Roteiro - 2° Versão
Roteiro - 2° Versão
Roteiro - 2° Versão
Acende-se
um “spot” sobre a mesa, iluminando o Escritor apenas. Sobe música grandiosa,
de final feliz de história romântica de fadas. O Escritor está sentado à mesa,
folheando grandes livros, luxuosamente encadernados. Parece feliz e emocionado
com o que lê, seguindo o envolvimento da música. Nos últimos acordes, ele se
levanta, com um livro aberto nas mãos, enlevado.
Todos dizem
O final é sempre igual
Mas o que acontece então?
O herói conquista a princesa e “fim?”
E depois, e depois
Do “Felizes para sempre”
“Rap”
Tudo sempre começa
Com a história de uma princesa
Enclausurada, envenenada
A maldição é certeira
Até que um príncipe corajoso
Enfrenta o que precisar
Com sua espada ou só um beijo
A princesa veio salvar
E aí eles se apaixonam
E vem o casamento
Por toda vida a pobrezinha
Sonhou com esse momento
Todos sabem
O final é sempre igual
Mas o que acontece então?
O pedido de uma vida a dois E “fim?”
E depois, edepois
Do “Felizes para sempre”
Felizes pra sempre
Felizes pra sempre
“Pra sempre?”
Escritor: "Branca de Neve casou-se com o Príncipe Encantado e os dois viveram
felizes para sempre..." Ah, que história a da Branca de Neve! Acho que nunca
mais alguém poderá criar uma história tão cheia de idéias emocionantes como
esta: anõezinhos, espelho mágico, maçã envenenada (Pega outro livro.) E esta,
então? Cinderela! Que coisa mais linda! (Vai pegando outros livros.) Chapeuzinho
Vermelho! A Bela Adormecida! A Bela e a Fera! Rapunzel! Que histórias
fantásticas! Eu jamais vou me esquecer delas! Até hoje me emociono com as
aventuras dessas heroínas... Passei minha infância com estes livros e hoje, que
eu sou um escritor, adoraria poder criar uma história tão emocionante como
qualquer uma destas (Para a platéia:) Vocês já notaram? Todas essas histórias
maravilhosas terminavam dizendo que a heroína se casava com o Príncipe
Encantado e pronto. Os dois iam viver felizes para sempre e estava acabado.
Mas, afinal de contas, o que significa "viver feliz para sempre"? Significa casar, ter
filhos e reunir a família no domingo pra comer macarronada e frango de padaria?
Então felicidade é não viver mais nenhuma aventura? Ah, não pode ser! A vida de
casado não pode ser tão chata! Como é que alguém pode viver feliz sem
aventuras? Não é possível que heróis e heroínas tão sensacionais tenham
passado o resto da vida assistindo o tempo passar feito série da Netflix! É preciso
saber o que acontece depois do fim! Sabem? Eu sempre tive essa curiosidade e
acabei, mesmo sem querer, descobrindo o que aconteceu no fim de todas essas
histórias maravilhosas. E é isso que eu quero contar para vocês. Naquela época,
eu era um escritor iniciante, com muitas idéias na cabeça e poucas no papel. Eu
tenho uma teoria um pouco doida, vocês vão rir, eu acho que todas
aconteceram ao mesmo tempo. Querem ver? (Pega um dos livros e abre na
primeira página.) "Era uma vez, há muitos e muitos anos..." Estão vendo? Nem
um muito a mais nem um muito a menos. Todas as histórias começavam assim.
Isso quer dizer que todas começaram ao mesmo tempo, não é verdade? E, se
todas começaram ao mesmo tempo, todas terminaram também ao mesmo tempo!
Pois foi justamente há muitos e muitos anos mais vinte e cinco anos, que
começou o fantástico mistério de Feiurinha.
(Entra Caio, o Lacaio. Age como uma caricatura de mordomo, esganiçado,
desajeitado e excesso de cordialidades- ás vezes “sai do personagem” e é sem
edução e debochado.)
