Fashion Revolution Forum - 2019
Fashion Revolution Forum - 2019
Fashion Revolution Forum - 2019
Economia Criativa, Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo e Unibes Cultural apresentam
10 E 11 DE OUTUBRO DE 2019
SÃO PAULO, BRASIL
CORPO EDITORIAL:
Ana Beatriz Simon Factum, Ana Mery Sehbe De Carli, Anne Anicet Ruthschilling,
Anerose Perini, Cariane Weydmann Camargo, Carolina Bicalho, Carolina Souza,
Eloisa Ferraro Artuso, Francisca Dantas Mendes, Karine Freire, Lilyan Berlim,
Luciane Robic, Maria Carolina Garcia, Neide Schulte, Suzana Barreto Martins,
Thais Vieira e Verena Lima.
4 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 5
COMITÊ CIENTÍFICO: COMITÊ AVALIADOR (ilustrações): Considere fazer uma doação financeira para o
Instituto Fashion Revolution Brasil, assim você
Dra. Ana Beatriz Simon Factum Igor Arthuzo
Dra. Ana Mery Sehbe De Carli Luis Bueno (Bueno Caos) estará colaborando com o fortalecimento do
Dra. Anne Anicet Ruthschilling
Dra. Francisca Dantas Mendes
Ma. Paula Rodrigues
Me. Quéfren Crillanovick
movimento no país e com a criação de outros
Dra. Karine Freire projetos como o Fórum Fashion Revolution.
Dra. Lilyan Berlim
Dra. Luciane Robic COMITÊ ORGANIZADOR: Vamos juntos promover uma conversa ainda
Dra. Maria Carolina Garcia mais ampla sobre os desafios e oportunidades
Dra. Neide Schulte Articulação acadêmica: Cariane Camargo
Dra. Suzana Barreto Martins Articulação acadêmica: Eloisa Artuso da indústria da moda brasileira para que ela se
Dra. Thais Vieira
Ma. Anerose Perini
Articulação institucional: Fernanda Simon
Coordenação acadêmica: Elisa Tupiná
torne mais justa, limpa, segura e responsável.
Ma. Carolina Bicalho Gestão do projeto: Paula Leal
Ma. Carolina Souza Design Gráfico: Igor Arthuzo
Ma. Verena Lima
COM O SEU APOIO PODEMOS CRIAR MUDANÇAS
POSITIVAS E TRANSFORMAR A INDÚSTRIA DA MODA!
MUDANÇAS CULTURAIS
20 - 1º FLORIPA ECO FASHION: CONSUMO CONSCIENTE PARA ALÉM DAS PASSARELAS
Marinna Sellmer Gonçalves - Neide Köhler Schulte - Valdecir Babinsky Júnior
25 - O ATELIÊ BIANCA BAGGIO COMO NEGÓCIO LOCAL , SOCIAL E SUSTENTÁVEL ATUANTE NA PROPAGA-
ÇÃO DA SUSTENTABILIDADE
Bianca Helena Bisetto Baggio - Brunna Gonçalves Ramos
39 - COLA QUENTE NA MÃO E UMA IDEIA NA CABEÇA: A DEMOCRATIZAÇÃO DOS TUTORIAIS NO CONSUMO
DA MODA
João Victor Alves Tonhá - Gabriela Angelo Ramalho de Sá
55 - DESAFIO ECODESIGN: CONCURSO COMO FERRAMENTA PARA ENSINO E CRIAÇÃO DE PROJETOS SUSTENTÁVEIS
Rodrigo Aparecido Schlindwein
90 - KWANZAA, ELABORAÇÃO DE MINI VITRINE CONCEITUAL BASEADA NA CELEBRAÇÃO DE VALORES AFRICANOS MUDANÇAS NA INDÚSTRIA
Morgana Lovatto Cechin - Flávia Nascimento de Souza Luiz - Caroline de Franceschi Brum
166 - COMPLIANCE NA MODA: UMA MUDANÇA CULTURAL DAS ORGANIZAÇÕES
94 - LOCAL, ARTESANAL E SOB MEDIDA: UM ESTUDO DE CASO SOBRE A BUSCA POR UMA PRODUÇÃO SUS- Mayra Collino Rodrigues dos Santos
TENTÁVEL NAS MICROEMPRESAS
Sabrina de Fátima Ribeiro Thomé - Juliana Aparecida Thomé - Ana Lucia Pazeto Braz 170 - COMPLIANCE PARA MODA SUSTENTÁVEL
Kele Cristina Schuller
98 - LOGÍSTICA REVERSA APLICADA AO SEGMENTO DE BIJUTERIAS
Daniele Fernandes Trugillo 175 - COMPROMISSO DE TER UMA REDE DE FORNECIMENTO SUSTENTÁVEL NA C&A
Mariana Vieira - Donatti - Rodrigo Lasalvia - Thailla Calabrez - Leandro Ito
102 - MERCADOS DE REDISTRIBUIÇÃO: UM ESTUDO DE CASO NA CIDADE DE FLORIANÓPOLIS/SC
Valdecir Babinski Júnio - Natália Sanches Maia - Letícia Gomes dos Santos - Neide Köhler Schulte 179 - O FUTURO DE NEGÓCIOS RESPONSÁVEIS: UMA ANÁLISE SOBRE O SLOW FASHION
Lucas Phelipe Gusmão Mulim - Paula Castro Pires de Souza Chimenti
106 - MODA E COMUNICAÇÃO: O MARKETING DIGITAL E O ESTÍMULO À CULTURA DO CONSUMO EXCESSIVO
Bruno Amorim Aguiar - Miguel Lucio dos Reis 183 - A INDÚSTRIA EM NOVO CENÁRIO DE CONSUMO: PROPOSIÇÕES DE ESTRATÉGIAS DE SUSTENTABILIDADE
Fátima Carvalho
110 - MOVIMENTO RECICLO – PROGRAMA DE COLETA DE ROUPAS USADAS DA C&A
Mariana Vieira - Donatti - Thailla Calabrez - Leandro Ito 187 - INOVAÇÃO VERDE NOS TECIDOS E A GESTÃO DE PROJETOS
Isabel Scafuto - Valdemilson Araújo - Andrea Moreiras
114 - O PAPEL DAS MÍDIAS SOCIAIS EM TEMPOS DE ATIVISMO DIGITAL
Amanda Pereira Santos 192 - METODOLOGIAS ATIVAS NO ENSINO DE DESIGN DE MODA
Anerose Perini
118 - O PAPEL DAS MÍDIAS SOCIAIS NO PROCESSO DE INOVAÇÃO DAS EMPRESAS DE MODA DE MADUREIRA
O CASO DAS BRECHOLEIRAS 196 - A NOVA CARA DO SECOND HAND: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O USO DE CIÊNCIA DE DADOS PELA
Anna Clara Botto LA MADELEINE
Wilame Vallantin - Silvia Curado
123 - PRÁTICAS COTIDIANAS PARA A OTIMIZAÇÃO DA VIDA ÚTIL DE PRODUTOS DE MODA
Nayara Chaves Ferreira Perpétuo 200 - PRODUÇÃO MAIS LIMPA NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS NO ÂMBITO DO ENSINO
DE DESIGN DE MODA
126 - A PRODUÇÃO ARTESANAL E O RESGATE DA DIGNIDADE DO TRABALHADOR Eleonora alves baptista
Lara Veiras Collares
206 - PROJETO REFERÊNCIAS BRASILEIRAS – VALORIZAÇÃO DA CULTURA REGIONAL E DA SUSTENTABILIDADE
130 - PUZZLE: AUMENTANDO AS POSSIBILIDADES DE USO DO VESTUÁRIO INFANTIL Julia Webber
Isadora Guercovich - Thaissa Schneider
210 - ROUPAS MODULARES COMO ALTERNATIVA PARA O CONSUMO CONSCIENTE NA MODA
134 - QUEM FEZ MINHAS ROUPAS? Camilla de Cássia Miranda
Igo Yossi Lima Fonseca - Karla Cristina Fianco - Karine Silva Tito
215 - SLOW FASHION, SUSTENTABILIDADE E VEGANISMO: OS IMPACTOS DO CONSUMO CONSCIENTE NO
139 - RELATO DE EXPERIÊNCIA: DEBATE “POR DETRÁS DOS PANOS, HISTÓRIAS DE COSTUREIRAS” MERCADO DA MODA NO BRASIL
Raquel Carolina Binotto - Anne Carolina Rodrigues Klaar - Neide Köhler Schulte Lara Costa Andrade
143 - O RESGATE CULTURAL DO BORDADO DE SÃO JOÃO DOS PATOS - MA: DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁ- 220 - A TECNOLOGIA APLICADA A TRASPARÊNCIA: BLOCKCHAIN NAS EMPRESAS DE MODA SUSTENTÁ-
VEL COMO DESAFIO NA MODA. VEIS BRASILEIRAS
Márcio Soares Lima - Nayara Chaves Ferreira Perpétuo - Raquel Gomes Noronha Andrea dos Anjos Moreiras - Eduardo Espinola Pimazzoni - Isabel Cristina Scafuto
147 - REVITALIZAÇÃO DE PROCESSOS EM COMUNIDADE INDÍGENA LOCAL PARA APLICAÇÃO AO PRODUTO DE MODA 224 - UPCYCLING COMO ESTRATÉGIA PARA A MODA SUSTENTÁVEL: ESTUDO DE CASO DA MARCA ENROUPE
Jordana de Oliveira Bennemann - Ana Luisa Lustosa Boavista Cavalcante Ana Cecilia Colaco da Nobrega Santos - Raquel Viana Gondim
151 - ROUPA DESCONHECIDA: O FETICHISMO DA MERCADORIA COMO OMISSÃO DOS FAZERES 228 - UPCYCLING: A NOVA MODA DA SUSTENTABILIDADE. UMA OPÇÃO DE ECONOMIA CIRCULAR ATRAVÉS
Ana Carolinna Gimenez - Simone Mina - Vinicius Valle DO BLOCKCHAIN COMO ALTERNATIVA VIÁVEL PARA O DESIGN DE MODA
Danielle Gomes de Moraes Ferreira - Carolina Boari Caraciola
155 - TRÊS PAÍSES, UMA NAÇÃO: DESIGN E COSMOPOLITISMO EM PROCESSOS DE APRENDIZAGEM COMUNITÁRIA
Maria Carolina Garcia 233 - VERSATILIDADE DO VESTUÁRIO; ENTRE O FAST E O SLOW FASHION
Sara Santos
160 - VARAL DO IF POR UM CONSUMO DE MODA SUSTENTÁVEL
Jacqueline Rodrigues Gonçalves Costa - Ludymila Ruffo Ribeiro Sávio - Eliza Maria Brito de Oliveira
- Lúcia Maria da Silva
12 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 13
238 - ZERO WASTE DESIGN EM DESIGN DE VESTUÁRIO: REQUISITOS PARA PROJETO DE COLEÇÃO DE MODA
Lucas da Rosa - Valdecir Babinski Júnior - Dulce Maria Holanda Maciel - Icléia Silveira
ILUSTRAÇÕES
esse compromisso”
APRESENTAÇÃO Pesquisas apontam que as peças de vestuário estão entre os itens em maior risco
de serem produzidos por meio da escravidão moderna1. O abuso sexual, a discrimi-
Com muito prazer apresentamos a segunda edição do Fórum Fashion Revolution, nação e a violência de gênero contra mulheres são endêmicos na indústria global
uma plataforma idealizada pelo Instituto Fashion Revolution Brasil. Desde sua pri- de vestuário, onde as mulheres representam em média 80% da força de trabalho. O
meira edição, em 2018, este Fórum tem se estabelecido como um ecossistema de Global Slavery Index encontrou 40,3 milhões de pessoas em situação de escravidão
pessoas e organizações que acreditam no poder da moda de gerar mudanças posi- moderna em 2016, das quais 71% são mulheres2.
tivas.
A indústria têxtil global é também responsável por aproximadamente 2% das emis-
O Fórum começou a ser desenhado no final de 2017, a partir de algumas inquieta- sões mundiais de gases de efeito estufa (GEE)3. Se continuarmos produzindo como
ções de nossa equipe educacional em relação à falta de um espaço que pudesse de costume, estima-se que o impacto climático da moda aumente 49% até 20304.
reunir pensadores, informações de qualidade e que fosse focado exclusivamente
nos desafios e oportunidades encontrados na intersecção entre moda e sustenta- Portanto, mudanças positivas são mais urgentes do que nunca se quisermos com-
bilidade. Então, pensamos: por que não colocar todas essas pessoas juntas, em um bater a crise climática e criar um futuro mais igualitário para todos - a dignidade
só lugar, em um mesmo dia, debatendo temas que nos são tão caros? Onde estaria no trabalho e a proteção ambiental devem ser o padrão na indústria da moda, e não
concentrado tudo o que está sendo pesquisado sobre sustentabilidade, ética, trans- a exceção.
parência e inovação na indústria da moda brasileira? E se então criássemos esse
espaço? E se pudéssemos reunir essas vozes e conteúdos de qualidade em um só Em 2019, o Fórum Fashion Revolution aconteceu nos dias 10 e 11 de outubro, na Uni-
lugar? E se esse encontro pudesse ser presencial e virtual? bes Cultural, na cidade de São Paulo, reunindo mais de 500 pessoas e cerca de 60
trabalhos contendo temas atuais e relevantes sob diferentes perspectivas, encora-
Percebemos que, através de um fórum, poderíamos compartilhar nosso desejo de jando discussões estimulantes e compartilhando visões de futuros mais sustentáveis
construir uma indústria da moda mais ética, transparente e sustentável com pes- para a moda. Recebemos autores de diferentes áreas, não só pesquisadores e acadê-
quisadores, educadores, profissionais, estudantes e outros interessados. micos, mas também profissionais do mercado de moda, sustentabilidade e inovação.
Acreditamos que essa abertura de diálogo seja essencial para provocar transforma-
Assim nasceu o Fórum Fashion Revolution, em uma edição piloto dentro da Sema- ções mais profundas nos processos de produção e consumo para que, enfim, as rou-
na Fashion Revolution de São Paulo. Mas no espaço de um ano, o Fórum provou que pas sejam feitas de um modo mais seguro, limpo, justo e criativo.
tinha potencial para se tornar um evento único e em constante expansão. Em 2019,
enxergamos a oportunidade de reunir também outras ferramentas que pudessem Através de diferentes abordagens metodológicas e filosóficas, procuramos encora-
impulsionar tais discussões e abrimos um novo edital para a submissão de ilustra- jar o estudo dos impactos dos negócios de moda na qualidade de vida das pessoas
ções. e do planeta. O conjunto de trabalhos selecionados para o Fórum Fashion Revolu-
tion 2019 traz uma visão abrangente sobre os desafios da indústria e seus poten-
O Fórum Fashion Revolution, portanto, é uma plataforma que visa fomentar a pes- ciais para conservar e restaurar o meio ambiente, respeitar as pessoas e valorizar
quisa e o desenvolvimento sustentável na indústria da moda, sendo a primeira do culturas. Estas questões estão profundamente interligadas e dependem de ecos-
Brasil criada exclusivamente para analisar os possíveis cenários, desafios e solu- sistemas seguros, saudáveis e prósperos, que por sua vez, estão fundamentados
ções dentro dos diversos sistemas que envolvem moda e sustentabilidade. A pla- nos três pilares de mudança sistêmica propostos pelo Fashion Revolution - e que
taforma se divide em dois momentos – offline e online – para possibilitar a criação trazemos como os grandes eixos temáticos deste fórum:
de diferentes espaços abertos para refletir e explorar novos horizontes, disseminar
informação e incentivar intervenções, experiências e a construção coletiva de no-
vas maneiras de pensar, criar, produzir e consumir moda.
Nos últimos anos, o Fashion Revolution se concentrou em destacar os trabalhado- 1. GLOBAL SLAVERY INDEX. Global Slavery Index 2018: findings, highlights. Disponível em: https://
res da cadeia de fornecimento da moda. Vimos centenas de milhares de pessoas www.globalslaveryindex.org/2018/findings/highlights/ Acessado em: 22.set.2019
usarem a hashtag #QuemFezMinhasRoupas para pedir maior transparência da in- 2. GLOBAL SLAVERY INDEX. Global Slavery Index 2018: findings, highlights. Disponível em: https://
dústria. Milhares de marcas compartilharam detalhes sobre as instalações e as www.globalslaveryindex.org/2018/findings/highlights/ Acessado em: 22.set.2019
3. ELLEN MACARTHUR FOUNDATION. A New Textiles Economy: redesigning fashion’s future. Disponível
pessoas que fazem suas roupas. Milhares de trabalhadores, artesãos, fazendeiros e em: https://www.ellenmacarthurfoundation.org/assets/downloads/publications/A-New-Textiles-Economy_
produtores contaram suas histórias usando a hashtag #EuFizSuasRoupas. Entretan- Full-Report.pdf Acessado em: 25.set.2019
to, o desrespeito aos direitos humanos, a desigualdade de gênero e a degradação 4. QUANTIS. Measuring Fashion: environmental impact of the global apparel and footwear indus-
tries study. Disponível em: https://quantis-intl.com/measuring-fashion-report-2018/ Acessado em:
ambiental continuam sendo frequentes na indústria global da moda. 25.set.2019
16 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 17
Mudança cultural
Sempre que compramos, usamos ou descartamos roupas, geramos uma pegada
ambiental e um impacto nas pessoas que as produzem - em sua maioria, mulhe-
res. Precisamos de uma mudança de cultura e mentalidade de consumo para que
todas as pessoas comprem e usem roupas de maneira mais consciente. Por isso,
incentivamos as pessoas a reconhecerem seus próprios impactos ambientais e
tomarem ações para mudar a cultura da moda. Queremos que todos valorizem a
qualidade, ao invés da quantidade, e a dignidade no trabalho.
Não podemos nos dar ao luxo de viver em um mundo onde nossas roupas destroem
o meio ambiente, prejudicam ou exploram as pessoas e reforçam as desigualdades
à (in)sustentabilidade,
de gênero. Este não é um modelo de negócios sustentável e responsável. A indústria
da moda deve medir o sucesso além das vendas e dos lucros. Precisamos de uma
indústria que valorize igualmente o crescimento financeiro, o bem-estar humano e
a sustentabilidade ambiental. Exigimos uma indústria de moda transparente e que
é preciso radicalizar
se responsabilize por suas práticas e impactos sociais e ambientais.
Mudança política
prática, o ensino
Queremos ver a transparência e a responsabilidade social e ambiental da indústria
global da moda dentro da agenda governamental de todos os países, incluindo o
Brasil. Com os regulamentos e incentivos corretos em vigor e devidamente im-
plementados, os governos poderiam incentivar uma “corrida pelo primeiro lugar”,
e a pesquisa em
onde cidadãos e empresas sejam solicitados, incentivados e apoiados a adotar
mentalidades e práticas mais responsáveis e sustentáveis. Melhorar a forma como
as roupas são produzidas, compradas, cuidadas e descartadas é responsabilidade
de todos, e os governos devem fazer mais para garantir que o futuro da moda seja
design de moda”
responsável, sustentável e regenerativo por princípio.
Finalmente, todos os trabalhos selecionados para o Fórum Fashion Revolution 2019
- os resumos expandidos e as ilustrações - se reúnem neste e-book, disponível
para download gratuito em nosso site. Todos os trabalhos submetidos foram rigo-
rosamente selecionados por um Comitê Científico composto por especialistas de
todo o Brasil. Essa foi a forma que encontramos para difundir conteúdo de qualida-
de de maneira fácil, acessível e democrática, fortalecendo nossa base de dados ao
lado de outros materiais e relatórios criados pelo Fashion Revolution Brasil e global.
MUDANÇAS
CULTURAIS
Palavras-chave: Desfile de moda, Semana de Moda, Consumo consciente. Segundo Feghali e Dwyer (2001), o desfile de moda é responsável por transformar
a moda em “Moda”, embutindo-lhe de significados, de imagens e de discursos pró-
prios a cada marca.
INTRODUÇÃO
Compete a cada estilista/designer estabelecer a rede de profissionais que irão
Desfiles de moda perfazem a criação de imagens e de discursos de estilistas e materializar tais significados e produtizar as mensagens que se desejam passar.
designers ao redor do mundo. Eles constituem-se não apenas na apresentação de Conforme as autoras, “para que o desfile aconteça em sua plena potencialidade e
uma coleção ou de uma série de produtos, mas, também, na afirmação de mensa- que os negócios se realizem, uma ampla rede de mão-de-obra [sic] especializada
gens e de posicionamentos de uma determinada marca. No caso do 1º Floripa Eco aplica criação e técnica para concretizar a transformação da moda em ‘Moda’, de
Fashion (FEF), a mensagem objetivada era clara: é preciso refletir sobre o consumo fato” (FEGHALI; DWYER, 2001, p. 131).
consciente.
