5 Tutoria - Dor Oncológica

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TUTORIA 5 – DOR ONCOLÓGICA

1) Caracterizar a dor oncológica quanto aos aspectos fisiopatológicos e clínicos.


Apesar da crescente melhora no controle da dor nos últimos 15 anos, a dor
relacionada ao câncer continua afetando, significativamente, a saúde pública. De todos os
sintomas que o paciente com câncer apresenta, a dor é sempre o mais temido. O
sofrimento desses pacientes é resultado da interação da percepção dolorosa associada à
incapacidade física, ao isolamento social e familiar, às preocupações financeiras, ao medo
da mutilação e da morte, definindo o quadro de dor total descrito por Cecily Saunders.
Cerca de 1/3 dos pacientes com câncer apresenta dor no momento do
diagnóstico, enquanto 2/3 com a doença em estágio avançado classificam sua dor como
de intensidade moderada a severa. O não controle da dor no câncer está associado com o
significativo aumento dos níveis de depressão, ansiedade, hostilidade e somatização. Há
evidências de que os pacientes com dor causada pelo câncer apresentam mais distúrbios
emocionais que os pacientes com câncer sem dor, embora estes respondam menos ao
tratamento e morram mais cedo.
Os estudos e a prática mostram que o câncer ainda é uma doença
estigmatizante, e o medo está relacionado à presença da dor, aos mitos e preconceitos
sobre as drogas utilizadas para tratá-la e ao tratamento antineoplásico, com suas
repercussões físicas, sociais e emocionais, às vezes mutilante, resultando em
incapacidade, sofrimento e medo da morte. A dor psíquica, ou sofrimento, pode
determinar um importante papel na qualidade de vida do paciente. Ignorar esse tipo de
dor é tão perigoso quanto ignorar a dor somática. A dor física e a dor psíquica estão
intimamente relacionadas, o que demonstra a importância da interdisciplinaridade na
abordagem do paciente com dor oncológica. Apesar da moderna tecnologia empregada
no intuito de diagnosticar precocemente as neoplasias, do desenvolvimento de novas
drogas antineoplásicas e de técnicas de radioterapia e cirurgia para tratar o câncer, pouca
atenção vem sendo dada ao controle adequado da dor, principalmente nos países
subdesenvolvidos. Em 1990, esse fato levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) a
decretar que a dor associada às neoplasias constitui uma emergência médica mundial.

EPIDEMIOLOGIA
O câncer é considerado um sério problem a de saúde pública e pode atingir a
todos indistintamente - jovem e velho, rico e pobre, homens, mulheres e crianças.
Segundos dados da Union Internationale Contrele Cancer (UICC), a cada ano são
diagnosticados 11 milhões de novos casos em todo o mundo. O câncer é um a doença
com elevada morbidade e mortalidade e de prevalência crescente no Brasil. A mortalidade
da neoplasia maligna é calculada em 7 milhões a cada ano. Estima-se, para 2020, o
diagnóstico de 16 milhões de pessoas com câncer, sendo três quartos desses em países
industrializados e em desenvolvimento. As razões para o aumento da mortalidade por
câncer variam de região para região. Alguns fatores são conhecidos, como o tabagismo,
as dietas insalubres, a redução da atividade física e o aumento da expectativa de vida.
No Brasil, de acordo com a estimativa de incidência de câncer realizada pelo
INCA, serão registrados cerca de 634 mil novos casos de câncer em 2018. Entre os
homens, são esperados 324.580 novos casos, e entre as mulheres, 310.300.
Aproximadamente 50% de todos os pacientes portadores de neoplasia
maligna apresentam dor em alguma fase de sua doença, elevando-se esse número para
70% quando nos referimos aos pacientes em estágios avançados.

ETIOLOGIA
Vale ressaltar que a realidade brasileira é o diagnóstico de câncer em fase
avançada, havendo, portanto, uma alta incidência de pacientes com síndrome dolorosa
relacionada ao câncer. Das síndromes dolorosas relacionadas ao câncer, Foley (1982)
refere que entre 62 e 78% são devidas ao tumor, por infiltração ou invasão tumoral direta
ou por metástases; 19 a 28% são devidas ao diagnóstico e tratamentos do câncer, por
iatrogenia e complicações inerentes aos métodos diagnósticos e terapêuticos; e 3 a 10%
não estariam relacionadas ao tumor, nem ao tratamento instituído. A etiologia da dor
crônica relacionada ao câncer pode ser mais difícil de ser caracterizada, pois muitos
pacientes, principalmente aqueles com doença avançada, possuem múltiplas etiologias e
várias fontes de dor.
Dor Causada pelo Tumor
1. Infiltração óssea. A infiltração óssea tumoral é a causa mais comum de
dor no câncer, podendo manifestar-se localmente ou à distância, pelo mecanismo de dor
referida. As metástases ósseas mais comuns são as provenientes dos tumores de mama,
próstata e pulmão. A dor óssea é comum nos pacientes com mieloma múltiplo. Ela ocorre
por conta de estimulação nociva nos nociceptores no periósteo. O crescimento tumoral
ou as fraturas secundárias podem ocasionar lesão, com pressão, tração ou laceração das
estruturas nervosas, ocasionando dor isquêmica, dor neuropática periférica ou dor
mielopática. A dor óssea se manifesta com sensação de dolorimento constante, profundo,
às vezes contínuo, e surge com os movimentos (dor incidental).

2. Compressão ou infiltração de nervos periféricos. A infiltração ou


compressão de troncos, plexos e/ou raízes nervosas pelo tumor, linfonodos e/ou fraturas
ósseas metastáticas pode determinar dor aguda de forte intesidade, resultando em
plexopatia, radiculopatia ou neuropatia, ou seja, dor na distribuição da estrutura nervosa
acometida, com apresentação de dor em queimação, contínua, hiperestesia, disestesia e
perda progressiva da sensibilidade. As neoplasias de cabeça e pescoço ou as lesões
metastáticas para os linfonodos cervicais podem comprimir os plexos cervicais,
ocasionando dor local lancinante com disestesia, irradiada para a região da nuca ou
retroauricular, ombro ou mandíbula.

3. Infiltração do neuroeixo (SNC). Pode ocorrer dor por invasão tumoral na


medula espinal, no encéfalo e em suas meninges. A dor radicular surge por compressão
ou infiltração da medula espinal, com alteração motora, sensitiva e autonômica distais ao
local da lesão. Podemos observar, além da dor radicular, a primeira manifestação do
comprometimento raquimedular, a dor mielopática localizada e a dor-fantasma. A
compressão medular é uma urgência médica, necessitando de tratamento de radioterapia
ou descompressão cirúrgica ao menor sinal de compressão da medula, como fraqueza de
membros inferiores, diminuição do tato e disfunção de esfíncteres.

4. Infiltração e oclusão de vasos sanguíneos e linfáticos. As células tumorais


podem infiltrar e/ou ocluir os vasos sanguíneos e linfáticos, ocasionando vasoespasmo,
linfangite e possível irritação nos nervos aferentes perivasculares. O crescimento tumoral
nas proximidades dos vasos sanguíneos leva à oclusão desses vasos parcial ou totalmente,
produzindo estase venosa ou isquemia arterial, ou ambos. A isquemia causa dor e
claudicação. A estase venosa produz edema nas estruturas supridas por esses vasos,
determinando distensão dos compartimentos faciais e de outras estruturas nociceptivas.
A oclusão arterial produz isquemia e hipoxia com destruição celular. Esses mecanismos
causam dor normalmente difusa, cuja intensidade aumenta com a progressão do processo.

5. Infiltração de vísceras ocas ou invasão de sistemas ductais de vísceras


sólidas. A oclusão de órgãos dos sistemas digestório, urinário e reprodutivo (estômago,
intestinos, vias biliares, ureteres, bexiga e útero) produz obstrução do esvaziamento
visceral e determina contratura da musculatura lisa, espasmo muscular e isquemia,
produzindo dor visceral difusa (tipo cólica) constante, com sensação de peso ou
pobremente localizada, referida nas áreas de inervação da víscera comprometida. Órgãos
como linfonodos, fígado, pâncreas e suprarrenais podem vir a apresentar dor devido à
isquemia ou distensão de suas cápsulas. Essas vísceras sólidas também podem apresentar
quadro álgico por obstrução de seus sistemas ductais.

Dor Causada pelo Tratamento do Câncer


Cerca de 19% dos pacientes com câncer apresentam dor secundária ao
tratamento.
1. Dor pós-cirúrgica. Determinadas intervenções cirúrgicas têm alta
incidência para o desenvolvimento de dor aguda e crônica. Na fase aguda, a dor decorre
do processo inflamatório traumático de cirurgias, como toracotomias, esternotomias,
amputações e mastectomias. Na fase crônica, a dor ocorre devido ao câncer recidivado
localmente. O trauma ocasionado em estruturas nervosas, durante o procedimento
cirúrgico, resulta, comumente, em dor persistente além do normal, chamada neuralgia
pós-cirúrgica; tem origem traumática na sua grande maioria e, em um menor número de
casos, decorre de fibrose cicatricial ou com pressões. As dores incisionais e cicatriciais
são frequentes após toracotomias, laparatomias e amputações de membros, de reto e de
mama. O tratamento intenso da dor aguda pós-operatória, tanto no procedimento
anestésico-cirúrgico, como no pós-operatório imediato, faz diferença para a dor crônica
pós-cirúrgica.
A dor fantasma ocorre geralmente após amputação de um membro ou em
outra estrutura somática do corpo que foi amputada, surgindo em menos de 5% dos casos
de amputação.
2. Dor pós-radioterapia. A dor pós-radioterapia apresenta-se como
exacerbação aguda de dor crônica relacionada ao posicionamento para a terapia,
queimaduras cutâneas, neuropatia actínica, mielopatia actínica, mucosite bucal, esofagite,
produção de tumores primários de nervos periféricos secundários à radiação, obstrução
intestinal parcial e infarto ou isquemia intestinal.
Após a radioterapia, pode ocorrer fibrose de forma lenta e progressiva,
ocasionando lesão nas adjacências dos nervos, com dor em queimação e disfunção do
sistema somatossensorial.

