25 Território e História No Brasil - 21 PG
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25 Território e História No Brasil - 21 PG
Capítulo IV
Todo processo de colonização tem por origem a expansão territorial de um dado grupo humano, que
avança sobre um espaço novo com intuito de incorporá-lo à sua área de habitação. Contudo, nem toda
expansão resulta diretamente em colonização. Para que ela ocorra é necessário uma efetivação da
ocupação do espaço, isto é, a colonização é um assentamento com certa dose de fixação e perenidade
(mesmo que historicamente transitória). A colônia expressa a instalação do elemento externo, do que chega
àquele espaço.
À colônia corresponde a existência de uma metrópole, que atua como núcleo irradiador do dinamismo
que impulsiona a própria consolidação da colônia e o avanço do movimento colonizador. Portanto, as novas
estruturas criadas no solo colonial devem responder funcionalmente aos interesses da metrópole, aos quais
estão subordinados. A colônia deve ser um anexo territorial do território metropolitano, uma adição de
cada Estado projetam-se nas instituições coloniais por eles geradas, dando uma marca dinástica (depois
portanto elemento comum a qualquer processo colonial. Há um componente de violência que acompanha
de forma inelutável a apropriação de novas terras quando estas possuem habitantes autóctones, pois eles
devem ser submetidos ao novo poder que se instala. Em geral, tal apoio é conduzido pelo Estado, que
aproveita a ocasião ara reforçar seu controle dos territórios coloniais, com uma mais efetiva presença
O que cabe destacar é que a colonização envolve conquista, e esta se objetivava na submissão das
defrontados. A colonização é, antes de tudo, uma afirmação militar, a imposição bélica (mesmo que, num
primeiro momento, diplomática) de uma nova dominação política. As estruturas produtivas preexistentes
devem ser assimiladas à nova ordem,seja pela sua incorporação, seja pela sua destruição.
Assim, a colônia pressupõe o domínio territorial, e este possui um custo para o empreendimento colonial
que necessita ser reposto para torná-lo viável. O processo colonial demandava uma retroalimentação, que
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só podia ser suprida pela apropriação de riquezas entesouradas ou pela exploração dos recursos naturais
da terra. A presença ou ausência de tais insumos atuou como outra mediação particularizadora dos lugares
no mundo extra-europeu.
O colonizador defrontava-se com realidades díspares nas variadas terras do além-mar. A diversidade
de situações locais imperava exigindo certa inventividade dos agentes coloniais para lograr êxito em suas
instalações.
Em meio à variedade, alguns elementos destacavam-se como atrativos locais, podendo ser
gerando produtos que possam ser qualificados como mercadoria em qualquer parte do império, emerge
como uma dessas favorabilidades. Outro atrativo que não pode ser minimizado são os estoques
populacionais. A existência de mão-de-obra local disponível aparecia como uma handicap significativo para
complexas (estatais, por exemplo) também podia representar maior resistência à conquista, tornando-se
Vetor sempre positivo da realidade local é a presença de recursos naturais raros, com destaque para os
metais preciosos. A existência do ouro ou da prata removia qualquer obstáculo à instalação colonial, pois a
Em qualquer situação, entretanto, o colonizador necessitava montar uma base de assentamento para
suas operações, a qual – na sua perenização – constitui a origem do território colonial. Nessa ênfase,
diferenciam-se colônias de povoamento e de exploração. As primeiras, apresentam laços mais tênues com
os circuitos comerciais, logo são mais autocentradas e autárquicas, e atraem dissidentes religiosos e
minorias culturais europeias. As segundas, devem seu dinamismo às possibilidades de acumulação que
propiciam, sendo os lugares do capital mercantil por excelência, os quais constituem na época os principais
Cabe mencionar que o trabalho compulsório – por meio de diferentes modalidades (servidão,
escravidão, etc.) – é outro traço unificador dos processos coloniais na maior parte do globo.
O devassamento e a apropriação de novas terras aparece como um dos componentes constantes dos
processos de colonização, os quais tem assim um caráter extensivo intrínseco. A existência de fronteiras de
A atração do interior desconhecido alimentou uma rica mitologia geográfica, composta por lugares
imaginários e espaços oníricos, que acompanha toda consolidação dos impérios coloniais. E essa
imaginação fantástica animou expedições, e contribuiu significativamente para o conhecimento dos espaços
extra-europeus, pois, motivado pelo mito, o colonizador adentrou-se nas hinterlândias de difícil acesso,
embrenhou-se em florestas fechadas e atravessou desertos. Nesse sentido, pode-se concluir que os
atrativos simbólicos imaginados atuaram fortemente na apropriação dos territórios coloniais, a conquista
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O processo de colonização avança a partir de zonas de difusão, núcleos de assentamento original que
servem de base para os movimentos expansivos posteriores. A consolidação destes núcleos numa rede,
com o povoamento contínuo de seus entornos e a definição de caminhos regulares entre eles, cria a região
colonial.
A colônia é, geralmente, composta de um ou alguns desses conjuntos regionais (preexistentes ou
criados pelo colonizador). Porém, o território colonial vai além dessas unidades, incorporando também
áreas de trânsito sem ocupação perene, e os lugares recém-ocupados com uma colonização não
Completando essa breve caracterização geográfica da colônia, resta falar dos fundos territoriais,
constituídos pelas áreas ainda não devassadas pelo colonizador, de conhecimento incerto e, muitas vezes,
apenas genericamente assinaladas na cartografia da época. Trata-se dos “sertões”, das “fronteiras”, dos
lugares ainda sob domínio da natureza ou dos “naturais”. Na ótica da colonização, são os estoques de
O fato de esses espaços não estarem efetivamente colonizados não significa que não tenham sido
(grandes dinastias) repartiram o mundo extra-europeu, delimitando até mesmo os espaços de expansão
potencial de seus impérios de além-mar. Com isso, definiram grandes áreas de jurisdição formal de cada
metrópole, incluindo nelas grandes extensões de áreas de jurisdição formal de cada metrópole, incluindo
nelas grandes extensões de áreas de expansão futura, isto é, de fundos territoriais. Tais delimitações
mudança da conjuntura geopolítica interna à Europa. Assim, a cada alteração da hegemonia europeia
assiste-se a uma redivisão do mundo colonial, e, dentro desta, a redistribuição dos fundos territoriais.
realizando todas as modalidades já descritas de tal relação: apropriação de meios naturais, transformação
de tais meios numa segunda natureza, apropriação destes meios naturais transformados, produção de
formas espaciais, e apropriação do espaço produzido. A colônia, notadamente nos casos de uma instalação
pioneira, expressa talvez melhor do que qualquer outro exemplo estes momentos de ação da sociedade
sobre o espaço.
