5113-Texto Do Artigo-23241-1-10-20171008
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DOI: http://dx.doi.org/10.18764/2446-6549.v3n9p141-157
RESUMO
O presente artigo faz uma análise do tema da justiça presente no Livro V da obra “Ética a
Nicômaco” do filósofo grego Aristóteles. Nesta, leva em conta os diversos temas atinentes ao
termo conforme apresenta o próprio filósofo. Por conta disso, inicia alocando a justiça enquanto
virtude por excelência. Posteriormente, passa a analisar a significação e posterior distinção entre
justiça total e justiça particular (nesta última, distingue justiça distributiva de justiça corretiva),
justiça política e justiça doméstica, justiça natural e justiça legal, a designação de justiça como
equidade, a relação entre amizade e justiça e, por fim, a consideração do juiz como justiça animada.
ABSTRACT
This article is a justice theme this analysis in Book V of the “Nicomachean Ethics” work of the
Greek philosopher Aristotle. This takes into account the various issues pertaining to the term as
presents the philosopher himself. Because of this, start by allocating justice as a virtue par
excellence. Later proceeds to analyze the meaning and later distinction between full justice and
particular justice (the latter distinguishes distributive justice corrective justice), political justice and
domestic justice, natural justice and legal justice, the designation of justice as fairness, the
relationship between friendship and justice and, finally, a judge as lively justice.
RESUMEN
Este artículo es un tema de justicia este análisis en el Libro V de la obra “Ética a Nicómaco” del
filósofo griego Aristóteles. Esto toma en cuenta las diversas cuestiones relacionadas con el término
como se presenta el propio filósofo. Debido a esto, comenzar mediante la asignación de la justicia
como una virtud por excelencia. Posteriormente se procede a analizar el significado y más tarde
completa distinción entre la justicia y la justicia particular (este último distingue la justicia
distributiva justicia correctiva), la justicia política y la justicia doméstica, la justicia natural y la
justicia legal, la designación de la justicia como equidad, la relación entre la amistad y la justicia y,
por último, una justicia tan viva la justicia.
INTRODUÇÃO
JUSTO E INJUSTO
[...] disposições de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo,
que as faz agir justamente e desejar o que é justo, e do mesmo modo por
injustiça se entende a disposição que as leva a agir injustamente e a desejar o que
é injusto (ARISTÓTELES, 1984, p. 121).
A justiça, pois, seria um hábito, de modo que ser justo implicaria em praticar a
justiça voluntariamente. É, portanto, um costume, seria o modo como os indivíduos agem
diante da sociedade. Pode-se afirmar que as ações consideradas justas são aquelas que têm
por objeto o justo. Ou seja, o homem justo é o homem que respeita às leis, uma vez que as
leis são redigidas para a harmonia de todos na polis, enquanto as ações injustas tem por
objeto o injusto. Assim, o homem injusto é o homem sem lei ou mesmo aquele que não as
acata. Ou seja, de certa forma, todos os atos legais nos conduzem à prática das ações justas,
uma vez que os atos prescritos em leis foram elaborados do ponto de vista da virtude. Nas
palavras de Aristóteles “[...] em certo sentido, chamamos justos aqueles atos que tendem a
produzir e a preservar, para a sociedade política, a felicidade e os elementos que a
compõem” (ARISTÓTELES, 1984, p. 122).
Sabendo que Aristóteles entende a justiça como uma virtude e que esta se configura
como um meio-termo entre dois vícios (um por excesso outro por falta) a injustiça se
configura, então, como vício tanto em seu excesso quanto na falta.
Enquanto disposição de caráter, o injusto seria a disposição que leva as pessoas a
agirem injustamente, bem como a desejarem o que é injusto. Ou seja, agem de forma a
atentarem contra “as coisas que são boas em absoluto” (ARISTÓTELES, 1984, p. 122).
Este atentado se plasma no desrespeito para com a lei ou para com a probidade, bem como
no cultivo da ganância e da iniquidade (em termos de contrariedade ao equitativo).
A justiça de acordo com Aristóteles é uma virtude (Areté) e como toda virtude
(coragem, temperança, liberalidade, magnificência...) é o que ele denominou de mesótes, ou
seja, justo meio. Porém, se diferencia das demais virtudes uma vez que a justiça só possui
um vício (injustiça). A virtude é, pois, um meio termo entre dois extremos, entre dois atos
viciosos um por excesso e outro pela carência.
