Νεκρομαντεῖον- Michael Oakeshott, racionalismo e política
Νεκρομαντεῖον- Michael Oakeshott, racionalismo e política
Νεκρομαντεῖον- Michael Oakeshott, racionalismo e política
"Para o Racionalista, nada possui valor meramente por existir (e certamente não por
haver existido por várias gerações), familiaridade não possui mérito, e nada deve ser
deixado em pé por falta de escrutínio."
Nada há que esteja a salvo do crivo da razão. Tudo pode ser livre e criticamente
examinado pelos poderes racionais do homem. A Razão é universal e torna tudo e todos
iguais, não havendo costume ou autoridade que possa se furtar à investigação de suas
bases e pressupostos.
A sua influência não se faz ausente na política, campo onde a tradição, o circunstancial e
o transitório parecem imperar. O racionalista crê em liberdade de pensamento, no
questionamento das tradições, das autoridades e dos hábitos enraizados. Sobretudo, sua
ideia é a de que a razão é um guia infalível da ação política. A argumentação e a base
racional são o que interessa no julgamento de uma instituição qualquer, não seu uso ou
sua antiguidade.
:
Trazer toda a herança social, política, legal e institucional ao tribunal da razão é se
intento primordial. O resto, diz Oakeshott, é mera administração racional de todas as
circunstâncias. Familiaridade e antiguidade não possuem valor para o racionalista que
prefere a invenção de novos instrumentos ao uso de expedientes correntes e bem
testados. Reparos estão fora de cogitação. Qualquer tentativa de manutenção ou
aperfeiçoamento de ideais tradicionais significa submissão ao passado.
Não há mudança válida a não ser se for conscientemente efetuada. Toda a atividade
política é mera resolução de problemas ao estilo do engenheiro. É característico de sua
mentalidade o uso de uma técnica apropriada para a resolução de um problema
excluindo de sua consideração qualquer fator que não esteja nele diretamente implicado.
A assimilação do político ao engenheiro é, segundo Oakeshott, o mito da política
racionalista.
Seguir regras jamais é o suficiente. Note-se, entretanto, que, apesar de serem distintos,
esses dois tipos de conhecimento estão sempre unidos na realidade. Não se trata de
racionalidade e irracionalidade contrapostas. Ambos os conhecimentos são necessários
mesmo na atividade científica, como asseverou o químico e filósofo da ciência húngaro
:
Michael Polanyi.
Aqui cabem alguns comentários. Michael Oakeshott se refere à tese central de Polanyi
acerca do conhecimento tácito na atividade científica. Todo conhecimento é tácito ou
derivado de um conhecimento tácito. Isso significa que em todas as atividades humanas
há sempre um saber que não é formulável em termos de regras explícitas, mas que está
presente na forma de um conhecimento pessoal.
Michael Polanyi salienta que o conhecimento derivado dos manuais nunca é suficiente.
Há decisões a serem tomadas, há juízos sobre a realidade a serem feitos que não podem
ser formulados em regras explícitas. Por exemplo, o modo pelo qual um cientista julga o
resultado de um teste não é matéria de regras lógicas explícitas. É fruto de um
conhecimento pessoal, de um talento adquirido por experiência ou por convívio com
cientistas mais experientes.
Como adaptar/aplicar a regra aos casos concretos da realidade é um saber que não
possui ele mesmo regras. Um juiz aplica a lei sempre a um caso particular levando em
conta todas as circunstâncias concretas do acontecimento. O seu julgamento será um
"cálculo", pois como já ensinava Aristóteles, a justiça é uma proporção. Não se adquire
essa capacidade simplesmente seguindo regras, e sim na experiência contínua de
transpor o abismo entre o texto e os fatos da experiência.
"Mesmo as ciências mais exatas devem, portanto, basear-se em nossa confiança pessoal
de que possuímos algum grau de talento e julgamento pessoais para estabelecer uma
correspondência válida com - ou um desvio real dos - fatos da experiência." (M. Polanyi,
Meaning, pag. 31)
Retornando ao ensaio de Oakeshott, o que foi dito acerca das artes, da justiça ou da
ciência pode ser dito propriamente da arte política. O conhecimento técnico pode ser
transmitido em regras a serem obedecidas, e pode ser ensinado por um professor ou
estudadas em um livro. Já o conhecimento prático não é ensinado explicitamente, ele é
adquirido somente na experiência ou no contato contínuo com aquele que possui esse
saber.
"(...) um cientista adquire (entre outras coisas) o tipo de julgamento que diz a ele quando
sua técnica está extraviando-o e o conhecimento que o torna capaz de distinguir as
direções profíquas das improfíquas para explorar." (Rationalism in Politics, pag. 15)
Com o passar das gerações, o racionalista vai se tornando cada vez mais grosseiro e
vulgar. As razões para esse fenômeno são obscuras, mas entre elas está o aparente
declínio da crença na Providência divina. Em vez do Deus infalível e benéfico, a técnica
infalível e benéfica. Oakeshott aponta que
"Certamente, também, sua proveniência é uma sociedade ou uma geração que considera
que aquilo que ela descobriu por si mesma é mais importante do que aquilo que foi
herdado, uma era demais impressionada com suas próprias realizações e suscetível a
tais ilusões de grandeza intelectual as quais são a loucura característica da Europa pós-
renascentista, uma era jamais mentalmente em paz consigo mesma porque nunca
reconciliada com seu passado." (p.23)
É essa situação que Maquiavel pretende sanar com seu manual de arte política. Para o
governante politicamente inexperiente, o manual, o livro, é a fonte da cultura que lhe
falta. Apesar de Maquiavel estar ciente das limitações da técnica, seus sucessores
acreditaram firmemente que a política seria apenas uma questão administrativa para a
qual bastaria a aplicação dos princípios de uma doutrina fixada em um livro.
A moral racionalista também é uma técnica. Ela se reduz à persecução de ideais morais,
ao aprendizado de princípios morais abstratos. É o treinamento em uma ideologia e não
uma educação da conduta. Ideais morais são sedimento, afirma Michael Oakeshott. Só
possuem significado se estiverem assentados em uma tradição religiosa ou social. O que
resta ao racionalista é uma moral seca e arenosa, e a pregação hipócrita de uma
ideologia de altruísmo e de serviço social.
...
:
Leia também:
*Infelizmente, hoje faleceu em seu castelo na Escócia a Rainha Elizabeth II, símbolo de
estabilidade e de dignidade, após um longo e próspero reinado de setenta anos. GSQ.
Compartilhar
Nenhum comentário:
Postar um comentário
‹ Página inicial ›
Ver versão para a web
Tecnologia do Blogger.
: