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2 Na terminologia usual dos autores. Constitui uma síntese feliz dessa utilização a
seguinte passagem de António Quirino Duarte Soares: «(...) classificarei dc conceito res
trito e conceito amplo, os que, balizando o conceito de terceiro pelos actos centralizados
no mesmo titular inscrito, actos esses que sejam fontes de direitos incompatíveis sobre
o mesmo prédio, admitem só os actos negociais (conceito restrito) ou lhe acrescentam,
também, os actos não negociais, como a hipoteca judicial, a penhora, o arresto, a venda
judicial (conceito amplo)', e reservarei o nome de amplíssimo para o conceito de terceiros
que abrange, também, os que adquiram direitos incompatíveis ou inconciliáveis sobre o
mesmo prédio, provenientes de autores diferentes» (O conceito de terceiros para efeitos
de registo predial, in «Cadernos de Direito Privado», n.° 9, Janciro/Março 2005, pág. 5).
A respeito da aquisição cm venda judicial, sublinha-se que o entendimento clássico a
inclui no conceito amplo de terceiros. E no entanto, em sentido aparentemente diverso,
vejam-se as seguintes considerações de Manuel dc Andrade, a quem se reconhece a
paternidade do conceito restrito: «Na aquisição derivada intervém portanto uma relação
entre o titular anterior e o novo, não querendo isto dizer, todavia, que para se operar
seja sempre necessário o concurso da vontade daquele. Ao anterior titular dá-sc o nome
de autor, causante (causam dans) ou transmitente; o novo designa-sc por adquirente
ou causado (causam habens)» (Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Coimbra,
2003 (9? reimpressão), págs. 14 e seg.) O Acórdão de uniformização de jurisprudência
n.° 3/99 do Supremo Tribunal de Justiça (in «Diário da República», I Série A, de 10 de
Julho de 1999) situou a venda judicial no conceito restrito de terceiros, existindo ampla
bibliografia sobre o tema.
3 O conceito tem recebido manifesto acolhimento na doutrina, mesmo sem dependência
da obrigatoriedade registai. Ver, por exemplo, Eridano de Abreu, Compra e venda (compra
e venda de veículos automóveis - Valor e natureza do registo - Forma - Enriquecimento
sem causa). Acórdão do S.T.de J. de 24-2-77. Anotação, in «Revista da Ordem dos
Advogados», ano 37 (Setembro-Dezembro 1977), págs. 723 e segs., Heinrich Ewald
Hõrster, Anotação - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Março de 1982,
in «Revista de Direito e Economia», ano VIII, n.° 1, Janciro/Junho 1982, págs. 128 e
segs., Antunes Varela/Henrique Mesquita, Anotação -Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça de 3 de Junho de 1992, in «Revista de Legislação c de Jurisprudência», ano 127.°
(1994), n.° 3838, págs. 19 e segs., Luís A. Carvalho Fcmandcs, Terceiros para Efeitos
de Registo Predial, in «Revista da Ordem dos Advogados», ano 57 (Dezembro 1997),
págs. 1310 e segs., e Lições de Direitos Reais, Lisboa, 2009, págs. 136 e segs., Miguel
Teixeira de Sousa, Sobre o Conceito de Terceiros para Efeitos de Registo (A propósito
do AcSTJ-3/99, de 10/7), in «Revista da Ordem dos Advogados», ano 59 (Janeiro 1999),
págs. 36 e segs., A. Menezes Cordeiro, Direitos Reais - Sumários, Lisboa, 2000, págs.
90 e segs., Armindo Saraiva Matias, Efeitos do Registo Predial Português, in «Galileu»
(Revista de Economia e Direito), vol. V, n.° 1, 2000, págs. 59 e segs., António Quirino
Duarte Soares, O conceito de terceiros para efeitos de registo predial, cit., págs. 3 e segs.,
José Alberto González, Direitos Reais e Direito Registai Imobiliário, 3.“ ed., Lisboa,
2005, págs. 423 e segs.. Luís M. Couto Gonçalves, Terceiros para efeitos de registo e
a segurança jurídica, in «Cadernos dc Direito Privado», n.° 11, Julho/Setembro 2005,
págs. 30 e segs., Ana Maria Taveira da Fonseca, Publicidade espontânea e publicidade
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À LUZ DA OBRIGATORIEDADE REGISTAL 15
provocada de direitos reais sobre imóveis, in «Cadernos de Direito Privado», n.° 20,
Outubro/Dezembro 2007, págs. 16 e segs., e Maria Clara Pereira de Sousa de Santiago
Sottomayor, Invalidade e Registo - A Protecção do Terceiro Adquirente de Boa Fé,
Coimbra, 2010, págs. 327 e segs.
