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A SEMANA DA

PAIXÃO DE CRISTO
R O G E R L I E B I

1ª Edição
2023

Tradução
Doris Körber
Und Er kam nach Jerusalem
Copyright © 2020 by Roger Liebi
Publicado por Edition Nehemia
Sanddornweg 1, CH-3613 Steffisburg
www.edition-nehemia.ch
Todos os direitos reservados para os países de língua portuguesa.
Copyright © 2023 por Chamada
1ª Edição – Maio/2023
É proibida a reprodução desta obra em quaisquer meios sem a expressa permissão da editora,
salvo para breves citações com a indicação da fonte.
Editor: Sebastian Steiger
Tradução: Doris Körber
Revisão: Débora Steiger
Capa e projeto gráfico: Filipe Spitzer Landrino e
Rômulo Spier do Nascimento
Salvo indicação em contrário, todas as passagens da Escritura foram extraídas do texto bíblico
da Nova Almeida Atualizada, NAA © Sociedade Bíblica do Brasil, 2017.
Usado com permissão. www.sbb.org.br
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L717 Liebi, Roger.


A semana da paixão de Cristo: o contexto judaico na consumação do
ministério de Cristo / Roger Liebi ; [tradução Doris Körber].
– 1. ed. – Porto Alegre : Chamada, 2023.
96 p. ; 18 cm.
“Tradução de: Und Er kam nach Jerusalem”
ISBN 978-65-89505-30-3
1. Jesus Cristo - Semana da Paixão. 2. Bíblia. N.T. - Comentários. 3. Jesus Cristo -
Crucificação. 4. Via-sacra. 5. Jesus Cristo - Ressurreição. I. Körber, Doris. II. Título.
CDD23: 232.96
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................5

DOMINGO DE RAMOS:
A entrada do Rei em Jerusalém..................................................9
SEGUNDA-FEIRA:
Segunda purificação do templo................................................ 25
TERÇA-FEIRA:
Confrontações e debates acirrados............................................ 39
QUARTA-FEIRA:
Complô e traição...................................................................... 55
QUINTA-FEIRA:
Imolação do cordeiro pascal..................................................... 61
SEXTA-FEIRA:
Festa da Páscoa e crucificação................................................... 67
SÁBADO:
O Messias no túmulo............................................................... 75
DOMINGO
Ressurreição.............................................................................. 79

Apêndice 1:
VISÃO GERAL DA SEMANA DA PAIXÃO................................83
Apêndice 2:
CRONOLOGIA DETALHADA DO
DIA DA CRUCIFICAÇÃO..............................................................87
Apêndice 3:
A SEMANA DA PAIXÃO EM TÓPICOS.....................................91
INTRODUÇÃO
Este livro trata de oito dias, começando no Domingo de
Ramos e terminando no dia da ressurreição. Esses oito
dias são tão importantes que os quatro Evangelhos, que
iluminam a vida do Senhor Jesus na terra ao longo de
cerca de 33 anos, dedicam aproximadamente 32% do
texto apenas a essa semana. Com isso, quase um terço
dos evangelhos se ocupa desse período tão reduzido. Isso
deixa claro que aqui se trata de uma sequência de even-
tos extremamente significativos.
Seria importante memorizar o que aconteceu em cada
um desses oito dias – de domingo a domingo. Para co-
meçar, vamos ler a entrada triunfal do Rei dos reis em
Jerusalém segundo Lucas 19, a partir do versículo 28:

“E, depois de dizer isto, Jesus prosseguia a sua viagem


para Jerusalém. E aconteceu que, ao aproximar-se de
Betfagé e de Betânia, junto ao monte das Oliveiras,
Jesus enviou dois dos seus discípulos, dizendo-lhes: ‘Vão
até a aldeia que fica ali adiante e, ao entrar, encon-
trarão preso um jumentinho, o qual ainda ninguém
montou; desprendam o jumentinho e tragam aqui. Se
A SEMANA DA PAIXÃO DE CRISTO

