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PONTO 01
Érica de Meneses
Advogada; pós-graduada em ciências criminais pela Universidade Federal da Bahia;
Pós-graduanda em direito médico e da saúde pela Universidade Católica do Salvador.
Jecé Brandão
Médico especialista em gastroenterologia clínica e endoscopia digestiva;
Membro titular da Academia de Medicina da Bahia;
Segundo vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM).
Ética Médica e Bioética. Responsabilidade
Profissional do Anestesiologista
1.1. Ética médica
1.2. Responsabilidade profissional do anestesiologista
1.3. Bioética e anestesia
1.4. Vigilância sanitária
INTRODUÇÃO
O que é ética médica? Por que é tão importante para a prática diária do anestesiologista? Como ela in-
tensifica o reconhecimento social e econômico do profissional, bem como garante segurança e bem-estar ao
paciente? Por que é considerada importante fator preventivo de denúncias e condenações por erro médico?
A ética, latu sensu, pode ser definida como a ciência normativa do certo e do errado no comportamen-
to humano. Em sua dimensão pública, sua prática, além de proteger a vida e a integridade das pessoas,
objetiva evitar a discriminação, a marginalização e a segregação social.
A ética médica (EM) é um conjunto de qualidades morais e intelectuais que norteiam as atitudes e ha-
bilidades do médico, na busca da resolução das vulnerabilidades e necessidades do paciente.
1.3.2. Documentação
O Código de Ética Médica confere à documentação médica todo o capítulo X, demonstrando, assim, a
importância e a relevância dos registros médicos, seja da forma usual, tradicional, física, seja de forma
virtual, eletrônica. O que importa mesmo é que os documentos expressem a verdade dos fatos ou a exis-
tência de determinada doença ou ocorrência.
Destaque-se o artigo 87, que veda ao médico deixar de elaborar prontuário legível para cada paciente,
devendo as anotações conter os dados clínicos necessários para a boa condução do caso, sendo preenchi-
da, em cada avaliação, em ordem cronológica, com data, hora, assinatura e número de registro do médico
no respectivo conselho regional de medicina ao qual estiver jurisdicionado.
1.3.2.1. O prontuário
O prontuário é documento indispensável no atendimento médico, em que são registrados todos os fa-
tos que possam contribuir para o seguimento do tratamento dos pacientes. Importante lembrar que não
é apenas para tratamento sob internamento hospitalar, estendendo-se ao atendimento em consultórios,
ambulatórios, internamento domiciliar ou quaisquer formas de atendimento. Não olvidando que a guarda
do prontuário estará sob a responsabilidade da instituição onde o paciente está sendo assistido.
O prontuário encerra todo o acervo dos documentos que registram o atendimento ao paciente. Assim
define o Conselho Federal de Medicina: “Prontuário médico é o documento único constituído de um con-
junto de informações, sinais e imagens registradas, geradas a partir de fatos, acontecimentos e situações
1.3.3.1. Pesquisa
As pesquisas com seres humanos são aceitas quando podem responder às conveniências do diagnóstico
e da terapêutica do próprio experimentado, a fim de restabelecer sua saúde ou minorar seu sofrimento.
Esse conceito não está em desacordo com o progresso das ciências, porque o médico deve ficar atento aos
cuidados com a preservação da vida e o respeito às liberdades individuais51.
A Associação Médica Mundial (World Medical Association – WMA) estabeleceu, em 1964, a Declaração
de Helsinque, que contém os Princípios Éticos para Pesquisa Clínica Envolvendo Seres Humanos52. Esse
documento sofreu atualizações, e uma delas não contou com o apoio da representação brasileira durante
a 59ª Assembleia da WMA, ocorrida em Seul, na Coreia do Sul, em outubro de 2008. A controvérsia esteve
em torno da complacência ética adotada na prática que envolve o uso de placebos. Dessa discordância,
o Conselho Federal de Medicina aprovou, em 23 de outubro daquele mesmo ano, a Resolução CFM nº
1.885/2008, que em seu artigo 1º estabelece:
É vedado ao médico vínculo de qualquer natureza com pesquisas médicas que envolvam seres hu-
manos que utilizem placebo em seus experimentos, quando houver tratamento eficaz e efetivo para
a doença pesquisada53.
Dessa forma, o órgão com competência legal para ordenar os princípios éticos no território nacional
não deixa margem a dúvidas.
Apesar desse posicionamento, durante a Assembleia da WMA ocorrida em 2013, em Fortaleza, não foi
modificado o conteúdo do enunciado 33 da Declaração de Helsinque, versão 2008, permanecendo a con-
trovérsia no que diz respeito à utilização de placebo em pesquisas para doenças com tratamentos com-
provados cientificamente. A modificação de redação introduziu apenas uma abordagem mais sistemática
da questão.
