Artigo 6 1
Artigo 6 1
Artigo 6 1
alimentar
Comfort Food and Traditional Gastronomy, the quest for comfort and food
identity
Marina Saciloto Frigo, Letícia Carpes da Costa, Camila Nemitz de Oliveira Saraiva
Instituto Federal Farroupilha – Campus São Borja – RS
Eixo de Turismo, Hospitalidade e Lazer - Curso Superior de Tecnologia em Gastronomia
marinafrigo@outlook.com, leticiacarpesc@gmail.com, camila.oliveira@iffarroupilha.edu.br
Abstract. In a globalized society, food trends change rapidly, in the search for new flavors,
practicality, price or convenience. In this dynamic scenario were born two new trends:
Comfort food and Traditional Gastronomy, which arrived like a proposal of comfortable,
unhurried food, using natural and local ingredients, counterpointing to the Fast food line.
The present work aims to analyze the concepts of each of the two trends comparatively,
and to try to differentiate them. While the Traditional Gastronomy seeks to perpetuate
the knowledge and techniques, passing them through generations, Comfort food refers
to the familiar warmth and good childhood experiences. Comparing both concepts, the
bibliography researched give us like results in a set of similarities and differences between
them, reported in this work. Concluding, although they are sometimes confused as being
the same tendency, each one has its own characteristics that differentiate them in their
essence.
E-mail: revista.contextos@sp.senac.br
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição-Não Comercial-SemDerivações 4.0
Internacional
1.Introdução
Está muito em voga assistir filmes e séries de televisão que abordam a vida e o trabalho
de chefs de cozinha e cozinheiros, que discorrem sobre alimentos orgânicos, funcionais
e tradicionais, a sua produção, bem como os efeitos que estes causam no homem e no
meio ambiente em que vivem. As prateleiras das bibliotecas e livrarias estão repletas
de livros e revistas que também abordam estes assuntos ou temas ligados e eles. Os
supermercados, lojas, empórios e armazéns oferecem uma gama de produtos alimentares
e utensílios diferenciados que vão do mais simples e barato ao mais ‘gourmetizado‘ e caro
dando acesso para a população a uma alimentação globalizada. Todos estes assuntos são
estudados através da gastronomia.
A cultura alimentar está implícita na sociedade e o indivíduo é nela incluído desde cedo,
aprendendo a apreciar os sabores e adotar os hábitos alimentares, de acordo com o que é
amplamente aceito naquela determinada sociedade. Segundo Schlüter (2006) alimentação
é um processo que socializa o ser humano desde quando nasce, que é voluntario e
consciente se adequando aos variados formatos de regras, leis e normas de acordo com
cada cultura. A mesma autora discorre ainda que o ato de comer define não apenas o que
se come, mas também a própria pessoa que come, denotando suas emoções e identidades
culturais (SCHLÜTER, 2006).
As pessoas tendem a buscar os alimentos que lhes são familiares e as remetem ao local em
que viveram, de acordo com as suas vivências e a sua cultura alimentar. Para Montanari
(2008), comida é cultura quando produzida, preparada e consumida, sendo um elemento
decisivo da identidade humana e um dos mais eficazes instrumentos para comunicá-la.
82
reforço da identidade cultural, como forma de aliviar as tensões do dia a dia e trazer
sensação de pertencimento a um grupo ou comunidade. Essas buscas se dão através do
consumo de alimentos que remetam à alegria da infância ou priorizem a preservação dos
saberes e sabores em seu preparo, bem como a utilização de insumos naturais e locais.
2.Materiais e Métodos
O presente trabalho caracteriza-se por ser uma pesquisa descritiva, com viés qualitativo.
Foi elaborado a partir de uma revisão bibliográfica que contrapõe diversos autores.
Foi utilizada a análise dos dados para o procedimento de discussões e resultados qualitativos
desta pesquisa. Foram conceituadas, através da visão de diversos autores, as duas
tendências gastronômicas selecionadas. Inicialmente conceituou-se os temas: cultura,
identidade e gastronomia, para, logo após, se entender os conceitos de Gastronomia
tradicional e de Comfort food. Posteriormente, os dados foram interpretados e comparados
em função das suas características comuns e as que se diferenciam para gerar o resultado
final deste estudo.
3.Resultados e Discussão
Apesar de ser, atualmente, assunto relevante nas discussões, na mídia e nos apelos
mercadológicos, a alimentação foi, por muito tempo, uma temática social negligenciada.
Tal condição pode ser explicada por seu vínculo a uma atividade doméstica, sem glamour,
de domínio tradicional das mulheres, cuja produção remete ao meio rural, distanciado do
apelo intelectual de um mundo machista. Começou a ganhar espaço e o status de estudo
sociológico a partir de 1960 com a manifestação de autores franceses e anglo-saxôes,
passando a ser percebida como construtora da identidade individual e da diferenciação
social. A partir do ano 2000 o tema ganha, cada vez mais, o interesse de uma pluralidade
de áreas, demandando a atenção de muitas disciplinas para abarcar a sua complexidade
83
(AZEVEDO, 2017).
