5 Tutoria - Dor Oncológica
5 Tutoria - Dor Oncológica
5 Tutoria - Dor Oncológica
EPIDEMIOLOGIA
O câncer é considerado um sério problem a de saúde pública e pode atingir a
todos indistintamente - jovem e velho, rico e pobre, homens, mulheres e crianças.
Segundos dados da Union Internationale Contrele Cancer (UICC), a cada ano são
diagnosticados 11 milhões de novos casos em todo o mundo. O câncer é um a doença
com elevada morbidade e mortalidade e de prevalência crescente no Brasil. A mortalidade
da neoplasia maligna é calculada em 7 milhões a cada ano. Estima-se, para 2020, o
diagnóstico de 16 milhões de pessoas com câncer, sendo três quartos desses em países
industrializados e em desenvolvimento. As razões para o aumento da mortalidade por
câncer variam de região para região. Alguns fatores são conhecidos, como o tabagismo,
as dietas insalubres, a redução da atividade física e o aumento da expectativa de vida.
No Brasil, de acordo com a estimativa de incidência de câncer realizada pelo
INCA, serão registrados cerca de 634 mil novos casos de câncer em 2018. Entre os
homens, são esperados 324.580 novos casos, e entre as mulheres, 310.300.
Aproximadamente 50% de todos os pacientes portadores de neoplasia
maligna apresentam dor em alguma fase de sua doença, elevando-se esse número para
70% quando nos referimos aos pacientes em estágios avançados.
ETIOLOGIA
Vale ressaltar que a realidade brasileira é o diagnóstico de câncer em fase
avançada, havendo, portanto, uma alta incidência de pacientes com síndrome dolorosa
relacionada ao câncer. Das síndromes dolorosas relacionadas ao câncer, Foley (1982)
refere que entre 62 e 78% são devidas ao tumor, por infiltração ou invasão tumoral direta
ou por metástases; 19 a 28% são devidas ao diagnóstico e tratamentos do câncer, por
iatrogenia e complicações inerentes aos métodos diagnósticos e terapêuticos; e 3 a 10%
não estariam relacionadas ao tumor, nem ao tratamento instituído. A etiologia da dor
crônica relacionada ao câncer pode ser mais difícil de ser caracterizada, pois muitos
pacientes, principalmente aqueles com doença avançada, possuem múltiplas etiologias e
várias fontes de dor.
Dor Causada pelo Tumor
1. Infiltração óssea. A infiltração óssea tumoral é a causa mais comum de
dor no câncer, podendo manifestar-se localmente ou à distância, pelo mecanismo de dor
referida. As metástases ósseas mais comuns são as provenientes dos tumores de mama,
próstata e pulmão. A dor óssea é comum nos pacientes com mieloma múltiplo. Ela ocorre
por conta de estimulação nociva nos nociceptores no periósteo. O crescimento tumoral
ou as fraturas secundárias podem ocasionar lesão, com pressão, tração ou laceração das
estruturas nervosas, ocasionando dor isquêmica, dor neuropática periférica ou dor
mielopática. A dor óssea se manifesta com sensação de dolorimento constante, profundo,
às vezes contínuo, e surge com os movimentos (dor incidental).
TIPOS DE DOR
As síndromes dolorosas podem ser agudas ou crônicas, nociceptivas,
neuropáticas, psicogênicas e/ou mistas.
A dor no câncer tem as características da dor crônica ou persistente, sendo
decorrente de processo patológico crônico, podendo envolver estruturas somáticas ou
viscerais, bem como estruturas nervosas periféricas e/ou centrais, isoladas ou em
associações, cursando com dor contínua ou recorrente por meses ou anos. A natureza da
dor nociceptiva somática é descrita como dolorosa, latejante, pulsátil ou opressiva. A dor
visceral é do tipo cãibra ou cólica, aperto ou latejante. A intensidade da dor relaciona-se
geralmente ao estágio da doença, podendo apresentar períodos de remissão com a
terapêutica neoplásica e de piora com recidivas e progressão da doença. Pode cursar com
episódios de dor aguda, resultantes de procedimentos diagnósticos, cirurgias paliativas,
fraturas, obstruções viscerais ou arteriais e agudizações da doença. A dor pode ser um dos
primeiros sinais da doença, não sendo necessário aguardar o diagnóstico definitivo, como,
por exemplo, o resultado histopatológico de uma biópsia já realizada para dar início à
terapia antálgica. Retardar o tratamento causa mais sofrimento ao paciente.