Aos médicos brasileiros permanece a determinação do CFM em sua resolução, assim como a Resolução
408/2008, do Conselho Nacional de Saúde, incorporada pela nova Resolução CNS 466/201254, manifesta-
Ponto 01 - Ética Médica e Bioética. Responsabilidade Profissional do Anestesiologista | 35
-se contrária às pesquisas que envolvem seres humanos da forma como está na Declaração de Helsinque,
versão 2008 e sua revisão de 2013.
Por outro lado, em 1993, a Council for International Organizations of Medical Siences (CIOMS), em co-
laboração com a Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgou as Diretrizes Éticas Internacionais para a
Pesquisa Envolvendo Seres Humanos55:
1. Consentimento informado individual.
2. Informações essenciais para os possíveis sujeitos da pesquisa.
3. Obrigações do pesquisador a respeito do Consentimento Informado.
4. Indução à participação.
5. Pesquisa envolvendo crianças.
6. Pesquisa envolvendo pessoas com distúrbios mentais ou comportamentais.
7. Pesquisa envolvendo prisioneiros.
8. Pesquisa envolvendo indivíduos de comunidades subdesenvolvidas.
9. Consentimento informado em estudos epidemiológicos.
10. Distribuição equitativa de riscos e benefícios.
11. Seleção de gestantes e nutrizes como sujeitos de pesquisa.
12. Salvaguardas à confidencialidade.
13. Direito dos sujeitos à compensação.
14. Constituição e responsabilidades dos comitês de revisão ética.
15. Obrigações dos países patrocinadores e anfitriãos.
Elemento indiscutível quando o assunto é pesquisa com seres humanos é o consentimento do sujeito da
pesquisa. Esse procedimento do consentimento livre e esclarecido tem como condão permitir a decisão
autônoma e cidadã da pessoa convidada a participar de um projeto, após ser devidamente e exaustiva-
mente esclarecida sobre os procedimentos aos quais será submetida, os possíveis riscos e desconfortos,
os benefícios e os direitos envolvidos no processo.
Um estudo conduzido no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (RS) pelo professor José Roberto Gol-
dim e col.56 propõe uma nova abordagem do processo de consentimento livre e esclarecido em pesquisa,
apresentando como fato novo a obtenção do consentimento após a transmissão coletiva de informações
na área de ginecologia. A Tabela 1.1 apresenta os dados do estudo, comparando a transmissão individual
versus a transmissão coletiva de informações.
O estudo não consegue explicar exatamente os motivos pelos quais, nessa proposta, os sujeitos
passaram a compreender melhor o projeto, associando-o à possibilidade de mais tempo para apreen-
der o que lhes foi passado, inclusive por meio de ferramentas audiovisuais. Esse dado é importante
para que o indivíduo possa decidir quando estiver mais bem informado sobre todas as variáveis que
lhe são apresentadas.
Deve-se levar em conta que o consentimento do vulnerável numa pesquisa não elide a responsabilidade
do pesquisador, devendo ser consideradas a indiscutível necessidade e sua legitimidade.
1.3.4. Perícia
Perícia ou perícia técnica é o procedimento técnico-científico realizado por agente profissional ou téc-
nico legalmente habilitado ou alguém reconhecido como tal e destinado a informar/auxiliar uma autorida-
de para que possa julgar matéria alheia à sua competência.
A perícia médica acompanha as características gerais das perícias, mas tem suas peculiaridades: é o
ato médico ou o conjunto de procedimentos técnicos atribuídos aos médicos pela legislação, realizado por
profissional da medicina legalmente habilitado e que objetiva informar e esclarecer alguma autoridade
sobre fato próprio de sua especificidade funcional, no interesse da justiça.
Tanto quanto os demais médicos, os peritos têm impostergável compromisso com a verdade, mesmo
quando atuam como assistentes de uma das partes. Entretanto, tal compromisso não está dirigido para
o cliente, como na clínica, mas para quem o incumbiu da perícia. Diferentemente da clínica, quando a
fidelidade ou a lealdade prioritária se dirige para o paciente, na perícia, o dever de lealdade profissional
é direcionado para o interesse da sociedade.
REFERÊNCIAS
1. Brandão JF. O médico no século XXI: O que querem os pacientes. Salvador: Fast Design, 2013. Disponível em:
http://www.cremeb.org.br/wp-content/uploads/2015/11/LIVRO-JECE-BRANDAO_2013.pdf
2. Conselho Federal de Medicina (Brasil). Código de Ética Médica: Resolução CFM nº 1.931, de 17 de setembro de
2009. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2010. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/novocodi-
go/integra.asp