Relações de Trabalho e A Pandemia Do Coronavírus
Relações de Trabalho e A Pandemia Do Coronavírus
Relações de Trabalho e A Pandemia Do Coronavírus
Fabricio Fay
Coordenadores
Fabricio Fay
Presidente da CEAT/OAB/RS
Capa:
Carlos Pivetta
R321
ISBN: 978-65-88371-04-6
CONSELHO PEDAGÓGICO
CORREGEDORIA
Corregedores Adjuntos
Maria ErcíliaHostyn Gralha,
Josana Rosolen Rivoli,
Regina Pereira Soares
OABPrev
COOABCred-RS
PREFÁCIO – Maria Cláudia Felten e Rosângela Maria Herzer dos Santos ........................ 9
PALAVRA DO PRESIDENTE
Ricardo Breier
Presidente da OAB/RS
9
PREFÁCIO
O E-Book Relações de Trabalho e a Pandemia do Coronavírus surgiu através da
convergência de ideias da Escola Superior de Advocacia da OAB/RS, da Comissão Especial da
Advocacia Trabalhista da OAB/RS e do Grupo de Estudos de Direito do Trabalho da ESA/RS.
O direto emergencial que nasceu e vem crescendo a cada dia na Pandemia do
Coronavírus merece nossa atenção e nada melhor que organizar uma coletânea de artigos sobre
o tema.
Com grande alegria e honra recebemos missões especiais no E-Book. Recebemos a
missão de ser organizadoras; de revisar os artigos que foram enviados e, principalmente, de
prefaciar a obra. Eis que aqui estamos!
O E-Book Relações de Trabalho e a Pandemia do Coronavírus reúne catorze artigos de
temas maravilhosos, cujos autores são colegas que admiramos muitos. Os artigos adentram as
questões relacionadas a Pandemia, bem como a temas novos que surgiram em meio a Pandemia.
Os ilustres autores estão de parabéns e o nosso muito obrigada por abraçarem o projeto
do E-Book e quererem fazer parte dele, escrevendo um artigo com tanto entusiasmo.
Assim, nossos parabéns vão para os autores André Jobim de Azevedo, Caroline Oliveira
da Silva, Andressa Ribas Pereira, Domenique Assis Goulart, Cesar Augusto Cavazzola Junior,
Cindel Gabriele de Queiroz, Cleber Dalla Colletta, Douglas Pereira de Matos, Eduardo Vinhas
Fagundes, Giuseppe Bachini, Sandy Barbosa, Guilherme Wünsch, Pedro Guilherme Beier
Schneider, José Tadeu Neves Xavier, Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha, Marcus
Gabriel Nunes Quintana, Thaís Ribas Francesqui e Thaís Vanessa dos Santos da Silva.
Queridos (as) leitores (as) desejamos uma ótima leitura!
APRESENTAÇÃO
Em um ano marcado pela pandemia, onde o afastamento social se tornou a principal
medida de combate à propagação do Covid-19, o tão surrado, e, por muitos menosprezado,
direito do trabalho ganhou um papel protagonista na solução dos desafios do mundo do trabalho
e da economia. Nessa esteira, uma série de normativos surgem para tentar minimizar os
impactos que o vírus iria causar em nossa sociedade.
Nesse momento, tudo nos toma de assalto, não temos doutrina, não sabemos qual será
o entendimento dos tribunais, mergulhamos num mundo de incertezas onde as soluções não
podem ser medidas pelo que conhecemos até agora e novos desafios surgem a todo momento.
Sendo que novas transformações sem dimensão ainda estão por vir.
Nunca em nossas vidas vimos tantas mudanças em um período tão curto de tempo. A
pandemia alterou as nossas rotinas, vida social e forma de trabalho, deforma até então
inimagináveis, novas legislações fervilharam, atribuindo-se a lei o poder, ou talvez a esperança,
de salvar postos de trabalho e a economia.
Dentro desse cenário, os profissionais da área da saúde foram mais demandados que
nunca, com grandes sacrifícios à vida pessoal e emocional, estando submetidos a cargas de
trabalho exaustivas, sob o risco iminente e constante de contaminação, vivenciando
concretamente, e em larga escala o sofrimento pelas mortes e sequelas. Assim, o trabalho passa
a ser fator gerador de importante padecimento psíquico, trazendo um impacto imensurável à
saúde no ambiente de trabalho.
Com a pandemia novas modalidades de trabalho, que antes eram exceção, passaram a
sera regra, o teletrabalho ou home officecomeçou a ser amplamente utilizado, grandes estruturas
que abrigavam escritórios e empresas se tornaram da noite para o dia um peso desnecessário.
O trabalho “invadiu” o espaço privado das pessoas, hoje se divide a reunião por
videoconferência com os cuidados com os filhos e familiares. É cada vez mais comum, em meio
a uma importante reunião ou sustentação nos Tribunais, que escutemos o choro de um bebê, o
latido do cachorroe até mesmo um olhar furtivo de uma criança sobre o ombro do colaborador.
Nesse novo contexto tudo isso passou a ser “normal” e as formalidades foram mitigadas.
Presenciamos uma sucessão de Medidas Provisórias e Decretos, que trouxeram uma
série de dúvidas e incertezas, reduções de salário e trabalho, suspensão de contrato, etc. Uma
série de direitos adquiridos ao longo de décadas passaram a ser suspensos ou suprimidos. Os
limites do poder diretivo do empregador foram estendidos, gerando mais desequilíbrio na já
desigual relação de trabalho. Ao mesmo tempo em que as medidas de suspensão do contrato e
redução de salário aliviaram o peso para as empresas de um lado, reduziram o dinheiro que
circula no mercado.
Como se todo esse turbilhão de transformações não fosse suficiente, em meio à
tempestade, a Lei Geral de Proteção de Dados entra em vigor. Muitos, diriam que poderia ter
esperado o fim da pandemia, mas nunca nos utilizamos tanto dos recursos tecnológicos e da
internet, e nesse contexto a proteção dos dados dos trabalhadores e da sociedade é fundamental.
11
Dentro desse contexto, mais que apresentar respostas, a presente obra pretende trazer
questionamentos e elementos para reflexões, para vislumbrar possíveis diretrizes, pois os
parâmetros de normalidade ainda estão em desconstrução, sendo que as perguntas mudam a
cada momento, e as soluções estão longe de ser ideais, mas apenas as possíveis e temporárias,
diante dos desafios enfrentados.
A única certeza, é que precisamos de um mundo pautado pela ética e humanização nas
relações, onde cada vez mais valorizemos as necessidades sociais coletivas e atuações
institucional.
Fabrício Fay
RESUMO
A pandemia da Covid-19 está sendo uma das maiores adversidades em escala global do
século XXI. Com isto o usa da tecnologia cada vez mais ganha importância no cotidiano, sob
influência do estado pandêmico e do distanciamento social. Não é diferente na esfera
trabalhista, a escolha do tema fundamenta-se pela necessidade imediata de desenvolvimento do
estudo e aplicação do regramento presenta na LGPD, mediante compliance trabalhista,
ferramenta que se responsabiliza pela adéqua ção de empresas a respeito do tratamento de dados
dos seus empregados. O artigo tem por objetivo o de conceituar, analisar, questionar e
compreender a questão da proteção e tratamento de dados dentro do âmbito trabalhista
impulsionados pelo uso da tecnologia no estado de caráter pandêmico atual. Para seu
desenvolvimento, esta pesquisa utilizará o método dedutivo tradicional, tendo como base
material de estudo a doutrina, a legislação brasileira e comparada no que se traduz o tema do
trabalho.
1. PANDEMIA
1
Advogado sócio de Faraco de Azevedo Advogados, OAB/RS nº 21.172. Professor universitário PUCRS desde
1990. Membro Ex-Presidente Fundador e Titular da Cadeira 89 da ABDT. Titular da Cadeira 02 da ASRDT.
Membro do Conselho Superior do Comitê de Arbitragem da OAB/RS. E-mail: andre@faracodeazevedo.com.br.
2
Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Bolsista de
Iniciação Científica em Direito pela PUCRS (PROBIC/FAPERGS). Afilhada acadêmica – IBDP (3ª Ed.).
Estagiária inscrita no quadro da OAB/RS nº 51E656. E-mail: c.oliveira2203@gmail.com.
13
Organização Mundial da Saúde (OMS)3, no dia 11 de março de 2020, como sendo a primeira
pandemia do Século XXI.
2. LGPD
3
Organização Mundial da Saúde. Perguntas e respostas sobre coronavírus (COVID-19). Disponível em
<https://www.who.int/news-room/q-a-detail/q-a-coronaviruses>. Acesso em 15 de fevereiro de 2021.
4
OIT. Organização Internacional do Trabalho. Disponível em
<https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_738780/lang--pt/index.htm> Acesso em 15 de fevereiro de 2021.
14
do que muitos especialistas tratam no sentido de que as empresas brasileiras não estão
preparadas para os cumprimentos das normas estabelecidas na lei, cabe salientar que, com o
advento do enfrentamento à pandemia do Covid-19, nunca se exigiu tanto de métodos/meios
tecnológicos para ampliar e desenvolver pesquisas e estudos sobre o vírus.
5
BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de dados Pessoais (LGPD). Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015- 2018/2018/Lei/L13709.htm>. Acesso em 15 de fevereiro
de 2021.
6
Agência Senado, Lei Geral de Proteção de Dados entra em vigor. Disponível em: <
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/09/18/lei-geral-de-protecao-de-dados-entra-em-vigor>
Acesso em 18 de fevereiro de 2021.
7
Ibid.
15
A Lei Geral de Proteção de Dados não coíbe o uso de dados, mas estabelece um sistema
de normas e regras para o uso legal e adequado dos dados pessoais. Considerando a ampla e
vasta aceleração das tecnologias e que as empresas estão cada vez mais utilizando ferramentas
eletrônicas para o trabalho, em algum momento o cuidado e proteção dos dados utilizados e
tratados deveriam ser resguardado por legislação específica, e o foram pela LGPD. Neste
sentido, atualmente, cabe às empresas terem conhecimento da legislação e aplicarem suas
exigências e condicionantes ao cotidiano, sob pena da penalização na forma dalei e
indenizações, a fim de proteger da forma mais correta possível os direitos fundamentais à
intimidade, à vida privada, à honra e à liberdade das pessoas naturais que compõem o corpo
empresarial ou com ele se relacionam.
Com a implementação em caráter de urgência das normas regidas pela LGPD, muitas
empresas ainda não conseguiram se adequar, boa parte por consequência da pandemia que
afetou a tudo e a todos, principalmente no âmbito financeiro.
Em janeiro de 2021 o Brasil passou por uma onda de vazamento de dados pessoais de
223 milhões de pessoas, relativos ao CPF dos indivíduos. Logo, no mês seguinte houve um
novo vazamento de dados de, aproximadamente, 100 milhões de pessoas, incluindo dados
bancários e números de telefones. Consoante este contexto, a Autoridade Nacional de Proteção
8
DLA PIPER’S CYBERSECURITY AND DATA PROTECTION TEAM. DLA Piper GDPR fines and data
breach survey: january 2021. DLA Piper, 2021. Disponível em:
<https://www.dlapiper.com/en/uk/insights/publications/2021/01/dla-piper-gdpr-fines-and-data-breach-survey-
2021/>. Acesso em 20 de fevereiro de 2021.
16
de dados (ANPD), veio a público para informar que está apurando elementos e informações no
caso do vazamento de dados relacionados ao CPF dos brasileiros e que está tomando
providencias para análises e procedimentos devidos e, assim, promover a responsabilização e a
punição dos entes envolvidos9.
3. COMPLIANCE TRABALHISTA
Após a entrada em vigor da lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), a busca por empresas
para a implementação do compliance nas suas instituições se acentuou. Atualmente as técnicas
de compliance se inserem em diversas áreas coorporativas, inclusive na esfera trabalhista, com
técnicas de avaliação de riscos e crises, auditorias e desenvolvimento de códigos de conduta e
9
ANPD está apurando no caso do vazamento de dados de mais de 220 milhões de pessoas. Disponível em:
<https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/anpd-esta-apurando-no-caso-do-vazamento-de-dados-de-mais-
de-220-milhoes-de-pessoas>. Acesso em 20 de fevereiro de 2021.
17
O compliance é uma prática corporativa que pode ser tocada por um departamento
interno da empresa ou de forma terceirizada. Seu objetivo é analisar o funcionamento
da companhia e assegurar que suas condutas estejam de acordo com as regras
administrativas e legais, sejam essas regras externas (do país, Estado e cidade onde
ela atua) ou internas (da própria empresa).
Para que seja efetiva a utilização das técnicas do compliance no âmbito empresarial e
trabalhista, caberá, primeiramente, um estudo investigativo do histórico empresarial seguido da
implementação de práticas especificas e preventivas para determinada empresa. Como tratam
Daniel Sibille e Alexandre Serpa11
10
FÁBIO, André Cabbete. O que é compliance. E por que as empresas brasileiras têm aderido à prática. Disponível
em <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/07/24/O-que-%C3%A9-compliance.-E-por-que-as-
empresas-brasileiras-t%C3%AAm-aderido-%C3%A0-pr%C3%A1tica>. Acesso em 15 fevereiro de 2021.
11
SIBILLE, Daniel; SERPA, Alexandre. Os pilares do programa de compliance. Disponível em
<http://conteudo.lecnews.com/ebook-pilares-do-programa-de-compliance>. Acesso em 15 de fevereiro de 2021.
18
jurisprudência laboral e vigilância adequada e efetiva do seu cumprimento, tanto interno quanto
externamente12.
Pode-se dizer que a LGPD trouxe consigo um novo mecanismo, o compliance, mais
especificamente, o relatório de impactos à proteção de dados pessoais (RIPD), que visa abarcar
toda “a descrição dos processos de tratamento de dados pessoais que possam gerar riscos às
liberdades civis e aos direitos fundamentais, bem como medidas, salvaguardas e mecanismos
de mitigação de risco13”, ferramenta na qual o objetivo central é o de minimizar riscos e evitar
crises na proteção de dados pessoais.
Na legislação que visa a proteção de dados (LGPD), não contempla dispositivo que se
refere nomeadamente à proteção destes dados pessoais no ambiente de trabalho, mas consoante
o artigo 1º da referida lei é nítido observar que resguarda os direitos de pessoas naturais, sejam
pessoas físicas ou jurídicas de direito privado ou público, e, portanto, alcançando a todos
envolvidos nas relações de trabalho, direta o indiretamente:
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios
digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com
o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre
desenvolvimento da personalidade da pessoa natural 14.
12
NOVELLI, Breno. Implementação de programa de compliance e seus impactos na área trabalhista. Disponível
em <https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/9732/Implementacao-de-programa-de-compliance-e-seus-
impactos-na-area-trabalhista>. Acesso em 15 de fevereiro de 2021.
13
CARLOTO, SELMA. Lei Geral de Proteção de Dados exige novo comportamento das empresas. Entrevista
concedida a FETPESP, Sou + Ônibus, SP. Ed. 23. novembro/dezembro.. 2019. p. 8-12. Disponível em <
http://setpesp.org.br/newsite/wp-content/uploads/2020/12/Souonibus_023.pdf> Acesso em 22 de fevereiro de
2021.
14
BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de dados Pessoais (LGPD). Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015- 2018/2018/Lei/L13709.htm>. Acesso em 20 de fevereiro
de 2021.
19
5. CONCLUSÃO
No cenário pandêmico atual e com o advento da tecnologia cada vez mais presente no
cotidiano da sociedade como um todo, a busca pela prevenção de riscos e o planejamento de
condutas em concordância com o regramento disposto, são imprescindivelmente necessários e
urgentes
só, pois tem aplicação antecedente e posterior ao vínculo. Resta configuradoque o empregado
é titular dos seus dados que são ou serão objeto de tratamento por um controlador, este sendo o
empregador a quem incumbe o legal uso e assegurar segurança jurídica aos envolvidos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Agência Senado, Lei Geral de Proteção de Dados entra em vigor. Disponível em: <
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/09/18/lei-geral-de-protecao-de-dados-
entra-em-vigor> Acesso em 18 de fevereiro de 2021.
BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de dados Pessoais
(LGPD). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2018/Lei/L13709.htm>. Acesso em 15 de fevereiro de 2021.
CARLOTO, SELMA. Lei Geral de Proteção de Dados exige novo comportamento das
empresas. Entrevista concedida a FETPESP, Sou + Ônibus, SP. Ed. 23. novembro/dezembro..
2019. p. 8-12. Disponível em < http://setpesp.org.br/newsite/wp-
content/uploads/2020/12/Souonibus_023.pdf> Acesso em 22 de fevereiro de 2021.
DLA PIPER’S CYBERSECURITY AND DATA PROTECTION TEAM. DLA Piper GDPR
fines and data breach survey: january 2021. DLA Piper, 2021. Disponível em:
21
<https://www.dlapiper.com/en/uk/insights/publications/2021/01/dla-piper-gdpr-fines-and-
data-breach-survey-2021/>. Acesso em 20 de fevereiro de 2021.
FÁBIO, André Cabbete. O que é compliance. E por que as empresas brasileiras têm aderido à
prática. Disponível em <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/07/24/O-que-
%C3%A9-compliance.-E-por-que-as-empresas-brasileiras-t%C3%AAm-aderido-%C3%A0-
pr%C3%A1tica>. Acesso em 15 fevereiro de 2021.
RESUMO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Muitas mulheres têm relatado, por meios diversos, que se sentem sobrecarregadas e com
dificuldade de conciliar o serviço reprodutivo (trabalho doméstico mais cuidado de pessoas)
com teletrabalho ou home office, devido ao necessário isolamento como estratégia profilática
para frear a curva de contágio do COVID-19.3 Com o fechamento de creches e escolas, tem-se
1
Especialista em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Previdenciário pela Fundação Escola da
Magistratura do Trabalho do Rio Grande do Sul - FEMARGS (2018-2020). Bacharela em Ciências Jurídicas e
Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2017) e advogada trabalhista.
2
Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (2019-2020). Bacharela em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (2019) e advogada. É sócia da Themis - Gênero, Justiça e Direitos Humanos.
3
BENLLOCH, Cristina; BLOISE, Empar Aguado. Teletrabajo y conciliación: elestrés se cebaconlasmujeres. The
conversation, 29 de abril de 2020; DINIZ, Debora. Débora Diniz: “Mundo pós-pandemia terá valores feministas
no vocabulário comum”. SexualityPolicyWatch, 06 de abril de 2020.; KOVALCZUK, Amanda. O chamado da
pandemia de COVID-’9 a repensar a centralidade dos trabalhos de cuidado. Sul 21, 03 de maio de 2020.
23
observado um drástico aumento na já discrepante diferença no tempo gasto pelas mulheres mães
ou implicadas na vinculação intensiva da criação e cuidado de crianças, acumulando ainda
demandas de trabalhos de cuidados, domésticos e profissionais.4
Não se trata mais de dupla ou tripla jornada, como outrora, em que as mulheres
cumpriam sua jornada externa e, ao chegarem em casa, tinham de se responsabilizar por tarefas
como lavagem de roupa, limpeza do ambiente doméstico, preparo de alimentos e, claro, cuidado
de idosos e de crianças. Agora, com a quarentena, trata-se de uma inarredável indissociabilidade
entre a jornada de trabalho produtivo à jornada de trabalho reprodutivo 5, ao passo que ao
território doméstico se imbrica o laboral.
4
BENLLOCH, Cristina; BLOISE, Empar Aguado. Teletrabajo y conciliación: elestrés se cebaconlasmujeres. The
conversation, 29 de abril de 2020.
5
Como elucida Amanda Kovalczuk (2020), “o termo reprodutivo não diz respeito exclusivamente à reprodução
da vida pela maternidade, mas sim à realização de tarefas que, pela teoria marxista, não foram reconhecidas como
essencialmente produtivas no sentido industrial e assalariado realizado por uma maioria masculina. O trabalho de
cuidado doméstico, que aqui trato como não remunerado ou de baixa remuneração, é parte da categoria de trabalho
reprodutivo”.
6
Historicamente, a terminologia com que o direito do trabalho e que os movimentos de mulheres utilizaram diz
respeito à “divisão sexual de trabalho”. Entretanto, o presente estudo parte de uma discussão das teorias de gênero,
porquanto as referências históricas sobre sexo atrelam-se mormente às primeiras ondas do feminismo, tendo, ao
longo do tempo, havido outras teorias explicativas que elaboraram análises que se amparam em outros esquemas.
Nesse sentido, Judith Butler (2017) elucida que a sua teoria propõe o caráter performativo do gênero, o que quer
dizer que “a cada um de nós é atribuído um gênero no nascimento, o que significa que somos nomeados por nossos
pais ou pelas instituições sociais de certas maneiras.” Ocorre que juntamente “a atribuição do gênero, um conjunto
de expectativas é transmitido: esta é uma menina, então ela vai, quando crescer, assumir o papel tradicional da
mulher na família e no trabalho; este é um menino, então ele assumirá uma posição previsível na sociedade como
homem.” Para sua teoria, a performatividade diz respeito não somente ao caráter de iterabilidade (repetição dessas
normas ao longo do tempo), mas também à possibilidade de subversão dessas normas, uma vez que “muitas
pessoas sofrem dificuldades com sua atribuição —são pessoas que não querem atender aquelas expectativas, e a
percepção que têm de si próprias difere da atribuição social que lhes foi dada.” Portanto, elucida-se que este
trabalho parte dessas perspectivas teóricas, e não daquelas que radicam na essencialidade da divisão social entre
homens e mulheres a partir do sexo biológico. (BUTLER, 2017).
7
Importante, nesse momento, reconhecer a imprescindibilidade da manutenção de medidas para conter a curva de
contágio do vírus, diante da letalidade que vem aplacando milhares de pessoas ao redor do mundo. Portanto,
quaisquer argumentos que se inclinem no sentido de que as problemáticas sociais causadas pelas situações de
24
isolamento social constituam razão para que voltemos “à normalidade” são não apenas falaciosos, como também
dissimulam atos criminosos e flertam com posturas de higienização social e de distribuição desigual do luto,
jogando nos ombros da população a responsabilidade de que ela dê conta de si própria e mantenha a engenharia
econômica em pleno funcionamento, a despeito da descartabilidade de alguns milhares de corpos.
8
RISMAN, Barbara J. Methodological Implications of Feminist Scholarship. The American Sociologist, Vol. 24,
No. 3/4 (Fall - Winter, 1993).
25
Olga de Oliveira explica que o fato de as mulheres serem socialmente atreladas à esfera
privada decorre da ausência de seu reconhecimento histórico como sujeitos titulares de direitos
civis e políticos. Isso pode ser depreendido pelo fato de que, desde as primeiras Declarações de
Direitos ocidentais, o homem foi adotado como um sujeito de direitos neutro, consagrando uma
igualdade formal e abstrata. Essa neutralidade implica na perspectiva do homem como o
parâmetro universal de direitos, excluindo a mulher da esfera pública ao lhe negar direitos
políticos e civis. Dessa forma, o homem sempre dispôs e até hoje dispõe do privilégio de poder
atuar tanto na esfera pública quanto na esfera privada.10
9
LAZZARIN, Helena Kugel. A (Des)Proteção ao Trabalho da Mulher: As Insuficiências Legais e o Tratamento
Igualitário no Brasil. Novas Edições Acadêmicas, 2017.
10
OLIVEIRA, Olga Maria Boschi Aguiar de. Mulheres e trabalho: desigualdades e discriminações em razão de
gênero – o resgate do princípio da fraternidade como expressão da dignidade humana. Rio de Janeiro: Editora
Lumen Juris, 2016, p. 356.
11
RODRIGUES, Carla. Precisou uma pandemia para o trabalho doméstico sair da invisibilidade. Projeto
Colabora, 20 de abril de 2020.
26
A intelectual militante Silvia Federici vem reivindicando, desde a década de 70, salários
pelo trabalho doméstico, com fundamento em uma perspectiva política revolucionária
feminista, com duplo sentido de desnaturalizá-lo e de visibilizá-lo economicamente: “o simples
fato de querer salários para o trabalho doméstico já significa recusar esse trabalho como uma
expressão de nossa natureza, e, portanto, recusar precisamente o papel feminino que o capital
inventou para nós.”13Convém mencionar que atualmente estima-se que, “se fosse remunerado,
esse tipo de trabalho movimentaria no mínimo US$ 10,8 trilhões por ano, mais de três vezes o
valor da indústria de tecnologia do mundo.”14
12
OIT BRASIL. Mulheres no trabalho: tendências 2016 - sumário. Genebra: OIT, 2016, p. 18-19.
13
FEDERICI, Silvia. Ponto Zero da Revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. Trad.
Coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante, 2019, p. 46-47.
14
SAYURI, Juliana. Coronavírus: É preciso remunerar o trabalho doméstico e o de cuidado, defende economista.
The Intercept, 21 de abril de 2020.
27
Ainda que tais dispositivos legais tenham sido há muito tempo revogados15 e que tenha
sido reconhecido constitucionalmente o direito das mulheres de participarem do mundo de
trabalho em condições de igualdade, tal igualdade permanece no plano formal, não tendo se
efetivado materialmente, conforme demonstra uma simples análise de dados comparativos
referentes às condições de acesso, permanência e oportunidades no mercado de trabalho16 - em
todos esses quesitos, tem-se o prejuízo das trabalhadoras.
Com efeito, embora a mão de obra feminina tenha sido incorporada ao mercado de
trabalho e tenham as mulheres conquistado a participação nessa esfera pública, as trabalhadoras
continuam sendo responsabilizadas majoritária ou integralmente pelo exercício do trabalho
reprodutivo na esfera privada, ao passo que os trabalhadores homens ficam desonerados desta
tarefa. Assim, se às trabalhadoras mulheres compete o exercício do trabalho produtivo e
reprodutivo, ao passo que os trabalhadores podem optar em exercer só o primeiro, como
assegurar uma igualdade material entre ambos os gêneros na esfera pública do trabalho, se as
trabalhadoras já partem de uma sobrecarga na esfera privada? Portanto, não é à toa que,
conforme mencionado, todos os marcadores referentes à igualdade no mercado de trabalho
continuam demonstrando que o trabalho das mulheres é exercido em condições desiguais.
Insta destacar que a discussão acerca da distinção entre público e privado não é um
debate nada novo, a despeito de sua atualidade. Pelo contrário, essa divisão vem sendo
questionada pelos movimentos de mulheres desde a Segunda Onda Feminista, emergente nas
décadas de 60 e 70, na medida em que tal discricionária divisibilidade reflete nas condições
desiguais de distribuição de tarefas e performances sociais, implicando na distinção entre
15
Com efeito, o Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121/1962) alterou a redação do artigo 233 do Código Civil,
de modo que o pátrio poder familiar continuou a ser exercido pelo homem, mas com a colaboração da mulher. Não
obstante, a referida lei também alterou o artigo 6º do referido Código, devolvendo à mulher casada sua condição
de plena capacidade. Desta feita, revogou tacitamente, também parte do disposto no artigo 446 da Consolidação
das Leis do Trabalho, o qual permitia tanto ao marido quanto ao pai se oporem à realização do trabalho pela
mulher. Posteriormente, a Lei nº 7.855/89, compatibilizando a legislação ordinária com a Constituição Federal,
revogou expressamente a totalidade do artigo 446 da CLT.
16
Maria Luiza Pinheiro Coutinho pontua que, ainda que à trabalhadora mulher tenha sido reconhecida a igualdade
formal de participação no âmbito do trabalho, ainda assim o seu trabalho continua sendo exercido em condicoes
desiguais: “[...] persistem as brechas salariais, a sub-representação nas funções com responsabilidade de comando
e de maior qualificação técnica, e, mais, a presença das mulheres em ocupações precárias (trabalho doméstico,
terceirização). Observa-se, portanto, que persistem no mundo do trabalho as desigualdades entre homens e
mulheres. As relações de gênero continuam a provocar desvantagens às mulheres trabalhadoras em termos de
salários, ascensão funcional ou oportunidades de trabalho e, em muitas situações, a mulher é preterida em razão
de suas responsabilidades familiares. (Coutinho, 2003, pág. 42).
28
Posto esse breve panorama, cumpre investigar as dinâmicas através das quais a
responsabilização das mulheres pelo trabalho reprodutivo vem onerando sobremaneira as
mulheres no contexto da pandemia do COVID-19.
Em que pese a extensa carga horária despendida pelas mulheres com o trabalho
reprodutivo, ele é historicamente invisibilizado, sequer sendo reconhecido socialmente como
trabalho - exceto quando realizado pelas trabalhadoras domésticas, de forma (mal) remunerada,
para terceiros-. Como elucida a antropóloga Débora Diniz, “as mulheres são responsáveis pela
economia do cuidado”. Dado o fato incontestável de que há uma “distribuição desigual do
cuidado”, como já demonstrado, emergindo um contexto pandêmico em que “trancamos as
pessoas em casa - ou presumimos que as pessoas têm casa e que ela é um espaço seguro - a
centralidade do cuidado para a vida social se amplifica.”17
17
DINIZ, Debora. Débora Diniz: “Mundo pós-pandemia terá valores feministas no vocabulário comum”.
SexualityPolicyWatch, 06 de abril de 2020.
29
Desde o início da quarentena, a sobrecarga das mulheres pelo trabalho reprodutivo vem
sendo radicalmente exposta, levando à necessidade de retomar antigas discussões que vêm
sendo realizadas há décadas pelos movimentos feministas. Desde uma perspectiva sociológica,
é possível depreender que, através dos dados do IBGE, no Brasil, as mulheres empregam,
consoante os dados censitários relativos a 2018, em média cerca de73% a mais de horas do que
os homens na realização de serviços domésticos e no cuidados de pessoas (18,1 horas semanais
realizadas por mulher contra 10,5 horas semanais realizadas por homens), em circunstâncias
consideradas outrora como “normais”. 20
Vale destacar, no entanto, que essa distribuição desigual não é um fenômeno isolado
dos países em desenvolvimento. A Organização Internacional do Trabalho constatou que,
mesmo nos países mais ricos, as mulheres seguem sendo responsáveis pelo trabalho
reprodutivo, realizando, em média, duas vezes e meia mais tarefas domésticas e de cuidados
que os homens. Assim, considerando o trabalho reprodutivo, a jornada de trabalho feminina se
estende de 73 a 33 minutos por dia, respetivamente nos países em desenvolvimento e nos países
desenvolvidos21.