Para concretizar o câmbio da moda em “Moda”, os desfiles valem-se de estratégias
Como sinal de mudanças culturais na cidade de Florianópolis, o FEF contou não para legitimar suas mensagens e suas criações, sendo que a mais utilizada, atual-
só com desfiles, mas, também, com palestras, exposições, espaços para debate e mente, é a presença de celebridades na primeira fila da audiência das marcas, con-
workshops que impulsionaram mensagens de moda e sustentabilidade. Sob este forme aponta Matharu (2011). Segundo Renfrew e Renfrew (2010), outra estratégia
contexto, o presente artigo busca relatar, resumidamente, como ocorreu o evento usual está na inserção do desfile em semanas de moda. Para os autores, as sema-
e como este estava configurado. Para tanto, utilizou-se de pesquisa bibliográfica e nas de moda influenciam o vestuário, o comportamento e o consumo em todas as
pura como procedimento metodológico, e de pesquisa-participativa, como proce- esferas sociais, em maior ou menor grau, e estão ligadas, geralmente, ao nome das
dimento técnico, uma vez que os autores deste artigo estiveram envolvidos, direta- cidades que as sediam.
mente, na realização do evento supracitado.
Nesse sentido, Renfrew e Renfrew (2010) citam como as semanas de moda mais
Vale destacar que o relato que se segue é fruto dos debates ocorridos na disciplina importantes: Nova York, Londres, Milão e, principalmente, Paris. São Paulo, Melbour-
A Moda no Contexto da Sustentabilidade, ministrada no primeiro semestre letivo de ne, Xangai, Tóquio, Madrid, Roma e Nova Déli são apontadas pelos autores como
2019 pela professora Doutora Neide Köhler Schulte, docente do Programa de Pós- novas e influentes semanas de moda. Assim, a partir da literatura exposta, a seguir
-Graduação em Design de Vestuário e Moda (PPGModa), na Universidade do Estado é apresentado o 1º Floripa Eco Fashion, evento composto por desfiles de moda e
de Santa Catarina (Udesc). ligado à cidade de Florianópolis (SC).
22 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 23
Para tanto, o evento contou com o desfile de 14 marcas, sendo elas: Armário Cole-
tivo, Arthis Design Sustentável, Ateliê Catarina, Bellô.Ni, Donatelo Eco, DriSteffani,
Natália Seeger, Nudha, Puri y Pacha, Raiz Natural, Rô Fumagalli, Soy Lúcida, Trippi e
Vidro com Vida (UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA, 2018). Com o slogan
“Viver Sustentável”, o 1º FEF também contou com uma equipe de apoio de seis pes-
soas. Citam-se, como nomes de grande contribuição à realização do evento: pro-
fessora Doutora Neide Köhler Schulte, idealizadora e coordenadora do FEF; Marinna
Sellmer Gonçalves, responsável pela comunicação do evento; Carina Zagonel, que
realizou a gestão dos expositores; Redaviqui Davilli de Maria, que criou o material
gráfico; Yasmin Yass, encarregada do desfile; e Ana Paula Rodrigues, organização
geral.
A partir da literatura investigada neste artigo, infere-se que o 1º Floripa Eco Fashion,
relatado no item anterior, consistiu em uma iniciativa embrionária no sentido de se
construir, por meio de atividades que vão além de desfiles de moda, reflexões acer-
ca da teoria e da prática do consumo consciente. Ainda que de proporções tímidas,
o evento sinaliza mudanças culturais no horizonte da cidade de Florianópolis (SC)
e, parafraseando Feghali e Dwyer (2001), contribui para transformar moda em Eco-
moda.
24 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 25
MATHARU, Gurmit. O que é design de moda? Porto Alegre: Bookman, 2011. Tradu- Bianca Helena Bisetto Baggio; Bianca Baggio Lab; ateliebiancabaggio@gmail.com
ção de Mariana Bandarra. Brunna Gonçalves Ramos; Universidade Estadual de Londrina; brunnagramos@gmail.com
RESULTADOS E DISCUSSÕES
O sistema moda atual que visa à escala e barateamento dos custos na produção
apresenta diversos problemas em todas as etapas de sua cadeia, desde a extração
e beneficiamento da matéria prima até a entrega do produto final, este, agravado,
quando consideramos o descarte inadequado no pós-consumo. O setor, mesmo
sendo considerado como uma importante atividade econômica mundial em termos
26 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 27
de geração de renda e movimentações financeiras, não está alinhado à responsa- Nesse aspecto, por atuar em vários pilares, têm a capacidade de conscientização
bilidade com o meio ambiente e modos de produção mais limpos (LUCIETTI et al, para mudança cultural sobre a sustentabilidade com seus consumidores e pessoas
2018). a sua volta, aumentando a consciência das condições da moda oferecendo uma
alternativa acessível e transparente de consumo de roupas e acessórios, aumento
Este cenário reflete e aponta a necessidade de uma mudança nos modos de pro- da consciência ambiental, por ser uma marca responsável ecologicamente tendo
dução e consumo, que vise à convergência dos negócios de moda com os objetivos em vista a utilização como matéria prima os resíduos têxteis; e da consciência so-
do desenvolvimento sustentável. Tendo em vista não só a emergência dos proble- cial pelos trabalhos de capacitação realizados.
mas ambientais, econômicos, e sociais, mas também a necessidade de atender
os desejos de consumidores cada vez mais cientes de como a indústria opera que Por ser local e de pequena escala, o ateliê fornece uma relação íntima e transpa-
optam por modelos produtivos mais limpos (LUCIETTI, et al. 2018). rente com seus consumidores, o que gera a informação e reflexão sobre a velocida-
de e o modo de como consumimos, devido ao fato que:
Sendo assim, incluir os preceitos de sustentabilidade nas marcas é uma estraté-
gia de mercado que tem como potencial a comunicação com os consumidores, A industrialização trouxe o consumismo como parte integrante da economia. O
conscientizando-os sobre a necessidade de mudanças culturais (SCHULTE, NARDI, crescimento econômico passou a depender da comercialização contínua de novos
VIVIAN, 2009). E nesse contexto, o designer também possui um papel de responsa- produtos e do descarte de produtos antigos simplesmente porque os padrões de
bilidade, visto que é um dos mediadores do produto ofertado e seus impactos. estilo promovem sua obsolescência (LUCIETTI et al, 2018, p. 148).
Mudanças locais e replicáveis são necessárias em todo o globo para soluções
sistêmicas e efetivas. Diante disso, muitas marcas estão mudando de postura e Dessa forma, transforma o consumo em uma experiência de conscientização e
algumas já nasceram com o propósito da sustentabilidade, um exemplo é o Ateliê atuação política, a partir de uma relação transparente com processo, que desperta
Bianca Baggio, localizado na cidade de Londrina (PR). no consumidor as necessidades de mudanças culturais sobre o modo predominan-
te, e também sobre o consumo como ferramenta para a comunicação de sua au-
O trabalho produzido no ateliê desde 2009, inclui coleções de upcycling visando a toafirmação, “não apenas como um consumo de valores de uso, de utilidades ma-
gestão dos resíduos têxteis industriais, um processo que restaura “materiais que já teriais, mas primordialmente como o consumo de signos” (SAPPER, 2018, p. 692).
seriam descartados, transformando-os em novos produtos com melhor qualidade
e valor ambiental, sem passar por qualquer tipo de processo químico” (LUCIETTI Já que o Fast Fashion viciou o consumidor numa moda descartável e rápida com
et. al, 2018, p. 150) elevando-os economicamente ao passo que minimiza impactos o desejo de ter um guarda-roupa enorme, com muitos itens adquiridos da compra
negativos no meio ambiente, pois evita o desperdício de matéria útil (LUCIETTI et al, por impulso em um curto período de tempo e sem montar um visual coerente. As
2018). pessoas que consomem moda dessa forma esquecem que, além de ser uma indu-
mentária, a moda expressa a sua personalidade e um estilo, foi assim ao longo da
Realiza também a encomenda de modelos sob medida pelos clientes, processo que história (LIMA et al, 2018, p. 33).
possui o potencial de confeccionar produtos individualizados e menos vulneráveis
a obsolescência (caso sejam realizados com qualidade), em que o consumidor CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS
substitui menos produtos se satisfeito, (RAMOS, SAMPAIO, MARTINS, 2018).
O resumo apresentou o ateliê Bianca Baggio como um exemplo de marca sustentá-
Além disso, seu ateliê fornece aulas de modelagem e costura, promove palestras, vel local da região de Londrina (PR), que estimula a mudança sistêmica dos proces-
workshops e ações para moda sustentável e o consumo consciente. Desde 2012, pos- sos produtivos e de consumo a partir do potencial de conversa com seus clientes
sui o Projeto Retraço Novo, que capacita mulheres de baixa renda em corte, costura, e pela relação íntima produtor-consumidor, fator que forma opiniões a respeito do
empreendedorismo para que consigam se inserir no sistema produtivo de forma so- assunto sustentabilidade e fomenta a consciência e autoafirmação na compra.
cialmente justa por meio do upcycling. A principal matéria-prima do projeto são sobras
Entretanto, percebe-se que ainda há uma demanda no cenário atual de marcas
de tecidos das indústrias ou de ateliês, que, através do design, técnicas artesanais e de locais que voltem seus modelos para processos mais limpos, assim uma mudança
costuras se tornam novos produtos com um novo olhar para o uso dos retraços indus- efetiva não é gerada. Portanto, é uma necessidade de mercado que impacta na pro-
triais têxteis, os quais eram descartados no meio ambiente sem o devido tratamento. pagação do assunto e melhora sistêmica.
28 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 29
Assim, as marcas já existentes devem se posicionar e estabelecer ao máximo rela- ATTITUDE BEHAVIOUR GAP NO CONSUMO ETICO
ções íntimas e transparentes com seus clientes a fim de atuarem como ferramenta – COMPLEXIDADES ENTRE O PENSAR E AGIR
de propagação e conscientização sobre o mesmo, ampliando a informação e co-
nhecimento sobre problema.
Carolina Conceição e Souza; Universidade de Lisboa; carolsouzaa@gmail.com
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LIMA, Mírian Cristina de et al. O consumo de produtos de moda baseado na vertente Resumo: Pesquisas apontam que a intenção dos consumidores em comprar de
da sustentabilidade ambiental. Dapesquisa, [s.l.], v. 13, n. 21, p.25-42, 17 dez. 2018. forma ética tem aumentado, porém isso não é refletido em ações de consumo.
Universidade do Estado de Santa Catarina. http://dx.doi.org/10.5965/1808312913212 Transformar vontade em ação é bastante complexo porque envolve fatores racio-
018025. nais e irracionais, especialmente no campo da moda visto sua atuação como repre-
sentação de lifestyles e identidade.
LUCIETTI, Tamires Joaquim et al. Importância do ‘upcycling’ no desenvolvimento da
moda: estudo de caso da marca Recollection Lab. Revista Internacional Interdis- Palavras-chave: attitude behaviour gap; consumo ético; consumo de moda.
ciplinar Interthesis, [s.l.], v. 15, n. 2, p.143-159, 28 maio 2018. Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC). http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2018v15n2p143.
A discussão sobre a necessidade de repensar os modos de produção, consumo e
RAMOS, B. G.; SAMPAIO, C. P. ; MARTINS, S B . Aplicabilidade do conceito de economia descarte da sociedade contemporânea já tornou-se mainstream. Na Sociedade de
distribuída no design de moda. In: 14 Coloquio de Moda. 11 Edição Internacional.5 Risco (BECK, 2000), os efeitos são percebidos cotidianamente, levando a uma maior
politização e engajamento dos indivíduos.
Congresso de Iniciação científica em design de moda, 2018. Anais-14 Colóquio de
Moda. Curitiba: PUCPR, 2018. v. 1. p. 1-12.
Muitas pesquisas fornecem dados que corroboram a necessidade de mudança, al-
gumas com números bastante expressivos e animadores. Por exemplo, 74% da po-
SAPPER, Stella Lisboa. Consumo: a engrenagem do fast fashion. Dapesquisa, [s.l.], pulação brasileira teria interesse em comprar marcas sustentáveis (NIELSEN, 2011)
v. 6, n. 8, p.687-703, 5 nov. 2018. Universidade do Estado de Santa Catarina. http:// e cerca de 80% estaria disposta a pagar mais por produtos sustentáveis (CEBDS,
dx.doi.org/10.5965/1808312906082011687. 2015). A nível global, 66% da população estaria disposta a consumir de forma mais
sustentável (NIELSEN, 2015). Entretanto, não se percebe um aumento substancial
SCHULTE, Neide Köhler; NARDI, Amanda Zardo de; VIVIAN, Ana Carolina. Consumo do consumo de produtos sustentáveis, ou uma recessão do consumo de produtos
consciente: um desafio para o design de moda. Dapesquisa, Florianópolis, v. 4, n. que seguem usando padrões não sustentáveis de produção.
6, p.588-595, 2009
Esse fenômeno, chamado de attitude behaviour gap, pode ser uma das causas des-
ta diferença entre as porcentagens de interesse ao consumo sustentável e sua bai-
xa adesão. Neste trabalho vamos analisar essa dissonância cognitiva (FESTINGER,
1957), buscando compreender os fatores que contribuem para essas diferenças de
atitude e ação de consumo.
Transformar vontade em ação é complexo, e nem sempre ter informação significa Esse tipo de consumo sempre existiu (SMITH,1990), mas houve um florescer nos
mudança comportamental. O conhecimento pode causar desinteresse e distração últimos 30 anos, muito influenciado pela Sociedade de Risco (BECK, 2000),. Para
(LOREK e LUKAS, 2003), ou salientar a desconexão entre o contexto individual e Harrison, Newholm e Shaw (2005), o aumento do engajamento seria motivado por
coletivo, diminuindo o seu impacto na tomada de decisão. Para agir de forma sus- diferentes razões, entre elas a globalização e enfraquecimento dos governos, o
tentável, o consumidor precisa balancear suas necessidades individuais e os bene- crescimento da presença de marcas transnacionais, a atuação de grupos de pres-
fícios sociais, o que é contraditório e estressante (JACKSON, 2008). são, os efeitos ambientais e sociais das tecnologias, o gradual aumento de poder
dos consumidores, e um maior aumento da responsabilização das empresas por
Buscando evadir-se do desconforto cognitivo e culpabilidade moral e ética, ele pressão da sociedade.
acaba por não pensar nessas questões. Pesquisas apontam que os consumidores
acabam fazendo compras sustentáveis quando elas não forem mais caras, de uma O entendimento do consumidor ético é bastante difícil e controverso, pois rela-
marca de confiança, em lojas em que já compram, com a mesma qualidade, per- ciona-se com julgamentos morais subjetivos (NEWHOLM, 2005). Embora alguns
formance e durabilidade que os produtos produzidos de forma menos ética (JOER- possuam definições universais (i.e. não matar), a maioria são pessoais, mutáveis e
GENS, 2006; LYON, 2006, VOGEL, 2005). dependentes de contexto. Ou seja, não existe uma ética universal e plena.
Para alguns autores (DEVINNEY, AUGER E ECKHARDT, 2010), o consumo ético é um
Esse tipo de comportamento entra em conflito com os resultados alardeados em mito, pois representa um modelo ficcional, uma exceção ou nicho dentro de uma
pesquisas de opinião, as quais demonstram tendência de crescimento do interesse grande massa de consumidores que não se importam com questões éticas.
no consumo sustentável. Uma provável causa sejam as metodologias utilizadas
emprestadas de outros tipos de pesquisa de opinião com foco nas escolhas de CONSUMO ÉTICO DE MODA
consumo. Ora, pesquisas de consumo ético precisam ter metodologias próprias,
pois as respostas tendem a ser mais positivas que a realidade (LEA-GREENWOOD, O consumo de forma ética de produtos de moda torna-se especialmente complexo
1999), fazendo-se necessário criar ferramentas que busquem elucidar os reais por dois motivos: o sistema de produção de produção é gigante, fragmentado e
comportamentos, e não apenas as atitudes aspiracionais. frouxamente supervisionado (FLETCHER, 2008), dificultando o entendimento das
condições da produção dos bens de consumo. Ou seja, mesmo que o consumidor
Utilizando-se metodologias apropriadas é possível identificar os consumidores tenha interesse num consumo mais ético, achar essa informação pode ser compli-
sustentáveis, provavelmente um nicho de mercado pois sua forma de consumir e cado.
bastante limitante, seja por seu modo de agir quanto pelas ofertas do mercado.
O segundo motivo é que a moda é ao, mesmo tempo, produção simbólica e mate-
CONSUMO ÉTICO rial (KAISER 1990). A vestimenta age como representação de lifestyle e identidades,
e nesse processo perpassam diversos fatores no processo de decisão, deixando
A definição de consumo ético é bastante variada. Aqui, vamos adotar a de Aspers pouco espaço para questões éticas e morais.
(2008), o qual afirma que seria evitar práticas que prejudiquem outras pessoas,
animais e o ambiente. Para Harrison, Newholm e Shaw (2005), este tipo de consu- Entretanto, existem consumidores que acabam levando suas preocupações éticas
mo aparece em todas as sociedades, não importando o nível de desenvolvimento e morais para o campo da moda. Considerados um nicho de mercado, acabam con-
ou renda per capita. sumindo de uma maneira distinta, dando preferência para qualidade à quantidade,
preocupando-se com a origem, impacto e futuro dos produtos consumidos. Infor-
No processo de consumo os consumidores éticos também levam em consideração mados e motivados, acabam sendo menos propensos a cair no atitude-behaviour
fatores como preço e qualidade, entretanto acrescentam outros valores no mo- gap, visto que acabam por levar as questões éticas e morais para outras esferas de
mento da decisão, como políticos, sociais, ambientais e religiosos. Preocupado com suas vidas, sendo suas performances no consumo de roupa apenas mais um refle-
os efeitos que seu consumo pode gerar no contexto pessoal e coletivo, tais fatores xo deste comportamento.
acabam tendo tanta importância quanto os demais.
32 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 33
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS NEWHOLM, T. Case studying ethical consumers’ projects and strategies. In: HARRI-
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Cambridge” Cambridg University Press, 2010. ponsibility-and-sustainability/ - Acesso em 02.07.2019
FESTINGER, L. A theory of Cognite Dissonance. Stanford: Stanfor University Press, Smith, N. Craig. Morality and the Market: consumer pressure for corporate
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JACKSON, T. The challenge of sustainable lifestyles. In: State of the world: inno-
vations for the sustainable economy. New York: Worldwatch Institute, pp. 45-60,
2008.
A BUSCA PELA MODA MAIS SUSTENTÁVEL: que estamos inseridos, o modo que o conhecimento é desenvolvido e compartilha-
UMA DISCUSSÃO SOCIOLÓGICA do, além do poder de fazer críticas construtivas. É necessário entender as condi-
ções cambiantes da vida social e política, e acima de tudo estar aberto para novas
perspectivas, por mais sombrias que elas pareçam.
Patricia Silva Zanella; patriciaszanella@gmail.com; Universidade Católica de Santos.