Pode-se considerar que as regiões coloniais mais dinâmicas constituíram os alicerces inicias de
construção dos Estados criados a partir das colônias, e os capitais locais desempenharam papel ativo nos
E óbvio que a variedade histórica desse processo foi imensa, sendo necessário desvendar toda uma
série de particularidades para dar conta de cada movimento de emancipação específico. De imediato, cabe
salientar tratar-se de um processo lento e com cronologia extremamente desigual do ponto de vista
geográfico. Contudo, dadas certas características gerais, é possível falar em Estados de formação colonial
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Para entender os processos de independência e a constituição dos Estados no mundo colonial, é
fundamental bem captar as diferentes heranças presentes em cada caso. As emancipações políticas das
antigas sociedades coloniais podem ser entendidas como processos de superação em seu sentido pleno,
isto é, de negação com assimilação. No geral, a condição periférica não se altera com o novo status político.
Tomando-se o caso americano, e seguindo a interpretação de Darcy Ribeiro, pode-se distinguir três
situações típicas na formação das identidades “nacionais” neste continente. Tem-se os “povos
testemunhos”, que constroem suas identidades remetendo a raízes de um passado pré-colonial (o México e
o passado asteca, ou o Peru e o império inca, aparecem como arquétipos dessa modalidade). Ao lado
destes, aparecem os “povos transplantados”, que se manifestam naqueles territórios onde o processo de
colonização apresentou origem nacional predominante dos povoadores, o que permite que se construa uma
identidade a partir do país de imigração. A terceira situação recobre os chamados “povos novos”, gerados
criadas no próprio processo colonizador (para Ribeiro, o caso brasileiro seria paradigmático desse último
tipo).
Nos países de origem colonial, a geografia adquire centralidade ímpar, pois se trata de formações
criadas na conquista de espaços, de formações que tinham na apropriação das novas terras a sua razão de
ser. Nesses países, o espaço a conquistar aparece como eixo estruturador da vida social, que molda as
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Capítulo V:
O Estado Territorial no Contexto Periférico
Sabemos que as fronteiras são construções históricas que possuem vários pressupostos, entre eles a
constituição dos Estados. Há um componente de submetimento e conquista na definição das fronteiras, que
geralmente tem em sua gênese um caráter bélico. Todavia, sobre este dado genético deve-se desenvolver
todo um processo legitimador, que torna a fronteira também um constructo jurídico, sendo esta dimensão
A par da base militar, indispensável até hoje, a formação dos Estados nacionais necessita transitar
bastante pelas instâncias de legitimação e convencimento. A afirmação moderna dos Estados passa cada
vez mais pela afirmação de identidades nacionais que, por sua vez, necessitam de bases espaciais
estabelecidas.
A história da nação é sempre uma afirmação da nacionalidade, que no limite justifica a existência do
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É no contexto de países de passado colonial, mais do que em quaisquer outros, que a geografia e a
história se amalgamam na construção idológica das identidades nacionais. Afinal, como visto, são países
que se formaram num processo de contínua conquista de espaços, numa adição de novas terras ao
patrimônio espacial do colonizador. O apetite territorial sendo, assim, o clã da comunidade de interesses
que impulsionou esse processo, seu elemento básico de identidade, sobre o qual, em muitos casos, vão
apoiar-se os movimentos de emancipação e de afirmação da unidade política. Enfim, em tais países, Estado
e territórios são termos de uma mesma equação, a que introduz a questão nacional.
Em sociedades que têm a diferenciação como norma de estruturação político-social, o discurso liberal
clássico encontra dificuldades para se estabelecer como justificativa formal do poder estatal. O racismo vai
emergir em muitas partes como uma teorização adequada para justificar a ordem reinante, também o
A construção dos Estados periféricos se faz a partir das heranças coloniais existentes, seja no que
entre os operadores desse processo. Após efetivar o rompimento dos laços coloniais, tais agentes
deparam-se com uma situação em que dispõem de um território e um projeto de Estado. Essa
disponibilidade ancora-se num reconhecimento externo do processo de independência, o qual deve contar
com a anuência das (ou, ao menos de uma ) potências hegemônicas no cenário internacional. O domínio
territorial e a existência do novo qual não se apõe – antes se articula – à necessidade também de uma
Em face da dificuldade de delimitar a nação e de gerar uma justificativa nacional, o Estado que se forma
no contexto periférico pode ser definido como “territorial, mas dificilmente como “nacional”.
A formação do Estado muitas vezes sustentou-se num pacto em torno de um projeto “nacional” voltado
para o futuro. Um pacto que amarrava as elites das regiões coloniais incorporada no novo território num
compromisso político comum, o qual teve sempre por fundamento supremo a reprodução do poder de
mando dessas próprias elites sobre seu espaços de dominação, o que acarretava uma séria limitação para
o referido projeto, no que diz respeito a mudanças substanciais na estrutura da sociedade. Perpetuação
oligárquica e Estado patrimonial são faces do mesmo processo que, de berço, embaralhava interesses
um projeto nacional conhecia limites políticos bem-demarcados, os quais criavam elos de continuidade com
Trata-se, portanto, de Estados frágeis no sentido geral das potencialidades do poder estatal, o que não
significa que não sejam – muitas vezes – despóticos com as populações sob sua dominação política. São
fracos comparativamente aos Estados dos países centrais, no sentido de que não realizam todo o espectro
de ações pó estes desempenhadas. E são frágeis, sobretudo, nas negociações nos fóruns internacionais e
no confronto com os Estados centrais. Enfim, os Estados periféricos vivenciam com frequência uma
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soberania meramente formal sobre seu território, não sendo raros os casos de ingerência estrangeira direta
em seus domínios.
O motivo da subordinação mencionada reside, primeiro, na dependência econômica vivida pelos países
periféricos, que tem grande parte de sua produção comandada ou direcionada por interesses externos. Tal
fato acarreta uma performance da economia nacional reativa aos ditames internacionais, a qual impede um
pleno planejamento de seus destinos sem algum tipo de ruptura com essa posição subordinada.
Não poucas vezes, Estados tirânicos em suas relações internas revelam-se extremamente dóceis na
arena da política externa, devendo boa parte da manutenção de seu poder local a essa docilidade nas
relações com o exterior. Em síntese, quanto maior a fraqueza do Estado, maior a possibilidade tanto de sua
manipulação por interesses estrangeiros como de sua utilização interna por interesses privados.
Vale bem assinalar as razões que estimulam os países centrais do capitalismo a exercitarem
continuamente esse controle político da periferia. Em primeiro lugar, cabe apontar o acesso aos fundos
territoriais como uma motivação de grande importância na história deste modo de produção. A utilização
atual ou futura de recursos raros e/ou escassos demanda essa possibilidade de acesso aos patrimônios
A segunda razão que motiva o controle dos Estados periféricos pelos países centrais deriva de uma
função fundamental que deve ser operada pelos organismos estatais nesse contextos: a de adaptar o
território nacional aos requerimentos postos pelos padrões de acumulação internacionais, a cada período
técnico. Isto é, o ritmo e a dinâmica das economias centrais – em constante transformação – demandam
periódicos ajustes tem por agentes principais d difusão os próprios Estados periféricos. Estes suprem seus
territórios das infra-estruturas e equipamentos requeridos por cada nova onda de penetração do capitalismo
naqueles espaços.
consideradas na análise da história singular de cada país englobado em tal denominação. Existem,
portanto, mediações próprias qualificadoras dessa condição, entre as quais as de cunho geográfico
A história do Brasil é exemplar no sentido mencionado. O país tem sido concebido como um espaço,
cuja apropriação – erigida como projeto nacional básico – legitimou a ação do Estado desde sua gênese. A
conquista territorial, posta como eixo estruturador da formação brasileira, conheceu várias formulações
legitimadoras, uma das principais é expressa por meio de um personagem paradigmático, que tem na
A interpretação da “justa” aplicação do princípio do uti possidetis na definição das fronteiras brasileiras,
trazia seu herói implícito, aquele que “desbravando a natureza” e “combatendo índios hostis” havia dilatado
“brasilidade”.
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Capítulo VI
Nos países de formação colonial a dimensão espacial adquire considerável potência na explicação de
suas dinâmicas históricas, pois a colonização é em si mesma um processo de relação entre a sociedade e o
espaço. A colonização envolve uma sociedade que se expande e os espaços onde se realiza tal expansão,
Vale salientar que muitas das determinações coloniais permanecem vigentes mesmo após os processos
de emancipação política de tais países, uma vez que a nova ordem política é construída sobre arcabouço
econômico e social gerado no período colonial. No caso brasileiro, a manutenção do escravismo como
relação de produção básica bem atesta o afirmado, constituindo-se no principal elemento de continuidade
regionalizadas, sem dúvida também a manutenção do domínio sobre os fundos territoriais emerge como
outro elemento agregador dos diversos interesses regionais, pelo fato de que todas as economias regionais
vivenciavam processos ou perspectivas de expansão sobre tais fundos. Por isso, manter a integridade do
território herdado da colônia, com as fronteiras estabelecidas nos tratados de Madri, Santo Idelfonso e
Badajós, emerge como importante fator interveniente não apenas na agregação das elites, mas também na
definição da forma monárquica – bastante atípica em solo americano – assumida para o novo Estado.
A adoção da monarquia como forma de governo implicou uma continuidade dinástica que amenizava o
fato emancipatório, visto como perigoso pelos Estados europeus possuidores de vasto impérios coloniais. A
manutenção do Brasil sob o domínio da Casa de Bragança permitia que o processo de independência fosse
equacionado pelas monarquias europeias como uma questão de família, principalmente na conflituosa
brasileiras iniciam a instalação do novo Estado, num contexto em que dispõem de vasto território dotado de
amplas reservas de espaços ainda não ocupados pela economia agora nacional e de população
relativamente pequena e profundamente clivada pela vigência da escravidão (que, como visto, não apenas
dicotomiza a sociedade como influi na próprias sociabilidade praticada entre homens-livres). O Brasil não
será concebido como um povo e sim como uma porção do espaço terrestre, não uma comunidade de
Tal concepção enraíza-se no pacto oligárquico firmado entre as elites regionais que sustenta as bases
políticas do novo Estado. Controlar a terra e o trabalho, e expandir fisicamente a economia nacional
constituem os alicerces do pacto, que expressa bem a ótica geopolítica que o fundamenta.
A ideia de construir o país atua em primeiro lugar como elemento de coesão entre as próprias elites, ao
dotá-las de um projeto nacional comum. A ideia de construir país legitima plenamente a ação do Estado,
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pois lhe é atribuída a condução desse projeto, e pela magnitude da missão assumida justificam-se também
Tal visão instrumental dos segmentos populares expressa-se claramente num debate que atravessa o
pensamento brasileiro por todo o século XIX, adentrando nas primeiras décadas do século XX: com que
povo contamos para construir o país. De novo a ideia de que o Brasil positivo é um lugar, cuja negatividade
advém dos habitantes (o projeto nacional, em certo momento, sendo a substituição da população, leia-se:
seu branqueamento).
Enfim, a ideia de que o país não está pronto e de que urge construí-lo permite uma série de
desdobramentos lógicos bastante úteis para o exercício do poder estatal ou privado. Em síntese, ali onde a
história pouco fornece para a elaboração de uma identidade nacional, os argumentos de índole geográfica
vão possibilitar a elaboração de discursos legitimadores onde o país é visto como um espaço, e mais, um
O padrão discursivo básico do século XIX que conforma essa concepção estrutura-se em torno do
A ideia de levar as Luzes para o interior longínquo acaba por conformar uma mentalidade em que a
natureza e os meios naturais originais são associados à situação de barbarismo e atraso, ao passo que é a
devastação do quadro natural e entendida como progresso. Enfim, civilizar é uma outra forma de qualificar a
expansão territorial, que reafirma as determinações da conquista colonial: apropriação da terra e submissão
dos “naturais”.