Escritor: Minha nossa! O embaixador da Espanha!
Caio: Perdão, senhor Escritor, se assim invado vosso castelo, mas embaixador
da Espanha não sou, embora embaixador eu seja.
Escritor: Não é da Espanha? De onde será então?
Caio: Venho de um país que está em todos os lugares. Em todos os lugares,
onde houver uma cabeça de criança sonhando, nobre senhor Escritor. Um país
que fala uma só língua, senhor. Uma língua que qualquer criança, de qualquer
país do mundo, entende perfeitamente, senhor Escritor. Venho do País das
Fadas!
(durante as interações do escritor Lacaio congela em poses absurdas)
Escritor: (Para a platéia:) Naquela ocasião, eu tentei fazer a cara mais inteligente
de que era capaz. Afinal, aquela era a primeira vez que eu me via frente a frente
com um louco fugido do hospício e não podia dar a impressão de que desconfiava
da veracidade daquela história maluca, daquele homem que ainda falava me
cuspindo... (Para Caio:) Com que, então, você vem do País das Fadas, não é?
Muito bem... Mas como é mesmo o seu nome?
Caio: Caio, senhor. Meu nome é Caio, o Lacaio. Tenho a honra de servir como
lacaio no castelo da Senhora Princesa Dona Branca Encantado.
Escritor: Dona Branca Encantado? Credo! Nunca ouvi falar dessa mulher...
Caio: Talvez o senhor já tenha ouvido falar da digníssima senhora minha patroa
com o nome de solteira, senhor. Antes de casar-se, o sobrenome da minha patroa
era "de Neve". Mas, depois que se casou com o Príncipe Encantado, passou a
usar o sobrenome do marido...
Escritor: (para Plateia) Olha o Estado se envolvendo em mais um matrimônio...
Caio: Como disse?
Escritor: Dona Branca Encantado? Branca de Neve? Quer dizer que...
Caio: Todo mundo só conhece a senhora Princesa minha patroa pelo sobrenome
de solteira, senhor Escritor. Mas ela casou-se muito bem, se me permite o
comentário, senhor. O principe é babado!
Escritor: Já conheceu alguém que se casou mal com um príncipe?
Caio: Não me faça falar da realeza britânica! O Príncipe Encantado, a quem eu
sirvo, é um dos mais nobres descendente da família Encantado. Uma família
muito nobre, senhor. E muito conhecida também. É ela que fornece príncipes para
casar com princesas lindas e pobres no fim de todas as histórias. São todos
excelentes Príncipes, e as senhoras Princesas do País das Fadas estão muito
satisfeitas. É claro que sempre há alguma confusão, pelo fato de todas agora
terem o mesmo sobrenome...
Escritor: (Para a platéia:) Aquele biruta parecia muito criativo! Na ocasião, pensei
que, depois que ele estivesse novamente trancafiado em algum hospicio tentando
lamber os próprios cotovelos. Talvez até pudesse transformar alguma de suas
ideias fantásticas em um livro daqueles em que ninguém acredita mas de que
todos gostam. Eu tinha, então, de agir com muito cuidado... (Para Caio:) Branca
de Neve! Você então é o lacaio de Branca de Neve! E como anda a sua senhora,
Caio?
Caio: Com as pernas, senhor. Eu hein, me fazendo pergunta assim. A senhora
Princesa Dona Branca Encantado continua linda, com a pele ainda branca como a
neve e com os cabelos ainda negros como o ébano, embora entre eles já haja
muitos fios brancos como a neve, eu disse que ela deveria platinar, senhor
Escritor...
Escritor: (Para a platéia:) O maluco colorido era mesmo incrível! Nunca tinha
visto alguém com uma imaginação tão fértil. (Para Caio:) Muito bem, Caio.
(pausa) Mas por que diabos você faz essas poses tão estranhas, gente... Eu não
entendo, mas enfim... Estou muito satisfeito de receber notícias de Branca de
Neve, depois de tantos anos e anos. Mas, você estava dizendo que era e não era
embaixador. Embaixador do País das Fadas, talvez?
Caio: Embaixador da minha Princesa, senhora Dona Branca Encantado, senhor
Escritor. Venho rogar um grande favor a vossa senhoria. Creio que só o senhor
poderá afastar a tremenda ameaça que paira sobre o País das Fadas...
Escritor: Eu? Salvar o País das Fadas? Deus ajude, acho que loucura pega, as
coisas andam dificeis pra mim desde que mudei meu medicamento pra dormir...
Como posso salvar um luigar que mal conheço, criatura?
Caio: Pois vai conhecer, menino, larga de ser bobo! Quer dizer... Ouça, senhor
Escritor... Vou cantar.
Venho de um lugar
Que todos vão após nascer
E então depois de crescer
Esquecem como encontrar
Mas calma
Vou te ensinar
FADA LILI
(Diálogo)
“Basta fechar os olhos
E acreditar que tudo é real
Prontinho! Você tá no país das Fadas”
FADA DORIS
Olha um dragão
E é verdade, é verdade!
Tudo aqui é de verdade
Só depende da vontade
De acreditar
ELFA IRIS
Pegue o seu cavalo
ESCRITOR
Eu não tenho um cavalo
ELFA IRIS
Você não entendeu nada do que eu tô cantando agora?
FADA FLORA
Presta atenção
Fecha os olhos
Pegue o seu cavalo
ESCRITOR
eu tenho um cavalo!
FADA FLORA
e vamos juntos que eu vou te mostrar
LACAIO
Papai Noel
(Presente!)
LACAIO
Fadinha do Dente
(Presente!)
LACAIO
Coelhinho da Páscoa
(Presente!)
LACAIO
E você?
(Eu sou um duende)
LACAIO
Unicórnio
(Presente!)
LACAIO
Sereia
(Presente)
LACAIO
Piratas
(Presente)
LACAIO
Cadê a Elsa?
(Melodia de let it go)
LACAIO
Para, para, para
Senão vai congelar todo mundo, sai fora, me arrumando pepino!
Escritor: E agora?
Caio: Agora o senhor senta e para de questionar. Foca no pepino que a gente
tem pra resolver.
(E você, branca?)
BRANCA
Por uma maçã eu sofri
Uma linda maçã eu comi
Foi envenenada
Pela bruxa malvada
Eu odeio aquela mulher
Mas eeeele / me beijou
E aqui vivinha estou
RAPUNZEL
Meu lindo cabelo eu joguei
Uma trança enorme eu joguei
De cima da torre
E a bruxa empurrou
O meu amor no chão
Ficou cego
E meu choro curou sua visão
PRINCESAS
Lá lá lá lá lá lá lá
BELA
Uma rosa ao meu pai pedi
E ele buscou de um jardim
Que era da Fera
Que nem era tão Fera
Era lindo como eu enxerguei
E é claro eu também casei
BELA ADORMECIDA
(...)
MUSICA: ANÕES
(Branca de Neve canta na melodia da música das princesas)
E 7 amigos ganhei
Sim, 7 amigos ganhei
6 muito fofinhos
Um bem zangadinho
E é tudo que eu já precisei
“Meninos! Se apresentem!”
(Sertanejo)
Eu sou o Dunga
Eu sou carente
Se a gente tá juntinho assim
Eu fico tão melhor
(Heavy Metal)
E eu sou o Zangado
Sou chapa quente
Eu gosto de vocês
Mas eu prefiro ficar só
(MPB)
Eu sou o mestre
Eu sou inteligente
Mas tudo que eu ensino
É pra aprender também
(Pagode Romântico)
Eu sou dengoso
E escondo rosto
Mas quando eu olho pra você
Vejo a maior beleza que há de existir
(Entra um Funk)
Eu sou o atchim
Tchim-tchim-tchim
Atchim-tchim-chim (espirrando no ritmo da música, todos os personagens dançam
o funk)
(Axé)
E eu sou o Feliz
Quero ver todo aqui mundo sorrir
Levanta a mão
E bate palma (para a plateia)
(Branca de Neve)
E 7 amigos ganhei
Sim, 7 amigos ganhei
6 muito fofinhos
Um bem zangadinho
E é tudo que eu já precisei
“ui, cheguei”
Tá pensando que levou o meu filhinho e tudo então ficou por isso?
An an
(Para a Branca de Neve) Essa daqui precisa ser mais cuidadosa com o que
escolhe pra comer
(Para a Rapunzel) E eu sempre disse pra cortar esse cabelo que não para de
crescer
(Para Bela Adormecida) Essa daqui…. (Som de ronco) Ah, essa eu amo. É o
meu xodó
“Atenção. Se você quer ganhar 10 pontos com o seu amor, manda isso de
áudio do WhatsApp pra sogra AGORA. Vai, dá tempo, 1 2 3”
(Dona Branca toca um sino pra chamar Lacaio. No mesmo instante, Caio, o
Lacaio, aparece.)
Caio: Às ordens, Princesa.
Branca: Caio, monte o nosso melhor cavalo. Corra, voe e chame todos do reino
para procurar a princesa Feiurinha, depressa! Percorra todos os cantos de
todos os reinos encantados. Pergunte em todas as tabernas. Pergunte em
todos os cantos por ela. Veja o que sabem lá no palácio dela. Pergunte ao
Príncipe Encantado, o marido da Feiurinha. Traga todas as notícias que
conseguir!
Caio: Sua ordem é um pedido para mim, Princesa. Já vou indo! Volto em dois
dias de conto de fadas. Isto é, em cinco minutos...
Onde está
Eu não sei da Feiurinha
Onde está
Como desapareceu
A princesa, o seu Reino
E o seu eterno amor
Que tragédia
Que horror (Solo com som de cravo)
Fátima
Olá sou sua Bff, Best Fada Fátima, a Jornalista! Onde está feiurinha? Onde ela
se meteu? Depois dessa música chiclete que promete em breve viralizar no
Tiktok e blocos de carnaval no país das Fadas, Oz e Nárnia, a pergunta
continua! Estaria Feiurinha sumida por dever no mercadinho: Estaria ela
envolvida em algum golpe de app de namoro? Estaria ela sendo mais uma
vitima da dependencia quimica e acabar na sargeta como o gato de botas que
se entregou depois do grande sucesso do seu filme? Vamos conversar com os
populares. (Aborda Sônia e cátia)
Qual o nome de vocês e a opinião sobre o desaparecimento de Feiuinha?
SÔNIA: Me chamo Sônia e acho isso uma depravação, essas princesas são
assanhadas, oferecidas e envergonha os contos de fadas!
CÁTIA: Eu sou cátia e essas mulheres não me representam! Elas estão
enterrando os valores tradicionais, gostaria de aproveitar a visibilidade do
programa e lembrar a familia do pais das fadas, que Cinderela que iniciou com
essa moda de mandar foto do pezinho!
FATIMA: Denuncia! Popular afirma que Cinderela mostrava partes do corpo
pra atrair homens! E o que vem agora! Essa noticia que esta deixando todos
mais engasgados que Branca de neve com a maçã envenenada, em breve
mais informações!
(Pincesas entram)
Bela-Fera: Uááá... que sono!
Branca: Ah, querida Bela-Fera bocejos não combinam bem com a sua história.
Combinam melhor com a nossa amiga ali, a Bela Adormecida...
Bela-Fera: É que eu me cansei sapateando mil anos com essa gente da
floresta. E aliás, ontem foi noite de lua cheia...
Branca: Estamos com um problema grave nas mãos! A Feiurinha realmente
desapareceu!
Cinderela: Como?!
Bela-Fera: Como?!
Rapunzel: Como?!
(Todas ficam caladas. A desolação toma conta delas. Após um breve intervalo,
Dona Branca encara as amigas.)
Branca: Vocês compreendem o perigo que todas nós estamos correndo? Uma
heroína, alguém como nós, desapareceu sem deixar vestígios. Até o castelo e
o marido dela desapareceram.
Chapéu: Eu bem que podia achar esse boy... (Sussura)
Rapunzel: Vai ver os dois saíram de férias...
Chapéu: E levaram o castelo com eles? Larga de ser boba...
Branca: Como eu ia dizendo, desse jeito algum desastre pode acontecer com
qualquer uma de nós a qualquer momento!
Chapéu: Será que nossos tempos de felicidade eterna terminaram? E o meu
nem começou direito gente...
Bela-Fera: Não é possível! Acho que o lacaio procurou errado! São todos uns
incompetentes. É preciso procurar direito, falar com as pessoas certas. E
preciso interrogar todos os personagens secundários da história da Feiurinha!
Cinderela: Boa idéia! Vamos repassar toda a história da Feurinha, sem
esquecer nenhum detalhe. Depois vai ser fácil localizar os personagens
secundários. Você começa, Rapunzel!
Rapunzel: Bem... não me lembro direito da história dela... sabe? É uma história
meio boba, não tem o charme da minha... Não tem um cabelo, uma torre, um
mega hair que seja, uma kit net... sem madeixas, sem imóveis...
Bela-Fera: Metida... A sua história não passa de um monte de baboseiras.
Charme tem a minha história, onde...
Chapéu: Pega um bou peludo que rosna e dança valsa? Te passa pulga... pelo
menos é engraçado e pega a bolinha quando você joga.
Branca: Calem a boca! As duas! Vamos deixar a vaidade de lado. O perigo que
nós corremos é muito mais sério. Não há tempo a perder!
Chapéu: Tem razão, Branca. Comece você então a contar a história da
Feiurinha, bora! Se joga...
Branca: Claro! Eu vou contar como começa!
Princesas: Isso!
(Bela Adormecida ronca.)
Branca: Era uma vez, há muitos e muitos anos atrás...
(Silêncio)
Cinderela: E ai?
Branca: Eu disse que sabia o como começa o resto eu não lembro.
Cinderela: Mas é uma egoísta de primeira...
Branca: Então conta você rainha da frieira.
Cinderela: Sabe? Eu também não me lembro da história da Feiurinha...
(Dona Branca olha para cada uma das outras Princesas. Todas balançam a
cabeça e baixam os olhos, envergonhadas por não se lembrarem da história da
Feiurinha.)
Cinderela: O que vamos fazer agora? Como vamos investigar o
desaparecimento sem conhecer a história da desaparecida? Com quem vamos
falar? A quem vamos perguntar qualquer coisa?
Caio: E foi assim que saí pelo mundo à procura de um escritor, senhor Escritor.
Procurei por todos os grandes escritores e pensadores. Vasculhei em busca de
Perrault, de Grimm, de Esopo, Pedro Bandeira, Inês Brasil . Só que foi
impossível encontrar qualquer um deles. Por isso acabei aqui, em vosso
castelo, rogando vosso auxílio para impedir que todos nós, os personagens dos
contos de fada, acabemos desaparecendo, como desapareceu a senhora
Princesa Dona Feiurinha Encantado...
Escritor: Encantado estou eu, Caio, pela honra de ter sido escolhido para uma
missão tão fascinante. Quer dizer que você resolveu me procurar como o
melhor escritor de contos de fadas?
Caio: Não, senhor Escritor. Como o único que encontrei...