Essa é a razão pela qual as mulheres se aposentam mais cedo, não custa lembrar.
Também é por este mesmo motivo que as mulheres, em geral, possuem menor tempo livre para
exercer função remunerada. Deste modo, quanto à jornada trabalhada fora de casa, tem-se que,
consoante os dados censitários relativos a 2018, em média, o homem trabalhava 42,7 horas,
18
KOVALCZUK, Amanda. O chamado da pandemia de COVID-’9 a repensar a centralidade dos trabalhos de
cuidado. Sul 21, 03 de maio de 2020.
19
GAGO, Verónica. La potencia feminista: eldeseo de cambiarlo todo. Ciudad Autónoma de Buenos Aires:
Tinta Limón, 2019.
20
IBGE. Estatísticas de Gênero Indicadores sociais das mulheres no Brasil. Estudos e Pesquisas - Informação
Demográfica e Socioeconômica n.38. 2019.p. 3.
21
OIT BRASIL. Mulheres no trabalho: tendências 2016 - sumário. Genebra: OIT, 2016, p. 07.
30
enquanto a mulher 37,9 horas, o que acarretava cerca de 4,8 horas a menos na jornada semanal
da mulher em 2018.22
Da mesma forma, é também por esta razão que as mulheres constituem a maior parte da
mão de obra em contratos de trabalho de tempo parcial. Levantamentos da Organização
Internacional do Trabalho denunciam que, apesar de as trabalhadoras mulheres representarem
menos de 40 por cento do emprego total, as mesmas constituem 57 por cento dos trabalhadores
em tempo parcial, evidenciando que a distribuição desigual do trabalho reprodutivo reduz o
número de horas que as mulheres têm disponível para o exercício do trabalho remunerado.23
Com efeito, a drástica diferença de tempo despendido com tarefas domésticas acima
mencionada se dá em condições que possam ser consideradas ordinárias, com as mulheres
conciliando trabalho formal externo a essa jornada de trabalho doméstico. Contudo, o contexto
posto pela pandemia ocasionada pela COVID-19 traz novos contornos a esse cenário, posto
que, em razão do isolamento adotado como medida de contenção epidêmica, o ambiente laboral
passa a ser indissociável do ambiente doméstico.
22
IBGE. Estatísticas de Gênero Indicadores sociais das mulheres no Brasil. Estudos e Pesquisas - Informação
Demográfica e Socioeconômica n.38. 2019.p. 5.
23
Ibidem, p. 08.
31
de responsabilidade para com seus superiores”. As autoras do estudo indicam ainda que “muitas
delas estão trabalhando enquanto cuidam, e isso acontece durante todo o dia”,24o que confirma
o argumento central deste trabalho.
Vale ressaltar que as creches e escolas foram fechadas por conta da pandemia, de modo
que as trabalhadoras mães ou as que participam da criação de infantes agora se encontram com
as crianças em casa em tempo integral sob o seus cuidados. O estudo citado acima também
aponta que as atividades educativas das crianças são majoritariamente incumbidas às mães,
causando ansiedade e demasiado estresse25. Assim, resta evidenciada a situação de sobrecarga
física e emocional a que as trabalhadoras são assujeitadas em tempos de pandemia, na medida
em que “a urgência dos dilemas postos entre (...) demissão ou gestão familiar, são acentuados
pela responsabilização das mulheres pelo exercício do trabalho emocional ligados ao cuidado e
à administração do lar”.26
24
BENLLOCH, Cristina; BLOISE, Empar Aguado. Teletrabajo y conciliación: elestrés se cebaconlasmujeres. The
conversation, 29 de abril de 2020.
25
Ibidem.
26
GOULART, Domenique. Notas sobre uma leitura feminista da pandemia. Le Monde Diplomatique, 31 de
março de 2020.
27
IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD Contínua - 4º trimestre 2019. IBGE,
2019.
32
feminina, tampouco constitui parte essencial do projeto de vida das mulheres, tal como ocorre
com os homens.28
Nesse sentido, vale lembrar que a primeira vítima fatal do COVID-19 no estado do Rio
de Janeiro foi uma empregada doméstica negra de 62 anos, que mesmo após os seus
empregadores terem testado positivo para a doença, não foi dispensada de seus serviços,
28
ABRAMO, Laís. A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? São
Paulo, Universidade de São Paulo - USP, Tese de Doutorado, 2007.
29
De acordo com os dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atualizados até 2018, 63% dos trabalhadores domésticos
brasileiros são mulheres negras.
33
tampouco informada que seus patrões haviam contraído a doença.30 Ainda, conforme dados
expostos pelo Instituto Locomotiva, apenas 39% dos empregadores dispensaram os serviços
garantindo a remuneração de seus trabalhadores domésticos.31
Portanto, o contexto de isolamento gerado pela pandemia do coronavírus lançou luz não
só sobre a essencialidade do trabalho reprodutivo, mas também sobre a necessidade de se
resgatar as discussões sobre a divisão do trabalho reprodutivo, que há décadas vêm sendo
pautados pelos movimentos feministas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
30
DINIZ, Debora. Patroas, empregadas e coronavírus. El País Brasil, 20 de março de 2020.
31
GUIMARÃES, Lígia. Coronavírus no Brasil: 39% dos patrões dispensaram diaristas sem pagamento durante
pandemia, aponta pesquisa. BBC News Brasil em São Paulo, 22 de abril de 2020.
32
RODRIGUES, Carla. Precisou uma pandemia para o trabalho doméstico sair da invisibilidade. Projeto
Colabora, 20 de abril de 2020.
34
reprodutivo e do produtivo, por outro lado também foi exposta (como nunca antes havia sido)
a essencialidade do trabalho reprodutivo à própria manutenção do sistema capitalista.
REFERÊNCIAS
<https://sxpolitics.org/ptbr/debora-diniz-mundo-pos-pandemia-tera-valores-feministas-no-
vocabulario-comum/10315>.
DINIZ, Debora. Patroas, empregadas e coronavírus. El País Brasil, 20 de março de 2020.
Disponível em: <https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-03-21/patroas-empregadas-e-
coronavirus.html>.
FEDERICI, Silvia. Ponto Zero da Revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista.
Trad. Coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante, 2019.
GAGO, Verónica. La potencia feminista: eldeseo de cambiarlo todo. Ciudad Autónoma de
Buenos Aires: Tinta Limón, 2019.
GOULART, Domenique. Notas sobre uma leitura feminista da pandemia. Le Monde
Diplomatique, 31 de março de 2020. Disponível em: <https://diplomatique.org.br/notas-sobre-
uma-leitura-feminista-da-pandemia/>.
GUIMARÃES, Lígia. Coronavírus no Brasil: 39% dos patrões dispensaram diaristas sem
pagamento durante pandemia, aponta pesquisa. BBC News Brasil em São Paulo, 22 de abril de
2020. Disponível em <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52375292>.
IBGE. Estatísticas de Gênero Indicadores sociais das mulheres no Brasil. Estudos e Pesquisas
- Informação Demográfica e Socioeconômica n.38. 2019. Disponível em:
<https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101551_informativo.pdf>.
IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD Contínua - 4º trimestre
2019. IBGE, 2019. Disponível em:
<https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/2421/pnact_2019_4tri.pdf>.
IPEA. Os Desafios do Passado no Trabalho Doméstico do Século XXI: Reflexões Para o Caso
Brasileiro a Partir dos Dados da PNAD Contínua. IPEA: Brasília, 2019. Disponível em:
<https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2528.pdf>.
KOVALCZUK, Amanda. O chamado da pandemia de COVID-’9 a repensar a centralidade dos
trabalhos de cuidado. Sul 21, 03 de maio de 2020. Disponível em:
<https://www.sul21.com.br/opiniaopublica/2020/05/o-chamado-da-pandemia-de-covid-19-a-
repensar-a-centralidade-dos-trabalhos-de-cuidado-por-amanda-kovalczuk/>.
LAZZARIN, Helena Kugel. A (Des)Proteção ao Trabalho da Mulher: As Insuficiências Legais
e o Tratamento Igualitário no Brasil. Novas Edições Acadêmicas, 2017.
OIT BRASIL. Igualdade de gênero e raça no trabalho: avanços e desafios. Brasília: OIT, 2010.
Disponível em:
http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/gender/pub/igualdade_genero_262.pdf.
OIT. Mulheres no trabalho: tendências 2016 - sumário. Genebra: OIT, 2016. Disponível em:
<http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dco mm/---
publ/documents/publication/wcms_457096.pdf>.
36
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo fazer uma síntese dos projetos votados no
Senado Federal para o combate à pandemia, iniciados a partir do mês de fevereiro de 2020. Este
trabalho relaciona apenas as medidas relacionadas direta ou indiretamente às relações de
trabalho, motivo pelo qual incentivos destinados às empresas estarão contidos nesta relação,
bem como os auxílios em geral. A proposta visa, tão-somente, enumerar as proposições, sem
qualquer análise crítica sobre as mesmas.
1. APRESENTAÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo fazer uma síntese dos projetos votados no
Senado Federal para o combate à pandemia. Muito embora outras instituições tenham
apresentado medidas próprias, limitam-se, nesta abordagem, os temas que foram de tramitaram
no Senado. As iniciativas iniciaram ainda no mês de fevereiro de 2020, quando foi aprovado o
PL 23/2020 (transformado na Lei 13.979, de 2020), que regulamentou as medidas de
emergência de saúde pública provocada pelo vírus, como isolamento, quarentena e fechamento
de portos, rodovias e aeroportos.
1
Advogado (OAB/RS 83.859). Mestre em Direito pela Unisinos. Membro da CSI – OAB/RS.Autor dos livros
“Manual de Direito Desportivo” (EDIPRO, 2014), “Bacamarte” (Giostri, 2016) e coautor de outras obras jurídicas.
38
Importante destacar que não se trata de uma abordagem crítica aos projetos aprovados.
Estará disposto, no geral, (a) o número do projeto, assunto e autoria, (b) a ementa, (c) a síntese
da proposta, (d) a data de aprovação no Senado e, por fim, (e) a situação das proposições.
2.1. PL 4.108/2020
2.2. MP 963/2020
2
Os projetos foram consultados no banco de dados do site do Senado Federal. Este trabalho foi atualizado até o
dia 09 de setembro de 2020.
39
2.3. MP 959/2020
2.4. PL 2.424/2020
2.5. MP 975/2020
2.6. MP 944/2020
2.7. PL 2.824/2020
2.8. MP 986/2020
Ementa: Estabelece a forma de repasse pela União dos valores a serem aplicados pelos
Poderes Executivos locais em ações emergenciais de apoio ao setor cultural durante o estado
43
2.9. PL 3.716/2020
2.10. PL 735/2020
2.12. PL 2.906/2020
2.13. MP 925/2020
Ementa: Dispõe sobre medidas emergenciais para a aviação civil brasileira em razão
da pandemia da covid-19.
46
2.14. PL 1.826/2020
Ementa: Dispõe sobre compensação financeira a ser paga pela União aos profissionais
e trabalhadores de saúde que, durante o período de emergência de saúde pública de importância
nacional decorrente da disseminação do novo coronavírus (SARS-CoV-2), por terem
trabalhado no atendimento direto a pacientes acometidos pela Covid-19, ou realizado visitas
domiciliares em determinado período de tempo, no caso de agentes comunitários de saúde ou
de combate a endemias, tornarem-se permanentemente incapacitados para o trabalho, ou ao seu
cônjuge ou companheiro, aos seus dependentes e aos seus herdeiros necessários, em caso de
óbito; e altera a Lei nº 605, de 5 de janeiro de 1949.
coronavírus, bem como aos seus dependentes, cônjuge e herdeiros, em caso de falecimento
decorrente do coronavírus. Dispensa o empregado de comprovação de doença por 7 dias,
durante o período de emergência em saúde pública decorrente do coronavírus.
2.15. MP 945/2020
2.16. MP 946/2020
2.17. MP 936/2020
2.18. MP 932/2020
Explicação da Ementa: Promove, até 30 de junho de 2020, a redução pela metade das
alíquotas das contribuições obrigatórias dos empregadores aos serviços sociais autônomos
(Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – Senai, Serviço Social do Comércio – Sesc,
Serviço Social da Indústria – Sesi, Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio – Senac,
Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – Senar, Serviço Nacional de Aprendizagem do
Cooperativismo – Sescoop, Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte – Senat, e
Serviço Social de Transporte – Sest). No que diz respeito ao Serviço Brasileiro de Apoio às
Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), prevê que pelo menos 50% da contribuição devida deve
ser destinada ao Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas (Fampe), que tem por objetivo
prover garantias complementares em operações de crédito junto a instituições financeiras
conveniadas.
50
2.19. PL 1.075/2020
Ementa: Dispõe sobre ações emergenciais destinadas ao setor cultural a serem adotadas
durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de
março de 2020; e dá outras providências.
2.20. PL 1.886/2020
2.21. PL 873/2020
2.22. PL 1.282/2020
2.23. PL 696/2020
2.24. PL 702/2020
2.25. PL 1.066/2020
Ementa: Altera a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, para dispor sobre parâmetros
adicionais de caracterização da situação de vulnerabilidade social, para fins de elegibilidade ao
Benefício de Prestação Continuada (BPC), e estabelece medidas excepcionais de proteção
social a serem adotadas durante o período de enfrentamento da emergência de saúde pública de
importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019, a que se
refere a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.
RESUMO
INTRODUÇÃO
Embora o mundo esteja globalizado, com altas tecnologias à disposição, tais como, as
plataformas digitais, ainda há certos temas em que parece que a sociedade não evoluiu tanto quanto faz
crer. Um exemplo disso é em relação à mulher e o mercado de trabalho.
Um estudo2 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) concluiu que
as mulheres ganham menos do que os homens em todas as ocupações pesquisadas no ensaio, bem como
verificou-se que as trabalhadoras ganham, em média, 20.5%, a menos do que os trabalhadores do sexo
masculino no Brasil. Essa triste realidade é ainda pior quando a trabalhadora se torna mãe, haja vista
que existe certa barreira ao acesso aos empregos como se abordará no presente artigo.
1
Advogada, inscrita na OAB/RS 120.542. Pós Graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade
de Santa Cruz do Sul (UNISC). Integrante do Grupo de Pesquisa em Direitos Humanos da Universidade
Luterana do Brasil (Ulbra-Torres). E-mail: cindelgabriele@gmail.com
2
OLIVEIRA, Nielmar. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-03/pesquisa-do-
ibge-mostra-que-mulher-ganha-menos-em-todas
ocupacoes#:~:text=Um%20estudo%20feito%20pelo%20Instituto,que%20os%20homens%20no%20pa%C3%A
Ds.>Acesso em 13 ago de 2020.
56
Na seara jus laboral, o governo brasileiro editou a medida provisória nº 927 que
disciplinava sobre o enfretamento do estado de calamidade pública. No bojo da medida havia
várias regras sobre direito do trabalho, em especial, a prevista no art. 4º e 5º que elencavam
sobre o teletrabalho.
Importante frisar que o teletrabalho não é novidade no país, tendo em vista estar
positivado no capítulo II-A da Consolidação das Leis do Trabalho. O que diferencia a medida
provisória da CLT é que em relação à primeira foi uma espécie de imposição do empregador
para com o empregado, já a última é uma vontade bilateral, haja vista que dispõe o art. 75-C, §
1º,do texto consolidado:“Poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de
teletrabalho desde que haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual”.
3
Organização Pan- Americana de Saúde. OPAS BRASIL. Disponível em
<https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875>
Acesso em 29 de jul de 2020.
4
TEIXEIRA, Lucas Borges. Lockdown: Como Funciona, O que é, Significado e Locais em Que Vale a
Medida. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/faq/lockdown-como-funciona-o-que-e-significado-e-
regras-em-sp-e-mais-cidades.htm>. Acesso em 18 ago de 2020.
57
Desta maneira, tentou o ente público contornar a situação vivenciada pela pandemia,
porém, tal medida provisória expirou e não foi votada pelo Congresso Nacional, sendo assim,
perdeu sua vigência e até o momento não houve publicação de decreto normatizando as ações
que foram realizadas com base na referida medida.
Boa parte das empresas adotou o regime de teletrabalho para com seus empregados,
notadamente aqueles previstos no grupo de risco5 como os diabéticos, hipertensos e idosos. Mas
não só o grupo de risco que ficou na sua residência, os empregados que tinham filhos pequenos
também tiveram que ser inseridos no rol de quem labora em casa.
No entanto, nem todo o trabalho, propriamente dito, pode ser realizado à distância. Desta
maneira, essa situação tem gerado um impasse perante o empregado e empregador. O consultor
legislativo do Senado Federal Eduardo Módena6, sugeriu que os trabalhadores que são
considerados primordiais e não tem com quem deixar os filhos -eis que as creches e escolas
estão fechadas há meses7enão se tem qualquer expectativa de retorno das aulas- negociem com
seus empregadores ou busquem com as entidades sindicais uma solução para este impasse. Na cidade
de São Paulo, a prefeitura orientou8 que durante a pandemia mulheres que tivessem filhos pequenos
permanecessem em regime de teletrabalho.
Em solo gaúcho, o juiz titular da 2ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul/RS, deferiu uma
decisão liminar9 garantindo que uma empregada dos Correios trabalhe de forma remota
enquanto as escolas de educação infantil não retornarem as aulas presenciais. A obreira possui
um filho autista de quatro anos de idade e o pai trabalha como motorista, assim o genitor não
consegue permanecer com o filho.
5
Grupo de Risco Coronavirus. Equipe Oncoguia. Disponível em:
<http://www.oncoguia.org.br/conteudo/grupos-de-risco/13468/1204/>. Acesso em 13 ago de 2020.
6
Trabalhadores sofrem com falta de creches em tempo de pandemia. Disponível em:
<https://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2020/06/trabalhadores-sofrem-com-falta-de-creches-em-tempo-
de-pandemia>. Acesso em 13 ago de 2020.
7
JUSTINO, Guilherme; Viesseri, Bruna. Indefinição sobre volta às aulas leva creches a fecharem em definitivo
no RS. Disponível em: <https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao-e-emprego/noticia/2020/06/indefinicao-sobre-
volta-as-aulas-leva-creches-a-fecharem-em-definitivo-no-rs-ckbii9fza00om015n4bc96ucm.html>.Acesso em 13
ago de 2020.
8
Secretaria Especial de Comunicação. Prefeitura Orienta Mulheres com Filhos Pequenos a permanecerem
em teletrabalho durante pandemia. Disponível em: <www.capital.sp.gov.br/noticia/prefeitura-orienta-
mulheres-com-filhos-pequenos-a-permanecerem-em-teletrabalho-durante-pandemia>. Acesso em 30 jul de 2020.
9
MARCA, Maurício Machado. TRT 4ª- Notícias. Disponível em:
<https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/328151>.
58
Infelizmente, há casos em que o trabalho home office e crianças não foi bem visto pelos
empregadores. É o caso da norte-americana Dris Wallace, moradora de San Diego/Califórnia.
Dris foi despedida porque não conseguia manter os filhos em silêncio durante as reuniões online
com seu superior. Em sua conta na rede social Instagram, escreveu que os seus superiores
reclamavam do barulho dos seus dois filhos. Constou na publicação10:
Nos últimos 3 meses, trabalhei 24 horas em casa, assistindo minhas duas crianças. Eu
cumpri todos os prazos que eles me pediram, mesmo os irreais. A situação que eu
sofri nos últimos três meses está além de estressante. Como uma empresa que diz
entender e trabalhar de acordo com o cronograma dos pais faz completamente o
oposto em suas ações? Estou devastada. Demorei em dar um lanche ao meu filho
quando ele queria, porque meu chefe precisava que eu fizesse algo
imediatamente. E o que eu recebi em troca? Fui demitida! (sem negrito no
original)
Nenhuma mãe trabalhadora deve ser discriminada, especialmente durante esse
período por não conseguir manter meus filhos quietos em uma ligação comercial.
Estamos em tempos difíceis agora. Esta situação teria sido temporária. Nenhum de
meus clientes tiveram problemas com meus filhos. (sem negrito no original)
Assim, o cenário atual está bem delicado, caberá aos empregados, empregadores e os
sindicatos tentaram contornar essa circunstância. Todavia, aos trabalhadores no geral, mas em
especial, às trabalhadoras, que estão submetidas ao teletrabalho há outro problema a ser
enfrentado, qual seja: o da dupla jornada.
2 DESAFIOSDA MATERNIDADE
2.1 Dupla Jornada
10
Universa São Paulo. Mulher é demitida após chefes reclamarem de barulho dos filhos em reuniões.
Disponível em: <https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/07/06/mulher-e-demitida-apos-chefes-
reclamarem-de-barulho-dos-filhos-em-reunioes.htm?.>. Acesso em: 18 ago de 2020. .
11
Outras Formas de Trabalho 2018. Disponível em
<https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101650_informativo.pdf>. Acesso em: 17 ago de 2020.
59
de 2018. Contudo, esta discrepância já foi maior, pois no ano de 2016 a diferença era na casa
dos 17,0 pontos percentuais12.
Observa-se, outrossim, que as mulheres trabalham 7,5 horas a mais que os homens
devido à jornada suplementar em casa. No ano de 2015, a jornada total média das mulheres era
de 53,6h enquanto que a dos homens era de 46,10h. No que atine às tarefas não remuneradas, a
proporção se manteve quase inalterada no decorrer dos vinte anos. Deste modo, 90%do público
feminino declara que exerce atividades domésticas ao passo que o masculino é em torno de
50%13.
Flagrante, então, que as mulheres muito tempo antes da pandemia já trabalham muitas
horas há mais do que os homens, na medida em que tinham seus empregos e após, chegar em
casa, havia o cuidado com a casa e os filhos.
Desde o início de maio, ela trabalha em casa, onde vive com a mãe e a filha, Manuela,
de seis anos. Diariamente, Gabriela interrompe o trabalho às 16h e retoma às 17h, em
acordo com a empresa, para poder acompanhar as aulas online de Manuela. No resto
do tempo, auxilia a filha nas lições de casa, ao mesmo tempo em que trabalha. “Está
sendo uma loucura conciliar tudo.” (sem negrito no original)
“Estou tendo que me dividir em mil”, diz a advogada Liliane Barbosa, 35, de
Fortaleza, outra capital que lidera casos de pandemia no Brasil. Retornando agora da
licença-maternidade, ela e o marido tiveram de contratar uma babá, que, por sua vez,
passou a dormir na casa da patroa, para evitar o uso do transporte público e assim não
expor a irmã, grávida, com quem vive. (sem negrito no original).
A arquiteta Fernanda tem pensado em negociar com a empresa onde trabalha, no ramo
da construção civil, para poder se dividir entre cuidar da filha, de dois anos, e
seguir trabalhando. A creche onde a criança está matriculada não tem previsão de
volta. Já seu trabalho nunca parou de fato. Acompanho obra, então parte do meu
trabalho é presencial, não tem jeito, diz Até consigo não ir todos os dias para a
obra, e às vezes também recorro à minha mãe para deixar a minha filha. (sem
negrito no original).
12
Ibidem.
13
VERDÉLIO, Andreia. Mulheres trabalham 7,5 horas a mais que homens devido à dupla jornada.
Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-03/mulheres-trabalham-75-horas-mais-que-
homens-devido-dupla-jornada>. Acesso em 13 ago de 2020.
14
ROSSI, Marina. Retomada econômica ignora mães que precisam ir ao trabalho e não terão escolas para
deixar os filhos. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2020-06-04/retomada-economica-ignora-maes-
que-precisam-ir-ao-trabalho-e-nao-terao-escolas-para-deixar-os-filhos.html>.Acesso em: 14 ago de 2020.
60
Ademais os dados têm evidenciado que antes do advento da pandemia um terço dos
profissionais nunca realizam home office, entre os principais motivos estavam: 33,91% em
decorrência da função, 32,62% o gestor, 14% política da empresa. Mesmo executando o
trabalho em casa cerca de 84,47% dos pais e das mães tinham algum auxílio seja escola ou
creche, o que representa 62% dos casos15.
A partir das informações colidas, nota-se a nítida discrepância entre as opiniões entre
homens e mulheres acerca da conciliação entre carreira e filhos. Pois, conforme percentuais
acima e, sobejamente, divulgado pela mídia, os afazeres domésticos estão preponderantemente
atrelados à parcela feminina.
Deste modo, a dupla jornada tem se tornado cada vez mais frequente nos núcleos
familiares e, se não bastasse isso, ainda há algumas escolas que estão utilizando as plataformas
digitais como o Google Meet para ministrar as aulas. Ou seja, além do seu trabalho
propriamente dito e dos serviços domésticos, as mães também têm sido professoras, o que por
fim está levando as mulheres ao seu limite psicológico.
Neste cenário, em vista da sobrecarga e também do futuro incerto da pandemia que abala
desde alicerces de trabalho à saúde, muitos casais têm pensado em adiar17 a gravidez.
15
Filippe, Marina. Aliar trabalho e filhos continua mais difícil para mulheres do que homens. Disponível
em: <https://exame.com/carreira/aliar-trabalho-e-filhos-continua-mais-dificil-para-mulheres-do-que-homens/>.
Acesso em 14 ago de 2020.
16
Ibidem.
17
SIMOURA, Jaciele. Casais Adiam o Sonho da Gravidez por Conta do Coronavírus. Disponível em:
<https://tribunaonline.com.br/casais-adiam-o-sonho-da-gravidez-por-conta-do-coronavirus>. Acesso em 14 ago
2020.
61
Nesta senda, importa dizer também que a empresa não poderá exigir atestado de
gravidez à empregada, sob pena de afrontar o art. 373-A, IV, da Consolidação das Leis do
Trabalho.18
Em solo brasileiro, o desemprego é maior entre mulheres com filhos, pois há todo o
cuidado que uma criança exige e aliado, às vezes, pela falta de vagas em creches e escolas. No
levantamento realizado, os índices21 apontam que:
a) 38% das mulheres casadas que não trabalhavam relataram que havia intenção
de estar empregadas. Desse montante, praticamente a metade informaram que não
tinha com quem deixar os filhos e metade afirmava que não conseguia encontrar
emprego22;
b) No que atine às mães que não moravam com companheiro, 43% disseram que
estava sem emprego porque queriam, já 34% não conseguia encontrar emprego e por
fim 23% relatam não ter acesso à escola ou creche23.
18
Exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na
admissão ou permanência no emprego. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/del5452.htm>. Acesso em 14 ago de 2020.
19
MOTA, Camilla Veras. Por que ter Filhos Prejudica Mulheres e Favorece Pais no Mercado de Trabalho.
Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-40940621>Acesso em 19 ago de 2020.
20
The FatherhoodBonusAnd The MotherhoodPenalty: ParenthooodAnd The Gender Gap in Pay.
Disponível em:<https://www.thirdway.org/report/the-fatherhood-bonus-and-the-motherhood-penalty-
parenthood-and-the-gender-gap-in-
pay#:~:text=The%20effects%20of%20children%20on,men%20with%20and%20without%20children>.Acesso
em 19 ago de 2020.
21
Ibidem.
22
Ibidem.
23
Ibidem.
24
Ibidem.
62
forma geral, eles afirmam que a paternidade os fez mais responsáveis e que os patrões
perceberam e os recompensam por isso”. Para a mesma, a paternidade vem acompanhada de
um “bônus”, enquanto que a maternidade prejudica a ascensão salarial da mulher, portanto,
seria uma “penalidade”.
A realidade evidencia-se mais preocupante nas relações de trabalho quando as mães são
as principais responsáveis pelos filhos e os pais “têm a possibilidade de escolher ajudar suas
mulheres com esta responsabilidade quando se sentem inclinados a isso” 25.
No ensaio27 promovido pelo Insper, intitulado “Como famílias de baixa renda em São
Paulo conciliam trabalho e família?”, 70% informaram que recebem alguma espécie de ajuda
de outras mulheres para cuidar dos filhos. Neste aspecto, pondera Madalozzo28 que“as mulheres
de alta renda contam com as de baixa renda e essas últimas, com as mães, avós, cunhadas,
irmãs. É uma rede completamente feminina”.
25
Ibidem.
26
Ibidem.
27
Ibidem.
28
Ibidem.
29
Paternidade o que Muda na Carreia dos Homens que se Tornam Pais. Disponível em:
https://www.trendrecruitment.com/pt/blog/2019/05/paternidade-o-que-muda-na-carreira-dos-homens-que-se-
tornam-pais>. Acesso em 14 ago de 2020.
63
Há certo tempo foi veiculada na mídia nacional uma campanha publicitária30 em alusão
ao Dia das Mães, bem como está disponível no canal “temos que falar sobre isso” no sítio do
youtube. Na campanha conta-se a história de uma senhora em busca de uma recolocação no
mercado de trabalho.
Porém, passado certo tempo ela acaba modificando sua “apresentação” no currículo.
Chegando a sua última entrevista é informada de que seu perfil é exatamente do quea empresa
estava precisando e, curioso, o entrevistador a indaga onde foi que ela desenvolveu essas
habilidades. Neste momento é iniciado o vídeo do que as mulheres-mães são capazes e que por
isso “se encaixariam na política da empresa”: assumir riscos, capacidade de esforço e sacrifício,
comunicação e oratória, gestão de recursos, capacidade motivacional, organização e
planejamento, perseverança e constância, trabalho em equipe e liderança.
30
Ser mãe é um plus. Canal Youtube do Temos que falar sobreisso. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=5170o6COLLg&t=5s. Acesso 14 ago de 2020.
64
Por sua vez, a empresa Danone com o condão de tornar-se mais inclusiva e diversa,
estabeleceu para 2020 como uma de suas prioridades globais as: atitudes inclusivas, equidade
de gênero e representatividade racional nos cargos de liderança. No Brasil, a companhia possui
47% dos seus quadros de gerência ocupados por mulheres, isso se deve aos resultados de várias
ações em prol da equidade de gênero33.