DISCUSSÃO SOCIOLÓGICA DAS POSSIBILIDADES DE UMA MODA MAIS SUSTENTÁVEL
Resumo: A busca pela moda sustentável é uma análise da discussão sociológica A fluidez da pós-modernidade é representada quando olhamos para toda a Indús-
sobre como a mudança empírica do indivíduo é capaz de modificar a moda, o obje- tria da Moda e o aumento no consumo com o passar dos anos, pois, o conceito de
tivo do presente trabalho é apresentar a importância de organizações da sociedade civilização a as relações sociais, após a globalização foram desconstruídas levando
civil para criação de movimentos sociais, auxiliando na educação e envolvimento ao paradoxo do indivíduo versus sua comunidade, com a realidade que parece só-
do indivíduo, trazendo uma responsabilidade mútua entre os três setores para uma lida, mas pode ser destruída a qualquer momento, já que tudo se liquida o tempo
moda mais sustentável. inteiro. (BAUMAN, 2001)
Palavras-chave: Moda sustentável, epistemologia, indivíduo, sociologia, movimen- Ao olhar pela perspectiva da comunidade, a moda é a representação de que pre-
to social. cisamos nos inserir em algum grupo, seja o grupo que nega as tendências ou o
grupo que as segue cegamente. A globalização contribuiu para que independente
das escolhas seja possível você se conectar com outra pessoa em algum lugar do
INTRODUÇÃO mundo que pensa como você. (BAUDRILLARD, 2008)
A Busca pela Moda mais Sustentável é realizada com o estudo de uma governança É necessário se sentir aceito, o que faz cada vez mais todos estarem presos ao presente.
mais eficaz, utilizando o direcionamento teórico do pós-modernismo, com a visão Uma vez que não importa se a roupa durará para o amanhã e sim se ela faz parte do
epistemológica de sociólogos (BAUDRILLARD, 2008; BAUMAN, 2001; CANEVACCI, modismo atual. Contribuindo para a contínua ansiedade em relação ao presente, a qual
2005; LIPOVETSKY, 2005) trazendo fundamentos que permitem um melhor entendi- estamos presas as condições do hoje porque não é permitido viver o passado ou se
mento da atual sociedade e do consumo e as possibilidades para modificá-lo. preocupar demasiadamente com o futuro na sociedade líquida. (LIPOVETSKY, 2005)
A VISÃO EPISTEMOLÓGICA DE BAUMAN (2001) RELACIONADA A MODA Quando nós voltamos a conceitos como lealdade, o patriota e o Estado, abordados em
Modernidade Líquida e o interligamos aos padrões de sustentabilidade, é possível exem-
A perspectiva epistemológica apresentada por Zigmunt Bauman (2001) em Modernidade plificar que o Estado não é mais a fonte 100% segura, já que existe vácuo para regula-
Liquida, proporciona a construção interdisciplinar do conhecimento com uma mudança de mentações privadas existirem porque o mercado financeiro tem que circular o capital
visão para analisar a sociedade pós-moderna. Em Modernidade Líquida, a sociedade é vista independente do Estado. O patriota vê esta situação com uma fenda, pois, acredita que o
como a sociedade de consumidores, num atual mundo volátil, livre e individualista, em que Estado regula a economia para sentir menos angústia com as possíveis ameaças. (BAU-
tudo pode ser descartável, desde os bens materiais até as pessoas. MAN, 2001)
Na prática, a moda nos permite visualizar a ascensão desta sociedade, com a aceleração Enquanto isso, a sociedade continua consumindo mais do que deveria, por possuir uma
do mercado têxtil durante a globalização e de vestuário com a onda do fast-fashion, uma identidade cultural que foi construída ao longo dos anos de que o consumo é bom e ne-
vez que pensar na estrutura da indústria têxtil é lembrar que, como as demais indústrias de cessário. Como podemos ver com o aumento das redes sociais, dos bens de consumo
manufaturados em escala, ela produz uma imensa quantidade de resíduos no processo de desejados e comunidades compostas por números incalculáveis que não passam de
fabricação das roupas e o seu pós-uso tem como destino a natureza. (SALVI, 2014, p.130) representações de relações fluídas que se espalham ao ponto de estarem em todos os
lugares, sem estar. (CANEVACCI, 2005)
Escolher um tema e abordá-lo cientificamente seguindo a visão epistemológica do
pós-modernismo de Bauman (2001) está relacionado a questionar a sociedade em
36 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 37
Sendo assim, a maior contribuição destes estudos sociológicos (BAUDRILLARD, (ou “rótulo” de qualidade) que demonstram sua sustentabilidade, seja por padrões ecoló-
2008; BAUMAN, 2001; CANEVACCI, 2005; LIPOVETSKY, 2005), é compreender que a gicos ou de boas condições de trabalho na formulação da peça. (ILC, 2016; LEE, 2016)
construção científica atualmente é mais complexa do que nunca, pode ser desen-
volvida de inúmeras maneiras, mas precisa ser questionada com menos superficia- Mediante o conteúdo apresentado, o consumidor pode ser considerado elemento chave
lidade e fluidez. A ciência necessita de mais profundidade para a compreensão da para o desenvolvimento de uma moda mais sustentável, uma vez que este tem poder
complexidade da sociedade global em que todos estamos inseridos. para influenciar o controle do mercado, selecionando produtos de qualidade, com certifi-
cações que possuem auditorias e fiscalizações, tanto no que tange às proteções ambien-
REFLEXÕES SOBRE OS IMPACTOS DA INDÚSTRIA DA MODA E A ASCENSÃO DO tais, quanto trabalhistas. Tem-se neste processo uma maior transparência do processo
MOVIMENTO SOCIAL FASHION REVOLUTION de produção, elemento essencial para o desenvolvimento da governança, e claro, para as
devidas proteções socioambientais na moda.
A globalização modificou toda a Indústria da Moda, com a ascensão das cadeias de valor
global que consiste na produção em diversas partes do mundo para chegar ao produto REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
final em busca do preço mais baixo e a contribuição para a aceleração do mercado têxtil
e de vestuário com a onda do fast-fashion. Atualmente, a Indústria da Moda é conside- BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. São Paulo: Perspectiva, 2008.
rada uma das indústrias mais poluentes do mundo, sendo a responsável por 92 milhões BAUMAN, Zygmunt, 1925 - Modernidade líquida - Rio de Janeiro: Jorge Zahar, ed. 2001.
de toneladas de resíduos sólidos por ano em todo o mundo, representando 4% dos 2.12
bilhões de toneladas de resíduos que são descartados no mundo a cada ano. Também é CANEVACCI, Massimo. Cultura Extremas: mutações juvenis nos corpos das metrópoles.
uma das maiores indústrias de consumo, em 2016, 1,5 trilhão foi a receita anual de ves- Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
tuário e calçados. Além de sua relação com emprego, que representa cerca de 60 mi-
lhões de pessoas trabalham na Indústria da Moda ao redor do mundo. (GLOBAL FASHION LIPOVETSKY, Gilles. A Era do Vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo. São
AGENDA, 2017, p.10-12) Paulo: Manole, 2005.
Os impactos socioambientais da Indústria da Moda, geram maior repercussão internacio- FASHION REVOLUTION. Fashion Transparency Index Brazil 2018. 2018. Disponível em:
nal, principalmente, após 2013 com o acidente de Rana Plaza, em Bangladesh, o maior <https://www.fashionrevolution.org>. Acesso em: 15.jul.2019.
acidente industrial de moda do século XXI, com mais de 2.000 feridos. Em resposta a
esta tragédia, foi criado no mesmo ano, o movimento social Fashion Revolution, com o GLOBAL FASHION AGENDA & THE BOSTON CONSULTING GROUP. Pulse of the Fash-
objetivo de contribuir para uma indústria da moda transparente e justa para todos da ion Industry 2017. Disponível em: <http://globalfashionagenda.com/wp-content/
cadeia produtiva. Em 2017, o movimento conseguiu um imenso impacto com as mídias uploads/2017/05/Pulse-of-the-Fashion-Industry_2017.pdf>. Acesso em: 15.jul.2019.
sociais que contabilizou mais de 533 milhões de impressões. Em 2018, o crescimento
do Fashion Revolution e a disseminação da moda sustentável cresceu 35%, contabili- INTERNATIONAL LABOUR CONFERENCE (ILC). Reports of the Committee on Decent
zando mais de 720 milhões de impressões em suas mídias sociais, além da produção de Work in Global Supply Chains: Resolution and conclusions submitted for adoption
publicações como o Fashion Transparency Index Brazil 2018, o primeiro índice de trans- by the Conference. Provisional Record 14-1, 2016. Disponíel em:<www.ilo.org/wcmsp5/
parência brasileiro do Fashion Revolution que contribuiu para o início da catalogação do groups/public/---ed_norm/---relconf/documents/meetingdocument/wcms_489115.pdf>.
posicionamento das marcas em relação a sustentabilidade. (FASHION REVOLUTION, 2018) Acesso em: 15.jul.2019.
A governança global exercida pelo Fashion Revolution, é vista como uma solução possí- LEE, Joonkoo. Global supply chain dynamics and labour governance: Implications
vel para a redução das violações trabalhistas e ambientais nas cadeias de suprimento for social upgrading. International Labour Office (ILO), Research Paper nº14, 2016, p. 1.
globais, principalmente por contribuir com a educação socioambiental do consumidor. Disponível em: <www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---inst/documents/pub-
Segundo o Research Paper nº 14 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Identifi- lication/wcms_480957.pdf>. Acesso em: 15.jul.2019.
ca-se uma maior força de atuação e efetividade nos padrões privados, colocando o con-
sumidor em um papel central para o desenvolvimento de uma moda mais sustentável. SALVI; Naiane Cristina. SCHULTE, Neide. Equívocos da Sustentabilidade e o Caso de
Permite-se aqui a seleção e escolha dos produtos no mercado a partir de certificações Marcas “EcoFictícias”. ModaPalavra e-Periódico. Ano 7, n.14, Jul-Dez 2014, p. 126 – 135.
38 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 39
COLA QUENTE NA MÃO E UMA IDEIA NA CABEÇA: metodológicas na construção de um artefato. O constante uso do termo hack nos
A DEMOCRATIZAÇÃO DOS TUTORIAIS NO CONSUMO DA MODA objetos de estudo se relaciona diretamente com o conceito de bricole utilizado por
Levi-Strauss em que o bricoleur é aquele que trabalha sem planos determinados e
poucos recursos, trabalhando com pedaços de matérias já processadas (BARTHES,
João Victor Alves Tonhá; Universidade de Brasília; jvtonha@me.com 2006). A bricolagem a mudança de elementos básicos para geração de novos signi-
Gabriela Angelo Ramalho de Sá; Universidade de Brasília; gabrielardesa@gmail.com; ficados como resposta ao contexto de composição do artefato, gerando diferentes
discursos e mensagens transmitidas (CLARKE in: HALL e JEFFERSON, 2006).
Resumo: Com a popularização da veiculação de tutoriais expressos para resolução A significação dos produtos consumidos é um valor que parte de um julgamento
de problemas, a pesquisa desenvolve uma análise crítica das implicações dos con- subjetivo sobre eles (VEBLEN, 1985) e o consumidor, em sua essência, “não nasceu,
teúdos de tais tutoriais para democratização e empoderamento do consumidor de mas foi produzido/a pelo processo que o/a ensinou a querer...” (O’NEIL apud MCCRA-
moda, influenciando na comunicação sobre o processo produtivo de personaliza- CKEN, 2003). Isso significa que os agentes ressignificam os objetos de seus cotidia-
ção e possuindo impactos ambientais no âmbito do consumidor comum. nos de acordo com o que são ensinados a querer. Entretanto, isso é reducionista e
exclui a interação simbólico-afetiva do entre sujeito e objeto.
Palavras-chave: Cultura Maker; Reapropriação; Slow Fashion; Comunicação.
Paul Atkinson levanta em “Do it yourself: democracy and design” que o processo
do do it yourself é uma antítese do processo prescrito do design, sendo um agente
INTRODUÇÃO democrático que permite a emulação de diferentes hierarquias sociais para quem
o produz (ATKINSON, 2006). Essa questão proporciona o acesso de pessoas em di-
Busca-se estudar formato de tutoriais em vídeo para reprodução da linguagem ferentes classes econômicas a ter acesso à prática processual sem as restrições
de “fazer você mesmo” o reaproveitamento de itens. Esse formato em específico acadêmicas, de forma democrática e que retira os indivíduos da posição de consu-
(compilados de vídeos de até um minuto de duração com apresentação do proble- mo passivo (ATKINSON, 2006, p.7).
ma, materiais, execução e resultado) tem vínculo intrínseco com o meio veiculado,
redes sociais digitais. Um dos canais dessa linguagem e presente objeto de análise, Com a aparição da roupa “pronta para uso” houve um distanciamento entre a
“5-Minute Crafts” criado em janeiro de 2017 ocupa o 7º lugar da lista de canais com produção do vestuário e sua utilização, gerando uma massificação de gostos e es-
mais inscritos da plataforma YouTube, contando com 56,6 milhões de inscrições téticas (CALANCA, 2011) e, a partir do momento que não produzimos mais nossas
e ganho anual estimado entre 1,4 e 22,2 milhões de dólares1. Alguns diferenciais roupas abdicamos do controle total dos signos que carregamos. O aparecimento da
comunicativos desses canais são a segmentação demográfica dos seus produtos internet, porém, rompe o padrão homogêneo de trickle-down2 e permite que esses
makers ganhem força com o barateamento e difusão de tecnologias digitais (PIRES,
(a exemplo do canal “5-minute crafts KIDS”) e sua possibilidade de regionalização e
2018). A evolução desses manuais instrucionais vem na criação de conteúdos com
apropriação (como a versão hispânica “Ideas en 5 minutos”). o mínimo de atrito e confusão para o espectador, onde já nesses sites seria pos-
sível acompanhar o que foi feito pelo instrutor, minimizando a margem de erro. É
Essa democratização do acesso tem ressignificado a forma de consumir produtos, sentida aqui uma necessidade de clareza e ordenamento de pensamentos de for-
em especial de moda, trazendo o discurso econômico e situacional como vitrine ma a criar instrução correta por meio de apoios lógicos.
para suas soluções - que não necessariamente correspondem em funcionalidade
ou economia como propaga. A estratégia argumentativa dos vídeos de canais como 5-Minute Crafts percorre a apre-
sentação de elementos e signos correspondentes à realidade, atribuindo uma sugestão
DESENVOLVIMENTO DO TEMA do que pode ser sem checagem com a realidade processual necessariamente. Essa
argumentação conversa com a estrutura de sofisma, dando verossimilhança em seus
Define-se por cultura maker a produção de artefatos por qualquer indivíduo sem argumentos por ataque indireto ao problema, tornando seus argumentos inconsisten-
necessidade de formação acadêmica ou titulação, aparelhando qualquer pessoa tes. A linguagem dos vídeos e sua distribuição formam um discurso persuasivo que
a se tornar um projetista. A difusão de limites entre as áreas traz uma maior li- cria uma pós-verdade editada, relativizando a verdade processual mantendo um dis-
curso de que a verdade é uma questão perspectiva (LLORENTE, 2017).
berdade ao processo, democratizando a execução e permitindo novas aplicações
1. Análise estatística pelo site SocialBlade do canal 5-MINUTE CRAFTS, acesso em 25 jun. 2019. 2. Sistema que parte das camadas mais altas de influência e poder e desce até as grandes massas (McCRACKEN, 2003).
40 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 41
Torrey et al. (2009) desenvolveram uma pesquisa baseada na experiência de adqui- CALANCA, Daniela. História Social da Moda. São Paulo: Senac São Paulo, 2008.
rir habilidades por meio de tutoriais na internet. Na investigação do processo, nota-
ram diferentes tipos de interesse no consumo de tutoriais (pessoas que assistem CLARKE, John. Style. In: HALL, Stuart; JEFFERSON, Tony. Resistance through ritu-
para “guardar” o conhecimento em oportunidades futuras; e pessoas que executam als: youth subcultures in post-war Britain. 2 ed. Oxon: Routledge, 2006.
simultânea ou imediatamente após consumir o conteúdo) e que existe uma disso-
ciação de expectativas. Questões técnicas dos materiais e ferramentas utilizados LLORENTE – José. A era da pós-verdade: realidade versus percepção. Revista Uno,
influenciam diretamente no resultado e são conhecimentos pouco acessíveis à n.27, 8-9, março de 2017.
quem executa, logo mesmo seguindo à risca o tutorial, a informação pode não fa-
zer total sentido na manipulação das ferramentas. Como dito por uma das entrevis- McCRACKEN, Grant. Cultura e Consumo: novas abordagens ao caráter simbólico
tadas, “Eles [produtores de conteúdo] não têm como julgar quem é sua audiência. É dos bens e das atividades de consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003.
difícil prever todas as necessidades e desejos de quem os assistem” (TORREY et al., PIRES, Rafaela. Entre-telas: o designer de moda nas imediações da cultura maker
2009). e
indústria. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2018.
Uma das matérias mais utilizadas nesses vídeos instrucionais é a cola quente,
mistura termoplástica de polímeros, resinas, ceras e antioxidantes, que por sua SOCIALBLADE – Análise estatística do canal “5-Minute Crafts” – 2019 – Disponível
facilidade de manuseio se torna a forma mais simples de se concluir os hacks. Em- em <https://socialblade.com/youtube/channel/UC295-Dw_tDNtZXFeAPAW6Aw>.
bora a utilização dessa mistura gere, em muitas das vezes, produtos funcionais de Acesso em 25 de junho de 2019.
imediato, é fácil concluir que a ergonomia e durabilidade de muitos desses objetos
construídos e adaptados não atinge níveis satisfatórios, além de impactar ambien- TORREY, Paul et al. Learning How: The Search for Craft Knowledge on the Internet.
talmente e gerar uma lógica de descarte sem um controle produtivo. Entretanto, a In:
simples possibilidade de se fazer um calçado com nada mais do que uma pistola CHI 2009, 2009, Boston. p. 1371-1380.
de cola quente torna o instrucional convidativo para seu público e abre possibili-
dades que até então eram pouco imagináveis para o público em geral e os convida VEBLEN, Thorstein. A Teoria da Classe Ociosa. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural,
a replicarem, já que, “não há substituição a experiência direta com os materiais” 1985.
(TORREY et al., 2009).
REFLEXÕES
O formato dos vídeos instrucionais de canais como 5-Minute Crafts permite que
seja atribuída maior veracidade do que é realmente entregue no processo. Os cor-
tes rápidos, a trilha sonora repetitiva e o otimismo dos atores em cena passam a
impressão de que os resultados apresentados são verdadeiramente funcionais por
meio de uma abdução. Não são nunca realmente mostrados os usos dos objetos no
cotidiano, mas a simples exposição de possibilidades na ressignificação desses ob-
jetos promovem que, ainda que os hacks não sejam executados, os espectadores
adquiram potência para transformarem o que elas possuem.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CONEXÃO DE SABERES E PRÁTICAS: ESTIMULANDO A VIVÊNCIA DA passagem pelo sistema prisional (49%). Na mesma pesquisa, as mulheres usuárias
ECONOMIA CRIATIVA E CIRCULAR E O EMPODERAMENTO FEMININO regulares de crack tem o mesmo padrão de vulnerabilidade social, com o agra-
vante que 47% relataram histórico de violência sexual (comparado a 7,5% entre os
homens).
Raquel Barros; Instituto Empodera; raquelbarroslua@gmail.com
Sofia Coelho Moreira; Straverunt; contactustraverunt@gmail.com Para melhorar as condições de vida dessas populações, em especial das mulhe-
res, é necessário visar a geração de modos de vida sustentáveis que reduzam sua
dependência de economias ilícitas, sendo a economia criativa um caminho para o
Resumo: Esta pesquisa é um estudo de caso sobre o programa Conexão Musas da resgate da dignidade e geração de renda.
ONG Empodera e seu papel transformador promovendo uma cultura de troca de
conhecimentos e a vivência da prática com as oficinas de Fab Lab Moda. O projeto No que diz respeito a consumo consciente, a moda, por seu poder de expressão e
baseia-se na construção de comunidades colaborativas atreladas a economia cria- disseminação tem um papel relevante de comunicação e de construção cultural de
tiva e circular, gerando renda em especial para mulheres (cis e trans) em situação identidade (BERLIM, 2012).
de vulnerabilidade .
DESENVOLVIMENTO
Palavras-chave: Resíduos têxteis. Upcycling. Desenvolvimento humano. Economia
colaborativa. Atualmente o Conexão Musas atua em conjunto com quatro projetos:
- Projeto Tem Sentimento (São Paulo – SP): mulheres mães da Favela do Moinho que
INTRODUÇÃO desenvolvem bordados.
- Projeto Tem Sentimento (São Paulo – SP): grupo de mulheres transexuais que
A indústria da moda enfrenta sérios problemas ambientais, nesse contexto um vivem na comunidade da Cracolândia com enfoque na produção de bolsas e cami-
grande volume de resíduos têxteis é levado a aterros ou incinerado. Para promover setas.
uma economia circular, é preciso engrenar a vida cotidiana das pessoas aos sa- - Meninas da Lua (Sorocaba – SP): um grupo de mulheres oriundas de um projeto
beres e as práticas de reaproveitamento. Uma das maneiras de ressignificar este social que atingiu maturidade suficiente para gerar renda e se auto gerir de forma
material têxtil é o “upcycling”, uma opção sustentável para a moda, no sentido de independente, um dos seus produtos são bolsas feitas de retalhos.
não haver qualquer intervenção química ou industrial em termos de reciclagem e - Costurando Sonhos (Poços de Caldas - MG): o projeto oferece oficinas de costura,
trituração, não demandando novos recursos e valorizando a energia investida ante- empreendedorismo e acompanhamento psicológico para mulheres vítimas de vio-
riormente nas peças (STYLES, 2014). lência doméstica. São utilizados resíduos da produção de uma fábrica de “lingerie”
que são transformados em peças de vestuários remanufaturadas.
Da mesma maneira que sobras da indústria têxtil precisam ser reinseridas econo-
mia, mulheres em situação de vulnerabilidade precisam se reinserir na sociedade, Espaços de encontro e conexão colaborativa entre as mulheres, chamados de
podendo ressignificar suas vidas por meio de atividades que ressignifiquem a Imersões Criativas, são realizados para que elas possam reconhecer quem são,
seus talentos e ativar o autoconhecimento. Destes encontros nasce uma qualifica-
moda.
ção para que possam desenvolver produtos com criação e expressão artística. As
mulheres podem também vivenciar os processos de sensibilização, formação de
Em ambientes altamente vulneráveis, as possibilidades de participação na eco- habilidades e produção. O diferencial das imersões é que elas possibilitam: a co-
nomia formal são muito limitadas, e as economias ilícitas tornam-se uma opção nexão entre diferentes tipos de mulheres (aquelas em situação de vulnerabilidade,
concreta para as comunidades abandonadas pelas políticas de desenvolvimento. com estilistas da moda, fornecedoras, doadoras), a formação a partir do talento
A “vida na rua” é um ambiente predominantemente masculino. Ser mulher nesse de cada uma, a exploração da criatividade, a cocriação, a ressignificação de vida,
ambiente requer habilidades complexas, nem sempre percebidas ou valorizadas. a ressignificação da roupa (upcycling) e a criação de produtos coletivamente. Esta
Bastos e Bertoni (2014), em pesquisa sobre o uso de crack, identificaram alguns proposta inspira-se nos “Bootcamps” do Fabricademy.
indicadores de vulnerabilidade social como: viver em situação de rua (40%) e ter
44 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 45
O programa Conexão Musas possui uma metodologia prática e ativa para trabalhar provocando reflexões sobre a importância da utilização de resíduos têxteis.
com mulheres em situação de vulnerabilidade cujo diferencial esta em: trabalhar a O projeto vai de encontro aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)
partir dos talentos e da potência das mulheres; a participação das mulheres como da Organização das Nações Unidas (ONU, 2015) ao trabalhar diretamente com os:
facilitadoras de suas pares e o processo de mudança cultural para uma economia ODS12 (Consumo e Produção Responsáveis), ODS 5 (Igualdade de Gênero) e ODS 4
colaborativa. Como resultados tem-se: a utilização de resíduos têxteis no processo (Educação de Qualidade).
criativo, a criação de novos produtos, a geração de renda para mulheres, o empode-
ramento feminino.