alguém perguntar: “Por que o estão desprendendo?”,


respondam assim: “Porque o Senhor precisa dele.”’
E, indo os que foram mandados, acharam tudo
conforme Jesus lhes tinha dito. Quando eles estavam
soltando o jumentinho, os donos do animal disseram:
‘Por que estão desprendendo o jumentinho?’. Eles res-
ponderam: ‘Porque o Senhor precisa dele’. Então trou-
xeram o jumentinho até Jesus e, pondo as suas capas
sobre o animal, ajudaram Jesus a montar. À medida
que Jesus avançava, as pessoas estendiam as suas capas
no caminho. E, quando Jesus se aproximava da descida
do monte das Oliveiras, toda a multidão dos discípulos
começou, com muita alegria, a louvar a Deus em alta
voz, por todos os milagres que tinham visto. Diziam:
‘Bendito é o Rei que vem em nome do Senhor! Paz no
céu e glória nas maiores alturas!’ Alguns dos fariseus lhe
disseram em meio à multidão: ‘Mestre, repreenda os
seus discípulos!’ Mas Jesus respondeu: ‘Eu afirmo a vo-
cês que, se eles se calarem, as próprias pedras clamarão’.
Quando Jesus ia chegando a Jerusalém, vendo a
cidade, chorou por ela, dizendo: ‘Ah! Se você soubes-
se, ainda hoje, o que é preciso para conseguir a paz!
Mas isto está agora oculto aos seus olhos. Pois virão dias
em que os seus inimigos cercarão você de trincheiras e
apertarão o cerco por todos os lados; e vão arrasar você

6
Introdução

e matar todos os seus moradores. Não deixarão pedra


sobre pedra, porque você não reconheceu o tempo em
que Deus veio visitá-la’.
Depois, entrando no templo, Jesus começou a ex-
pulsar os que ali vendiam, dizendo-lhes: ‘Está escrito:
“A minha casa será ‘Casa de Oração’.” Mas vocês fize-
ram dela um covil de salteadores’.”

7
DOMINGO
DE RAMOS
A entrada do Rei em Jerusalém

O Domingo de Ramos foi, como veremos a seguir, o


prelúdio para a segunda purificação do templo. O título
apropriado para esse dia é “A entrada do Rei em Jerusa-
lém”, e ele foi excepcionalmente importante. Em Lucas
19.42a, o Senhor Jesus afirma: “Ah! Se tu conhecesses
também, ao menos neste teu dia, o que à tua paz per-
tence!” (ARC). Ele chama aquele dia em que fala com
Jerusalém de “[e]ste teu dia”! O significa isso? Este era o
dia para Jerusalém! Mas o que havia de tão especial nesse
dia? Trata-se aqui do 173 880º dia depois de 14 de março
de 445 a.C., quando um édito do rei Artaxerxes autorizou
Neemias a reconstruir a destruída cidade de Jerusalém.
O dia 173 880 depois desse édito foi o Domingo de
Ramos em 6 de abril de 32 d.C. Nessa ocasião, o Senhor
A SEMANA DA PAIXÃO DE CRISTO

Jesus entrou majestosamente em Jerusalém, montado


em um jumento. Isso aconteceu em cumprimento à pro-
fecia de Daniel 9. As referências cronológicas desse ca-
pítulo se cumpriram com precisão absoluta. Enquanto
Jerusalém era só ruínas e pó, Daniel recebeu a profecia
de que seria preciso esperar sete e 62, isto é, 69 semanas
de anos, depois da ordem para reconstruir Jerusalém até
que o Messias viesse como Rei (Dn 9.25). Uma semana
aqui não são sete dias, mas uma “semana” de sete anos.
Na profecia, um ano tem 360 dias. Vê-se isso clara-
mente em Apocalipse 11.2-3, onde três anos e meio são
equiparados a 1 260 dias, o que, por sua vez, corres-
ponde a 360 dias por ano. Assim, se considerarmos a
duração correta de um ano profético com 360 dias, 69
semanas de anos correspondem a exatamente 173 880
dias (69 x 7 x 360 dias). Se contarmos os dias entre 14
de março de 445 a.C., data do édito de Artaxerxes em
Neemias 2 ordenando a reconstrução de Jerusalém, até
“[e]ste teu dia, [Jerusalém]”, quando o Messias entrou
na cidade como Rei, isto é, o dia 6 de abril de 32 d.C.,
chegamos a exatamente 173 880 dias. Naturalmente é
preciso considerar, nesse cálculo, que há 116 anos bis-
sextos no mesmo período.1 Igualmente, é preciso con-