31
Cartilha 6 medidas que Mudam o Jogo da Mulher no Mercado de Trabalho. Disponível em:
<https://filhosnocurriculo.com.br/wpcontent/uploads/2020/07/CARTILHA_FINAL_ABPRH.pdf.>.Acesso em
17 de ago de 2020.
32
Ibidem.
33
Jornada de Parentalidade da Danone Incentiva a Carreira de Mulheres que Retornam da Licença-
Maternidade. Disponível em: <https://movimentomulher360.com.br/praticas/jornada-de-parentalidade-da-
danone-incentiva-a-carreira-de-mulheres-que-retornam-da-licenca-maternidade/.>Acesso em: 17 ago de 2020
65
Calca-se por dois eixos centrais que visam à promoção e proteção dos direitos humanos
das mulheres, sendo eles a eliminação da discriminação e a promoção da igualdade.
34
Estudo Filhos no Currículo. Carreira e Filhos podem Caminhar Juntos. Disponível em:
<https://filhosnocurriculo.com.br/downloads/>.Acessoem 17 ago de 2020.
35
Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/del5452.htm>. Acesso em 17 ago de 2020.
66
humanos e liberdades fundamentais nos campos politico, econômico, social, cultural e civil ou
em qualquer outro campo36.
Não obstante, pondera dizer que ações afirmativas não caracterizam discriminação
contra a mulher, pois possuem o condão de promover o processo da efetiva igualdade entre os
gêneros, consoante prevê o art. 4º38 da aludida Convenção.
De acordo com o art. 2ºda Convenção, os Estados-Partes devem seguir e adotar políticas
destinadas a eliminar a discriminação contra a mulher, comprometendo-se dessa forma em:
Dessa forma, visa à convenção assegurar direitos às mulheres, impondo aos Estados
Membros determinações para que as mulheres possam usufruir, em igualdade de condições,
seus direitos tanto políticos quanto civis, além dos sociais, econômicos e culturais. Mister dizer,
36
LÉPORE, Paulo; PRETI, Bruno Del. Manual de Direitos Humanos.Juspodivm, 2020.
37
Ibidem.
38
A adoção pelos Estados-Partes de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de
fato entre o homem e a mulher não se considerará discriminação na forma definida nesta Convenção, mas de
nenhuma maneira implicará, como conseqüência, a manutenção de normas desiguais ou separadas; essas medidas
cessarão quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento houverem sido alcançado. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4377.htm. Acesso em 20 ago de 2020.
67
igualmente, que na forma do art. 15.239 a mulher tem capacidade jurídica idêntica ao homem e
as mesmas oportunidades para o exercício dessa capacidade.
CONCLUSÃO
Um filho não é e jamais será um inconveniente na vida das pessoas e sim uma bençoa.
Pois, estes seres pequenos possuem a capacidade de nos tornamos uma pessoa melhor.
39
Os Estados-Partes reconhecerão à mulher, em matérias civis, uma capacidade jurídica idêntica do homem e as
mesmas oportunidades para o exercício dessa capacidade. Em particular, reconhecerão à mulher iguais direitos
para firmar contratos e administrar bens e dispensar-lhe-ão um tratamento igual em todas as etapas do processo
nas cortes de justiça e nos tribunais. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4377.htm. Acesso em 20 ago de 2020.
40
LÉPORE, Paulo; PRETI, Bruno Del. Manual de Direitos Humanos.Juspodivm, 2020.
68
REFERÊNCIAS
De Universa, São Paulo. Mulher é demitida após chefes reclamaram de barulho dos filhos em
reuniões. Disponível em:
<https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/07/06/mulher-e-demitida-apos-
chefes-reclamarem-de-barulho-dos-filhos-em-reunioes.htm?cmpid=copiaecola>. Acesso em
20 ago de 2020.
Estudo Filhos no Currículo. Carreira e Filhos podem Caminhar Juntos. Disponível em:
<https://filhosnocurriculo.com.br/downloads/>.Acesso em 17 ago de 2020.
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Disponível em:<https://exame.com/carreira/aliar-trabalho-e-filhos-continua-mais-dificil-para-
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Disponível em:<https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/eu-estudante/trabalho-e-
formacao/2020/04/26/interna-trabalhoeformacao-2019,848505/sobrecarga-atinge-mulheres-
durante-a-quarentena-deixando-as-por-um-fio.shtml>. Acesso em 14 ago de 2020.
de-parentalidade-da-danone-incentiva-a-carreira-de-mulheres-que-retornam-da-licenca-
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Fecharem em Definitivo no RS. Disponível em: <https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao-e-
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LÉPORE, Paulo; PRETI, Bruno Del. Manual de Direitos Humanos. Juspodivm, 2020.
MOTA, Camilla Veras. Por que ter Filhos Prejudica Mulheres e Favorece Pais no Mercado
de Trabalho. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-40940621> .Acesso em
19 ago de 2020.
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<https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-03/mulheres-trabalham-75-horas-mais-
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dos-homens-que-se-tornam-pais>. Acesso em 14 ago de 2020.
ROSSI, Marina. Retomada econômica ignora mães que precisam ir ao trabalho e não terão
escolas para deixar os filhos. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2020-06-
04/retomada-economica-ignora-maes-que-precisam-ir-ao-trabalho-e-nao-terao-escolas-para-
deixar-os-filhos.html>. Acesso em: 14 ago de 2020.
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<https://www.youtube.com/watch?v=5170o6COLLg&t=5s>. Acesso 14 ago de 2020.
SIMOURA, Jaciele. Casais Adiam o Sonho da Gravidez por Conta do Coronavírus. Disponível
em: <https://tribunaonline.com.br/casais-adiam-o-sonho-da-gravidez-por-conta-do-
coronavirus>. Acesso em 14 ago 2020.
TEIXEIRA, Lucas Borges. Lockdown: Como Funciona, O que é, Significado e Locais em Que
Vale a Medida. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/faq/lockdown-como-funciona-o-
que-e-significado-e-regras-em-sp-e-mais-cidades.htm>. Acesso em 18 ago de 2020.
The Fatherhood Bonus And The Motherhood Penalty: Parenthoood And The Gender Gap in
Pay. Disponível em:<https://www.thirdway.org/report/the-fatherhood-bonus-and-the-
motherhood-penalty-parenthood-and-the-gender-gap-in
pay#:~:text=The%20effects%20of%20children%20on,men%20with%20and%20without%20c
hildren>.Acesso em 19 ago de 2020.
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo tratar da evolução e problemática da adoção
do Teletrabalho no sistema jurídico brasileiro. A proposição traduz conceitos históricos e
definições atuais do instituto, para apresentar a legislação existente no Brasil sobre o tema.
Fato contínuo, analisar-se-á a legislação imposta em tempos de pandemia do COVID-19,
para apresentar o quadro de insegurança jurídica criado e a possibilidade de edição de
novas normas neste período delicado da história do Brasil.
INTRODUÇÃO
Durante muito tempo, navegar é o termo utilizado pelos usuários para definir a
circulação por meio da rede mundial de computadores ou mesmo o mundo das redes
sociais.
41
Advogado. Professor. Pós-graduado Lato Sensu em Direito Empresarial pela Universidade Candido Mendes –
UCAM/RJ. Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade de Caxias do Sul – UCS/RS.Autor
e coautor de obras jurídicas. OAB/RS 57.847. e-mail: dallacolletta@uol.com.br.
72
No entremeio dos meses de março e abril, quando a pandemia chega com força ao
Brasil, muitos estados enfrentaram o fechamento total de comércios e indústrias, como
forma de exercer a única forma eficaz de combate ao contágio: o afastamento das pessoas,
o isolamento social.
Ainda que em caráter de crítica, deve se registrar a postura inicial da edição de uma
norma que possibilitava a suspensão dos contratos de trabalho e do pagamento de salários,
onde o Governo omitia-se impelindo a solução do problema social para a relação capital
X trabalho. Obviamente, que a norma sequer entrou em vigor, estranhamente sendo
revogada pelo Twitter do Presidente da República.
42
TST-AIRR-812235-02.2001.5.01.5555, Relator Ministro: Renato de Lacerda Paiva, Data de Julgamento:
13/10/2004, 2ª Turma, Data de Publicação: DJ 12/11/2004. Disponível em:
https://jurisprudencia.tst.jus.br/#630a6cf9505b61fbe1a9a301410ebef4, Acesso em 20.08.2020.
75
43
Fonte: https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2020/07/teletrabalho-ganha-impulso-na-pandemia-
mas-regulacao-e-objeto-de-
controversia#:~:text=Teletrabalho%20ganha%20impulso%20na%20pandemia,objeto%20de%20controv%C3%
A9rsia%20%E2%80%94%20Senado%20Not%C3%ADcias&text=As%20cenas%20de%20pessoas%20trocando,
da%20pandemia%20da%20covid%2D19. Acesso em 20.08.2020.
76
44
Fonte: https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2020/07/teletrabalho-ganha-impulso-na-pandemia-
mas-regulacao-e-objeto-de-
controversia#:~:text=Teletrabalho%20ganha%20impulso%20na%20pandemia,objeto%20de%20controv%C3%
A9rsia%20%E2%80%94%20Senado%20Not%C3%ADcias&text=As%20cenas%20de%20pessoas%20trocando,
da%20pandemia%20da%20covid%2D19. Acesso em 20.08.2020.
45
JÚNIOR, Antonio Umberto de Souza, et al. Direito do trabalho de emergência: impactos da COVID-19 no
direito do trabalho. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. Pág. 68-69.
77
46
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. O Teletrabalho: importância, conceito e implicações jurídicas. Revista
eletrônica [do] Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, PR, v. 3, n. 33, p. 8-27, set. 2014.
47
BORTOLOTTO, Guilherme Bettiato. Et. Al. Teletrabalho e o Novo Ambiente do Trabalho Pós-Pandemia.
Revista Magister de Direito do Trabalho. São Paulo.Ed. 96. P. 27. Maio/jun de 2020.
78
Ao ensejo, conceito muito bem estruturado nos é dado pelo professor Maurício
Godinho Delgado, em seu Curso de Direito do Trabalho 49:
48
LIMA, Fancisco Meton Marques de. Et al. Reforma Trabalhista: Entenda Ponto por Ponto. São Paulo: LTr,
2017. Pág. 45.
49
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho: Conforme a lei da reforma trabalhista e as
inovações normativas e jurisprudência posteriores. 18. ed. São Paulo: LTr, 2019.
50
NEMER NETO. Alberto, et al. (coord). Direito do Trabalho e o Coronavírus; v.1. Porto Alegre: OAB Nacional/
LexMagister, 2020. P. 193.
79
Na obra Lei da Reforma: Comentada Artigo por Artigo 51, coordenada por Deusmar
José Rodrigues, apontam-se como vantagens: redução de custos, aumento da
competitividade, aumento da motivação, retenção de competências, flexibilidade
organizacional, maior imunidade as perturbações externas, melhoria na mobilidade
urbana, aumento da qualidade de vida, aumento da satisfação pessoal do empregado; por
outro lado, como desvantagens: isolamento social, questões relativas a higiene e segurança
do trabalho e dificuldades de comunicação.
51
RODRIGUES, Deusmar José. et al. Lei da Reforma Trabalhista Comentada Artigo por Artigo. Leme: JH
Mizuno, 2017. Pág. 94-95.
80
3.1. Vantagens
Outra vantagem apontada a ambas as partes atua no campo motivacional, uma vez
que, o empregado pode se sentir valorizado pela confiança depositada pelo empregador,
acabando por melhorar seus níveis de produtividade.
Por último, o aumento do convívio familiar pode colaborar para uma melhor
qualidade de vida.
52
https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/03/30/oms-reforca-que-medidas-de-isolamento-social-sao-a-
melhor-alternativa-contra-o-coronavirus.ghtml. Acesso em 20.08.2020.
81
3.2. Desvantagens
Outro conceito moderno que pode ser prejudicado pela adoção do Teletrabalho é a
desconexão, isto é, obrando em sua própria residência, se o empregado não possuir um
autocontrole sobre seus horários e as atividades, o mesmo por ter dificuldades em se
“desligar” do trabalho.
4. O TELETRABALHO NA CLT
Embora a lei não tenha a função precípua de conceituar os institutos, o Art. 75 -B,
da CLT, ao prever as condições de caracterização do regime de Teletrabalho, acabou por
definir o novel instituto:
Tal constatação reforça a ideia supra de que home office (tão utilizado em épocas
de pandemia) é modalidade (subespécie) de Teletrabalho e não sinônimo, como muitos
defendem.
§ 2o Para os efeitos previstos neste artigo, não serão consideradas como salário
as seguintes utilidades concedidas pelo empregador:
53
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: [...]
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo
em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; [...]
54
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social: [...]
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; [...]
55
Art . 157 - Cabe às empresas:
I - cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho;
II - instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar
acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais;
III - adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente;
IV - facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente.
86
A legislação trazida pela Lei nº 13.467/2017 desde a sua publicação vem sendo
objeto de críticas, inclusive, de resistência na aplicação pelo judiciário, sendo exemplos
disso, os Enunciados aprovados na 2ª Jornada de Estudos da ANAMATRA – Associação
Nacional dos Magistrados Trabalhistas 56, quem emprestaram interpretação restritiva e
protetiva aos seguintes temas:
56
Fonte: https://www.anamatra.org.br/imprensa/noticias/25797-reforma-trabalhista-anamatra-divulga-integra-
dos-enunciados-aprovados-na-2-jornada. Acesso em 09.09.2020, 08h50min.
87
57
JÚNIOR, Antonio Umberto de Souza, et al (coord.). Direito do Trabalho de Emergência: Impactos da COVID-
19 no Direito do Trabalho. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.
89
Por sua vez, o § 2º, do Art. 4º, da Medida Provisória reduziu os prazos previstos
no Art. 75-C, §§ 1º e 2º, da CLT, para o exíguo prazo de 48 horas de comunicação, como
se disse, de forma unilateral:
Obviamente que a adoção da norma nesse sentido visava atender a urgência das
medidas, protegendo o empregador na sobrevida do seu negócio e protegendo o
empregado contra a extinção do seu emprego. Importa consignar que a parte final do § 3º
prevê a necessidade um documento escrito em 30 dias (ou seja, aqui podem começar os
problemas, afinal, e se o empregado negar-se a assinar o documento?).
58
SILVA, Homero Batista Mateus da. Legislação Trabalhista em Tempos de Pandemia: Comentários às Medidas
Provisórias 927 e 936. 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. p. 30.
90
O § 4º tornou uma possibilidade o que o Art. 2º, da CLT, trata por obrigatoriedade,
ao referir que o “empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e
pagar por serviços de infraestrutura”, porquanto, o empregado não deve suportar os
riscos do negócio:
59
SILVA, Homero Batista Mateus da. Op. Cit. p. 38.
92
Ainda, para o empregador menos diligente, parece que a aplicação do Art. 75 -C, §
2º, da CLT, soluciona o imbróglio:
No caso, com a aplicação dos efeitos da CLT, a exigência de mútuo acordo para
alteração do regime apenas se dá para o empregado passar para o regime de Teletrabalho,
o caminho inverso, demanda apenas a manifestação unilateral do empregador, com prazo
de 15 dias.
supervisão desse aprendizado, o local onde são prestadas as atividades assume menor
relevância, podendo ser relativizado, ante o “novo normal”.
Ementa: Revoga o inciso III do art. 62, altera o art. 75-D e acrescenta o art. 75-
F ao Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, para detalhar as obrigações
do empregador na realização do teletrabalho.
Ocorre que os artigos 75-A a 75-E da CLT são insuficientespara evitar abusos
por parte do empregador. Nesse sentido, entendemos queo art. 75-D da CLT
merece detalhamento para obrigar o empregador afornecer a infraestrutura de
trabalho necessária à realização das atividades, levando em consideração a
saúde e a segurança do empregado, bem comoreembolsar o empregado pelas
despesas realizadas em função das atividades.
Temer, deve ser suprimido para evitarabusos por parte do empregador. Além
disso, horas extras trabalhadas devemser remuneradas, assim como ocorre no
trabalho presencial.
A crítica proposta à iniciativa não se revela contra o conteúdo, mas sim quanto ao
momento.Afinal, a lei sempre se adequa aos fatos sociais e não ao contrário, de forma que
alterar legislação durante uma pandemia, especulando-se o futuro, pode se tornar deveras
perigoso, em especial, para a segurança jurídica, tão afetada pela legislação provisória.
CONCLUSÃO
A temática do Teletrabalho foi eleita, como objeto deste estudo, não apenas pela
importância e franca disseminação nos últimos anos (notadamente meses), mas sim,
principalmente, por se tratar do principal meio de minorar os prejuízos causados pela
pandemia mundial do COVID-19, buscando uma normalidade no que se refere a
possibilidade de manutenção dos trabalhadores em atividade, porém, em suas residências.
60
Fonte: https://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/index.php/2020/06/potencial-de-teletrabalho-na-pandemia-
um-retrato-no-brasil-e-no-mundo/. Acesso em 27.08.2020, 20h09min.
61
Fonte: https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2020/07/teletrabalho-ganha-impulso-na-pandemia-
mas-regulacao-e-objeto-de-
controversia#:~:text=Teletrabalho%20ganha%20impulso%20na%20pandemia,objeto%20de%20controv%C3%
A9rsia%20%E2%80%94%20Senado%20Not%C3%ADcias&text=As%20cenas%20de%20pessoas%20trocando,
da%20pandemia%20da%20covid%2D19. Acesso em 27.08.2020, 20h10min.
97
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LIMA, Fancisco Meton Marques de. Et al. Reforma Trabalhista: Entenda Ponto por Ponto. São
Paulo: LTr, 2017.
NEMER NETO. Alberto, et al. (coord). Direito do Trabalho e o Coronavírus; v.1. Porto
Alegre: OAB Nacional/ LexMagister, 2020.
RODRIGUES, Deusmar José. et al. Lei da Reforma Trabalhista Comentada Artigo por Artigo.
Leme: JH Mizuno, 2017
RESUMO
A relação de emprego em termos práticos e sua disposição contratual, em algumas
oportunidades, podem acarretar em descompassos. Entre esses temas de possíveis
descompassos está a não delimitação do poder diretivo do empregador e as obrigações do
empregado na relação de trabalho. Soma-se a essa relação a perda aparente da vigilância do
empregador quando da execução das atividades em regime de teletrabalho e a pandemia por
contaminação do vírus Covid-19 (Coronavírus). Por meio do método indutivo, o presente artigo
visa estabelecer os limites e obrigações das partes constantes em contrato de trabalho, sob a
temática do regime de teletrabalho em período de pandemia por Coronavírus, com objetivo de
sanear a aparente distorção na relação contratual vivenciada e mitigar riscos no caso de
excessos.
Palavras-chave: Poder diretivo – obrigações – teletrabalho – Coronavírus.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1
Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Advogado trabalhista no Costa & Koenig Advogados Associados. Inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil
sob nº 88.951/RS. douglas.matos@costaekoenig.com.br
100
Tendo a CLT adotado a teoria contratualista, como se pode perceber pelo disposto no
art. 468 da Carta Consolidada2, o qual veda a alteração unilateral do contrato de trabalho em
prejuízo do empregado, a relação entre as partes deve obedecer aos limites estabelecidos em
objeto de contrato, desde que lícitos e em consonância com a legislação. Apenas a título de
exemplo, em paralelo ao tema em debate, a inobservância do objeto contratual é situação
ensejadora de reconhecimento de vínculo empregatício nos contratos de terceirização (Lei nº
13.429, de 31 de março de 2017).
2
Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo
consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena
de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
101
Nota-se que o fato de não existir a fiscalização física do empregador na execução das
atividades em regime de teletrabalho, ao empregado permanecem intactos os deveres
3
Art. 442 - Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.
4
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade
econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
5
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador,
sob a dependência deste e mediante salário.
102
Exemplos como esses destacados, serão cada vez mais rotineiros e objeto de litígio,
quando não forem previamente e expressamente estabelecidos, não houver diálogo entre as
partes e, essencialmente, a boa-fé dos celebrantes.
Ainda que não seja objeto do presente estudo, importa destacar que o descumprimento
contratual na relação de emprego não decorre unicamente de uma das partes, podendo o
empregado romper com o contrato, caso esteja presente uma ou mais hipóteses de rescisão
indireta ao contrato de trabalho, na forma do art. 483 da CLT6.
6
Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao
contrato;
b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
c) correr perigo manifesto de mal considerável;
d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de
outrem;
g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a
importância dos salários.
7
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho: de acordo com a reforma trabalhista Lei 13.467/2017. Rio
de Janeiro: Forense. 15 ed. 2018. p. 1097.
103
Como bem pode ser sintetizado, por meio do estabelecimento de duas essenciais
características do contrato de trabalho, Vólia Bomfim Cassar8 estabelece que no contrato, há
uma “alteridade, que se demonstra através da bilateralidade de atribuições, do caráter
sinalagmático do contrato” e prossegue ao discorrer sobre a segunda e essencial característica,
qual seja, a funcionalidade, “pois compõe interesses contrapostos, harmonizando os conflitos”
que pode ser compreendido pela dualidade salário versus trabalho; ou a dualidade interrupção do
contrato versus salário.
Ainda sobre a relação obrigação contratual, desponta com claridade a situação relativo
a (im)possibilidade de controle de jornada do empregado. Sabe-se que a legislação trabalhista
optou por incluir a figura do trabalhador em regime de teletrabalho na exceção prevista no art.
62 da CLT (que se refere a não aplicação, aos trabalhadores referidos nos incisos I, II e III
regras relativas a duração do trabalho).
8
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho: de acordo com a reforma trabalhista Lei 13.467/2017. Rio
de Janeiro: Forense. 15 ed. 2018. p. 519
9
DELGADO, Maurício Godinho; A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017.
São Paulo: LTr. 2 ed. 2018. p. 139.
104
mostra desarrazoada” uma vez que se trata de presunção relativa, a qual admite prova em
contrário. Discorda-se, respeitosamente, da posição de Maurício Godinho Delgado ao passo
que no regime de teletrabalho deve ser observado, assim como nos casos de trabalho externo, a
possibilidade ou não de controle efetivo do trabalho pelo empregador.
10
FIGUEIREDO, Carlos Arthur (org.). (et al.); Reforma Trabalhista: novos rumos do direito do trabalho e do
direito processual do trabalho. São Paulo: LTr. 2018. p.146.
105
Em que pese a perda de vigência, salutar se faz alguns relevantes destaques controversos
juridicamente que propiciaram a flexibilização, naquele período, mas essencialmente a
popularização do teletrabalho no cenário brasileiro.
11
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social: [...]
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a
compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; [...]
XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal;
106
no Código do Trabalho do Chile12 que assim dispõe ao tratar da não exigência de controle de
jornada para aqueles trabalhadores em regime de teletrabalho:
Nota-se que tanto o disposto no art. 4º, §5º da MP 927/2020 quanto o disposto no art.
22 do Código de Trabalho do Chile fazem alusão a expressão “utilização de meios
informáticos e de telecomunicações” como forma excludente do controle de jornada por parte
do empregador.
Ainda sobre o então polêmico dispositivo, o mesmo revela outro importante aspecto
pertinente aos limites do poder diretivo do empregador e, igualmente, direito do empregado: o
direito à desconexão.
é preciso pontuar que, apesar de ele estar envolto em um discurso de promover maior
qualidade de vida aos trabalhadores, por questões atreladas à mobilidade urbana,
proximidade familiar, redução aparente de custos, entre outras vantagens, a tecnologia
nesse ambiente é altamente nociva ao trabalhador.
12
CHILE.Código del Trabajo. Disponível em: https://www.dt.gob.cl/portal/1626/articles-95516_recurso_2.pdf.
Acesso em 09 set. 2020.
13 MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva (Org.); NAHAS, Thereza Christina (Org.). Revista de Direito do Trabalho. São
Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais. 2017. vol. 175. p. 75.
14 VASCONCELOS PORTO, Lorena; ROCHA, Cláudio Jannotti; SOUZA, Luiza Baleeiro Coelho. Revista Magister de
Prossegue João Leal Amado17 que, de certa forma, “falar num “direito à desconexão”
parece pressupor que a entidade empregadora teria, prima facie, um direito à conexão” o que
sabidamente não é, por força do impedimento legislativo constitucionalmente consagrado,
como já mencionado nas linhas anteriores do presente artigo.
15ALMEIDA, Almiro Eduardo de; SEVERO, Valdete Souto. Direito à desconexão nas relações sociais de trabalho.
Almiro Eduardo de Almeida. São Paulo: LTr, 2016.
16
AMADO, João Leal. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Campinas: Escola Judicial
do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 58. p. 264.
17
Ibdem.
18
https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8126494&ts=1596479447148&disposition=inline –
Acesso em 09 set. 2020.
108
Entre as justificativas da proposta legislativa do Senador está que essa forma de trabalho
cresceu exponencialmente e há indicativo de que mesmo após a crise essa modalidade de
trabalho continuará a ser exercida.
Segundo o Senador19 “os artigos 75-A a 75-E da CLT são insuficientes para evitar
abusos por parte do empregador”, bem como “o art. 75-D da CLT merece detalhamento para
obrigar o empregador a fornecer a infraestrutura de trabalho necessária à realização das
atividades, levando em consideração a saúde e a segurança do empregado, bem como
reembolsar o empregado pelas despesas realizadas em função das atividades”.
19
Ibdem.
109
Nota-se que o teletrabalho, na atual disposição prevista no art. 75-C da CLT, determina
que empregado e empregador estipularão, por escrito, mediante termo aditivo ao contrato de
trabalho, as atividades que serão realizadas pelo empregado.
https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=6415209&ts=1593910374481&disposition=inline –
20
3. CONCLUSÃO
Mas invariavelmente também a pandemia alterou o rumo de muitas relações, entre elas,
as formas da prestação de serviços, especificamente, com a implementação em grande escala
do tão estudado teletrabalho. Como toda revolução, embora o teletrabalho aparenta ser, para
um leigo, apenas uma mudança física do local de prestação de serviços então exercidos na sede da
empregadora, é muito além dessa alteração.
O instituto conceituado por André Araújo Molina exposto no presente estudo, no sentido
de garantir ao trabalhador a desvinculação plena do trabalho, e o contraponto exposto por João
Leal Amado no sentido de que, em verdade, deve-se disciplinar o comportamento invasivo da
entidade empregadora, em sublinhar que esta, em princípio, deverá abster-se de estabelecer
conexão com o trabalhador quando este se encontra a gozar o seu período de descanso, é o que
melhor se extrai desse tema que, embora realidade, tomará um dos protagonismos jurídicos nos
próximos anos, quando tratar-se de limites do poder diretivo do empregador.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Almiro Eduardo de; SEVERO, Valdete Souto. Direito à desconexão nas relações
sociais de trabalho. Almiro Eduardo de Almeida. São Paulo: LTr, 2016.
113
AMADO, João Leal. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Campinas:
Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 58.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. [Consulta em 09 de setembro
de 2020]. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.
BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452. Consolidação das Leis do Trabalho. [Consulta em 09 de
setembro de 2020]. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/del5452.htm>.
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho: de acordo com a reforma trabalhista Lei
13.467/2017. Rio de Janeiro: Forense. 15 ed. 2018.
FIGUEIREDO, Carlos Arthur (org.). (et al.); Reforma Trabalhista: novos rumos do direito do
trabalho e do direito processual do trabalho. São Paulo: LTr. 2018.
MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva (Org.); NAHAS, Thereza Christina (Org.). Revista
de Direito do Trabalho. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais. 2017. vol. 175.
RESUMO
INTRODUÇÃO
1
Bacharel em Direito – URCAMP/Bagé, Pós-graduando em Direito Constitucional – ABDConst., Advogado.
Endereço eletrônico: eduardovinhasf96@outlook.com
115
em que os indivíduos de determinado corpo social necessitam de prestações positivas por parte
da máquina estatal. Com o advento de uma pandemia em escala global, é que se ergue no
domínio de diversos países, uma postura mais restritiva quanto à regulamentação da atividade
da sociedade civil, a partir de respostas normativas de isolamento social, principalmente.
Nesse ínterim, é mister estar alerta se há no imaginário político e inclusive, dos próprios
juristas, o intuito de corrigir o direito e seu repertório de regras e princípios por intermédio de
uma falsa ponderação dos segundos e de uma filosofia consequencialista pragmática, que é
alheia ao ordenamento jurídico enquanto sistema, e logo não pode ser relevante à decisão
judicial.Assim, aqui há preocupação de apontar se essa prática se perfectibiliza nos julgados ou
manifestações jurídicas dos atores do Direito. Expostas tais pretensões, vale ressaltar que a
relevância temática é demarcada, então, por sua relação com direitos fundamentais em jogo em
um cenário atípico, de proporções inéditas na vida humana, que já tem interrompido e afetado
existências.
I. DA ANÁLISE DECONSTITUCIONALIDADE DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS
927/936/LEI 14.020 E SUA RESOLUÇÃO À LUZ DA RESOLUÇÃO MENOS
GRAVOSA EM SEDE PRINCIPIOLÓGICA
Não há como afirmar que as atuais alterações legislativas sejam pontos de exceção na
estrutura jurídica trabalhista, pelo contrário, é um seguimento de uma lógica do direito que
2
TOSTES, Laura Ferreira Diamantino. O que Veio pra Ficar? O Direito do Trabalho e a Covid-19. 2020.
Disponível em: https://www.otempo.com.br/opiniao/artigos/o-que-veio-para-ficar-1.2358269. Acesso em 2 de
Set. de 2020.
116
busca a adequação das situações fáticas a um conteúdo do dever ser, contido no ideário daqueles
que detém o poder de participar do processo legislativo no momento da positivação das normas
no ordenamento, que logo recebe respostas hermenêuticas dos tribunais no âmago de sua prática
jurisprudencial.Assim, regras trabalhistas têm sido engendradas nos últimos anos, como aponta
João Grandino Rodas (2020), a partir de uma égide de política de flexibilização, sendo seus
exemplares legislativos
3
RODAS, João Grandino. Mudanças no Direito do Trabalho brasileiro em decorrência da Covid-19.