4 Pag. 4359.
5 Pela qualificação como um encargo, ver A. Menezes Cordeiro, Direitos
Sumários, cit., págs. 81 e segs.
25 BIBLIOTECA £
16 HENRIQUE SOUSA ANTUNES
6 Pag. 4368.
7 Servem, ainda, para caractcrizar o ónus os princípios da legitimação registai e do
trato sucessivo (artigos 9.° c 34° do Código do Registo Predial).
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À LUZ DA OBRIGATORIEDADE REGISTAL 17
non domino, a tutela do direito de propriedade não é assegurada peio Estado, correndo
o verdadeiro titular do direito de propriedade, o risco da insolvência do transmitente
sem legitimidade. Questionamos esta solução e defendemos, de iure constituendo,
paralelamente a uma maior protecção do terceiro, uma garantia estadual do pagamento
da indemnização ao verdadeiro proprietário, que sem culpa sua, perdeu o seu direito de
propriedade, em relação a um terceiro de boa fé» (Maria Clara Sottomayor, Invalidade
e Registo, cit., pág. 323).
10 Segue a mesma linha de raciocínio, a limitação da aplicação do artigo 17.°, n.° 2,
do Código do Registo Predial às hipóteses em que o titular do direito não tenha registado
o facto (exemplo: A adquiriu um direito de propriedade. A aquisição não foi registada.
B, exibindo títulos falsos, obtém o registo desse direito em seu favor e vende a coisa
a C. Este, terceiro de boa fé, registou a compra antes do registo da acção de nulidade).
Se o interessado consolidou o seu direito, a confiança que terceiro deposite num registo
nulo é insuficiente para a tutela registai que aquela norma estabelece. Isto claro está,
pressupondo a inexistência de qualquer acto de vontade do titular do direito (o que explica
a diferente solução que para o artigo 291.“ do Código Civil se defende).
20 HENRIQUE SOUSA ANTUNES
"Pág. 4361.
12 Ver, por exemplo, António Quirino Duarte Soares, O conceito de terceiros para
efeitos de registo predial, cit., págs. 3 e segs. («(...) a solução assentou num equívoco,
qual seja o de que, com ela, se permitiu a invocação triunfante de uma presunção de
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propriedade a quem eslava vedado invocar o próprio dircilo presumido, dada a ineficácia
do aclo fundador desse dircilo para com o terceiro que comprou e registou (...)» - pág.
9), c Ana Maria Tavcira da Fonseca, Publicidade espontânea e publicidade provocada
de direitos reais sobre imóveis, cit., págs. 14 e segs. («Sc entendermos que o registo tem
um efeito aquisitivo, enquanto elemento integrante de um facto complexo de produção
sucessiva através do qual é possível ao terceiro adquirir a titularidade do direito, é possível
concluir que o terceiro para efeitos de registo adquire um direito de propriedade sobre o
imóvel e, nessa medida, pode ilidir a presunção de titularidade do possuidor» - pág. 23).
13 Lê-se cm A. Menezes Cordeiro, Direitos Reais — Sumários, cit., págs. 91 e seg.,
cm crítica à escolha da concepção restrita de terceiros: «(...) parece-nos evidente que este
acórdão foi impressionado pelo sentimento do caso concreto aí discutido: um casal compra
uma fraeção autónoma, mas não regista; os credores do vendedor registam, então, uma
penhora sobre essa fraeção: cm princípio, seriam terceiros com melhor registo pelo que
o casal seria despojado do que comprara. Ora é evidente que a solução “justa” poderia
ter sido encontrada pela boa fé: os tais credores deveriam ter reparado que o local estava
habitado e, logo, teria novos donos...».
14 Sobre os antecedentes doutrinais desta proposta, ver, por todos, Gabriel Órfão
Gonçalves, Aquisição Tabular, 2.° ed. (revista e actualizada), Lisboa, 2007, págs. 87 e
segs. Escreve, a respeito do artigo 1268.° do Código Civil, que «a decisão do legislador
foi esta: se há posse, e se ela se iniciou antes da data do registo do terceiro, há sérias
razões para crer que o adquirente registai não podia deixar de saber que o prédio era
possuído por pessoa diferente daquela que consta do registo. Há razões para duvidar da
sua boa fé, em suma. O que, no entanto, também não quer dizer que mesmo num caso
desses (de posse doutrem anterior ao registo) ela não possa existir» (págs. 88 e seg.).
A nossa discordância, como veremos, respeita à persistência da tutela do terceiro em
hipóteses de anterioridade possessória do primitivo adquirente.
22 HENRIQUE SOUSA ANTUNES
15 Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.° ed. (por António Pinto
Monteiro e Paulo Mota Pinto), Coimbra, 2005, pág. 368. É também a opinião de Antunes
Varela e de Henrique Mesquita: «Sc os efeitos do registo fossem impugnáveis pelo facto de o
titular inscrito ter sabido ou ter podido saber, antes de requerer a inscrição, que havia direitos
incompatíveis não registados, o instituto do registo deixaria de proporcionar a segurança e
a comodidade que constituem as suas finalidades principais. A quem pretendesse adquirir
determinado imóvel (...) não bastaria averiguar (...) que o prédio se encontrava rcalmentc
insento na conservatória em nome do vendedor. Teria ainda de realizar todas as diligencias
necessárias (segundo o grau de exigência do eventual julgador de amanhã) para investigar
se o titular inscrito no registo não teria disposto entretanto do imóvel a favor de outrem. E,
mesmo assim, por mais que se esforçasse na altura da aquisição, nunca ficaria seguro de que
um dia mais tarde se não viesse a alegar, não obstante o registo do seu direito e do direito
do antecessor, a sua falta de diligência na averiguação dos factos ou não viesse a recorrer-se
a expedientes fraudulentos para demonstrar a existência de uma aquisição do imóvel não
registada, mas anterior à sua» (Anotação - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3
de Junho de 1992, cit, pág. 24). No mesmo sentido, escreve Paulo Videira Henriques: «(...)
operando com a boa fé não temos um catálogo de critérios normalizados que possamos aqui
e agora indicar, sem margem para contraditório, a respeito da solução dos conflitos. Ora a
consequência é esta: só os tribunais podem dizer, caso a caso, com a sua autorictas, quais são
esses critérios; e então todos os casos terão mesmo que ir a tribunal. Mas este cenário não traz
de todo uma boa notícia para as necessidades do comércio. Ao comércio jurídico imobiliário
não basta que o titular da inscrição em vigor beneficie, em juízo, da protecção decorrente
das presunções legais e da fé pública. Enquanto a lide estiver pendente, o comerciante vai
deparar-se com a suspensão ou mesmo com a interrupção do processo produtivo. Convocando
a boa fé para requisito do artigo 5.° n.° 1 frustram-sc as finalidades de segurança, celeridade
e fluidez do comércio jurídico imobiliário» (Terceiros para Efeitos do Artigo 5° do Código
do Registo Predial, in «Boletim da Faculdade de Direito», Volume Comemorativo do 75.°
Tomo do Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, 2003, págs. 449 e scg.). Ver, ainda, a
citação anterior de Orlando de Carvalho, Terceiros para Efeitos de Registo, cit., pág. 104.
16 Ana Maria Tavcira da Fonseca, Publicidade espontânea e publicidade provocada
de direitos reais sobre imóveis, cit, pág. 22.
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2S Neste último sentido, escrevem, por exemplo, Luís M. Couto Gonçalves («O
legislador cm vez de escolher a expressão transmitente (mais própria da transmissão da
propriedade) escolheu o termo autor que pode englobar outro tipo de constituição não
voluntária de direitos sobre o bem, nomeadamente direitos decorrentes da penhora e da
venda executiva» - Terceiros para efeitos de registo e a segurançajurídica, cit., pág. 28),
Ana Maria Taveira da Fonseca («(...) apesar de a penhora não pressupor um acto volun
tário do devedor, a verdade é que se funda num incumprimento deste. Consequentemente,
ainda que este não tenha transmitido voluntariamente o bem que anteriormente alienou,
deu origem à penhora. Entendemos, por isso, que não pode deixar de se considerar
que o direito do adquirente que não registou a sua aquisição e o direito do penhorante
procedem de um autor comum» - Publicidade espontânea e publicidade provocada de
direitos reais sobre imóveis, cit., pág. 20) e Rui Pinto Duarte («Ao referir, no n.° 4 do
art. 5.°, “autor comum” — e não “transmitente comum” - o legislador parece ter querido
abranger mais do que as transmissões voluntárias, possibilitando, pois, a defesa da tese
da prevalência, na situação-tipo discutida, do direito do penhorante» - Curso de Direitos
Peais, 2." ed., Estoril, 2007, pág. 150).
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