Problema 5 - Neurólise Do Plexo Celíaco
Problema 5 - Neurólise Do Plexo Celíaco
Problema 5 - Neurólise Do Plexo Celíaco
Dona Lindalva, 65 anos, solteira, foi internada por quadro de icterícia, colúria, acolia fecal, prurido difuso,
inapetência e emagrecimento de 20Kg em 12 meses, além de dor em faixa em andar superior do abdome e em
região dorsal. Apresentava antecedentes pessoais de hepatite A e tabagismo (20 anos/maço), mas negava etilismo,
pancreatite prévia, cirurgias prévias e outras comorbidades.
Após investigação adequada, fez-se o diagnóstico de neoplasia de cabeça do pâncreas, sendo indicado
tratamento cirúrgico. Entretanto, durante o inventário da cavidade abdominal foram observados metástases
hepáticas e implantes peritoneais. Institui-se quimioterapia paliativa com gencitabina, e após 6 sessões houve
progressão hepática e local, com piora do estado geral e dor incontrolável com analgésicos comuns e AINE’s. A
evolução do quadro doloroso foi marcada pela utilização de instrumentos de avaliação da dor e da necessidade
de se introduzir analgésicos opióides, inicialmente por via oral e posteriormente por via venosa, chegando ao uso
de infusão contínua. Foram associados adjuvantes como determinado pela escala analgésica da O.M.S. Por fim,
foi proposto neurólise do plexo celíaco com álcool, para controle da dor.
Os indivíduos com câncer podem apresentar desconfortos resultantes da presença, progressão ou evolução
da neoplasia, das idiossincrasias ou iatrogenias dos numerosos procedimentos diagnósticos invasivos ou não, das
intervenções terapêuticas e ou analgésicas e, também de morbidades --concomitantes não relacionadas ao câncer.
A dor pode ser nociceptiva e decorrer da ativação e sensibilização dos nociceptores tegumentares,
subtegumentares, músculo-esqueléticos ou viscerais ou da lesão das estruturas nervosas do Sistema Nervoso
Central (SNC) ou sistema nervoso periférico (SNP). A dor psicogênica, atualmente considerada um dos muitos
tipos de dores neuropáticas, é de ocorrência rara. Em algumas situações há participação de mecanismos
neuropáticos e nociceptivos (síndrome complexa de dor regional, síndrome fibromiálgica). Pode ser localizada
ou generalizada, superficial ou profunda, regional ou referida. Pode ser intensa, moderada ou fraca. A dor pode
ser constante, espontânea ou intermitente ou cursar com episódicos de dor aguda em repouso ou apenas quando
o doente é mobilizado ou manipulado (procedimentos diagnósticos, cirurgias, fraturas, obstruções viscerais ou
arteriais, acutizações da doença).
1. Infiltração óssea: A infiltração óssea tumoral é a causa mais comum de dor no câncer, podendo manifestar-
se localmente ou à distância, pelo mecanismo de dor referida. A dor óssea é comum nos pacientes com mieloma
múltiplo. Ela ocorre por conta de estimulação nociva nos nociceptores no periósteo. O crescimento tumoral ou
as fraturas secundárias podem ocasionar lesão, compressão, tração ou laceração das estruturas nervosas,
ocasionando dor isquêmica, dor neuropática periférica ou dor mielopática. A dor óssea se manifesta com sensação
de dolorimento constante, profundo, às vezes contínuo, e surge com os movimentos (dor incidental).
2. Compressão ou infiltração de nervos periféricos: A infiltração ou compressão de troncos, plexos e/ou raízes
nervosas pelo tumor, linfonodos e/ou fraturas ósseas metastáticas pode determinar dor aguda de forte intensidade,
resultando em plexopatia, radiculopatia ou neuropatia, ou seja, dor na distribuição da estrutura nervosa acometida,
com apresentação de dor em queimação, contínua, hiperestesia, disestesia e perda progressiva da sensibilidade.
As neoplasias de cabeça e pescoço ou as lesões metastáticas para os linfonodos cervicais podem comprimir os
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plexos cervicais, ocasionando dor local lancinante com disestesia, irradiada para a região da nuca ou
retroauricular, ombro ou mandíbula.
3. Infiltração do neuroeixo (SNC): Pode ocorrer dor por invasão tumoral na medula espinal, no encéfalo e em
suas meninges. A dor radicular surge por compressão ou infiltração da medula espinal, com alteração motora,
sensitiva e autonômica distais ao local da lesão. Podemos observar, além da dor radicular, a primeira manifestação
do comprometimento raquimedular, a dor mielopática localizada e a dor fantasma. A compressão medular é uma
urgência médica, necessitando de tratamento de radioterapia ou descompressão cirúrgica ao menor sinal de
compressão da medula, como fraqueza de membros inferiores, diminuição do tato e disfunção de esfíncteres. A
cefaleia insidiosa e progressiva surge como manifestação das metástases encefálicas. Se há hemorragia pela lesão
causal, a dor instala-se subitamente, agravando-se com o decúbito horizontal, tosse ou espirro; piora durante o
sono, melhora com a postura ortostática e vem acompanhada de náuseas e vômitos. Com o progredir da lesão
encefálica, podem ocorrer sonolência, confusão mental, convulsões e coma.
4. Infiltração e oclusão de vasos sanguíneos e linfáticos: As células tumorais podem infiltrar e/ou ocluir os
vasos sanguíneos e linfáticos, ocasionando vasoespasmo, linfangite e possível irritação nos nervos aferentes
perivasculares. O crescimento tumoral nas proximidades dos vasos sanguíneos leva à oclusão desses vasos parcial
ou totalmente, produzindo estase venosa ou isquemia arterial, ou ambos. A isquemia causa dor e claudicação. A
estase venosa produz edema nas estruturas supridas por esses vasos, determinando distensão dos compartimentos
faciais e de outras estruturas nociceptivas. A oclusão arterial produz isquemia e hipoxia com destruição celular.
Esses mecanismos causam dor normalmente difusa, cuja intensidade aumenta com a progressão do processo.
5. Infiltração de vísceras ocas ou invasão de sistemas ductais de vísceras sólidas: A oclusão de órgãos dos
sistemas digestório, urinário e reprodutivo (estômago, intestinos, vias biliares, ureteres, bexiga e útero) produz
obstrução do esvaziamento visceral e determina contratura da musculatura lisa, espasmo muscular e isquemia,
produzindo dor visceral difusa (tipo cólica) constante, com sensação de peso ou pobremente localizada, referida
nas áreas de inervação da víscera comprometida. Órgãos como linfonodos, fígado, pâncreas e supra-renais podem
vir a apresentar dor devido à isquemia ou distensão de suas cápsulas. Essas vísceras sólidas também podem
apresentar quadro álgico por obstrução de seus sistemas ductais.
1. Dor pós-cirúrgica: Determinadas intervenções cirúrgicas têm alta incidência para o desenvolvimento de dor
aguda e crônica. Na fase aguda, a dor decorre do processo inflamatório traumático de cirurgias, como
toracotomias, esternotomias, amputações e mastectomias. Na fase crônica, a dor ocorre devido ao câncer
recidivado localmente. O trauma ocasionado em estruturas nervosas, durante o procedimento cirúrgico, resulta,
comumente, em dor persistente além do normal, chamada neuralgia pós-cirúrgica; tem origem traumática na sua
grande maioria e, em um menor número de casos, decorre de fibrose cicatricial ou compressões. As dores
incisionais e cicatriciais são frequentes após toracotomias, laparotomias, esvaziamento cervicais e amputações
de membros, de reto e de mama. O tratamento intenso da dor aguda pós-operatória, tanto no procedimento
anestésico-cirúrgico, como no pós-operatório imediato, faz diferença para a dor crônica pós-cirúrgica.
2. Dor pós-radioterapia: A dor pós-radioterapia apresenta-se como exacerbação aguda de dor crônica
relacionada ao posicionamento para a terapia, queimaduras cutâneas, neuropatia actínica, mielopatia actínica,
sinal de Lhermitté (desmielinização transitória da medula cervical ou torácica), mucosite bucal, esofagite,
produção de tumores primários de nervos periféricos secundários à radiação, obstrução intestinal parcial e infarto
ou isquemia intestinal. Nos tumores localizados na região pélvica, é comum a neuropatia plexal lombossacral, e,
nos tumores de mama e pulmão, a neuropatia plexular braquial; isso ocorre devido à neuropatia actínica. Após a
radioterapia, pode ocorrer fibrose de forma lenta e progressiva, ocasionando lesão nas adjacências dos nervos,
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com dor em queimação e disfunção do sistema somatossensorial. A mielopatia actínica que acontece de forma
temporária, ou progressiva e permanente, surge mais comumente na medula cervical e dorsal.
3. Dor pós-quimioterapia: A dor pode ocorrer por polineuropatias periféricas, causadas por drogas
imunossupressoras (oxaliplatina, paclitaxel, docetaxel, vincristina, carboplatina, cisplatina, doxorrubicina e
capecitabina), podendo ser de caráter transitório ou definitivo. A neuralgia herpética (fase aguda) com
características da doença inflamatória, pode surgir pela imunossupressão, aumentando sua incidência em função
da idade avançada e do sexo; essa situação tende a tornar-se crônica em 10% dos casos e a converter-se em
neuralgia pós-herpética (fase crônica) com dor em queimação, alodinia, disestesia, parestesia, paroxismos de dor
tipo choque e perda de sensibilidade na região.
Pode ser definida como dor psicogênica se houver incidência positiva de que fatores psicológicos
predominam na manutenção do sintoma sem nenhuma evidência de causa orgânica.
A dor oncológica do tipo breakthrough (breakthrough cancer pain [BTcP], também conhecida como dor
irruptiva oncológica ou episódica) é definida como uma exacerbação transitória da dor, que ocorre em um cenário
de dor persistente/crônica e controlada. Esta exacerbação transitória da dor é produzida espontaneamente ou em
relação a um gatilho específico, e pode ser previsível ou imprevisível, apesar da dor crônica apresentar um
controle relativamente adequado e estável.
2. Citar as normas da OMS para o tratamento da dor oncológica (mecanismos fisiopatológicos e lógica da
escada analgésica preconizada pela OMS).
Os princípios do controle da dor em pacientes com câncer têm sido sumariados pela World Health
Organization (WHO) por meio de um método eficaz, podendo-se aliviar a dor do câncer em 80% dos casos. Este
método pode ser resumido em seis princípios:
1. Pela boca: A via oral é a via de escolha para a administração de medicação analgésica (e outras), sempre que
possível. Poupa o paciente do incômodo de injeções. Dá ao paciente maior controle sobre sua situação, e
autonomia para o autocuidado.
2. Pelo relógio: Medicação analgésica para dor de moderada a intensa, deve ser administrada a intervalos fixos
de tempo. Escala de horário fixo assegura que a próxima dose seja fornecida antes que o efeito da anterior
tenha passado, efeito de alívio da dor mais consistente, pois quando é permitido à dor que esta reapareça antes
da próxima dose, o paciente experimenta sofrimento extra desnecessário e tolerância pode ocorrer,
necessitando doses maiores do analgésico.
3. Pela escada: A OMS desenvolveu uma escada analgésica de três degraus para guiar o uso sequencial de
drogas, no tratamento da dor de câncer.
4. Para o indivíduo: As necessidades individuais para analgesia variam enormemente (a média dos pacientes
vai requerer o equivalente a 60-120 mg de morfina oral, por dia; alguns vão necessitar de menores doses e
uma pequena percentagem pode solicitar doses altas, acima de 2000mg/ dia). A dosagem e escolha do
analgésico devem ser definidas de acordo com a característica da dor do paciente.
6. Atenção aos detalhes: dar ao paciente e cuidadores instruções precisas, tanto escritas quanto orientadas
verbalmente, sobre os nomes dos medicamentos, sua indicação, dosagem, intervalo entre as tomadas e
possíveis efeitos colaterais.
3. Estudar a farmacologia dos opioides (tipos, mecanismo de ação, efeitos colaterais e complicações -
tolerância, dependência química, dependência física e abstinência).
TIPOS
MECANISMO DE AÇÃO
Os efeitos mais importantes dos opioides são mediados por três famílias de receptores, designadas
comumente μ (mi), κ (capa) e δ (delta). Cada família de receptores apresenta uma especificidade diferente para
REPRESENTANTES
• Morfina: é o fármaco de escolha para dor intensa. Também é o principal fármaco analgésico presente no
ópio bruto, sendo o protótipo dos demais agonistas µ de ação potente.
• Codeína: também está presente no ópio bruto, em menores concentrações, e é menos potente, o que a torna
protótipo dos agonistas opioides fracos. Deve ser usada apenas para dor moderada.
• Tramadol: é um analgésico de ação central que se liga ao receptor opioide µ. Além disso, ele inibe
fracamente a captação de norepinefrina e serotonina. É utilizado no manejo da dor moderada ou moderadamente
intensa. Sua atividade depressora respiratória é menor do que a da morfina.
• Hidromorfona: é um análogo semissintético da morfina e ativa por via oral. A hidromorfona oral é cerca de
9 a 10x mais potente que a morfina. É preferida ante a morfina em pacientes com disfunção renal devido ao menor
acúmulo de metabólitos ativos.
• Metadona: é um opioide sintético, eficaz por via oral, com potência equianalgésica variável comparada à da
morfina, e a conversão entre os dois fármacos não é linear. A metadona causa menos euforia e tem duração de
ação um pouco mais longa.
• Oxicodona: é um derivado semissintético da morfina. Ela é ativa por via oral e, algumas vezes, formulada
com AAS ou com paracetamol. O efeito analgésico oral é aproximadamente o dobro da morfina.