2020.Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mai-21/olhar-economico-mudancas-direito-trabalho-
decorrencia-covid-19 Acesso em 3 de setembro de 2020.
4
Ministério da Economia. Cadastro Geral de Empregados e Desempregados.2020. Disponível em:
http://pdet.mte.gov.br/images/Novo_CAGED/Jul2020/1-sumarioexecutivo.pdf Acesso em 3 de Set.
5
Tribunal Superior do Trabalho. TST atualiza número de ações relacionadas ao coronavírus na Justiça do
Trabalho em todo o Brasil. 2020.Disponível em: http://www.tst.jus.br/-/tst-atualiza-n%C3%BAmero-de-
a%C3%A7%C3%B5es-relacionadas-ao-coronav%C3%ADrus-na-justi%C3%A7a-do-trabalho-em-todo-o-brasil
Acesso em 4 de Set.
6
CERDEIRA, Eduardo de Oliveira, et al.Da possibilidade de transformação de um acordo individual de redução
de jornada e salário em acordo individual de suspensão do contrato de trabalho em meio a pandemia
ocasionada pelo covid-19. 2020.Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/328339/da-possibilidade-
117
sendo a disposição mais discutível, o acordo individual escrito celebrado por empregado e
empregador, com vistas à permanência do vínculo empregatício, tendo preponderância sobre
outras fontes normativas.
Embora expressado claramente que esses atos jurídicos devem se realizar sob os limites
da Constituição,7 nesse sentido, como explana Marco Aurélio Serau Junior, há afronte ao
conteúdo normativo contido na Lei Maior, pois há regras claras postas no artigo 7º, VI, XIII e
XIV, que não dão espaço para se cogitar tais alternâncias.
Com efeito, esse cenário jurídico de exceção não permite afastar as disposições
constitucionais de regulação do trabalho. Até mesmo o estado de defesa e o estado de
sítio (tratados nos artigos 136 e seguintes da Constituição Federal) não é possível a
ruptura completa da ordem jurídica, pois nessas condições só será permitida a
flexibilização de certos direitos fundamentais (reunião, sigilos, etc) nos exatos e
restritos termos ali previstos, não se podendo ampliar a interpretação restritiva de
direitos fundamentais para mais do que literalmente previsto na Constituição. 9
Por conseguinte, foi ajuizada a ADI 6342 pelo Partido Democrático Trabalhista,
atacando determinados dispositivos da medida supracitada, porém sendo indeferida em poder
do relator Marco Aurélio, invocando o manto da liberdade do prestador de serviços, que “[...]
especialmente em época de crise, quando a fonte do próprio sustento sofre risco, há de ser
preservada, desde que não implique, como consta na cláusula final do artigo, a colocação em
de-transformacao-de-um-acordo-individual-de-reducao-de-jornada-e-salario-em-acordo-individual-de-
suspensao-do-contrato-de-trabalho-em-meio-a-pandemia-ocasionada-pelo-covid-19. Acesso em 5 de Setembro.
7
BRASIL. Medida Provisória 927. 2020. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2020/Mpv/mpv927.htm. Acesso em 5 de Set.
8
BRASIL.Constituição Federal. 1988. Disponível em;
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 5 de Set.
9
SERAU JUNIOR, Marco Aurélio. Medida Provisória 927 – Alterações Trabalhistas em Tempos de
Coronavírus #2 A Tentativa da introdução da negociação individual do contrato de trabalho. Disponível
em: http://genjuridico.com.br/2020/03/25/mp-297-contrato-de-trabalho-coronavirus/ Acesso em 5 de Set.
118
segundo plano de garantia constitucional. ”10 Destarte, me parece que a construção retórica do
Ministro reside em juízos pragmáticos alheios à contemplação adequada das prescrições
positivadas, que são imperativas e não podem tornar-se afastáveis diante de cálculos utilitários,
sob pena de ruptura do Estado Democrático de Direito. Paradigma que tem como fundamento
basilar a ideia de ruleoflaw, ou seja, um mecanismo de freios ao exercício do poder estatal, que
permeia a historiografia constitucional e ainda persiste enquanto lente de leitura mais adequada
para darmos condições de possibilidade a um ordenamento jurídico. Nessa perspectiva,
consoante valiosas constatações produzidas por Lênio Streck (2020)
10
MELLO, Marco Aurélio. Ação Direta de Inconstitucionalidade 6342. 2020. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6342liminar.pdf> Acesso em 6 de set. de 2020.
11
STRECK, Lenio Luiz. Uma Ode à Jurisdição Constitucional. 2020. Disponível em:
https://estadodaarte.estadao.com.br/streck-ode-jurisdicao-constitucional/. Acesso em 6 de Set.
12
CERDEIRA, Eduardo de Oliveira, et al.Op cit.
119
Assim, apenas para operações envolvendo empregados com ganhos salariais até 3
(três) salários mínimos, bem como empregados ditos hiperssuficientes (art. 444,
par. único da CLT), seria possível a adesão ao sistema por acordo individual para
além do limite de 25% (vinte e cinco por cento). Para os demais casos, apenas por
meio de negociação coletiva será possível aderia às condições estabelecidas na
norma. (MIRANDA, 2020) 15
13
MIRANDA, Fernando Hugo R. A constitucionalidade da MP 936/20: A irredutibilidade salarial e a
alterabilidade contratual. 2020. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/323852/a-
constitucionalidade-da-mp-936-20-a-irredutibilidade-salarial-e-a-alterabilidade-contratual. Acesso em 6 de set.
14
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Julgamento de liminar que determina consulta a sindicato para
acordos de redução salarial continua nesta sexta (17). Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=441544. Acesso em 6 de Set.
15
MIRANDA, Fernando Hugo R. op. cit.
120
A solução ótima é aquela que afeta em menor grau um dos princípios ao mesmo tempo
em que satisfaz em maior grau o outro, admitindo-se que os princípios colidentes têm
o mesmo peso abstrato [...] Se a máxima parcial da necessidade preza pela eliminação
do meio faticamente mais gravoso, a máxima parcial da ponderação em sentido estrito
faz o mesmo em relação aos meios juridicamente mais gravosos. (2015, p. 90)16
Aqui cabe apenas indicá-lo em linhas gerais para nortear a resolução da temática, já
que sua obra é de matriz robusta que exigiria um maior aprofundamento indo além das
proposições aqui ensejadas. Contudo, é possível lançar mão do que foi esboçado para inseri-
lo no campo do controle de constitucionalidade das normas debatidas. Nesse sentido, o meio
menos gravoso de entendimento da colisão de princípios seria o de adotar a permanência da
MP 936 e consequentemente da lei 14.020 no ordenamento, para aferir maior satisfação ao
princípio da continuidade da relação de emprego. Logo, o princípio da irredutibilidade dos
salários, nesse contexto, é menos atingido pois há uma série de medidas que resguardam a
reposição salarial ainda que não se respeite a reserva de convenção ou acordo coletivo. Estar
submetido a iminente ou real perda da continuidade laboral seria uma violação constitucional
de magnitude ímpar para os trabalhadores afetados, configurando assim, um dano em
proporções significativas para o bem jurídico tutelado.Como preconiza Maurício Godinho
Delgado, Ministro do TST,
Outrossim, vale apenas ressaltar a existência de diálogo do caso em tela com outros
princípios como o da condição mais benéfica, inalterabilidade contratual lesiva e in dubio
prooperário que estão em jogo também, porém sua análise demandaria uma profundidade
investigativa maior.Ademais, é notório que o Alexy já reside no imaginário jurídico
brasileiro, mas o devido entendimento de sua obra mostra-se precário em alguns casos. Dessa
forma, por mais que ainda não consigamos alcançar de maneira inteligível uma racionalidade
a priori por meio das decisões judiciais, os postulados alexyanos dão segurança racional ao
direito fundamental à uma manifestação fundamentada por parte do Poder Judiciário.
16
RIBEIRO NETO, Renato Alves. A decisão do Supremo Tribunal Federal no Julgamento da ADPF 132 e
da ADI 4277 à luz da Teoria de Robert Alexy. Mestrado em Direito pela Universidade Federal de Minas
Gerais. p. 90. 2015
17
DELGADO, Mauricio Godinho.Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da
reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores. p. 256.18. ed.— São Paulo: LTr,
2019.
121
Aponta Diego Brito Cardoso (2016, p. 153) que a grande valia da aplicação da
ponderação e do princípio da proporcionalidade é conferir alguma racionalidade à decisão
em sede jurisdicional, perfectibilizando qual direito acaba prevalecendo no caso concreto e
evitando assim, na medida do possível, solipsismos e discricionariedades judiciais. 18
CONCLUSÃO
Todavia, devemos repudiar que as práticas supostamente ditas conformes à Lei Maior se
engendrem por meio de fatos não jurídicos, ou seja, tornar a decisão judicial um mero exercício de
filosofia moral à luz de consequencialismos. Então, é imprescindível a defenda da autonomia do direito
diante de juízos que pretendem corrigi-lo. Fenômenos que logo corroem o conceito de ruleoflaw e o
devido processo legal no arcabouço do Estado Democrático de Direito, confundindo a operação jurídica
com a política, economia, etc.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
18
CARDOSO, Diego Brito. Colisão de Direitos Fundamentais, Ponderação e Proporcionalidade na Visão de
Robert Alexy in Revista Constituição e Garantia de Direitos.p. 153. 2016.
122
STRECK, Lênio Luiz. Uma Ode à Jurisdição Constitucional. 2020. Disponível em:
https://estadodaarte.estadao.com.br/streck-ode-jurisdicao-constitucional/. Acesso em 6 de Set.
2020
TOSTES, Laura Ferreira Diamantino. O que Veio pra Ficar? O Direito do Trabalho e a Covid-
19. 2020. Disponível em: https://www.otempo.com.br/opiniao/artigos/o-que-veio-para-ficar-
1.2358269. Acesso em 2 de Set de 2020.
Giuseppe Bachini1
Sandy Barbosa2
RESUMO
O presente trabalho constitui-se em um estudo de caráter teórico, com uma abordagem
qualitativa, realizada por meio de revisão bibliográfica. Tendo como objetivo principal, analisar
e refletir sobre a categoria das trabalhadoras domésticas, no Brasil, onde sempre estiveram em
condições de vulnerabilidade e sem proteção, situação que se agrava ainda mais diante da crise
sanitária da covid-19 que vem sendo vivenciada pelo mundo. A posição das trabalhadoras
domésticas necessita cada vez mais de atenção e cuidado por parte da legislação e também da
coletividade. Em tempos de pandemia, estas mulheres seguem sendo responsáveis pelo cuidado
da residência e família de seus empregadores, se encontrando na linha de frente, e expondo a
sua saúde e de sua família. Por outro lado, muitas trabalhadoras que não possuem carteira
assinada ficam à mercê da própria sorte, sem trabalho e sem remuneração. Diante dessa
situação, se torna importante a discussão acerca do lugar ocupado por elas na sociedade, a
precarização dessas relações de trabalhos, bem como a essencialidade do trabalho delas para na
vida das pessoas. Ressalta-se que este artigo irá se limitar a tratar sobre o gênero feminino visto
o trabalho doméstico é majoritariamente ocupado por mulheres e também porque para que seja
possível desconstruir a ideia do trabalho doméstico como um atributo feminino, se faz
necessário, por primeiro, reconhecer os obstáculos enfrentados para emancipação das mulheres.
Os resultados deste estudo, encontram-se no decorrer deste trabalho.
ABSTRACT
The present work consists of a theoretical study, with a qualitative approach, carried out
through bibliographic review. Having as main objective, to analyze and reflect on the category
of domestic workers, in Brazil, where they have always been in conditions of vulnerability and
without protection, a situation that worsens even more in the face of the health crisis of the
covid-19 that is being experienced by the world. The position of domestic workers increasingly
needs attention and care from the law and also from the community. In times of pandemic, these
women continue to be responsible for the care of their employers' homes and families, meeting
on the front lines, and exposing their health and that of their families. On the other hand, many
1
Professor de Direito no Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia Sul-Riograndense
Mestre em Educação – IPB/ Portugal - Especialista em Direito Notarial e Registral e em Docência e Educação.
Advogado no Rio Grande do Sul – OAB/RS 114.386. E-mail giuseppebachini@hotmail.com
2
Advogada no Rio Grande do Sul – OAB/RS 107.885 – Especialista em Direito do Trabalho e Processo do
Trabalho. E-mail sandybarbosa_@hotmail.com
125
workers who do not have a formal contract are at the mercy of their own luck, without work
and without remuneration. In view of this situation, it is important to discuss the place they
occupy in society, the precariousness of these work relationships, as well as the essentiality of
their work in people's lives. It is noteworthy that this article will be limited to dealing with the
female gender since domestic work is mostly occupied by women and also because, in order to
deconstruct the idea of domestic work as a female attribute, it is necessary, first, to recognize
the obstacles faced for women's emancipation. The results of this study are found in the course
of this work.
1. INTRODUÇÃO
O ano de 2020 é sem dúvida, um ano diferente, e será sempre lembrado pela pandemia,
causada pelo Coronavírus - COVID-19. Segundo a Organização Mundial da Saúde - OMS, uma
pandemia é a disseminação mundial de uma nova doença. É um termo usado com mais
frequência em referência à gripe e geralmente indica que uma epidemia se espalhou para dois
ou mais continentes com transmissão sustentada de pessoa para pessoa.
Para que seja possível tratar o tema em questão com a relevância que lhe é pertinente, é
imprescindível que se compreenda o período escravocrata como a origem do trabalho doméstico
e consequentemente sua condição de precarização, discriminação, invisibilidade e
desvalorização (SCHÜTZ; 2019).
Assim, resta fácil perceber que o trabalho doméstico desde suas raízes fora ocupado por
mulheres em predominância sobre os homens, e esta divisão sexual do trabalho predomina até
os dias de hoje, apesar da grande evolução referente a emancipação feminina (CALVET;2013,
p.1).
Mais de 70% das que desempenham nessa atividade estão na informalidade é o que
aponta os dados do IBGE sobre o perfil das trabalhadoras domésticas divulgados em 2018.
Ainda segundo o Instituto, desde outubro de 2015, quando passou a ser obrigatório o
recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), as domésticas sem carteira
assinada passaram de 4,2 milhões para 4,4 milhões (DUARTE; 2020, p.3).
Por todo esse contexto histórico é que se tornou mais difícil a transformação da visão
de exploração histórica e do posicionamento do princípio de que o Estado e o/a empregador
devem garantir os direitos trabalhistas no contrato doméstico, assim como o fazem com os
127
outros tipos de trabalho, assegurando um trabalho decente, tendo sido extremamente tardia a
regulamentação do trabalho doméstico no Brasil, e ainda não plenamente eficaz.
3. A REGULAMENTAÇÃO TARDIA
Este instrumento traz uma gama de direitos aos domésticos, visando garantir-lhes um
trabalho decente, igualando-os às demais relações de emprego. (FILHO e RIBEIRO, 2016, p.3).
No entanto, impende salientar que essa última regulamentação não trouxe inovações,
somente deixou de tratar os empregados domésticos como subclasse, mesmo que apenas
formalmente.
128
Em 2017, houve a publicação da Lei 13.467/2017 que trouxe a reforma trabalhista, mas
não apresentou grandes alterações à categoria das domésticas uma vez que muitas das
novidades advindas da lei mencionada já estavam previstas na Lei Complementar 150/2015,
tais como jornada de trabalho 12x36, parcelamento de férias, não obrigatoriedade no pagamento
anual da contribuição sindical, possibilidade de redução do descanso diário para 30 minutos,
prestação de serviços como diarista de uma forma permanente em uma residência e a não
exigência de homologação de rescisão dos empregados domésticos com mais de 12 meses de
carteira assinada no sindicato de sua categoria (SOUTO, 2018).
Além de tratar-se de uma regulamentação normativa tardia, inegável que há uma série
de dificuldades para a efetivação de direitos trabalhistas básicos no cotidiano. Conforme
apontamentos do DIEESE, as relações de trabalho desse segmento ainda se caracterizam por
serem precárias e instáveis, com parcelas importantes de trabalhadoras sujeitas a intensas e
desgastantes jornadas de trabalho, baixa remuneração e ausência de proteção da Previdência
Social (2019, p.1).
A partir do que já foi explanado, resta claro que o trabalho doméstico trata-se de um resquício
colonial, vez que ocupado predominantemente por mulheres, de classe social baixa, e em sua maioria
129
negras, que historicamente foram - e ainda são -, invisibilizadas na sociedade (livro Olga pagina
134).
Nesse sentido, é possível perceber a nítida existência de um perfil específico para essa classe
trabalhadora, o qual está intrinsecamente ligado ao processo histórico e a discriminação racial.
Dessa forma, importa salientar que em se tratando de mulheres negras, quando se pensa em
acesso e valorização no mercado de trabalho, existem suas peculiaridades, sendo a questão da raça
uma variável que agrava ainda mais a sua vulnerabilidade, sendo impossível generalizar, sem
reconhecer estas especificidades e discuti-las.
Por isso, é importante entender as articulações de gênero, classe e raça que estruturam as
realidades dessa ocupação. Uma das características do trabalho doméstico remunerado é o
elevado grau de informalidade, que conecta a atualidade da profissão com suas raízes
escravocratas. Isso ajuda, ainda, a explicar o desprestígio desse trabalho na esfera civil e
jurídica, ainda que haja avanços (2020, p.2).
De acordo com o DIEESE as crises econômicas que repercutem sobre o mercado de trabalho,
atingem as diferentes classes sociais, gêneros, raças e grupos ocupacionais de diferentes formas, e
tal fato ocorre justamente por ser a sociedade brasileira estruturada a partir de desigualdades
presentes nessas dimensões. Assim, as mulheres que ocupam esses grupos de minoria, sofrem as
conseqüências de maneira mais acentuada (DIEESE, 2020).
Além disso, conforme estudos do DIEESE, outra característica importante das mulheres que
ocupam trabalhos domésticos, é que, majoritariamente, são mulheres em faixa etária mais avançada,
fato que contribui ainda mais quando se pensa em risco para os efeitos do coronavírus. Os estudiosos
esclarecem, no entanto, que este perfil é recente, porquanto na década de 1990 o contexto do trabalho
130
doméstico se dava como uma oportunidade de ingresso no mercado de trabalho, sobretudo para as
mulheres jovens (2020,p.9).
Também deve ser observada a natureza do serviço doméstico, o qual eleva sua posição de
vulnerabilidade diante do vírus.
Portanto, todas essas características tratadas acima que compõe um perfil específico para as
mulheres que ocupam essa atividade é capaz de demonstrar a existência de desigualdades sociais,
raciais, de gênero, que tem sua origem no período escravocrata e colonial.
131
Conforme já explanado anteriormente, a ideia de divisão sexual do trabalho que tem sua
origem lá no passado ainda persiste na estrutura societária brasileira, dessa forma é essencial
uma análise dessa divisão social e sexual para a compreensão do contexto no qual está inserida
a mulher marginalizada.
Silvia Federice, em sua obra sobre o trabalho doméstico relata que ele não só tem sido
imposto às mulheres como também “foi transformado em um atributo natural da psique e da
personalidade femininas, uma necessidade interna, uma aspiração, supostamente vinda das
profundezas da nossa natureza feminina.” No entanto, esclarece que não existe nada natural
em ser dona de casa, tanto que são necessários pelo menos 20 anos de treinamentos por uma
mãe não remunerada para prepará-la para este papel.
Mircha e outras entendem que a importância do trabalho doméstico no Brasil não é uma
novidade, e citam artigo publicado por Cristina Bruschini e Maria Rosa Lombardi nos anos
2000, no qual elas articulam o trabalho doméstico remuneração e não remunerado por meio de
delegação entre mulheres e relatam que existem três posições: a das mulheres brancas e de
132
classes médias e altas, que delegam (total ou parcialmente) a execução do trabalho doméstico
às trabalhadoras domésticas e, em vista disso, dispõe de tempo para a inserção nas “boas
ocupações”, por outro lado, existem as mulheres negras, que ocupam trabalhos precários e
encarando a falta de condições e por fim, um terceiro sujeito, que é homem, ocupando um papel
oculto, exercendo sua irresponsabilidade privilegiada, ante a ausência de reorganização das
responsabilidades familiares entre homens e mulheres (Mircha e outras, 2020, p.2).
Para Pinheiro e outros, que apresentaram dados das primeiras mortes ocorridas em razão
do Covid-19, identificando a camada da população menos favorecidas como mais atingidas,
não é coincidência que o vírus tenha entrado no Brasil através dos grupos de renda alta, que
possuem recursos para viajarem para o exterior, e por outro lado, que as primeiras mortes
tenham sido de trabalhadores que ocupam posições precárias, pouco reconhecidas e valorizadas
e que prestam serviços relacionados aos cuidados aquela primeira parcela da população (2020,
p.7).
Nesse sentido, Mircha e outras pensam que o distanciamento social, que foi praticado
para diminuir o contágio e proliferação do vírus, provocou no aumento considerável do trabalho
doméstico, vez que o cenário demandou uma nova rotina e com o maior tempo de permanência
dentro de casa resulta em mais refeições e necessidade de limpeza (2020, p.3).
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Muito embora cada vez mais venha sendo superada a realidade das empregadas
domésticas brasileiras, se comparada com as últimas décadas - em questão de acesso ao
mercado de trabalho houve significativo aumento de formalização e ampliação de direitos – a
informalidade ainda é expressiva e preocupante, sobretudo em relação as trabalhadoras
domésticas negras (que contabilizam a maioria), com salários mais baixos e sofrendo situações
de desrespeito e discriminação, o que é evidenciado nas demandas judiciais trabalhistas. E nesta
longa história de exclusão e precariedade trabalhista, as empregadas domésticas são as que
maissofrem com os efeitos econômicos da pandemia.
A partir dessa reflexão impende ressaltar que o trabalho doméstico é fundamental para
a reprodução social e sustentabilidade humana, e devido a pandemia esse fato ficou ainda mais
evidente.
na vida das pessoas, bem como se faz necessário ressaltar o papel de toda a sociedade no esforço
conjunto de conter a disseminação da doença (COVID-19), respeitando-se os direitos das
trabalhadoras e trabalhadores domésticos.
Posto isso, é notório que as discussões e alternativas trazidas por este artigo, visam dar
efetividade à proteção do emprego e renda, diante do estado de calamidade declarado no Brasil,
bem como garantir a total proteção das trabalhadoras domésticas.
AVELINO, Mario. Cartilha PEC das Domésticas – Direitos e deveres depatrões e empregadas.
Disponível em <ocplayer.com. br/1039655-Titulo- -cartilha-pec-das-domesticas-direitos-e-
deveres-de-patroes-e-empregadas. html> Acessado em Setembro de 2020.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7 ed. São Paulo: Editora LTr, 2011.
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei nº. 5.452, de 1º de maio de 1943.
Rio de Janeiro, Presidência da República, 1943.
DUARTE, Joana das Flores. Despossuídas do Século XXI: Mulheres no mercado de drogas no
Brasil na última década (2006-2016). Programa de Pós-Graduação em serviço Social. Tese.
Doutorado. Disponível em: http://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/9067. Acesso em: agosto de
2020.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 5.ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010.
Guilherme Wünsch1
RESUMO
O presente artigo tem como tema as transformações do mundo do trabalho. O âmbito
laboral tem encarado um complexo processo de mudanças, influenciado principalmente por
inovações tecnológicas e econômicas, suscitando o debate sobre inúmeras situações pertinentes
ao Direito do Trabalho, como, por exemplo, as novas formas de trabalho, teletrabalho e
inteligência artificial. Tal processo sofreu forte aceleração com a pandemia de Covid-19,
explicitando ou acirrando as questões que já se colocavam, o que demanda a formulação de
respostas por parte do juslaboralismo. Diante disso, em um olhar para o presente, mas também
para o futuro do trabalho, conclui-se pela necessidade de um exercício de adaptação do Direito
do Trabalho frente às novas realidades laborais, que forneça soluções adequadas aos problemas
que se apresentam e resgate a centralidade do ser humano.
Palavras-chave: Trabalho. Pandemia.Tecnologia. Futuro do Trabalho. Centralidade
humana.
1 INTRODUÇÃO
O mundo do trabalho, nesse sentido, é um dos principais focos de tais mudanças. São
incontáveis os aspectos que têm sido atingidos pela força do desenvolvimento econômico e
tecnológico, benéfica ou prejudicialmente, de modo que o cenário considerado tradicional se
1
Pós-Doutor em Direito pela PUCRS. Doutor em Direito pela UNISINOS. Chief Scientific Officer e Chief
Creative Officer do Instituto WorkAb. Professor do PPGD e da Graduação em Direito da UNISINOS. Titular da
Cadeira nº. 26 da ASRDT. Advogado (OAB/RS 76.863). E-mail: profguilherme.unisinos@yahoo.com.br
2
Bacharel em Direito pela Unisinos. Assistente Jurídico no Calisto Schneider Sociedade Individual de Advocacia.
E-mail: pedrosb_schneider@hotmail.com.
137
3
“Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador,
sob a dependência deste e mediante salário.” BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a
Consolidação das Leis do Trabalho. Brasília, DF: Presidência da República, 1943. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm. Acesso em: 01 jun. 2020.
4
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho.16. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2017. p. 313.
5
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
6
INTERNATIONAL LABOUR OFFICE. World employment and social outlook: trends 2020 international
labour office. Geneva: ILO, 2020. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---
dcomm/---publ/documents/publication/wcms_734455.pdf. Acesso em: 01 jun. 2020.
139
É certo que nessa estatística estão incluídas relações que preenchem todos os elementos
necessários à caracterização da relação de emprego, mas que, por alguma razão, especialmente
o movimento de precarização que visa a redução de custos, carecem de formalização. Por outro
lado, não se pode desprezar a existência de um grande número de trabalhadores que, de fato,
não se enquadram nos moldes da relação de emprego, ao mesmo tempo em que se observa um
movimento de redução da quantidade de pessoas que por ela estejam abarcadas.
7
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Paz e Terra, 2017. (A era da
informação: economia, sociedade e cultura, v. 1). p. 334.
8
TUPINAMBA, Carolina; CUNHA, Leonardo Stocker P. da. Relação de emprego (trabalho subordinado): um
fóssil vivo do Direito do Trabalho? In: Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 208, p. 143-163, dez. 2019.
Disponível em: http://bdjur.tjdft.jus.br/xmlui/handle/tjdft/45366. Acesso em: 01 jun. 2020.
9
INTERNATIONAL LABOUR OFFICE. World employment and social outlook: trends 2020 international
labour office. Geneva: ILO, 2020. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---
dcomm/---publ/documents/publication/wcms_734455.pdf. Acesso em: 01 jun. 2020. p. 35.
10
PUPO, Amanda; POMPEU, Lauriberto. No futuro haverá trabalho, mas não necessariamente emprego.In:
Estadão Infográficos. [S. l.], [2020?]. Disponível em: https://infograficos.estadao.com.br/focas/planeje-sua-
vida/no-futuro-havera-trabalho-mas-nao-necessariamente-emprego. Acesso em: 01 jun. 2020.
140
A partir desse ponto é que se constata a existência de uma outra crise, que, por sua vez,
toca ao Direito do Trabalho como disciplina. Tal situação decorre de uma união de diversos
fatores, os quais vão além da crise da relação de emprego, principal eixo de desenvolvimento
do juslaboralismo, passando também pelo intenso processo de transformação do trabalho,
liderado pelo desenvolvimento econômico e tecnológico, e pelos movimentos realizados pela
ideologia político-econômica dominante para desconstruir o Direito do Trabalho.
Assim, pode-se dizer que o Direito do Trabalho enfrenta uma crise teórica e uma prática.
A crise teórica decorre justamente do enfraquecimento das bases e conceitos sobre os quais o
Direito do Trabalho se desenvolveu como disciplina jurídica autônoma, observado o
surgimento de outros elementos que se fortaleceram e hoje ocupam o seu lugar.A crise prática,
por sua vez, apresenta-se como uma consequência da crise teórica. Tal se dá em razão da
inaplicabilidade dos institutos existentes a muitas das situações verificadas atualmente,
11
DORNELES, Leandro do Amaral D. de. Teoria geral clássica do Direito do Trabalho e Sociedade Pós-Industrial:
faces de uma crise e perspectivas para superação.In: FINCATO, Denise; VIDALETTI, Leilane Piovesani (org.).
Novas tecnologias, processo e relações de trabalhoIII. Porto Alegre: Magister, 2019. p. 105.
12
DORNELES, Leandro do Amaral D. de. Teoria geral clássica do Direito do Trabalho e Sociedade Pós-Industrial:
faces de uma crise e perspectivas para superação.In: FINCATO, Denise; VIDALETTI, Leilane Piovesani (org.).
Novas tecnologias, processo e relações de trabalhoIII. Porto Alegre: Magister, 2019. p. 105.
141
motivada por sua inadequação às novas realidades, ou até mesmo pela completa inexistência de
qualquer normatização referente a elas. A dificuldade enfrentada pelo Direito do Trabalho no
sentido de adequar e renovar suas bases teóricas frente às novas necessidades, desemboca,
portanto, na dificuldade de oferecer respostas e soluções para novas questões.
13
RODRIGUES, Matheus Vinícius Aguiar; BARBOSA, Cláudio de Azevedo. O futuro do Direito do Trabalho
do futuro. In: JOTA. [S. l.], 02 jul. 2019. Disponível em: http://www.granadeiro.adv.br/clipping/2019/07/02/o-
futuro-do-direito-do-trabalho-do-futuro. Acesso em: 01 jun. 2020.
14
AMBESI, Leonardo Jesús. Tecnología, relaciones laborales y derecho del trabajo: acerca de la tensión entre la
técnica y la persona. Estudios Socio-Jurídicos, Bogotá, v. 21, n. 11, p. 245-266, 2019. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/sociojuridicos/a.7280. Acesso em: 01 jun. 2020.
