Sindrome de Moniere
Sindrome de Moniere
Sindrome de Moniere
Maio’2019
Clínica Universitária de Otorrinolaringologia
Orientado por:
Maio’2019
Resumo
A Doença de Ménière (DM) é uma doença do ouvido interno, caracterizada por uma
associação de sintomas vestibulares e cocleares. Esta condição clínica cursa, tipicamente,
com uma hipoacusia neurossensorial flutuante, ataques vertiginosos recorrentes e
zumbidos. Até recentemente o estudo post mortem do osso temporal era a única forma de
visualizar a hidrópsia endolinfática nos doentes com DM. A etiologia e fisiopatologia
desta doença ainda não são inteiramente compreendidas. Verifica-se uma grande
disparidade nos dados epidemiológicos globais com a prevalência a variar entre os 3.5 e
os 513 por 100 000 habitantes e a incidência entre os 8.2 e os 157 por 100 000 habitantes
por ano. Embora a maior parte dos casos de DM seja esporádica, vários estudos têm
relatado uma predominância familiar. Podemos distinguir duas fases na evolução da DM:
as crises vertiginosas e os períodos assintomáticos entre estas. Os episódios vertiginosos
são mais comuns na fase inicial de evolução da doença, mas a perda auditiva e a
hipofunção vestibular mostram uma grande variabilidade de apresentação, tornando
difícil a caracterização do fenótipo da DM. A DM é um diagnóstico essencialmente
clínico e de exclusão. Recentemente, foi elaborado um documento consensual que
reconhece duas categorias da DM: a DM definitiva e a DM provável. Tirando a
audiometria tonal, os outros testes não têm valor diagnóstico sendo mais utilizados para
monitorar as alterações nas funções vestibulares e cocleares. Uma vez que a etipatogénese
da DM continua a não ser totalmente compreendida, a terapêutica usada atualmente tem
como principal objetivo o controlo da sintomatologia. O tratamento inclui modificações
do estilo de vida, terapêutica farmacológica e, em alguns casos, procedimentos cirúrgicos.
É essencial explicar aos pacientes a história natural da doença e discutir as opções
terapêuticas e os seus possíveis efeitos adversos, encorajando-os a participar ativamente
na tomada de decisões.
1
Abstract
2
Índice
Resumo ............................................................................................................................. 1
Abstract ............................................................................................................................. 2
Índice ................................................................................................................................ 3
Abreviaturas...................................................................................................................... 6
1. Introdução.................................................................................................................. 7
2. Etiologia e Fisiopatologia.......................................................................................... 9
5. Diagnóstico Diferencial........................................................................................... 19
7. Tratamento .............................................................................................................. 25
4
Índice de Tabelas
Índice de Figuras
Figura 2 – Fatores que podem influenciar a homeostase do ouvido interno que podem
estar na base da DM........................................................................................................ 12
5
Abreviaturas
6
1. Introdução
1.1. Definição
A Doença de Ménière (DM), descrita pela primeira vez em 1861 por Prosper Ménière, é
uma doença do ouvido interno, crónica e multifatorial, caracterizada por uma associação
de sintomas vestibulares e cocleares. Esta condição clínica cursa, caracteristicamente,
com uma hipoacusia neurossensorial flutuante, ataques vertiginosos recorrentes e
zumbidos. Os doentes reportam ainda outros sintomas como sensação de plenitude
auricular, instabilidade postural, náuseas e vómitos, tendo todos estes sintomas uma
evolução variável. [1,2]
Em 1938, o estudo post mortem do osso temporal revelou a presença de uma hidrópsia
endolinfática (HE) em todos os doentes com DM. Foi assim possível relacionar a
síndrome clínica com este novo achado histopatológico. A HE corresponde a uma
dilatação do espaço endolinfático do ouvido interno para áreas normalmente ocupadas
pelo espaço perilinfático, levando a um aumento da pressão endolinfática. Ocorre mais
frequentemente na Scala Media (SM) da cóclea e no sáculo, mas pode ocorrer também
no utrículo e nos canais semicirculares. [1]
1.2. Epidemiologia
7
Embora a maior parte dos casos de DM seja esporádica, vários estudos têm relatado uma