3. Dor pós-quimioterapia. A dor pode ocorrer por polineuropatias


periféricas, causadas por drogas imunossupressoras (oxaliplatina, paclitaxel,
doxorrubicina...), podendo ser de caráter transitório ou definitivo. Existem as mucosites
(oral, faríngea, gastroduodenal e nasal) induzidas por leucopenia ou irradiação. Também
podem ocorrer espasmos vesicais e a necrose asséptica da cabeça do fêmur, causados
por corticoides. Os quimioterápicos causam dor pelos mecanismos: mucosite,
inflamação e lesão nervosa.

Dor Não-relacionada ao Câncer ou ao seu Tratamento


As síndromes dolorosas que não estão relacionadas nem ao tratamento nem
ao tumor representam 3% do total e podem ser causadas por: osteomielite, migrânea,
cefaleia tensional, osteoartrite, osteoporose, neuropatia diabética, pós-alcoolismo, hérnia
discal, entre outras, sem relação com a dor ocasionada pelo câncer.

TIPOS DE DOR
As síndromes dolorosas podem ser agudas ou crônicas, nociceptivas,
neuropáticas, psicogênicas e/ou mistas.
A dor no câncer tem as características da dor crônica ou persistente, sendo
decorrente de processo patológico crônico, podendo envolver estruturas somáticas ou
viscerais, bem como estruturas nervosas periféricas e/ou centrais, isoladas ou em
associações, cursando com dor contínua ou recorrente por meses ou anos. A natureza da
dor nociceptiva somática é descrita como dolorosa, latejante, pulsátil ou opressiva. A dor
visceral é do tipo cãibra ou cólica, aperto ou latejante. A intensidade da dor relaciona-se
geralmente ao estágio da doença, podendo apresentar períodos de remissão com a
terapêutica neoplásica e de piora com recidivas e progressão da doença. Pode cursar com
episódios de dor aguda, resultantes de procedimentos diagnósticos, cirurgias paliativas,
fraturas, obstruções viscerais ou arteriais e agudizações da doença. A dor pode ser um dos
primeiros sinais da doença, não sendo necessário aguardar o diagnóstico definitivo, como,
por exemplo, o resultado histopatológico de uma biópsia já realizada para dar início à
terapia antálgica. Retardar o tratamento causa mais sofrimento ao paciente.
ATENÇÃO: em virtude de sua vasta etiologia, a dor no câncer geralmente é
mista, podendo estar presente os dois mecanismos básicos de produção da dor: excesso
de nocicepção (dor nociceptiva) e desaferentação (dor neuropática).

A dor por excesso de nocicepção (nociceptiva) é a mais comum no câncer. É


causada por estímulos aferentes de grande intesidade, nocivos ou lesivos, produzidos por
processo inflamatórios ou infiltração de tecidos pelo tumor, capazes de atingir o alto
limiar de excitabilidade do nociceptor e gerar a dor. A dor nociceptiva ocorre como
resultado da ativação e sensibilização dos nociceptores em tecidos cutâneos e profundos,
localizados preferencialmente na pele, músculo, tecido conjuntivo, osso e víscera torácica
ou abdominal.
A dor é denominada neuropática se a avaliação sugerir que é mantida por
processos somatossensoriais anormais no sistema nervoso periférico (SNP) ou central
(SNC).
Ela surge quando há disfunção do SNP e/ou do SNC, por invasão tumoral ou
pelo tratamento do câncer (cirurgia, radioterapia e/ou quimioterapia). A dor neuropática
é uma das duas principais manifestações dolorosas crônicas, não havendo, geralmente,
nenhum dano tecidual. O que ocorre é uma disfunção das vias que transmitem dor,
levando a uma transmissão crônica dos sinais dolorosos. A injúria neural, que produz dor
neuropática, pode ser óbvia ou oculta, podendo ocorrer em qualquer nível das vias
nociceptivas periféricas ou centrais. As propriedades funcionais dos nervos e das
unidades centrais precisam ser mantidas íntegras, para que o processamento central da
informação nociceptiva ocorra de modo adequado. Havendo qualquer modificação na
função das terminações nervosas periféricas, das vias de condução ou do processamento
central da informação nociceptiva (estimulação aferente), não chega a ser incomum que
a dor espontânea ou gerada por estímulos não-nocivos venha a se manifestar. Como a dor
por desaferentação não aparece em todos os pacientes com lesões similares, admite-se
que haja fatores genéticos envolvidos em sua ocorrência. Um exemplo disso é a dor do
membro-fantasma, que pode ocorrer após uma amputação. O diagnóstico da dor
neuropática é baseado na descrição verbal de dor do paciente, no exame físico e na
suspeita de lesão nervosa. A dor é descrita pelos pacientes como ardor, formigamento ou
choque elétrico.
A dor pode ser definida como psicogênica se houver evidência positiva de
que os fatores psicológicos predominam na manutenção do sintoma sem nenhuma
evidência de causa orgânica.
O evento conhecido como dor incidental, ou breakthrough pain, ocorre
quando o controle da dor basal é alcançado, e, ainda assim, o paciente apresenta episódios
de dor em picos, de início súbito e agudo. Pode ocorrer espontaneamente ou estar
relacionado aos movimentos (pacientes com infiltração óssea), como também pode
ocorrer em consequência de prescrição analgésica com doses e intervalos inadequados.
Essa condição leva o paciente à apreensão e à descrença no tratamento. A intervenção
terapêutica consiste na administração de doses de analgésicos de ação rápida, reavaliação
do esquema regular, fornecimento de opioide de ação curta antes de atividades dolorosas,
evitando falha da última dose. É necessário encontrar um equilíbrio entre a melhor dose
analgésica e a presença de efeitos colaterais suportáveis.
FONTE: DOR – PRINCÍPIOS E PRÁTICAS

As síndromes dolorosas associadas ao câncer podem ser classificadas em


vários grupos: agudas versus crônicas, nociceptivas (também conhecidas como
somáticas) versus neuropáticas e causadas pela doença ou pelo tratamento. A exacerbação
da dor constitui uma síndrome dolorosa particularmente difícil e existem descritos vários
tipos.
A) Dor Aguda versus Dor Crônica
A dor aguda geralmente é causada por procedimentos invasivos, como
intervenções diagnósticas ou cirúrgicas, ou pelos efeitos da quimioterapia e dos outros
tratamentos, inclusive mucosite ou suscetibilidade à dor óssea depois do tratamento
hormonal. A abordagem terapêutica é semelhante às técnicas utilizadas para atenuar a dor
aguda dos pacientes que têm doenças benignas. O Quadro 8.1 relaciona exemplos de dor
aguda associada ao tratamento que são típicos dos pacientes com câncer.
As síndromes dolorosas crônicas geralmente têm envolvimento dos ossos,
dos tecidos moles, das vísceras e do sistema nervoso. As metástases ósseas são as causas
mais comuns de dor nos pacientes com câncer de mama, pulmão ou próstata e têm
evolução crônica. O linfedema que ocorre em cerca de 20% das mulheres submetidas a
dissecção de linfonodos axilares é um exemplo de dor referida aos tecidos moles e está
associada a morbidade física e psicológica significativa. A dor visceral descrita como
espasmódica, mal localizada e difusa pode originar-se da invasão tumoral do fígado, dos
intestinos, dos rins, do peritônio, da bexiga ou de outros órgãos. A dor neuropática pode
ter várias causas, pode ser difícil de descrever para o paciente e geralmente tem tratamento
complexo. Por fim, muitos pacientes com câncer apresentam síndromes que não estão
relacionadas com o câncer ou seu tratamento (por exemplo, osteoartrite).

B) Dor Nociceptiva versus Neuropática


A dor nociceptiva pode ser somática ou visceral, geralmente é descrita como
dolorida ou em pontadas e na maioria dos casos é causada pelas complicações
musculoesqueléticas do câncer. Exemplos de dor nociceptiva são as metástases ósseas e
a invasão dos tecidos moles pelo tumor. A hipersensibilidade à dor depois da terapia
hormonal também tem origem nociceptiva. A dor abdominal em aperto, corrosiva ou
espasmódica pode ser causada pela compressão das cápsulas dos órgãos ou pelo
estiramento do mesentério ou de outras estruturas viscerais. A dor visceral pode ser
referida, como se observa quando um tumor hepático causa estriamento da cápsula que
circunda o órgão e causa dor no quadrante superior direito e, geralmente, também no
ombro direito.
A dor neuropática descrita como latejante, em queimação, em choque ou em
ferroadas sugere lesão das estruturas centrais ou periféricas do sistema nervoso. Exemplos
desse tipo de dor são as neuropatias periféricas causadas pela quimioterapia e a dor
radicular secundária às metástases vertebrais com compressão das raízes nervosas. Os
agentes quimioterápicos mais comumente associados à neuropatia periférica são os
seguintes:
1. Compostos à base de platina (p. ex., cisplatina, oxaliplatina)
2. Taxanos (p. ex., docetaxel, paclitaxel)
3. Talidomida
4. Alcalóides da vinca (p. ex., vimblastina, vincristina)
O Quadro 8.2 relaciona as causas comuns de dor neuropática diagnosticada
nos pacientes com câncer. O médico deve lembrar que os indivíduos com câncer têm
comorbidades que causam dor neuropática ou podem aumentar o risco desses pacientes
de desenvolver neuropatia.

C) Dor Causada pela Doença versus Dor Causada pelo Tratamento


A massa tumoral geralmente causa dor (Quadro 8.4). O tratamento do câncer
(inclusive cirurgia, quimioterapia, radioterapia, terapias hormonais e biológicas) também
pode causar dor (Quadro 8.4). A avaliação cuidadosa é essencial, assim como a descrição
dos objetivos do tratamento. A dor relacionada com o tratamento pode causar
interrupções, alterar o protocolo antineoplásico e, em alguns casos, motivar a suspensão
definitiva do tratamento.
D) Exacerbação da Dor
Os episódios intermitentes de dor moderada a intensa que ocorrem apesar do
controle da dor basal contínua são muito comuns nos pacientes que padecem dor
associada ao câncer. Apesar da prevalência da exacerbação da dor, alguns estudos
sugeriram que, muitas vezes, os analgésicos de ação curta não são administrados e que os
pacientes não os utilizam nas doses permitidas. Os pacientes com câncer têm exacerbação
da dor algumas vezes ao dia, que persiste por alguns instantes a muitos minutos e
geralmente começa sem aviso. Os três tipos gerais de exacerbação são os seguintes: dor
incidente, dor espontânea e dor ao final do efeito da última dose.
1. Dor incidente — a dor incidente está associada a atividades específicas
como tossir ou caminhar. Em um estudo com pacientes portadores de câncer terminal,
93% tinham exacerbação da dor e 72% dos episódios estavam relacionados com os
movimentos ou com a sustentação de peso. Os pacientes devem ser orientados a utilizar
analgésicos de ação rápida e duração curta antes de realizarem as atividades ou os eventos
que provocam dor. Quando possível, pode ser usado o mesmo fármaco que o paciente já
utiliza para aliviar a dor basal (p. ex., morfina de ação prolongada e morfina de liberação
imediata). A dose do analgésico utilizado para tratar a exacerbação da dor deve ser
ajustada e titulada com base na intensidade da dor esperada ou da gravidade e na duração
do evento desencadeante.

2. Dor espontânea — a dor espontânea ocorre de modo imprevisível e não


está relacionada temporalmente com qualquer atividade ou evento. Essa dor é mais difícil
de controlar. A utilização dos analgésicos coadjuvantes para a dor neuropática pode
ajudar a reduzir a frequência e a intensidade desse tipo de dor. Por outro lado, deve-se
administrar tratamento imediato com um analgésico opioide potente de início rápido.

3. Dor ao final do efeito da última dose — essa queixa refere-se à dor que
ocorre perto do final do intervalo habitual entre as doses de um analgésico administrado
regularmente. Nesse caso, o paciente que utiliza um opioide oral de ação prolongada
sempre refere dor várias horas antes da dose seguinte (ou, no caso do adesivo de fentanila,
o paciente queixa-se de dor no dia anterior ao da substituição do adesivo). Isso é atribuído
à diminuição dos níveis sanguíneos do analgésico de ação prolongada, pouco antes da
administração ou da captação da próxima dose programada. Os diários da dor e as
perguntas sobre o início da dor ajudam a estabelecer o diagnóstico imediato desse tipo de
dor. As intervenções terapêuticas incluem aumento da dose do fármaco administrado ao
longo do dia, ou diminuição do intervalo entre as doses para incidir no início desse tipo
de exacerbação da dor. Por exemplo, o paciente que utiliza morfina de liberação
controlada a cada 12 h, cuja dor “exacerba” depois de cerca de 8 a 10 h, tem dor ao final
do efeito da última dose. A dose deve ser aumentada em 25 a 50%, caso haja tolerância,
ou o intervalo entre as doses deve ser reduzido para 8 h.
FONTE: CURRENT – DOR

BARREIRAS AO ADEQUADO TRATAMENTO DA DOR


Infelizmente, no Brasil ainda não existe uma política de saúde pública que
atenda de forma satisfatória às necessidades do paciente portador de dor oncológica e que
careça da prática dos cuidados paliativos.
A OMS tem estabelecido políticas de implementação e disseminação do
conhecimento por meio de program as educacionais em todo o mundo. A Associação
Internacional para o Estudo da Dor (IASP), com o apoio de suas afiliadas, tem
desenvolvido um trabalho de excelência na área educacional, enfatizando a importância
de um currículo mínimo para os profissionais da área de saúde, do manejo adequado da
dor oncológica e do controle dos sintomas indesejáveis nos cuidados paliativos. Existe a
necessidade de criar programas educacionais para os profissionais da área de saúde e para
a população leiga sobre o manejo adequado da dor. Há uma grande restrição quanto à
dispensação de analgésicos opioides, isso porque poucos são os serviços públicos, no
Brasil, que fornecem, gratuitamente, opioides fortes e/ou drogas coadjuvantes.
Pode-se dizer, assim, que as barreiras ao adequado tratamento da dor são
multifatoriais e incluem:
- Desconhecimento sobre os mecanismos fisiopatológicos das síndromes
dolorosas relacionadas ao câncer;
- Desconhecimento sobre a terapêutica (farmacológica e não-
farmacológica) em uso no tratamento dos diversos mecanismos;
- Medo da dependência física e psicológica, adição, tolerância e/ou efeitos
colaterais relacionados ao uso de opioides (paciente, família e profissionais de saúde);
- Desconhecimento da avaliação correta, quanto à localização, intensidade,
irradiação, variação temporal e fatores que aliviam e pioram a dor;
- Medo de que a utilização de opioides venha a acelerar a morte na fase
terminal;
- Ausência de informações sobre dor nos currículos médicos e nos de
outros profissionais de saúde;
- Falta de informação e crenças incorretas, responsáveis por levar os
pacientes a acreditarem que a dor do câncer é inevitável e intratável;

TRATAMENTO
O tratamento da dor do câncer consiste inicialmente do tratamento primário
do câncer nas suas diversas modalidades; como cirurgia, radioterapia, quimioterapia e/ou
hormonoterapia, isoladas ou, na maioria das vezes, combinadas.
O tratamento com fármacos analgésicos é baseado na utilização da escada
analgésica da OMS, com a utilização de analgésicos antiinflamatórios não-hormonais
(AINHs), opióides fracos e fortes, associados ou não a drogas coadjuvantes. Também são
utilizados métodos não-farmacológicos para o tratamento da dor no câncer, como
procedimentos neurocirúrgicos funcionais, estimulação elétrica do sistema nervoso
periférico e central, implantes de dispositivos para administração de analgésicos,
programas de medicina física, acupuntura, acompanhamento psicológico, biofeedback,
hipnose e estratégias cognitivas comportamentais, entre outros. O tratamento tem como
objetivo promover o alívio necessário da dor para que os procedimentos diagnósticos e
terapêuticos do câncer possam ser realizados e deve ser instituído logo que surjam as
primeiras manifestações dolorosas.
TRATAMENTO FARMACOLÓGICO
1- AINHs
As drogas analgésicas antiinflamatórias não-hormonais são utilizadas em
todos os degraus da escada analgésica da dor. O mecanismo de ação é baseado na inibição
reversível ou irreversível da ciclooxigenase (COX), existindo, atualmente, grande
interesse na utilização de fármacos mais específicos para a inflamação e a dor. Como
visto anteriormente, essas drogas podem ser utilizadas isoladas ou associadas a outras
drogas adjuvantes, opioides fracos e fortes, nas várias fases da dor. A associação de
AINHs e opioides é bastante benéfica, tornando possível a redução da dose do opioide,
a melhora dos sintomas álgicos e a redução dos efeitos colaterais. Na dor oncológica,
esses fármacos são benéficos no tratamento da dor somática, principalmente a de caráter
inflamatório, como nas metástases ósseas. Podem aliviar a dor-fantasma, a dor pós-
operatória, as cefaléias, as mialgias e a dor incidental.

2- Opioides
O tratamento analgésico com opioides constitui o sustentáculo da terapia da
dor no câncer. Os opioides são classificados quanto à sua origem como naturais (morfina,
codeína, papaverina), semi-sintéticos (heroína, hidrocona, oxicodona) e sintéticos
(fentanil, sufentanil, butorfanol). Quanto à sua potência, são dividos em fracos (codeína,
tramadol) e fortes (morfina, metadona, oxicodona, buprenorfina, fentanil). Devido à sua
eficácia, disponibilidade em todo o mundo e baixo custo, a OMS considera a morfina
como droga-padrão para o tratamento da dor no câncer.
Os efeitos adversos dos opioides são muito comuns. O principal é a
constipação, que não melhora com o tempo, e é consequente à diminuição da motilidade
do trato gastrointestinal e hipertonia dos esfíncteres; assim que é instituído o tratamento
opioide (principalmente morfina), é necessário prevenir a constipação. Dessa maneira,
dá-se preferência aos formadores de bolo fecal (alimentos ricos em fibras) e aos
emolientes fecais (óleo mineral, glicerina). Outros possíveis efeitos adversos: náuseas e
vômitos, hipertermia e hiperidrose, alterações comportamentais, convulsões,
desnvolvimento de tolerância à medicação (necessitando de cada vez doses maiores),
sedação excessiva e depressão respiratória.

3 – Drogas Adjuvantes
São considerados analgésicos adjuvantes drogas que não têm a dor como
indicação primária, embora sejam analgésicas em algumas situações dolorosas. São
bastante diferentes dos analgésicos tradicionais, como os AINHs e os opioides, compondo
um grupo diversificado de drogas. Existem os:
- Analgésicos polivalentes: antidepressivos, agonistas α2, neurolépticos,
anestésicos locais;
- Analgésicos para síndromes dolorosas neuropáticas: antidepressivos,
anticonvulsivantes, agonistas GABA, bloqueadores NMDA e;
- Analgésicos para dor óssea: corticóides, bisfosfonatos, calcitonina.

4- Tratamento Antineoplásicos
Bifosfonatos — os bifosfonatos podem atenuar a dor associada à doença
óssea metastática por inibição da reabsorção óssea mediada pelos osteoclastos. Esses
fármacos também são utilizados para evitar complicações ósseas e corrigir a
hipercalcemia. Os bifosfonatos não devem ser utilizados em pacientes que não
apresentam evidências de metástases ósseas.

Radioterapia e radiofármacos — a radioterapia pode ser extremamente


benéfica como alívio da dor causada por metástases ósseas ou por outras lesões. Em
muitos casos, pode-se utilizar uma única fração da radioterapia com feixes externos para
facilitar o tratamento. Estudos mostraram que os compostos marcados radioativamente,
como o estrôncio-89 e o samário-153, são eficazes para atenuar a dor das metástases
ósseas. Trombocitopenia e leucopenia são contra-indicações relativas porque o estrôncio-
89 diminui as plaquetas em até 33% dos pacientes tratados e os leucócitos em até 10%
dos casos. Esse tratamento deve ser considerado apenas para os pacientes com expectativa
de vida estimada em mais de 3 meses, porque há um intervalo até o início do efeito
terapêutico.

Quimioterapia – a quimioterapia paliativa consiste na utilização do


tratamento antitumoral para aliviar os sintomas associados ao câncer. As metas
estabelecidas pelo paciente, seu nível de desempenho funcional, a sensibilidade do tumor
e os efeitos tóxicos potenciais devem ser cuidadosamente avaliados. Exemplos de
sintomas que podem melhorar com a quimioterapia são a dor da parede torácica causada
por úlcera do câncer de mama depois da terapia hormonal e a melhora da dispnéia depois
da quimioterapia para câncer de pulmão.

TRATAMENTO NÃO-FARMACOLÓGICO
Os tratamentos não-farmacológicos, como as
técnicas cognitivo-comportamentais e as modalidades
físicas, podem funcionar como coadjuvantes aos analgésicos
(Quadro 8.8). Essas abordagens terapêuticas são
particularmente úteis para controlar os períodos de aumento
da intensidade da dor, enquanto se aguarda o início da ação
dos analgésicos de liberação imediata. Quando se escolhe a
utilização de uma dessas técnicas, deve-se levar em
consideração a capacidade de o paciente e seus cuidadores
participarem, inclusive o grau de fadiga, as crenças relativas à utilização dessas técni- cas,
a função cognitiva e outros fatores.
A terapia cognitivo-comportamental inclui estratégias que promovem a
capacidade de enfrentamento e acentuam o relaxamento. Exemplos dessas técnicas são a
imaginação dirigida, musicoterapia, orações e recomposição. Em uma experiência clínica
randomizada com pacientes submetidos a transplante de medula óssea, a dor foi mais leve
entre os indivíduos que receberam treinamento em relaxamento e imaginação dirigida e
nos pacientes que desenvolveram habilidades cognitivo-comportamentais, mas não no
grupo que utilizou o tratamento convencional ou que foi distribuído randomicamente para
receber suporte de um terapeuta. Um estudo recente com terapia artística realizado em
uma unidade para pacientes oncológicos internados mostrou reduções significativas da
dor, da ansiedade, da fadiga e de outros sintomas.
Modalidades físicas como massagem, reflexologia, calor, quiropatia e outras
técnicas aliviam a dor, embora o mecanismo seja desconhecido. Em um estudo com
massagens aplicadas em pacientes internados em hospitais para doentes terminais, houve
relaxamento evidenciado pelas determinações da pressão arterial, da frequência cardíaca
e da temperatura da pele. Em outro estudo, os autores mostraram que 10 min de massagem
nas costas aliviavam a dor de homens com câncer. Esses procedimentos são simples e
baratos e podem incluir os membros da família, que geralmente buscam modos de
demonstrar apoio aos seus entes queridos.
FONTE: CURRENT – DOR.

2) Descrever os mecanismos de ação dos medicamentos opioides e seus efeitos


colaterais.
Os opiáceos são alcaloides (caráter básico) com potente ação analgésica. São
todas as drogas, naturais ou sintéticas, com ação idêntica à morfina.
São divididos em opioides fracos (codeína e tramadol) e opioides fortes
(morfina, fentanil, metadona, oxicodona, buprenorfina).

Mecanismo de Ação
Os opioides atuam a nível celular ligando-se aos receptores opioides presentes
em todo sistema nervoso central (SNC), especialmente no corno dorsal da medula
espinhal (lâminas I e II), núcleo do trato solitário, área cinzenta periaquedutal, córtex
cerebral, tálamo e substância gelatinosa da medula espinhal.
Receptores opioides podem também estar presentes em terminações nervosas
aferentes periféricas e em diversos outros órgãos.
Os receptores opioides são ligados às proteínas G inibitórias. A ativação
dessa proteína desencadeia uma cascata de eventos: fechamento de canais de cálcio
voltagem dependentes (impedindo liberação dos NT), redução na produção de
monofosfato de adenosina cíclico (AMPs) e estímulo ao efluxo de potássio resultando em
hiperpolarização celular.
Assim, o efeito final é a redução da excitabilidade neuronal, resultando em
redução da neurotransmissão de impulsos nociceptivos.
O grande problema é sua ação indiscriminada em vários receptores,
resultando em ações e/ou efeitos colaterais. O receptor μ é responsável pela analgesia,
mas também leva à sedação, à depressão do sistema respiratório, do SNC.

Ação Espinhal.
Os agonistas opioides inibem a liberação de transmissores excitatórios a partir
dos nervos aferentes primários e inibem diretamente o neurônio transmissor de dor do
corno dorsal. Por conseguinte, os opioides exercem um poderoso efeito analgésico
diretamente na medula espinhal.

Ação Supra-Espinhal
• Atua nas vias descendentes de modulação da dor.
• Os locais de ligação de opioides nas vias descendentes moduladoras da dor
são de importância particular, incluindo o núcleo magno da rafe, o lócus cerúleus e a área
da substância cinzenta periaquedutal do mesencéfalo.
• Os receptores mi ativam as vias descendentes. Eles inibem neurônios que,
em estado de repouso do corpo mantêm as vias descendentes da dor travadas. Dessa
forma, inibindo os neurônios que inibem essas vias, eles liberariam as vias para agir.
Ou seja, os opioides inibem os interneurônios inibitórios, ativando o neurônio
inibitório da dor.

Ação Periférica Local


• A injeção de morfina na articulação do joelho após cirurgia produz analgesia
eficaz, abalando o antigo princípio de que a analgesia é exclusivamente um fenômeno
central.
• Essa hipótese é sustentada pela identificação de receptores “mu" funcionais
nas terminações periféricas de neurônios sensitivos. Além disso, a ativação desses
receptores periféricos resulta em diminuição da atividade dos neurônios sensitivos e da
liberação de transmissor.

Portanto, os opioides se ligam aos seus receptores e com isso causam


analgesia por inibir a transmissão da via aferente no corno dorsal, por ativar as vias
descendentes da dor, e por inibir a excitação das terminações nervosas sensoriais na
periferia. Além disso, podem interferir na interpretação afetiva da dor, devido sua ação
ao nível do sistema límbico.

Receptores
Os opioides são agonistas dos receptores opioides encontrados nos neurônios
de algumas zonas do cérebro, medula espinhal e nos sistemas neuronais do intestino.
Os receptores opioides são importantes na regulação normal da sensação de
dor. A sua modulação é feita pelos opioides endógenos.
Existem quatro tipos de receptores opioides: mi (MOP), delta (DOP), kappa
(KOP) e Receptor FQ de nociceptinas orfanina (NOP).
Os receptores mi são os mais significativos na ação analgésica, mas o delta e
kappa, mais presentes em nível medular, partilham de algumas funções.
Cada tipo de receptor é ligeiramente diferente do outro, e apesar de alguns
opioides ativarem todos de forma indiscriminada, alguns já foram desenvolvidos a ativar
apenas um subtipo. Dessa forma, temos:
→ Receptores Mi: principais receptores da morfina, estão envolvidos tanto
na percepção dar dor quanto com o lado emocional da dor.
→ Receptores Kappa: presentes com maior predominância em nível medular,
recebendo toda a aferência álgica que chega neste nível.
→ Receptores Delta: estão envolvidos com receptores inibidores dos centros
da tosse, respiração, TGI, etc.

AÇÕES FARMACOLÓGICAS DOS AGONISTAS OPIÓIDES


Sistema nervoso central
• Analgesia: eficazes para alívio de dores leves, contínuas e sem localização
específica proveniente de órgãos internos, como intestinos. Menos eficaz para dores
superficiais tipo pontada. As dores neuropáticas podem ser resistentes, porém os
pacientes referem discreta redução na intensidade e melhora em relação ao desconforto
gerado pela dor.
• Sedação: dificuldade de concentração e sonolência são efeitos comuns. O
alívio da dor pode ocasionar o sono. Opióides não atuam como hipnóticos.
• Euforia e disforia: morfina e os demais opióides geram uma sensação de
bem-estar (euforia). Caso não haja dor, a morfina pode causar agitação e inquietação
(disforia).
• Alucinações: principalmente após o uso de opióides agonistas KOP, porém
agonistas MOP, como a morfina, também podem desencadear alucinações.
• Tolerância e dependência: tolerância é a redução do efeito gerado por uma
mesma dose da droga, quando repetidas doses são administradas. A dependência ocorre
quando após o uso prolongado de opióides a droga é suspensa abruptamente
desencadeando diversos sinais físicos e psicológicos, como a agitação, irritabilidade,
salivação excessiva, lacrimejamento, sudorese, cãibras, vômitos e diarréia.

Sistema cardiovascular
• Discreta bradicardia pela redução do tônus simpático e efeito direto sobre o
nó sinoatrial.
• Vasodilatação periférica causada pela liberação de histamina e redução do
tônus simpático que pode levar à hipotensão.

Sistema respiratório
• Depressão respiratória: mediada pelos receptores MOP. Ocorre a
diminuição na frequência respiratória e a dessensibilização dos quimiorreceptores
centrais às alterações de pressão parcial de dióxido de carbono.
• Supressão do reflexo da tosse: morfina e dimorfina são utilizadas no
tratamento da dispnéia paroxística noturna por causarem sedação, reduzirem a pré-carga
e reduzirem o drive respiratório anormal. A codeína suprime a tosse tanto quanto a
morfina, porém possui menor potência analgésica.
Sistema gastrointestinal
• Náuseas e vômitos.
• Aumento do tônus da musculatura lisa e redução da motilidade, resultando
em retardo na absorção, aumento da pressão no sistema biliar (espasmo do esfíncter de
Oddi) e constipação.

Sistema endócrino
• Inibição da secreção de ACTH, prolactina e hormônios gonadotróficos.
• Aumento na secreção de ADH.

Efeitos oftalmológicos
• A estimulação do núcleo do nervo oculomotor mediada pelos receptores
MOP e KOP leva à miose.

Prurido
• Alguns opióides desencadeiam a liberação de histamina pelos mastócitos
resultando em urticária, prurido, broncoespasmo e hipotensão.

Rigidez muscular
• Altas doses de opióide podem ocasionar rigidez muscular generalizada,
especialmente na musculatura da parede torácica o que pode interferir na ventilação.

Imunidade
• Depressão do sistema imunológico após uso prolongado de opióides.

Efeitos na gestação e neonatos


• Todos os opióides atravessam a barreira placentária e, se usados durante o
parto, podem causar depressão respiratória no neonato.
• O uso crônico pela gestante pode resultar em dependência física fetal, com
síndrome de abstinência grave no pós-parto imediato.
• Até o momento não foram descritos efeitos teratogênicos.

FARMACOCINÉTICA
Os opiáceos apresentam uma absorção lenta e irregular T.G.I., sofrendo ainda
metabolismo hepático de primeira passagem. Por possuírem pouca fixação à proteína
plasmática, apresentam meia-vida curta. São eliminados por via renal.
A maioria dos opioides é de vida média curta, obrigando a várias tomadas ao
dia. Codeína, meperedina (utilizada para desmame de viciados por ter uma meia-vida
muito longa), morfina e propoxifeno apresentam metabólitos ativos.

TIPOS DE OPIOIDES
 OPIOIDES FRACOS
1- Codeína
A codeína, como todos os analgésicos opioides clinicamente úteis, atua, em
última instância, sobre os receptores opioides μ, localizados no encéfalo e na medula
espinhal.

2- Tramadol
O tramadol é um agonista fraco de receptores μ (o livro “Dor – princípios”
traz que se liga fracamente aos receptores μ, κ e δ). Sua afinidade por receptores μ é várias
ordens de grandeza mais fraca que a da morfina. Entretanto, o tramadol promove também
o aumento da liberação de serotonina pelos neurônios e a inibição concomitante da
recaptação de serotonina e norepinefrina. Já se disse também que o tramadol tem uma
atividade antiinflamatória independente da inibição da COX. Há uma hipótese de que os
fracos efeitos do tramadol atuam de modo sinérgico para transformá-lo em um analgésico
clinicamente útil. Em virtude de seus vários mecanismos de ação, o tramadol pode ser
útil para a dor nociceptiva leve a moderada e para a dor neuropática.

 OPIOIDES FORTES
Os analgésicos opióides usados na clínica são agonistas dos receptores μ.
Incluem a morfina, oxicodona, hidromorfona, fentanila e metadona. No encéfalo,
esses receptores μ estão localizados em áreas como a substância cinzenta periaquedutal,
que se sabe estar envolvida na mediação da dor. Na medula espinhal, estão localizados
no corno dorsal, onde as fibras aferentes finas de dor fazem sinapse.
Os receptores μ são proteínas transmembrânicas acopladas a proteínas G. Em
situação pré-sináptica, a ligação do opioide pode levar ao bloqueio dos canais de cálcio
e, assim, a uma redução na liberação de neurotransmissores, diminuindo desse modo a
sinalização da dor. Em situação pós-sináptica, a ligação dos opioides pode levar a uma
maior condutância de potássio, o que hiperpolariza o neurônio e o torna menos sensível
a disparar para transmitir o sinal de dor.

EFEITOS COLATERAIS
Todos os opioides têm efeitos colaterais semelhantes (Quadro 3.6); os mais
comuns incluem náuseas, prisão de ventre e alteração da cognição (por exemplo, sedação,
confusão mental). Embora seja muito temida, a depressão respiratória é incomum quando
os opioides são empregados em doses apropriadas. Esta afirmação é especialmente
verdadeira quando os opioides são titulados na presença de dor, que é um poderoso
antagonista da depressão respiratória. Outros efeitos colaterais menos comuns são
disforia, delírio, mioclonia, convulsões, prurido, urticária e retenção urinária.

FONTES: CURRENT – DOR


DOR – PRINCÍPIOS E PRÁTICAS
FARMACOLOGIA DOS OPIOIDES http://grofsc.net/wp/wp-
content/uploads/2013/05/Farmacologia-dos-opi%C3%B3ides-parte-1.pdf

3) Caracterizar a escada analgésica da OMS.


A OMS, em 1986, publicou a primeira edição do livro Alívio da dor no
câncer, que determinou a base para o tratamento da dor neoplásica, propondo a escada
analgésica com o método para aliviar o sofrimento. Esse livro, que implantou as bases
para o manejo da dor no câncer, inclui a utilização da escada analgésica de três degraus.
Em 1996, foi revisada e é utilizada até hoje.
O método da OMS para o alívio da dor no câncer pode ser resumido em cinco
fases: a administração de analgésicos deve ser feita por via oral, ou seja, “pela boca”,
“pelo relógio”, “pela escada analgésica”, “segundo a pessoa” e a “atenção ao detalhe”.
Essas cinco expressões englobam o conceito de que a terapia com analgésicos é essencial
para o tratamento da dor na maioria dos pacientes com câncer; que o opioide forte é
absolutamente necessário para o controle da dor severa na maioria das pessoas; e que
avaliações contínuas e a abordagem interdisciplinar têm fundamental importância. No
transcurso dos últimos 20 anos da escada analgésica, ela tem sido elogiada pela sua
simplicidade e clareza, submetida a debates e até mesmo criticada devido a algumas
omissões.
O primeiro degrau da escada analgésica preconizada pela OMS surgere a
utilização de medicamentos não-opioides associados aos coadjuvantes para dores de fraca
intensidade.
O segundo degrau recomenda a utilização de analgésicos opioides fracos
associados ou não aos medicamentos não-opiodes e aos coadjuvantes para as dores de
moderada intesidade.
O terceiro degrau sugere a utilização de opiodes fortes associados ou não
aos medicamentos não-opioides e aos coadjuvantes para dores de forte intensidade.
Os três degraus da escada analgésica sugerem classes de medicamentos e não
drogas específicas, oferecendo ao clínico a liberdade para sua utilização.
Os degraus 2 e 3 podem e DEVEM utilizar analgésicos simples, juntos aos
opioides, pois diminui a dose necessária de opioide, melhora os sintomas álgicos e reduz
os efeitos colaterais.
FONTE: DOR – PRINCÍPIOS E PRÁTICAS.

O tratamento ideal da dor requer um entendimento da fisiopatologia básica da


dor (i. e., se a dor é nociceptiva, neuropática ou mista). Além do mais, como a dor é
subjetiva, os médicos precisam entender o que o paciente está experimentando
emocionalmente. Uma parte importante do programa de tratamento multifacetado é a
intervenção farmacológica. A Organização Mundial de Saúde (OMS) desenvolveu, para
ajudar a organizar os métodos de controle farmacológico da dor, uma escada de três
degraus (Fig. 3.1) que é muito útil.
1. Os medicamentos do Primeiro degrau são usados para dor leve,
geralmente graduada de 1 a 3 em uma escala de 11 pontos, na qual 0 significa ausência
de dor e 10 a dor mais intensa possível.
2. Os medicamentos do Segundo degrau são usados para dor moderada,
geralmente graduada de 4 a 6.
3. Os medicamentos do Terceiro degrau são usados para dor intensa,
graduada de 7 a 10.
Conforme o julgamento clínico, pode-se começar em qualquer degrau da
escada. Por exemplo, se um paciente tem uma fratura óssea, não é necessário que o clínico
comece pelo Degrau 1 e espere que falhe o controle da dor, antes de seguir para o degrau
seguinte. É também importante lembrar que, mesmo quando a dor é suficientemente
intensa para exigir medicamentos de um degrau mais alto, o tratamento combinado com
medicamentos usados nos degraus mais baixos pode ainda ser empregado de modo
sinérgico. Finalmente, os médicos podem usar, em cada degrau, medicamentos
adjuvantes para otimizar o controle da dor.

 Princípios da Escada Analgésica OMS


Pela Escada:
Para dores agudas: usar a escada de forma descendente, ou seja, usar o
terceiro ou segundo degrau nos primeiros dias de hospitalização ou após
cirurgias/procedimentos dolorosos de acordo e as escalas de mensuração de dor e
associados a técnicas de analgesia ou anestesia regional em princípios de analgesia
multimodal. Nos dias subsequentes ao trauma tecidual, descer a escada analgésica da
OMS.
Para dores crônicas: usar a escada de forma ascendente. Inicia-se pelo
primeiro degrau para dores fracas. Quando não ocorre alívio da dor, adiciona-se um
opioide fraco para a dor de intensidade leve a moderada (segundo degrau). Quando esta
combinação é insuficiente deve-se substituir este opioide fraco por um opioide forte.
Somente um medicamento de cada categoria deve ser usado por vez. Os medicamentos
adjuvantes devem ser associados em todos os degraus da escada, de acordo com as
indicações específicas (antidepressivos, anticonvulsivantes, neurolépticos, bifosfonados,
corticosteróides, etc.).

 Via Oral
Os analgésicos devem ser administrados de preferência pela via oral. Vias de
administração alternativas como retal, transdérmica ou parenteral podem ser úteis em
pacientes com disfagia, vômitos incoercíveis ou obstrução intestinal.