142
Essa camada social encara uma existência de completo afastamento das estruturas
protetivas, de modo que seus integrantes se encontram alijados de direitos laborais e outros
mecanismos que lhes forneçam qualquer segurança e dignidade no trabalho, o que os situa,
nesse momento, em uma encruzilhada entre a peste e a fome. Tal realidade é bem compreendida
por Ricardo Antunes que alerta a pré-existência dessa situação de precariedade e exclusão
enfrentada por esses trabalhadores, mas confirma seu agravamento pelo surto viral.15Veja-se
que mesmo as medidas estatais que buscaram de alguma forma propiciar meios de subsistência
a essa gama de trabalhadores durante a crise atual, tal qual o Auxílio Emergencial instituído
pelo Governo Federal, também demonstraram uma face excludente, uma vez que categorias
como os motoristas de aplicativos tiveram seu acesso ao benefício vetado pelo Presidente da
República.16
O próprio Direito Coletivo do Trabalho entra em pauta. Com uma força de trabalho mais
complexa, heterogênea e fragmentada, visualiza-se uma tendência de individualização do
15
ANTUNES, Ricardo. O vilipêndio do coronavirus e o imperativo de reinventar o mundo. In: TOSTES, Anjuli;
FILHO, Hugo Melo. Quarentena: reflexões sobre a pandemia e depois. 1. ed. Bauru: Canal 6, 2020. p. 182, 184.
Disponível em: http://editorapraxis.com.br/quarentena/ebook_quarentena_1ed_2020.pdf. Acesso em: 01 jun.
2020.
16
BOLSONARO veta auxílio para motoristas de aplicativos e mais categorias. In: Congresso em Foco, 15 mai.
2020. Disponível em: <https://congressoemfoco.uol.com.br/governo/bolsonaro-veta-auxilio-para-motoristas-de-
aplicativos-e-mais-categorias/> Acesso em: 09 set. 2020.
17
MOREIRA, Teresa Coelho. Algumas questões sobre o trabalho 4.0. In: MEDEIROS, Benizete Ramos de
(coord.). O Mundo do Trabalho em movimento e as recentes alterações legislativas: um olhar luso-
brasileiro.São Paulo: LTr, 2018. p.198.
143
Não se sustenta aqui que toda a construção juslaboral desenvolvida nos últimos séculos
tenha perdido sua validade ou utilidade em razão das novas facetas do mundo do trabalho, pois
muitos de seus princípios e regras ainda são de grande valia. Reafirma-se, sim, que, a partir dela,
bem como de novos institutos, promova-se uma abertura e uma adequação do Direito do
Trabalho às novas relações laborais, preservando, assim, as funções protetiva e reguladora a ele
inerentes.20
O certo é que nesse movimento de adaptação a ser realizado pelo Direito do Trabalho,
o eixo central deve ser ocupado pelo ser humano trabalhador e sua dignidade. Todo o debate,
portanto, deve ter em conta formas de valorizá-lo e salvaguardá-lo, a medida em que a estrutura
jurídica laboral contribua para sua realização e melhoria de condições de vida e de trabalho.
18
DORNELES, Leandro do Amaral D. de. Teoria geral clássica do Direito do Trabalho e Sociedade Pós-Industrial:
faces de uma crise e perspectivas para superação.In: FINCATO, Denise; VIDALETTI, Leilane Piovesani (org.).
Novas tecnologias, processo e relações de trabalhoIII. Porto Alegre: Magister, 2019. p. 109-110.
19
DORNELES, Leandro do Amaral D. de. Teoria geral clássica do Direito do Trabalho e Sociedade Pós-Industrial:
faces de uma crise e perspectivas para superação.In: FINCATO, Denise; VIDALETTI, Leilane Piovesani (org.).
Novas tecnologias, processo e relações de trabalhoIII. Porto Alegre: Magister, 2019. p. 109-110.
20
FELICIANO, Guilherme Guimarães; PASQUALETO, Olívia de Quintana Figueiredo. (Re)descobrindo o
Direito do Trabalho: gig economy, uberização do trabalho e outras reflexões.In: JOTA. [S. l.], 06 mai. 2019.
Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/juizo-de-valor/redescobrindo-o-direito-do-
trabalho-06052019. Acesso em: 01 jun. 2020.
144
Esse cenário impõe uma união de esforços transdisciplinares que envolva justamente
essas matérias que, apesar de distintas, encontram no trabalho um ponto em comum. Esse
movimento é indispensável para que, a partir da compreensão das mudanças, sejam propostos
novos caminhos para o futuro do trabalho, englobando todos os atores interessados. Portanto,
trata-se também de um momento de oportunidades.
Para tanto, o Direito do Trabalho deve realizar uma análise introspectiva, verificando,
em sua estrutura, quais os pontos que são aplicáveis à realidade atual e aqueles outros em que
se deve promover uma adaptação, ou até mesmo criação, como forma de manter um arcabouço
jurídico-normativo adequado ao quadro laboral vigente. Propõe-se, nessa esteira, uma
flexibilização do Direito do Trabalho, nos moldes do que Plá Rodriguez chamou de
“flexibilização de adaptação”,21 ou seja, um ajuste dos dogmas juslaborais no sentido de
garantir direitos e incluir situações no marco regulatório e protetivo do Direito do Trabalho.
21
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de direito do trabalho. 3. ed. atual. São Paulo: LTr, 2000. p. 78.
22
TODOLÍ-SIGNES, Adrian. El contrato de trabajo en el s. XXI: la economía colaborativa, on-demand
economy, crowdsorcing, Uber economy y otras formas de descentralización productiva que atomizan el mercado
de trabajo. [S. l], 2015. Working Paper. Disponível em:
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2705402. Acesso em: 01 jun. 2020.
145
qualquer tipo de salvaguarda. Nesse sentido, se esses indivíduos “não encaixam na definição
legal de trabalhador não é porque não enfrentem a mesma realidade social, mas porque temos
uma legislação antiquada que não se amolda bem aos novos modelos de prestação de serviços”.
(tradução nossa). 23
Um quadro normativo específico deve ser formulado para esse novo paradigma
laboral, adequado às suas caraterísticas e sujeito à constante renovação, o qual estenda e
garanta direitos trabalhistas, de modo a fornecer um patamar mínimo de condições de
trabalho, dignidade e segurança para esses trabalhadores.
23
“no encajan en la definición legal de trabajador no es porque no se enfrenten a la misma realidad social, sino
porque tenemos una legislación anticuada que no se amolda bien a los nuevos modelos de prestación de servicios”.
TODOLÍ-SIGNES, Adrian. El contrato de trabajo en el s. XXI: la economía colaborativa, on-demand economy,
crowdsorcing, Uber economy y otras formas de descentralización productiva que atomizan el mercado de trabajo.
[S. l], 2015. Working Paper. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2705402.
Acesso em: 01 jun. 2020.
24
FELICIANO, Guilherme Guimarães; PASQUALETO, Olívia de Quintana Figueiredo. (Re)descobrindo o
Direito do Trabalho: gig economy, uberização do trabalho e outras reflexões.In: JOTA. [S. l.], 06 mai. 2019.
Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/juizo-de-valor/redescobrindo-o-direito-do-
trabalho-06052019. Acesso em: 01 jun. 2020.
146
25
ORENSTEIN, José; CORSALETTE, Conrado. Por que os motoristas do Uber entraram em greve no mundo.
Nexo Jornal, [s. l.], 08 mai. 2019. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/podcast/2019/05/08/Por-que-
os-motoristas-do-Uber-entraram-em-greve-no-mundo. Acesso em: 01 jun. 2020.
26
PEREIRA, Felipe. Entregadores protestam contra redução de valor pago por aplicativos em SP. In: UOL. São
Paulo, 17 abr. 2020. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-
noticias/redacao/2020/04/17/motoboys-de-sp-protestam-contra-baixos-pagamentos-de-aplicativos-de-
entrega.htm. Acesso em: 01 jun. 2020.
27
BARRETO, Marcelo Menna.Entregadores por aplicativos paralisam em todo o país. In: Extraclasse, 01 jul.
2020. Disponível em: <https://www.extraclasse.org.br/movimento/2020/07/entregadores-por-aplicativos-
paralisam-em-todo-o-pais/>Acesso em: 04 set. 2020.
28
FINCATO, Denise; CARPES, Ataliba. A 5ª revolução (industrial) e a volta à humanidade como elemento de
disrupção. Revista de Direito do Trabalho, [s. l.], v. 209/2020, p. 105-126, jan. 2020.
147
Destaca-se que o Brasil dispõe de previsão legal sobre o tema, mais especificamente a
Lei nº 10.835/04,33 de autoria do então deputado Eduardo Suplicy, que estabelece um programa
chamado “Renda Básica de Cidadania”, mas que, no entanto, nunca foi posto em prática. Com
29
FINCATO, Denise Pires; SILVA, Cecília Alberto Coutinho. Automação, inteligência artificial e futuro da
advocacia: empregabilidade como um direito.In: Revista de Direito e as Novas Tecnologias, São Paulo, v. 2, n.
2, jan-mar. 2019.
30
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social: [...] XXVII - proteção em face da automação, na forma da lei; BRASIL. [Constituição (1988)].
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 01 jun. 2020.
31
HARARI, Yuval Noah. 21 lições para o século 21. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. p. 62-68; Piketty
defende, como forma de distribuição de renda e redução da desigualdade, a criação de um Imposto Mundial e
Progressivo sobre o Capital. Para mais, ver: PIKETTY, Thomas. O capital no século XII. Rio de Janeiro:
Intrínseca, 2014. p. 501-525; A proposta de Friedman consiste na instituição de um Imposto de Renda Negativo.
Para mais, ver: FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e liberdade. Rio de Janeiro: LTC, 2014. E-book. p. 195.
Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/978-55-216-2709-
8/cfi/6/48!/4/14/6@0:38.1.Acesso em: 01 jun. 2020.
32
VAN PARIJS, Philippe. Renda básica: renda mínima garantida para o século XXI?. Estud. av., São Paulo, v.
14, n. 40, p. 179-210, dez. 2000. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
40142000000300017&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 01 jun. 2020.
33
BRASIL. Lei nº 10.835, de 8 de janeiro de 2004. Institui a renda básica de cidadania e dá outras providências.
Brasília, DF: Presidência da República, 2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2004/lei/l10.835.htm. Acesso em: 01 jun. 2020.
148
Esse último ponto é crucial em qualquer projeto de futuro. O que se vê hoje é um cenário
de exclusão de grandes camadas da sociedade em relação aos avanços promovidos pelo
desenvolvimento social, tecnológico, econômico.36 Ou seja, para além da desigualdade
socioeconômica historicamente reconhecida, deve-se considerar hoje a existência de uma
importante desigualdade de caráter tecnológico.
Não se pode negar os progressos constantemente obtidos em todas essas áreas, mas
deve-se levantar questões que se ponderam importantes sobre sua distribuição entre a
sociedade. Klaus Schwab coloca justamente a desigualdade e a distribuição das vantagens
oriundas das inovações tecnológicas como os principais desafios da 4ª Revolução Industrial.37
34
BRASIL. Lei nº 13.982, de 2 de abril de 2020. Altera a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, para dispor
sobre parâmetros adicionais de caracterização da situação de vulnerabilidade social para fins de elegibilidade ao
benefício de prestação continuada (BPC), e estabelece medidas excepcionais de proteção social a serem adotadas
durante o período de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do
coronavírus (Covid-19) responsável pelo surto de 2019, a que se refere a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.
Brasília, DF: Presidência da República, 2020. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2020/lei/l13982.htm> Acesso em: 09 set. 2020.
35
CASTANHO, William, RESENDE, Thiago. Auxílio emergencial impede que 23,5 milhões caiam na
pobreza. In: Folha de São Paulo, 15 ago. 2020. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/08/auxilio-emergencial-impede-que-235-milhoes-caiam-na-
pobreza.shtml> Acesso em: 05 set. 2020
36
FINCATO, Denise; CARPES, Ataliba. A 5ª revolução (industrial) e a volta à humanidade como elemento de
disrupção. Revista de Direito do Trabalho, [s. l.], v. 209/2020, p. 105-126, jan. 2020.
37
SCHWAB, Klaus. A quarta Revolução Industrial. São Paulo: Edipro, 2016.
149
Tal conceito possui extrema relevânciano mundo do trabalho, fato que se estende, por
consequência lógica, ao Direito do Trabalho, o qual “tem se afirmado na História como uma
racional intervenção de justiça social, por meio da norma jurídica, no quadro genérico de toda
a sociedade e economia capitalista, sem inviabilizar o próprio avanço desse sistema
socioeconômico.”39A própria Constituição Federal indica que esse é o rumo a seguir, uma vez
que define, em seu artigo 170, que a ordem econômica deve se desenvolver de forma a
harmonizar a livre iniciativa com a valorização do trabalho, observando a justiça social. 40
3 CONCLUSÃO
38
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Constituição da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) e seu anexo (Declaração de Filadélfia). [Genebra]: OIT, [2020?]. Disponível em: Disponível em:
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-
brasilia/documents/genericdocument/wcms_336957.pdf. Acesso em: 01 jun. 2020.
39
DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os
caminhos de reconstrução. 3. ed. São Paulo: LTr, 2017. p. 115.
40
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]”
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF:
Presidência da República, 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 01 jun. 2020.
150
e com a intensificação desse processo pelo surto viral, vive-se um momento chave, que
apresenta dificuldades, mas também oportunidades, de modo que os caminhos escolhidos hoje
podem definir o futuro da sociedade.
Não há dúvidas sobre qual rumo o Direito do Trabalho deve (re)tomar. Como já
afirmado, a disciplina em questão surgiu como forma de regular as relações entre capital e
trabalho, mas, também e indiscutivelmente, para estabelecer e promover direitos e garantias de
viés protetivo destinados aos sujeitos trabalhadores. Assim, o juslaboralismo se apresenta como
mecanismo de humanização do trabalho e do trabalhador, em reação ao cenário em que estes
se encontravam quando de seu advento, no qual eram tidos como mera mercadoria submetida
às leis do mercado.
Tais funções, no entanto, têm sofrido um desvirtuamento nos últimos tempos, com
especial atenção para a segunda, em razão de um movimento de apropriação do Direito do
Trabalho pelo poder econômico. Passou-se a um cenário onde o Direito do Trabalho torna-se
um instrumento da economia, o qual deveria, em primeiro lugar, satisfazer as necessidades do
mercado, a partir da obtenção de resultados e objetivos fundamentalmente econômicos, o que
implica em reconhecer, no trabalho e no trabalhador, um objeto para tal.41
41
MONTEIRO, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda: reflexões sobre o dumping social no
capitalismo globalizado. Revista de direito do trabalho, São Paulo, v. 42, n. 169, p. 209-232, maio/jun. 2016.
Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/93845. Acesso em: 01 jun. 2020.
42
STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica, Constituição e autonomia do Direito.Revista de Estudos
Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD), São Leopoldo, v. 1, n. 1, p. 65-77, jan.-jun.
2009. Disponível em: http://revistas.unisinos.br/index.php/RECHTD/article/view/5137. Acesso em: 01 jun. 2020.
151
Esse espírito deve ser restabelecido e, com ele, a autonomia do Direito do Trabalho,
necessária para uma correta adaptação aos novos moldes do mundo do trabalho que respeite
sua gênese de regulador das relações laborais, mas, sobretudo, protetor do trabalhador e
promotor de sua dignidade.
Pensar primeiramente no ser humano não faz com se deixe de considerar aspectos
econômicos, sociais, tecnológicos e políticos. Todos esses pontos devem compor o debate
jurídico sobre o futuro do (Direito do) trabalho. No entanto, o que não se pode admitir é a
colocação da pessoa do trabalhador em um segundo plano, com um mero figurante do cenário
laboral,posição que não condiz com a centralidade que possui no sistema jurídico-
constitucional brasileiro.
Portanto, é imperioso que, nesse momento, a centralidade do ser humano, esquecida nos
últimos tempos, volte a ser a tônica do Direito do Trabalho. Denise Fincato projeta que a
próxima grande revolução industrial, ou seja, a 5ª delas, será, na verdade, humana, pautada por
um movimento de redescobrimento e valoração da condição humana, bem como de suas
capacidades de cognição, sentimento e sensibilidade.46
43
AMADO, João Leal. Perspectivas do direito do trabalho: um ramo em crise identitária? Revista do Tribunal
Regional do Trabalho da 15ª Região, Campinas, n. 47, p. 184, jul./dez. 2015. Disponível em:
https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/100764. Acesso em: 01 jun. 2020.
44
MONTEIRO, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda: reflexões sobre o dumping social no
capitalismo globalizado. Revista de direito do trabalho, São Paulo, v. 42, n. 169, p. 209-232, maio/jun. 2016.
Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/93845. Acesso em: 01 jun. 2020.
45
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Constituição da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) e seu anexo (Declaração de Filadélfia). [Genebra]: OIT, [2020?]. Disponível em: Disponível em:
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-
brasilia/documents/genericdocument/wcms_336957.pdf. Acesso em: 01 jun. 2020.
46
FINCATO, Denise; CARPES, Ataliba. A 5ª revolução (industrial) e a volta à humanidade como elemento de
disrupção. Revista de Direito do Trabalho, [s. l.], v. 209/2020, p. 105-126, jan. 2020.
152
REFERÊNCIAS
AMADO, João Leal. Perspectivas do direito do trabalho: um ramo em crise identitária?. Revista
do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Campinas, n. 47, p. 181-202, jul./dez. 2015.
Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/100764. Acesso em: 01 jun.
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la tensión entre la técnica y la persona. Estudios Socio-Jurídicos, Bogotá, v. 21, n. 11, p. 245-
266, 2019. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/sociojuridicos/a.7280. Acesso em: 01 jun.
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47
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153
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em-todo-o-pais/> Acesso em: 04 set. 2020.
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Foco, 15 mai. 2020. Disponível em: <https://congressoemfoco.uol.com.br/governo/bolsonaro-
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providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2004. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.835.htm. Acesso em: 01 jun.
2020.
BRASIL. Lei nº 13.982, de 2 de abril de 2020. Altera a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993,
para dispor sobre parâmetros adicionais de caracterização da situação de vulnerabilidade social
para fins de elegibilidade ao benefício de prestação continuada (BPC), e estabelece medidas
excepcionais de proteção social a serem adotadas durante o período de enfrentamento da
emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-
19) responsável pelo surto de 2019, a que se refere a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.
Brasília, DF: Presidência da República, 2020. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13982.htm> Acesso em: 09
set. 2020.
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caiam na pobreza. In: Folha de São Paulo, 15 ago. 2020. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/08/auxilio-emergencial-impede-que-235-
milhoes-caiam-na-pobreza.shtml> Acesso em: 05 set. 2020
154
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FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e liberdade. Rio de Janeiro: LTC, 2014. E-book. Disponível
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155
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nao-necessariamente-emprego. Acesso em: 01 jun. 2020.
VAN PARIJS, Philippe. Renda básica: renda mínima garantida para o século XXI?. Estud. av.,
São Paulo, v. 14, n. 40, p. 179-210, dez. 2000. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
40142000000300017&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 01 jun. 2020.
157
RESUMO
INTRODUÇÃO
1
Pós Doutor em Direito pela Universidade de Santiago de Compostela (USC/Espanha), Doutor e Mestre em
Direito pela UFRGS, Professor da Graduação da IMED-POA e da Graduação, Pós-Graduação e Mestrado da FMP,
Advogado da União, OAB/RS n. 32.229. E-mail: josetadeunevesxavier@gmail.com.
2
Pós Doutora em Direito pela PUCRS, Doutora em Direito pela PUCRS, Mestre em Direito pela PUCRS,
Especialista em Processo Civil pela PUCRS, Professora da Graduação em Direito da IMED/POA,
Advogada, OAB/RS n. 44.699. E-mail: m.milhoranza@hotmail.com.
3
Na visão de François Ost, a solução para o equilíbrio entre o mundo técnico-científico e a natureza seria um
contrato firmado entre o mundo social e o mundo sábio. (OST, François. O tempo do direito. Lisboa: Instituto
Piaget, 1990, p. 210).
4
Como centro de consumo, a cidade produz enormes quantidades de lixo que nem sempre são corretamente
descartadas e acabam gerando problemas ainda mais graves que o próprio lixo, sua deterioração e as crescentes
dificuldades de se encontrarem áreas apropriadas para descartá-lo. Os desequilíbrios climáticos, que produzem
tempestades cada vez mais violentas, tornam a vida nas cidades, especialmente nas metrópoles, muito mais
complicada. O asfalto que cobre as ruas para dar mais conforto aos motoristas, mais estabilidade aos veículos
automotores e impedem que as ruas se encham de poeira nos períodos de estiagem e de lama, nos períodos de
chuva, é o mesmo que impede a penetração da água e transforma os morros em cachoeiras e as ruas em corredeiras,
158
as quais inundam casas e arrastam tudo o que há pela frente. É cada vez mais comum os citadinos se sentirem
amedrontados quando percebem a formação de chuva sobre suas cidades. Há ainda a poluição sonora, visual e a
poluição lançada por automóveis e fábricas que, aliada ao excesso de construções, fazem da cidade uma ilha de
calor em que as temperaturas têm alcançado níveis cada vez mais elevados. [...] Certamente, nem todas as
modificações que são produzidas nas cidades são negativas do ponto de vista socioambiental. O ajardinamento de
áreas degradadas, o reflorestamento de áreas centrais para a construção de parques, entre outras. No entanto, todas
as modificações causam impactos ambientais. (CASTRO, Sílvia Regina Barbosa de Castro; GAMA, Elce Marilia
Silva F.; SANTI, Márcia de Lourdes Domingos. Geografia: ensino fundamental. Belo Horizonte: Educacional,
2013, p. 24).
5 No tópico, Tiago Fensterseifer assevera que: “cada vez mais se reconhece a feição socioambiental das relações
sociais contemporâneas, marcadamente pela conexão entre a proteção do ambiente e os direitos sociais à luz do
princípio constitucional do desenvolvimento sustentável (art. 170, VI, da CF). A adoção do marco jurídico-
constitucional socioambiental resulta da convergência necessária da tutela dos direitos sociais e os direitos
ambientais num mesmo projeto jurídico-político para o desenvolvimento humano. O enfrentamento dos problemas
ambientais e a opção por um desenvolvimento sustentável passam necessariamente pela correção do quadro
alarmante de desigualdade social e da falta de acesso aos direitos sociais básicos, o que, diga-se de passagem,
também é causa potencializadora da degradação ambiental”. (FENSTERSEIFER, Tiago. A responsabilidade do
Estado pelos danos causados às pessoas atingidas pelos desastres ambientais associados às mudanças
climáticas: uma análise à luz dos deveres de proteção ambiental do Estado e da proibição de insuficiência na tutela
do direito fundamental ao ambiente. Disponível em:
www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Repositorio/31/Documentos/12.pdf. Acesso em: 03 mai. 2020).
6 Sobre a desigualdade social, Adir Ubaldo Rech ensina que: “na realidade, há um pacto silencioso, histórico e
cultural de exclusão social aceito e praticado, mediante normas urbanísticas informais adotadas pela elite
dominante, que ignora determinadas classes sociais, que as afasta do seu convívio e que, ao mesmo tempo, busca
beneficiar a especulação imobiliária, impedindo que, nos planos diretores, sejam destinados de forma planejada
espaços economicamente mais acessíveis para os mais pobres”. (RECH, Adir Ubaldo. Cidades
socioambientalmente sustentáveis. In: BUTZKE, Alindo; RECH, Adir Ubaldo; GULLO, Maria Carolina (org.).
Direito, economia e meio ambiente: olhares de diversos pesquisadores. Caxias do Sul: Educs, 2012, pp. 10-11).
7 Consoante Carlos Alberto Molinaro, pensar a democracia implica a superação das desigualdades (materiais) e
por consequência a eliminação da exploração econômica, postulando pela paz social, fruto de um trabalho solidário
que afirme uma dimensão humana integral. Pensar a democracia da contemporaneidade exige necessariamente
pensar num regime constitucionalista. (MOLINARO, Carlos Alberto. Racionalidade ecológica e estado
socioambiental e democrático de direito. 2006. 200f. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006, p. 107).
8 Nesse mesmo sentido, traz-se o posicionamento de Ingo Sarlet e de Tiago Fensterseifer: O enfrentamento dos
problemas sociais e a opção por um desenvolvimento sustentável passam, portanto, necessariamente, pela correção
do quadro alarmante de desigualdade social e da falta de acesso de expressivas partes da população aos seus
direitos sociais básicos, o que, importa referir, é causa de degradação ambiental. (SARLET, Ingo Wolfgang;
FENSTERSEIFER, Tiago. Estado socioambiental e mínimo existencial (ecológico?): algumas aproximações. In:
SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2010, p. 15).
9 BUTZKE, Alindo; ZIEMBOWICZ, Giuliano; CERVI, Jacson Roberto. O direito ao meio ambiente
Nesse ínterim, o estudo, ora apresentado, irá se utilizar dos métodos dedutivo e histórico
para fazer o diagnóstico de quais são as consequências jurídicas da pandemia aos que estão na
linha de frente do combate ao coronavírus: os trabalhadores da área médica/sanitária. Com esse
mister e com o intuito de analisar o meio ambiente do trabalho desses profissionais, passa-se a
enfrentar a cinca.
10
“[...] não estamos sós, neste ‘lugar de encontro’, onde somos o encontro; somos com o outro desde uma relação
de reconhecimento, respeito, reciprocidade e responsabilidade”. (MOLINARO, Carlos Alberto. Racionalidade
ecológica e estado socioambiental e democrático de direito. 2006. 200f. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006, p. 107).
11
MOLINARO, Carlos Alberto. Racionalidade ecológica e estado socioambiental e democrático de direito.
2006. 200f. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006,
p. 107.
160
1.1 Breve escorço histórico sobre algumas catástrofes ambientais causadas pela má
interação do homem com o meio ambiente
No século XX, alguns fatos fizeram com que a humanidade, como um todo, começasse a refletir
acerca da má interação do homem com o meio em que vive. No final da década de 50, no Japão, que
passava por um rápido e eficaz processo de industrialização, apareceu o primeiro sinal alarmante da falta
de observância ecológica.12 Na Baía de Minamata, onde as pessoas viviam praticamente da pesca e se
alimentavam dos peixes que eram pescados no mar, foi observado o comportamento singular de felinos
que se alimentavam dos peixes frescos. Inicialmente, os felinos que comiam os peixes tinham ataques e
tremores. Logo após o início desses sintomas, a morte era inevitável. Posteriormente, foi nos seres
humanos que os efeitos da poluição desvelada se tornaram aparentes. As mulheres estavam dando à luz
a crianças com o cérebro deformado. Foi nesse contexto de total degradação ambiental da Baía de
Minamata que nasceu Tomiji Matsuda: cego e com o cérebro deformado. Quando examinado pelos
médicos, houve a suspeita de que Tomiji tinha sido envenenado por metais pesados. Os médicos
chamaram a doença de “Doença de Minamata” e continuaram a pesquisar melhor os sintomas de Tomiji.
Foi, então, que se realizou uma correlação entre a Doença de Minamata e os sintomas apresentados pelos
felinos, resultando na descoberta de que tanto os felinos quanto Tomiji foram afetados após a instalação
da fábrica Chisso Corporation que despejava os resíduos químicos no mar. Evidenciou-se, portanto, que
o lançamento dos detritos no mar causou a desoladora poluição - que afetou profundamente o equilíbrio
ecológico -, danos aos seres humanos e aos animais terrestres.
12
CUNHA, Sandra Baptista da; GUERRA, Antonio José Teixeira. A questão ambiental: diversas abordagens.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, pp. 29-30.
161
13
FERRARI, Antenor. Agrotóxico: a praga a dominação. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986, p. 110.
14
FERRARI, Antenor. Agrotóxico: a praga a dominação. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986, p. 111.
15
JEYARATNAM, J. Occupational health Issues in development countries. In: Public health impact of
pesticides used in agriculture. Geneva: OMS, 2000, p. 207.
162
16 O VII Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação ocorreu em Natal, Rio Grande do Norte, nos dias 23
a 27 de setembro de 2012. Resultados do Congresso podem ser consultados no site da Ecoagência. (LUIZA, Maria.
Vazamento no Golfo do México deixa marcas profundas na biodiversidade marinha. Ecoagência, 25 set. 2012.
Disponível em: http://www.ecoagencia.com.br/?open=noticias&id=VZlSXRVVONlYHZFTT1GdX
JFbKVVVB1TP. Acesso em: 23 ago. 2013).
17 Ph.D em Biodiversidade Marinha e cientista assistente de pesquisa do Harte Research Institute for Gulf of
em pesquisas detalhadas sobre a geologia e ecologia local.” (LUIZA, Maria. Vazamento no Golfo do México deixa
marcas profundas na biodiversidade marinha. Ecoagência, 25 set. 2012. Disponível em:
http://www.ecoagencia.com.br/?open=noticias&id=VZlSXRVVONlYHZFTT1GdX JFbKVVVB1TP. Acesso
em: 23 ago. 2013).
163
a responsável pela contaminação de 40 quilômetros quadrados de gás tóxico em Bhopal, na Índia. Foram
afetadas, fatalmente, cerca de 10.000 pessoas. Outras 20.000 pessoas tiveram queimaduras e cegueiras.21
Uma das maiores ameaças para a vida terrestre é o risco de um acidente nuclear. Inúmeros
acidentes radioativos já aconteceram e suas consequências foram devastadoras. Resumidamente, os
acidentes radioativos de maior impacto, em ordem cronológica, na história da humanidade, foram os
seguintes22:
21
CUNHA, Sandra Baptista da; GUERRA, Antonio José Teixeira. A questão ambiental: diversas abordagens.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 200, p. 30.
