Farsa de Inês Pereira
Farsa de Inês Pereira
Farsa de Inês Pereira
- Gil Vicente
Ditado que deu origem à peça: “Mais quero asno que me leve que cavalo que me derrube.
Diz-nos que o asno não é melhor que o cavalo, mas torna-se preferível pois não oferece
perigo, algo que irá ser percebido ao longo da farsa.
Em certas cenas segue-se o princípio do “Ridendo castigat mores” (a rir castigam-se ou
corrigem-se os costumes).
Diálogo com a mãe: a mãe regressa a casa da missa e reclama com a filha dizendo que a
trabalhar assim hão de lhe os filhos chorar por pão e que Inês não à de arranjar marido com
esta fama de preguiçosa, ao qual a jovem responde que é cuidadosa, mas mesmo assim não
tem pretendentes.
A mãe apenas lhe diz para ter paciência e no final da conversa entra Lianor Vaz em cena,
benzendo-se.
Caracterização da mãe: a figura materna mostra-se irónica uma vez que troça do
comportamento exagerado da filha. Por outro lado, revela-se protetora, querendo assegurar o
bem de Inês durante o seu grande desejo de casar.
Caracterização de Inês: ela mostra-se desesperada para casar com alguém, uma vez que
achava que assim conseguiria escapar da vida entediante que tinha. Perante este desejo, a
mãe aconselha-a a acalmar-se, porém, esta continua a insistir, revelando-se persistente.
Relação entre Inês e a Mãe: relação de autoridade, uma vez que a filha faz aquilo que a
mãe ordena e autoriza. Esta relação de hierarquia provoca bastante tensão e conflito entre as
duas.
Caracterização de Lianor Vaz: é uma mulher do povo que, ao chegar a casa da mãe de
Inês, parece muito afrontada com tudo o que aconteceu. Todavia, ao longo da narrativa, dá a
entender que não teria lidado da melhor forma com o sucedido, revelando alguma fraqueza e
desculpando-se com a sua condição física (v. 126 e 127/ “já eu andava cansadinha”)
Face ao exposto, pode afirmar-se que a personagem não terá desgostado da situação,
evidenciando alguma hipocrisia. Existem também certas incongruências na sua história,
levando a questionar a verdade da mesma. (começa por dizer que o ataque foi ao redor da sua
vinha, mas a meio afirma que foi no seu olival; diz que vem amarela mas vem “mais ruiva
que uma panela”; está sempre a desculpar-se…).
Características que um homem deveria ter para casar com Inês: deseja um marido que
saiba tocar viola, seja discreto, carinhoso e eloquente, ou seja, procura um homem que a faça
ascender em termos sociais, mesmo que este seja feio e pobre (v. 184 ao 188). A personagem
faz logo questão de dizer isto a Lianor, certamente com dúvidas que esta lhe fosse capaz de
apresentar um homem assim.
Caracterização do pretendente que Lianor trás: ela destaca a bondade, riqueza e
honestidade do pretendente, salientando que este não faz questão que Inês tenha dote (“Diz
que em camisa vos quer”), trazendo também uma carta do mesmo.
Monólogo/ apresentação do escudeiro: ele diz que não acredita na beleza de Inês
retratada pelos judeus, mas antes acha que esta é uma aldeã feia e desonesta (v. 503 ao 518).
Falas da mãe: a mãe, procurando ajudar a filha a causar boa impressão ao escudeiro,
aconselha esta amostrar-se séria e reservada, para assim ser apreciada e valorizada tal como
uma pérola (“porque a moça sesuda/ é ua perla pera amar” - metáfora)
Falas do escudeiro: ele orienta o moço para agir de forma coincidente com a sua vontade,
com o objetivo de manter as aparências e impressionar Inês. O escudeiro aqui aparenta ser
um homem arrogante, falso e dissimulado, fazendo promessas ao moço que não sabe se pode
cumprir (v. 551 e 552).
V. 678 ao 696: através desta expressão a mãe destaca a sua tristeza perante o trabalho dos
Judeus casamenteiros. Considera que o resultado da sua busca é tão ridículo e caricato que
até lhe provoca o riso. Ela pretende chamar a atenção de Inês para o facto de esta ponderar
casar-se com alguém que não lhe pode dar segurança económica, sugerindo-lhe que case
com um homem que corresponda à sua situação em termos de hierarquia social (utiliza a
ironia no seu discurso).