1 Não são 119, pois a correção com os dias bissextos também requer sua
própria compensação, para que o deslocamento mantenha o alinhamento

10
Domingo de Ramos: A entrada do Rei em Jerusalém

siderar que não existe um ano zero. Historicamente, o


ano 1 a.C. é imediatamente seguido pelo ano 1 d.C. A
astronomia, no entanto, tem um ponto zero, e por isso
o ano histórico 445 a.C. corresponde ao ano 444 a.C.
astronômico. A conclusão de todas essas contas é: o dia
em que o Senhor Jesus entrou em Jerusalém como Rei
corresponde exatamente ao dia anunciado na profecia.
Certamente está claro para nós que, ao nascer em Be-
lém, o Senhor Jesus ainda não tinha vindo como rei.
Ninguém coloca um príncipe numa manjedoura. No
dia acima citado, no entanto, Jesus se apresentou como
rei. Exatamente como Daniel 9.25 previra. Por isso, o
Senhor Jesus chama de “[e]ste teu dia” aquele dia em
que se dirige para Jerusalém. Quando ele entrou como
Rei, chegara o dia desta cidade.
Na época dos Evangelhos e do Senhor Jesus, portanto
também na época do segundo templo, havia determina-
ções exatas a respeito de qual salmo o coro profissional
e a orquestra dos levitas deveriam entoar no templo em
cada dia da semana. Essas prescrições encontram-se no

com o ano solar. No calendário gregoriano há, a cada 400 anos, uma exce-
ção ao dia bissexto; por isso, esse período apresenta não 119, mas apenas
116 anos bissextos. Uma exposição bem detalhada sobre o cálculo das
69 semanas de anos de Daniel está no primeiro capítulo de Roger Liebi,
Jerusalém: Obstáculo para a Paz Mundial? (Porto Alegre: Chamada, 2014).

11
A SEMANA DA PAIXÃO DE CRISTO

Talmude,2 no tratado3 Thamid 33b. A expressão hebrai-


ca Thamid designa os holocaustos regulares da manhã e
da tarde.
Seguem-se agora algumas explicações genéricas sobre
os dias da semana. O domingo é chamado, em hebraico,
de yom rishon (primeiro dia). Isto corresponde ao relato
da Criação: a semana da Criação começa com o domin-
go, o primeiro dia. A segunda-feira é chamada de segun-
do dia, a terça-feira, de terceiro dia, e assim por diante
(cf. Gn 1):
• Domingo: yom rishon (primeiro dia),
• Segunda-feira: yom sheni (segundo dia),
• Terça-feira: yom shlishi (terceiro dia),
• Quarta-feira: yom revi’i (quarto dia),
• Quinta-feira: yom chamishi (quinto dia),
• Sexta-feira: yom shishi (sexto dia),
• Sábado: yom shabbath (não sétimo dia, mas dia
do sábado/do descanso).

Esses também são os nomes dos dias da semana no


hebraico moderno.

2 O Talmude é uma coletânea de exposições de antigos rabinos. Ele mostra


como o Antigo Testamento era aplicado à prática e contém interessantes
tradições adicionais da vida diária do judaísmo.
3 O Talmude é dividido em diferentes tratados.

12
Domingo de Ramos: A entrada do Rei em Jerusalém

É muito importante considerar que os dias do ca-


lendário judaico começam no entardecer da véspera e
terminam no pôr do sol seguinte. Em Levítico 23.32,
por exemplo, Moisés fala de um dia como o período
“da tarde do dia... até a tarde do dia seguinte”. Para uma
melhor compreensão desse ponto, há uma tabela crono-
lógica no fim deste livro.
No primeiro dia da semana (mais precisamente, no
fim da tarde do domingo), o Senhor Jesus entrou em
Jerusalém com majestade real. Justamente por ser domin-
go, nesse dia ouvia-se no templo o salmo 24 (cf. Tha-
mid 33b). Essa determinação, aliás, também aparece na
Septuaginta, a mais antiga tradução bíblica em grego,
preparada no século III a.C. por judeus em Alexandria,
Egito.4 Dessa forma, fica claro que o costume de apre-
sentar determinados salmos no templo em dias específi-
cos, seguindo um plano semanal, já estava arraigado no
judaísmo desde o período pré-cristão.
A cada dia, cantava-se um salmo diário durante o ho-
locausto da manhã. O holocausto da manhã era o pri-
meiro sacrifício, apresentado por volta da terceira hora.