Todas as mulheres podem ser musas inspiradoras no projeto deste estudo que BERLIM, Lilyan. Moda e Sustentabilidade: uma reflexão necessária. São Paulo:
além da troca de saberes visa propiciar novas fontes de renda a partir dos Pro- Estação das Letras e Cores Editora, 2012.
dutos Musas, como os da Imagem 1. O maior desafio e esforços destinam-se ao
empoderamento das mulheres em situação de rua, que vivem as margens da so- BASTOS, F. I. P. M.; BERTONI, N. (Org.). Pesquisa Nacional sobre o uso de crack:
ciedade. quem são os usuários de crack e/ou similares do Brasil? quantos são nas capitais
brasileiras? Rio de Janeiro: ICICT, 2014.
Os “Fab Lab da Moda” promovidos pelo Conexão Musas são importantes instru-
mentos de transformação cultural ao aproximar o consumidor do processo de con- WILSON, Frank. The Hand: How its use shapes the brain, language and human cul-
fecção. A experiência também promove o tema sustentabilidade e consumo cons- ture. New York: Vintage Books, 1999.
ciente, de maneira leve e prática, permitindo ao participante vivenciar a produção, e
46 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 47
ONU – Organização das nações Unidas – 2015. Objetivos de Desenvolvimento Sus- A CONSTRUÇÃO DE NARRATIVAS EMOCIONAIS
tentável. Disponível em: https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/. Acesso EM TORNO DE ROUPAS USADAS
em: 07 de julho de 2019.
STYLES, R. Ecologist: Guide to fashion. East Sussex:Leaping Hare Press, 2014. Jéssica Baptista dos Santos Ventura; Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ);
jessicabsventura@gmail.com
Resumo: Este artigo faz parte de uma pesquisa de doutorado sobre feiras de troca
de roupas usadas na cidade do Rio de Janeiro. O objetivo desta análise é descrever
as memórias narrativas emocionais construídas em torno das roupas trocadas no
evento Escambo 365, realizado durante a Virada Sustentável Rio 2018. Para isso,
utilizamos como instrumento metodológico a observação participante.
INTRODUÇÃO:
Por fim, com base em um referencial teórico que articula moda (Simmel, 2008), Para participar do evento, era preciso se inscrever, uma vez que o número de partic-
narrativa (Ricouer, 1994), antropologia das emoções (Rezende e Coelho, 2010) e ipantes não poderia exceder o total de 50. Após a inscrição, a pessoa era orientada
antropologia das coisas (Appadurai, 2008), buscamos realizar uma leitura sobre as a levar até 10 peças, que seriam avaliadas no dia da troca: somente itens em bom
narrativas emocionais que envolvem a troca de roupas. estado, no caso, sem rasgos, furos ou manchas de desodorante, por exemplo, es-
tariam aptas para a troca. Depois
5
de avaliadas as peças, cada participante recebia
ROUPA, NARRATIVA E EMOÇÃO. um número x de escambecas .
Ao longo da história da humanidade, as roupas estiveram presentes tanto por Antes da troca, a idealizadora da feira sugeriu aos participantes uma roda de
razões estéticas como funcionais. Sendo assim, o vestuário, no contexto da moda, conversa para explicar a importância de repensarmos o consumo de roupas. Nina
configura um importante meio de expressão. De acordo com Simmel (2008), a ofereceu alguns exemplos de eventos
6
que marcaram a indústria da moda, como foi
moda é um fator de socialização e individualização. Logo, por meio das roupas, os o caso do acidente no Rana Plaza , ocorrido em 2013. Além da conversa, foram re-
indivíduos expressam singularidade em situações sociais diversas. alizadas algumas atividades com os participantes. Aqui, destaco aquela que serviu
É importante salientar que o papel das roupas também está relacionado à pro- de base para a construção deste artigo. Nina fez uma roda e pediu que as pessoas
dução de narrativas que são construídas a partir do resgate das memórias asso- pegassem na arara uma roupa que haviam levado e contassem a história da peça.
ciadas ao uso de determinada peça. Para Ricoeur (1994), a narrativa constitui a De acordo com Ricouer (1994), a memória é transformada em narrativa, o que pos-
síntese da realidade temporal, pois é um resumo da experiência. É, também, uma sibilita o compartilhamento entre os indivíduos, ou seja, narrar possibilita dizer aos
fabricação da realidade já experimentada. Assim sendo, as roupas fazem parte da outros as experiências que nos constroem.
experiência vivida pelo indivíduo e tornam-se relevantes por resgatarem memórias
afetivas. Durante o processo, alguns participantes se emocionavam ao relatar momentos
especiais em que as roupas foram utilizadas. Uma das participantes contou que a
Nesse processo de resgate das memórias, recorremos às emoções, que exercem roupa tinha feito parte da adolescência, outra relatou que a peça de roupa estava
papel fundamental na construção de narrativas. Para Rezende e Coelho (2010), as há muito tempo na família. Para Rezende e Coelho (2010), as emoções são aprendi-
emoções são construídas em ambientes socioculturais diversos. Assim, trazendo das em interação com o ambiente social e cultural, sendo requisitadas conforme o
para a discussão aqui proposta, é relevante observar que as emoções associadas à contexto apresentado.
determinada roupa estão imersas dentro de contextos sociais específicos.
Ao término da troca, as pessoas foram incentivadas a darem o seu depoimento
Por fim, ressaltamos o trabalho do antropólogo das coisas, Arjun Appadurai (2008), sobre a experiência. Uma das participantes revelou que achava que apenas trocaria
o qual realiza uma importante contribuição para a discussão ao conferir aos obje- alguns itens de vestuário e voltaria para sua casa, mas, depois da roda de con-
tos um valor social que extrapola o conceito de simples mercadoria. No caso das versa, ganhou a possibilidade de refletir sobre os seus hábitos de consumo. Outra
roupas, mais do que abrigo ou produção estética, elas estão repletas de sentido pessoa comentou que nunca tinha participado de uma troca em que as pessoas
social. contavam a história da peça.
VIRADA SUSTENTÁVEL RIO 2018: ESCAMBO 365 Por fim, as interações sociais (Simmel, 2008) estabelecidas antes da troca possi-
bilitaram uma dinâmica diferente durante o processo, pois as pessoas pareciam à
A feira Escambo 365, projeto idealizado pela facilitadora Nina Telles, surgiu a partir vontade para interagir.
do interesse de Nina de permanecer um ano sem comprar roupas novas. Durante
esse processo de consumir de maneira mais consciente, ela se propôs a realizar
feiras de troca de roupas em vários espaços da capital carioca. Neste artigo, nos
concentramos na edição que ocorreu durante a semana da Virada Sustentável, em
junho de 2018, no centro da cidade.
RICOUER, Paul. Tempo e Narrativa. Campinas (SP): Papirus Editora, 1994. Essa é uma construção forte dentro da indústria da moda, que é constituída por um
ciclo de produção constante, visando oferecer mercadorias que possam dar ao con-
SIMMEL, Georg. Filosofia da moda e outros escritos. Lisboa: Edições Texto e gra- sumidor de moda a possibilidade de descartar suas roupas e as renovar constante-
fia, 2008. mente, de acordo com o fluxo de novidades e com as identidades que queiram criar
e/ou estabelecer.
1. Em 29 de julho, o estoque de recursos naturais do planeta foi esgotado, registrando a data mais recen-
te desde o surgimento em 1970. REVISTA GALILEU: Humanidade usou todos os recursos do planeta para o ano
de 2019. Disponível em: <https://glo.bo/2P2ytRf>. Acesso em 19 ago. 2019.
52 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 53
A desculpabilização do consumo desencadeou em formas de consumo quase con- Na academia, o “consumo consciente” acaba por delimitar esse tipo de consumo a
tínuas e, na moda, isso refletiu em uma inclinação para que todos os grupos sociais uma parte específica da população, limitando as discussões e a disseminação das
passassem a figurar o papel de consumidor, inaugurando a moda de consumo mesmas. Ainda, cai-se em uma culpabilização do consumidor como sendo o maior
(CRANE, 2006). Com isso, a autora atenta para como indústria passou a oferecer problema dos impactos gerados pela moda.
uma infinidade de escolhas a todos os tipos de preços para que os consumidores –
que, agora, são a sociedade como um todo – pudessem construir sua aparência em Nesse sentido, entende-se que o consumo consciente deixa de estar na moda para
consonância com sua personalidade, reforçando uma identidade social. se configurar como um “consumo consciente de moda” (TEIXEIRA, 2018). Há uma
busca em educar toda a população acerca da conscientização para valorizar as
Visto que a moda já atinge a todos os indivíduos, ela passa a configurar modos de comunidades, instigar o ativismo e estabelecer a voz ativa da sociedade civil de
ser, estar e de se expressar. A aparência visual passa a expressar quem cada indi- forma a reivindicar por processos mais limpos e justos da indústria e por políticas
víduo é (SVENDSEN, 2010) e, para isso, precisa estar diretamente relacionada com a públicas que atendam as necessidades de preservação e valorização do planeta.
moda e seus ciclos. Essa construção denuncia o caráter efêmero da moda e, inclu-
sive, uma forma sutil de controle social, em que o consumo passa a ser dominado Para isso acontecer, Teixeira (2018) destaca a relação entre consumidores, negó-
pelas empresas hegemônicas. cios de moda, políticas, mídia e indústria da confecção, constituindo a “rede da
conscientização”, ferramenta que assessora a definição do conceito. Nessa rede,
Na contramão, novas discussões sobre o consumo e a produção de moda passam a cada parte deve desempenhar seu próprio papel, sendo os consumidores os agen-
emergir, surgindo, assim, novas formas de consumo de moda, configurando termos tes de mudança ao romperem com a cultura dos excessos para reivindicar por
dos quais, inclusive, o mercado acaba por se apropriar. A intenção é, por vezes, o transformações na indústria e na política. São, portanto, responsáveis por pressio-
maior estímulo às discussões, porém, quando estas vêm acompanhadas de falta nar as outras partes para que cumpram com suas respectivas funções, fazendo
de reflexão e de inclusão das discussões políticas no âmbito da moda, cai-se, in- com que haja execução e possibilidade de desempenhar papel de transformação
clusive, em um estímulo ao próprio consumo. social. Dessa maneira, estabelecem-se preceitos para uma indústria da moda me-
nos prejudicial, um equilíbrio do planeta e uma inserção de toda a sociedade nas
OS CONCEITOS DE “CONSUMO CONSCIENTE” discussões.
O “consumidor socialmente consciente” exige uma relação com o bem-estar social CONSIDERAÇÕES FINAIS
e ambiental, o acesso à informação, a contribuição com a comunidade e a com-
petência em influenciar e transformar o mundo social pelo seu poder de compra O termo “consumo consciente” pareceu estar mais associado aos processos de
(ANDERSON JR. e CUNNINGHAM, 1972; WEBSTER, 1975). O “consumo consciente” se produção do que ao consumo e ao consumidor. Ele se demonstra pouco preciso ao
relaciona ao poder de observação, ao bem-estar social e possui um caráter mais apresentar diferenças quanto ao que verdadeiramente representa nas variadas con-
individual (DE TONI, LARENTIS e MATTIA, 2012). ceituações elencadas, demonstrando que este ainda é um termo em construção e
denunciando um dos aspectos que talvez afaste os consumidores destas discussões.
Na indústria da moda, para combater seus fortes impactos socioambientais, é pre-
ciso alinhar propostas educativas e de design de forma a conscientizar a população O consumo consciente de moda e a rede da conscientização apresentam um novo
pela informação e pela durabilidade dos objetos desenvolvidos (ARAÚJO, BROEGA e formato de se consumir e pautar outras formas de consumo com base nos preceitos
MOTA-RIBEIRO, 2016). As peças devem valorizar os trabalhos manuais, bem como a socioambientais. A associação do conceito e da rede de sustentação para o mesmo
qualidade da matéria-prima e os modelos personalizados, para gerar a despadroni- apóia-se na urgência de discussões políticas, sociais, culturais e ambientais sobre
zação dos produtos e o ativismo entre os consumidores (RÜTHSCHILLING e ANICET, como consumimos e como as roupas que consumimos são produzidas. Dar voz ativa
2018). às partes envolvidas nesta rede e pautar futuras políticas públicas oferece a possibi-
lidade do conceito e sua rede se concretizarem como fatores de mudança e equilíbrio
sociais e culturais.
54 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 55
SVENDSEN, Lars. Moda: uma filosofia. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Visto que vem se tornando importante a prática do desenvolvimento sustentável no
Janeiro: Zahar, 2010. âmbito mundial e, considerando que as matérias primas naturais estão se tornando
mais escassas, os processos de desenvolvimento de produtos devem comtemplar
TEIXEIRA, Naiara C. Consciência is the new black: o consumo consciente de as possibilidades de criação de produtos embasadas nos princípios do ecodesign,
moda. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Comunicação Social) – Uni- reduzindo assim, o seu impacto ambiental. Porém, de acordo com Tukker et al.
versidade de Brasília, Brasília, 2018. (2001, apud GARCIA, 2007) é uma realidade ainda distante, com um número reduzi-
do de empresas em países industrializados, em que o desenvolvimento do método,
WEBSTER, Frederick E. Determining the Characteristics of the Socially Cons- educação e disseminação são razoavelmente evoluídos.
cious Consumer. The Journal of Consumer Research, Vol. 2, No. 3 (Dec., 1975), pp.
188-196. Para tanto, ao longo desta pesquisa utilizou-se a definição de ecodesign emprega-
da pelo Ministério do Meio Ambiente (2018):
METODOLOGIA
A partir do tema abordado nesta pesquisa e dos objetivos definidos, viu-se que o
método de pesquisa-ação seria o mais apropriado para este estudo. Pois como afir-
ma Gil (2010), esta abordagem é concebida e realizada em estreita associação com
uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e, os pesquisadores e par-
ticipantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo
Figura 1: Projetos desenvolvidos.
cooperativo ou participativo. Ainda segundo o autor, implica no contato direto com
Fonte: Elaborado pelo autor (2018).
o campo de estudo, envolvendo consulta a documentos e, sobretudo, a discussão
com representantes das categorias sociais envolvidas na pesquisa.
58 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 59
Projeto 1: “Amor a quatro patas” que a partir da utilização de retalhos de malhas e grando questões ambientais ao design, supriremos as necessidades de consumo
fibras fizeram mantas e cobertores para animais de estimação. Com caixotes de fei- sem comprometer as atuais e futuras gerações. (TURRA, 2002).
ra, pneus velhos e latas de tinta usadas, fizeram camas para os animais. Todos esses
produtos foram doados a Acapra (Associação brusquense de proteção aos animais). Além do mais, o ecodesign está estritamente ligado ao ensino do design. Assim
sendo, compete às instituições de ensino superior serem inovadoras e terem a
Projeto 2: “Curso de costura para pessoas de baixa renda”, que com recortes de ma- capacidade de criar, no âmbito da investigação, um novo mundo de oportunidades
lhas e tecidos que seriam descartados por confecções, produziram vestidos de festa, para os acadêmicos.
e têm a proposta de criar um programa de cursos para ensinar pessoas carentes a
Utilizando como ferramenta de pesquisa um concurso interdisciplinar de ecode-
costurar novas peças de roupas utilizando retalhos que seriam descartados. sign implementado numa instituição de ensino, tornou-se possível constatar, na
prática, a sua funcionalidade e eficiência. Identificaram-se também problemas que
Projeto 3: “Coffeecologic”, no qual criaram todo um modelo de negócios para reutili- possam servir de base para o desenvolvimento de propostas inovadoras e susten-
zação de filtros de café usados, com pontos de coleta, marca e perfil próprio no Ins- táveis.
tagram. O resíduo do café serve como adubo para hortaliças orgânicas, e com o filtro
usado e caixas Tetrapak produziram bolsas femininas. Apresenta-se neste resumo a concepção de uma pesquisa-ação, baseada em um
planejamento, que propiciou o cumprimento de todos os objetivos propostos. Verifi-
Projeto 4: “Ecocessories”, com retalhos de malhas e viés que seriam descartados e cou-se que é preciso analisar e observar comportamentos, opiniões e sentimentos
com resíduos de MDF da fabricação de móveis, produziram uma coleção de acessó- dos indivíduos, para assim obter fundamentos que contribuam para este processo.
rios utilizando a técnica de tecelagem de macramê.
Cabe ao pesquisador reunir, compreender e transmitir os resultados da pesquisa.
No caso do projeto do concurso “Desafio Ecodesign Uniasselvi” comprovou-se a
Projeto 5: “Mochila com resíduos têxteis e tecnológicos” em que, a partir do reapro-
eficácia do concurso como ferramenta para o desenvolvimento de soluções ecoló-
veitamento de materiais como restos de tecidos sintéticos da indústria de calçados, gicas e sustentáveis contando com o envolvimento de toda a comunidade acadê-
e peças de teclados de computadores descartados, criaram uma mochila. mica.
Projeto 6: “Jeans is the new jeans”, por meio da utilização de calças jeans usadas, Sugere-se implementar a proposta do concurso como atividade recorrente dentro
produziram uma coleção de upcycling, criando novas peças de roupas compostas de da instituição de ensino não somente no curso de Design de Moda, mas também
partes das peças originais descartadas e que assim ganham uma nova vida e valor em outros cursos e, futuramente, transformar esta ideia em um concurso interins-
agregado de design. titucional, tendo sempre como alvo o ecodesign e a sustentabilidade.
O DESIGN E A EDUCAÇÃO EMPREENDEDORA: UM ESTUDO DE CASO Através de projetos de geração de renda, o designer tem a oportunidade de tornar
SOBRE A VALORIZAÇÃO DO SABER ARTESANAL seu conhecimento acessível para comunidades de baixa renda que se apresentam,
de maneira geral, como possuidoras de baixo conhecimento tecnológico e, por ou-
tro lado, alto valor cultural (COSTA, 2009). A participação do grupo no processo não
Alice de Oliveira Meditsch; Rede Asra; alicemeditsch@gmail.com deve ser apenas como força de trabalho, a valorização é o primeiro passo. Espe-
Francisca Angélica de Oliveira; Rede Asta; escola@redeasta.com.br cialmente na fase de criação, ferramentas participativas que valorizem o conheci-
mento do artesão são essenciais para gerar engajamento e entendê-lo como parte
atuante desse processo.
Resumo: O seguinte trabalho tem como objetivo discutir como o design pode au-
xiliar na educação empreendedora de grupos artesanais para que os mesmos pos- NEGÓCIOS SOCIAIS
sam acessar novos mercados através de um modelo de negócio social.
Os Negócios Sociais unem objetivos do segundo setor da economia (gerar lucro)
Palavras-chave: Upcycling, geração de renda, educação empreendedora e artesa- e do terceiro setor (causar impacto social às populações carentes). Por isso, são
nato. classificados informalmente como “setor 2.5”, o quarto setor. Nesse sentido, os
Negócios Sociais aparecem como uma alternativa sustentável para a promoção de
autonomia e para o enfrentamento de problemas sociais. São negócios que criam
INTRODUÇÃO produtos e serviços para solucionar problemas sociais e atender uma parcela ca-
rente da população de forma autossustentável (DOS REIS MARTINS, 2013).
Segundo o estudo de mercado do SEBRAE (2018) o artesanato no Brasil possui em
média R$ 28 bilhões por ano de faturamento, emprega 8 milhões de pessoas e vem A Rede Asta é um negócio social que atua na economia do “feito à mão” desen-
crescendo a cada ano. Neste segmento onde 77% dos profissionais são mulheres, volvendo artesãs em empreendedoras. Há quinze anos no setor do artesanato, já
60% tem essa atividade como principal fonte de renda, mas aponta ter dificuldades experimentou diferentes modelos de negócios, tendo sempre como ponto principal
com a comercialização dos produtos e a falta de visão do mercado (DATASEBRAE, a geração de renda para as artesãs envolvidas. A importância de uma metodologia
2013). Apesar do crescimento desse segmento no mercado brasileiro, a maioria que empoderasse essas mulheres, de modo que elas mesmas pudessem buscar
desses profissionais não possuem salário fixo, sendo remunerados apenas por pro- novas oportunidades e canais de vendas, foi a premissa para criar, em 2015, a Es-
dução e também não buscam a formalização: apenas 11% dos artesãos recebem cola de Negócios das Artesãs com os objetivos centrais de aumentar as vendas,
salário fixo e 39% possuem CNPJ (DATASEBRAE, 2013). melhorar produtos, criar posicionamento de marca, construir relacionamento com
os clientes e transformar artesãs em empreendedoras.
Outra dificuldade deste mercado atualmente é uma forma de percepção de que o
termo artesanato seja pejorativo, quando relacionado a objetos não originais, no PORTO SUDESTE E REDE ASTA: EMPREENDEDORISMO, INCLUSÃO DIGITAL, FORMA-
sentido que não se renovam, ou que replicam referências de revistas de artesanato, ÇÃO DE REDES E GERAÇÃO DE RENDA PARA MULHERES ARTESÃS E COSTUREIRAS
por exemplo. O fato de o Brasil ter tido uma produção industrial tardia, quando essa
era sinônimo de avanço, contribui para essa relação de artesanato representar o A empresa Porto Sudeste, localizada na Ilha da Madeira, em Itaguaí – RJ, é um porto
atraso. O que não se leva em consideração é a maneira como os países desenvol- privado que possui uma política de desenvolvimento sustentável e buscou na Rede
vidos chegaram à industrialização, ocorrida após um lento processo de evolução. Asta um parceiro para a execução de um projeto que pudesse beneficiar artesãs do
(BORGES, 2011). seu entorno como forma de contrapartida para seu impacto nas comunidades. O
projeto tem como objetivo principal potencializar o empreendedorismo de 10 negó-
DESIGN E ARTESANATO cios artesanais locais, impactando cerca de 70 artesãs diretamente. A metodologia
empregada nesse projeto se divide em 4 grandes etapas: treinamento em em-
Entre as diversas formas de atuação do designer, também está o seu papel de preendedorismo específico para artesãs/costureiras, através da Escola de Negócios
facilitador de processos. Em projetos ligados ao artesanato, o conceito de Design das Artesãs; a dinamização do mercado local; a formação de uma rede de líderes
Social auxilia a compreensão do papel do profissional ao colocar o problema so-
artesãs e a inovação dos produtos artesanais através da facilitação de Design.
cial como ponto de partida (LÖBACH, 2001).
62 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 63
As artesãs têm acesso ao conteúdo Planejamento e Montagem de Coleções que REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
faz conexão com a etapa seguinte, a do Design. Nessa etapa, a artesã começa a
pensar o seu produto para além do seu olhar meramente inspiracional. É quando BORGES, Adélia. Design + artesanato: o caminho brasileiro. São Paulo: Editora
a criação deve se conectar aos conhecimentos adquiridos na Escola de Negócios Terceiro Nome, 2011.
para que o resultado contribua efetivamente para sua geração de renda.
DATASEBRAE. Data SEBRAE - Artesanato. Disponível em: https://datasebrae.com.
Foi escolhida uma artesã para registrar através desse trabalho o resultado de seu br/artesanato/. Acesso em 10 de Julho de 2019.
desempenho em relação ao mercado. Após criar uma persona, escolher novos ca- DOS REIS MARTINS, Marília. Os Negócios Sociais e o setor cidadão: uma análi-
nais de vendas e planejar sua coleção, dividindo seus produtos em linhas e catego- se sob a ótica do desenvolvimento humano. Trabalho de Conclusão de Curso,
rias, a artesã desenvolveu, junto com a designer, uma coleção intitulada “Folclore Departamento de Economia e Relações Internacional. Porto Alegre: Universidade
do Brasil”. A designer, nesse momento, trouxe o seu conhecimento de planejamen- Federal do Rio Grande do Sul, 2013.
to de projeto e mercado, além de disponibilizar ferramentas para que a criatividade
fosse potencializada. LÖBACH, B. Design industrial: bases para a configuração dos produtos indus-
triais. São Paulo: Edgar Blusher, 2001
A coleção contou com um total de 16 produtos distribuídos em 4 categorias (aten-
dendo o mercados B2B e B2C) e, em menos de um mês do seu lançamento, já RIO DE BOAS NOTÍCIAS. Artesã carioca cria bonecos do folclore brasileiro. Dis-
havia gerado cerca de R$300,00 de renda direta para a artesã e divulgação em ponível em: https://riodeboasnoticias.com.br/diversao/artesa-carioca-cria-bonecos-
mídia (RIO DE BOAS NOTÍCIAS, 2019). Também foi convidada para exportar seu pro- -do-folclore-brasileiro/. Acesso em 22 de Agosto de 2019.
duto para a Holanda e havia listado cerca de 30 clientes lojistas/corporativos para
prospecção divididos em setores como Moda, Decoração, Casas de Parentalidade e SEBRAE. Quer investir no artesanato? Saiba mais sobre esse mercado. Dis-
Educação. ponível em: http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ufs/ms/artigos/boletim-
-comercio-e-servicos-artesanato,afb621600576a410VgnVCM1000003b74010aRCRD
CONCLUSÕES Acesso em 10 de Julho de 2019.
DESIGN E ARTESANATO: PROCESSO DE CRIAÇÃO DE BOLSAS design deve se utilizar das ferramentas tecnológicas, dos novos conceitos para
DE CROCHÊ COM REAPROVEITAMENTO DE MATERIAIS transformar o pensamento atual de uso e descarte das mercadorias, repensar as
necessidades e os novos consumidores.
Segundo Ribeiro e Santos (2017), o Comércio Justo e Solidário preza pelas relações RIBEIRO, Erica; SANTOS, Isadora Candian dos. Multiplicadores do Comércio Justo
democráticas de trabalho e o desenvolvimento sustentável local se caracteriza e Solidário e Sistemas Participativos de Garantia na Rede de Saúde Mental e
pelas relações mais justas de trabalho, duradouras, participativas e transparentes, Economia Solidária. São Paulo: Instituto Integra para o Desenvolvimento, 2017.
68 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 69
O DESIGN TRANSFORMÁVEL EM PROL DA DIMINUIÇÃO Uma alternativa para atender as demandas de crescimento infantil, impactantes
DO DESCARTE PRECOCE DE VESTUÁRIO INFANTIL no descarte e consumo de produtos, bem como contemplar as especificadas desse
perfil de usuário é vestuário com design transformável. Segundo Machado (2011),
para ser considerável vestuário transformável ou multifuncional, o produto precisa
Thaís Carolini Pereira Feltrin; Universidade Estadual de Maringá – UEM; cpfeltrin@gmail.com apresentar duas características importantes: o design da peça precisa possuir pelo
Ana Caroline Siqueira Martins; Universidade Estadual de Maringá – UEM; lf_carol@hotmail.com menos outra possibilidade de construção; e proporcionar a possibilidade de depois
de transformada, voltar a sua forma original. Essa adaptação deve ser feita através
da configuração das formas proporcionando versatilidade de modo dinâmico. Além
Resumo: Este estudo discorre sobre maneiras de, por meio do design transformá- disso, aponta que a capacidade do produto de vestuário se transformar a partir do
vel, minimizar o descarte de peças de vestuário infantil, apresentando diretrizes design transformável, precisa atender a sua adaptabilidade, versatilidade, utilidade,
conceituais e práticas para o desenvolvimento de produtos com esse propósito. funcionalidade e eficiência (FERNANDES, 2012).
Palavras-chave: Design transformável; Vestuário infantil; Descarte. Deste modo, foram pesquisados meios de desenvolver produtos de vestuário infan-
til, transformável, que proporcionassem a troca de roupas entre crianças de dife-
rentes sexos e idade. A metodologia de pesquisa contemplou a pesquisa bibliográ-
INTRODUÇÃO fica e a pesquisa de campo, em que foi aplicado questionário com pais que tinham
filhos de diferentes sexos e idade ou que aqueles que eram receptivos a troca de
Este estudo apresenta possibilidades de atrelar o conceito de Design transformá- roupas entre seus filhos com outras crianças, para assim ser delineado um perfil
vel à diminuição do descarte e consumo de roupas na infância. Isso porque, nesse de produto mais adequado aos propósitos do estudo.
período (de 0 a 12 anos), as crianças apresentam intenso desenvolvimento físico,
crescimento e ganho de peso (MINISTÉRIO, 2012). Crescem, em média, no primeiro Por meio da revisão bibliográfica e da pesquisa de campo, verificou-se que apesar
ano de vida, 25 cm; no segundo e terceiro ano 12,5 cm por ano e a partir deste pe- do crescimento do mercado de vestuário infantil nos últimos anos, existem poucas
ríodo até a puberdade, de 5 a 7 cm por ano. Já na transição entre infância e adoles- iniciativas que atendam a demanda por roupas que se adequem ao rápido cresci-
cência, o crescimento é de 8 a 12 cm ao ano (MINISTÉRIO, 2012). mento infantil e que possibilitem a troca do vestuário entre crianças de sexo e ida-
de distintos, proposta que minimizaria o descarte ou perca rápida dos produtos.
Entende-se, dessa maneira, que pode existir grande perda de roupas geradas pelo Por meio das pesquisas e produção dos produtos, foram identificados alguns re-
alto crescimento na infância, independente da idade, embora em algumas delas o quisitos para o desenvolvimento vestuários infantis que visassem diminuir o con-
índice seja maior. Esse dado influi na expansão do mercado de vestuário infantil, sumo e o descarte dos mesmos, considerando para tal os conceitos de vestuário
que é um nicho com alto potencial de crescimento, sendo estimado aumento de transformável. Assim, analisou-se que este perfil de produto necessita: 1) atender
7,8% nos próximos anos, o que representa 15% do setor, que avança mais do que as normativas da ABNT quanto à segurança e conforto do público infantil, como a
outros itens de vestuário. Esse aumento acontece pelo fato desses produtos es- NBR 16365:2015 de Segurança de Roupas Infantis, que determina os riscos físicos
tarem relacionados à necessidade de compra acarretada pelo rápido crescimento em cordões fixos e ajustáveis e aviamentos em roupas infantis e a NBR 15800, que
infantil (ABRAVEST, 2017). estabelece critérios para o vestuário infantil por meio de referenciais de medidas
do corpo humano e vestibilidade de roupas para bebê e infanto-juvenil (LONGHI et
Para além do crescimento que interfere no consumo de roupas, a criança tende a al. 2016); 2) ser caracterizado pela capacidade de transformação, para assim pro-
apresentar uma relação distinta com o vestuário, se comparada com o adulto, o porcionarem sua usabilidade sem distinguir sexo, adaptando a diferentes idades; 3)
que torna necessário pensar em questões que contemplem requisitos ergonômi- terem formas amplas, na maioria das vezes, de modo a permitir ajustes internos ou
cos, facilidade de vestir e manutenção das peças. Assim, as roupas necessitam ter externos; 4) cores neutras ou sem denotação de gênero, considerando que ainda foi
praticidade, conforto e segurança, além de articular os fatores estéticos com os identificado a resistência dos pais com relação a algumas cores; 5) com regulado-
ergonômicos (LONGHI et al., 2016). res, elásticos, zíperes, botões, velcro, cordões, pregas, amarrações e acabamento
dupla face, de forma a contemplar o conforto, funcionalidade e mudança de visual
dos modelos; 6) mecanismos de ajuste; 7) modelagem específica considerando a
70 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 71
estrutura e proporções das formas, com compartimentos e detalhes destacáveis De acordo com o exposto foi possível verificar a viabilidade de aplicar os conceitos
que permitam adaptação; 8) matéria prima apropriada as adequações e ao confor- do Design transformável ao desenvolvimento de vestuário infantil de modo a mini-
to, preferencialmente compostas por algodão conferindo maciez ao toque; malha- mizar o descarte precoce dos mesmos. Nas pesquisas bibliográficas e de campo
ria de alta elasticidade e com capacidade de retornar a sua forma original e tecidos foi observado que apesar do crescimento infantil influir em perdas periódicas de
maleáveis. roupas e logo impactar o meio ambiente por conta do descarte, e de o nicho de
vestuário infantil ter aumentado nos últimos anos, há poucas iniciativas que aten-
A seguir (figura 1), imagem do projeto de um dos looks de vestuário infantil trans- dem a demanda por roupas que se adequem ao rápido crescimento infantil e que
formável, desenvolvido a partir das pesquisas e conceitos estudados. Nela, é pos- possibilitem a troca do vestuário entre crianças, diferencial que minimizaria o des-
sível verificar que a proposta foi pensada para atender o crescimento acelerado carte ou perca rápida dos produtos. Assim, a vertente contida nesse artigo torna-se
infantil, bem como o uso de um mesmo produto por crianças de diferentes idades relevante, pois apresenta diretrizes para o desenvolvimento de produtos com con-
e sexos. Na jaqueta parka há duas partes (superior e inferior) que são unidas na ceitos advindos do design transformável, de modo a prolongar o ciclo de vida do
região da cintura pelas faixas cruzadas que estão presas no regulador lateral e no produto e assim diminuir o rápido descarte, bem como, por meio das adaptações,
transpasse frontal, e também por meio de casinhas de botão localizadas na parte contemplar uso compartilhado entre crianças de diferentes idades e sexos.
inferior da parka (que depois de transformada resulta em uma saia). Essas casi-
nhas, se “engancham” nos botões fixos presentes na parte superior da parka. O O desenvolvimento da pesquisa possibilitou analisar e difundir alternativas para
modelo de calça saruel foi escolhido para contemplar o conforto das crianças com diminuição do descarte e consumo de vestuário infantil, além de propagar ideias de
diferença de sexo e variações de altura, descartando a possibilidade do gancho de como esse intuito é possível por meio do conceito de design transformável.
calças convencionais que poderiam ficar curto conforme o crescimento das crian-
ças. Esta possui as entrepernas com fechamento de botão de pressão, o que per- REFERÊNCIAS
mite sua transformação em blusa por meio da abertura das entrepernas formando
a abertura do decote. A regulagem de tamanho da manga e barra é feita por meio MINISTÉRIO DA SAÚDE. Saúde da criança: crescimento e desenvolvimento.
de um punho com regulador e elástico rabo de rato. 2012. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_crian-
ca_crescimento_desenvolvimento.pdf> Acesso em 27 de mar. 2018.
Ao lado da representação dos looks, imagem dos produtos confeccionados, no qual
é possível observar a transformação dos modelos e sua adaptação aos diferentes ABRAVEST. Moda infantil, no varejo deve crescer entre 7% e 8%. 2017. Disponí-
perfis de corpos, idade e tamanho das crianças. vel em: <http://abravest.org.br/site/blog-iemi-26-05-2017/> Acesso em 25 de Fev.
2018.
DIÁLOGO MODA-ARTESANATO: A TRADIÇÃO DA TECELAGEM respeito ao segmento da moda. São saberes, técnicas e processos passados de
ARTESANAL DA CIDADE DE RESENDE COSTA – MG gerações a gerações, em grande parte, relacionados ora como processos de socia-
bilidades, ora como mecanismos de sustento familiar (BORGES, 2011).
Glauber Soares Junior Nesse sentido, em face dessa nova realidade, os designers estão, cada vez mais, na
Isadora Franco Oliveira busca desses saberes ou de agregar essas técnicas e processos em suas criações,
Fabiano Eloy Atílio Batista buscando carregar seus produtos de características simbólicas que atendam ao
novo mercado de consumidores.
Resumo: A pesquisa teve como objetivo compreender e analisar a relação sócio- Contudo, Adélia Borges (2011), pondera que essa relação entre moda e saberes
histórica-cultural oriunda da relação entre moda e artesanato, a partir de uma per- regionais, em especial no que diz respeito ao artesanato, ainda é um processo em
spectiva local de confecção de tecelagem manual da cidade mineira de Resende certa medida delicado. Assim sendo, os designers não podem restritamente se ap-
Costa. ropriarem dos saberes e tradições populares, mas, sobretudo, compreender a re-
alidade e o fazer desses ofícios, buscando se inteirar do contexto sócio, histórico e
Palavras-chave: Artesanato. Cultura. Moda. Tecelagem. cultural e as possíveis expectativas desses artesãos, fazendo-os parte do processo
como um todo.
INTRODUÇÃO Nesse sentido, este estudo teve como objetivo compreender e analisar, a partir
de uma perspectiva antropológica, o ofício da tecelagem manual na cidade de
Os saberes manuais e os conhecimentos tradicionais regionais, em grande parte, Resende Costa, Minas Gerais. Mais especificamente, objetivou em explorar a im-
durante um longo período da história, foram deixados de lado ou não recebiam portância deste para o município no que tange os aspectos sociais e econômicos.
seu devido valor. Esse fato decorre pelos inúmeros avanços técnicos e científicos
oriundos dos processos de globalização que, em certa medida, disseminaram uma MATERIAIS E MÉTODOS
padronização e uma produção em grande escala de produtos em série. Durante
muito tempo se acreditava que esse processo de industrialização afetaria signifi- A fim de atingir os objetivos propostos, inicialmente foi realizada uma pesquisa
cativamente os elementos culturais regionais (SANTOS, 2010). Entretanto, podemos de caráter exploratório, com levantamento bibliográfico e análise documental,
perceber, em especial nesse prospecto histórico, um forte e significativo resgate com intuito de deter de uma perspectiva geral relativa à temática. O levantamento
das técnicas e processos artesanais, que carregam em sua gênese uma simbologia bibliográfico foi concebido no método histórico, em que, foca-se na análise e inves-
e a identidade cultural e social dos atores que os produzem, são “características tigação de fatos ocorridos no passado, averiguando sua importância para a socie-
típicas, combinações específicas, singularidades, identidade. Seja no campo da dade atual (LAKATOS; MARCONI, 2003).
moda, do design ou da arquitetura [...]”. (DALPRA, 2009, p.09).
Após a realização do levantamento bibliográfico e documental, optou-se pela orga-
Os atores sociais demandam cada vez mais por um novo modelo de sociedade. nização de uma pesquisa de campo referente à produção tradicional artesanal da
Os sujeitos estão na busca por uma sustentabilidade na produção e aquisição tecelagem na cidade interiorana de Minas Gerais, Resende Costa. Nesse contexto,
de produtos e serviços, se preocupando cada vez mais com as relações entre pode-se concluir de maneira “indutiva” questões referentes ao trabalho artesanal
homem-homem, homem-natureza e homem-sociedade. Nesse sentido, a busca por realizado na cidade supracitada, com intuito de compreender e investigar de ma-
produtos e serviços regionalizados e feitos tradicionalmente de formas naturais e neira aprofundada o significado social que o ofício tecelão detém sobre a popu-
sustentáveis vem oportunizando uma valorização da identidade cultural e geração lação local (LAKATOS; MARCONI, 2003).
de renda.
O fazer artesão, ora esquecido ou negligenciado, passou a ser agora figura central
nos debates acerca da sustentabilidade e culturalidade, em especial no que diz
74 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 75
ANÁLISES E DISCUSSÕES artesanais, com os artesãos que, por sua vez, participam na feitura desses mate-
riais. O design de moda apresenta coleções com aspectos diferenciadores com a
O ofício tecelão no município de Resende Costa sempre foi mais que apenas tra- ajuda do artesanato, que por sua vez expande e apresenta o seu ofício. O artesana-
balho. Trata-se de algo que dialogá com o cotidiano das pessoas tornando-se parte to na moda faz a economia girar e garante a salvaguarda e preservação de muitas
do desenvolvimento social. Na cidade, o artesanato têxtil concebido pelo tear é culturas (NERI, 2013).
considerado a maior herança cultural tradicional obtida. O ofício é realizado princi-
palmente pelos mais idosos, como forma de tradição cultural; pelos mais jovens é Sendo assim, acredita-se que existe a possibilidade dessa integração acontecer
realizado como forma de obtenção de um primeiro ofício. A tecelagem é executada cada vez mais, gerando renda para ambos os setores, mas principalmente, consci-
essencialmente em teares de madeiras rústicos (SANTOS; SILVA, 1996). entização em relação aos valores simbólicos da cultura artesã.
O diálogo entre moda e artesanato – cada qual com seu objetivo específico – é vis-
to como uma forma de economia criativa. Isso se deve ao fato de que existe uma
relação entre a pessoa que faz moda a partir da utilização de materiais e processos
76 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 77
O FASHION REVOLUTION COMO EXEMPLO DA ERA PÓS-MODERNA em decorrência dessa lógica, a natureza era considerada apenas mais uma fonte a
ser explorada, já que o homem era o grande dominador (KAULING, 2017).
Marina Coutinho; Instituto Federal de Santa Catarina; marina.c_13@hotmail.com
Graziela Brunhari Kauling; Instituto Federal de Santa Catarina; grazibk@gmail.com Tudo isso revelou uma inquietação social, despertada com o tempo. A industriali-
zação massificada e a ideia de consumo trouxeram problemas ambientais como
o descarte e a produção de lixo. Nesse momento, a descrença na moral pregada
Resumo: O presente estudo objetiva analisar a transição paradoxal entre os como universal se tornou notável, sendo um dos sinais da mudança para essa
fenômenos sociais do fast fashion e o slow fashion, como reflexos da modernidade nova cultura, atualmente denominada pós-modernidade (MAFFESOLI, 2010a).
e pós-modernidade, respectivamente. Para tanto, são estudados os conceitos de
Saturação e Imaginário, utilizando da metodologia compreensiva. O Fashion Revolu- Cientificamente, na modernidade, estudos que não tivessem relevância prática para
tion é trazido como exemplo deste movimento cíclico. o que estava acontecendo eram desincentivos, como, por exemplo, o conceito do
imaginário proposto pelo sociólogo Gilbert Durand (1921-2012) e também estudado
por Michel Maffesoli. Na pós-modernidade, esses assuntos voltaram a ser discuti-
Palavras-chave: Fast Fashion; Slow Fashion; Fashion Revolution. dos.