Branca: (Com contida impaciência na voz:) Senhor Escritor, acho que meu
lacaio não foi bem claro. A Feiurinha é uma de nós. Mas desapareceu, mesmo
tendo terminado a história dela com a promessa de ser feliz para sempre. O
senhor sabe o que isso significa? Significa que não há mais garantias de
felicidade nem de eternidade para qualquer heroína. Significa que, de uma hora
para outra, qualquer uma de nós poderá desaparecer! E o senhor diz que não
encontrou nada ainda?
Escritor: Bem, senhora, é que...
Eu enxergo
Cada cena
Sem ilustrações
Consigo ver
As princesas
Todas elas
Mas não
Não da Feiurinha
Feiurinha
Que vergonha para um leitor
Imagine para um escritor
Feiurinha
Sua história
Eu não vou saber reescrever
Se eu nunca pude
Te conhecer
Feiurinha
Me perdoa
Eu não sei se aí cê pode ouvir
Mas daqui nós precisamos de você
Escritor: Saí à rua em busca de uma pista de Feiurinha junto dos fantásticos
seres mágicos, procurando vovós contadeiras de histórias, pesquisando
arquivos os mais estranhos. Mas acabei voltando para casa, derrotado, sem ter
como responder à ansiedade de cinco princesas, uma senhorita gorducha de
chapeuzinho vermelho e um lacaio multicolorido. Eu olhei para aquelas
estranhas visitas, tão ou mais preocupado do que elas, temendo o momento
em que, em minha própria casa, uma daquelas heroínas desapareceria,
quebraria uma perna, prenderia o dedo numa porta ou se afogaria na banheira.
(para plateia)
Fada Lili: Vejam! Especialistas estrangeiros! Este vem da Inglaterra! Vamos ver
o que diz... (podemos perguntar em inglês e esperar o que a plateia diz, acaso
responda em inglês ótimo senão: "uglilily? never heard about...")
Elfa Dafne: Olhem este aqui. Da Itália! "Brutezzina? Non ne ho mai sentito
parlare..."
Escritor: Mas este vem do Piauí: "Feiurinha..."
Todas: ... nunca ouvi falar!
Branca: E aquele ali? Alemão? Minha história é alemã. Alemão eu conheço.
"Miesslienchen? Hab nie davon gehoert..."
Branca: "Feiurinha? Nunca ouvi falar...
(Dona Branca olha fixamente para o Escritor. Em seguida, esconde o rosto nas
mãos, chorando. O Escritor corre para ela e toma-lhe as mãos nas suas.)
Escritor: Oh, senhora, não chore! Eu não posso aguentar a verdadeira Branca
de Neve chorando bem no meio da minha sala! Não há razão para chorar. Eu
juro que hei de encontrar Feiurinha! Nem que leve...
Branca: A vida inteira? Aí não vai adiantar mais. Nós todas teremos
desaparecido. Eu terei desaparecido junto com os Anõezinhos, com a Bruxa,
com o Príncipe e até com o Espelho Mágico!
Escritor: Branca de Neve... Você também entendeu? Entendeu agora por que
Feiurinha desapareceu?
(As outras Princesas o cercam. Até Bela Adormecida.)
Escritor: Entendeu por que você jamais desaparecerá? E vocês todas,
Chapeuzinho, Rapunzel, Cinderela, Bela-Fera e Bela Adormecida? Vocês
jamais desaparecerão! Vocês foram eternizadas nos livros pelos maiores
artistas do mundo! Suas vidas se renovam todos os dias quando os livros são
abertos na frente dos olhos de novas crianças, prontas a rir, a chorar e a se
emocionar com as suas aventuras!
(A reação das Princesas não é a reação normal dos seres humanos. Elas ficam
na expectativa, como sombras, como anjos.)