ATENÇÃO: em virtude de sua vasta etiologia, a dor no câncer geralmente é
mista, podendo estar presente os dois mecanismos básicos de produção da dor: excesso
de nocicepção (dor nociceptiva) e desaferentação (dor neuropática).
3. Dor ao final do efeito da última dose — essa queixa refere-se à dor que
ocorre perto do final do intervalo habitual entre as doses de um analgésico administrado
regularmente. Nesse caso, o paciente que utiliza um opioide oral de ação prolongada
sempre refere dor várias horas antes da dose seguinte (ou, no caso do adesivo de fentanila,
o paciente queixa-se de dor no dia anterior ao da substituição do adesivo). Isso é atribuído
à diminuição dos níveis sanguíneos do analgésico de ação prolongada, pouco antes da
administração ou da captação da próxima dose programada. Os diários da dor e as
perguntas sobre o início da dor ajudam a estabelecer o diagnóstico imediato desse tipo de
dor. As intervenções terapêuticas incluem aumento da dose do fármaco administrado ao
longo do dia, ou diminuição do intervalo entre as doses para incidir no início desse tipo
de exacerbação da dor. Por exemplo, o paciente que utiliza morfina de liberação
controlada a cada 12 h, cuja dor “exacerba” depois de cerca de 8 a 10 h, tem dor ao final
do efeito da última dose. A dose deve ser aumentada em 25 a 50%, caso haja tolerância,
ou o intervalo entre as doses deve ser reduzido para 8 h.
FONTE: CURRENT – DOR
TRATAMENTO
O tratamento da dor do câncer consiste inicialmente do tratamento primário
do câncer nas suas diversas modalidades; como cirurgia, radioterapia, quimioterapia e/ou
hormonoterapia, isoladas ou, na maioria das vezes, combinadas.
O tratamento com fármacos analgésicos é baseado na utilização da escada
analgésica da OMS, com a utilização de analgésicos antiinflamatórios não-hormonais
(AINHs), opióides fracos e fortes, associados ou não a drogas coadjuvantes. Também são
utilizados métodos não-farmacológicos para o tratamento da dor no câncer, como
procedimentos neurocirúrgicos funcionais, estimulação elétrica do sistema nervoso
periférico e central, implantes de dispositivos para administração de analgésicos,
programas de medicina física, acupuntura, acompanhamento psicológico, biofeedback,
hipnose e estratégias cognitivas comportamentais, entre outros. O tratamento tem como
objetivo promover o alívio necessário da dor para que os procedimentos diagnósticos e
terapêuticos do câncer possam ser realizados e deve ser instituído logo que surjam as
primeiras manifestações dolorosas.
TRATAMENTO FARMACOLÓGICO
1- AINHs
As drogas analgésicas antiinflamatórias não-hormonais são utilizadas em
todos os degraus da escada analgésica da dor. O mecanismo de ação é baseado na inibição
reversível ou irreversível da ciclooxigenase (COX), existindo, atualmente, grande
interesse na utilização de fármacos mais específicos para a inflamação e a dor. Como
visto anteriormente, essas drogas podem ser utilizadas isoladas ou associadas a outras
drogas adjuvantes, opioides fracos e fortes, nas várias fases da dor. A associação de
AINHs e opioides é bastante benéfica, tornando possível a redução da dose do opioide,
a melhora dos sintomas álgicos e a redução dos efeitos colaterais. Na dor oncológica,
esses fármacos são benéficos no tratamento da dor somática, principalmente a de caráter
inflamatório, como nas metástases ósseas. Podem aliviar a dor-fantasma, a dor pós-
operatória, as cefaléias, as mialgias e a dor incidental.
2- Opioides
O tratamento analgésico com opioides constitui o sustentáculo da terapia da
dor no câncer. Os opioides são classificados quanto à sua origem como naturais (morfina,
codeína, papaverina), semi-sintéticos (heroína, hidrocona, oxicodona) e sintéticos
(fentanil, sufentanil, butorfanol). Quanto à sua potência, são dividos em fracos (codeína,
tramadol) e fortes (morfina, metadona, oxicodona, buprenorfina, fentanil). Devido à sua
eficácia, disponibilidade em todo o mundo e baixo custo, a OMS considera a morfina
como droga-padrão para o tratamento da dor no câncer.