Respondendo às consequências do fast fashion, sob um olhar pós-moderno, o slow REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
fashion surge no intuito de conscientizar sob uma “nova forma de consumir moda
que unifica princípios éticos, conscientes e de sustentabilidade no enfrentamento CIDREIRA, Renata Pitombo. A moda numa perspectiva compreensiva. Cruz das
ao trabalho escravo” (FLETCHER apud SANTOS, 2017, p.2). Trazendo o conceito de Almas: Ufrb, 2014.
desaceleração, essa derivação na moda, sugere peças que persistem por mais de
uma coleção, com durabilidade e qualidade, a fim de adotar um novo estilo de vida. FAMECOS. O imaginário é uma realidade. Porto Alegre, n. 15, p.74-82, 20 mar.
Entretanto, com produtos muitas vezes com preço superiores, Santos (2017) afirma 2001. Quadrimestral. Entrevista de Michel Maffesoli, concedida em Paris.
que este sistema não é alcançável a toda a população, sendo elitista. Além disso,
muitas empresas utilizam da sustentabilidade como marketing, isto é, exploram KAULING, Graziela Brunhari. As redes sociais como dispositivos do imaginário e
como uma ferramenta de obtenção de lucro sem instaurar estes princípios efetiva- potencializadoras simbólicas de novas formas de criação de moda. 2017. 147
mente. f. Tese (Doutorado) - Curso de Ciências da Linguagem, Universidade do Sul de Santa
Catarina, Tubarão, 2017.
REFLEXÕES TEÓRICAS E ASSOCIAÇÕES COM O FASHION REVOLUTION
MAFFESOLI, Michel. No fundo das aparências. Petrópolis: Editora Vozes, 2010a.
O sistema de produção denominado fast fashion, seguiu os preceitos de uma so- 309 p. Tradução: Betha Halpern Gurovitz.
ciedade moderna, em que a industrialização acelerou os processos. Os benefícios
disso se sobressaiam aos problemas, cujas consequências só foram observadas ______. Saturação. São Paulo: Editora Iluminuras Ltda, 2010b. 109 p. Tradução: Ana
em longo prazo. Esse fato, somado à mudança de posicionamento do homem em Goldberger.
sociedade, em que o individualismo deu lugar a reflexão coletiva, resultou em di-
versos movimentos, sendo na moda atualmente, o slow fashion.
MUNHOZ, Júlia Paula. Um ensaio sobre o fast-fashion e o contemporâneo. 2012.
Entrando de fato na transição, este é um processo longo e estamos atravessando 55 f. Monografia (Especialização) - Curso de Estética e Gestão de Moda, Departa-
por ele neste momento, conforme as características descritas nos conceitos de mento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo da Escola de Comunicação e
saturação e imaginário apresentados anteriormente. Artes, Universidade de SÃo Paulo, São Paulo, 2012.
RITZMANN, Iracy Gallo et al. IMAGINÁRIO E RE-PRESENTAÇÃO DAS IMAGENS DE PERFIL
Sabendo que o Fashion Revolution teve o acidente na confecção em Bangladesh1 NO FACEBOOK. Travessias, Cascavel, v. 6, n. 2, p.137-157, 2012.
como motivação principal para o início de suas ações, é possível estabelecer,
através deste movimento, relação com os dois sistemas de produção em análise. SANTOS, Sheila Daniela Medeiros dos. Entre Fios e Desafios: Indústria da Moda,
A confecção da tragédia era mais uma das muitas utilizadas pelas grandes ma- Linguagem e Trabalho Escravo na Sociedade Imperialista. Relacult: Revista La-
gazines de fast fashion, ou seja, este sistema está dando sinais de sua saturação. tino-Americana de Estudos em Cultura e Sociedade, [s.l.], v. 3, p.1-15, dez. 2017.
Como dito anteriormente, este fato representou ao mesmo tempo, o estopim para o
Mensal. Disponível em: <http://periodicos.claec.org/index.php/relacult/article/
surgimento do movimento Fashion Revolution, o qual objetiva questionar as marcas
sobre sua forma de produção e conscientizar o consumidor de moda. Pode-se afir- view/468/238>. Acesso em: 14 fev. 2019.
mar que, a partir do Fashion Revolution, o slow fashion ganhou visibilidade, trazen-
do uma nova forma de refletir sobre tudo o que embasou a era moderna.
Esse ciclo de transição nem sempre é linear e o caminho que cada movimento per-
corre é particular, único e inconstante, influenciado por diversos fatores externos e
internos. O que pode ser observado até o momento é que o Fashion Revolution está
crescendo de forma relevante e ganhando proporções que podem legitimar o slow
fashion. No entanto, outras correntes, diferentes e/ou derivadas do fast, do slow ou
de uma terceira desconhecida, podem surgir e se tornarem as protagonistas desse
movimento cíclico e continuamente em transição.
FRATERNIDADE NA MODA: O ARMÁRIO COLETIVO COMO n.8 enuncia: “Para alcançar o desenvolvimento sustentável e uma qualidade de vida
INSTRUMENTO DE CONSUMO SUSTENTÁVEL mais elevada para todos, os Estados devem reduzir e eliminar os padrões insus-
tentáveis de produção e consumo, e promover políticas demográficas adequadas.”
Luísa Bresolin de Oliveira; UFSC; luisabresolin@hotmail.com (ONU, 2018).
O resgate do “princípio esquecido” de Antônio Maria Baggio, a fraternidade, aplicado Dos 17 objetivos traçados, o objetivo 12 trata da adoção de padrões de produção e
à prática de consumo é a base teórica sob a qual se analisou a iniciativa social do consumo sustentáveis. Dentre as metas do objetivo 12, sugere-se a aplicação do
Armário Coletivo. Plano de Ação para Produção e Consumo Sustentáveis (PPCS), que indica ações de
governo, do setor produtivo e da sociedade na persecução desse objetivo e cons-
Por hipótese, apontou-se a adequação do caso concreto Armário Coletivo como ins- tam redução de resíduos (12.5) e garantia de “informação relevante e conscientiza-
trumento de consumo sustentável, tendo a fraternidade como elo entre o direito in- ção para desenvolvimento sustentável e estilos de vida em harmonia com a natu-
ternacional ambiental e o papel da sociedade na mudança dos padrões de consumo. reza” (12.8). (MMA, 2018). As metas descritas direcionam a produção e o consumo
para a adoção de uma perspectiva de racionalização de recursos e de economia
MARCOS DO DIREITO INTERNACIONAL AMBIENTAL PARA O CONSUMO SUSTENTÁVEL circular, mediante o estímulo de reciclagem, reuso e modificações dos estilos de
vida.
O enfoque acerca do consumo sustentável passou a ser explícito a partir da Con-
ferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, O posicionamento brasileiro em relação ao objetivo 12, conforme documento dispo-
considerada um marco histórico no Direito Ambiental, realizada no Rio de Janeiro, nível no site oficial das Relações Exteriores, é de crítica aos padrões de consumo:
motivo pelo qual ficou conhecida como Rio 92. Nessa Declaração do Rio, o princípio “O Brasil acredita que as discussões em curso sobre os ODS têm colocado dema-
82 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 83
siada ênfase no lado da produção, descurando-se dos padrões insustentáveis ARMÁRIO COLETIVO
de consumo, área que exigirá fortes compromissos dos países desenvolvidos.”
(ITAMARATY, 2014, p.10).
O Armário Coletivo em Florianópolis, idealizado por Carina Zagonel, é descrito como REFLEXÕES
um movimento de intervenção urbana com a finalidade de criar novos hábitos de
consumo. Trata-se, objetivamente, da confecção coletiva de guarda-roupa com Da pesquisa sobre os documentos de direito internacional ambiental, quanto aos
aproveitamento de material e disposição pública deste. A fraternidade é colocada objetivos do desenvolvimento sustentável e especialmente quanto à produção e
em prática com o uso do armário para o compartilhamento de peças de vestuário, consumo sustentável, inferiu-se que a participação social é um dos pilares para a
calçados, acessórios e até mesmo outros objetos. Permite trocas e doações em concretização das metas elencadas. Tanto a Agenda 21, quanto o Processo de Mar-
armários localizados nas ruas, de maneira comunitária, mediante auto-gestão. A rakesh e o ODS 12 fazem referência ao estilo de vida insustentável da contempora-
ideia central é aumentar o tempo de vida útil das vestimentas. Neste ano, foi imple- neidade. No mesmo sentido o Brasil ressaltou a importância da revisão dos hábitos
mentada uma sede fixa em Florianópolis, equipado com ferramentas e materiais de consumo e o O Plano de Ação para Produção e Consumo Sustentáveis brasileiro
para consertos das peças (VIDA SIMPLES, 2019). salienta a necessária educação para consumo sustentável e o convite à participa-
ção da sociedade.
Além do aspecto transformador que o próprio guarda-roupa gera, o movimento co-
labora para a educação e sensibilização por meio de oficinas de costura e upcycle, O Armário Coletivo, iniciativa social de compartilhamento gratuito de guarda-roupa
realização de eventos, palestras e comunicação em mídias sociais. em Florianópolis demonstrou a aplicabilidade das metas do objetivo 12, na busca
de soluções para o consumo sustentável. Nesta prática, a fraternidade fundamen-
tou o elo entre o direito internacional ambiental e o papel da sociedade na almejada
transformação dos padrões de consumo. A fraternidade se revelou objetivamente
em razão da diminuição dos resíduos têxteis (ganho ambiental para as presentes e
84 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 85
futuras gerações), disponibilização de troca sem ônus (ganho econômico e social JALUNALÉ: IDENTIDADE AMAZÔNIDA EM MODA SUSTENTÁVEL
para todos que participam) e subjetivamente, em virtude dos processos de sensibi-
lização e educação que compõem o movimento do Armário Coletivo.
Natália Carvalho Viana de Sousa¹; Lucilene de Carvalho Sousa
Na busca de soluções para as externalidades socioambientais da moda, a aplica- Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento - Universidade Federal do Pará¹; Ateliê Jalunalé
ção da fraternidade tal como identificada na experiência do Armário Coletivo, mos-
tra-se de extrema valia a fim de atender o ODS 12.
Release: Este resumo baseia-se em um relato acerca da produção de moda na
REFERÊNCIAS região Norte do Brasil, apresentando uma marca autoral da Amazônia que tem
como proposta entregar produtos sustentáveis ao mercado de moda. A Jalunalé é
ARMÁRIO COLETIVO. O que é o armário coletivo. Disponível em: https://www.arma- uma marca autoral paraense, que está no mercado desde 2010, produzindo moda
riocoletivo.com.br/comunidade. Acesso em: 20/4/2019.
consciente e sustentável. Suas peças são criadas atrelando estilo, personalidade e
BAGGIO, Antônio Maria (Org). Fraternidade e reflexão politológica contempo- versatilidade, inspiradas e pensadas enquanto moda funcional, que valoriza bem-
rânea. In: O Princípio esquecido. Trad. Durval Cordas, Iolanda Gaspar, José Maria -estar e estilo de vida. As bolsas e roupas da marca são confeccionadas a partir
Almeida. Vargem Grande Paulista, São Paulo: Cidade Nova, 2008, Vol. 2. da técnica do Upcycling, transformando peças descartadas em novos produtos. A
sustentabilidade é o conceito fundamental da marca, bem como os Objetivos do
CASERTANO, Giovanni. Uma introdução à república de platão. São Paulo: Paulus, Desenvolvimento Sustentável (ODS’s- ONU) que norteiam a produção e visão do em-
2011, p. 37. preendimento.
ITAMARATY. Negociações da agenda de desenvolvimento pós-2015: elementos Palavras-chave: Moda Sustentável, Amazônia, Upcycling, ODS’s
orientadores da posição brasileira. Criado em: 9 de setembro de 2014. Disponível
em: http://www.itamaraty.gov.br/images/ed_desenvsust/ODS-pos-bras.pdf. Acesso
em: 20/8/2018.
BREVE HISTÓRICO SOBRE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
JUSTE, Oriol Farrés. La amistad cívica en aristóteles: concordia y fraternidad.
Anales del seminario de história de la filosofia, América do Norte, p. 41-67, n. Está pesquisa buscou identificar e descrever, por meio de um estudo de caso em
32, mar. 2015. Disponível em: <http://revistas.ucm.es/index.php/ashf/article/ uma marca e ateliê de moda, aspectos que pontuem e caracterizem uma proposta
view/48679>. Acesso em: 25/8/2018. de produção sustentável, e que valorize aspectos sociais e culturais da Amazônia.
A experiência também tem por objetivo apresentar alternativas à construção de
MMA. Plano Nacional: Plano de Ação para Produção e Consumo Sustentáveis uma moda marcada com o compromisso social e ambiental, bem como repensar
(PPCS). Disponível em: <http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/ os impactos deste setor.
producao-e-consumo-sustentavel/plano-nacional> Acesso em: 21/8/2018.
Diante da crescente preocupação mundial relacionada a crises ambientais, conse-
VERONESE, Josiane Rose Petry. O direito revestido de fraternidade - Estudos de- quências de sistemas econômicos e de consumo de base capitalista, governantes
senvolvidos no programa de pós-graduação em direito da UFSC / Josiane Petry Ve-
e organizações (privadas e públicas), começam a repensar atitudes e práticas vol-
ronese, Olga Maria Bosch Aguiar de Oliveira e Sergio Ricardo Ferreira Moda (Orgs.).
Florianópolis: Insular. 2016. tadas ao mercado, bens de consumo e meio ambiente. Contudo, essas práticas não
se restringem ao âmbito econômico, mas possuem impacto direto em construções
VIDA SIMPLES. Um guarda-roupa na cidade. Disponível em: sociais e culturais. Neste aspecto, entende-se que, valores socioculturais e econô-
< https://vidasimples.co/transformar/um-guarda-roupa-na-cidade/> Acesso em: micos são indissociáveis em uma sociedade, e impactam diretamente um ao outro.
6/07/2019. Essa ligação e seus impactos nos auxiliam na compreensão de práticas e modelos
econômicos que favoreçam o desenvolvimento social e preservem o meio ambien-
ZAGONEL, Carina. O Futuro Compartilhado. in: Diário Catarinense. Publicado em te, como é o caso do desenvolvimento sustentável. Fruto de uma inquietação com
10/7/2018. https://www.armariocoletivo.com.br/single-post/2018/07/29/O-futuro- os meios de produção, e resultado da conscientização global ocorrida no século
-compartilhado Acesso em: 25/8/2018.
86 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 87
XX, o desenvolvimento sustentável surge contrapondo e questionando a revolução quisas, cerca de US$ 500 bilhões ao ano, em roupas, vão diretamente para lixões e
industrial, e o modelo de desenvolvimento convencional (VAN BELLEN, 2004). aterros.
Em abril de 1987, a Comissão sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, ou simples- Na moda, Manzini e Vezzoli (2011) referem-se à sustentabilidade como responsável
mente, Comissão Brundtland, estabelecida pela ONU a partir de 1983, traz o concei- por permitir o desenvolvimento consciente sem agredir o meio ambiente, e que as
to de desenvolvimento sustentável a público, com a publicação do relatório “Nosso atividades humanas, tanto em nível regional quanto mundial, não devem interferir
Futuro Comum”, que define desenvolvimento sustentável como “[...] aquele que neste desenvolvimento, priorizando que o capital natural não se desgaste, mas siga
satisfaz as necessidades presentes sem comprometer a capacidade de gerações o percurso natural do ciclo da vida.
futuras se desenvolverem, suprindo apenas suas necessidades” (WCED, 1987, p. 43;
Nações Unidas Org., 2019). Frente a todas essas informações alguns questionamentos surgem, relacionados a
produção de moda no Brasil, e mais especificamente na Amazônia. Autores como
OS OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A MODA Egg (1996), afirmam que o modelo de desenvolvimento sustentável é o mais indica-
do para Amazônia, por possuir o objetivo de melhorar a qualidade de vida dos ha-
Frente a este conceito, temos então, um novo modelo para nortear atitudes e prá- bitantes da região, e repensar o gerenciamento racional do ecossistema, incluindo
ticas nas mais diferentes esferas sociais. Pensando nisso, a ONU, desde os anos seu patrimônio sociocultural (SUNKEL, 1986). Logo, a moda na Amazônia também
2000, estabelece parâmetros para nortear práticas sustentáveis em pequena, mé- precisa ser pensada de forma sustentável, valorizando aspectos tradicionais da
dia e longa escala. Em 2015, com o advento da Agenda de Desenvolvimento global cultura local, territoriais e materiais para então sustentar uma identidade sólida re-
“Transformando Nosso Mundo”, surgem os Objetivos do Desenvolvimento Sustentá- conhecida como moda amazônica, valorizando seu potencial enquanto comunida-
vel (ODS). de criativa, e mostrando de que forma o design interfere em processos produtivos e
valores agregados de produtos locais (KRUCKEN, 2009).
Composto por 17 objetivos e 169 metas a serem alcançadas até 2030, os ODS’s são
os seguintes: Erradicação da pobreza; Fome zero e agricultura sustentável; Saúde JALUNALÉ: UMA EXPERIÊNCIA DE MODA SUSTENTÁVEL NA AMAZÔNIA
e bem-estar; Educação de qualidade; Igualdade de gênero; Água potável e sanea-
mento; Energia limpa e acessível; Trabalho decente e crescimento econômico; Neste sentido, a pesquisa em questão, utilizando o método de estudo de caso, obje-
Indústria, inovação e infraestrutura; Redução de desigualdades; Cidades e comu- tivou identificar aspectos sustentáveis em uma marca autoral na cidade de Belém
nidades sustentáveis; Consumo e produção responsáveis; Ação contra a mudança do Pará. A marca, por nome Jalunalé, atua no mercado de moda da região desde
global do clima; Vida na água; Vida terrestre; Paz, justiça e instituições eficazes; 2010, na criação e confecção de peças do vestuário, principalmente bolsas, que
Parcerias e meios de implementação (Nações Unidas Org., 2019). possuem valor sustentável. O estudo buscou aspectos que pudessem classificar a
marca enquanto sustentável em sua produção, em seus aspectos sociais e em seu
As ODS’s podem ser aplicadas em diferentes setores, do individual ao coletivo. A produto final. Para isso, foram realizadas entrevistas e observação com a responsá-
exemplo, temos a moda sustentável, que valoriza e repensa aspectos sociais, cul- vel pela marca, clientes e alunas de projetos sociais em que a marca é parceira.
turais e econômicos em sua produção e no modo de vida de seus consumidores.
Pensar a moda enquanto prática sustentável representa um caminho reverso ao Os objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS’s) serviram enquanto nortea-
que este setor ocupa há décadas, representando não apenas uma alternativa ao dores para identificar atitudes sustentáveis da Jalunalé. Neste aspecto, podemos
meio ambiente, mas um compromisso de reestruturação em suas bases. Sabe-se constatar que, mesmo se tratando de uma iniciativa local, e um projeto relativa-
que a indústria da moda está no topo das indústrias mais poluentes, sendo respon- mente pequeno, a marca satisfaz em alguns níveis e fomenta, objetivos relacio-
sável por 8% a 10% das emissões de gases-estufa, liberando 500 mil toneladas de nados à saúde e bem-estar (ODS3), igualdade de gênero (ODS5), trabalho decente
microfibras sintéticas nos oceanos, todo os anos (VALOR, 2019). e crescimento econômico (ODS8), Consumo e produção responsáveis (ODS 12),
parcerias e meios de implementação (ODS 17). Também foram identificados aspec-
De acordo com a ONU Meio Ambiente, a indústria da moda está avaliada em cerca tos sustentáveis em três níveis: no processo de produção, no impacto social e no
de US$2,4 trilhões, empregando 75 milhões de pessoas em todo mundo. Os núme- produto final e seu processo de comercialização.
ros também apresentam a realidade do descarte de roupas, de acordo com pes-
88 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 89
Partindo das informações necessárias para que se crie moda com conceito de REFERÊNCIAS
sustentabilidade, construindo e desconstruindo uma peça do vestuário ou de aces-
sório em uma abordagem sustentável, Gwilt (2014) afirma que, um design precisa EGG, A. B. La Amazonia posible: recursos, problemas y posibilidades de una de las
conhecer muito bem o ciclo de vida de um produto de moda. Este conhecimento más intrigantes regiones del planeta. In: PAVAN, C. (Org.). Uma estratégia latino-a-
cria possibilidade de se envolver com as questões sustentáveis. A recriação é uma mericana para a Amazônia, v. 3. São Paulo: Fund. Memorial da América Latina/
das ferramentas utilizadas pela marca para produzir suas peças, com o conceito de UNESP, 1996. p. 21-33.