4 Nessa tradução, o título do salmo 24 acrescenta a informação de que ele


era previsto para ser lido no primeiro dia da semana. No judaísmo, isso é
transmitido dessa forma até hoje. O Siddur – um livro de orações judaico
– prescreve o salmo 24 para ser recitado no primeiro dia (domingo).

13
A SEMANA DA PAIXÃO DE CRISTO

Na Antiguidade, o período claro do dia, da manhã à


noite, era subdividido em doze horas. Com isso, a dura-
ção de uma hora mudava constantemente ao longo do
ano – o que nós, ocidentais no século XXI, podemos ter
dificuldade de entender. Durante a semana da Paixão
(em abril), a indicação por volta da hora terceira, transfe-
rida para a nossa contagem de tempo atual, correspon-
dia mais ou menos às nove horas da manhã.5
Mais tarde, ao longo do dia, apresentavam-se as de-
mais ofertas (voluntárias ou prescritas). O último sacri-
fício de cada dia era sempre o holocausto da tarde. Este
era apresentado por volta da hora nona (que em abril era
por volta das 15 horas). Vemos que esses são exatamente
os momentos-chave da crucificação. O Senhor Jesus foi
crucificado por volta da hora terceira – ou seja, por volta
das nove horas –, e entregou seu espírito e morreu por
volta da hora nona – isto é, em torno das 15 horas.
Junto com o holocausto da manhã, por volta das nove
horas, no primeiro dia da semana, o coro no pátio in-
terno do templo tinha cantado o salmo 24. O seu ver-
sículo 6 diz: “Esta é a geração dos que o buscam, dos

5 Para chegar ao horário costumeiro entre nós, basta somar seis horas ao
horário judaico. Já no evangelho de João usa-se a contagem de horas a
partir da meia-noite. Essa contagem coincide com o sistema de horas
usado atualmente.

14
Domingo de Ramos: A entrada do Rei em Jerusalém

que buscam a face do Deus de Jacó [Selá]”. Selá era um


momento de silêncio do coro, enquanto havia um in-
terlúdio instrumental. Os visitantes do templo podiam
refletir a respeito das palavras cantadas até ali, a partir do
versículo 1, em especial sobre o último versículo (“Esta
é a geração dos que o buscam...”). Esse versículo gira em
torno daqueles que realmente buscam a Deus; daqueles
que anseiam estar em sua presença e querem se apresen-
tar a ele como adoradores. Depois do intervalo musical,
vem o texto dos versículos 7 a 10:

“Levantem as suas cabeças, ó portas! Levantem-se, ó


portais eternos, para que entre o Rei da glória. Quem é
o Rei da glória? O Senhor, forte e poderoso, o Senhor,
poderoso nas batalhas. Levantem as suas cabeças, ó por-
tas! Levantem-se, ó portais eternos, para que entre o Rei
da glória. Quem é esse Rei da glória? O Senhor dos
Exércitos, ele é o Rei da glória [Selá].”

Ao final vem mais um Selá, agora como poslúdio da


orquestra. Mais uma vez, há oportunidade para refletir.
Justamente no entardecer desse dia, o Senhor Jesus,
saindo do monte das Oliveiras, passou pelo vale do Ce-
drom e chegou a Jerusalém montado em um jumento.
No templo, Jerusalém e seus habitantes tinham sido
15
A SEMANA DA PAIXÃO DE CRISTO

convocados, pela manhã, a receber este Rei, a aceitá-lo!