As ideias aqui expostas vão aparecer em variados discursos e em diferentes propostas de distintos
atores políticos e de diversos setores das elites ao longo do século XIX e das primeiras décadas do século
XX.
Por serem dominantes numa época tais juízos projetam-se nas formulações posteriores que os
superam, constituindo o conteúdo do velho pensar que se reproduz (ao menos como referência negativa)
nos novos discursos. E os anos 30 começam com um novo padrão de interpretação do país, transição já
bastante estudada pela literatura especializada. O papel catalisador que a noção de “civilização” cumpriu
para a antiga mentalidade será agora ocupado pelo conceito de modernização. Modernização implicava no
caso brasileiro necessariamente valorização do espaço. Nesse sentido, o país podia ser novamente
equacionado como âmbito espacial no qual o Estado devia agir para instalar o novo projeto nacional: a
construção do Brasil moderno. E o primeiro governo Vargas, notadamente no período do Estado Novo,
opera a adequação do aparato estatal para realizar tal tarefa, com a criação de órgãos, programas e
que importa ao regionalismo, a ditadura Vargas não apenas realiza a primeira regionalização oficial do
Brasil, como também assimila o conceito de região no vocabulário oficial do Estado. Vargas define a
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brasilidade como o somatório das culturas regionais do país, concepção que estimula um surto de
estratégia mesma de alocação das elites locais no projeto de construção do Brasil moderno.
A consolidação de identidades regionais no país possibilitou que, no pensamento das elites brasileiras,
conflitos sociais fossem equacionados como disputas territoriais, isto é, que embates de classes sociais
fossem tomados como luta entre lugares (repondo visão geográfica da nação). O equacionamento da
questão regional nos anos 50 bem corrobora o afirmado, inicialmente em sua própria centralidade, ao se
definir superação das desigualdades regionais como o projeto nacional básico do país.
geográficas e as políticas territoriais do Estado é total e explícito. O discurso e a materialização física das
metas caminham em consonância, com a tarefa estatal de construir o país objetivando-se em agressivas
políticas territoriais, num esforço de produção de espaço ímpar na história brasileira. Nesse turbilhão de
mudanças, em que se destaca um veloz fluxo urbanizador, e num contexto político mais democrático, a
O golpe militar de 1964 afasta tal discussão da esfera do Estado, reafirmando com força uma visão
geopolítica da atuação governamental, que repõe integralmente a concepção autoritária que identifica o
Brasil com seu território. A Doutrina de Segurança Nacional, que a fundamenta, cabalmente expressa tal
entendimento ao qualificar o cidadão brasileiro contrário à ditadura como o “inimigo interno”, que põe em
Pode-se dizer que a ocupação e ordenamento do espaço atuaram como eixo estruturador do planejamento
autoritário e profundamente centralizado. Essa visão centrada no território fica bem evidente na estrutura
institucional do aparelho de Estado adotada pela ditadura, com o agrupamento de todas as políticas
territoriais – pela primeira vez na história brasileira – num único órgão executor, no caso o Ministério do
Interior, que englobava agências tão distintas (como o Incra, a Funai, o BNH, a Sema, as Superintendências
de Desenvolvimento Regional, entre outras), sendo o nexo entre tais instituições o fato de todas operarem
A Constituição Federal de 1988 espelha bastante essa mentalidade localista e antiestatista, que – de
forma inovadora – não concebe o país numa visão integrada e total do território, e portanto, não estrutura
sua administração em bases geopolíticas. No tocante à gestão das políticas públicas assiste-se na Nova
República a uma grande segmentação e setorização das ações e programas, num processo que já foi
definido como de “balconização” do Estado. Alie-se a isso, como um acentuador do processo, o fato de a
democratização brasileira ter ocorrido num cenário de crise econômica e de forte recessão mundial. E,
também em termos internacionais, de emergência da teses neoliberais, entre elas a proposta do Estado
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Décadas “perdidas”, desmonte do aparato estatal, privatizações, fragmentação das políticas públicas
são elementos associados a um conceito que começa a se hegemonizar nas últimas décadas: a
globalização. Este conceito nomearia um movimento de novos e profundos ajustes nos espaços periféricos,
constituindo segundo seus formuladores uma etapa superior da modernização que ultrapassaria os
Finalizando, cabe constatar que a política brasileira – na conjuntura recente – pela primeira vez pensada
sem o território acabou por gerar níveis de conflito institucional interno de grande significado, que revelam
graves fissuras no pacto federativo vigente. A guerra fiscal é um resultado de tal situação, também as várias
disputas judiciais em curso entre os níveis de governo pela competência de legislar em diversas matérias,
entre elas o uso do solo e a utilização dos recursos naturais. Não há como negar uma conjuntura de crise
no federalismo brasileiro, chegando alguns autores a sugerir que se vive um processo de “fragmentação” da
economia nacional.
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Capítulo VII
afirmação nacional dos Estados europeus, conhecendo grande importância e rápido desenvolvimento
exatamente nos países que vivenciaram dificuldades nesse processo. O caso alemão, com sua tardia
unificação nacional, aparece como paradigmático, fazendo desse país o centro teórico da reflexão
geográfica ao longo de todo o século XIX. Na verdade, as teorias modernas dessa disciplina foram, em
simbólica de novos laços de coesão social legitimadores da forma estatal de dominação. Nesses países, as
representações espaciais forneceram um elemento de referência negado pela história, pondo a discussão
A eficácia da visão da geografia, que terá o aparelho escolar como veículo básico de divulgação, residia
poder do Estado. A segunda fornece aos indivíduos um referencial que os qualifica numa comunidade
Meio, paisagem, ambiente, região, são conceitos tomados de outra áreas do conhecimento e
recontextualizados no discurso geográfico num sentido naturalizante que se presta bastante a práticas
retificadoras. Mesmo sem a acentuação finalista do determinismo, as várias correntes da geografia (hoje
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denominada) tradicional, apresentavam enfoque – se não diretamente naturalista – pelo menos altamente
coisificador com respeito aos processos sociais. A qualificação das sociedades pela sua especialidade
aparece como expressão clara de tal enfoque, a naturalização das fronteiras e das nacionalidades serve
contextos de formulação díspares, o que alimentou diferenciações internas e polêmicas entre correntes (até
respectivos países. Um traço, todavia, parece aproximar as várias situações: a centralidade do discurso
necessariamente momentos de dificuldade na afirmação das identidades grupais. Nos países de formação
colonial, como visto, a questão nacional emerge num quadro de identidade problemática. A ruptura com os
Seria sustentável a hipótese de a centralidade da dimensão espacial nesses países vir acompanhada de
uma valorização explícita da geografia (como a ocorrida nos países centrais), o que redundaria em forte
O Brasil, nesse sentido, é geneticamente uma invenção lusitana, resultado da expansão de Portugal.
Ontologicamente falando, não existe Brasil sem a instalação portuguesa em terras sul-americanas, e mais,
sem efetiva consolidação dessa presença, processo que leva cerca de dois séculos para se completar.
Além disso, é interessante relembrar que foi somente no bojo da finalização de tal processo que começou a
emergir a existência de interesses autocentrados na colônia, base de uma identidade autóctone. Cabe,
De início, vale lembrar que o Brasil é, primeiro, uma figura da administração colonial portuguesa,
denominação que circunscrevia uma parte do império ultramarino, abarcando as áreas do impreciso
Nesse sentido, o Brasil foi sendo composto como entidade político-territorial num processo lento e
cumulativo.
Na verdade, a identidade brasileira no império português afirma-se com sua importância econômica e
estratégica para a metrópole, que se tornou crescente após a restauração portuguesa em 1640, a perda de
Tal importância foi bem reconhecida pela geopolítica imperial do Estado português no século XVIII.
Tanto que essa é a matéria central das suas ações diplomáticas na arena europeia no período, o que
resulta na sucessão de acordos de legitimação da posse do Brasil. Estava claro para o Estado
manutenção do domínio sobre as terras brasileiras, maior fonte de ingressos das finanças do reino.
Uma primeira manifestação dessa influência pode ser observada no reforço à centralidade da capital
fluminense no território colonial, que passa a desempenhar função coordenadora antes realizada por
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Lisboa. Cria-se, portanto, um efetivo centro interno no espaço de dominação português na América
meridional.
Vale apontar que a vinda da família real estimulou um surto de conhecimento do território brasileiro,
acelerando um processo de levantamento de lugares que vinha das décadas finais do século XVIII, o qual
objetivou os primórdios da atividade científica no Brasil. Foi realizada uma série de expedições (muito
financiadas diretamente pela coroa) e constituídas as primeira coleções sistemáticas das províncias
minerais, da flora e da fauna dos diferentes quadrantes do espaço sob controle português.
metropolitana (agora instalada em solo americano), tal percepção não é comungada com as elites coloniais.
Estas permanecem imersas num profundo localismo, que não lhes permite pensar um projeto para além dos
limites de suas economias regionais, possuindo posições variadas quanto a suas relações com o conjunto
do império português. Ninguém falava de uma unidade brasileira ou de uma posição unitária da vontade
A construção do novo país ocorre a partir da herança colonial existente, cuja inércia é particularmente
sensível na estrutura do espaço econômico. Este era constituído por zonas monoprodutoras contínuas e
Os perfis e as performances das várias unidades e zonas econômicas que compunham o novo país não
compartilhavam o mesmo tempo. Conviviam no espaço brasileiro desde áreas de grande dinamismo e ritmo
de expansão (como o Vale do Paraíba) até zonas de forte inércia estrutural imersas em estruturas já
Num contexto em que a unidade nacional (ou mesmo territorial) não encontrava estruturas materiais de
objetivação, o estabelecimento de um poder central só poderia ocorrer pela sua alocação num dos polos
econômicos preexistentes. Sua instalação acarretou, de imediato, uma hierarquização dos lugares no
interior do antigo território colonial, a qual em certo sentido moldou a conformação territorial do Brasil até a
atualidade.
A localização da corte no Rio de Janeiro atraiu, e ao mesmo tempo em parte explica, o desenvolvimento
e a proeminência do sudeste e da zona cafeeira no território brasileiro. Emergia, assim, a figura do pacto
na história do Brasil. Um bom exemplo das “transformações pelo alto” tão comuns m nossa formação.
O período monárquico representa uma fase de centralização do poder na história política do Brasil, se
comparando à maior autonomia e autarquização da administração dos lugares durante o período colonial,
quando o poder local era – na prática de muitas localidades – quase soberano. O Estado imperial era um
somatório de sistemas de poder espacialmente delimitados, organizado numa estrutura na qual – a partir de
certo nível de abrangência territorial – as esferas públicas e privadas plasmavam-se totalmente, sendo por
isso qualificado por muitos autores como um Estado “patrimonial”. Nesse quadro, o poder local não perde
sua efetividade, antes reforça-se ao se inserir nas redes mais amplas que englobam sua localização.
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A vigência da monarquia amenizava a questão da identidade nacional, pois fornecia uma base dinástica
para a construção do Estado e a legitimação de sua soberania. A forma monárquica definia um centro (não
só geográfico, mas sobretudo político) para uma estrutura de poder altamente pulverizada, razoavelmente
desconexa e que, como visto, funcionava em ritmos diacrônicos; no qual o monarca, mais do que o Estado,
personificava a unidade nacional. De outro lado, a vigência do escravismo e de outras formas de trabalho
ideologias para o consumo popular, num quadro em que a dominação política se exercitava mais pela
violência do que pela hegemonia. Em razão disso, foi na crise da monarquia e do escravismo que a questão
Tem-se um debate apoiado em argumentos marcadamente geográficos (com muitas alusões a autores,
teorias e conceitos, da geografia), sem que existam geógrafos profissionais ou cursos de geografia no país.
O “geógrafo” do período imperial era uma autodidata, voraz leitor da bibliografia europeia da matéria
O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro foi fundado em 1838, no bojo do processo de afirmação do
poder do Estado monárquico, tendo por núcleo dirigente exatamente a parcela da elite brasileira que
impulsionou tal processo, e por objetivo atuar para melhor conhecimento do país. Vale mencionar que foi
dos recém-criados cursos de direito (São Paulo em 1897 e em Pernambuco em 1828) medicina (Bahia e
Rio de Janeiro) e engenharia (Rio de Janeiro) que saiu a maioria dos quadros d sócios do IHGB, estando a
trópicos, expressão da monarquia ilustrada, que tinha como missão levar a civilização aos sertões,
incorporando as terras brasileiras no cenário das nações sertões, incorporando as terras brasileiras no
cenário das nações civilizadas. Para tanto, tinha em sua pauta de atuação a elaboração da história e da
geografia do Brasil, a serem construídas segundo os padrões de excelência vigentes nos centros europeus.