Upcycling.
DELITTI, M. e DERDCKY, P (Orgs.). Terapia analítico-comportamental em grupo.
Upcycling é um dos conceitos da sustentabilidade que agrega valores a um produto Santo André, São Paulo: ESETec Editores Associados, 2008.
ou material que no final de sua vida útil seriam descartados, permitindo assim o KRUCKEN, Lia Design e território: Valorização de identidades e produtos locais/
aproveitamento e prolongando sua utilização. Essa técnica é usada para produzir Lia Krucken. —São Paulo: Studio Nobel, 2009
uma peça nova, remanufaturar ou reformar uma peça do vestuário já existente. No
caso das bolsas da marca Jalunalé, as matérias-primas principais são: tecido da GWILT, Alisson Moda sustentável: um guia prático/ Alisson Gwilt; (tradução Már-
sombrinha, estofado de banco de carro, calças jeans, lona e banner. Todos esses cia Longarço)—t ed—São Paulo:Gustavo gili, 2014
materiais são doados ou encontrados em brechós da cidade.
MANZINI Ézio O Desenvolvimento de Produto Sustentável/Ézio Manzini, Carlo
CONSIDERAÇÕES FINAIS: MODA ENQUANTO RESPONSABILIDADE SOCIAL E ECO- Vezzoli;tradução de ASTRID DE Carvalho.-1.ed.3.reimpr.-São Paulo:Editora da
NOMIA COLABORATIVA Universidade de São Paulo,2011.
Com relação aos impactos sociais, a marca Jalunalé atua em questões voltadas a SUNKEL, O. O marco histórico do processo de desenvolvimento/subdesenvol-
instrumentalização de mulheres em situação de vulnerabilidade social. Em alguns vimento. Rio de Janeiro: Unilivros, 1980.
projetos que a marca é parceira, são oferecidas oficinas de corte e costura como VALOR, Econômico. Indústria da Moda Polui mais que navios e aviões. Da-
ofício para comunidade em geral, contudo, a maior parte dos participantes são niela Chiaretti, 2019. Acessado em: https://www.valor.com.br/empresas/6172305/indus-
mulheres. O ensino à essas mulheres repercutem nas seguintes áreas: autonomia tria-da-moda-polui-mais-que-navios-e-avioes?fbclid=IwAR34E-GXZz1N3kmzRomNSEuFqVJ2BlIppp-T-
financeira, autoestima, dependência afetiva e situações de ansiedade e depressão. 14N9iGn9-ekK1WEeyrN0f5c
Em que muitas mulheres encontram na moda uma alternativa de emancipação e
rede de apoio no grupo contra violência ou outras questões (DELITTI e DERDCKY , VAN BELLEN, H. M. Desenvolvimento Sustentável: Uma Descrição das Principais Fer-
2008) ramentas de Avaliação. Ambiente & Sociedade, v.7, n.1, p.67-87, 2004.
WCED -World Commission on Environment and Development. (1987). Our Common
Por fim, boa parte da comercialização da marca ocorre em rede, em feiras de eco- Future. Oxford University Press, 1987.
nomia criativa e colaborativa, que fomentam empreendedorismo de marcas auto-
rais na cidade de Belém. O movimento de feiras e festivais de moda, proporciona a
movimentação na economia local, e a criação e valorização de uma identidade de
moda sólida na região, considerando a rede de produtores criativos e inovadores,
e a identificação e proximidade com o público consumidor. Essa proximidade pode
ser considerada como um dos aspectos fundamentais para criação de uma cultura
sustentável.
90 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 91
KWANZAA, ELABORAÇÃO DE MINI VITRINE CONCEITUAL Nessa perspectiva, a problemática deste projeto está vinculada à acepção do olhar do
BASEADA NA CELEBRAÇÃO DE VALORES AFRICANOS consumidor habituado a adquirir produtos a partir de um conceito eurocêntrico, mes-
mo que de modo inconsciente. Com isso, objetiva-se, aqui, criar significados a partir da
exposição de produtos para a venda e desenvolver o resgate da essência do Natal sob
Morgana Lovatto Cechin; UFN; morgancechin@gmail.com a visão da cultura do Kwanzaa, com foco no fator socioeconômico da troca financeira e
Flávia Nascimento de Souza Luiz; UFN; flaviacriolando@gmail.com com o exercício de legitimidade da etnia negra no Brasil em relação a fatores morais e
Caroline de Franceschi Brum; UFN; carolinedefranceschi@gmail.com éticos, atraindo um público mais consciente, adepto ao slow fashion.
DESENVOLVIMENTO DO TEMA
Resumo: Nesta pesquisa, apresenta-se o processo de uma mini vitrine a partir do
tema Natal e saldo/liquidação, fundamentado na doutrina pan-africanista, que visa ao Para a elaboração da mini vitrine, denominada “Kwanzaa com os amigos” (Apresen-
desenvolvimento dos povos pertencentes às variadas culturas do continente africano. tada no final deste texto), destinada para a marca Criolando1, referência regional de
A mini vitrine é baseada nas técnicas de montagem e organização do vitrinismo e do produtos desenvolvidos para esse público, propôs-se, no projeto físico, o conceito re-
feitio artesanal, com ênfase na marca slow fashion Criolando. lacionado ao slow fashion e aos valores simbólicos da cultura afro-americana, unindo
as referências da celebração do Kwanzaa2 às dos princípios cristãos do Natal3. Nos dias
Palavras-chave: Design de moda, vitrinismo, cultura afro, slow fashion. atuais, apesar de o Natal influenciar diretamente o consumo e o materialismo no Bra-
sil, a construção ideológica de seus valores religiosos se popularizou, interligando-se à
celebração de fraternidade, amor, compaixão, solidariedade e simplicidade.
INTRODUÇÃO
A Criolando é uma marca que tem como fundamento informar, empoderar e autoafir-
Após o processo de escravização dos povos africanos em países do continente ameri- mar seus consumidores, propondo políticas de consumo mais conscientes. Os pro-
cano, surgiu uma população de predominância marcada pela miscigenação dos povos dutos são elaborados manualmente, incentivando a política do slow fashion, a qual
ameríndios, europeus e africanos. Esse processo deu origem a novas identidades cul- estimula o microempreendedorismo na geração de produtos em pequena escala.
turais e novos formatos de valores adversos às culturas originárias dos variados povos De acordo com Vidal (2014), a moda brasileira ocorreu de forma espontânea, pois faz
provenientes do continente africano. Povos que, anteriormente, eram marcados por uma afirmativa sobre a identidade dos povos presentes no processo de escravização,
suas características fenotípicas e/ou valores ancestrais, passaram, na América, a se que foram forçados a abandonar suas respectivas culturas ao pisar em terras brasi-
reconhecer inicialmente pelos variados tons de pele. leiras. Dessa forma, povos com culturas totalmente diferentes, com desavenças entre
si e/ou impossibilitados de conviver no mesmo espaço, foram forçados a se unificar
Neste estudo, faz-se uma reflexão sobre o Natal e o consumo, por meio de uma pers- durante o processo da diáspora, que formalizou no Brasil a ideologia da existência do
pectiva cultural destinada ao povo afro-americano e suas simbologias representati- indivíduo negro.
vas a fim de celebrar essa época por meio da sua cultura, sua herança e seus valores.
Dessa forma, a cultura do consumo não é fato análogo, mas uma infinidade de cul- Ainda assim, essa diversidade é refletida na moda brasileira. Para Barthes (2005), é
turas que consomem quando cada população expressa suas diversas referências de uma circunstância introdutória de toda conexão entre vestuário e história, pois as
consumo, diretamente conectado às condições culturais, geográficas, idade e status analogias normativas são, diretamente, difusoras de significação. Portanto, a indumen-
financeiros, assim como fatores comportamentais (SVENDSEN, 2010). Segundo Barthes tária é um fator da ciência de valores, ou seja, não há como falar sobre moda no Brasil
(2005), o sistema do vestuário e da moda é definido por correlações normativas que sem retratar a pluralidade cultural. Vincular as duas celebrações, Kwanzaa e Natal, na
regulam a disposição das peças no usuário definido, captando sua essência e natureza estrutura visual da mini vitrine facilitou o entendimento do tema e as tradições instituí-
social. As relações e os valores do vestuário e da história são veículos de significação. das socialmente.
Portanto, a indumentária é fator da ciência dos valores que capta o modo e o grau de
participação do usuário na sociedade, seus conceitos psicológicos ou sociopsicológi-
cos e a interação no grupo em que vive. 1. Marca Santa-mariense de moda afro-brasileira que desenvolve produtos a partir de estéticas e
simbologias africanas, concebida por Flávia Nascimento, uma das autoras do presente trabalho.
2. Derivado da frase “matunda ya kwanza” que significa “primeiros frutos”. Celebração africana que
se inicia no dia 26 de dezembro e é finalizada dia 1º de janeiro.
3. Data religiosa iniciada no dia 25 de dezembro em celebração à figura central do cristianismo,
Jesus Cristo.
92 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 93
O projeto foi destinado a consumidores e pesquisadores do mercado da moda que BARTHES, R. Inéditos: Vol. 3 - imagem e moda. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
visam à geração de produtos que aludem à identidade e realização pessoal, criando
afinidade, sentido simbólico e troca de informações entre consumidores. O produto é COX, A. Kwanzaa: The Unity Way!. Kansas City, MO. Disponível em: http://www.kwan-
direcionado para um público que prima por reafirmar valores pessoais, o que estimula zaacoloringbook.com/kwanza_Service.pdf. Acesso em: 19 jun. 2019.
o consumidor a adquiri-lo. Dessa forma, os produtos expostos figurativamente na mini
vitrine identificam e legitimam a estética da população negra e reafirmam simbologias SVENDSEN, Lars Fr. H. Moda: uma filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
históricas inseridas nas sociedades tradicionais africanas, fundamentando a criativida-
de na construção de um padrão estético dos produtos. VIDAL, J. O africano que existe em nós brasileiros. Rio de Janeiro: Babil Onia, 2014.
O espectador é atraído por meio de técnicas e métodos que direcionam o olhar para os
produtos da vitrine, como forma de distribuição, ponto focal e também por linhas ho-
rizontais e verticais compostas pelo cenário e pela posição dos elementos figurativos,
proporcionando estímulo visual e aproximação da realidade da cultura africana.
O objetivo deste trabalho foi fortalecer a essência do Natal juntamente com valores,
simbologias e herança que referenciam a cultura africana, como fator socioeconômico
e como dinâmica de originalidade da etnia negra no Brasil, propondo uma estrutura
organizada e de coerência lógica e justificada. Portanto, a moda é ferramenta de cará-
ter comunicativo e, aliada ao design emocional e cultural, estimula uma propriedade
intelectual a fim de compartilhar mensagens e contextos instrutivos.
LOCAL, ARTESANAL E SOB MEDIDA: UM ESTUDO DE CASO SOBRE A sustentabilidade na moda pode ser buscada de diferentes maneiras dentro das
A BUSCA POR UMA PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL NAS MICROEMPRESAS suas distintas esferas (ambiental, social e econômica), no entanto, neste trabalho
vamos apresentar a produção local, artesanal e sob medida da empresa relatada
no estudo de caso a seguir.
Sabrina de Fátima Ribeiro Thomé, Ateliê Evolução Eco, contato@evolucaoeco.com.br
Juliana Aparecida Thomé, Ateliê Evolução Eco, contato@evolucaoeco.com.br ESTUDO DE CASO
Ana Lucia Pazeto Braz, Ateliê Evolução Eco, contato@evolucaoeco.com.br
A marca Ateliê Evolução Eco1, uma microempresa gerida por três mulheres, locali-
zada na cidade de Cerquilho, interior de São Paulo, foi criada a partir da necessida-
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo, através de um estudo de caso fo- de de uma das idealizadoras, na espera da sua primeira filha, conciliar flexibilidade
cado no Ateliê Evolução Eco, demonstrar como é possível para microempresas do para cuidar da sua família e fazer algo que realmente gostasse. Além disso, rara-
ramo da moda promover a sustentabilidade por meio de uma produção local, arte- mente ela e suas amigas encontravam no mercado local vestimentas com as quais
sanal e sob medida. se identificassem.
Palavras-chave: Produção local. Produção artesanal. Sob medida. Moda sustentável. A atividade principal da marca se baseia na criação e desenvolvimento de vesti-
mentas, tendo como norte a moda atemporal e sustentável, prezando por uma pro-
dução consciente e humanizada.
INTRODUÇÃO
PRODUÇÃO LOCAL
O mercado mundial da moda, viu ocorrer uma mudança em muitos de seus crité-
rios, quando as sociedades passaram a olhar com maior atenção, para uma série Para que se gere melhor entendimento acerca dos fatores que fazem desta, uma
de problemas de cunho social e ambiental que as produções massificadas vinham empresa que preza pela sustentabilidade através do fomento do desenvolvimento
causando, onde o único objetivo é a obtenção de lucros e, acabam por gerar produ- local, listou-se alguns pontos cruciais de atuação: toda a equipe é constituída por
tos sem qualidade e de baixa durabilidade (PESSOA, 2012). mulheres habitantes da cidade em que está inserida, todos os serviços terceiros
são tomados de organizações localizadas também na cidade e, os principais for-
Para muitos críticos, a lógica da produção e da distribuição globalizadas dirigi- necedores de matérias primas são de empresas locais, sendo possível devido ao
das pela economia está no cerne da insustentabilidade, pois a grande escala fato de Cerquilho ser um pólo da indústria têxtil com grande número de confecções
e o anonimato inerentes ao sistema da moda globalizadas perpetua nossa infantis e produção de tecido.
incapacidade de entender seus impactos ecológicos e sociais. Passar a uma
escala menor de atividade muda as relações entre materiais, pessoas, luga- A valorização local, é um agente importante para a promoção de desenvolvimento
res, comunidades e meio ambiente (FLETCHER; GROSE, 2011, p. 106). socioeconômico de acordo com JARA (1998, p.127), por, promover mudanças que
reduzem desigualdades sociais, fortalecem a democracia participativa, distribuem
Olhar para esses problemas fez com que o consumidor mudasse seu comporta- o poder político, geram oportunidades de emprego e renda e, ao mesmo tempo
mento de compra e passasse a valorizar marcas com conceito sustentável, valori- sustentam os ecossistemas dos quais a economia local depende.
zando questões econômicas bem como aspectos ambientais e sociais, conhecido
no mundo da moda pelo conceito “slow fashion”: PRODUÇÃO ARTESANAL
Neste sistema, não há lançamentos constantes, pois as peças são perenes, A produção do Ateliê Evolução Eco, é também artesanal, sob encomenda e, poden-
com modelagens cuidadosamente acertadas, com design atemporal que per- do ser sob medida. “Pode-se entender que habilidades artesanais bem desenvol-
sistem por mais de uma estação, produzidos com tecidos nobres, naturais ou vidas apoiam ideais democráticos, pois seu potencial é amplamente distribuído
eco inteligentes, são, portanto, duráveis e de alta qualidade. Alguns conceitos entre nós, não atribuído apenas àqueles que têm posses ou privilégios” (FLETCHER;
como aproveitar a mão de obra local, matérias primas e aspectos culturais GROSE, 2011, p. 148).
da região, concentrar-se em uma logística que seja consciente com gastos de
energia e gás carbônico são essenciais. (PEREIRA; NOGUEIRA, 2013, p. 3).
1. Mais informações sobre a empresa citada podem ser encontradas em: https://www.atelieevolucaoeco.com.br/
96 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 97
As peças de design atemporal são desenvolvidas uma a uma, com toda atenção e rabilidade de seus produtos. É, como também conclui Carvalhal (2017), uma nova
trabalho manual que uma peça artesanal demanda, incluindo a parte do processo geração de consumidores, conscientes, que buscam experiência e sentido no pro-
de tingimento muito característico da marca. A técnica artística que utilizamos nos cesso de compra.
nossos tingimentos é o tie-dye (amarrar-tingir), processo que tem como objetivo
criar formas livres das cores escolhidas (utilizamos corantes orgânicos), essas REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
formas serão definidas pelas amarrações. São possíveis diferentes tipos de amar-
CARVALHAL, A. Moda com propósito. Andre Carvalhal. São Paulo: Editora Paralela,
rações e, cada uma delas vai resultar em um desenho distinto. Isso é o que mais 2017.
gostamos nessa técnica, cada amarração é uma surpresa diferente e nova, liberta
todo nosso lado intuitivo e criativo. FLETCHER, K; GROSE, L. Moda & sustentabilidade: design para mudança. São Pau-
lo: Editora Senac São Paulo, 2011.
Desta forma consegue-se manter a riqueza dos detalhes, qualidade e durabilidade
dos produtos desenvolvidos. De acordo com Morais, Carvalho e Broega (2011), qua- JARA, C. J. A sustentabilidade do desenvolvimento local: desafios de um pro-
lidade e durabilidade são os caminhos que a slow fashion busca, para, conseguir cesso em construção. Recife: Seplan/PE, 1998.
apresentar ao consumidor modelos atemporais, de acabamento impecável que
despertam nele, uma ótica de exclusividade. MORAIS, C.; CARVALHO, C.; BROEGA, C. O “Corporative Wear” como proposta de valo-
rização dos resíduos têxteis enquanto agente de ReDesign de uma marca de ves-
PRODUÇÃO SOB MEDIDA tuário street-wear. Proceedings Designa, Portugal, 2011. Disponível em: http://hdl.
handle.net/1822/19246. Acesso em: 09 jul. 2019.
A produção por encomenda sob medida, abraça o movimento slow fashion, uma
vez que “as roupas sob medida são produzidas buscando o menor consumo de te- PEREIRA, D. R.; NOGUEIRA, M. F. Moda sob medida uma perspectiva do Slow Fashion.
cido, aproveitando os menores pedaços” (PEREIRA; NOGUEIRA, 2013, p. 7). Colóquio de Moda, 9., Fortaleza, 2013. Disponível em: http://www.coloquiomoda.
com.br/anais/Coloquio%20de%20Moda%20-%202013/COMUNICACAO-ORAL/EIXO-
Trabalhar desta maneira, permite ainda, que, não se forme um estoque demasiado -1-DESIGN_COMUNICACAO-ORAL/Moda%20sob%20medida%20uma%20perspecti-
e, que, haja um maior controle quanto a compra de matérias primas. va%20do%20slow%20fashion.pdf. Acesso em: 10 jul. 2019.
É importante lembrar e ponderar, que, quando uma marca abre espaço para a PESSOA, K. S. G. Slow fashion x fast fashion: consumo para estar na moda ou con-
produção sob medida, acaba por contribuir com o desenvolvimento social, visto sumo consciente. Revista Costura Perfeita, São Paulo, n 16, set. 2012, p. 92.
que promove a acessibilidade, pois, qualquer pessoa, dentro de qualquer corpo,
peso, medida, ou orientação sexual, poderá adquirir suas vestimentas.
CONCLUSÃO
LOGÍSTICA REVERSA APLICADA AO SEGMENTO DE BIJUTERIAS poderia ser a solução para tornar a produção mais sustentável.
A coleta de bijuterias usadas é realizada por meio de parcerias com empresas em
ações de conscientização, caixa postal ou entregues pessoalmente para a auto-
Daniele Fernandes Trugillo; Remimo Bijoux; dtrugillo@remimo.com.br ra. Apenas no primeiro semestre deste ano já foram coletados, por meio desses
www.remimo.com.br | @remimobijoux canais, mais de 160 kg de peças que não eram mais utilizadas. Abaixo podemos
verificar como funciona o ciclo de logística reversa aplicada na Remimo Bijoux na
figura 1:
Resumo: O mercado da moda tem uma parcela alta na geração de resíduos, de-
vido a padrões impostos de troca de coleções ou novas tendências, acabando por
impulsionar a confecção de produtos com ciclo de vida curto. O presente trabalho
analisa este tema na literatura, com o objetivo de destacar um modelo de logística
reversa no mercado de moda, especificamente no segmento de bijuterias.
INTRODUÇÃO
Entre suas mais importantes atividades está o design for recycling (MEDINA, 2006), REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
em que aspectos como criar laços emocionais entre a peça e o usuário, pensar no
bem-estar social, reduzir perdas, durabilidade do produto, papel do usuário, gestão MACHADO, Gleysson B. Ciclo de vida do produto: aberto ou fechado. 2013. Dispo-
dos resíduos e desmontagem da peça são levados em conta. nível em: <http://www.portalresiduossolidos.com/ciclo-de-vida-de-produto-aberto-
-ou-fechado/>. Acesso em: 09 jul. 2019.
Na Remimo Bijoux todos eles são considerados, principalmente o desenvolvimento
de peças que tenham melhor durabilidade, com substituição de matérias-primas, MANZINI, Ezio; VEZZOLI, Carlo. O Desenvolvimento de Produtos Sustentáveis: Os
como corrente de metal por fios e tiras de couro ou tecido, para que pessoas com requisitos ambientais dos produtos industriais. Tradução de Astrid de Carvalho. São
alergia a metais não preciosos também possam usufruir de uma peça que irá durar Paulo: Edusp –Editora da Universidade de São Paulo, 2008.
mais tempo.