Mas antes já vimos, pelo evangelho de Lucas, que vários
fariseus e pessoas da multidão interferiram quando os
discípulos começaram a exaltar o Senhor como o Rei
messiânico.6 Afinal, Lucas 19.38 traz uma citação de
Salmos 118.26. O salmista ensinou quais palavras deve-
riam ser usadas para saudar o Messias quando ele viesse:
Barukh haba’ beshem adonai. Barukh haba’ significa, li-
teralmente, “bendito é aquele que vem”; outra tradução
possível é “louvado seja aquele que vem”.
Contudo, é preciso considerar que a expressão hebrai-
ca barukh ha-ba’ é uma expressão fixa no hebraico que
na realidade significa “bem-vindo!”. Em Israel, quando
alguém é convidado para algo e se dirige ao local indi-
cado, ele primeiramente bate à porta. Então a porta é
aberta, e os moradores da casa dizem: Barukh ha-ba’, isto
é, bem-vindo! Quando os discípulos disseram barukh
ha-melekh, ha-ba’ beshem ‘adonai, eles estavam dando
boas-vindas ao Senhor Jesus como Rei.
Os fariseus, no entanto, disseram ao Senhor Jesus:
“Mestre, repreenda os seus discípulos!” (Lc 19.39). Aqui
se manifesta uma tremenda resistência – trevas em Je-
rusalém. Por isso, quando contemplou a cidade ao se

6 “Diziam: ‘Bendito é o Rei que vem em nome do Senhor!’” (Lc 19.38a).

16
Domingo de Ramos: A entrada do Rei em Jerusalém

aproximar, o Senhor Jesus chorou por causa dela!7 Nesse


festivo dia de número 173 880, ele derramou lágrimas
por Jerusalém, porque sabia que as multidões seguiriam
os líderes hostis. Cinco dias depois o rejeitariam. En-
tão a multidão gritaria diante de Pilatos: “Crucifique!
Crucifique-o!”. Por isso, o Senhor Jesus ainda disse: “Ah!
Se tu conhecesses também, ao menos neste teu dia, o
que à tua paz pertence! Mas, agora, isso está encoberto
aos teus olhos” (ARC). Sim, se as multidões não esti-
vessem cegas, verdadeiramente o teriam recebido como
Rei! Mas porque não o fizeram, o Senhor anunciou a
destruição de Jerusalém, o que se cumpriria, exatamente
como ele previu, no ano 70 d.C. Os inimigos viriam e
levantariam rampas de ataque!8 Foi exatamente os que
os romanos fizeram. Depois de 140 dias de uma guerra
horrível, eles finalmente arrasaram Jerusalém.
É profundamente espantoso e comovente como tudo
isso concorda com o salmo daquele dia! Logo veremos
que isso aconteceu em todos os outros dias dessa semana
da Paixão. O salmo entoado às nove horas correspondia
exatamente ao que os evangelhos relatam a respeito da-
quele dia. Tudo havia sido cuidadosamente preparado
por Deus, inclusive de forma a combinar com as tra-

7 Veja Lucas 19.41.


8 Veja Lucas 19.43.

17
A SEMANA DA PAIXÃO DE CRISTO

dições humanas; dessa forma, as palavras desses salmos


deveriam alcançar a consciência e o coração das pessoas.
Na realidade, todos esses fariseus que se mostravam
tão resistentes deveriam ter pensado: “O que é que foi
cantado hoje de manhã no templo mesmo?”. “Levantem
as suas cabeças, ó portas! Levantem-se, ó portais eternos,
para que entre o Rei da glória. Quem é esse Rei da gló-
ria? O Senhor dos Exércitos...” No lugar do nome “Se-
nhor dos Exércitos”, o texto original hebraico traz “Javé
dos Exércitos”.9 Javé é o nome próprio do Deus da Bíblia
e significa “o Eterno” ou “o Imutável”. Consequente-
mente, Jesus Cristo, o Rei que entrou pelos portais de
Jerusalém, é absolutamente eterno, sem princípio nem
fim. O homem de Nazaré era um ser humano real, mas
ao mesmo também Deus eterno!
E o que significa “levantem as suas cabeças, ó por-
tas”? A Porta Dourada é ótima para ilustrar isso. Este é,
provavelmente, o mais conhecido dos portais da Cidade
Velha de Jerusalém. Hoje em dia, esse portão a leste
do pátio do templo está fechado com pedras, mas por
cima da entrada do portão é possível ver uma gigan-
tesca superestrutura. Essa construção arquitetônica era
chamada, em hebraico, de “cabeça do portão”. Assim,

9 Em muitas traduções bíblicas, Javé é reproduzido como “Senhor”, em


versalete, o que fazemos também neste livro.