A recuperação simbólica dos povos indígenas na memória nacional (notadamente por meio do movimento
“indigenista” de inspiração romântica) foi em muito obra de autores do instituto, assim como o foi a definição
Ao longo da segunda metade do século XIX, esta instituição foi um dos principais aparatos privados de
hegemonia existente no país, o qual expressava em sua prática a interpenetração com a gestão da coisa
pública imperante na vida estatal brasileira. Dom Pedro II era o presidente de honra da agremiação desde
1851, que apresentava ainda entre seus associados as principais lideranças políticas do período, sendo por
transformações nos paradigmas do pensamento social brasileiro. É possível distinguir três gerações que
recobrem o “período áureo” do IHGB. A primeira, a de seus fundadores (em grande parte formados em
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manifestando a postura própria dos “naturalistas” em face do meio tropical desconhecido. A meta assumida
por eles era “conhecer o Brasil”, que implicava de início explorar os lugares ainda não cientificamente
preponderante do pensamento romântico e, tal como no romantismo europeu, animava-se com os temas
como no romantismo europeu, animava-se com os temas históricos e com o projeto de elaboração de uma
história nacional (como em Michelet). A recuperação simbólica do elemento indígena foi, como visto, traço
marcante do pensamento romântico no país, o qual apontava uma meta de “interpretação do Brasil”, daí a
importância atribuída à construção de uma historiografia nacional, com símbolos e mitos de origem.
Um terceiro agrupamento geracional emerge no bojo da crise do Estado monárquico, agregando vários
dos publicistas republicanos, com auge na belle époque brasileira. Trata-se da geração “cientificista”, que
realizou a importação de modelos teóricos rígidos de corte conservador das matrizes europeias e sua
aplicação na explicação da realidade brasileira. A teoria racista pode ser indicada como uma das principais
importações realizadas, sendo amplamente utilizada na legitimação de diferentes propostas políticas, num
geração que usou diretamente a ciência (e a autoridade científica) como instrumento legitimador de ações
Nesse contexto, vale lembrar a rápida difusão e assimilação das teses do determinismo geográfico, que
contudo, o determinismo geográfico foi utilizado para naturalizar um “destino nacional”, inscrito na
Um número mais restrito de autores vai remeter-se diretamente às formulações de Friedrich Ratzel,
substantivadas com o concurso de um Estado forte. O pensamento geopolítico desponta então como
variante nas teorizações que afirmavam a necessidade de um Estado forte, dando clara ênfase na ideia da
Enfim, no período de substituição o trabalho escravo pelo trabalho livre, e de construção da ordem
republicana, a visão da identidade pelo espaço parece adquirir singular relevo na representação simbólica
do Brasil. A mudança da forma de governo repunha o tema da unidade nacional e do ordenamento (ou
reordenamento) do Estado. Tem-se uma época de desenvolvimento tanto do processo de produção material
do espaço brasileiro, isto é, de valorização objetiva de seu território (de construção de sua geografia
material), quanto de sua produção simbólica, com a apropriação intelectual e a representação discursiva de
variados lugares do país (logo, de sua valorização subjetiva). As instituições dedicadas ao tema
multiplicaram-se n virada do século XX, com um surto de criação de institutos históricos e geográficos
estaduais e de outros órgãos congêneres, num quadro no qual merece se destacada a fundação da
Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro em 1883. Tal agremiação foi responsável por uma renovação do
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debate geográfico local, estimulando a realização dos primeiros congressos e a criação do pioneiro curso
A experiência descrita repousava num pacto político no qual as elites das áreas economicamente
decadentes trocavam a perpetuação de suas posições de comando nas respectivas redes locais e
regionais, pelo apoio à implementação de projetos que acentuavam gradativamente a posição subalterna de
não apenas um significativo crescimento econômico e demográfico, mas também uma complexização
tornar a sociedade brasileira mais diversificada culturalmente e submetida a relações econômicas e políticas
mais variadas.
Nesse contexto, alargava-se também o espaço d atuação dos intelectuais, alçados muitas vezes à
condição de arautos da modernidade por exemplo na defesa das grandes intervenções urbanísticas em
Pode-se considerar que o conhecimento geográfico acompanhou essa efervescência cultural vivida pelo
país, que se expressou em novo surto de divulgação da disciplina, agora capitaneado pela Sociedade de
Geografia do Rio de Janeiro. Nova onda de explorações do território ocorre no período, impulsionada seja
por motivações diplomáticas (de delimitação de fronteiras, como as de Euclides da Cunha na Amazônia)
seja científicas (exemplificada nas pesquisas médicas de Osvaldo Cruz). Cabe salientar a estruturação
institucional do exército brasileiro no período, processo que mostra uma progressiva profissionalização (que
culmina com a vinda de instrutores franceses em 1920) e no qual o conteúdo de geografia ensinado era
significativo, fato já é visível na marcante presença de militares nos quadros do IHGB e da SGRJ.
Também observa-se no período em foco uma dinamização no que tange à publicação de estudos e
Backheuser, Raja Gabaglia, Artur Orlando e José Veríssimo, como os pioneiros de uma geografia
profissional no país.
demandas de uma sociedade que se tornava mais complexa que a estrutura político-estatal existente.
Novamente, pensar o Brasil aparece na pauta de todas as forças políticas presentes no cenário nacional, e
várias dessas vertentes se orientam por ideários autoritários que repõem a visão do país como espaço a ser
conquistado.