22 Levantamento realizado pela redação do site ambiente Brasil. (AMBIENTE BRASIL. Principais acidentes
23 Sustenta Délton Winter de Carvalho que: “assim como Chernobyl marca a entrada da Sociedade Contemporânea
na era do risco global, Fukushima parece estabelecer o início de uma nova era em que tais realidades são ainda
mais potencializadas para os eventos de colapso socioambientais (com causas naturais e humanas) de enorme
capacidade destrutiva para o meio ambiente, patrimônio e vidas humanas [...] O simbolismo de Fukushima vai
além daquele representado por Chernobyl. Isso ocorre em razão do acidente nuclear de Chernobyl ter sido um
acidente tecnológico (man-made disaster). Já Fukushima apresenta uma cadeia de fatores (terremoto seguido de
tsunami que, ao atingir o sistema de refrigeração dos reatores nucleares, provocou diversas explosões nucleares),
sinergeticamente combinados em feixes causais de impensável quantificação probalística e de consequências
catastróficas”. (CARVALHO, Délton Winter de. Por um direito dos desastres ambientais. In: STRECK, Lenio
Luiz; ROCHA Leonel Severo; ENGELMANN, Wilson (org.). Constituição, sistemas sociais e hermenêutica:
anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos – mestrado e doutorado. v. 9. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2012, pp. 101-102).
166
No que tange ao Brasil, além dos conhecidos desastres nas cidades mineiras de
Brumadinho e Mariana, ambos causados por irresponsabilidade de empresas que tinham o dever
de zelar pela conservação e preservação ambiental, danos à poluição atmosférica também são
visíveis. Por exemplo, em 25 de setembro de 2013, na cidade de São Francisco do Sul, em Santa
Catarina, uma nuvem de fumaça de coloração amarela, advinda de uma reação química de um
fertilizante à base de nitrato de amônia que explodiu dentro da fábrica, cobriu 10 quilômetros
de extensão e chegou a 500 metros de altura. A fumaça teve real impacto sobre animais, árvores,
rios, mangues e o solo que contornam São Francisco do Sul. A cidade vizinha, Itapoá, tem a
maior parte de seu território preservado com Mata Atlântica e manguezais. Na ligação entre
São Francisco do Sul e Itapoá, se localiza a Baía da Babitonga: ecossistema que abriga 75%
dos mangues de Santa Catarina.
24 Para Délton Winter de Carvalho e Fernanda Dalla Libera Damacena, “[...] enquanto Chernobyl tem uma matriz
industrial potencializada, comportando algum controle e decisões, o desastre de Fukushima torna extremamente
turva a distinção entre risco (passível de algum controle pelos processos de tomada de decisão pelos sistemas
sociais) e perigo (completamente alheio ao sistema social)”. (CARVALHO, Délton Winter de; DAMACENA,
Fernanda Dalla Libera. A intensificação dos desastres naturais, as mudanças climáticas e o papel do direito
ambiental. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 49, n.193, jan./mar. 2012, p. 23).
25 Por telefone, conversou-se com a Professora Sandra Medeiros que cedeu uma pequena entrevista explicando
Por outro lado, a “missão” do ser humano em destruir o meio ambiente se mostra tão
“criativa” que até animais que vivem em alto mar estão sendo afetados pelo descaso ao lugar
de encontro. No ano 2000, por exemplo, nas Ilhas Bahamas, dezesseis baleias e um golfinho
encalharam na praia e morreram após a Marinha Americana realizar testes com um sonar.
Comprovadamente, o sonar produz um volume de som de 235 decibéis, 85 decibéis a mais que
os gerados pela decolagem de um jato. “Pesquisadores do Instituto Earthwatch (EUA)
encontraram danos internos nos animais relacionados com a exposição a esse tipo de barulho
[...]”26. Os animais pesauisados tinham ouvidos com sangue, órgãos internos destruídos e
asfixia. Como os animais ficam desorientados pelo alto volume do som, acabam encalhando.
Sucintamente, esta foi uma breve análise de algumas das catástrofes ambientais mais
severas. É evidente que o dano ambiental antropogênico é o resultado da ganância e da falta de
respeito do homem com o meio onde vive. Em nome do desenvolvimento, o homem degrada a
natureza sem se importar com as consequências tanto para si quanto para o meio ambiente. É
cediço que as mazelas ambientais são ameaça à preservação da própria espécie humana. Com
a expansão do capitalismo, os recursos naturais foram explorados sem regras, pois o que se
queria era a produção de bens em massa, a baixo custo e sem qualquer preocupação com os
dejetos que sobram dessa produção. O consumismo desenfreado, a falta de local apropriado
para o lixo, a não utilização da reciclagem e a exploração de países subdesenvolvidos por
empresas multinacionais contribuíram, visivelmente, para os violentos ataques à natureza.
26 TIRABOSCHI, Juliana. Deu a louca nos mares. IstoÉ, 21 jan. 2016. Disponível em:
http://www.istoe.com.br/reportagens/243442_DEU+A+LOUCA+NOS+MARES. Acesso em: 23 ago. 2020.
168
ECO-92. Todos esses eventos foram realizados ante o desequilíbrio ambiental em escala
mundial.
Por todo o exposto, verifica-se que as catástrofes ambientais, ora apresentadas, são
oriundas da má utilização dos recursos naturais e ocorrem devido ao antropocentrismo. A partir
do momento em que o homem domina a natureza e que a enxerga como mero recurso infinito
para satisfazer as suas necessidades de subsistência, há uma quebra paradigmática
holodimensional ao lugar de encontro. O homem, ao subjugar a natureza, se coloca em posição
de dominação e controle. Rompe, portanto, com a máxima do lugar de encontro: relação de
reciprocidade e respeito entre os que lá interagem.
27 No tópico, afirma Carlos Alberto Molinaro que “o conjunto normativo ambiental está construído através de
proposições empíricas especialíssimas. No percurso de seu desvelamento e submetidas a racionalidade prática
essas proposições se incorporaram em uma série de princípios, ditos princípios ambientais que se positivaram e,
de modo não exaustivo, podem assim ordenar-se: princípio constitucional de proteção ambiental (CF/88, Art. 225);
princípio da legalidade (CF/88, Art. 5, II); princípio da supremacia do interesse público primário e princípio da
indisponibilidade do interesse público (CF/88, art. 225), temperado pela observância dos direitos fundamentais e
das normas programáticas a eles referidas; princípio da obrigatoriedade da proteção ambiental (idem); princípio
da prevenção e princípio da precaução (CF/88, 225, § 1, IV; Dec. Rio/1992); princípio da obrigatoriedade de
avaliação prévia de obras potencialmente gravosas (CF/88, 225; EIA, Rima); princípio da publicidade (CF/88,
169
Nessa senda, exsurge o estudo acerca da Covid-19 e sua proliferação em mais de 170
países. Recentemente, entre 16 e 24 de fevereiro de 2020, a Organização Mundial de Saúde
(OMS) elaborou um relatório, amparado pela pesquisa científica de profissionais oriundos da
China, Alemanha, Japão, Coreia do Sul, Nigéria, Rússia, Singapura, Estados Unidos e da
própria OMS, liderados pelos renomados Dr. Bruce Aylward (OMS) e Dr. Wannian Liang
(China) acerca da Covid-19. No referido relatório28, está descrito que os coronavírus são uma espécie
de zoonóticos, ou seja, uma espécie de vírus que é transmitida pelos animais aos seres humanos.
Conforme explana Délton Winter de Carvalho29,
Em 2016, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente alertou sobre
problemas ambientais globais emergentes, descrevendo um ‘aumento mundial no
surgimento de doenças e epidemias, particularmente de zoonoses.’ As doenças
zoonóticas são constantemente associadas a distúrbios ecológicos.
Se as doenças zoonóticas são associadas a distúrbios ecológicos é visível que foi a ação
humana, em desfavor do lugar de encontro, que trouxe à baila o vírus causador da Covid-19: o
SARS-Cov-2. Conforme o relatório da OMS, a partir de análises filogenéticas realizadas com
225; Res. 9 do Conama); princípio da reparabilidade do dano ambiental (CF/88, 225, § 3; L. 6938, art. 4, VII);
princípio da participação (Declaração Rio/92, princípio 10; CF/88, 225); princípio da informação (CF/88, 225;
216, § 2; L. 6938/81; Dec. 98161/89; L. 8078/90 [CDC]; Agenda 21, cap. 40; e as convenções sobre Diversidade
Biológica e Combate à Desertificação); princípio da função socioambiental da propriedade (CF/88, art. 5, XXIII,
170, III e 186, II); princípio do poluidor-pagador (CF/88, art. 225, § 3; Rio/92, princípio 16; L. 6938/81, art. 4; L.
9433/97); princípio da compensação (art. 8, L. 6938/81, atrib. Conama); princípio da responsabilidade (L. 9605/98,
crimes ambientais; L. 6938/81 art. 14, responsabilidade objetiva do degradador); princípio do desenvolvimento
sustentável (Declaração Rio/92, princípio 13, e Agenda 21); princípio da educação ambiental (CF/88, art. 1; e,
Agenda 21); princípio da cooperação internacional (Declaração Rio/92, princípio 2); princípio da soberania dos
Estados na política ambiental (Agenda 21); princípio da Prevenção de danos, aqui cabe uma distinção: princípio
da prevenção e princípio da precaução. A distinção está na natureza do risco, v.g., CF/88, art. 7.o XII prevê: “a
redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Aplica-se o preceito
constitucional ao cuidado da prevenção ou precaução. Tudo está na natureza do risco. Sendo o núcleo duro na
prevenção, o perigo concreto; na precaução, o perigo abstrato. Em ambos os casos, o meio ambiente do trabalho
deverá contar com as condições necessárias para minimizá-lo, e contar o trabalhador com a proteção adequada,
mesmo a compensação argentária.” (MOLINARO, Carlos Alberto. Breves reflexões sobre os deveres
fundamentais socioambientais. Revista Novos Estudos Jurídicos - Eletrônica, v. 20, n. 3, set-dez 2015, p. 1000).
28
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Report of the WHO-China Joint Mission on Coronavirus Disease
2019 (COVID-19). Disponível em: https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/who-china-joint-
mission-on-covid-19-final-report.pdf. Acesso em: 03 mai. 2020.
29 CARVALHO, Délton Winter de. A natureza jurídica da Covid-19 como um desastre biológico. Revista
O art. 3º, I, da Lei n. 6.938/81 definiu o meio ambiente como “o conjunto de condições,
leis, influências e interações de ordem física, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas
formas.” Posteriormente, com base na Constituição Federal de 1988, passou-se a entender
também que o meio se divide em físico ou natural, cultural, artificial e trabalho. O meio físico
ou natural é constituído pela flora, fauna, solo, água, atmosfera etc., incluindo os ecossistemas
conforme preconiza o art. 225, §1º, I, VII da Constituição Federal. O meio ambiente cultural
constitui-se pelo patrimônio cultural, artístico, arqueológico, paisagístico, manifestações
culturais, populares etc. consoante dispõe o art. 215, §1º e § 2º da Constituição Federal.
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
30
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 ago. 2020.
31
GOUMENOU, M., SARIGIANNIS, D., Tsatsakis, A., ANESTI, O., DOCEA, A. O., PETRAKIS, D., & CALIN,
D. COVID-19 in Northern Italy: an integrative overview of factors possibly influencing the sharp increase of the
outbreak. Molecular Medicine Reports, v. 22, n. 1, 2020, pp. 20-32.
32
BARROSO, Bárbara Iansã de Lima; SOUZA, Marina Batista Chaves Azevedo de; BREGALDA, Marília
Meyer; LANCMAN, Selma; COSTA, Victor Bernardes Barroso da. A saúde do trabalhador em tempos de
COVID-19: reflexões sobre saúde, segurança e terapia ocupacional. Revista Cadernos Brasileiros de Terapia
Ocupacional, v.28, n.3, São Carlos jul/set, 2020, Epub Sep 21, 2020.
172
Será que este arcabouço legislativo, na prática, tem o condão de realmente proteger o
profissional da saúde? Para responder a esta indagação, a primeira análise que se impõe é a
necessidade de reconhecimento da Covid-19 como doença relacionada ao meio ambiente do
trabalho - principalmente entre os profissionais que atuam na linha de frente de combate à
doença - na qualidade de acidente de trabalho quando a contaminação ocorre em razão da
atividade laboral. Nesse sentido, defende-se que, para a proteção dos trabalhadores infectados,
são indispensáveis à emissão de comunicação de acidente do trabalho (CAT), conforme
disciplinam os artigos 19 e 20 da Lei n. 8.213/91. De outra banda, em razão da contaminação
no meio ambiente laboral, defende-se o direito de afastamento acidentário.
33
TAVARES, Viviane. Covid-19: a saúde dos que estão na linha de frente. Fiocruz, 13 abr. 2020. Disponível
em: https://portal.fiocruz.br/noticia/covid-19-saude-dos-que-estao-na-linha-de-frente. Acesso em: 21 jan. 2021.
34
HELIOTERIO, Margarete Costa; LOPES, Fernanda Q. R. de Sousa; SOUSA, Camila Carvalho de; SOUZA,
Fernanda de Oliveira; PINHO, Paloma de Sousa; SOUSA, Flávia N. e Ferreira de; ARAÚJO, Tânia Maria de.
Covid-19: oor que a proteção de trabalhadores e trabalhadoras da saúde é prioritária no combate à pandemia?
173
começam a aparecer relatos dos trabalhadores dando conta de que se vivencia o pavor da
insuficiência dos equipamentos de proteção.
Angústias para tomar decisões difíceis no momento da triagem, com a dor de perder
colegas de trabalho e pacientes, com o risco de infecção tanto de si quanto de
familiares e com a impossibilidade de fazer a testagem rápida em larga escala devido
à inexistência de vacina e de tratamentos com eficácia cientificamente comprovada. 36
Portanto, a esfera psíquica dos trabalhadores também está sendo, e muito, afetada pela
pandemia. Um estudo desenvolvido por Kairo Silvestre Meneses Damasceno e Magno
Conceição das Merces37, do Departamento de Ciências da Vida da Universidade do Estado da
Bahia (Uneb), revela que
Revista Trabalho, Educação e Saúde, v.18, n.3, Rio de Janeiro, 2020, Epub July 31. Disponível em:
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1981-77462020000300512&script=sci_arttext. Acesso em: 3 fev. 2021.
35
BARROSO, Bárbara Iansã de Lima; SOUZA, Marina Batista Chaves Azevedo de; BREGALDA, Marília
Meyer; LANCMAN, Selma; COSTA, Victor Bernardes Barroso da. A saúde do trabalhador em tempos de
COVID-19: reflexões sobre saúde, segurança e terapia ocupacional. Revista Cadernos Brasileiros de Terapia
Ocupacional, v.28, n.3, São Carlos jul/set, 2020, Epub Sep 21, 2020.
36
BARROSO, Bárbara Iansã de Lima; SOUZA, Marina Batista Chaves Azevedo de; BREGALDA, Marília
Meyer; LANCMAN, Selma; COSTA, Victor Bernardes Barroso da. A saúde do trabalhador em tempos de
COVID-19: reflexões sobre saúde, segurança e terapia ocupacional. Revista Cadernos Brasileiros de Terapia
Ocupacional, vol.28, n.3, São Carlos July/Sept, 2020, Epub Sep 21, 2020.
37
DAMASCENO, Kairo Silvestre Meneses; MERCES, Magno Conceição das. Covid-19 e a saúde mental dos
trabalhadores de saúde da atenção básica. Revista Enfermagem Brasil, v. 19, n. 4, 2020: suplemento COVID.
Disponível em: https://portalatlanticaeditora.com.br/index.php/enfermagembrasil/article/view/4381. Acesso em:
10 jan. 2021.
174
subsídios para orientar as medidas de controle e prevenção38, assim como para o planejamento
e alocação dos recursos necessários para operar os sistemas de saúde. Na publicação dessas
estatísticas, os microindicadores de morbidade deverão ser desagregados até o nível da
ocupação, permitindo, assim, avaliar onde e em que circunstâncias os indivíduos testados
positivos ou diagnosticados com a doença estavam trabalhando. Identificar os focos de
disseminação relacionados à primacial para monitorar as atividades de trabalho dos
profissionais da saúde.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
38
JACKSON FILHO, José Marçal; ASSUNÇÃO, Ada Ávila; ALGRANTIC, Eduardo; GARCIA, Eduardo Garcia;
SAITO, Cézar Akiyoshi; MAENO, Maria. A saúde do trabalhador e o enfrentamento da COVID-19. Revista
Brasileira de Saúde Ocupacional, v .45, 2020 (online).
175
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Bárbara Iansã de Lima; SOUZA, Marina Batista Chaves Azevedo de;
BREGALDA, Marília Meyer; LANCMAN, Selma; COSTA, Victor Bernardes Barroso da. A
saúde do trabalhador em tempos de COVID-19: reflexões sobre saúde, segurança e terapia
ocupacional. Revista Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, v.28, n.3, São Carlos
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hermenêutica: anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos – mestrado e
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desastres naturais, as mudanças climáticas e o papel do direito ambiental. Revista de
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CASTRO, Sílvia Regina Barbosa de Castro; GAMA, Elce Marilia Silva F.; SANTI, Márcia de
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176
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Coronavirus Disease 2019 (COVID-19). Disponível em: https://www.who.int/docs/default-
source/coronaviruse/who-china-joint-mission-on-covid-19-final-report.pdf. Acesso em: 03
mai. 2020.
178
RESUMO
O presente artigo tem como pretensão analisar a legitimidade dos empregadores para
solicitar de seus empregados a realização de exames ou vacinas destinadas ao diagnóstico e
prevenção do covid-19 (sarscov 2), bem como, as providências que os empregadores poderão
adotar visando a persuasão de seus empregados a aderirem as políticas públicas de vacinação e
a possibilidade de exigência da realização de exames ou vacina como requisito para contratação
ou manutenção do vínculo empregatício. O Supremo Tribunal Federal, após analisar o art. 3º
da Lei 13.979/2020 declarou a constitucionalidade da obrigatoriedade da vacinação, entretanto
estabelecendo diferenciação vacinação obrigatória e forçada, pois a segunda se limita a
aplicação de mecanismo de coerção indireta. Entretanto seriam os empregadores também
legitimados para estabelecer tais critérios de coerção indireta no âmbito de suas empresas para
a realização de exames, vacinação entre outras medidas previstas na legislação como
obrigatórias, tal questionamento será o tema central do presente artigo. Temática que será
analisada desde o plano normativo que regulamentou a obrigatoriedade das medidas e as ações
que tramitaram no âmbito do supremo tribunal federal declarando sua constitucionalidade
legitimando a obrigatoriedade da realização de vacinas e exames. Bem como, propondo a
ponderação entre os direitos fundamentais liberdade individual, religiosa e de crença do
empregado que eventualmente o motive a não se vacinar e os direitos sociais a saúde e ao
ambiente de trabalho seguro, este último com uma dimensão dúplice de dever do empregador
e direito dos demais empregados.
INTRODUÇÃO
1
Mestrando em Direito e Justiça Social pela Universidade Federal do Rio Grande FURG, Especialista em Processo
Civil pelo Centro Universitário Dom Bosco UniDomBosco, Graduado em Direito pela Universidade da Região da
Campanha URCAMP, Advogado OAB 119.141/RS E-mail: gabrielq678@gmail.com
179
O Supremo Tribunal Federal nos autos das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 6586
e 6887 e do Recurso Extraordinário com Agravo 1267879, declarou a constitucionalidade da
obrigatoriedade da vacinação e realização de exames para covid-19 (sarscov 2), conforme
redação do art. 3º da Lei 13.979/2020.Inclusive a corte realizou interpretação do disposto legal
conforme a constituição, especificando a dimensão do termo “obrigatoriedade” o diferenciando
da realização forçada dos procedimentos. Tal diferenciação tem como base as formas de coação
permitidas. Enquanto a obrigatoriedade se limita a concessão aos entes federados disciplinarem
formas de coação indiretas como a restrição ao acesso a serviços, limitação de acesso a
determinados locais, multas, restrições de direitos. A aplicação forçada, inconstitucional, seria
a utilização de mecanismo diretos de coação caracterizados pelo uso da força.
deverá ser posta com base no critério da ponderação proposto por Robert Alexy, visando a
máxima efetividade dos direitos fundamentais e o sacrifício mínimo do direito que não
prevalecer diante da colisão.
A lei 13.979/20202 tem como objetivo disciplinar matérias relevantes referentes a saúde
pública no período de crise em decorrência da pandemia que teve início em 2019 e perdura até
o presente momento. Tendo em vista que saúde é uma das matérias cuja competência normativa
é concorrente de todos os entes federativos conforme a constituição “Art. 24. Compete à União,
aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: XII - previdência social,
proteção e defesa da saúde;”3. Cabe a união estabelecer diretrizes gerais visando a promoção e
regulamentação da matéria enquanto os estados traçam as políticas públicas no âmbito regional
e os municípios no âmbito local. A lei 13.979/2020 em seu art. 3º ao disciplinar a
obrigatoriedade da realização de vacinas e exames contra o covid-19 (sarscov 2) preconiza esse
aspecto do sistema federativo. Estabelecendo tão somente diretrizes gerais como a possibilidade
da realização das seguintes medidas no período de pandemia em prol da saúde pública e da
prevenção e combate ao vírus:
2
BRASIL. Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência
de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.
Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979.htm> Acesso em: 25fev.
2021.
3
BRASIL.Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República,
Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm> Acesso em: 25fev. 2021.
181
4
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre:. in: CANOTILHO, J.J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK
Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva: Almedina, 2013.p. 1464
5
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 6.341, Relator Ministro Ricardo Lewandowski Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6341.pdf>. Acesso em: 25 fev. 20221
182
O dispositivo legal refere que as autoridades poderão adotar as seguintes medidas, sendo
assim interpretando a norma sob uma perspectiva administrativista em que autoridade seriam
as autoridades públicas ou adotando método hermenêutico restritivo. Não seria adequado
afirmar que o empregador tenha como prerrogativa exigir a vacinação ou realização de exames
como critério de contratação ou manutenção do vínculo empregatício.
6
MELLO, Celso Antônio Bandeira de; Curso de Direito Administrativo, 27 Edição. — São Paulo: Malheiros.
2010. p. 776
7
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 6.587, Relator Ministro Ricardo Lewandowski Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6341.pdf>. Acesso em: 25 fev. 20221
8
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 6.586, Relator Ministro Ricardo Lewandowski Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6341.pdf>. Acesso em: 25 fev. 20221
183
O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente a ação direta, para conferir
interpretação conforme à Constituição ao art. 3º, III, d, da Lei nº 13.979/2020, nos
termos do voto do Relator e da seguinte tese de julgamento: “(I) A vacinação
compulsória não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do
usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais
compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à
frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes,
e (i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, (ii)
venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e
contraindicações dos imunizantes, (iii) respeitem a dignidade humana e os direitos
fundamentais das pessoas, (iv) atendam aos critérios de razoabilidade e
proporcionalidade e (v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente; e (II)
tais medidas, com as limitações acima expostas, podem ser implementadas tanto pela
União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas
esferas de competência”. Vencido, em parte, o Ministro Nunes Marques. Presidência
do Ministro Luiz Fux. Plenário, 17.12.2020 (Sessão realizada inteiramente por
videoconferência - Resolução 672/2020/STF).
Além das normas fixadas pelo Estado por meio do Poder Legislativo, outras, oriundas
da autonomia privada coletiva, consubstanciadas em acordos e convenções coletivos
de trabalho, podem estabelecer direitos e obrigações aos atores contratuais, mesmo
contra suas vontades.Isto se dá pelo fato de que os instrumentos normativos advindos
do processo de negociação coletiva empregam-se erga ornnes nas respectivas
categorias; essa aplicação involuntária decorre da representação legai da categoria
9
GUBERT, Maria Beatriz Vieira da Silva. Sobre a obrigatoriedade da vacinação de empregados contra a Covid-
19. 2021. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-jan-21/maria-gubert-obrigatoriedade-
vacinacaoempregados> Acesso em: 25 fev. 2021
10
BRASIL.Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República,
Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm> Acesso em: 25fev. 2021.
185
Assim, tendo como base uma interpretação restritiva da lei 13.979/2020, bem como, da
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal com relação a obrigatoriedade de vacinação e
realização de exames. A interpretação adequada é no sentido da necessidade de regulamentação
específica, no âmbito de qualquer ente federativo, concedendo o direito ao empregador de exigir
exames ou vacinação em caráter obrigatório, entretanto havendo omissão estatal a norma
poderá ser proveniente da autonomia privada em decorrência de convenções coletivas.
11
HINZ, Henrique Macedo Direito coletivo do trabalho. São Paulo. Saraiva, 2005. p. 25
12
SANTOS, Boaventura de Sousa. A cruel pedagogia do vírus. 2020. p. 8
186
não é um mero problema de saúde individual, mas social inexoravelmente a pessoa que contrair
o vírus contaminará tantas outras com que se relaciona diariamente e até mesmo seu núcleo
familiar, portanto a cooperação ganha especial relevância no combate a essa doença.
Contudo, embora uma quarentena temporária seja essencial para deter epidemias, o
isolamento prolongado conduzirá ao colapso econômico sem oferecer nenhuma
proteção real contra doenças infecciosas. Muito pelo contrário. O verdadeiro antídoto
para epidemias não é a segregação, mas a cooperação.14
13
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15º edição. Belo Horizonte. Malheiros. 2004. p. 570.
14
HANARI, YuvalNoah. Na batalha contra o coronavírus, faltam líderes à humanidade. Tradução de Odorico
Leal. Companhia das letras. 2020.
187
colaborar mutuamente para propiciar um ambiente seguro para todos e assim garantir sua
segurança biológica e assegurar os direitos individuais a saúde, reduzindo o risco biológico de
contágio do coronavírus, e consequentemente tal solidariedade irradiará colaborando com toda
a sociedade.
Considerando que nenhuma das vacinas possui eficácia de 100%, bem como, não há
grupos que não podem receber a vacina como gestantes, crianças e pessoas que possuem
alergias aos componentes utilizados na confecção das vacinas, a vacinação torna-se uma
questão de saúde pública e impondo aqueles que podem vacinar-se o dever de solidariedade
para que atinjamos a “imunização do rebanho” protegendo assim toda a sociedade dessa
ameaça.
Assim, vacinar-se é uma questão de saúde pública para controle epidemiológico, pois,
considerando que a vacina em alguns casos não surte efeitos, bem como que há
determinados grupos que não podem ser vacinados em situações particulares
(crianças, idosos, grávidas ou imunodeprimidos dependendo de qual o imunizante), é
extremamente importante que todos aqueles que possam ser imunizados assim o
façam para garantir uma proteção coletiva (a tão falada imunidade de rebanho). 15
15
LEITE, Jorge Batalha. A vacina e a relação de emprego: sobre a exigência de vacinação contra a Covid-19. 2021
Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-jan-08/jorge-leite-vacina-relacao-emprego> Acesso em: 25
fev. 2021
16
BRASIL.Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República,
Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm> Acesso em: 25fev. 2021.
188
CONCLUSÃO
17
BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a consolidação das leis do trabalho. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm> Acesso em: 25 fev. 2021
189
Embora a mera ponderação possa levar a uma resposta positiva quanto a legitimidade
do empregador para exigir em caráter obrigatório a realização de exames e vacinação de seus
empregados. Há opções cuja legitimidade seria inquestionável, como a regulamentação
legislativa prevendo a possibilidade da exigência da realização de exames ou vacinas como
pressuposto para contratação ou manutenção do vínculo empregatício, norma que poderia
emanar de qualquer ente federado, em decorrência do caráter concorrente da competência
legislativa quanto a saúde pública. Ou ainda poderiam ser realizadas convenções coletivas com
os sindicatos de empregados de categorias específicas, cuja função pressupõe a aglomeração
nos locais de trabalho para traçar diretrizes de forma democrática e participativa
regulamentando com caráter vinculante para empregados e empregadores deveres recíprocos
quanto a realização de exames vacinação como requisitos de contratação e manutenção do
vínculo empregatício. Bem como outras diretrizes que possam propiciar um ambiente de
trabalho mais seguro e prevenir a contaminação pelo covid-19 (sarscov 2). Diferentemente da
ponderação realizada exclusivamente pelo empregador, a convenção coletiva possui caráter
normativo vinculante entre as partes, além de estar baseada em preceitos democráticos visando
o bem comum, podendo assegurar a proteção de toda uma categoria profissional em detrimento
de eventuais convicções pessoais de alguns trabalhadores.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal
legislar concorrentemente sobre:. in: CANOTILHO, J.J. Gomes; MENDES, Gilmar F.;
SARLET, Ingo W.; STRECK Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São
Paulo: Saraiva: Almedina, 2013.
190
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 6.341, Relator Ministro Ricardo Lewandowski
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6341.pdf>.
Acesso em: 25 fev. 20221
_______. Supremo Tribunal Federal. ADI 6.587, Relator Ministro Ricardo Lewandowski.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6341.pdf>.
Acesso em: 25 fev. 20221
________. Supremo Tribunal Federal. ADI 6.586, Relator Ministro Ricardo Lewandowski .
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6341.pdf>.
Acesso em: 25 fev. 20221
HINZ, Henrique Macedo. Direito coletivo do trabalho. São Paulo. Saraiva, 2005.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de; Curso de Direito Administrativo. 27 Edição.São Paulo:
Malheiros. 2010.
ABSTRACT
Communication and information technologies revolutionize people's lives and are always
being reinvented. Communication allows the connection through various technologies (cell,
email, whatsApp etc) and this combined with information technology allows the news to circulate
the world and arrive instantly at all. Work contracts have always been closely related to the
technologies, since they facilitate communication between employee and employer. A new tool
that has revolutionized employment relations are WhatsApp working groups, which by the
absence of regulation, invade the worker's private life, causing problems in family life, health and
intimacy, withdrawing the right to leisure, as they promote the hyperconnection of the worker
with his work contract.
1
Doutora em Direito pela PUCRS. Mestre em Relações do Trabalho pela Universidade de Caxias do Sul – UCS.
Diretora de Cursos na Escola Superior da Advocacia – ESA OAB/RS. Coordenadora e Professora da Graduação na
IMED/Porto Alegre. Advogada. E-mail: mariaclaudia@feltenadvogados.com.br.