Os efeitos adversos dos opioides são muito comuns. O principal é a
constipação, que não melhora com o tempo, e é consequente à diminuição da motilidade
do trato gastrointestinal e hipertonia dos esfíncteres; assim que é instituído o tratamento
opioide (principalmente morfina), é necessário prevenir a constipação. Dessa maneira,
dá-se preferência aos formadores de bolo fecal (alimentos ricos em fibras) e aos
emolientes fecais (óleo mineral, glicerina). Outros possíveis efeitos adversos: náuseas e
vômitos, hipertermia e hiperidrose, alterações comportamentais, convulsões,
desnvolvimento de tolerância à medicação (necessitando de cada vez doses maiores),
sedação excessiva e depressão respiratória.
3 – Drogas Adjuvantes
São considerados analgésicos adjuvantes drogas que não têm a dor como
indicação primária, embora sejam analgésicas em algumas situações dolorosas. São
bastante diferentes dos analgésicos tradicionais, como os AINHs e os opioides, compondo
um grupo diversificado de drogas. Existem os:
- Analgésicos polivalentes: antidepressivos, agonistas α2, neurolépticos,
anestésicos locais;
- Analgésicos para síndromes dolorosas neuropáticas: antidepressivos,
anticonvulsivantes, agonistas GABA, bloqueadores NMDA e;
- Analgésicos para dor óssea: corticóides, bisfosfonatos, calcitonina.
4- Tratamento Antineoplásicos
Bifosfonatos — os bifosfonatos podem atenuar a dor associada à doença
óssea metastática por inibição da reabsorção óssea mediada pelos osteoclastos. Esses
fármacos também são utilizados para evitar complicações ósseas e corrigir a
hipercalcemia. Os bifosfonatos não devem ser utilizados em pacientes que não
apresentam evidências de metástases ósseas.
TRATAMENTO NÃO-FARMACOLÓGICO
Os tratamentos não-farmacológicos, como as
técnicas cognitivo-comportamentais e as modalidades
físicas, podem funcionar como coadjuvantes aos analgésicos
(Quadro 8.8). Essas abordagens terapêuticas são
particularmente úteis para controlar os períodos de aumento
da intensidade da dor, enquanto se aguarda o início da ação
dos analgésicos de liberação imediata. Quando se escolhe a
utilização de uma dessas técnicas, deve-se levar em
consideração a capacidade de o paciente e seus cuidadores
participarem, inclusive o grau de fadiga, as crenças relativas à utilização dessas técni- cas,
a função cognitiva e outros fatores.
A terapia cognitivo-comportamental inclui estratégias que promovem a
capacidade de enfrentamento e acentuam o relaxamento. Exemplos dessas técnicas são a
imaginação dirigida, musicoterapia, orações e recomposição. Em uma experiência clínica
randomizada com pacientes submetidos a transplante de medula óssea, a dor foi mais leve
entre os indivíduos que receberam treinamento em relaxamento e imaginação dirigida e
nos pacientes que desenvolveram habilidades cognitivo-comportamentais, mas não no
grupo que utilizou o tratamento convencional ou que foi distribuído randomicamente para
receber suporte de um terapeuta. Um estudo recente com terapia artística realizado em
uma unidade para pacientes oncológicos internados mostrou reduções significativas da
dor, da ansiedade, da fadiga e de outros sintomas.
Modalidades físicas como massagem, reflexologia, calor, quiropatia e outras
técnicas aliviam a dor, embora o mecanismo seja desconhecido. Em um estudo com
massagens aplicadas em pacientes internados em hospitais para doentes terminais, houve
relaxamento evidenciado pelas determinações da pressão arterial, da frequência cardíaca
e da temperatura da pele. Em outro estudo, os autores mostraram que 10 min de massagem
nas costas aliviavam a dor de homens com câncer. Esses procedimentos são simples e
baratos e podem incluir os membros da família, que geralmente buscam modos de
demonstrar apoio aos seus entes queridos.
FONTE: CURRENT – DOR.
Mecanismo de Ação
Os opioides atuam a nível celular ligando-se aos receptores opioides presentes
em todo sistema nervoso central (SNC), especialmente no corno dorsal da medula
espinhal (lâminas I e II), núcleo do trato solitário, área cinzenta periaquedutal, córtex
cerebral, tálamo e substância gelatinosa da medula espinhal.
Receptores opioides podem também estar presentes em terminações nervosas
aferentes periféricas e em diversos outros órgãos.