A cultura pode ser entendida e conceituada de diversas formas e por diferentes áreas de
estudo. Assim temos, por exemplo, a cultura agrícola, cultura erudita, cultura de massa,
cultura organizacional, cultura popular, cultura local, entre outras. Originada do termo
em latim, colere, que significa cultivar, ela é dinâmica, estando sempre em processo de
transformação. Então, muitos fatos, características ou traços culturais de um determinado
povo ou local são acrescidos ou desaparecem no tempo, tendo em vista que o homem
está em constante adaptação ao meio em que vive (SARAIVA, 2015). Neste sentido, os
registros referentes as mudanças culturais, especialmente em relação a alimentação, são
importantes ferramentas para a sua preservação, visto que a comida comunica a sua
história e a sua evolução.
84
Segundo Souza (2014, p. 145), “a identidade é expressa em basicamente todas as
categorias alimentares, pois elas determinam aquilo que define, em termos de práticas
alimentares, certa identidade[...]”. As práticas alimentares definem a cultura alimentar de
um povo, sendo expressas através das dietas regulares, dos rituais e dos eventos sociais.
Como afirma Souza (2014, p. 158), “desde os tempos mais remotos até os dias de hoje
a comida parece exercer também a importante função de marcar ocasiões, no sentido de
formalizá-las e materializá-las”.
Esse novo estilo de vida impõe novas expectativas de consumo, que acabam orientando
as escolhas de alimentos. Em contrapartida à mecanização no preparo e à padronização
na forma de consumir os alimentos, o stress e o desconforto psicológico gerado pelo
ritmo acelerado de vida moderno favoreceu o surgimento e a necessidade de Comfort
foods, comidas que confortam ou dão amparo, que são escolhas personalizadas para cada
indivíduo, baseado nas suas experiencias pessoais, preferências e hábitos, sua origem ou
aprendizados da infância. Também chamadas comidas de memória, fazem lembrar alguém
muito querido e familiar, normalmente a mãe ou a avó, preparando aquele tipo de comida.
Comidas de memória fazem reviver outra época da vida, lembrar de conversas altas
e alegres nas mesas grandes e fartas. A memória gustativa caracteriza-se como uma
forma de memória que está ligada ao gosto, as memórias obtidas a partir de experiências
passadas relacionadas ao degustar determinado alimento. Conforme Candau (2012, p.
15), “a memória nos dará esta ilusão: o que passou não está definitivamente inacessível,
pois é possível fazê-lo reviver graças à lembrança.” Segundo Cascudo (2011), o alimento
funciona como um fixador psicológico no plano emocional e desta forma comer certos
alimentos é ligar-se ao local ou a quem os preparou.
85
Para Gimenes-Minasse (2015), Comfort food designa toda comida escolhida e consumida
com o intuito de proporcionar alívio emocional ou sensação de prazer em situações de
stress, sendo associada muitas vezes a períodos significativos da vida como a infância e/
ou à convivência com a família. É geralmente degustada de forma privada, justamente
porque o indivíduo está experimentando uma sensação de solidão, e precisa conectar-se,
mesmo que simbolicamente, às pessoas associadas à lembrança alimentar em questão.
O termo Comfort food, traduzido literalmente para o português, significa “comida
confortável”, mas várias ressignificações foram dadas ao termo como “comida de memória”,
“comida do coração”, “comida que é um abraço”, ou “comida da alma” como definiu Horta
(1996, p. 15 - 16):
Comida da alma é aquela que consola, que escorre garganta abaixo quase
sem precisar ser mastigada, na hora da dor, de depressão, de tristeza
pequena. Não é, com certeza, um leitão à pururuca, nem um menu
nouvelle seguido à risca. Dá segurança, enche o estômago, conforta a
alma, lembra a infância e o costume.
Comfort food desperta conforto e bem-estar ao ser consumida, justamente por recuperar,
no baú das memórias, lembranças de momentos especiais, seja um almoço em família,
um jantar com os amigos, um piquenique ou o passeio em um parque. Pode ser o arroz
com feijão feito pela mãe, a macarronada da avó ou o bolinho de chuva na casa da
tia, heranças de saberes nas experientes mãos, para quem cozinhar era alquimia. A
combinação dos ingredientes e o modo como foram preparados influenciam no sabor do
prato e, consequentemente, na experiência de cada pessoa.
Comidas conforto são representadas por pratos que remetem à tenra infância, associados
a aromas, sabores e sons, quando se ouve na memória o tilintar metálico das panelas de
ferro sobre um fogão de lenha. O colorido e o saboroso da infância transformam-se em
perfumes que fazem viajar no tempo e dão a sensação de segurança emocional, mesmo
que por alguns momentos e de forma inconsciente.
86
inovações uma ameaça às cozinhas tradicionais. No entanto, essas mudanças acabaram
contribuindo, indiretamente, para a recuperação de conhecimentos e práticas alimentares
tradicionais em muitos lugares, como uma forma de afirmação identitária.
Ginani (2005) afirma que as receitas regionais são conhecidas e valorizadas por comporem
os hábitos alimentares nativos, sendo elaboradas com os ingredientes disponíveis na região
e preparadas com técnicas transmitidas de geração a geração. Neste sentido, a utilização
dos ingredientes locais facilita a aquisição de produtos mais frescos e de melhor qualidade,
fomentando o desenvolvimento regional e auxiliando na preservação do meio-ambiente
por ser possível evitar, em parte, o deslocamento de alimentos pelo país.
Em seu estudo, sobre tendências gastronômicas, López; Castillo; Rodríguez (2014, p. 30),
argumentam sobre a disputa entre as novas tendências gastronômicas, que surgem a
cada dia, e a gastronomia tradicional:
87
Os mesmos autores completam afirmando que se deve permitir tanto conhecer os novos
conceitos, aprender as novas técnicas, estar a par do inovador, do recém criado, assim
como seguir conservando, aprendendo e difundindo as técnicas, sabores e experiencias
sensoriais da cultura tradicional gastronômica (LÓPEZ; CASTILLO; RODRÍGUEZ, 2014).
A busca por alimentos mais naturais, com sabor caseiro ou com preparo tradicional tem
movimentado o turismo gastronômico, fazendo com que restaurantes passem a usar
esse apelo para atrair clientes. A relação entre turismo e gastronomia potencializou-se
rapidamente nessa dimensão cultural, porque passou a permitir aos turistas um contato
autêntico com a cultura local e com produtos mais saudáveis, com melhor qualidade na
produção.
Os dois principais fatores que marcam esta valorização gastronômica estão relacionados
com a preferência em consumir alimentos tradicionais e ao mesmo tempo saudáveis e
menos industrializados. Neste contexto, a criação de programas de televisão com chefes
renomados, que passaram a apresentar produtos típicos de seu país, auxiliaram a promover
a valorização do simples, da originalidade regional, do habitual, como parte da cultura
popular.
Comfort food é levada à mesa com apelo familiar e memórias individuais enquanto a
gastronomia tradicional procura perpetuar os segredos de suas preparações, passando-os
de geração em geração como forma de preservação da cultura de um determinado lugar
ou povo.
A gastronomia tradicional é a salvaguarda dos saberes e fazeres que trazem conexão com
grupos sociais significativos, enquanto as Comfort foods são o acalanto, em forma de
sabores, do grupo social ou familiar, trazido à tona pela memória gustativa.
88
Quando se trata de Comfort food pensa-se em algo personalizado: comidas definidas
prioritariamente a partir de experiências pessoais, embora possam ser identificados padrões
desta tendência em grupos com referências socioeconômicas e culturais semelhantes
(GIMENES-MINASSE, 2015). Nessa situação, Comfort food pode se configurar como uma
forma poderosa de reforçar identidades e o pertencimento a um determinado grupo, com
importante papel na preservação de receitas e sabores.
De acordo com Santos (2005), os hábitos e práticas alimentares de cada grupo social
podem se constituir em tradições culinárias, fazendo com que os indivíduos se sintam
inseridos em um contexto sociocultural que lhes dá uma identidade, reafirmada pela
memória gustativa. Apesar de se configurar tanto em nível individual como em nível
coletivo, a memória gustativa é muito inerente ao indivíduo, especificamente a determinada
experiência obtida em decorrência de um alimento com forte apelo emocional, que traz
conforto e sentimentos prazerosos.
4.Conclusão
Referências
CASCUDO, Luís Câmara. História da alimentação no Brasil. 4.ed. São Paulo: Global,
2011.
89
FREIXA, Dolores; CHAVES, Guta. Gastronomia no Brasil e no mundo. 2.ed. Rio de
Janeiro: Senac Nacional, 2013.
HORTA, Nina. Não é sopa. São Paulo: Cia das Letras, 1996.
LÓPEZ, Lina Sarai Mejía; CASTILLO, Sonia Edith Mejía; RODRÍGUEZ, Miriam Bravo.
Tendencias gastronómicas: La encrucijada entre lo tradicional y lo innovador.
2014. Revista Virtual Especializada em Gastronomia. Disponível em: <http://web.
uaemex.mx/Culinaria/ocho_ne/PDF finales 8/Tendencias_gastronomicas.pdf>. Acesso
em: 15 maio 2018.
90
RONCHETTI, Anita de Gusmão; MÜLLER, Silvana Graudenz. Identidade e Comida:
Gastronomia Tradicional de Florianópolis Apreciada como Patrimônio Cultural
Imaterial. 2016. Revista Memorare, Tubarão, SC, v. 3, n. 3, p. 37-53 set./dez. 2016.
ISSN: 2358-0593. Disponível em: <http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/
memorare_grupep/article/view/4368>. Acesso em: 15 maio 2018.
SAVARIN, Brillat. A fisiologia do Gosto. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
91