192
INTRODUÇÃO
A tecnologia sempre esteve presente na vida dos trabalhadores e das empresas, trazendo
mais benefícios do que malefícios. As tecnologias da comunicação e da informação cada dia
apresentam novas ferramentas, fazendo com que as leis não consigam acompanhar direitos que
podem ser violados, através do mau uso dessas.
O telefone celular é uma tecnologia que abrevia distâncias, tempo e permite que as
pessoas se comuniquem em qualquer lugar, a qualquer hora. Logo, é uma ferramenta que
incrementa as relações de trabalho, auxiliando no processo produtivo das empresas, de forma
mais ágil e mais barata.
Contudo, o telefone celular permite que o empregador contate o empregado mesmo após
a jornada de trabalho, pois o trabalhador hoje é um ser conectado ao mundo globalizado, é um
cibertrabalhador, que tem celular e internet, e faz uso deles sempre que lhe convém.
Uma nova ferramenta que veio facilitar ainda mais a comunicação via telefone celular é
WhatsApp, que logo permitiu que o empregador criasse a figura dos “grupos de trabalho do
WhatsApp”. O mau uso destes pelos empregadores causa a hiperconexão do trabalhador e viola
os direitos fundamentais à privacidade, ao lazer, ao repouso e à saúde, pois o empregado
permanece conectado com seu contrato de trabalho 24hs por dia, sábados, domingos e feriados.
2
A Revolução Industrial foi de 1930 a 1956.
193
para operar. Neste contexto, o surgimento nas fábricas causou desemprego, jornadas de trabalho
exaustivas e precariedade no ambiente laboral.
3
HASSAN, Robert. The Information Society. Cambridge: Polity, 2008, p. 38 e 39.
4
FINCATO, Denise. Teletrabalho: uma análise juslaboral, p. 46. STURMER, Gilberto (Org.). Questões
controvertidas de Direito do Trabalho e outros estudos. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006.
5
FINCATO, Denise. Trabalho e tecnologia: reflexões, p. 9-12. FINCATO, Denise; MATTE, Maurício;
GUIMARÃES, Cíntia (Org.). Direito e tecnologia: reflexões sociojurídicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado
editora, 2014.
6
WhatsApp é um software utilizado para troca de mensagens de texto instantaneamente, vídeos, fotos e áudios,
através de uma conexão a internet. O Whatsapp foi lançado em 2009, pelo Yahoo, atualmente seu proprietário é o
Facebook. Sua sede é em Santa Clara, na Califórnia, Estados Unidos.
194
Mas o certo é que as empresas encontraram um grande aliado nas tecnologias para
manterem-se permanentemente em contato com o seu empregado e exigirem que este esteja
sempre informado. Elas, pelo telefone celular e internet, obtêm esta conexão gratuitamente e de
forma instantânea lançam tudo que é tipo de informação.
7
CASTELLS, Manuel. La era de La información. La sociedad red, volume 1. 2ª edição. Madrid: Alianza Editorial,
2001, p. 313-314.
8
LEMOS, André; LÉVY, Pierre. O futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia. São Paulo: Paulus,
2010, p. 19 e 25.
9
BECKER, Maria Lúcia. Inclusão digital e cidadania: as possibilidades e as ilusões da “solução” tecnológica.
Ponta Grossa: editora UEPG, 2009, p. 139.
10
CEBRIÁN, Juan Luis. A rede. Tradução de Lauro Machado Coelho. Volume 59. São Paulo: Summus, 1999, p.
109.
195
A dependência do empregado, pelo menos a jurídica, deve ser relativizada, uma vez que
a cibercultura permite que a personalidade do trabalhador se desenvolva de forma mais rápida e
autônoma. Ele se tornou um cidadão global, onde a informação não tem fronteiras. Com as
tecnologias da comunicação, o empregado desenvolveu sua capacidade cognitiva, de modo que o
empregador dá as ordens por e-mail, telefone, WhatsApp e mensagem eletrônica. Até porque
muitas vezes o trabalho é prestado fora da sede do empregador, num ambiente virtual que pode
ser até mesmo no domicílio do empregado.
11
Art. 6o,, caput. Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no
domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de
emprego.
196
permanentemente conectado ao trabalho, pois quando inicia sua jornada já precisa ter
conhecimento do que foi lhe enviado por e-mail e WhatsApp.
Há quem defenda uma intervenção direta e indireta para garantir uma proteção
socioambiental, cultural e econômica, evitando as consequências negativas dos sistemas
tecnológicos hipertrofiados frente às sociedades12. Não há razão, porém, para impedir que o
empregador utilizasse estas ferramentas, pois tornam mais dinâmico o processo produtivo.
Incumbe ao Estado regulamentar o uso das novas ferramentas, para que direitos fundamentais do
trabalhador não sejam violados, sob pena de o Poder Judiciário trabalhista definir os limites desta
conexão.
O WhatsApp tem revolucionado o mundo globalizado, por ser uma forma gratuita e
rápida de comunicação, através do telefone celular. É possível trocar mensagens de texto, vídeos,
fotos, etc., em fração de segundos.
12
MOLINARO, Carlos Alberto. RUARO, Regina. Acoplamento entre Internet e Sociedade - Coupling between
Intern et and Society. Revista da AGU, Brasília-DF, ano XIII, n. 40, p. 37-58, abr./jun. 2014, p. 39.
13
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTr, 2012, p.299.
197
14
CASTELLS, Manuel. La era de La información. La sociedad red, p. 445-449.
15
FINCATO, Denise. MATTE, Mauricio. GUIMARÃES, Cíntia (Org.). Direito e Tecnologia: Reflexões
sociojurídicas, p. 15.
198
O tempo de trabalho pode ser visto como um dos bens sociais mais fundamentais. O
trabalhar não é só o desincumbir-se de uma obrigação, mas também o exercício de um direito
fundamental, não podendo servir somente aos interesses do empregador, sem conexão com as
demais dimensões da vida do trabalhador e com a própria complexidade do trabalhar. O tempo
16
De autoria da Senadora Vanessa Graziottin.
17
Lei n° 12.965, de 23 de abril de 2014.
18
Recurso Ordinário n° 0021248.53.2014.5.04.0015, da 6ª Turma do TRT4, Redator Desembargador Raul Zoratto
Sanvicente, julgado em 24/06/2016. Recurso Ordinário n° 0001025.12.2014.5.04.0102, da 11ª Turma do TRT4,
Redatora Desembargadora Maria Helena Lisot, julgado em 04.02.2016. Recurso Ordinário n°
0000896.14.2012.5.04.0381, da 5ª Turma do TRT4, Redatora Desembargadora Berenice Messias Corrêa, julgado em
05.05.5016.
199
19
WANDELLI, Leonardo Vieira. O Direito Humano e Fundamental ao Trabalho: Fundamentação e
Exigibilidade. São Paulo: LTr, 2012, p. 324 e 325.
20
WANDELLI, Leonardo Vieira, p. 325.
200
conversas, deixa de organizar sua própria existência. Em outras palavras, o empregado deixa de
ser um cidadão do mundo e autônomo, pois fica refém do seu próprio telefone celular. Neste caso,
a violação da dignidade humana pressupõe a violação de direitos fundamentais.
A hiperconexão decorrente do uso dos grupos de trabalho do WhatsApp, após a jornada
de trabalho, viola os direitos fundamentais à privacidade, ao repouso, à saúde e ao lazer, inerentes
à dignidade do trabalhador. E poderá haver outros, em consequência da abertura material dos
catálogos de direitos fundamentais (art. 5°, § 2°, da CF). As tecnologias da comunicação e
informação constantemente apresentam novas ferramentas, que fazem surgir novas nuances de
direitos fundamentais, citando-se como exemplo o próprio WhatsApp, que existe há menos de
dez anos.
Durante o restante do tempo de trabalho fora da esfera de controle presencial ou à
distância do empregador, que não é mensurável e hoje é inteiramente ignorado pelo Direito do
Trabalho, há de se criarem formas de limitar (a eliminação é impossível, no capitalismo) a
apropriação indiscriminada e sem peias da subjetividade do trabalhador, que subsume inclusive
todo o tempo que é juridicamente considerado como tempo de descanso e lazer21.
O artigo 5°, inciso X, da CF, dispõe sobre o direito fundamental à inviolabilidade da vida
privada, que assegura os direitos fundamentais à privacidade, intimidade e à inviolabilidade das
correspondências.
Samuel Warren e Louis Brandeis, sensíveis aos efeitos que o avanço tecnológico poderia
provocar na vida das pessoas teriam sido os primeiros a tratar da privacidade, através do artigo
“The right to privacy”, publicado na Harvard Law Review, em 1890. O direito à privacidade, ao
tempo de sua concepção, era marcado por um individualismo exagerado, que poderia ser
traduzido no right to be let alone22. A primeira ideia de privacidade é o direito a ser deixado
sozinho, em paz, tranquilo.
21
WANDELLI, Leonardo Vieira, p. 326.
22
DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 8-10.
201
Nos dias atuais, a privacidade não deixa de ser o direito de se estar só e de se ser deixado
só, no sentido de viver sem ser molestado pelo Estado e por terceiros no que toca aos aspectos da
vida pessoal e familiar23.
Ideia esta que é difundida até hoje quando se fala de privacidade, mas com as tecnologias
da comunicação e informação é difícil imaginar o right to be let alone. Nesta perspectiva, deve
ser lido e pensado juntamente com a dignidade da pessoa humana, de modo que é a pessoa quem
irá escolher o quanto sozinha e em paz quer ficar. O quanto deixará as novas tecnologias
adentrarem a sua vida íntima.
23
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional,
4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 440-441.
24
RUARO, Regina Linden. O conteúdo essencial dos direitos fundamentais à intimidade e à vida privada na
relação de emprego: o monitoramento do correio eletrônico pelo empregador, p. 227-228. SARLET, Ingo
Wolfgang (Org.). Direitos fundamentais, informática e comunicação: algumas aproximações. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2007.
25
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito contemporâneo do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 476.
202
Se há trabalho, ele toma um tempo de quem vai prestá-lo, logo é impossível trabalhar
sem dedicar um tempo a esse trabalho. Esse tempo pode até ser determinado por mim, mas sempre
deverá existir, para que o trabalhador saiba o tempo que tem que destinar para o trabalho. O
trabalho é correlato ao descanso. Trabalha-se e se descansa. Assim, a atividade do empregado
pressupõe sempre períodos de descanso, maiores ou menores, porque há descansos diários
chamados intervalos, descansos semanais denominados repousos semanais. Essas figuras
integram os direitos das condições de trabalho porque é uma necessária pausa nas atividades de
alguém para recompor as energias e voltar em condições razoáveis a ovacioná-las novamente para
produção dos resultados exigidos pelo empregador26.
Desta forma, como o empregado tem um horário de trabalho a cumprir, seja na sede do
empregador, no seu domicilio ou em ambiente externo, tem o direito fundamental a repousar
também, por um tempo determinado. O Direito do Trabalho atento a este direito fundamental,
criou duas formas de repouso, a primeira que é o intervalo interjornada de no mínimo onze horas
entre uma jornada de trabalho e outra27 e o segundo que é o direito a no mínimo um repouso
semanal de 24 horas, preferencialmente aos domingos28. Os grupos de trabalho do WhatsApp
ignoram o direito fundamental ao repouso, uma vez que o trabalhador permanece conectado ao
contrato de trabalho através do telefone celular.
A conexão nos horários destinados ao repouso ocasiona a hiperconexão, a qual pode
ocasionar problemas de saúde ao trabalhador, em especial, as doenças psíquicas, como o stress,
depressão, síndrome do pânico. Afora isso, há o prejuízo no contexto familiar, pois não pode
dedicar-se a família, porque precisa dividir o tempo com o trabalho, ainda que esteja no período
de repouso.
26
NASCIMENTO, Amauri Mascaro, p. 480-481.
27
O artigo 66 da CLT dispõe sobre o intervalo interjornada.
28
Lei n° 605/1949 que dispõe acerca do repouso semanal remunerado.
29
Ainda o art. 196 da CF dispõe que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais
e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações
e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
203
daí o conceito de “trabalho digno” como aquele que permite melhor a expressão dos valores
intersubjetivos do trabalhador30.
30
JOSÉ FILHO, Wagson Lindolfo. Proteção ao trabalho em face da automação: fronteiras da inovação tecnológica.
Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 21, n. 4820, 11 set. 2016. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/35702>.
Acesso em: 27 nov. 2016.
31
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Meio ambiente do trabalho em face do direito ambiental brasileiro. Artigo
publicado no site do Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente – NIMA, da PUCRIO. Disponível em
http://www.nima.puc-rio.br/aprodab/artigos/celso_antonio_pacheco_fiorillo.pdf, acesso em 29112016.
32
OLIVEIRA SILVA, José Antônio Ribeiro de. A saúde do trabalhador como um direito humano. Revista do
Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n° 31, ano 2007, p. 131.
204
O empregado está inserido na dinâmica empresarial, que faz uso irrestrito das tecnologias
da comunicação e informação. Todavia, duas questões devem ser observadas, o direito
fundamental à saúde do trabalhador, que transpassa a livre iniciativa do empregador, e o papel do
Estado, que deve garantir a proteção em face da automação, impondo limites ao uso desenfreado
de tecnologias.
O direito ao lazer34 não tem seu conteúdo definido pelo texto constitucional. Apesar
disso, a relação com diversas normas constitucionais de cunho protetivo permite que se infira uma
função essencialmente protetiva do direito ao lazer, no sentido de resguardar o aspecto mais lúdico
da vida humana, impondo ao poder público a obrigação de assegurar as condições que viabilizem
o acesso e o exercício de atividades de lazer pela população. O direito ao lazer retoma, assim, o
conteúdo de saúde como “estado de completo bem-estar físico, mental e social” (Organização
Mundial da Saúde), perpassando garantias específicas sobre a saúde dos trabalhadores, por
exemplo: repouso semanal, limitação de jornada de trabalho e justificando, por isso, que possa
integrar o conteúdo do mínimo existencial e da própria vida com dignidade, já que inerente à vida
com (alguma) qualidade35.
Como pode ser observado, o trabalhador tem o direito a repousar (descansar) para que
possa escolher qual o lazer que vai querer fazer uso, seja relacionado à cultura, desporto,
educação, etc. Quando o empregador descumpre com estes dois direitos fundamentais sociais,
está afetando a saúde do trabalhador e invadindo a sua esfera privada. Por consequência, o
empregado deixa de ter uma vida digna e o acesso ao mínimo existencial pode deixar de ocorrer,
pelo menos de forma plena.
As prestações abrangidas pelo mínimo existencial devem assegurar os recursos materiais
necessários para que o indivíduo leve uma vida saudável, além de propiciar e promover sua
33
OLIVEIRA SILVA, José Antônio Ribeiro de. A saúde do trabalhador como um direito humano, p. 131-132.
34
É um dos direitos fundamentais sociais elencados no artigo 6° da CF.
35
SARLET, Ingo Wolfgang, p. 548. CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo
Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz. Comentários a Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013.
205
36
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de
1988, 8ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 70.
37
CORDEIRO, Karina da Silva. Direitos fundamentais sociais: dignidade da pessoa humana e mínimo
existencial, o papel do Poder Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 118.
38
É um direito fundamental disposto no artigo 5°, inciso XXII, da CF.
39
É um princípio constitucional que serve de fundamento do Estado Democrático de Direito (artigo 1°, inciso IV, da
CF) e da Ordem Econômica (artigo 170, caput, da CF).
40
HAINZENREDER JÚNIOR, Eugênio. O poder diretivo do empregador frente à intimidade e a à vida privada do
empregado na relação de emprego: conflitos decorrentes da utilização dos meios informáticos no trabalho, p. 64.
STURMER, Gilberto (Org.). Questões controvertidas de Direito do Trabalho e outros estudos. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2006.
41
HAINZENREDER JÚNIOR, Eugênio, p. 66.
206
42
COMPARATO, Fábio Konder. Função Social da propriedade dos bens de produção. In: Direito empresarial:
estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva: 1995, p. 34.
43
FACCHINI NETO, Eugênio. ANDRADE, Fábio Siebeneichler de. A Funcionalização do Direito: A Empresa e
sua Função Social, p. 17. STEINDORFER, Fabriccio. MIZUTA, Alessandra (coord.). Limitações constitucionais
ao exercício da atividade econômica. Curitiba: Juruá, 2016.
44
COMPARATO, Fábio Konder, p. 32.
45
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, 17ª edição. São Paulo: Malheiros, 2015, p.
203-205.
207
Por outro lado, não há como desprezar que o WhatsApp é uma ferramenta tecnológica
que revolucionou as relações jurídicas, abreviando distâncias e tempo e facilitando a
comunicação. Logo, os grupos de trabalho do WhatsApp aceleram o processo de produção e
desenvolvimento das empresas, o que beneficia os trabalhadores, que terão seus postos de
emprego mantidos e poderão crescer junto com o empregador. Por isso, a melhor forma de
resolver o conflito entre direitos fundamentais e princípios constitucionais é a ponderação de bens.
A ponderação de bens consiste num método destinado a atribuir pesos e elementos que
se entrelaçam, sem referências a pontos de vista materiais que orientem esse sopesamento. Fala-
se, aqui e acolá, em ponderação de bens, de valores, de princípios, de fins, de interesses. Por isso,
ela deve ser estruturada com a inserção de critérios, com os postulados da razoabilidade e de
proporcionalidade e direcionar a ponderação mediante utilização dos princípios constitucionais
fundamentais46. É necessário separar os elementos que são objeto de ponderação, a fim de que se
perceba quais os bens jurídicos, interesses e valores, que estão protegendo para, a partir disso,
utilizar a proporcionalidade para a verificação do que se vai preservar, sempre buscando a
realização máxima dos valores.
46
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 16ª edição. Porto
Alegre: Malheiros, 2015, p. 185.
47
FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito, 5ª edição. Porto Alegre: Malheiros, 2010, p. 224.
48
ÁVILA, Humberto, p. 188.
49
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional,
4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 217.
208
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desta forma, a internet e o telefone celular foram inseridos como ferramentas de trabalho
tão logo chegaram ao mercado. E novos institutos surgiram, por exemplo, o sobreaviso, assim
como o poder de comando do empregador incluiu novas formas de controle, através dos meios
telemáticos e informatizados.
209
Por outro lado, há de ser ressaltado que o trabalhador contemporâneo não é mais aquele
de quando foi aprovada a CLT, que era uma pessoa vulnerável, com pouco acesso à informação.
O trabalhador atual é um cibertrabalhador, que tem telefone celular e internet, que se considera
cidadão do mundo, afinal acompanha as notícias do mundo. Ele participa de redes sociais, se
comunica sem dificuldades, portanto é um ser mais intelectualizado e comunicativo. Claro que
há críticas sobre o que o trabalhador lê na internet, mas isso é outro aspecto, que não tira a
grandeza do que o celular e a internet proporcionaram aos assalariados.
210
Nesse contexto, precisa ser regulamentado o uso das novas ferramentas, observando o
direito de propriedade e a livre iniciativa do empregador. O Estado não pode intervir no negócio
do empregador e proibir o uso de tão grandiosa ferramenta, mas também não deve tolerar que o
empregado seja submetido à hiperconexão. São princípios constitucionais e direitos fundamentais
em conflito, em que a melhor solução é a ponderação.
Incumbe ao Estado regulamentar, por fim, o bom uso dos grupos de trabalho do
WhatsApp pelo empregador. As entidades sindicais também poderiam exercer seu dever
constitucional e através da autonomia coletiva que gozam regulamentar o uso em suas normas
coletivas. Talvez seja o mais ideal, pois poderiam ouvir os envolvidos e tentar agregar ao máximo
seus interesses na hora de redigir a cláusula que regulamentaria a matéria. Independentemente de
quem for regulamentar a matéria, o certo é que o capital e o trabalho precisam andar juntos para
crescerem e se desenvolverem, não havendo razão para impedir o uso dos grupos do WhatsApp,
já que se trata uma excelente ferramenta de comunicação e informação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 16ª
edição. Porto Alegre: Malheiros, 2015.
CEBRIÁN, Juan Luis. A rede. Tradução de Lauro Machado Coelho. Volume 59. São Paulo:
Summus, 1999.
211
COMPARATO, Fábio Konder. Função Social da propriedade dos bens de produção. In: Direito
empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva: 1995.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTr, 2012.
DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Meio ambiente do trabalho em face do direito ambiental
brasileiro. Artigo publicado no site do Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente – NIMA, da
PUCRIO. Disponível em http://www.nima.puc-
rio.br/aprodab/artigos/celso_antonio_pacheco_fiorillo.pdf, acesso em 29 nov. 2016.
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, 17ª edição. São Paulo:
Malheiros, 2015.
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OLIVEIRA SILVA, José Antônio Ribeiro de. A saúde do trabalhador como um direito humano.
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n° 31, ano 2007.
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito
Constitucional, 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015.
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Fernando Clamer dos; SEVERO, Valdete Souto. CLT comentada. São Paulo: LTr, 2015.
TORRES, Ricardo Lobo. O Direito ao Mínimo Existencial, 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Renovar,
2009.
RESUMO
O teletrabalho é resultado do avanço tecnológico, o qual trouxe diversas mudanças na
forma de viver, se relacionar, estudar e também de trabalhar.Na pandemia essa transformação
e dependência ficou clara, mas o questionamento é se as relações de trabalho seguirão nesta
forma de alta conectividade ou se de fato o trabalho necessita ser desenvolvido em coletividade
e nas dependências da empresa, ou se melhor alternativa é ser adotado a forma híbrida, a qual
oferece ambas modalidades em alternância. Com isso, o direito não pode ficar estagnado, pelo
contrário tem de acompanhar a transcendência da humanidade para poder apresentar normas
que assegurem os direitos dos trabalhadores e que não aja flexibilização de forma livre como
justificativa para amenizar ou evitar colapso econômico no país, pois não podea mão de obra
que ser assemelhadaà máquina, a qual pode ser facilmente substituída ou descartada, mas sim,
de seres humanos com limitações e singularidade. A evolução é inevitável, porém há a
possibilidade de decidir de como utilizá-la se em favor da proteção dos mais frágeis ou de uma
minoria detentora do poder. Assim, esta forma de trabalho que não era tão usual acabou sendo
uma necessidade, mas que pode vir a ser uma opção viável para empregado e empregador.
Palavras chave: Teletrabalho, pandemia, dignidade da pessoa humana, trabalho.
INTRODUÇÃO
O ano de 2020 iniciou com a notícia de um vírus nomeado como SARS-CoV-2 (Covid-
19), o qual iria modificar a rotina, modo de interação em sociedade e as inúmeras precauções
para evitar a disseminação e o contágio.
No Brasil houve inúmeros impactos para a população e em seu cotidiano, que passou a
higienizar constantemente as mãos e os objetos utilizados, havendo distanciamento entre as
pessoas e até mesmo o isolamento social, tento impacto principalmente na economia, a qual
estava sendo reestabelecida de crises anteriores, trazendo insegurança e medo, tanto pela saúde
quanto pelo seu sustento. E devido a esse denominado “novo normal” houve mudanças tanto
1
Advogada OAB/RS n° 105.722. Mestranda em Direito na Universidade de Passo Fundo (UPF). Especialista em
Direito do Trabalho e Processo do Trabalho (UNINTER). Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais (UPF)
Integrante do Projeto de Pesquisa “Relações de Poder e o poder municipal no Estado brasileiro" (UPF). E-mail:
119314@upf.br
214
ambiente que atendesse as necessidades para o trabalho, tais como; mobilha adequada para
garantir a ergonomia, internet veloz que atendesse as exigências do trabalho, enfim, uma
situação onde empregado e empregador foram surpreendidos. Mas também trouxe novas
oportunidades de desenvolver o trabalho de forma mais telemática.
2
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana
3
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: Uma Teoria Geral dos Direitos Fundamentais
na Perspectiva Constitucional. 10ª edição. Livraria do Advogado, 2009.p. 65-66.
4
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 9ª edição. Saraiva, 2008. p.
111.
5
Artigo 5º- Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
216
todo empregado tem direito a um trabalho digno ao que se refere o local onde exerce suas
atividades laborais quanto ao tratamento do empregador com o empregado6. Para Cleyson de
Moraes Mello e Thiago Moreia o direito do trabalho é pertencente a todos “[...] uma vez que
este é o meio pelo qual o trabalhador poderá prover subsistência de forma digna para si e para
os seus. Daí se pode verificar a estreita vinculação deste direito social com o princípio da
dignidade da pessoa humana.”7
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em seu artigo XXIII, traz a
imprescindibilidade do direito do trabalho, para tanto, resguarda direitos essenciais que garanta
condições dignas para os trabalhadores, dentre os quais, “toda a pessoa tem direito ao trabalho,
à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra
o desemprego; todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual”8.
Para que desta forma, o trabalho seja desenvolvido preservando a igualdade, liberdade, proteção
e dignidade.
XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a
lei estabelecer;
6
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: Uma Teoria Geral dos Direitos
Fundamentais na Perspectiva Constitucional.p.88.
7
MELLO, Cleyson de Moraes. MOREIRA, Thiago. Direitos fundamentais e dignidade da pessoa humana. Rio
de Janeiro: Freitas Bastos, 2015.p. 597.
8
Assembleia Geral das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 10 dezembro. 1948, em
Paris.Disponível em: https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.aspx?LangID=por. Acesso em:
07/09/2020.
9
SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia da Letras, 2000.
217
A sociedade capitalista tem o principal objetivo é adquirir bens materiais, que não são
somente para a sua subsistência, e para conseguir isso é através do trabalho, o qual sempre visa
à proteção do mais frágil da relação contratual que é o trabalhador. Dessa forma, o resguarda
de desigualdades provenientes de sua hipossuficiência e a superioridade do empregador que
detém o poder do capital. Referente a esta temática as obras de Karl Marx estão em constante
reinterpretação as questões do trabalho e do capitalismo, como pode ser analisado:
Com isso, Sarlet diz que “[..] a simples constatação da existência do emprego não é em
si a expressão de dignidade dessa pessoa trabalhadora [...]11”. Ou seja, nem sempre quando o
empregador respeita as normas trabalhistas que são protecionistas se está oportunizando
condições dignas de trabalho, e que após a reforma trabalhista houve flexibilização de certas
normas, se estará fazendo o trabalhador sentir-se membro de uma comunidade e sujeito de
direitos.
O teletrabalho antes das alterações ocorridas na Consolidação das Leis do Trabalho não
havia norma específica regulamentando sua forma e as regras a serem cumpridas pelo
empregado e empregador, o único dispositivo que tratou sobre esta temática, mesmo que de
10
AUGUSTIN, S. (Org.). Direito e marxismo. [recurso eletrônico]. Caxias do Sul: Educs, 2014. p. 105-128.
Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br/. Acesso: 03/09/2020. p.103.
11
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: Uma Teoria Geral dos Direitos
Fundamentais na Perspectiva Constitucional.p.94.
218
forma superficial foi o artigo 6º em seu Parágrafo único12, o qual foi implementado pela Lei nº
12.551/2011, conforme interpreta Delgado (2019, p.1069) “Desse modo, o novo dispositivo da
CLT permite considerar subordinados profissionais que realizem trabalho a distância,
submetidos a meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão.”
Até agora, descrevi as condições habituais dos trabalhadores das fábricas têxteis. No
entanto, uma proporção significativa de pessoas que costuram as peças têxteis
trabalham em casa. Os empregadores geralmente preferem contratar pessoas que
trabalham em casa porque dessa forma eles não têm que pagar um local ou despesas
de infraestrutura, e não são legalmente responsáveis pelas condições de trabalho. Os
trabalhadores, especialmente as mulheres, muitas vezes preferem trabalhar em casa
do que na fábrica, mesmo que seja mal pago, porque permite evitar viagens longas e
tediosas, e ficar com seus filhos e manter aparências diante de seus maridos, que
fingem que suas mulheres não trabalham. No entanto, as pessoas que trabalham em
casa são muitas vezes os piores salários e se autoimpõe uma jornada mais longa.
(tradução da autora)13
Com isso, fica evidenciado que esta forma de trabalho sem regulamentação é prejudicial
ao trabalhador, que além da jornada de trabalho ser mais extensa, sua remuneração é menor e
que muitas vezes não necessita fornecer o instrumento de trabalho e tão pouco indenizar os
gastos com a infraestrutura, sendo assim, o ônus das despesas fica a cargo do trabalhador. Já a
forma de home-office ou o novo trabalho no domicilio é desenvolvido através da utilização de
12
Art. 6º Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio
do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.
Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para
fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.
13
YOUNG, Iris Marion. Responsabilidad por la justicia. Traducción MimiagaBremón y RocFilellaEscolá.
Madrid: Morata, 2011.p.138.Original: “Hasta ahora he descrito las condiciones habituales de los trabajadores de
las fábricas textiles. Sin embargo, una proporción significativa de personas que unen las piezas textiles trabajan
desde su casa. Los empleadores a menudo prefieren contratar personas que trabajen en su domicilio porque de esta
manera notienen que pagar un local ni gastos de infraestructura, y no son legalmente responsables por las
condiciones laborales. Los trabajadores, en especial las mujeres, a menudo prefieren trabajar en casa que en la
fábrica, aunque esté peor pagado, porque les permite evitar viajes largos y tediosos, y quedarse con sus hijos y
guardar las apariencias ante sus maridos, quienes fingen que sus mujeres no trabajan. No obstante, las personas
que trabajan en su domicilio son a menudo las peor pagas y se auto imponen una jornada más larga.”
219
Marcelo Rodrigues Prata traz pesquisa realizada pela SAP Consultoria em Recursos
Humanos, referente ao home office no ano de 2018 no Brasil, onde foram analisados por 315
empresas, das quais; 45% já haviam inserido o teletrabalho, 40% não o adotavam e 15%
consideravam sua utilização. Ainda, a referida pesquisa trouxe outros dados, os quais:
14
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da
reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores. - 18. ed. - São Paulo: LTr, 2019.p.1068.
15
Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:
III - os empregados em regime de teletrabalho.
16
Art. 75-A A prestação de serviços pelo empregado em regime de teletrabalho observará o disposto neste
Capítulo.
Art.75-B Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do
empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que por sua natureza, não se
constituam como trabalho externo.
Parágrafo único. O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas
que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho.
Art. 75-C A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do contrato
individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado.
§1º Poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de teletrabalho desde que haja mútuo acordo entre
as partes, registrado em aditivo contratual.
§2º Poderá ser realizada a alteração entre regime de teletrabalho para o presencial por determinação do
empregador, garantido o prazo de transição mínimo de quinze dias, com correspondente registro em aditivo
contratual.
Art. 75-D As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos
equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como
ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito.
Parágrafo único. As utilidades mencionadas no caput deste artigo não integram a remuneração do empregado.
Art. 75-E O empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às preocupações
a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho.
Parágrafo único. O empregado deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções
fornecidas pelo empregador.
17
MANNRICH, Nelson. A eficácia das medidas previstas nas medidas provisórias 927 e 936/2020 na crise da
Covid-19. In: BELMONTE, A. A.; CARREIRO, L.; FREDIANE, Y. X Congresso Internacional da ABNT:
crise econômica e social e o futuro do direito do trabalho. Anais do Congresso. São Paulo: Matrioska, 2020. p.
133-148.
220
Em relação ao objetivo que as empresas declararam ter com a adoção do home office,
70% delas responderam que buscavam com isso melhorar a vida dos colaboradores,
63% faziam isso pensando na mobilidade urbana (redução de veículos nas ruas,
tempos no trânsito, etc), 47% tem o home office como um benefício concedido para
os empregados, 47% o fazem buscando atração e retenção de talentos, 36% pretendem
com isso a redução de despesas com espaço físico e correlatas, 33% buscam no
teletrabalho um aumento na produtividade, 24% acreditam que esta modalidade reduz
o turnover e o absenteísmo, 19% objetivam colaborar com o meio ambiente reduzindo
congestionamentos e poluição na região. 18
Contudo, a desvantagem para o trabalhador adotar esta forma de trabalho é que seu gasto
com luz, internet tem grande aumento, por estar mais tempo em casa e acaba tendo que arcar
com ônus. Neste ponto acaba sendo muito lucrativo para empregador que deixar de ter gastos
com funcionário em sua empresa e também tem a incumbência de compensar os valores as
despesas decorrentes do teletralho. Desta forma, acaba por haver um impasse, pois o empregado
não deseja aderir a uma forma onde vai ter custos.
18
ALGRANTI, Eduardo. TRIVELATO, Gilmar da Cunha. FILHO, José Marçal Jackson. Silva, Rogério Galvão
da. Benevides, Erika Alvim de Sá. Prevenção à Covid - 19: orientações para a preservação e controle da Covid -
19 nos locais de trabalho. São Paulo: Fundacentro, 2020. Disponível em 13/08/2020.
https://www.gov.br/fundacentro/pt-br/assuntos/noticias/noticias/2020/7/cartilha-da-fundacentro-traz-medidas-de-
prevencao-e-controle-da-covid-19. Acesso em: 10/09/2020.p.226.
19
O Brasil, pelas características de seu mercado de trabalho, possui, na média, um percentual de pessoas em
potencial de teletrabalho de cerca de 22,7%, que corresponde a 20,8 milhões de pessoas. Nota-se, então, que o
Distrito Federal apresenta o maior percentual de porcentual de teletrabalho (31,%) em torno de 450 mil pessoas.
O estado do Piauí é o que apresenta o menor percentual em teletrabalho (15,6%), ou seja, em torno de 192 mil
pessoas poderiam potencialmente estar em trabalho. Disponível em:
https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/conjuntura/200608_nt_cc47_teletrabalho.PDF Acesso
em:20/09/2020.
221
20
grande escala. Para tanto, foi elaborado a Medida Provisória nº 927, de março de 2020 que
dentre as medidas orientadas está o teletrabalho, o qual foi atribuído no Capítulo II.
Tais medidas foram elaboradas para flexibilizar22 em alguns pontos para incentivar a
utilização do teletrabalho durante o decreto de calamidade pública em decorrência do Convid-
19, como forma de promover a manutenção dos trabalhos e evitar que milhões de brasileiros
fossem demitidos em meio a pandemia, em virtude desse medo de não ser mantido no emprego
pode fazer com que o empregado nesta forma de trabalho acabe por ter uma jornada laboral
extensa com poucas pausas para o descanso para poder produzir mais e ter maior efetividade.
Contudo, esse excesso de trabalho ou em condições não salubres pode desencadear vários
problemas de ergonômicos, que inviabilizem o trabalhador de continuar na sua função seja de
forma temporária ou em casos mais graves pode ser permanente, trazendo prejuízos tanto na
vida laboral quanto na vida pessoal, além de ocasionar problemas emocionais.
20
Cabe salientar que a referia Medida Provisória teve seu prazo de vigência encerrado no dia 19 de julho de 2020.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Congresso/adc-92-mpv927.htm, Acesso em
14/09/2020
21
§ 4º Na hipótese de o empregado não possuir os equipamentos tecnológicos e a infraestrutura necessária e
adequada à prestação do teletrabalho, do trabalho remoto ou do trabalho a distância:
I -o empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e pagar por serviços de infraestrutura,
que não caracterizarão verba de natureza salarial; ou
II - na impossibilidade do oferecimento do regime de comodato de que trata o inciso I, o período da jornada normal
de trabalho será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador.
22
Sobre a flexibilização, François Ost traz que “Correspondendo aos imperativos económicos de <gestão em fluxo
tenso> e de adaptação imediata às contingências do mercado, uma nova <flexibilidade> do emprego traduz o
ajustamento reclamado pelo trabalhador aos constrangimentos da sua tarefa, como nas antigas formas de admissão
de pessoal.” (1999, p. 395)
222
CONSIDERAÇÕES FINAIS
23
MARTINS, Soraya Rodrigues. Clínica do Trabalho. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2012.p. 90.
24
GÓES, Geraldo Sandoval. MARTINS, Felipe dos Santos. NASCIMENTO, José Antonio Sena do. Potencial de
teletrabalho na pandemia: um retrato no Brasil e no mundo. Carta de Conjuntura número 47, 2º trimestre de
2020. IPEA. Disponível em:
https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/conjuntura/200608_nt_cc47_teletrabalho.PDF. Acesso em:
20/09/2020.p.6.
223
A Consolidação das Leis do Trabalho foi criada em 1943, com isso, nesta época o
trabalho era desenvolvido de forma presencial e desenvolvida pelos meios disponíveis no
momento, mas havia alguns trabalhadores que tinham a possibilidade de trabalhar em seu
domicilio, como é o caso das costureiras da indústria têxtil, hoje esta modalidade é denominada
como home-office, com os avanços tecnológicos e da internet o trabalho foi sendo modificado
e se adequando a essa nova realidade, através do trabalho a distância e o teletrabalho, que por
anos havia discussão sobre uma das principais características da relação de emprego que é a
subordinação, para tanto, foi implementado o parágrafo único no artigo 6º que esta forma de
trabalho há subordinação, pois pode ser monitorado por meios telemáticos e informáticos de
comando. Contudo, ainda era necessário haver normas que abordassem as garantias e direitos
a esses trabalhadores, assim, por meio da Lei nº 13.467/2017 foi inserido o capítulo II-A do
artigo 75-A ao 75-E tratando sobre o teletrabalho e as garantias aos trabalhadores e os deveres
dos empregadores.
Desde sua regulamentação somente uma pequena parcela dos trabalhadores passou a
adotar esta forma de trabalho, porém, com o surto pandêmico ocasionado pelo SARS-CoV-2
ou também denominado como Covid-19, o qual rapidamente se propagou em todas regiões,
contaminando milhões e matando milhares, para adotar medidas efetivas ao combate ao vírus
e manter a economia estabilizada, foi determinado a ocorrência do estado de calamidade pública
através do Decreto Legislativo nº 6º de 2020, após foi editada a Medida Provisória nº 927 de
2020 dispondo sobre as medidas trabalhistas a serem utilizadas durante a pandemia, dentre elas
a orientação de ser adotado o teletrabalho com algumas flexibilizações para haver maior
inserção dos empregadores para assim evitar demissões em massa, contudo, esta transição deu-
se de forma abrupta, sem haver um tempo hábil para que tanto o empregador quanto o
empregado pudessem planejar a melhor forma para a transição da forma presencial para o
teletrabalho. Com isso, os trabalhadores em sua maioria não possuíam mobilhas, equipamentos
e internet adequados para execução de seu oficio, sendo necessário prever em contrato escrito
224
se o empregador iria fornecer tais materiais, bem como o reembolso dos gastos, além de poder
determinar o retorno ao presencial sem haver acordo individual ou coletivo, contudo, deve
notificar o empregado no prazo mínimo de quarenta e oito horas de antecedência.
O novo sempre causa estranheza e desconfiança, mas também pode surpreender tanto
de forma positiva quanto negativa, essa mudança repentina da forma de laborar pode ser
desnorteador, nesse sentido, há que ser realizado planejamento tanto do empregado quanto do
empregador, para analisar a viabilidade, os gastos, adaptação da mobilha para que seja
fornecido conforto e um meio ambiente do trabalho mesmo que em sua residência de forma que
atenda às necessidades e segurança, o qual se evite lesões ergonômicas ou acidentes de trabalho.
Diante do exposto, é visível que o direito do trabalho, bem como os outros ramos, tem
de se adequar as transformações, mas principalmente analisar as necessidades e assegurar os
direitos dos trabalhadores que são a parte mais fraca da relação, que havendo flexibilizações ao
critério dentre as partes pode gerar inúmeras situações onde quem acaba perdendo é o
trabalhador. Assim, mantendo as garantias fundamentais do passado, se adequando as
necessidades do presente e vislumbrando um futuro mais igualitário e justo.
225
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, André Luiz Paes de. CLT e Súmulas do TST Comentadas. 20. ed. São Paulo:
Rideel, 2018.
BRASIL. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho. Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm
Acessado: Acesso em 17/08/2020
GÓES, Geraldo Sandoval. MARTINS, Felipe dos Santos. NASCIMENTO, José Antonio Sena
do. Potencial de teletrabalho na pandemia: um retrato no Brasil e no mundo. Carta de
Conjuntura número 47, 2º trimestre de 2020. IPEA. Disponível em:
https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/conjuntura/200608_nt_cc47_teletrabalho.
PDF. Acesso em: 20/09/2020.
MANNRICH, Nelson. A eficácia das medidas previstas nas medidas provisórias 927 e
936/2020 na crise da Covid-19. In: BELMONTE, A. A.; CARREIRO, L.; FREDIANE, Y. X
Congresso Internacional da ABNT: crise econômica e social e o futuro do direito do trabalho.
Anais do Congresso. São Paulo: Matrioska, 2020. p. 133-148.
226
MARTINS, Soraya Rodrigues. Clínica do Trabalho. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2012.
MELLO, Cleyson de Moraes. MOREIRA, Thiago.In: Direitos fundamentais e dignidade da
pessoa humana. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2015.
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: Uma Teoria Geral dos
Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 10ª edição. Livraria do Advogado, 2009.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia da Letras, 2000.
RESUMO
O presente estudo tem como objetivo elucidar os aspectos prejudiciais ao trabalhador
com aplicação da nova modalidade de contrato de trabalho que é o trabalho intermitente
trazido pela alteração da Consolidação das Leis do Trabalho pela Lein. 13.467/2017 e MP n.
808/2017. Para o desdobramento desse estudo, foram abordadas questões relacionadas ao
contrato de trabalho intermitente, descrevendo seu conceito, regulamentação, e aplicação no
Brasil e no mundo. Assim, através de estudo bibliográfico, realizou-se a análise das
controvérsias geradas com a inclusão dessa nova forma de relação de emprego.
1 INTRODUÇÃO
1
Possui graduação em Direito pela Faculdade CNEC Gravataí (2017). Especialização em Novo Direito do
Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2020). Atualmente é advogada atuante na
área trabalhista. OAB/RS 113.288, thaisvsantos94@gmail.
228
de prestação de serviços com períodos de inatividade, os quais podem ser de horas, dias ou
meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e doempregador.
No entanto, essa “nova” modalidade de contrato de trabalho, apresenta algumas
controvérsias. A chamada Reforma Trabalhista deixou importantes lacunas quanto a garantia
mínima d esalário mensal e a previsibilidade de quantida de mínima de dias de trabalho por
mês ou número de meses de trabalho por ano. Repassando ao empregado os riscos do
contrato, ferindo princípios como o da segurança jurídica e a proteção ao trabalhador. O art.
452-A da CLT só atende aos interesses dos empresários, e não dos trabalhadores.
que compõem a estrutura central do nosso Direito do Trabalho, quais sejam, a noção de
duração do trabalho (e de jornada) e a noção de salário. 2
2.3 Requisitos
2
DELGADO, Mauricio Godinho. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n.
13.467/2017/Maurício Godinho Delgado, Gabriela Neves Delgado. - São Paulo: LTr, 2017. p. 154.
3
DELGADO, Mauricio Godinho. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n.
13.467/2017/Maurício Godinho Delgado, Gabriela Neves Delgado. - São Paulo: LTr, 2017. p.154.
4
CASSAR, Vólia Bomfim. Resumo de direito do trabalho/Vólia Bomfim Cassar. 6.ed., rev., atual. e ampl. – Rio
de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018. p.108.
230
5
CASSAR, Vólia Bomfim. Resumo de direito do trabalho / Vólia Bomfim Cassar. – 6. ed., rev., atual. e ampl.
– Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018. p. 108.
6
SILVA, Homero Batista. Comentários à Reforma Trabalhista. 2. ed. São Paulo: RT, 2017. P SILVA,
Homero Batista. Comentários à Reforma Trabalhista. 2. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 49.
7
SILVA, Homero Batista. Comentários à Reforma Trabalhista. 2. ed. São Paulo: RT, 2017. P SILVA,
Homero Batista. Comentários à Reforma Trabalhista. 2. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 50.
231
Após feita ou aceita a proposta de serviço, o § 4 do art. 452-A da CLT, prevê uma
penalidade de 50% da remuneração que seria devida em caso de descumprimento por
qualquer das partes. A multa deverá ser paga em 30 dias, e é admitido a compensação em
igual prazo. Cabe ressaltar que se trata de pagamento de uma multa de valor elevado para
empregados que estão submetidos a contratos com pagamentos já baixos. A MP nº 808/17
havia revogado integralmente o referido parágrafo, no entanto, perdeu eficácia como
anteriormente explicado.
Além disso, a Portaria MTB 349/2018 assegur a um valor horário ou diário não inferior
ao salário mínimo, mas permite que o trabalhador desta modalidade receba um valor superior
os demais trabalhadores que porventura prestem o mesmo serviço ao mesmo empregador,
independente da modalidade contratual que estabelece o vínculo empregatício.
Entre eles está a que permite contratar autônomos, com ou sem exclusividade. Para os
casos em que o trabalhador autônomo figure em um único trabalho, isso não caracteriza
vínculo de emprego. Também volta a ser permitido que o autônomo recuse atividades, sem
que isso seja considerado um descumprimento do contrato. Assim dispõe o caput e incisos
do art. 2º daportaria:
3.1 Alemanha
8
NACIF, Cynthia Mara Lacerda; SOUZA, Miriam Parreiras de. Reflexões sobre a aplicação do trabalho
intermitente no trabalho doméstico. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte,
MG, v. 64, n. 97, p. 251-268, jan./jun.2018.
234
informar do local de seu horário de trabalho com pelo menos quatro dias de antecedência.9
Ressalta-se que o trabalho intermitente acaba transferindo parte dos riscos do
negócio para o empregado, contrariando, assim o §615 do BGB (Código Civil da
Alemanha),onde dispõe que os riscos econômicos do negócio são do empregador.10 No
entanto, mesmo que com mais garantias que em outros países, depreende-se que com essa
modalidade de trabalho precariza as condições de vida do empregado fazendo as cortes
trabalhistas alemãs a estipularem outros limites normativos pela via jurisprudencial.
Dessa forma, verifica-se que houve aumento da produção e do lucro, com redução
ao desemprego, no entanto, em detrimento de uma significativa queda de renda da população,
aumento da pobreza e da parcela da população com baixos salários.11
3.2 Itália
9
Lei sobre trabalho a tempo parcial e contratos a prazo (direito a tempo parcial e temporário-TzBfG) § 12 trabalho
a pedido.
10
HENSCHE, Martin. Arbeit Auf Abruf.
Disponível em:
https://www.hensche.de/Arbeit_Abruf_Arbeit_auf_Abruf_Abrufarbeit.html. Acesso em: 16 de mar 2020.
11
BRAMANTE, Ivani. Contrato Intermitente: Ubertrabalho e Ultraflexiprecarização. Revista
CientíficaVirtualdaEscolaSuperiordeAdvocaciaNº25-Primavera2017.SãoPauloOAB/SP–p.09- 42.
12
Decreto Legislativo 81/2015
235
Outro importante aspecto no contrato intermitente italiano, é o fato de que pode haver
uma cláusula em que o trabalhador se obriga responder o chamado do empregador. Sendo
assim, é devida uma compensação ao trabalhador pelo tempo à disposição. Ademais, se não
houver essa referida cláusula, o trabalhador pode recusar a chamada, onde não existirá
nenhuma quantia de compensação, apenas os valores do período trabalhado. Ainda, existe a
vedação da utilização da intermitência para substituir grevistas, no caso de empresas que
tenham realizado demissões em massa ou suspensão/redução da jornada de trabalho nos
últimos seis meses e no caso de empregadores que não tenham avaliação de risco em segurança
do trabalho. Frisa-se que o prazo para a convocação do trabalhador é de um dia útil. Diante do
exposto, verifica-se que em que pese haja uma maior proteção ao trabalhador, o contrato de
trabalho intermitente na Itália, possui várias restrições para sua adoção.15
3.3 Portugal
13
FERNANDES, P. R. A figura do contrato de trabalho intermitente do PL nº 6.787 (reforma trabalhista) à
luz do direito comparado, 24 abril 2017. Disponívelem:
<http://ostrabalhistas.com.br/figura-do-contrato-de-trabalho-intermitente-do-pl-no-6-7872016-reforma-trabalhista-luz-
do-direito-comparado/>. Acesso em: 16 março de 2020.
14
CAMERA, Roberto. Dottrina Per il Lavoro: verifica delle giornate di Lavoro Intermittente. Disponível
em:<http://www.dottrinalavoro.it/contratti-c/lavoro-intermittente-c/dottrina-per-il-lavoro-sono- utili-le-
dimissioni-online>. Acesso em: 16 de março de2020.
15
FERNANDES, P. R. A figura do contrato de trabalho intermitente do PL nº 6.787 (reforma trabalhista)
à luz do direito comparado, 24 abril 2017. Disponível
em:
<http://ostrabalhistas.com.br/figura-do-contrato-de-trabalho-intermitente-do-pl-no-6-7872016-reforma-trabalhista-
luz-do-direito-comparado/>. Acesso em: 16 março de 2020.
236
partes podem acordar que a prestação seja intercalada por um ou mais períodos de
inatividade”. Além disso, o referido artigo dispõe que o contrato não pode ser celebrado em
regime de trabalho temporário ou a termo resolutivo. Vislumbra-se que como ocorre na Itália,
esse contrato é limitado a atividades empresariais caracterizadas pela descontinuidade ou
intensidade variável e são definidos limites de idade e duração para essecontrato.
Nesse sentido, João Leal Amado entende que “ao utilizar a disjuntiva descontinuidade
(interrupções) ou intensidade variável (flutuações), a lei oferece um recurso bastante vasto
para o recurso ao trabalho intermitente”. 16
O contrato de trabalho intermitente deve ter forma escrita e pode ser de duas espécies:
o trabalho alternado e o trabalho à chamada. No que tange ao trabalho alternado o art. 159º
do código português dispõe que: “as partes estabelecem a duração da prestação de trabalho,
de modo consecutivo ou interpolado, bem como o início e termo de cada período de
trabalho”,istoé, trata-se de uma espécie adequada às atividades em que se é possível prever e
programar as necessidades de trabalho, por exemplo uma fábrica de ovos de páscoa. Ainda,
o referido artigo ainda prevê que a prestação de trabalho referida no número anterior não pode
ser inferior a cincomeses a tempo completo, por ano, onde pelo menos três meses devem ser
consecutivos. Já a segunda hipótese, o trabalho à chamada, previsto na parte final do artigo
159º, do Código do Trabalho português, onde dispõe que o empregador deve convocar o
trabalhador com antecedência estabelecida entre as partes, a qual não pode ser inferior a vinte
dias. Nesse caso, o trabalhador fica sujeito à vontade e à necessidade do empregador, como
ocorre no Brasil.
Assim,o contrato intermitente para ser válido deve prever um período definido da
prestação de serviço, sendo consecutivo ou não. Ainda, o início e término de cada período de
trabalho, bem como estabelecer a antecedência com que o empregador deverá informar o
trabalhador.17
Um importante aspecto do contrato de trabalho intermitente português é que é que
impõe o pagamento de uma “compensação retributiva” pelo período de inatividade, que
16
AMADO, João Leal. Perspectivas do Direito do Trabalho: um ramo em crise identitária? Revista do
Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. n. 47. Campinas:2015.
17
BRAMANTE, Ivani. Contrato Intermitente: Ubertrabalho e Ultraflexiprecarização. Revista
CientíficaVirtualdaEscolaSuperiordeAdvocaciaNº25-Primavera2017.SãoPauloOAB/SP–p.22.
237
corresponde a pelo menos 20% do que for pago normalmente ao trabalhador. E se houver
Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho, o valor a ser pago pode ser maior.18Assim
dispõeo artigo160º do Código do Trabalho de Portugal:
18
LIMA, F.G.M.D. Trabalho intermitente, s/d. Disponívelem:<https://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/55a-legislatura/pl-6787-16-reforma-
trabalhista/documentos/audiencias-publicas/luis-antonio-camargo-de-melo>. Acesso em: 16 de março 2020.
19
FERNANDES, P. R. A figura do contrato de trabalho intermitente do PL nº 6.787 (reforma trabalhista) à
luz do direito comparado, 24 abril 2017. Disponível
em:<http://ostrabalhistas.com.br/figura-do-contrato-de-trabalho-intermitente-do-pl-no-6-7872016-
reforma-trabalhista-luz-do-direito-comparado/>. Acesso em: 16 março de 2020.
238
Unidos são lojas e restaurantes, onde empregadores utilizam software que estabelece quantos
e quais empregados serão necessários no dia. Ainda, existe um movimento que visa diminuir
os impactos negativos, onde mesmo que não haja lei federal, em e San Francisco, Seattle e
Nova York há regulamentação e limites ao contrato intermitente. Oito estados e o distrito de
Columbia introduziram as designadas leis reporting-time pay que exigem aos empregadores o
pagamento de um valor mínimo aos empregados que trabalham em turnos calendarizados,
mesmo no caso de não lhes ser atribuído trabalho.20
Dessa forma, entende-se que o contrato intermitente vem sendo considerado negativo
para os empregados, visto que acabam se tornando reféns das empresas por estarem
disponíveis o dia todo e diversas vezes não serem nem chamados.
Já no Reino Unido, o trabalho intermitente ocorre por meio dos contratoszero
hora,“zero-hourcontracts”que se caracterizam pelo fato de que não há uma garantia do
número de horas a serem trabalhadas,21isto é, o empregado se compromete em se colocar à
disposição do empregador para trabalhar quando necessário, onde não existe garantia de
remuneração ou horas delabor.
Frisa-se que, o empregador não é obrigado a dar trabalho, o trabalhador não é obrigado
a trabalhar quando chamado. Ademais, a maioria dos empregados são menores de 25 e maiores
de 65 anos, com carga horária de 26 horas semanais. Entretanto, essa forma de trabalho gera
instabilidade financeira, uma vez que não são assegurados os direitos mínimos, gerando
22
grandes problemas. Por conta disso, o Governo Britânico no ano de 2014, proibiu o uso de
cláusulas de exclusividade nos contratos zero hora. E na Nova Zelândia, o contrato
intermitente foi banido, visto que não especifica o mínimo de horas, os dias e os horários
dotrabalho.23
20
BRAMANTE, Ivani. Contrato Intermitente: Ubertrabalho e Ultraflexiprecarização. Revista Científica
Virtual da Escola Superior de Advocacia Nº 25 - Primavera 2017. São Paulo OAB/SP.
21
FERNANDES, P. R. A figura do contrato de trabalho intermitente do PL nº 6.787 (reforma trabalhista)
à luz do direitocomparado, 24 abril 2017. Disponível
em:<http://ostrabalhistas.com.br/figura-do-contrato-de-trabalho-intermitente-do-pl-no-6-7872016-reforma-
trabalhista-luz-do-direito-comparado/>. Acesso em: 16 março de 2020.
22
FONTINELE, C. Trabalho Intermitente: breves comentários. Jusbrasil, 2017.
Disponívelem:<https://camilafontinele.jusbrasil.com.br/artigos/489161266/trabalho-intermitente>. Acesso em:
16 março 2020.
23
ROY, ELEANOR. Zero-hour contracts banned in New Zealand. Disponível
em:https://www.theguardian.com/world/2016/mar/11/zero-hour-contracts-banned-in-new-zealand. Acesso em:
16 de março 2020
239
Considerando que essa nova modalidade de contrato de emprego visa atingir a parcela
dos trabalhadores que prestam serviços informalmente, a Reforma Trabalhista foi omissa em
diversos aspectos, apresentado diversos vícios. Como não sendo específica ao determinar em
quais relações de emprego poderá ser usado o contrato intermitente, permitindo a
regulamentação do chamado “bico”, e do contrato zero hora, precarizando as relações laborais.
Nesse sentido, no tange à precarização, se adentrarmos nas experiências dos países
que adotaram tal modelo, como explanado anteriormente, percebemos que o nosso protótipo
se baseia no “zero-hour contract” do direito inglês. A expressão “contrato de zero hora”,
onde a sua principal característica é que não há garantia de prestação de serviços e de
recebimento de salário.24 O fato de o trabalhador só receber remuneração quando convocado
pela empresa, fere princípios como da dignidade da pessoa humana. Sendo assim, no contrato
intermitente o trabalhador poderá receber nada durante um mês ou meses, ou auferir
25
remuneração inferior ao salário mínimo, ferindo o que dispões o art 7º, IV, da CF. Nas
palavras de Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado:
Outro aspecto refere-se a ruptura do conceito de empregador, como aquele que assume
os riscos da atividade econômica, previsto no artigo 2º, caput, da CLT, visto que ao sujeitar a
prestação de serviços à existência de demanda, parte do risco transfere-se ao empregado.
24
HIGA, Flávio da Costa. Reforma trabalhista e contrato de trabalho intermitente. Consultor Jurídico,
opinião, 8 de junho de 2017. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-jun-08/flavio- higareforma-
trabalhista-contrato-trabalho-intermitente#_ ftn13>. Acesso em: 16 março 2020.
25
LEITE, C. H. B. Curso de direito do trabalho. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 697.
26
DELGADO, Mauricio Godinho. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n.
13.467/2017/Maurício Godinho Delgado, Gabriela Neves Delgado. - São Paulo: LTr, 2017. P. 154.
240
CONSIDERAÇÕES FINAIS
27
VEIGA, Aloysio Corrêa da. Reforma trabalhista e trabalho intermitente. Revista eletrônica [do] Tribunal
Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, PR, v. 8, n. 74, p. 15-26, dez. 2018/jan. 2019.Disponivel em:
https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/150672. Acesso em: 16 março 2020.
241
inatividade, como acontece na Itália e em Portugal, bem como estipulação de horas mínimas
a serem prestadas, como ocorre na Alemanha, em contraposição ao objetivo dos detentores do
capital no Brasil, que é minimizar o custo do trabalho em oposição da classe trabalhadora.
Com a flexibilização da legislação trabalhista na articulação contemporânea, essa classe
trabalhadora está vivenciando aprecarização do trabalho e da própriavida.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL. Comissão especial destinada a proferir parecer ao projeto de lei nº 6.787, de 2016,
do Poder Executivo, que “altera o Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de Maio de 1943 – Consolidação
das Leis do Trabalho e a Lei nº 6.019, de 3 de Janeiro de 1974 para dispor sobre eleições de
representantes dos trabalhadores no local de trabalho e sobre trabalho temporário e dá outras
providências. Relatório Final. 25/04/2017. Presidente Deputado Daniel Vilela. Relator Rogério
Marinho.. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_most>. Acesso
em: 10 mar. 2020.
CAMERA, Roberto. Dottrina Per il Lavoro: verifica delle giornate di Lavoro Intermittente.
Disponível em:<http://www.dottrinalavoro.it/contratti-c/lavoro-intermittente-c/dottrina-per-il-
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CASSAR, V. B. Direito do Trabalho: de acordo com a Reforma trabalhista. 16ª. ed. São Paulo:
Método, 2018.
DELGADO, M. G. Curso de direito doTrabalho.17ª (2ªtiragem). ed. São Paulo: Ltr, 2018.
NACIF, Cynthia Mara Lacerda; SOUZA, Miriam Parreiras de. Reflexões sobre a aplicação do
trabalho intermitente no trabalho doméstico. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª
Região, Belo Horizonte, MG, v. 64, n. 97, p. 251-268, jan./jun. 2018.
243
SILVA, Homero Batista. Comentários à Reforma Trabalhista. 2. ed. São Paulo:RT, 2017.
VEIGA, Aloysio Corrêa da. Reforma trabalhista e trabalho intermitente. Revista eletrônica
[do] Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, PR, v. 8, n. 74,
p. 15-26, dez. 2018/jan. 2019. Disponivel
em:https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/150672. Acesso em: 16
março2020.
ZERO, M. Alguns Dados sobre o Trabalho Intermitente no Reino Unido, s/d. Disponível em:
<https://www.josepimentel.com.br/sites/default/files/notas- tecnicas/alguns-dados-sobre-o-
trabalho-intermitente-no-reino-unido.pdf>. Acesso em: 16 de mar.2020.