 Intervalos Fixos
Os analgésicos devem ser administrados a intervalos regulares de tempo. A
dose subsequente precisa ser administrada antes que o efeito da dose anterior tenha
terminado. A dose do analgésico precisa ser condicionada à dor do paciente, ou seja,
inicia-se com doses pequenas, sendo progressivamente aumentada até que ele receba
alívio completo, ou seja, titulação da dose opioide.
 Individualização
A dose correta dos opioides é a que causa alívio da dor com o mínimo de
efeitos adversos. Se a analgesia é insuficiente, o paciente deve ser reavaliado e deve-se
subir um degrau da escada analgésica e não prescrever medicamento da mesma categoria.

 Atenção aos detalhes


Explicar detalhadamente os horários dos medicamentos e antecipar as
possíveis complicações e efeitos adversos, tratando-as profilaticamente. O paciente que
usa opioide de forma crônica deve receber orientações sobre laxativos.

FONTE: DIRETRIZ DO TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DA DOR


http://www.saudedireta.com.br/docsupload/1344435028Diretriz%20do%20t
to%20da%20dor.pdf

4) Descrever a importância dos cuidados paliativos na dor oncológica


(definição, indicações...).
Segundo a definição da OMS, revista em 2002, Cuidado Paliativo é “uma
abordagem multidisciplinar que promove a qualidade de vida de pacientes e seus
familiares, que enfrentam doenças que ameacem a continuidade da vida, por meio da
prevenção e do alívio do sofrimento. Requer identificação precoce, avaliação e tratamento
da dor e outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual”.
O Cuidado Paliativo não se baseia em protocolos, mas em princípios. Não se
fala mais em terminalidade, mas em doença que ameaça a vida. Indica-se o cuidado
desde o diagnóstico, expandindo nosso campo de atuação. Não falaremos também em
impossibilidade de cura, mas na possibilidade ou não de tratamento modificador da
doença, afastando dessa forma a ideia de “não ter mais nada a fazer”. Pela primeira vez,
uma abordagem inclui a espiritualidade entre as dimensões do ser humano. A família é
lembrada, portanto assistida, também após a morte do paciente, no período de luto.

PRINCÍPIOS DOS CUIDADOS PALIATIVOS


 Promover o alívio da dor e de outros sintomas desagradáveis;
 Afirmar a vida e considerar a morte um processo normal da vida;
 Não acelerar nem adiar a morte;
 Integrar os aspectos psicológicos e espirituais no cuidado ao paciente;
 Oferecer um sistema de suporte que possibilite ao paciente viver
tão ativamente quanto possível até o momento da sua morte;
 Oferecer sistema de suporte para auxiliar os familiares durante a
doença do paciente e o luto;
 Oferecer abordagem multiprofissional para focar as necessidades
dos pacientes e seus familiares, incluindo acompanhamento no luto;
 Melhorar a qualidade de vida e influenciar positivamente o curso
da doença;
 Iniciar o mais precocemente possível o Cuidado Paliativo,
juntamente com outras medidas de prolongamento da vida, como quimioterapia e
radioterapia, e incluir todas as investigações necessárias para melhor compreender e
controlar situações clínicas estressantes;

INDICAÇÕES
Pela definição da Organização Mundial da Saúde (OMS) para Cuidados
Paliativos, todos os pacientes portadores de doenças graves, progressivas, que ameacem
a continuidade da vida, deveriam receber a abordagem dos Cuidados Paliativos desde o
seu diagnóstico. Entretanto, sabemos que, se essa referência tivesse de ser cumprida, a
maioria dos pacientes permaneceria sem nenhuma assistência paliativa, pois não temos
ainda disponibilidade de profissionais e serviços que possam dar conta do atendimento
dessa população.
Por conta dessa dificuldade de avaliar e cuidar do sofrimento, estabelecemos
alguns critérios de recomendação para Cuidados Paliativos, considerando a possibilidade
de indicação para aqueles pacientes que esgotaram todas as possibilidades de tratamento
de manutenção ou prolongamento da vida, que apresentam sofrimento moderado a
intenso e que optam por manutenção de conforto e dignidade da vida.
Um dos critérios mais discutidos é o que se refere ao prognóstico de tempo
de vida do paciente. O limite designado em seis meses de expectativa de vida poderia ser
utilizado para indicação de Cuidados Paliativos exclusivos, uma vez que esse critério foi
importado do Medicare americano, que estabelece o tempo de sobrevida esperado como
um dos critérios de indicação para assistência de hospice. São critérios do Medicare:
• a expectativa de vida avaliada é menor ou igual a seis meses;
• o paciente deve fazer a opção por Cuidados Paliativos exclusivos e abrir
mão dos tratamentos de prolongamento da vida;
• o paciente deve ser beneficiário do Medicare.

Ao contrário do que se pensa, os cuidados paliativos não se limitam ao câncer.


Doenças crônico-degenerativas, como demência, síndrome de fragilidade, doença renal
crônica, insuficiência cardíaca e doença pulmonar obstrutiva crônica, também têm
indicação para cuidados paliativos.
Para Azevedo, o principal obstáculo à implementação e ao crescimento
dos Cuidados Paliativos no Brasil é a ausência da disciplina nos currículos dos
profissionais da saúde, que continuam sendo treinados para manter a vida a qualquer
custo, mesmo que isso implique sofrimento.
Quando se fala em doença ativa, progressiva e ameaçadora à continuidade da
vida, significa que os cuidados paliativos podem e devem ser indicados na vigência de
doenças crônicas em diferentes fases de evolução. Trata-se da possibilidade da morte por
evolução natural de um processo de adoecer, que pode se arrastar por anos. Só não é
possível aplicar os princípios dos cuidados paliativos quando há morte súbita por doença,
acidente ou violência. A diferença na amplitude dos cuidados e na sua pertinência
depende da fase em que se encontra a doença e da história natural de cada um a delas
Para pacientes com câncer, sabe-se que o contato com o diagnóstico é a fase
mais difícil, e que sempre se necessita de suporte emocional para enfrentar o período de
tratamento e as adaptações ao adoecer. É doença eminentemente ameaçadora. O
tratamento pode trazer desconforto, a dor pode se manifestar como primeiro sintoma ou
ser consequente ao próprio tratamento, e nunca pode ser desconsiderada. O tratamento
adequado da dor em qualquer doença é imprescindível, e sua presença deve ser
inaceitável.
Após determinado período, por falência do tratamento ou recidiva, a doença
evolui de forma progressiva e inversamente proporcional à condição clínica e capacidade
funcional do doente. O declínio é perfeitamente visível, e os cuidados paliativos se tornam
imperativos. Chega-se a um período no qual a morte é inevitável e uma cadeia de sinais
e sintomas anunciam sua proximidade. Esse período, chamado de fase final da vida,
requer atenção especial, vigilância intensa e uma terapêutica especializada e
absolutamente voltada para o alívio dos sintomas do paciente. O objetivo da assistência a
essa fase da vida é proporcionar o devido conforto sem que a consciência fique
comprometida a ponto de tirar do paciente sua capacidade de se comunicar.

Para portadores de outras patologias crônicas, como as falências funcionais


e as síndromes demenciais, o comportamento da doença tende a ser mais lento, cheio de
intercorrências, designadas como crises de necessidades. A cada crise, a capacidade
funcional do doente declina e a recuperação nunca o remete ao patamar funcional anterior,
até que se crie uma situação de alta dependência. Nesse momento, a paliação se torna
imperativa e contraindicam-se os tratamentos invasivos e dolorosos, sob pena de
proporcionar apenas prolongamento inútil de sofrimento. O doente deve continuar a
receber cuidados essenciais e suporte de vida, incluindo a atenção constante da família e
de seu entorno afetivo, de modo a jamais se sentir abandonado ou maltratado. O processo
final pode advir de uma complicação de difícil controle ou simplesmente falência
funcional múltipla.
No caso dos portadores de sequelas neurológicas (vítima de acidentes
vasculares cerebrais graves ou múltiplos), traumatismos ou outras condições que
determinaram dano neurológico grave e irreversível, a condição é semelhante, com a
diferença de que a incapacidade funcional se instala de forma aguda, e o período de alta
dependência pode durar meses ou anos.