• Hidrocodona: é um análogo semissintético da codeína e ativa por via oral. A hidrocodona é a hidromorfona-
metil-éter, um analgésico mais fraco que a hidromorfona, com eficácia analgésica por via oral comparável à da
morfina. É frequentemente associado com paracetamol ou ibuprofeno para combater dor intensa.
• Oximorfona: é um analgésico opioide semissintético. Por via parenteral, é cerca de 10x mais potente que a
morfina. A formulação oral tem potência relativamente menor e é cerca de 3x mais potente que a morfina oral.
• Fentanil: é um opioide sintético quimicamente relacionado à meperidina, tem 100x a potência analgésica da
morfina, sendo utilizado na anestesia.
• Tapentadol: analgésico opioide de ação central, é agonista do receptor µ e inibidor da captação de
norepinefrina. Utilizado para combater dor moderada e intensa, crônica e aguda.
Em pacientes com dor não responsiva a tratamento com drogas, procedimento invasivos realizados por
profissional especializado podem ser indicados. Com maior retorno de tratamento naqueles pacientes com dor
bem localizada, seja somática ou visceral, não são muito efetivos em casos de deaferentação.
• Anestesia intrapleural: para dor pós-toracotomia; plexopatia braquial; dor muscular dorsal, em abdômen
superior, tórax, ombro e braço;
• Bloqueio neural: pacientes com dor localizada ou que parece estar na distribuição de uma única raiz
nervosa, são considerados para este tipo de procedimento. O bloqueio é inicialmente executado com
anestésico local, observando-se a resposta. Injeção de anestésico local mais corticosteroide pode
promover alívio da dor por algumas semanas. Neuroablação usando fenol, álcool, crioterapia ou lesão de
radiofrequência é indicada quando a dor inicialmente melhora, mas depois recorre. Bloqueio neural
comumente inclui bloqueio periférico, utilizado nos casos de dor somática e bloqueio autonômico.
• Neurólise do plexo celíaco (NPC): É uma técnica que proporciona interrupção permanente da
transmissão da dor do plexo por meio de ablação química, podendo potencialmente melhorar o controle
da dor e, ao mesmo tempo, reduzir drasticamente o consumo de opioides. A NPC consiste na infusão de
um agente neurolítico, geralmente álcool absoluto estéril, por meio de uma agulha fina inserida no
retroperitônio, adjacente a fibras nervosas e gânglios do plexo celíaco. A medicação neurolítica
interrompe a rede neural, destruindo as vias de dor. A orientação por imagem para a NPC é mais
comumente realizada por tomografia computadorizada (TC), que vem substituindo o uso de técnicas
guiadas por fluoroscopia ou ultrassonografia.
SEDAÇÃO TERMINAL
Em casos onde os sintomas não podem ser adequadamente controlados com analgésicos ou outras
medicações, ou quando o sofrimento existencial é intenso, pode-se oferecer ao paciente e seus familiares a opção
de sedação. Esta sedação é potencialmente reversível e o paciente pode ser acordado periodicamente para
reconsiderar sua decisão ou para contatos importantes com membros de sua família. A sedação tem a intenção de
produzir sonolência suficiente para aliviar o sofrimento.
A sedação para os casos de dor é alcançada prescrevendo-se a maior dose de opiáceos que não produza
efeitos adversos (mioclonia, depressão respiratória), adicionando-se midazolam, na dose de 30 mg/ 24h, infusão
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contínua, ou haloperidol nos casos em que o paciente se torne agitado ou confuso. Sofrimento refratário em um
paciente próximo ao final da vida juntamente com a razão de ser da profissão médica de aliviar os sintomas, são
os pilares nos quais a sedação repousa. Sedação terminal é uma opção terapêutica a ser usada quando outras
estratégias falharam em aliviar adequadamente o sofrimento.
Os objetivos que baseiam as intervenções para o controle da dor são o alívio e controle da queixa dolorosa,
a melhora da funcionalidade física, psíquica e social traduzida como qualidade de vida. É desejável o uso de
intervenções múltiplas que possibilitem melhor resposta analgésica interferindo simultaneamente na diminuição
da geração do impulso nociceptivo, alterando os processos de transmissão e de interpretação do fenômeno
doloroso e estimulando o sistema supressor da dor.
O controle da dor é mais efetivo quando envolve intervenções que atuem nos diversos componentes da
dor, compreendendo medidas de ordem educacional, física, emocional e comportamental que podem ser
ensinadas aos doentes e cuidadores. Deve-se avaliar as crenças dos doentes e familiares sobre o valor das
terapêuticas propostas. São exemplos: estimulação nervosa elétrica transcutânea (TENS); acupuntura; terapia
térmica (calor ou frio); massagem; exercícios e atividade física; relaxamento e distração dirigida.