Vale comentar a preponderante influência da escola possibilista sobre a nascente geografia universitária
do Brasil, a qual exprime um padrão geral de estruturação das pioneiras universidades, mais demarcado no
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caso paulista. A meta era elaborar um conhecimento efetivamente “científico”, distanciado dos preconceitos
A tese da neutralidade política da ciência cabia bem ao projeto d uma elite economicamente dominante,
mas que havia sofrido sensível derrota política (na Revolução Constitucionalista, de 1932), fato constatável
em seu alijamento do comando do poder central. . Trata-se de uma conjuntura d elaboração de um forte
regionalismo paulista, que vai buscar nos bandeirante um elemento de ancestralidade na afirmação de uma
conjuntura de elaboração de um forte regionalismo paulista, que vai buscar nos bandeirantes um elemento
de ancestralidade na afirmação de uma identidade política. Com os discursos produzidos sendo legitimados
Um afastamento das discussões políticas imediatas marca a produção das primeiras gerações da
geografia paulista, apesar da participação ou relação política de alguns de seus membros. O caso de Caio
Prado Jr. Aparece como paradigmático nesse contexto, com sua militância não sendo diretamente visível
No Rio de Janeiro, então capital da república, a localização do governo federal era por demais presente,
acabando por acentuar a galvanização da vida intelectual na órbita do aparelho de Estado. A criação do
discurso geográfico oficial. Isso num contexto governamental no qual a ótica geopolítica ocupava posição
destacada.
O Estado Novo representou um período de grande modernização do aparelho de Estado brasileiro, com
a criação de vários órgãos que poderiam ser definidos como gestores de política territoriais. Ocupar o
território era novamente o mote da atuação governamental, sendo tal objetivo claramente explicitado pelos
A exemplo de muitas situações de afirmação nacional no capitalismo tardio, a ideologia do Estado Novo
justificou o autoritarismo como uma peculiaridade da sociedade brasileira, vendo a centralização do poder
No que importa à história da geografia o Brasil, o mais significativo elemento que emergiu no período foi
a assimilação e difusão pelo discurso estatal do conceito de região. O IBGE elaborou, no início dos anos 40,
Conforme a concepção defendida por Getúlio Vargas, a identidade brasileira era constituída pelo
somatório de suas “culturas regionais”, visão que punha o recorte da região no centro da repartição do
poder no âmbito d pacto político vigente, já definido por vários autores como um “estado de compromisso”.
pois para as elites locais sua ausência significava descredenciamento no jogo da política nacional.
A partir do período enfocado, o conceito de região consolidou-se como uma forma quase natural de se
conceber o território brasileiro, incrustando-se na reflexão e na prática geográfica tanto estatal quanto
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universitária. Identificar as regiões (em diversas escalas), caracterizá-las do ponto de vista natural e social,
posta para as instituições dedicadas à pesquisa no campo da geografia a partir de então. A hegemonia de
tal orientação foi inconteste ao longo das décadas de 50, 60 e 70, quando a região passa a ser questionada
cultural para um objeto da economia. De algo tido como positivo e benéfico (a cultura regional), passou-se
para uma avaliação negativa, em que a particularidade regional é vista como problema econômico (que o
teórica da política desenvolvimentista do governo JK, bem ilustra este entendimento negativo da questão
regional, que em verdade apenas aplica no país a visão espacial d desenvolvimento contida na teorização
O meio urbano passava a ser qualificado como lócus da modernidade que se perseguia, e a ruralidade
vista como causa dos males do país. A construção de Brasília e o grande adensamento da rede urbana e
da malha viária brasileira inscrevem-se nesse esforço modernizante, o qual desemboca numa série de
impasses políticos.
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Capítulo VIII
Formação Territorial e Políticas Ambientais no Brasil
estrutura territorial, nos modos de apropriação da natureza e de usos dos recursos naturais, na fixação d
valor ao solo e nas formas de relacionamento entre os lugares. As ideologias geográficas povoam o
Nestes países, mais do que em qualquer outra parte, o Estado aparece antes de tudo Omo um
organizador do espaço, um gestor do território. O Estado se impondo como mediação básica na relação
Nesse contexto, o fazer política trafega em muito pelas formas e modo de valorização dos lugares. Já
disse um presidente brasileiro: “governar é construir estradas”. O território, e não o povo, sendo o alvo
prioritário das políticas públicas. E a geografia toma sentido como inventário de recursos, como descrição
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No que importa à formação cultural, os argumentos de corte geográfico ganham importância nos
processos de legitimação dos discursos. Foi assim no aniquilamento das populações autóctones, ou para
moderna, que cria e economia-mundo capitalista. Os processos econômicos, políticos e culturais trazem
histórico do Brasil.
Neste quadro, a natureza brasileira é vista como pura riqueza a ser apropriada, e o espaço e os
recursos naturais são tomados como inesgotáveis. Daí a ideia do país-celeiro de riquezas, o “gigante
deitado em berço esplêndido”, em certo momento “a vaquinha-de-leite de Portugal”. Uma ótica expoliativa
domina a relação da sociedade com o meio no Brasil, a qual se expressa com clareza no ritmo e na forma
como avançam as “frentes pioneiras” na história do país, deixando ambientes degradados em suas
retaguardas. O bom governo, nesse sentido, é o que propicia, antes de tudo, o acesso aos lugares e aos
A forma monárquica de governo adotada visava em muito garantir a soberania sobre o vasto território
(em grande parte ainda não incorporado) definido nos tratados de limites do período colonial. A manutenção
da Casa de Bragança no domínio desse espaço trazia o argumento da legitimidade dinástica para a
afirmação internacional do movimento de emancipação política. Garantir seu território foi a primeira tarfa
No contraponto, também o povo é qualificado como instrumento de concretização desta meta. Daí o
tema recorrente do pensamento conservador brasileiro: com que o povo contamos para construir o país? A
visão elitista vai além, não raro defendendo a tutela popular em nome da integridade territorial, como na Lei
são estruturalmente “áreas de ajuste”, que necessitam de tempos em tempos adequar sua produção às
inovações empreendidas no centro do sistema mundial. Cada redefinição das matrizes produtivas nos
países hegemônicos, reverbera nos territórios da periferia, estimulando ou contendo fluxos, direcionando
Um destes surtos, nos anos 30, institui o moderno aparelho de Estado no Brasil, gerando várias
Na década de 1950, consolida-se uma estrutura de planejamento estatal, que tem na intervenção no
território a linha mestra de atuação. O papel desempenhado pela construção de Brasília, no plano simbólico
e material, já foi bastante destacado por vários comentaristas. A capacidade geográfica do Estado, como
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produtor de espaço, mostrou-se em sua plena potência nessa obra e no adensamento da malha rodoviária
realizado no governo JK. Contudo a conjuntura internacional começa a reverter em meados da década de
70, findando os “Trinta Anos Gloriosos” de ascensão contínua do capitalismo. E os ventos da crise e da
recessão acabam por impor-se à economia brasileira, levando de roldão muito da capacidade de
Faltam recursos para concluir ao menos as estradas projetadas, sendo o abandono das obras na
retrai-se e é grande parte desmontada ao longo da “década perdida”. O Brasil vive a democratização das
A visão integrada do território se perde nesse processo de “balconização” das políticas públicas. A crise
freia o próprio ritmo da expansão territorial. E as fronteiras virtuais de acumulação tornam-se mais atrativas
que os investimentos materiais, envolvendo a economia brasileira pesadamente nos circuitos da circulação
financeira.
operada nas últimas décadas. A Secretaria Especial de Meio Ambiente da Presidência, assim como
diversos órgãos estaduais do setor, foi criada na primeira metade dos anos 70.