A ciência prática que cuida da conduta humana tem esta tarefa de elucidar e
tornar realizável, factível, a harmonia do comportamento humano individual e
social. O meio de aquisição da virtude é ponto de fundamental importância
nesse sentido. De fato, não sendo a virtude nem uma faculdade, nem uma
paixão inerente ao homem, encontra-se neste apenas a capacidade de discernir
entre o justo e o injusto, e de optar pelas realizações de ações conformes a um
ou a outro (BITTAR, 2010, p. 94-95).
JUSTO TOTAL
Como vimos que o homem sem lei é injusto e o respeitador da lei é justo,
evidentemente todos os atos legítimos são, em certo sentido, atos justos; porque
os atos prescritos pela arte do legislador são legítimos, e cada um deles, dizemos
nós, é justo. Ora, nas disposições que tomam sobre todos os assuntos, as leis
têm em mira a vantagem comum [...] (ARISTÓTELES 1984, p. 122).
Ora, se a lei possui em sua essência o caráter da generabilidade, então seu fim seria
a realização do bem comum a todos. E esta ação de legalidade é dirigida para o bem da
polis. Aqui o papel que o legislador desempenha é de extrema relevância para sociedade.
Aristóteles chega a comparar sua função com aquela do artesão, ou seja, o legislador ao
operar o corpo normativo da pólis nada mais está realizando do que o exercício da
prudência em âmbito normativo, a qual recebe o nome de nomothesia. Então, pode-se
afirmar que o legislador cuidadoso em sua função de elaborar regras que regem a pólis está
agindo de acordo com a nomothesia ou, como diz Aristóteles, “[...] a lei bem elaborada faz
essas coisas realmente, enquanto as leis concebidas às pressas as fazem menos bem”
(ARISTÓTELES, 1984, p. 122).
Este tipo de justiça, por sua vez, pode ser empregado no sentido mais amplo. Por
conta disso é que o termo justiça total pode também ser chamado de justiça universal ou
integral e isto se deve ao fato da abrangência de sua aplicação (as leis valem para o bem de
todos e para o bem comum) e por se associar ao que o estagirita nomeou como “virtude
completa”.
Essa forma de justiça é, portanto, uma virtude completa [...]. Ela é a virtude
completa no sentido do termo, por ser o exercício atual da virtude completa. É
completa porque aquele que a possui pode exercer sua virtude não só sobre si
mesmo, mas também sobre seu próximo [...] somente a justiça, entre todas as
virtudes, é o “bem de um outro”, visto que se relaciona com o nosso próximo,
fazendo o que é vantajoso a um outro[...]. Portanto, a justiça neste sentido não é
uma parte da virtude, mas a virtude inteira (ARISTÓTELES, 1984, p. 122-123).
Aristóteles afirma ainda que aquele que não respeita as leis não respeita a todos de
maneira geral, ou seja, desrespeita aqueles que estão submetidos a ela; e aquele que obedece
às leis serve a todos que são por ela beneficiados. Esta é uma maneira dos membros da
pólis se relacionarem uns com os outros indiretamente por meio de suas atitudes,
comissivas no realizar de suas virtudes, e omissivas diante dos vícios, e o resultado de suas
ações tem seu efeito sobre todos. Esta é a consequência da esfera individual sobre a
coletiva, uma vez que todos compartilham do mesmo modo de vida política e estão regidos
pelas mesmas leis, ou seja, o respeito às leis significa o respeito a todos.
A justiça total seria a mais apropriada no que diz respeito à vida política, uma vez
que seu conteúdo age de acordo com o meio termo e, por ser a mais completa das virtudes,
esta forma de justiça é a mais difícil de ser exigida exatamente porque muitos são capazes
de realizar atos justos para aquilo que lhes beneficiam de certa forma, e poucos são aqueles
que os realizam em função do outro que, por sua vez, também compartilha do mesmo
modo de vida da pólis. O justo total é a observância da lei, é quando as ações dos
indivíduos se vinculam no que é regra, nesta concepção o próprio conteúdo da lei realiza a
justiça. Ora, a partir da análise do tem “justiça total”, pode-se então inferir que justiça e
legalidade são a mesma coisa.
O JUSTO PARTICULAR
Esta distribuição, por sua vez, seria de acordo com os méritos e aptidões de cada
pessoa e sempre levaria em conta o princípio de igualdade e proporcionalidade com fins de
manutenção de um pensamento que prime pela equidade. Partindo desta concepção, nota-
se de forma bastante clara a presença da justiça distributiva nos dias atuais, como os
princípios gerais da igualdade das relações jurídicas e também na Constituição Federal de
1988, no seu dispositivo que versa sermos todos iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a
inviolabilidade de direitos á vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade
(CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988, art. 5°).
desigualmente distribuídos; mas o juiz procura igualá-los por meio da pena [...]
(ARISTÓTELES, 1984, p. 126).
Estamos aí diante de ações em que uma das partes foi involuntariamente lesada.
Involuntária porque a lesão não provém de transações previamente ordenadas. Também
aqui busca-se estabelecer a justiça. Aqui, o “[...] justo é intermediário entre uma espécie de
ganho e uma espécie de perda, a saber, os que são involuntários” (ARISTÓTELES, 1984,
p. 127).
O justo político se apresenta de forma diversa do justo da casa, uma vez que a ação
do justo político se volta para aplicação da justiça na pólis. Trata-se especificamente das
questões referentes ao corpo cívico. É de sua responsabilidade a organização do meio
social, o modo de vida dos indivíduos, dividindo por sua vez as atividades de cada cidadão
de acordo com os méritos e capacidades de cada um a fim de alcançarem a eudaimonía, ou
seja, a felicidade plena.
Em termos gerais, Aristóteles, assim define a justiça política:
Esta é encontrada entre homens que vivem em comum tendo em vista a auto-
suficiência, homens que são livres e iguais, quer proporcionalmente quer
aritmeticamente, de modo que entre os que não preencham esta condição não
existe justiça política, mas justiça num sentido especial e por analogias
(ARISTÓTELES, 1984, p. 130).
A justiça doméstica, por sua vez, refere-se às relações domésticas e familiares. Esta
tem como referência o chefe da família (pai ou amo), dado que a ele incumbe fazer justiça
em âmbito doméstico e qual o papel destinado aos filhos, servos e esposa em relação a ele.
Esta justiça se difere da justiça política, uma vez que os servos e filhos (incapazes
ou menores) de um senhor são considerados parte dele. Neste caso, Aristóteles afirma que
ninguém fere a si próprio, sendo assim, é impossível que se cometa voluntariamente
injustiça para consigo mesmo. Assim, servos e filhos estariam protegidos obliquamente,
por derivação da proteção do senhor. Ora, a justiça e a injustiça política não se manifestam
em relações dessa natureza, pois, como já foi dito, estas se relacionam diretamente com o
respeito ou não ao seguimento da lei prescrita em vistas da equidade pública e, portanto,
volta-se para os que estão naturalmente a ela sujeitas, não é o caso dos membros da oikos
aqui citados. Aristóteles subdivide a justiça política em justiça natural e justiça legal.
Justo natural
Justo legal
A justiça legal refere-se às disposições legais que possuem sua origem na natureza
do legislador. Estas, uma vez aprovadas em assembleia, emanam uma obrigatoriedade geral.
Significa o respeito à lei, às regras elaboradas e regidas para o bem comum. A justiça legal
possui suas bases na justiça natural, porém se difere desta última uma vez que a justiça legal
necessita de positivação para sua existência e não possui em si força de validade universal
(nos moldes propostos pelo justo natural) necessitando, assim, das ações humanas de
forma participativa para sua efetivação. Em outras palavras, o justo legal seria
[...] o conjunto de disposições vigentes na polis que têm sua existência definida
pela vontade do legislador. Tem por objeto tudo aquilo que poderia ser feito das
maneiras as mais variadas possíveis, mas uma vez que convencionada
legislativamente, é esta que se deve obedecer. A lei possui força não natural, mas
fundada na convenção (BITTAR, 2010, p. 109).