Em todas as situações, quando o doente se encontra em situação de alta


dependência, os cuidados paliativos se impõem. Torna-se imperioso o trabalho de
educação para ações como os cuidados no leito para a prevenção de feridas, os cuidados
com a alimentação, as adaptações da oferta de alimentos e a comunicação amorosa. Os
medicamentos que retardavam a evolução da doença devem ser suspensos, assim como
se deve ter parcimônia no tratamento de intercorrências, evitando-se as intervenções
agressivas.
Os cuidados paliativos precisam ser rigorosamente administrados no âmbito
das práticas de saúde, com intenso controle e aplicação de fundamento científico à sua
prática, para jamais serem confundidos com descaso, desatenção, ausência de assistência
ou negligência.
As decisões pertinentes a cada fase são baseadas em parâmetros, como as
escalas de desempenho, importantes para definir prognóstico em cuidados paliativos. Em
2002, Harlos e Woelk adaptaram a escala de Karnofsky aos cuidados paliativos, criando
a PPS (Escala de Perfomance Paliativa), e demonstraram que só 10% dos pacientes com
PPS igual a 50% têm sobrevida superior a seis meses. Esses pacientes devem ter
acompanhamento ativo por equipe de cuidados paliativos. A fase final da vida coincide
com PPS em torno de 20% (Tab. 10.3).
O fato de estar em condição de incurabilidade não significa que não haja mais
o que fazer à luz do conhecimento acumulado na área da assistência à saúde. O que muda
é o enfoque do cuidado, que agora se volta às necessidades do doente e da família, em
detrimento do esforço pouco efetivo de curar uma doença.
CUIDADOS PALIATIVOS NO CÂNCER
Nas fases iniciais do câncer, o tratamento geralmente é agressivo, com
objetivo de cura ou remissão, e isso é compartilhado com o doente e sua família de
maneira otimista. Quando a doença já se apresenta em estágio avançado ou evolui para
esta condição mesmo durante o tratamento com intenção curativa, a abordagem paliativa
deve entrar em cena no manejo dos sintomas de difícil controle e de alguns aspectos
psicossociais associados à doença. Na fase terminal, em que o paciente tem pouco tempo
de vida, o tratamento paliativo se impõe para, através de seus procedimentos, garantir
qualidade de vida.
O término de uma terapia curativa para o câncer não significa o final de um
tratamento ativo, mas mudanças em focos de tratamento. A OMS enfatiza que o
tratamento ativo e o tratamento paliativo não são mutuamente excludentes e propõe que
"muitos aspectos dos cuidados paliativos devem ser aplicados mais cedo, no curso da
doença, em conjunto com o tratamento oncológico ativo" e são aumentados gradualmente
como um componente dos cuidados do paciente do diagnóstico até a morte. A transição
do cuidado ativo para o cuidado com intenção paliativa é um processo contínuo e sua
dinâmica difere para cada paciente.
Os cuidados paliativos devem incluir as investigações necessárias para o
melhor entendimento e manejo de complicações e sintomas estressantes tanto
relacionados ao tratamento quanto à evolução da doença. Apesar da conotação negativa
ou passiva do termo paliativo, a abordagem e o tratamento paliativo devem ser
eminentemente ativos, principalmente em pacientes portadores de câncer em fase
avançada, onde algumas modalidades de tratamento cirúrgico e radioterápico são
essenciais para alcance do controle de sintomas. Considerando a carga devastadora de
sintomas físicos, emocionais e psicológicos que se avolumam no paciente com doença
terminal, faz-se necessário um diagnóstico precoce e condutas terapêuticas antecipadas,
dinâmicas e ativas, respeitando-se os limites do próprio paciente.
Os pontos considerados fundamentais no tratamento são:
 A unidade de tratamento compreende o paciente e sua família.
 Os sintomas do paciente devem ser avaliados rotineiramente e
gerenciados de forma eficaz através de consultas frequentes e intervenções ativas.
 As decisões relacionadas à assistência e tratamentos médicos
devem ser feitos com base em princípios éticos.
 Os cuidados paliativos devem ser fornecidos por uma equipe
interdisciplinar, fundamental na avaliação de sintomas em todas as suas dimensões, na
definição e condução dos tratamentos farmacológicos e não farmacológicos,
imprescindíveis para o controle de todo e qualquer sintoma.
 A comunicação adequada entre equipe de saúde e familiares e
pacientes é a base para o esclarecimento e favorecimento da adesão ao tratamento e
aceitação da proximidade da morte.
Os cuidados paliativos modernos estão organizados em graus de
complexidade que se somam em um cuidado integral e ativo. Os cuidados paliativos
gerais referem-se à abordagem do paciente a partir do diagnóstico de doença em
progressão, atuando em todas as dimensões dos sintomas que vierem a se apresentar.
Cuidados paliativos específicos são requeridos ao paciente nas últimas semanas ou nos
últimos seis meses de vida, no momento em que se torna claro que o paciente se encontra
em estado progressivo de declínio.
Todo o esforço é feito para que o mesmo permaneça autônomo, com
preservação de seu autocuidado e próximo de seus entes queridos. Os cuidados ao fim de
vida referem-se, em geral, aos últimos dias ou últimas 72 horas de vida. O reconhecimento
desta fase pode ser difícil, mas é extremamente necessário para o planejamento do
cuidado e preparo do paciente e sua família para perdas e óbito. Mesmo após o óbito do
paciente, a equipe de cuidados paliativos deve dar atenção ao processo de morte: como
ocorreu, qual o grau de conforto e que impactos trouxe aos familiares e à própria equipe
interdisciplinar. A assistência familiar pós-morte pode e deve ser iniciada com
intervenções preventivas.
FONTE:
http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/cancer/site/tratamento/cuidados
_paliativos
MANUAL DE CUIDADOS PALIATIVOS.
CUIDADOS PALIATIVOS ONCOLÓGICOS. CONTROLE DE
SINTOMAS.

5) Descrever os mecanismos de tolerância e dependência às drogas.


DEFINIÇÕES
American Psychiatric Association (APA) em um manual intitulado DSM-IV:
A dependência de substâncias (adicção) é definida como um padrão mal-
adaptativo de uso de substância, levando a prejuízo ou sofrimento clinicamente
significativo, evidenciado por três (ou mais) dos seguintes critérios, ocorrendo a qualquer
momento no mesmo período de 12 meses:
1. Tolerância, definida por qualquer um dos seguintes aspectos:
a. Necessidade de quantidades muito maiores da substância para que
haja intoxicação ou o efeito desejado.
b. Acentuada redução do efeito com o uso contínuo da mesma
quantidade de substância.
2. Abstinência, manifestada por qualquer um dos seguintes aspectos:
a. A síndrome de abstinência característica para a substância (definida
pelos critérios da APA para abstinência de uma substância específica).
b. A mesma substância (ou uma substância estreitamente relacionada)
é consumida para aliviar ou evitar os sintomas de abstinência.
3. A substância frequentemente é consumida em maior quantidade ou durante
um período mais longo do que o pretendido.
4. Um desejo persistente ou esforços malsucedidos para reduzir ou controlar
o uso da substância.
5. Muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção da
substância (p. ex., consulta a vários médicos ou longas viagens de automóvel), no
uso da substância (p. ex., fumar um cigarro atrás do outro) ou na recuperação de
seus efeitos.
6. Importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreativas são
abandonadas ou reduzidas em virtude do uso da substância.
O uso da substância é levado adiante, apesar da consciência de um problema
físico ou psicológico persistente ou recorrente que tende a ser causado ou exacerbado pela
substância.
A dependência física (ou dependência fisiológica) refere-se aos sinais e
sintomas físicos adversos provocados pela abstinência de uma droga. Como na tolerância,
os pontos de referência homeostáticos são alterados para compensar a presença da droga.
Se o uso da droga for interrompido, os pontos de referência alterados provocam efeitos
inversos àqueles que ocorrem na presença da droga.
A dependência psicológica é um fenômeno mais complexo que pode ocorrer
mesmo com drogas que não causam tolerância e dependência física. A dependência
psicológica ocorre sempre que uma droga afeta o sistema de recompensa encefálico. As
sensações agradáveis produzidas causam o desejo de continuar usando a droga. Quando
o uso da droga é interrompido, as adaptações ocorridas no sistema de recompensa
encefálico manifestam-se como disforia e fissura pela droga.
O uso indevido de drogas costuma referir-se ao uso impróprio de substâncias
prescritas, ou ao uso dessas substâncias para fins não-terapêuticos. O uso de morfina ou
de um benzodiazepínico para outros fins que não sua indicação terapêutica, ou em dose
maior ou mais frequente do que a indicada, constitui uso indevido da substância.
A tolerância refere-se à diminuição do efeito de uma droga com o uso
contínuo. A primeira administração de uma droga produz uma curva de dose-resposta
característica; após administração repetida da mesma droga, porém, a curva de dos-
eresposta desvia-se para a direita, pois são necessárias doses maiores para produzir a
mesma resposta.
MECANISMOS DE TOLERÂNCIA
A tolerância ocorre quando a administração repetida de uma droga provoca
um desvio da curva de dose-resposta para a direita, de modo que seja necessária uma
maior dose (concentração) da droga para produzir o mesmo efeito. Uma droga pode
causar tolerância por diversos mecanismos.
A tolerância inata refere-se a variações individuais na sensibilidade à droga
que estão presentes desde sua primeira administração. Essas variações de sensibilidade
podem ser decorrentes de polimorfismos nos genes que determinam o receptor da droga
ou nos genes que afetam a absorção, o metabolismo ou a excreção da droga. Como
qualquer traço multifatorial, provavelmente a variação genética é modificada pelo
ambiente. Um exemplo de tolerância inata é observado com o álcool. A sensibilidade
individual aos efeitos comportamentais do álcool é variável; pessoas com alta
sensibilidade apresentam efeitos agradáveis ou sedação após um ou dois drinques,
enquanto outras com baixa sensibilidade necessitam de vários drinques para sentir o efeito
do álcool. Os adultos jovens com baixa sensibilidade correm maior risco de se tornarem
alcoólatras mais tarde.
A tolerância que se desenvolve com o passar do tempo é denominada
tolerância adquirida. Três classes de mecanismos determinam o desenvolvimento da
tolerância adquirida: farmacocinética, farmacodinâmica e aprendida.
 tolerância farmacocinética: surge quando há aumento da
capacidade de metabolizar ou excretar a droga ao longo do tempo. Na maioria das vezes,
o aumento do metabolismo é atribuível à síntese induzida de enzimas metabólicas como
o citocromo P450. Nesses casos, a tolerância farmacocinética resulta em menor
concentração plasmática da droga em qualquer dose (Fig. 17.2).

