas isso
não o abalou. Persistiu e ao chegar ao topo, finalmente, saiu.
Uma luz muito forte o cegou imediatamente - achou até que tinha ficado cego. Essa
imensa luz era o Sol. Porém lembrou-se da mesma situação que já tinha lhe acontecido
na caverna, ficou calmo e esperou. Depois que seu olho se habituou à luz, começou a
enxergar as coisas com muita nitidez novamente. Estava livre da escuridão. O que via
era pura natureza, nada fabricado ou construído, tudo era natural e vivo. Pensou ime-
diatamente que o que tinha visto antes na caverna não era real, eram apenas imagens e
imitações da natureza e suas sombras.
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escuridão, pois havia saído da luz intensa do Sol. Seus companheiros, ainda prisioneiros,
não acreditaram nele e disseram que ele estava com a visão perturbada pela luz do Sol,
pois imediatamente ele não conseguia ver na escuridão. Eles afirmavam que ele não
poderia mais ver a realidade, porque tinha estragado os olhos e o poder da visão. Foi
tido como louco. Porém, mesmo assim, resolveu ficar naquele lugar para tentar con-
vencer os prisioneiros a libertarem-se das correntes e iniciarem o caminho ascendente,
em direção a verdadeira luz do Sol”.
A partir desse texto poderemos iniciar uma discussão com as crianças. Se elas forem
muito pequenas, o professor poderá contar e ilustrar, se forem maiores poderão ler e
discutir a partir de alguns temas do texto.
Você acha que existem pessoas que não querem pensar diferente?
Isso que aparece para mim é o mesmo que aparece para você?
O MITO DO MUNDO
Satisfeito, esse deus mandou que agora as pessoas nascessem do chão, da terra. A elas
o deus deu árvores, frutos e todas as coisas de que precisassem. As pessoas não usavam
roupas, pois não havia frio. Elas podiam dormir na grama que nascia da terra. Assim,
viviam livres e felizes sem nenhuma preocupação, pois o grande deus cuidava delas.
Porém, quando completou mil anos, o grande deus desapareceu. Com isso, a hora da
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mudança estava próxima. Essa raça nascida da terra começou a desaparecer, porque
o mundo, novamente, parou e começou a girar ao contrário. Isso aconteceu porque o
deus deixou o mundo girar sozinho e ficou só observando.
Agora as pessoas não nascem mais da terra. Tudo passou a acontecer como nos dias de
hoje: as pessoas nascem umas das outras, crescem, constroem sua família, trabalham
para sobreviver, envelhecem e morrem” (FRANKLIN, 2005, p. 61).
A partir desse texto, podemos iniciar a conversa com as crianças sobre a origem de
todas as coisas.
O aquecimento global de que ouvimos falar tem alguma relação com nosso
mito?
Muitas são as possibilidades de trabalho com mitos na filosofia com crianças, basta ter
criatividade, objetivos específicos e uma metodologia interessante.
Questões como essas podem iniciar uma discussão, mas claro que sempre devemos
estar atentos a idade e a capacidade de comunicação do grupo com que trabalhamos.
À medida que a iniciação filosófica avança nas comunidades de investigação, o grupo
adquire confiança nos argumentos, buscando cada vez mais pensar e comunicar com
qualidade. Esse é um bom objetivo para nosso trabalho: desenvolver a capacidade de
pensar bem.
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A aprendizagem no âmbito moral não pode mais ser entendida como um
processo que visa incutir verdades ou transmitir valores morais ao educando.
A educação moral deve criar condições para que este aprenda a lidar com as
incertezas que permeiam a ação e, por essa razão, precisa auxiliar a preparar o
sujeito para a ação. (...) O agir corretamente não poderá mais ser preestabelecido
mediante prescrições de ordem moral. A educação deixa de ter a função de
repassar aos alunos tais prescrições e, ao assumir seus próprios limites, explicita,
no âmbito moral, seu papel de forma mais lúcida (CENCI, 2007, p. 93-94).
Para trabalhar com filosofia no Ensino Fundamental, é preciso ter em mente que não
podemos doutrinar crianças para que pensem como adultos. A curiosidade infantil pode
ser naturalmente explorada se pudermos estabelecer um diálogo franco e interessante.
Todos devem sentir-se à vontade com a comunidade de investigação e o professor
deve estar atento ao que cada criança fala.
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