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Domingo de Ramos: A entrada do Rei em Jerusalém

de acordo com o chamado do salmo, não são apenas os


portais da cidade que devem se abrir, escancarando as
portas, mas até mesmo a superestrutura deve dar lugar!
“Levantem as suas cabeças, ó portas... para que entre o
Rei da glória”. O termo portas está no plural. Assim, to-
dos os portões de Jerusalém são conclamados a se abrir
para a vinda do Messias.
Naturalmente agora surge a questão: por qual portão
o Senhor terá entrado naquela ocasião? Podemos dizer
com certeza que ele não entrou pela porta oriental da-
quela época. O portão oriental do templo, que ficava
exatamente no mesmo lugar onde hoje está a chamada
Porta Dourada,10 tinha um significado bem especial: no
Yom Kippur, o bode expiatório era conduzido para fora
por este portão, para atravessar o vale do Cedrom em
direção ao monte das Oliveiras. Dali era enviado para
o deserto. Pela mesma porta também se conduzia a no-
vilha vermelha. Este era o sacrifício mais fundamental
em Israel. Sem o sacrifício da novilha vermelha,11 qual-
quer outra oferta era impossível em Israel. Os sacerdo-

10 Dentro do edifício da Porta Dourada hoje selada – que, aliás, data do pe-
ríodo bizantino (sécs. IV-V d.C.) – ainda é possível encontrar os umbrais
originais do portão. Trata-se de dois monolitos, um com 3,5 metros de
altura, o outro com 4,5 metros. Esses umbrais do antigo templo judaico
são, no mínimo, da época de Neemias (veja Ne 2–3).
11 Veja Números 19.1-22; Hebreus 9.13.

19
A SEMANA DA PAIXÃO DE CRISTO

tes precisavam se purificar antes de poderem oferecer os


sacrifícios. E essa purificação só era possível mediante
o sacrifício da novilha vermelha. O Talmude diz que
apenas nove novilhas vermelhas foram sacrificadas entre
Moisés e o ano 70 d.C., quando o templo foi destru-
ído. Esse era, portanto, um sacrifício muito raro, que
fornecia as cinzas necessárias para a purificação. Assim,
também a novilha vermelha era conduzida para fora
por esse portão, para ser levada ao ponto mais alto do
monte das Oliveiras, onde havia um altar especial para
sacrificá-la. Assim, fica claro que normalmente nem era
possível entrar por esse portão. Ele também era vigiado
com especial atenção, para que não houvesse nenhuma
contaminação ritual. É bastante óbvio que o Senhor saiu
do monte das Oliveiras, passou pelo vale do Cedrom e
em seguida entrou em Jerusalém pelo portão de Ofel.12
Ofel é um curto trecho da encosta que desce numa
ladeira especialmente extensa para o sul logo depois do
pátio do templo. A Cidadela de Davi vem logo depois
de Ofel, esse primeiro trecho após o pátio do templo.
Em Ofel havia uma porta de entrada para a cidade. Por
ela chegava-se diretamente à Porta Formosa.13 Esta porta
era o principal acesso ao templo para o povo.

12 O portão de Ofel fica diretamente abaixo do muro sul do pátio do templo.


13 Veja Atos 3.

20
Domingo de Ramos: A entrada do Rei em Jerusalém

Há ainda mais um ponto notável: sempre no primei-


ro dia da semana (domingo), lia-se o relato da Criação
nas sinagogas de toda a terra de Israel. No domingo,
lia-se o relato sobre o primeiro dia da Criação e logo
também os versículos referentes ao segundo dia. Na se-
gunda-feira, lia-se o relato do segundo e terceiro dias da
Criação, e assim por diante.
Assim, aos domingos lia-se o seguinte nas sinagogas:

“No princípio, Deus criou os céus e a terra. A terra era


sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo,
e o Espírito de Deus se movia sobre as águas. Então
Deus disse: ‘Haja luz!’ E houve luz. E Deus viu que a
luz era boa e fez separação entre a luz e as trevas. Deus
chamou à luz ‘dia’ e chamou às trevas ‘noite’. Houve
tarde e manhã, o primeiro dia.” (Gn 1.1-5)

No primeiro dia, isto é, no domingo, Deus criou o


universo (“céus”) e o planeta Terra. No versículo 2, no
entanto, lemos a respeito de trevas que havia sobre a ter-
ra. Nessa escuridão, Deus faz brilhar a sua luz: “Então
Deus disse: ‘Haja luz!’”. Nesse dia, em que se cantava o
salmo 24 e se lia o começo do relato da Criação, o Se-
nhor veio do monte das Oliveiras. O monte das Olivei-
ras fica a leste de Jerusalém. Todos os dias pela manhã,
21
A SEMANA DA PAIXÃO DE CRISTO

o sol se levanta por trás dessa elevação. Do monte das


Oliveiras veio ele, a verdadeira Luz do mundo, e entrou
nessa cidade cheia de trevas e resistência ao Messias.
No relato da Criação lemos que Deus fez separação
entre luz e escuridão. A palavra hebraica para separar
(bādal) pode se referir a uma separação espacial ou então
conceitual. Em Gênesis 1, o sentido usado é o de separa-
ção conceitual. Afinal, não havia mistura de luz e trevas
que primeiro precisasse de separação. A escuridão na
verdade não é nada. Ela é simplesmente ausência de luz.
Assim, não se tratava de separar luz e trevas que tinham
se misturado. A luz brilhou na escuridão, e Deus estabe-
leceu a diferença entre o conceito de luz e trevas, dando
à luz o nome dia (hebr. yom) e à escuridão, o nome noite
(hebr. lailah).
Aprendemos aqui algo de importância fundamen-
tal: Deus estabelece diferenças conceituais muito claras.
Hoje em dia, vemos que a sociedade pós-cristã conscien-
temente troca e confunde esses conceitos. Assim, julga-
-se correto muitas coisas que, na realidade, são erradas e,
por outro lado, difama-se como injusto o que na verda-
de é justo. Por isso, Isaías 5.20 diz:

22
Domingo de Ramos: A entrada do Rei em Jerusalém

“Ai dos que ao mal chamam bem e ao bem chamam


mal; que fazem das trevas luz e da luz fazem trevas; que
mudam o amargo em doce e o doce mudam em amargo!”

Por isso, também é importante que os cristãos esta-


beleçam diferenças muito claras em sua linguagem e
pensamento. Coisas que não devem andar juntas não
podem ser misturadas. De forma bem ampla, é muito
importante que nossa linguagem use termos claros e pu-
ros. Deus nos ensina isso desde o princípio por meio de
sua Palavra perfeita.
Nos eventos do Domingo de Ramos, vemos como
as trevas se voltaram contra o Senhor Jesus, pois os fa-
riseus exigiram que ele repreendesse os discípulos que
queriam recebê-lo como Messias. A isso, no entanto, o
Senhor respondeu:

“Eu afirmo a vocês que, se eles se calarem, as próprias


pedras clamarão.” (Lc 19.40)

É realmente impressionante o que aconteceu ali: o Rei,


o Messias, entrou em sua cidade no dia de Jerusalém.
Também é impactante a forma como Deus conduziu a
tradição judaica de tal forma que os textos certos fossem
lidos no dia certo nas sinagogas e no templo. Isso teste-
23
A SEMANA DA PAIXÃO DE CRISTO

munha de forma muito concreta a respeito da soberania


de Deus. Portanto, ele também tem condições de falar
conosco por meio de circunstâncias e acontecimentos!
Essas informações sobre os dias da Criação fo-
ram transmitidas no Talmude babilônico, no tratado
Tha‘anith 4.2-3.
Para a cronologia dos eventos na semana da Paixão,
a seguinte constatação é decisiva: somente no evangelho
de Marcos é possível ver com precisão o que aconteceu
em qual dia. Só lá se diz – e de forma bem consistente –
o que aconteceu em que dia da semana.

24

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