Das partes que compõem o justo político existe aquela que emana da natureza (a
razão) e aquela que é conforme a lei. Portanto, pode-se afirmar que a legislação perfeita
seria a junção do legal ao natural. O legislador muitas vezes é infeliz ao redigir o texto
normativo e acaba deixando a desejar pelo fato de restringir demais o sentido do texto ou
por estendê-lo em demasia. Outras vezes acaba a legislar de acordo com seus próprios
interesses ou interesses de grupos. Por isso, a adequação do legal ao natural seria a forma
ideal de legislar uma vez que o legal radica-se no natural1.
JUSTIÇA E EQUIDADE
A justiça, como já fora dito, na visão de Aristóteles é uma virtude (Areté). Mas esta
virtude possui somente um vício (ao contrário das demais virtudes traçadas pelo filósofo
grego) que seria a injustiça. O jurisconsulto Ulpiano descreve justiça como “a firme e
constante vontade de dar a cada um o que é seu” (ULPIANO apud NADER, 2007, p.
105). Já a linha positivista declara-a como algo inteiramente subjetivo que varia de pessoa
para pessoa e de grupos para grupos e o pensador austríaco Hans Kelsen considera a
justiça como algo absoluto e afirma ser ela “um bonito sonho da humanidade” (KELSEN
apud NADER, 2007, p. 106).
Ao analisar o tema justiça e equidade é importante ressaltar que tais categorias
caminham juntas. Nas palavras de Aristóteles equidade seria, portanto, “uma correção da
lei quando ela é deficiente em razão da sua universalidade” (ARISTÓTELES, 1984, p. 137).
Ora, os acontecimentos advindos da vida social estão sempre em evolução e nem
sempre o ato normativo acompanha todos os casos possíveis de acordo com suas
1Pelo fato de não ser o objeto deste artigo o debate sustentado entre jusnaturalistas e positivistas jurídicos
encerra-se ali a discussão sobre o tema, mesmo sabendo que acerca disto muito há que esclarecer, fato que
poderia ensejar trabalhos futuros.
peculiaridades. Desta forma é que a equidade surge como mecanismo de adaptação das
normas jurídicas abstratas ao caso concreto. Ora, a norma jurídica nem sempre consegue
abarcar todos os casos e acontecimentos possíveis (não é casuística), isso não significa dizer
que o legislador foi incompetente ou que tenha criado uma lei deficiente. Isso se deve às
evoluções advindas dos fatos sociais (uma vez que a sociedade está em constante evolução),
e a equidade surge como forma de resolução de conflitos de modo que não se quebre a
igualdade de direitos tal como se estivesse previsto em lei.
Desse modo, agir com equidade, pois, é agir sem o legislador em determinado caso
especifico, pois é na ausência da lei que a equidade torna-se útil. Partindo desta análise,
Aristóteles afirma, ainda, que o equitativo é justo e é melhor do que uma espécie de justiça2.
É neste sentido que Eduardo Bittar (2010, p. 115) afirma que o équo possui “[...] uma
excelência ainda maior daquela já contida no conceito do que é bom”. Primeiro, porque o
équo ainda reside na esfera da justiça. Segundo, por pertencer à mesma ordem semântica
que o justo (a da busca do que seja bom), torna-se mais desejável do que este último visto
que se propõe a ser uma correção do justo legal. Some-se a isto, o fato de ser ele uma
virtude, ou seja, uma disposição de caráter cultivada pelo homem equitativo, o qual seria
O homem que escolhe e pratica tais atos, que não se aferre aos direitos em mau
sentido, mas tende a tomar menos do que seu quinhão embora tenha a lei por si,
é equitativo, e essa disposição de caráter é a equidade que é uma espécie de
justiça e não uma diferente disposição de caráter (ARISTOTELES, 1984, p.
137).
Ademais, faz-se necessário explanar como o homem justo relaciona esta virtude em
face da amizade (categoria deveras cara ao homem grego, configurando-se, inclusive como
uma forma de amor, a philia).
JUSTIÇA E AMIZADE
2Neste caso, o équo seria superior ao justo legal, vez que o primeiro se dispõe a retificar as lacunas ou falhas
do segundo.
do tema da amizade, uma vez que isso poderia implicar numa fuga do que nos
propusemos.
Para Aristóteles justiça e amizade estão sempre ligadas e, sendo a amizade
responsável pela harmonia e coesão das cidades-Estados, o bem comum emana, também,
deste acordo. O homem, como afirma Aristóteles, é um animal político (zoon politikon).