predominância familiar, que varia entre 5% e 15% dos casos. [2,9] Num estudo conduzido
por Requena et al. (2014), a DM de origem familiar foi relatada em 8% dos casos. [9]
8
2. Etiologia e Fisiopatologia
9
Na figura 1 estão representados um ouvido interno sem patologia (a) e um com hidrópsia
endolinfática (b). A endolinfa (cinzento claro) está rodeada pela perilinfa (preto) excepto
na região do ducto endolinfático (DE) e do saco endolinfático (SE). [10]
No entanto, em 2010 uma nova perspetiva veio sugerir que a relação entre a HE e a DM
não era direta e que esta devia ser considerada apenas um marcador histológico em vez
de ser diretamente responsável pelos sintomas da doença [14], uma vez que nem todos os
casos de HE apresentavam os sintomas característicos da DM. [11]
Mais recentemente, Foster & Breeze (2013) relataram que um número significativo de
casos de HE não apresentava uma clínica compatível com DM. No entanto, com base nos
critérios de diagnóstico de 1995 da American Academy of Otolaryngology-Head and
Neck Surgery (AAO-HNS), verificaram que 98,8% dos casos de DM apresentavam HE
em pelo menos um ouvido. Os mesmos autores consideram que não existem dados
suficientes que confirmem que a associação entre a DM e a HE é apenas um epifenómeno
ou que a DM leva ao aparecimento da HE, achando mais provável que a HE esteja na
base do desenvolvimento da DM. Caso tal se verifique, a HE sozinha não parece ser
10
suficiente para levar ao aparecimento da DM, indicando que devem existir outros co-
fatores responsáveis pela doença. [15]
Alguns autores (e. g. [2,16]) consideram que vários mecanismos imunológicos podem
estar envolvidos na fisiopatologia da DM. A resposta à terapia com corticosteróides e a
descoberta de níveis elevados de anticorpos e complexos autoimunes circulantes no
ouvido interno de alguns pacientes parecem suportar esta teoria. [2,16]
Diversas linhas de evidência suportam o contributo dos fatores genéticos nas variações
fenotípicas encontradas nos doentes com DM. Alguns doentes têm familiares em primeiro
e em segundo grau com a doença, o que confirma a existência de uma agregação familiar.
A maioria destas famílias apresentam um padrão de transmissão autossómico dominante
com penetrância incompleta e expressão variável. [40]
11
Figura 2 – Fatores que podem influenciar a homeostase do ouvido interno que podem
estar na base da DM. Adaptada de [2].
12
3. Manifestações Clínicas
Os episódios vertiginosos são mais comuns nos primeiros 5 anos de evolução da doença,
mas a perda auditiva e a hipofunção vestibular mostram uma grande variabilidade de
apresentação entre os doentes, tornando difícil a caracterização do fenótipo da DM. [18]
Os doentes relatam ainda a associação de outros sintomas, de evolução variável, como
desequilíbrio, instabilidade postural, náuseas, vómitos, palpitações, ansiedade, suores
frios e diarreia. Após as crises, os pacientes experimentam, frequentemente, um período
de fadiga extrema que se pode prolongar por vários dias. [1,2]
13
3.2. Sintomas vestibulares
Stahle et al. (1991) relatam uma frequência de 1 a 4 episódios vertiginosos por mês e 3 a
11 por ano nos doentes com DM. [23] O número de pacientes sem ataques vertiginosos
aumenta progressivamente com o tempo, mesmo naqueles que não receberam tratamento
específico. Uma recuperação em 8 anos é expectável em 70 % dos casos, com
subsequente estabilização nos 10 anos seguintes até começar em declínio gradualmente.
[24,25]
Brantberg & Baloh (2011) referem que 68% dos doentes com DM descrevem dois ou
mais dos sintomas cocleares característicos da doença (HNF, zumbido e plenitude aural)
durante pelo menos metade dos episódios vertiginosos. [26]
A HNF está associada a ataques vertiginosos em 77% dos doentes. [27] Apresenta-se de
forma flutuante nos primeiros 5 anos, no sentido em que é episódica e reversível depois
da ocorrência de uma crise e é caracteristicamente uma hipoacúsia para baixas
14
frequências. No entanto, com a progressão da doença, há uma tendência para o
agravamento e extensão a todas as frequências. Eventualmente, a surdez deixa de ser
flutuante e torna-se permanente. [2] O envolvimento do ouvido contralateral varia entre
2% e 73 % dos casos, dependendo do intervalo de seguimento e dos critérios de
diagnósticos utilizados. [28]
É bastante comum que os doentes com sensação de plenitude aural ou zumbido possam
percecionar uma perda da capacidade auditiva mesmo quando esta se encontra normal,
uma vez que estes sintomas perturbam a capacidade de discriminação verbal. A
hipoacúsia na DM é, usualmente, fácil de identificar mas difícil de definir com precisão.