Em 1981 é promulgada, com força de lei, a Política Nacional de Meio Ambiente, que disciplina o
Sistema Nacional de Meio Ambiente (integrando as esferas federal e estaduais) e cria o Conselho Nacional
de Meio Ambiente (organismo intergovernamental e com ampla representação da sociedade civil). Os ecos
da democratização começam a se fazer sentir na estrutura setorial. Nessa segunda fase, a concepção
imperante prioriza as ações de conservação e preservação de áreas dotadas de condições naturais pouco
Uma terceira fase da política ambiental brasileira pode ser identificada a partir do Programa “Nossa
Natureza”, de 1988, o qual cria o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis,
agrupando os vários órgãos dedicados à matéria existentes no governo federal, como o Instituto Brasileiro
ministério específico para tratar do tema e, notadamente, a escolha do Brasil como sede da Conferência
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, completam a nova orientação do
Uma das novidades introduzidas por essa nova orientação é a retomada de um enfoque territorial na
condução das ações, com maior espacialização dos projetos e programas desenvolvidos.
Todavia, os propósitos enunciados tem de operar no complicado quadro político e econômico em que
trafega o país, marcado por uma dívida social imensa e em meio a uma conjuntura internacional altamente
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Em virtude de tal situação, a vantagem comparativa representada pelos fundos territoriais não se
objetiva como riqueza nacional realizada, restando como um potencial continuamente dilapidado por formas
contemplam a espacialização dos processos, que estimulam a participação dos atores locais das áreas de
ação, que possuem uma retaguarda técnica substantiva, e que se amparam num quadro legislativo bem
efetivação das ações e metas revela-se ainda bastante problemática, muito aquém do requerido pela
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Capítulo IX:
Território, Globalização e Periferia
Aqueles que acreditaram no fim dos Estados e das fronteiras nacionais terão dificuldade de explicar a
culturas nacionais não mostram a diluição numa identidade global, apregoada por muitos há poucos anos,
A idílica equalização da “aldeia global” não se realiza num mundo cada vez mais dividido pelo acesso
diferenciado aos benefícios da modernidade, o que distingue os países entre si e cada um internamente.
O desfoque do nacional como escala de apreensão básica para se estender a realidade geográfica
emerge Omo o problema político central das orientações teóricas aqui criticadas. A concepção de um
mundo estruturado em redes e da existência de cidades globais (supranacionais), por exemplo, bem revela
a adesão a pressupostos teóricos neoliberais (mesmo que tal aproximação não seja consciente, por seus
praticantes). Esta concepção perde de vista as desigualdades espaciais, não oferecendo nada para explicar
e transformar os lugares e segmentos sociais excluídos dos fluxos dos grandes capitais. Estes verdadeiros
“não-lugares” (na ótica das redes) são, contudo, os predominantes em muitas das partes do mundo
capitalista.
As novas posturas repetem em muito a estratégia teórica da geografia possibilista francesa no início do
século XX, que – para desligitimar o fundamento ratzeliano da expansão territorial alemã – removeram
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profunda despolitização da reflexão geográfica, elegendo uma escala de análise e um objeto (a região)
avessos ao estudo da ação estatal. Hoje, o culto do globalismo ou o localismo (ou da relação entre eles)
reproduz o mesmo efeito diluidor das instâncias básicas de atuação política, e da própria atividade política
no limite.
robótica, telemática, etc.), não anulou a existência do centro e da periferia e nem a persistência de
estruturas estatal-nacionais como fundamentais na ordem política vigente, e muito menos a presença de
classes sociais dotadas de interesses antagônicos. Entre as novidades importantes de serem assimiladas
pela reflexão geográfica, salientam-se as novas funções atribuídas aos países periféricos e a reavaliação do
papel dos patrimônios naturais e dos fundos territoriais para a acumulação capitalista.
Após meio século de avanço exponencial e interrupto da fronteira das inovações tecnológicas, as forças
produtivas capitalistas deparam-se com um novo momento de requalificação da própria noção de recurso
natural e de identificação de seus estoques e fontes na superfície terrestre em face da nova qualidade
definida.
A diferenciação entre recursos renováveis e não renováveis é ainda mais explícita quanto à nova ótica
de equacionar o relacionamento da sociedade com a natureza. Pode-se dizer que essa visão – que
contempla bem as ideias de finitude de recursos e de limites naturais do planeta – constitui parte da
mentalidade contemporânea, conhecendo já em seu interior um intenso debate ideológico, o que permitiria
falar hoje de teorias ambientalistas de esquerda e de direita ( o que contraria a formulação neoliberal de ver
a questão ambiental como supra-ideológica). Enfim, a consciência das limitações impostas pela natureza à
produção e a catalogação quantitativa precisa dos recursos disponíveis no globo impõe uma nova
geopolítica mundial que tem como um de seus eixos essenciais o controle dos estoques e fontes de riqueza
natural.
Enquanto a preservação das florestas tropicais, por exemplo, é equacionada no que se refere a
descompasso nos enfoques permite atuação diplomática seletiva de alguns países centrais nos fóruns
internacionais, movimentando seu poder de pressão para compromissos de proteção das florestas tropicais,
ao mesmo tempo que se exime de responsabilidade o tema do aquecimento global e das emissões d
carbono.
demanda uma fundamentação teórica em que a história emerge como a única orientação segura para
captar o sentido dos processos políticos numa era marcada por transformações sociais em velocidade
desconhecida antes.
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