Sendo assim, a amizade é elemento de extrema importância para a sociabilidade de modo a
unir os homens em um único corpo social.
É certo que o homem enquanto ser racional não pode viver fora do convívio da
sociedade. Neste caso, a sociabilidade funda-se na utilidade e na amizade, sendo assim, a
amizade torna-se um condicionante para a existência da justiça. Aristóteles afirma que
“Quando os homens são amigos necessitam da justiça, ao passo que os justos também
necessitam da amizade; e considera-se que a mais genuína forma de justiça é uma espécie
de amizade” (ARISTÓTELES, 1984, p. 179).
A amizade requer semelhança e esta objetiva tornar justa as relações subjetivas, uma
vez que, em virtude de se configurar como uma relação equitativa com seu semelhante não
manifesta interesse ou desejo de prejudicar o outro3 e sim busca manter relações pautadas
na confiança, lealdade e harmonia dentro da pólis. Ora, o mesmo pode ser atribuído à
justiça.
Tanto a amizade quanto o justo só se realizam de fato na vivência em comunidade e
requerem a alteridade como pressuposto. Ora, diferentes tipos de comunidade ensejam
formas diferentes de amizade, o mesmo se aplica à justiça.
No que diz respeito ao tema da amizade, este se refere àquela existente entre as
pessoas virtuosas, uma vez que esta é a mais excelente, a mais perfeita e douradora
manifestação de amizade. Ora, a amizade pode se manifestar de maneiras diversas. Existe a
amizade que se funda na utilidade que um indivíduo tem para com o outro ou no prazer
que as pessoas são capazes de proporcionar a outrem. Em relações desta natureza não se
manifesta o verdadeiro sentido da amizade, este só é possível de ser encontrado (como dito
antes) nas relações mantidas entre pessoas virtuosas.
Aristóteles nos diz ainda que tanto a amizade quanto a justiça possuem a mesma
finalidade e se consolidam nas relações mantidas entre indivíduos na comunidade. Ora, os
homens necessitam de amigos e esta necessidade se manifesta principalmente nas relações
de distribuições (referente à justiça distributiva) dentro da pólis. A amizade comporta-se,
3É certo que aqui está a se tratar daquela amizade estabelecida entre pessoas virtuosas, conforme afirma
Bittar (2010, p. 120). É esta a forma mais desinteressada, excelente e perfeita forma de amizade e, por isso, a
mais completa e duradoura de todas.
nesse contexto, a desempenhar um papel fundamental. A justiça, por sua vez, se manifesta
de modo a controlar nossas ações de modo a não agirmos injustamente para com o
próximo.
Aristóteles (1984, p. 188) afirma, ainda, que as imposições de justiça (assim como as
relações de amizade) se diferenciam: “não são os mesmos os deveres dos pais para com os
filhos e os dos irmãos entre si, nem os dos camaradas ou dos concidadãos [...]” e os atos
injustos se diferenciam de modo a considerar seu grau de afecção de acordo com o
atentado desta para com cada uma dessas classes. Desta forma, a injustiça ocorre
exatamente quando os homens se manifestam de modo a ferir aqueles que são mais amigos
em sentido mais pleno, por exemplo, é mais abominável ferir o próprio pai do que
qualquer outro.
A amizade e justiça, como vimos, se manifestam em relação aos indivíduos e se
diferenciam de acordo com cada segmento de composição de uma dada comunidade. Ora,
todas essas formas de comunidades são pertencentes à comunidade política, e as formas de
organização da comunidade política se apresentam de maneiras diversas. Por isso, para cada
tipo de governo político (que atenderá às exigências de organização intrínseca a cada povo,
obedecendo aos graus e formas de amizade mantidos internamente) existe uma espécie de
constituição.
Por conta disso, Aristóteles afirma existirem três formas de constituição de governo
e, por conseguinte, três formas de degeneração atinentes a cada uma das formas de
governo: monarquia, aristocracia e timocracia. A melhor delas, segundo o filósofo, é a
monarquia e a pior a timocracia. Afirma ainda que o desvio da monarquia é a tirania, pois
ambas tem como base de governo o absolutismo, mas se diferenciam uma vez que o tirano
visa sempre vantagens próprias, e o rei, por sua vez, a vantagem dos seus súditos. A
monarquia se degenera em tirania, que é a forma de governo de um só homem, e o mau rei
converte-se em tirano. A aristocracia degenera-se em oligarquia, isto ocorre quando os
governantes não se baseiam no equitativo nas distribuições dos encargos pertencentes ao
Estado. A timocracia, por sua vez, degenera-se em democracia. Estas últimas, afirma
Aristóteles, são coextensivas, uma vez que a timocracia tem como base de governo a
maioria, de modo que os que não têm posses são considerados também iguais. A
democracia é, por fim, considerada a pior das três espécies de perversão de constituição,
uma vez que nesta perde-se o referencial que ensejaria a prática da justiça e da amizade,
comum na imagem do pater famílias, tão cara aos gregos. A este respeito arremata
Aristóteles: “a democracia é encontrada sobretudo nas famílias acéfalas (onde, por
Segundo Aristóteles o juiz funciona como uma espécie de mediador nas relações de
correções da justiça. Incube ao juiz sempre colocar os indivíduos desiguais em uma
situação de paridade e de igualdade absoluta, de acordo com a situação em que este
indivíduo se encontrava antes da contenda. Portanto, o injusto neste sentido seria tomar
mais do que é bom e menos do que é ruim. Aqui a função do juiz consiste em tirar daquele
que se apropriou da determinada porção maior do que é bom e distribuir ao outro que fora
lesado, como sustenta Aristóteles (1984, p. 126):
Ora, entender o juiz como aquele que restabelece a igualdade, significa tê-lo como
mediador, como aquele busca o meio-termo, o ponto de equilíbrio propiciador da justiça.
Trata-se de tê-lo como aquele que avalia o desequilíbrio mantido entre os litigantes a partir
do convencionado e plasmado sob a forma da lei. É exatamente por conta disso que
Aristóteles (1984, p. 126) afirma:
Ele é, portanto, aquele que restabelece a paridade rompida, sem a qual todo o corpo
social se debilita e entra em colapso. É ele o justo personificado que coloca em evidência a
justiça corretiva.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
doméstica volta-se pra o âmbito familiar, cabendo ao pater familias a aplicação da justiça. O
justo legal corresponde ao conjunto das disposições vigentes na pólis e possui sua essência
na vontade do legislador, enquanto o justo natural é aquele que possui uma potência que
emana de si mesmo, porém divergindo do justo legal, uma vez que para sua existência não
depende da vontade do legislador, já que possui suas bases alicerçadas no direito natural.
Continuando a análise do tema da justiça, o artigo finaliza ressaltando a relação
entre justiça e equidade, sendo a equidade uma correção da lei quando esta se apresenta
inoperante em razão de sua universalidade. Assim, o homem justo é o homem equitativo e
agir com equidade significa aplicar a justiça de modo a não quebrar a igualdade de direitos
existentes entre os indivíduos. Ressalta, ainda, a importância da amizade nas relações entre
os homens em seu convívio social. A amizade é a responsável pela sociabilidade do corpo
social e possui a mesma finalidade que a justiça, porém, a amizade é a mais excelente forma
de justiça. No que tange ao juiz como justiça animada, afirma Aristóteles, que o juiz
funciona como uma espécie de mediador nas relações de distribuição, colocando sempre os
indivíduos em relações de paridade, exatamente por isso afirma que recorrer ao juiz é
recorrer à justiça.
Nota-se que as contribuições de Aristóteles para o tema da justiça é de extrema
relevância, uma vez que este pensador busca analisar detalhadamente as várias formas e
imagens que o termo assume. As abordagens realizadas pelo estagirita assumem tamanha
grandeza que as mesmas foram aplicadas de forma significativamente relevante de modo a
servir de lastro para os diversos corpus legislativos operantes no Ocidente, desde tempos
pretéritos até os dias de hoje. Acrescente-se a isto a importância que o filósofo do Liceu
atribui à ética no comportamento do homem enquanto ser político e como esta se encontra
diretamente associada ao que se entende por justo.
REFERÊNCIAS
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do Direito. 28. ed. Rio de Janeiro: Editora
Forense, 2007.