Desta forma, a HNF tem de ser documentada através da realização de uma audiometria
tonal no ouvido afetado em pelo menos uma ocasião para permitir o diagnóstico de DM.
[17]
O Síndrome de Lermoyez é um fenómeno raro que pode ocorrer em alguns doentes com
DM. Caracteriza-se por uma melhoria transitória da audição durante a ocorrência do
ataque vertiginoso, podendo também verificar-se uma melhoria do zumbido. Alguns
doentes relatam uma história prévia de perda auditiva, frequentemente desde a infância,
que precede a instalação dos episódios de vertigem. Esta variante recebe o nome de DM
tardia. [27]
O zumbido pode ser o primeiro sintoma a manifestar-se nos doentes com DM, meses
antes da instalação do quadro total. É descrito como um zumbido de baixa frequência e
pode estar associado a distorção auditiva. Na fase inicial da doença, o zumbido é
intermitente e aparece durante os ataques em 83% dos doentes e desaparece depois dos
mesmos, podendo tornar-se persistente quando a hipoacúsia se torna permanente. [27,29]
A sua severidade parece ser influenciada não só pela duração e estadio da doença, mas
também por fatores psicológicos como depressão e ansiedade. [30]
A sensação de plenitude aural no ouvido afetado tem uma apresentação variável e mais
de 20% dos doentes não chegam a experienciar este sintoma. [27] É descrita como uma
sensação de pressão no ouvido, semelhante à que se sente aquando da aterragem de um
avião e, normalmente, desaparece com a progressão da doença. [2]
15
4. Critérios de Diagnóstico
A DM é considerada uma doença idiopática e desde a sua descoberta vários esforços têm
sido feitos para encontrar critérios de diagnóstico que sejam consensuais. Em 1974, a
Japanese Society for Equilibrium Research (JSER) propôs critérios clínicos para o
diagnóstico da DM. Também a AAO-HNS desenvolveu guidelines para o diagnóstico e
avaliação terapêutica da DM em 1972, tendo estas sido posteriormente revistas em 1985
e 1995. [29]
Neste novo documento, apenas são reconhecidas duas categorias da DM: DM provável e
DM definitiva. As características de cada categoria estão definidas na tabela 1. [18]
16
Tabela 1 - Critérios de diagnóstico da DM da AAO-HNS, retificados em 2015.
Adaptada de [18].
Recentemente, Nakashima et al. (2016) sugeriram que deveria ser feita uma Ressonância
Magnética (RM) ao ouvido interno de todos os pacientes com suspeita de DM e que a
classificação de DM definitiva deveria incluir evidência imagiológica de HE. [6] Os
autores propõem que também os ouvidos monosintomáticos com HE sejam tratados como
DM, da mesma forma que a classificação da AAO-HNS em 1972 reconhecia a DM
vestibular e DM coclear como subtipos da DM. [1]
De acordo com esta perspetiva, Pyykko et al. (2013) reportaram que em 20 % dos doentes
com DM pode demorar mais de 5 anos e em 10 % mais de 10 anos antes dos sintomas
vestibulares e cocleares ocorrerem em simultâneo. [21]
Gürkov et al. (2016) propõem que o diagnóstico da DM deveria ser baseado na presença
de HE juntamente com os sintomas já considerados e que também os doentes
monosintomáticos com HE deveriam ser considerados na categoria de DM definitiva. [1]
18
5. Diagnóstico Diferencial
A DM é uma condição clínica que envolve uma grande variabilidade de sintomas com
apresentações diferentes levando a dificuldades adicionais no seu diagnóstico. A tabela
2 apresenta o diagnóstico diferencial para DM. [29]
Diagnóstico Diferencial
Enxaqueca
Doença cerebrovascular
Síndrome de Cogan
Schwannoma vestibular
Síndrome de Susac
Síndrome Vogt–Koyanagi–Harada
19
6. Exames complementares de diagnóstico
O diagnóstico da DM é baseado em critérios clínicos uma vez que não existe um marcador
biológico específico para este fim. Não existe um teste funcional específico para a DM e
os mais frequentemente aplicados tentam compreender as estruturas sensoriais. Os testes
aplicados são, ao nível da avaliação auditiva, a audiometria tonal e eletrococleografia
(EcoG), a avaliação vestibular engloba os potenciais miogénicos vestibulares evocados
(PMVE),os testes calóricos e o Video Head Impulse Test (VHIT). Tirando a audiometria
tonal, os outros testes não têm valor diagnóstico sendo mais utilizados para monitorar as
alterações nas funções vestibulares e cocleares. [6]
Estadiamento da DM
1 ≤ 25
2 26-40
3 41-70
4 > 70
20
A HNF para baixas e médias frequências documentada audiometricamente é essencial
para o diagnóstico de DM definitiva. Com o seguimento torna-se mais fácil documentar
esta flutuação auditiva, suportando o diagnóstico de DM. Uma alteração nos limiares
auditivos superior a 30 dB em duas frequências adjacentes abaixo dos 2000 Hz é
necessária para o diagnóstico de DM unilateral. [2,20] As baixas frequências (250 e 500
Hz) são as mais afetadas na fase inicial da DM. Com a progressão da doença, a perda
auditiva pode estender-se a todas as frequências e o padrão do audiograma estável pode
passar do nível moderado a grave. [20]
Gibson et al. (2019) referem que a amplitude dos PEA aumenta exponencialmente com
a proximidade do elétrodo à cóclea, daí que os resultados obtidos com a colocação do
elétrodo intra timpânico sejam considerados mais fidedignos. [32] A descoberta da
elevação do quociente PS/PA em doentes com HE levou a que, durante muito tempo,
fosse considerado o teste mais específico para diagnosticar a DM. No entanto, a existência
de doentes com HE com respostas normais à EcoG e a variabilidade da sensibilidade e
especificidade do quociente PS/PA, têm tornado este teste menos popular ao longo do
tempo. [31]
Os PMVE são reflexos otomediados, de latência média, que são gravados através de uma
eletromiografia do músculo esternocleidomastoideu e de uma eletromiografia infraocular,
21
em resposta a estímulos auditivos de alta intensidade (condução aérea) ou a estímulos
vibratórios de alta frequência (condução óssea). [2]
Por outro lado, as assimetrias das amplitudes dos PMVEc parecem estar relacionadas com
o estadio da doença, uma vez que as respostas aumentadas no ouvido afetado foram
observadas nas fases iniciais da doença e mostraram um decréscimo com a sua
progressão. [6,33]
O teste calórico permite avaliar a função do canal semicircular horizontal e indica qual o
ouvido afetado. Este teste, em conjunto com a eletronistagmografia e a
videonistagmografia, tem sido o teste laboratorial mais importante na avaliação do
reflexo óculo cefálico (ROC). Stahle et al. (1991) reportaram que 50% da função
vestibular é perdida no ouvido afetado com a progressão da DM. [35]
No seu estudo, Wang et al. (2012) verificaram uma hipofunção vestibular unilateral no
teste calórico em 75% dos doentes com DM unilateral, [36] no entanto, em algumas séries
verificou-se uma resposta normal em 50% dos doentes. Uma parésia unilateral do canal
normalmente permite identificar o ouvido afetado apesar de também ter sido demonstrada
no ouvido não afetado em 19% dos doentes. [2]
22
6.3.3. Video Head Impulse Test (VHIT)
6.4. Imagiologia
Para a obtenção da imagem é utilizada uma sequência 3D-FLAIR, obtida após a injeção
endovenosa (IE) ou intratimpânica (IT) de um contraste de gadolínio. [21]
23
a IE, com uma dosagem significativamente menor, sendo mais fácil reconhecer a
patologia. [1]
Vários autores, nomeadamente Bernaerts et al. (2019) e Pyykko et al. (2013), reportaram
que, nos doentes com DM, a HE causa um aumento da largura e altura do sáculo. No
geral, a altura do sáculo de doentes com DM é superior a 1.6 mm. [21,39] O limite normal
do quociente entre a área endolinfática e o espaço do fluido vestibular (que engloba as
áreas endolinfática e perilinfática) é 33%. Qualquer aumento deste quociente é indicativo
de HE. De acordo com estes critérios, HE moderada apresenta um quociente entre 34% e
50% e HE severa superior a 50%. A avaliação deste quociente está relacionada com a
procidência da membrana de Reissner na SV e com o consequente aumento da área da
SM. [1,21]
24
7. Tratamento
Magnan et al. (2018) recomendam uma abordagem personalizada dos doentes com DM.
Se um doente apresenta uma comorbilidade como alergia, enxaqueca ou artrite auto
imune, o controlo destas patologias deve ser a primeira linha de atuação. A realização de
uma história clínica completa, não esquecendo antecedentes relevantes como a presença
de uma história familiar de perda auditiva ou de episódios vertiginosos, é também
recomendada. [31]
Durante os ataques iniciais, os doentes devem ser levados a um hospital, sendo importante
excluir, em primeiro lugar, outras causas como hemorragias intracranianas ou problemas
cardíacos. [2]
25
administração de supressores vestibulares e antieméticos. Convencionalmente, os doentes
recebem um supressor vestibular como a proclorperazina e podem necessitar de
hidratação. [32]
Nos ataques seguintes o doente não necessita de se deslocar ao hospital, uma vez que o
movimento vai agravar a vertigem, sendo preferível deitarem-se e permanecerem
imóveis. As náuseas e vómitos, quando presentes, podem ser aliviados com a
administração de anti dopaminérgicos ou anti serotoninérgicos como o ondansetron. [32]
Espinoza-Sanchez et al. (2016) recomendam a utilização da dose mínima eficaz destes
fármacos, não usar a medicação supressora vestibular durante mais de 5 dias e evitar o
uso simultâneo de duas medicações com efeito antidopaminérgico. [2]
26
7.4. Alterações do estilo de vida
Vários autores referem que o aumento do consumo de sal na dieta pode precipitar os
ataques vertiginosos. Uma dieta com baixo teor de sódio e elevado consumo de água
parece controlar o aumento da concentração sistémica da vasopressina, permitindo
manter a homeostase do ouvido interno. [32]
Embora tenha sido sugerido que uma redução do sal na dieta, na ordem dos 1000-1500
mg/dia, possa prevenir a ocorrência destes ataques, não existem evidências concretas que
suportem esta recomendação. O consumo de álcool, cafeína e a nicotina são
tradicionalmente restritos e os doentes são aconselhados a seguir uma rotina diária e a
evitar triggers como o stress, alterações de pressão, fadiga ou privação do sono. No
entanto a eficácia destas medidas não foi demonstrada em ensaios clínicos randomizados
e controlados. [31,32]
7.5.1. Diuréticos
Os diuréticos são amplamente usados nos doentes com DM, especialmente nos EUA onde
são a primeira linha terapêutica. Os diuréticos aumentam a excreção urinária de sódio e
água, através da diminuição da sua reabsorção ao nível do nefrónio. Espinoza-Sanchez et
al. (2016) referem que esta redução do volume extracelular leva a uma diminuição da
pressão e do volume endolinfático, que podem ser explicados pelo aumento da drenagem
da endolinfa ou pela redução da sua produção pela SV. [2]
Os esforços da Cochrane Collaboration (2011) para analisar os efeitos dos diuréticos nos
doentes com DM foram frustrados pela falta de evidência de ensaios clínicos que
27
comprovem a sua eficácia. Os diuréticos devem ser considerados como terapêutica de
segunda ou terceira linha, podendo ser usados sozinhos ou em associação com a
betahistina quando esta não for eficaz na redução dos ataques vertiginosos. [31]
7.5.2. Betahistina
7.5.3. Corticosteróides
A administração dos corticosteróides pode ser feita por via sistémica ou por via
intratimpânica. O único estudo prospectivo, randomizado e duplamente cego,
considerado na revisão sistemática feita por Pullens et al. (2011), mostrou que o controlo
total da vertigem foi possível em 82% dos doentes que realizaram corticoterapia IT contra
57% dos que realizaram placebo. [2] Os autores concluíram que, apesar da evidência
28
limitada, a administração intratimpânica de corticosteróides demonstrou uma melhoria
estatística e clinicamente significativa na frequência e severidade dos ataques
vertiginosos. [41]