Os receptores opioides são ligados às proteínas G inibitórias. A ativação
dessa proteína desencadeia uma cascata de eventos: fechamento de canais de cálcio
voltagem dependentes (impedindo liberação dos NT), redução na produção de
monofosfato de adenosina cíclico (AMPs) e estímulo ao efluxo de potássio resultando em
hiperpolarização celular.
Assim, o efeito final é a redução da excitabilidade neuronal, resultando em
redução da neurotransmissão de impulsos nociceptivos.
O grande problema é sua ação indiscriminada em vários receptores,
resultando em ações e/ou efeitos colaterais. O receptor μ é responsável pela analgesia,
mas também leva à sedação, à depressão do sistema respiratório, do SNC.
Ação Espinhal.
Os agonistas opioides inibem a liberação de transmissores excitatórios a partir
dos nervos aferentes primários e inibem diretamente o neurônio transmissor de dor do
corno dorsal. Por conseguinte, os opioides exercem um poderoso efeito analgésico
diretamente na medula espinhal.
Ação Supra-Espinhal
• Atua nas vias descendentes de modulação da dor.
• Os locais de ligação de opioides nas vias descendentes moduladoras da dor
são de importância particular, incluindo o núcleo magno da rafe, o lócus cerúleus e a área
da substância cinzenta periaquedutal do mesencéfalo.
• Os receptores mi ativam as vias descendentes. Eles inibem neurônios que,
em estado de repouso do corpo mantêm as vias descendentes da dor travadas. Dessa
forma, inibindo os neurônios que inibem essas vias, eles liberariam as vias para agir.
Ou seja, os opioides inibem os interneurônios inibitórios, ativando o neurônio
inibitório da dor.
Receptores
Os opioides são agonistas dos receptores opioides encontrados nos neurônios
de algumas zonas do cérebro, medula espinhal e nos sistemas neuronais do intestino.
Os receptores opioides são importantes na regulação normal da sensação de
dor. A sua modulação é feita pelos opioides endógenos.
Existem quatro tipos de receptores opioides: mi (MOP), delta (DOP), kappa
(KOP) e Receptor FQ de nociceptinas orfanina (NOP).
Os receptores mi são os mais significativos na ação analgésica, mas o delta e
kappa, mais presentes em nível medular, partilham de algumas funções.
Cada tipo de receptor é ligeiramente diferente do outro, e apesar de alguns
opioides ativarem todos de forma indiscriminada, alguns já foram desenvolvidos a ativar
apenas um subtipo. Dessa forma, temos:
→ Receptores Mi: principais receptores da morfina, estão envolvidos tanto
na percepção dar dor quanto com o lado emocional da dor.
→ Receptores Kappa: presentes com maior predominância em nível medular,
recebendo toda a aferência álgica que chega neste nível.
→ Receptores Delta: estão envolvidos com receptores inibidores dos centros
da tosse, respiração, TGI, etc.
Sistema cardiovascular
• Discreta bradicardia pela redução do tônus simpático e efeito direto sobre o
nó sinoatrial.
• Vasodilatação periférica causada pela liberação de histamina e redução do
tônus simpático que pode levar à hipotensão.
Sistema respiratório
• Depressão respiratória: mediada pelos receptores MOP. Ocorre a
diminuição na frequência respiratória e a dessensibilização dos quimiorreceptores
centrais às alterações de pressão parcial de dióxido de carbono.
• Supressão do reflexo da tosse: morfina e dimorfina são utilizadas no
tratamento da dispnéia paroxística noturna por causarem sedação, reduzirem a pré-carga
e reduzirem o drive respiratório anormal. A codeína suprime a tosse tanto quanto a
morfina, porém possui menor potência analgésica.
Sistema gastrointestinal
• Náuseas e vômitos.
• Aumento do tônus da musculatura lisa e redução da motilidade, resultando
em retardo na absorção, aumento da pressão no sistema biliar (espasmo do esfíncter de
Oddi) e constipação.
Sistema endócrino
• Inibição da secreção de ACTH, prolactina e hormônios gonadotróficos.
• Aumento na secreção de ADH.
Efeitos oftalmológicos
• A estimulação do núcleo do nervo oculomotor mediada pelos receptores
MOP e KOP leva à miose.
Prurido
• Alguns opióides desencadeiam a liberação de histamina pelos mastócitos
resultando em urticária, prurido, broncoespasmo e hipotensão.
Rigidez muscular
• Altas doses de opióide podem ocasionar rigidez muscular generalizada,
especialmente na musculatura da parede torácica o que pode interferir na ventilação.
Imunidade
• Depressão do sistema imunológico após uso prolongado de opióides.
FARMACOCINÉTICA
Os opiáceos apresentam uma absorção lenta e irregular T.G.I., sofrendo ainda
metabolismo hepático de primeira passagem. Por possuírem pouca fixação à proteína
plasmática, apresentam meia-vida curta. São eliminados por via renal.
A maioria dos opioides é de vida média curta, obrigando a várias tomadas ao
dia. Codeína, meperedina (utilizada para desmame de viciados por ter uma meia-vida
muito longa), morfina e propoxifeno apresentam metabólitos ativos.
TIPOS DE OPIOIDES
OPIOIDES FRACOS
1- Codeína
A codeína, como todos os analgésicos opioides clinicamente úteis, atua, em
última instância, sobre os receptores opioides μ, localizados no encéfalo e na medula
espinhal.
2- Tramadol
O tramadol é um agonista fraco de receptores μ (o livro “Dor – princípios”
traz que se liga fracamente aos receptores μ, κ e δ). Sua afinidade por receptores μ é várias
ordens de grandeza mais fraca que a da morfina. Entretanto, o tramadol promove também
o aumento da liberação de serotonina pelos neurônios e a inibição concomitante da
recaptação de serotonina e norepinefrina. Já se disse também que o tramadol tem uma
atividade antiinflamatória independente da inibição da COX. Há uma hipótese de que os
fracos efeitos do tramadol atuam de modo sinérgico para transformá-lo em um analgésico
clinicamente útil. Em virtude de seus vários mecanismos de ação, o tramadol pode ser
útil para a dor nociceptiva leve a moderada e para a dor neuropática.
OPIOIDES FORTES
Os analgésicos opióides usados na clínica são agonistas dos receptores μ.
Incluem a morfina, oxicodona, hidromorfona, fentanila e metadona. No encéfalo,
esses receptores μ estão localizados em áreas como a substância cinzenta periaquedutal,
que se sabe estar envolvida na mediação da dor. Na medula espinhal, estão localizados
no corno dorsal, onde as fibras aferentes finas de dor fazem sinapse.
Os receptores μ são proteínas transmembrânicas acopladas a proteínas G. Em
situação pré-sináptica, a ligação do opioide pode levar ao bloqueio dos canais de cálcio
e, assim, a uma redução na liberação de neurotransmissores, diminuindo desse modo a
sinalização da dor. Em situação pós-sináptica, a ligação dos opioides pode levar a uma
maior condutância de potássio, o que hiperpolariza o neurônio e o torna menos sensível
a disparar para transmitir o sinal de dor.
EFEITOS COLATERAIS
Todos os opioides têm efeitos colaterais semelhantes (Quadro 3.6); os mais
comuns incluem náuseas, prisão de ventre e alteração da cognição (por exemplo, sedação,
confusão mental). Embora seja muito temida, a depressão respiratória é incomum quando
os opioides são empregados em doses apropriadas. Esta afirmação é especialmente
verdadeira quando os opioides são titulados na presença de dor, que é um poderoso
antagonista da depressão respiratória. Outros efeitos colaterais menos comuns são
disforia, delírio, mioclonia, convulsões, prurido, urticária e retenção urinária.
Via Oral
Os analgésicos devem ser administrados de preferência pela via oral. Vias de
administração alternativas como retal, transdérmica ou parenteral podem ser úteis em
pacientes com disfagia, vômitos incoercíveis ou obstrução intestinal.
Intervalos Fixos
Os analgésicos devem ser administrados a intervalos regulares de tempo. A
dose subsequente precisa ser administrada antes que o efeito da dose anterior tenha
terminado. A dose do analgésico precisa ser condicionada à dor do paciente, ou seja,
inicia-se com doses pequenas, sendo progressivamente aumentada até que ele receba
alívio completo, ou seja, titulação da dose opioide.
Individualização
A dose correta dos opioides é a que causa alívio da dor com o mínimo de
efeitos adversos. Se a analgesia é insuficiente, o paciente deve ser reavaliado e deve-se
subir um degrau da escada analgésica e não prescrever medicamento da mesma categoria.
INDICAÇÕES
Pela definição da Organização Mundial da Saúde (OMS) para Cuidados
Paliativos, todos os pacientes portadores de doenças graves, progressivas, que ameacem
a continuidade da vida, deveriam receber a abordagem dos Cuidados Paliativos desde o
seu diagnóstico. Entretanto, sabemos que, se essa referência tivesse de ser cumprida, a
maioria dos pacientes permaneceria sem nenhuma assistência paliativa, pois não temos
ainda disponibilidade de profissionais e serviços que possam dar conta do atendimento
dessa população.
Por conta dessa dificuldade de avaliar e cuidar do sofrimento, estabelecemos
alguns critérios de recomendação para Cuidados Paliativos, considerando a possibilidade
de indicação para aqueles pacientes que esgotaram todas as possibilidades de tratamento
de manutenção ou prolongamento da vida, que apresentam sofrimento moderado a
intenso e que optam por manutenção de conforto e dignidade da vida.
Um dos critérios mais discutidos é o que se refere ao prognóstico de tempo
de vida do paciente. O limite designado em seis meses de expectativa de vida poderia ser
utilizado para indicação de Cuidados Paliativos exclusivos, uma vez que esse critério foi
importado do Medicare americano, que estabelece o tempo de sobrevida esperado como
um dos critérios de indicação para assistência de hospice. São critérios do Medicare:
• a expectativa de vida avaliada é menor ou igual a seis meses;
• o paciente deve fazer a opção por Cuidados Paliativos exclusivos e abrir
mão dos tratamentos de prolongamento da vida;
• o paciente deve ser beneficiário do Medicare.
MECANISMOS DE DEPENDÊNCIA
Dependência Física
A dependência física é um fenômeno que geralmente está associado à
tolerância e que costuma resultar de mecanismos semelhantes aos que provocam
tolerância farmacodinâmica. Dependência física é a necessidade da droga para manter o
funcionamento normal. Na ausência da droga, revelam-se as adaptações que produziram
a tolerância. A característica da dependência física é a manifestação de sintomas de
abstinência na ausência da droga.
Como na tolerância, a dependência pode resultar de alterações nas vias de
sinalização celular. Por exemplo, uma droga que cause tolerância farmacodinâmica por
meio de suprarregulação da via do AMPc também provoca dependência porque a
interrupção súbita do uso permite que a adenil ciclase supraregulada afete uma resposta
supranormal. Inversamente, uma droga que reduza o número de receptores ou diminua a
sensibilidade do receptor provoca dependência porque a interrupção causa a
subestimulação dos receptores infrarregulados. Esses efeitos frequentemente são visíveis
porque o receptor tem um agonista endógeno, de modo que a ativação do receptor é parte
dos processos fisiológicos normais.
Quando um sistema de mensageiro secundário é suprarregulado ou um
receptor da superfície celular é infrarregulado, uma quantidade normal do agonista
endógeno pode provocar uma resposta supranormal ou subnormal, respectivamente.
Por exemplo, a ingestão aguda de álcool facilita a atividade inibitória do
GABA em seus receptores, causando sedação. Ao longo do tempo, os receptores de
GABA são infrarregulados, reduzindo o nível de inibição para neutralizar os efeitos
sedativos do álcool. Caso haja interrupção súbita do uso de álcool, a diminuição da
inibição GABAérgica provoca um estado de hiperatividade do sistema nervoso central,
que caracteriza a abstinência de álcool.
Assim, a tolerância e a dependência física são provocadas por mecanismos
semelhantes; no entanto, como é possível haver dependência sem tolerância e vice-versa,
fica claro que nossa compreensão desses fenômenos é incompleta.
Dependência Psicológica
Embora os mecanismos de dependência física sejam relativamente bem
caracterizados, as causas de dependência psicológica ainda são controversas, apesar dos
muitos trabalhos nessa área.
Acredita-se que os feixes prosencefálicos mediais e área tegmental ventral no
mesencéfalo medeiem o comportamento de recompensa. Um subgrupo de neurônios
dopaminérgicos projeta-se diretamente da área tegmental ventral para o nucleus
accumbens (NAc) através do feixe prosencefálico medial. Um subgrupo de neurônios
dopaminérgicos projeta-se diretamente da área tegmental ventral para o nucleus
accumbens (NAc) através do feixe prosencefálico medial.
Embora a via dopaminérgica esteja associada à recompensa, a dopamina
também pode tornar os estímulos mais notados e alertar o animal ou a pessoa para sua
importância. Como já foi discutido, a via da dopamina é ativada durante o uso da droga.