 tolerância farmacodinâmica: o mecanismo mais importante de


tolerância, é causada por alterações na interação droga receptor. Essas alterações podem
incluir a diminuição do número de receptores ou uma modificação na via de transdução
do sinal (Fig. 17.3).
A curto prazo, alterações no número de receptores ou na afinidade de ligação
podem ser causadas por:
 inativação de receptores (p. ex., através da fosforilação);
 interiorização;
 degradação de receptores da superfície celular ou;
 outros mecanismos.
Por exemplo, uma quinase presente no citoplasma pode fosforilar (e, portanto,
inativar) apenas a forma ligada ao agonista de um receptor da membrana. No caso de
alguns receptores acoplados à proteína G metabotrópicos, as adaptações a curto prazo
podem incluir mecanismos que interferem com o acoplamento entre a proteína G e o
receptor, por exemplo, por fosforilação do receptor ou das subunidades de proteína G.
A alteração na condutância de um canal iônico por fosforilação mediada pelo
receptor é outro mecanismo de tolerância.
A longo prazo, as alterações no número de receptores ou em outras moléculas
sinalizadoras costumam ser causadas por regulação dos genes que codificam essas
proteínas. Por exemplo, os efeitos celulares dos
opioides são mediados por um receptor
metabotrópico acoplado à proteína G inibitória.
Entre outros efeitos, a ligação do opioide ao
receptor inibe a atividade da adenil ciclase
(enzima que transforma ATP em AMPc).
Portanto, a administração a curto prazo de um
opioide como a morfina causa diminuição do
monofosfato cíclico de adenosina (AMPc)
celular. Com a administração contínua da droga,
porém, a ativação posterior de um ou mais
fatores de transcrição aumenta a transcrição do
gene da adenil ciclase e, portanto, reduz a
resposta celular a uma determinada dose de
morfina (Fig. 17.4).
Considera-se que mesmo os efeitos
mais duradouros são causados por alguns
mecanismos subjacentes à memória de longo
prazo. Por exemplo, as alterações a longo prazo
no padrão de expressão gênica podem alterar a
expressão de receptores de glutamato AMPA.
Além disso, adaptações celulares duradouras
provocadas pela liberação de fatores
neurotróficos podem causar adaptações
permanentes ao uso de drogas modificando
sinapses existentes e criando novas, assim
efetivamente reprogramando o encéfalo. Essas
adaptações moleculares e celulares de longa
duração provavelmente explicam as fissuras e
recaídas que ocorrem muito tempo após a interrupção do uso da droga.

 tolerância aprendida: na tolerância aprendida, uma droga produz


alterações compensatórias que não têm relação com sua ação. O mecanismo mais
comum de tolerância aprendida é a tolerância comportamental, na qual a pessoa aprende
a modificar seu comportamento para ocultar os efeitos da droga. Por exemplo, uma
pessoa que já esteve alcoolizada várias vezes pode aprender a ocultar os sintomas da
intoxicação, como a fala arrastada e a falta de coordenação, e assim parecer menos
embriagada. A tolerância condicionada (um tipo de tolerância aprendida) ocorre
quando indícios ambientais associados à exposição a uma droga induzem alterações
compensatórias preventivas, chamadas de resposta de oposição condicionada. Esse
mecanismo de condicionamento é um fenômeno inconsciente. Por exemplo, a visão dos
acessórios associados ao uso de uma droga como a cocaína (que causa taquicardia) pode
provocar uma bradicardia preventiva.

MECANISMOS DE DEPENDÊNCIA
Dependência Física
A dependência física é um fenômeno que geralmente está associado à
tolerância e que costuma resultar de mecanismos semelhantes aos que provocam
tolerância farmacodinâmica. Dependência física é a necessidade da droga para manter o
funcionamento normal. Na ausência da droga, revelam-se as adaptações que produziram
a tolerância. A característica da dependência física é a manifestação de sintomas de
abstinência na ausência da droga.
Como na tolerância, a dependência pode resultar de alterações nas vias de
sinalização celular. Por exemplo, uma droga que cause tolerância farmacodinâmica por
meio de suprarregulação da via do AMPc também provoca dependência porque a
interrupção súbita do uso permite que a adenil ciclase supraregulada afete uma resposta
supranormal. Inversamente, uma droga que reduza o número de receptores ou diminua a
sensibilidade do receptor provoca dependência porque a interrupção causa a
subestimulação dos receptores infrarregulados. Esses efeitos frequentemente são visíveis
porque o receptor tem um agonista endógeno, de modo que a ativação do receptor é parte
dos processos fisiológicos normais.
Quando um sistema de mensageiro secundário é suprarregulado ou um
receptor da superfície celular é infrarregulado, uma quantidade normal do agonista
endógeno pode provocar uma resposta supranormal ou subnormal, respectivamente.
Por exemplo, a ingestão aguda de álcool facilita a atividade inibitória do
GABA em seus receptores, causando sedação. Ao longo do tempo, os receptores de
GABA são infrarregulados, reduzindo o nível de inibição para neutralizar os efeitos
sedativos do álcool. Caso haja interrupção súbita do uso de álcool, a diminuição da
inibição GABAérgica provoca um estado de hiperatividade do sistema nervoso central,
que caracteriza a abstinência de álcool.
Assim, a tolerância e a dependência física são provocadas por mecanismos
semelhantes; no entanto, como é possível haver dependência sem tolerância e vice-versa,
fica claro que nossa compreensão desses fenômenos é incompleta.

Dependência Psicológica
Embora os mecanismos de dependência física sejam relativamente bem
caracterizados, as causas de dependência psicológica ainda são controversas, apesar dos
muitos trabalhos nessa área.
Acredita-se que os feixes prosencefálicos mediais e área tegmental ventral no
mesencéfalo medeiem o comportamento de recompensa. Um subgrupo de neurônios
dopaminérgicos projeta-se diretamente da área tegmental ventral para o nucleus
accumbens (NAc) através do feixe prosencefálico medial. Um subgrupo de neurônios
dopaminérgicos projeta-se diretamente da área tegmental ventral para o nucleus
accumbens (NAc) através do feixe prosencefálico medial.
Embora a via dopaminérgica esteja associada à recompensa, a dopamina
também pode tornar os estímulos mais notados e alertar o animal ou a pessoa para sua
importância. Como já foi discutido, a via da dopamina é ativada durante o uso da droga.
Embora a descoberta de que as drogas de abuso ativam a via de recompensa
encefálica seja uma explicação fácil para a dependência psicológica (i. e., que a
administração de uma droga está associada à recompensa), a literatura recente sugeriu
que a dependência psicológica é mais complicada. É provável que muitos mecanismos
moleculares que medeiam a dependência física, como a suprarregulação das vias de
sinalização do mensageiro secundário e alterações na sensibilidade do receptor, também
sejam importantes na dependência psicológica. Nessa formulação, a distinção entre
dependência física e psicológica ocorre não porque há diferentes mecanismos
moleculares, mas porque as alterações induzidas pela droga afetam neurônios que têm
diferentes funções. Por exemplo, uma droga pode causar euforia aguda porque ativa a via
de recompensa encefálica dopaminérgica, mas a euforia pode ser seguida por um período
de disforia. Se a via de recompensa encefálica sofrer adaptações após a administração
repetida da droga, essas adaptações serão reveladas durante a abstinência, resultando em
um estado de dependência psicológica.
MECANISMOS DE ADICÇÃO
Originalmente acreditava-se que a adicção dependia basicamente dos efeitos
físicos ou psicológicos da abstinência. Como a abstinência é um evento aversivo,
acreditava-se que a necessidade de manter os níveis sanguíneos da droga fosse o motivo
que levasse ao seu uso contínuo. Embora esse mecanismo possa ocorrer a curto prazo,
não explica a observação de que os efeitos da adicção ocorrem muito tempo depois de
cessarem os sintomas físicos da abstinência. Anos após deixar de usar uma substância, o
adicto pode apresentar grande fissura pela droga (i. e., uma preocupação intensa com a
obtenção da droga), sugerindo que pode haver uma forma de dependência psicológica de
longa duração. Assim, os adictos são propensos à recaída, mesmo após anos de
afastamento. A probabilidade de recaída é particularmente alta em situações nas quais os
indivíduos encontram ao mesmo tempo estresse e o contexto em que a droga foi usada
antes. Em parte, essa maior probabilidade de recaída pode resultar de uma interação entre
o circuito de recompensa e o circuito de memória encefálico, que, em circunstâncias
normais, atribui valor emocional a determinadas memórias.
É improvável que a dependência física seja o mecanismo primário de adicção
a drogas como cocaína e anfetaminas, que causam poucos sintomas de dependência física,
mas mesmo assim são grandes causadoras de adicção. A maioria das entrevistas com
adictos em recuperação sugere que eles costumam organizar suas prioridades para obter
mais droga não por medo dos sintomas físicos associados à abstinência, mas porque
estavam sempre buscando sentirem-se mais normais. Essas observações sugerem que o
uso crônico de drogas causa uma alteração prolongada no sistema de recompensa
encefálico e/ou nos sistemas de memória relacionados ao sistema de recompensa.
O conceito de alostase ofereceu uma explicação útil para a persistência da
adicção. A alostase é uma adaptação encefálica prolongada à presença crônica de uma
droga, que cria uma homeostase alterada dependente da presença contínua da droga. Na
abstinência, quando a droga é removida, o adicto não se sente normal, sai em busca da
droga e volta a usá-la para restabelecer a homeostase droga-dependente. Estudos em seres
humanos e animais constataram indícios dessas neuroadaptações prolongadas nos níveis
alterados dos neurotransmissores (p. ex., depleção de dopamina após o uso crônico de
álcool ou estimulante), no aumento da reatividade ao estresse, na alteração dos
mecanismos de transdução de sinal, nas alterações da expressão gênica e na alteração das
configurações e da função sináptica. Clinicamente, os pacientes em abstinência relatam
disforia, distúrbios do sono e aumento das respostas de estresse que podem persistir por
semanas a meses após a desintoxicação.
A idéia atual sobre adicção reconhece a heterogeneidade do processo
adictivo. Em alguns indivíduos, pode haver predomínio dos fatores de recompensa, e a
onda ou euforia motiva o uso. Em outros, há predomínio dos fatores de alívio, como o
consumo de álcool para reduzir o estresse, para reduzir a disforia da abstinência
prolongada e sentir-se normal ou para tratar a abstinência. Ainda outros podem
automedicar-se para reduzir os sintomas psiquiátricos de um distúrbio concomitante.

FONTE: Farmacologia da Dependência e Abuso de Drogas.


http://leg.ufpi.br/subsiteFiles/lapnex/arquivos/files/Farmacologia%20da
%20dependencia%20e%20abuso%20de%20drogas.pdf

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