Philips et al. (2011) referem que a evidência existente da eficácia dos corticosteróides na
DM é limitada, não havendo ensaios clínicos randomizados que mostrem o seu benefício
a longo prazo. [42]
O objetivo desta terapêutica é fazer a ablação química do labirinto afetado levando a uma
hipofunção prolongada que o cérebro não consegue compensar. [45] A gentamicina IT
vai atingir a porção vestibular do ouvido pelo ligamento espiral e, se a dose administrada
for suficiente, pode ser conseguida uma ablação vestibular completa. [46]
Esta ablação química do labirinto apresenta algumas vantagens sobre a ablação cirúrgica
clássica. Em primeiro lugar, pode ser efetuada em contexto de ambulatório sob anestesia
local, não sendo necessário submeter o doente a uma cirurgia mais invasiva. [45] Uma
29
única injeção IT é, por vezes, suficiente para que o doente tenha um período de remissão
da doença prolongado. [32]
A cirurgia do saco endolinfático (CSE) tem como objetivo reverter a hidrópsia e aumentar
a drenagem endolinfática através da descompressão do saco endolinfático. A CSE tem
gerado controvérsia entre os autores, com casos de estudo a apontarem para uma eficácia
no controlo da vertigem de 60% a 80% e outros a referirem não existir evidência
suficiente que comprove a sua eficácia na DM. [2] Um estudo recente sugere ainda que a
CSE pode prevenir o desenvolvimento da DM no ouvido contralateral. [47]
7.6.2. Labirintectomia
Esta cirurgia pode ser realizada em simultâneo com a colocação de um implante coclear
nos casos em que se verifica uma hipoacúsia profunda bilateral. [48]
30
A necessidade de uma craniotomia envolve riscos, incluindo a ocorrência de edema
cerebral, meningite e hemorragia intracraniana. A abordagem pela fossa média apresenta
um risco superior de lesão do nervo facial quando comparada com a abordagem posterior.
A taxa de controlo da vertigem é superior após a realização da neurectomia vestibular
quando comparada com o tratamento com gentamicina IT. [2]
A NV foi a cirurgia eleita durante muito tempo uma vez que permitia a destruição da
função labiríntica com a preservação da audição. No entanto, era uma cirurgia complicada
que tem sido largamente substituída pela terapêutica com gentamicina IT. [32]
Esta intervenção não é recomendada em doentes mais velhos uma vez que, tal como a
labirintectomia, leva a uma perda total da função vestibular no ouvido operado. [2]
Apesar da evidência não ser clara, alguns autores reportam que os tubos de timpanostomia
podem ser eficazes no alívio da plenitude aural. [32]
31
7.8. Prognóstico e seguimento
32
8. Limitações atuais e perspetivas futuras
Desde 1861, ano em que a DM foi primeiramente descrita por Prosper Ménière, o
conhecimento sobre esta patologia tem evoluído de forma dinâmica. No entanto, existem
ainda vários aspetos relacionados com a etiologia, fisiopatologia e tratamento da DM que
não estão inteiramente esclarecidos.
Os ataques vertiginosos agudos são, usualmente, mais frequentes nos primeiros anos da
doença verificando-se uma posterior diminuição da sua frequência associada a uma
deterioração permanente da audição. Eventualmente, na maioria dos doentes, os episódios
vertiginosos cessam por completo. A natureza, inicialmente progressiva com flutuações
imprevisíveis, da DM torna difícil distinguir a resolução natural da doença dos efeitos do
tratamento.
Uma vez que nem todos os casos de HE apresentam os sintomas característicos da DM,
esta sozinha não parece ser suficiente para levar ao aparecimento da DM, indicando que
devem existir outros co-fatores responsáveis pelo aparecimento da doença.
33
Apesar do grande número de estudos relacionados com o tratamento da DM, continua em
falta uma terapêutica eficaz baseada em evidências.
34
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