Escritor: (Para a platéia:) Jerusa não era de grandes letras e, talvez por isso
mesmo, tenha compreendido muito bem o que era ter Branca de Neve a seus
pés, beijando-lhe as mãos. Compreendeu que Branca de Neve, Cinderela,
Feiurinha e tantas outras faziam parte de si como seu próprio sangue. Eram o
seu passado e a sua cultura. Compreendeu que aquelas heroínas também
faziam parte do sangue de todos, ricos e pobres, negros e brancos, nascidos e
por nascer. Compreendeu e começou a desvendar, para todos nós, o fantástico
mistério de Feiurinha...
As heroínas e Caio sentam-se no chão, à volta de Jerusa, que se senta em
uma banqueta.
Jerusa: A história da Feiurinha é dos antigos. Quem me contou, há mais de
sessenta anos, foi a minha avó, que também ouviu a avó dela contar. A história
da Feiurinha era a minha preferida, com o perdão das Princesinhas... (Entra
música suave.
Era uma vez, há muitos, muitos anos, uma menina muito linda que tinha
acabado de nascer numa casa muito pobre, mas cheia de amor e felicidade.
A beleza da menina logo foi muito comentada e só se falava nisso em todos os
lugares. Até num lugar distante, um lugar feio, escuro, tenebroso, chegou a
fama daquele bebê tão lindo. Naquele lugar, moravam sozinhas três bruxas
tremendas chamadas Ruim, Malvada e... Piorainda. Elas tinham acabado de
ganhar uma sobrinha para criar, que também acabara de nascer. Mas o bebê
era horroroso demais e as três bruxas logo planejaram roubar a linda menina
com seus poderes mágicos. Sem de nada desconfiar, na pobre casa dos pais
da menina, só havia alegria...
O pai abre a porta. Surgem Ruim, Malvada e Piorainda. Vestem largos mantos
negros e esfarrapados. Na cabeça, chapéu de bruxa, com cabeleira e uma
meia máscara, que lhes cobre a testa, as faces e o nariz. Nariz de bruxa,
exageradamente grande e adunco. Falam falsa e educadamente.
Ruim: Boa noite, meu bom homem. Ouvimos dizer que nesta casa nasceu uma
linda menina...
Malvada: Linda! Muito linda, sim...
Piorainda: E viemos fazer uma visitinha...
Pai: Oh, mas que bom! Entrem, por favor. Não vão reparar... A casa é tão
simples... Casa de gente pobre...
Malvada: Com licença...
Ruim: (Indo até o berço.) Que gracinha! Bilu, bilu, bilu!
Piorainda: Posso pegar no colo?
Mãe: É claro... à vontade... (incomodada)
Piorainda: (Pegando o bebê.) Agora, Malvada!
Malvada: (Fazendo gestos cabalísticos.) Céu escuro e trovoada...
Pai: Céu escuro? Mas o tempo está tão bonito...
Malvada: Céu escuro e trovoada! Noite suja, noite escura!
Estes dois vão ficar duros! Duros feito rapadura!
Zim! Zam! Zum!
Efeito de explosão de gelo-seco em volta dos pais. Os dois ficam imóveis.
Ruim: Ah, ah, ah! Conseguimos, irmãzinhas!
Piorainda: Ah, ah, ah! Esta beleza agora é nossa!
Malvada: Ah, ah, ah! Que gracinha! Agora esta gracinha é nossa!
Ruim: Ninguém mais vai se derreter com esta menina, Piorainda!
Piorainda: Ninguém mais vai fazer bilu, bilu, Ruim!
Malvada: Linda! Linda! Ela vai crescer na nossa choupana! Ela vai aprender!
Ela vai aprender a ser...
As Três: Feia!
Criança nojenta
Quer brincar? (Feiurinha – quero!)
Não vai não!
Peste remelenta
Quer comer? (Feiurinha – “aham!)
Que peninha!
Cara de vespa
Quer dormir? (Feiurinha: Não!)
Pois vai agora (Feiurinha: Ahh)
Porque você é
Feia feia feia feia feia feia
Feia!