V. 864 ao 872: Inês está revoltada com a sua situação e constata que foi imprudente na
escolha do marido, lamente ter procurado descrição, uma vez que só encontrou uma vida
dura de cativeiro e sujeição, prometendo a si mesma que, se ficar solteira novamente,
escolherá um marido em que possa mandar e que cumpra as suas vontades. Segundo ela,
pretende vingar-se do modo como era tratada pelo escudeiro.
Versos 940 ao 1010 (Lianor Vaz faz uma nova proposta a Inês)
Inês mostra-se dissimulada, falsamente pesarosa com a morte do escudeiro (“finge estar
chorando”), lamenta a sua ventura uma vez que nem sequer engravidou do marido (v. 945 e
946). Para tornar mais genuína a sua dor e para não parecer muito apressada na aceitação de
um novo casamento, mente à cerca da conduta de Brás da Mata (v. 953 ao 955). No entanto,
demostra estar preparada para casar novamente (v. 967). Assume que prefere casar com um
“asno” que fique contente só te a ver (v. 968 ao 972).
Os versos “asno que me leve quero, / e não cavalo folão” remetem para o argumento que
preside a farsa, o que nos leva de imediato a associar o escudeiro ao cavalo e Pero Marques
ao asno.
Após o casamento com o escudeiro, que só lhe trouxe dissabores, Inês aceita casar com um
lavrador inculto e pouco cortês, mas que lhe trará uma melhor vida do que aquele que, na sua
opinião inicial, lhe proporcionaria uma vida “diferente”.
Na cena final da farsa Inês faz-se transportar às costas de Pero Marques, o que,
simbolicamente significa que é ela quem manda, já que, ao carregá-la, Pero submete-se à sua
vontade, embora tenho sido iludido com o argumento de a água fria poder causar
infertilidade. Assim se cumpre um desejo de Inês, ser ela a controlar o marido.
A canção cantada alude diretamente à infidelidade que está a ser cometida “sempre foste
percebido/ pera gamo”. Pero Marques, o marido enganado, sem se aperceber, leva a
dissimulada Inês a um encontro amoroso com o falso ermitão.
Mãe: em contraste com a filha revela-se ponderada, atenta à realidade e algo interesseira.
Para ela, o casamento da filha com Pero Marques é garantia de bem-estar económico
também para a sua velhice. A mãe partilha pontos de vista com Lianor Vaz, a alcoviteira. É
uma personagem-tipo, plana e estática.
Moço: tem como função principal ajudar a caracterizar o Escudeiro, seu amo. Tal é feito
pela forma como agem um com o outro, pelos diálogos que travam ou então pelos apartes
desta personagem.
As semelhanças e contrastes entre as várias personagens permite que cada uma delas
seja aprofundada.
No fim Inês apercebeu-se que mais vale casar com um camponês humilde, que lhe faça
todas as vontades (“asno que me leve”), do que ter um marido de comportamento
refinado, mas que a maltrate (“cavalo que me derrube”).
Atos ilocutórios
A interação comunicativa, que pode acontecer sob a forma oral ou escrita, desenrola-se
entre um locutor e um recetor num determinado contexto- espaço, tempo, relação entre
interlocutores- e caracteriza-se pela produção de um enunciado que se reveste de
características próprias, de acordo com a intencionalidade de quem o produz.
A intenção do locutor de realizar ou intentar realizar uma ação pode ser expressa de forma
+/- explícita. Este pode dar à mensagem uma forma clara e inequívoca que mostre ao
interlocutor o seu objetivo, a sua intenção e, nesse caso, produz um ato de fala direto (ex.:
“Deves tomar o pequeno almoço todos os dias”) ou pode transmitir a mensagem de forma
menos direta, menos clara, devendo o interlocutor concluir acerca do que lhe está a ser
comunicado (ex.: “A primeira refeição da manhã é muito importante”), situação em que
estamos perante um ato de fala indireto se a intenção for levar o interlocutor a tomar
sempre o pequeno-almoço.
Classificação dos atos ilocutórios