Embora a descoberta de que as drogas de abuso ativam a via de recompensa
encefálica seja uma explicação fácil para a dependência psicológica (i. e., que a
administração de uma droga está associada à recompensa), a literatura recente sugeriu
que a dependência psicológica é mais complicada. É provável que muitos mecanismos
moleculares que medeiam a dependência física, como a suprarregulação das vias de
sinalização do mensageiro secundário e alterações na sensibilidade do receptor, também
sejam importantes na dependência psicológica. Nessa formulação, a distinção entre
dependência física e psicológica ocorre não porque há diferentes mecanismos
moleculares, mas porque as alterações induzidas pela droga afetam neurônios que têm
diferentes funções. Por exemplo, uma droga pode causar euforia aguda porque ativa a via
de recompensa encefálica dopaminérgica, mas a euforia pode ser seguida por um período
de disforia. Se a via de recompensa encefálica sofrer adaptações após a administração
repetida da droga, essas adaptações serão reveladas durante a abstinência, resultando em
um estado de dependência psicológica.
MECANISMOS DE ADICÇÃO
Originalmente acreditava-se que a adicção dependia basicamente dos efeitos
físicos ou psicológicos da abstinência. Como a abstinência é um evento aversivo,
acreditava-se que a necessidade de manter os níveis sanguíneos da droga fosse o motivo
que levasse ao seu uso contínuo. Embora esse mecanismo possa ocorrer a curto prazo,
não explica a observação de que os efeitos da adicção ocorrem muito tempo depois de
cessarem os sintomas físicos da abstinência. Anos após deixar de usar uma substância, o
adicto pode apresentar grande fissura pela droga (i. e., uma preocupação intensa com a
obtenção da droga), sugerindo que pode haver uma forma de dependência psicológica de
longa duração. Assim, os adictos são propensos à recaída, mesmo após anos de
afastamento. A probabilidade de recaída é particularmente alta em situações nas quais os
indivíduos encontram ao mesmo tempo estresse e o contexto em que a droga foi usada
antes. Em parte, essa maior probabilidade de recaída pode resultar de uma interação entre
o circuito de recompensa e o circuito de memória encefálico, que, em circunstâncias
normais, atribui valor emocional a determinadas memórias.
É improvável que a dependência física seja o mecanismo primário de adicção
a drogas como cocaína e anfetaminas, que causam poucos sintomas de dependência física,
mas mesmo assim são grandes causadoras de adicção. A maioria das entrevistas com
adictos em recuperação sugere que eles costumam organizar suas prioridades para obter
mais droga não por medo dos sintomas físicos associados à abstinência, mas porque
estavam sempre buscando sentirem-se mais normais. Essas observações sugerem que o
uso crônico de drogas causa uma alteração prolongada no sistema de recompensa
encefálico e/ou nos sistemas de memória relacionados ao sistema de recompensa.
O conceito de alostase ofereceu uma explicação útil para a persistência da
adicção. A alostase é uma adaptação encefálica prolongada à presença crônica de uma
droga, que cria uma homeostase alterada dependente da presença contínua da droga. Na
abstinência, quando a droga é removida, o adicto não se sente normal, sai em busca da
droga e volta a usá-la para restabelecer a homeostase droga-dependente. Estudos em seres
humanos e animais constataram indícios dessas neuroadaptações prolongadas nos níveis
alterados dos neurotransmissores (p. ex., depleção de dopamina após o uso crônico de
álcool ou estimulante), no aumento da reatividade ao estresse, na alteração dos
mecanismos de transdução de sinal, nas alterações da expressão gênica e na alteração das
configurações e da função sináptica. Clinicamente, os pacientes em abstinência relatam
disforia, distúrbios do sono e aumento das respostas de estresse que podem persistir por
semanas a meses após a desintoxicação.
A idéia atual sobre adicção reconhece a heterogeneidade do processo
adictivo. Em alguns indivíduos, pode haver predomínio dos fatores de recompensa, e a
onda ou euforia motiva o uso. Em outros, há predomínio dos fatores de alívio, como o
consumo de álcool para reduzir o estresse, para reduzir a disforia da abstinência
prolongada e sentir-se normal ou para tratar a abstinência. Ainda outros podem
automedicar-se para reduzir os sintomas psiquiátricos de um distúrbio concomitante.