MEDINA, Heloísa Vasconcellos. Produção e Uso Sustentável de Materiais: Gestão
Vale ressaltar que o ecodesign não se limita apenas ao design das peças, esten- Ambiental e Análise do Ciclo da Vida. 61º Congresso Anual da ABM – 24 a 27 de ju-
dendo-se às embalagens do produto. A Remimo Bijoux já utilizou sacos de retalhos lho. Rio de Janeiro, 2006.
de tecido como embalagem e, atualmente, emprega tecido de juta, que é biodegra-
dável. A empresa possui o selo eureciclo, que faz a compensação ambiental dos NOVAES, Antônio Galvão. Logística e gerenciamento da cadeia de distribuição:
papéis utilizados nas embalagens, como tags, etiquetas e caixas para entrega via estratégia, operação e avaliação. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004
Correios.
POPCORN, F.; MARIGOLD, L. Público-alvo mulher: 8 verdades do marketing para
CONSCIENTIZAÇÃO conquistar a consumidora do futuro. Rio de Janeiro: Campus, 2003.
O público feminino é predominante na compra dos produtos da Remimo Bijoux. Por SALCEDO, Elena. Moda ética para um futuro sustentável. Barcelona: G. Gili, Ltda,
meio das redes sociais e participação em eventos e palestras, a empresa trabalha 2014.
na conscientização sobre o consumo sustentável deste público, que é influenciador
e decisor nas compras, podendo contribuir - e muito - para a disseminação do ensi-
no ambiental. “A evolução através da mulher mudará para sempre o modo como os
produtos e serviços são desenvolvidos, comercializados e distribuídos.” (POPCORN
E MARIGOLD, 2003, p. 26). A Remimo Bijoux acredita que, a partir da mulher e de
todas as ações promovidas com ela e para ela, toda uma cadeia será impactada e
catequizada ao consumo consciente.
CONCLUSÃO
No meio do caminho tinha um armário, um Armário Coletivo. Ao parafrasear Carlos Tal qual o poema de Carlos Drummond de Andrade, o projeto Armário Coletivo, que
Drummond de Andrade e Duarte (2019), cita-se o projeto Armário Coletivo em ana- pode ser compreendido como um sinal de mudança cultural, busca fomentar refle-
logia aos obstáculos encontrados na jornada da vida. Porém, diferente do poema – xões, porém no sentido do consumo colaborativo. A partir da literatura investigada,
publicado em julho de 1928, no número 3 da Revista de Antropofagia – o projeto não observa-se que o projeto idealizado por Carina Zagonel e Albano Bernardes pode
possui o intento de causar bloqueio ou desconforto, antes o oposto, busca fomentar ser compreendido enquanto Mercado de Redistribuição na cidade de Florianópolis
o conforto aos cidadãos que necessitam e a reflexão aos que podem compartilhar (SC).
de bens materiais que não lhes são mais úteis (DUARTE, 2019).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Segundo entrevistas realizadas com Carina Zagonel e Albano Bernardes, o projeto ARMÁRIO COLETIVO (Santa Catarina). Onde estão os armários? 2019. Disponível
Armário Coletivo surgiu em meados de 2016, com um gesto tímido: Carina deixou em: https://www.armariocoletivo.com.br/. Acesso em: 13 jul. 2019.
um par de tênis usado na esquina de casa, no bairro Vargem Pequena, no norte
de Florianópolis (SC), junto com uma placa com os dizeres “Deixe aqui o que você BOSTMAN, Rachel; ROGERS, Roo. O que é meu é seu: como o consumo colaborativo
não usa mais, mas que pode servir para outros”. Não tardou para que o tênis fosse vai mudar o nosso mundo. Porto Alegre: Bookman, 2011.
levado e outros objetos começassem a surgir no local, como peças de vestuário,
ferramentas de carpintaria, mudas de plantas e brinquedos infantis. Relatam os en- DUARTE, Maria Júlia. Um guarda-roupa na cidade. 2019. Disponível em: https://
trevistados que, ao se surpreender com os itens deixados à esquina, surgiu-lhes a www.armariocoletivo.com.br/single-post/2019/07/06/Um-guarda-roupa-na-cidade.
ideia de construir um armário, isto é, um aparato físico para acomodá-los de modo Acesso em: 13 jul. 2019.
a atrair outros (e mais) transeuntes interessados em compartilhar o que possuíam
em excesso. LISBOA, Armando de Melo. Economia Compartilhada/Economia Solidária: inter-
faces, continuidades, descontinuidades. Revista NECAT (Núcleo de Estudos
Desde então, o projeto só cresceu: em 2019, a capital catarinense passou a possuir de Economia Catarinense). Florianópolis, v. 6, n. 11, p.8-32, jan./jun. 2017. Dis-
14 unidades (armários) espalhadas entre os bairros insulares, e a capital paranaen- ponível em: http://stat.intraducoes.incubadora.ufsc.br/index.php/necat/article/
view/4854/4975. Acesso em: 13 jul. 2019.
se, por enquanto, recebeu uma unidade (ARMÁRIO COLETIVO, 2019). Segundo os en-
trevistados, juntos, os armários recebem aproximadamente 550 objetos por dia, o
NUNES, Nathália Rispoli. Motivação para a prática do Consumo Colabo-
que perfaz uma média de 40 itens em cada unidade instalada. Para Carina e Albano, rativo: um estudo de caso sobre armários coletivos. 2017. 50 f. TCC (Gradua-
a economia gerada pela rotatividade de objetos compartilhados alcança o equiva- ção) - Curso de Administração, Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
lente a R$ 9,8mil por mês em cada armário. Porto Alegre, 2017. Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/hand-
le/10183/178674/001064606.pdf?sequence-=1&isAllowed=y. Acesso em: 13 jul.
Por fim, a sequência de etapas para implementação de uma unidade do Armário 2019.
Coletivo é descrita pelos entrevistados, resumidamente, como: (i) recebimento de
um pedido de uma comunidade, empresa ou instituição de ensino; (ii) mapeamento ROHDEN, Simoni Fernanda et al. Consumo colaborativo: economia, modis-
das áreas de circulação do local; (iii) elaboração do projeto do aparato físico (ar- mo ou revolução? Desenvolve: Revista de Gestão da Unilasalle, [s.l.], v. 4, n.
mário); (iv) coleta de materiais para manufatura do aparato físico; (v) confecção do 2, p.9-24, 6 jul. 2015. Centro Universitario La Salle - UNILASALLE. http://dx.doi.
aparato em colaboração com o grupo solicitante; (vi) produção de material gráfico org/10.18316/2316-5537.15.1. Disponível em: https://revistas.unilasalle.edu.br/index.
a ser fixado no aparato e/ou em seu entorno; (vii) realização da entrega do armário, php/desenvolve/article/view/1648. Acesso em: 13 jul. 2019.
com apresentação do projeto e inserção dos primeiros objetos a serem comparti-
lhados; e (viii), ao final, suporte ao grupo solicitante por meio de palestras, eventos TANABE, Patrícia Sanae. Mercado de Redistribuição e consumo colaborati-
e treinamentos. vo: garimpando no Brick de Desapegos. 2013. 112 f. TCC (Graduação) - Curso de
Comunicação Social - Publicidade e Propaganda, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 2013. Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/hand-
le/10183/88697. Acesso em: 13 jul. 2019.
106 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 107
MODA E COMUNICAÇÃO: O MARKETING DIGITAL Desta forma, é possível compreender como a indústria de moda se apropriou do
E O ESTÍMULO À CULTURA DO CONSUMO EXCESSIVO mercado e do sistema comunicacional e encontrou nele tanto a resposta quanto a
saída para aumento do consumo e, consequentemente, o aumento da sua receita.
Vale destacar que tanto as mídias impressas quanto as eletrônicas, também são
Bruno Amorim Aguiar; Ninoflô Brechó; brunoamorimaguiar@gmail.com sustentadas economicamente em grande parte pela publicidade de moda, “por
Miguel Lucio dos Reis; Ninoflô Brechó; miguel.reis.13@outlook.com isso, seria possível afirmar que seu principal cliente não é o leitor, mas o anuncian-
te” (FERRARI, 2010, p. 9). É por meio do denominado “consumo de signos” (MARTINS;
ASHTON, 2018, p. 64) e das relações de poder que o sistema que se entende por
Resumo: O presente resumo analisa o papel do jornalismo e das mídias contem- moda se estabelece como uma forma nata de comunicação.
porâneas no complexo sistema em que a moda opera. Por meio deste estudo, é
discutido a função de tais mídias acerca da indústria de moda, o impacto no com- A CRESCENTE CULTURA DO CONSUMO EXCESSIVO NA ERA DO MARKETING DIGITAL
portamento dos consumidores, sua influência no estímulo ao consumo desenfrea-
do, bem como a importância da ética na comunicação e no mercado têxtil. Com a globalização e os avanços tecnológicos, a internet vem sendo a tecnolo-
gia mais utilizada nos últimos anos. Muito além de ser usada como um potente
Palavras-chave: Indústria de moda. Comunicação. Consumo. meio de comunicação, acesso abrangente à informação e veiculação de notícias,
a internet tem servido também, como ferramenta para empregar e gerar renda. A
inserção das mídias sociais no cotidiano e a expansão dos blogs desencadearam
INTRODUÇÃO novos formatos de comunicação, dando a determinados indivíduos grande poder de
influência social, transformando seus canais pessoais em plataformas lucrativas
O sistema que conecta moda e comunicação muito se concentra na finalidade do de venda e publicidade.
mercado. No sistema vigente, foram esses os caminhos encontrados para o au-
mento da receita e a conservação de práticas tradicionais. Ainda neste objetivo, Essas novas plataformas de comunicação permitiram aos usuários a possibilidade
os mecanismos de estímulo ao consumismo se atualizaram com a ascensão do de transformar seu espaço em um meio de estimular o consumo variado, deno-
marketing digital e dos influenciadores de consumo que transformaram as rela- minadas posteriormente como bloggers ou blogueiros. Assim, o marketing digital
ções da indústria de moda. encontrou nos influenciadores o elo entre os perfis empresarias e o grande público
(SOUSA; PINTO, 2017). A proximidade de interação, a linguagem acessível e o forte
A partir da abordagem sociológica de Barnard (2003), torna-se necessário com- apelo visual que envolvem suas publicações resultaram para que esse ofício logo
preender o complexo sistema envolto nos variáveis ambientes em que a moda ganhasse espaço e visibilidade.
atua. Propõe-se, o desvelamento desta estrutura que se alinha entre mídias, im-
prensa e merchandising, onde os setores da comunicação e da moda se entrecru- O efeito dos blogueiros na sociedade foi instantâneo, seguindo a lógica imediatista
zam. da internet. Tamanha influência despertou interesse das empresas, incluindo as
fast fashion, que vislumbraram com êxito essa aproximação com o público e pas-
MODA COMO SISTEMA: COMUNICAÇÃO saram a utilizar esses indivíduos para publicitar e expor seus produtos em suas
plataformas digitais, transformando-os em potentes influenciadores de consumo
Da comunicação em geral para o nicho mídia, estão incorporadas relações de po- na sociedade. De acordo com Sousa e Pinto (2017), esse processo pode ser enten-
der, já que “o significado da moda envolve não só as coleções e os profissionais, dido como a transição das mídias sociais para mídias de consumo de moda, uma
estilistas em si (e suas intenções), como também, os jornalistas, que concedem vez que, o espaço para a interatividade que a internet proporciona provocou nas
significado a estes e à moda através da forma como a descrevem/representam” empresas e grandes varejistas o interesse em alçar novos consumidores e mesmo
(HINERASKY, 2006, p. 7). Nessa perspectiva, a mídia também é responsável por atri- alcançar o público tradicional de forma mais direta, transformando o blogueiro em
buir valores aos objetos e as tendências (FERRARI, 2010), ou seja, existe uma con- uma ferramenta do capitalismo ditando o que e com que frequência deveríamos
cordância que envolve poder e mercado entre as narrativas que serão legitimadas, consumir.
entendendo essas narrativas desde tendências, culturas (a ocidental, por exemplo),
assim como marcas e empresas.
108 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 109
JORNALISMO DE MODA ALINHADO AOS DIREITOS HUMANOS: CAMINHOS PARA REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
UMA INDÚSTRIA ÉTICA E SUSTENTÁVEL
BARNARD, Malcolm. Moda e Comunicação. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.
É de extrema importância ressaltar o outro lado dessas narrativas e propor mais
reflexões sociais em torno do mundo da moda. Segundo Dias e Daniel (2018), um CONCEIÇÃO E SOUZA, Carolina. Autenticidade e Slow Fashion – possibilidades e ca-
estudo multidisciplinar que envolva os direitos fundamentais se manifesta como minhos para um consumo mais consciente. Fórum Fashion Revolution, São Paulo,
um caminho para o jornalismo de moda a serviço na erradicação da escravidão p. 73-75, abr, 2018. Disponível em: <https://www.fashionrevolution.org/wp-content/
moderna. É dever do profissional de jornalismo, a partir da sua essência investiga- uploads/2019/01/FR_forum_2018.pdf>. Acesso em: 15 de março de 2019.
tiva, apurar e atuar como agente e denunciante a todas as práticas desconhecidas
da indústria têxtil que ferem diretamente ao indivíduo, conforme explicitado na DIAS, Camila Carmona; DANIEL, Marli. Consumo e impacto socioambiental. Anais
Declaração Universal dos Direitos Humanos, indo de encontro com o inciso I do ar- do 14º Colóquio de Moda, 2018. Disponível em: <http://www.coloquiomoda.com.
tigo 6º do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros1. Por conseguinte, “a mídia, ao br/anais/Coloquio%20de%20Moda%20-%202018/Grupos%20de%20Trabalho/GT%20
evidenciar os quase inacreditáveis desastres sociais, as mortes e consequências 10%20-%20Moda%20e%20Sustentabilidade/Camila%20Carmona%20Dias%20-%20
geradas pelo trabalho análogo ao escravo diretamente associado ao fast fashion, CONSUMO%20E%20O%20IMPACTO%20SOCIOAMBIENTAL.pdf>. Acesso em: 22 de abril
contribui para a busca de uma moda ética” (DUARTE, 2015, p. 12). de 2019.
Se faz necessário, uma responsabilização no que tange a mídia e o jornalismo DUARTE, Gabriela Garcez. O Fast-fashion e o fator humano: uma abordagem para a
diante do mercado de moda. Se como já comprovado, o sistema que consiste em conscientização da produção e do consumo e eliminação do trabalho escravo con-
mídias e moda está combinado e interligado, todos os fenômenos e consequências temporâneo. Anais do 11º Colóquio de Moda, 2015. Disponível em: <http://www.
que advêm de tal engrenagem sistêmica (aumento do consumo, acidentes traba- coloquiomoda.com.br/anais/Coloquio%20de%20Moda%20-%202015/ARTIGOS-DE-GT/
lhistas, impactos ambientais, etc.) também dizem respeito a todos os campos que GT10-MODA-E-SUSTENTABILIDADE/GT-10--FAST-FASHION-E-O-FATOR-HUMANO.pdf>.
constituem este sistema enquanto faces responsáveis da indústria, inclusive, o Acesso em: 15 de março de 2019.
jornalismo. No revés desta situação, ocorreria uma “reflexão do papel do consumi-
dor dentro do capitalismo – uma desconexão do fluxo capitalista de commodities FERRARI, Mariana Varotto. A influência dos blogs no jornalismo de moda. 2010.
descartáveis e compras rápidas e uma ligação a questões mais profundas, como Monografia apresentada à Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio
apropriação, descarte, necessidade e poder de compra” (CONCEIÇÃO E SOUZA, 2018, de Janeiro para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social, habilitação
p. 75), ou seja, um enfrentamento mais crítico em relação ao mercado de moda e em Jornalismo. Disponível em: <https://pantheon.ufrj.br/bitstream/11422/2974/1/
suas consequências. MFerrari.pdf >. Acesso em: 22 de abril de 2019.
Embora existam blogueiros e plataformas que estimulem maneiras mais conscien- HINERASKY, Daniela Aline. Jornalismo de moda: questionamento da cena brasileira.
tes de consumo e que usem suas redes para estimular práticas mais sustentáveis, Apresentado ao NP de Pesquisa e Jornalismo, do VI Encontro dos Núcleos de
seus espaços ainda atingem pouco alcance se comparado aos outros canais, ma- Pesquisa da Intercom, 2006. Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/
nifestando assim, a urgência de tratar os temas que abarcam o complexo sistema nacionais/2006/resumos/R1428-1.pdf>. Acesso em: 29 de abril de 2019.
de moda, entre eles os mais fulgentes: as relações contemporâneas de trabalho e
MARTINS, Raquel Denise Salvalaio da Silva; ASHTON, Mary Sandra Guerra. A moda
a escassez dos recursos naturais, que comprovam a relevância em promover um
de brechós na ascensão do consumo consciente. Fórum Fashion Revolution, São
acesso à informação de qualidade, entendendo o papel da mídia e do jornalismo Paulo, p. 63-67, abr, 2018. Disponível em: <https://www.fashionrevolution.org/wp-
aqui, como parte do processo imprescindível na construção de uma realidade mais -content/uploads/2019/01/FR_forum_2018.pdf>. Acesso em: 12 de maço de 2019.
responsável e de fato, sustentável.
SOUSA, Suzanna Rani Cristina Alves de; PINTO, Liliane Araújo. Moda na Web: A
transformação das mídias sociais para mídias de consumo de moda. Anais do 13º
1. De acordo com o Art. 6º: é dever do jornalista: I - opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opres- Colóquio de Moda, 2017. Disponível em: <http://www.coloquiomoda.com.br/anais/
são, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível Coloquio%20de%20Moda%20-%202017/COM_ORAL/co_5/co_5_MODA_NA_WEB.pdf>.
em: <https://www.fenaj.org.br/wp-content/uploads/2014/06/04-codigo_de_etica_dos_jornalistas_brasileiros.
pdf>. Acesso em: 20 de maio de 2019. Acesso em: 10 de abril de 2019.
110 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 111
MOVIMENTO RECICLO PROGRAMA DE COLETA podem causar pelo descarte incorreto, a C&A lançou em setembro de 2017, o Movi-
DE ROUPAS USADAS DA C&A mento ReCiclo pensando em contribuir com a mudança desse cenário.
COMO FUNCIONA
Donatti, C&A Brasil; francislei.donatti@cea.com.br
Mariana Vieira; C&A Brasil; mariana.vieira@cea.com.br O Movimento ReCiclo é uma alternativa para os clientes da C&A e demais interessa-
Thailla Calabrez; C&A Brasil; thailla.calabrez@cea.com.br dos destinarem as roupas que não querem mais para reuso ou reciclagem. Trata-se
Leandro Ito; C&A Brasil; leandro.ito@cea.com.br
de um meio de retornar os produtos de forma segura a um novo ciclo de vida. Atual-
mente está presente em mais de 80 lojas espalhadas pelo país, no escritório cen-
tral e nos centros de distribuição da C&A Brasil. Recebe roupas em boas condições
Resumo: O Movimento ReCiclo é uma iniciativa para oferecer aos clientes da C&A para reuso, além de ser também uma opção para o descarte de peças que não
uma alternativa de descarte para roupas usadas, de qualquer marca (desde que podem ser reaproveitadas, como peças avariadas ou retalhos.
estejam higienizadas e de acordo com o regulamento), que atualmente está dis-
ponível em mais de 80 lojas pelo Brasil. O mecanismo do Movimento ReCiclo é simples e totalmente voluntário. Basta o
interessando levar as peças que não interessam mais nas lojas C&A participantes,
Palavras-chave: reuso, reciclagem, roupas, economia circular podendo ser de qualquer marca, desde que estejam higienizadas e de acordo com
o regulamento, e depositar na urna do programa, facilmente identificada na área de
vendas.
COMO COMEÇOU O MOVIMENTO RECICLO
Com essa iniciativa, nossas lojas passaram a oferecer além experiência de com-
Na C&A acreditamos que todos devem ser capazes de se vestir e sentir bem todos pra, uma alternativa de retorno desses produtos que serão encaminhados para um
os dias, ao mesmo tempo que apoiam uma boa qualidade de vida para aqueles que descarte ambientalmente correto, evitando que as roupas sejam descartadas incor-
fazem nossas roupas e um planeta mais saudável. Queremos que nossos clientes retamente em locais inadequados, podendo tornar um agente poluidor em recursos
confiem em nós para fazer a coisa certa, para que possam comprar nossos produ- hídricos, solo, ou em aterros sanitários. No Movimento ReCiclo, essas peças gan-
tos sem precisar escolher entre o que é sustentável e o que não. ham a oportunidade de serem reaproveitadas ou recicladas, gerando valor socio-
ambiental.
Para seguirmos nesse caminho, temos uma Plataforma Global de Sustentabilidade
como norte, dividida em três pilares de atuação: Produtos Sustentáveis; Rede de Após o recebimento nas operações participantes, os responsáveis pelo Movimento
Fornecimento Sustentável e Vidas Sustentáveis. Dentro dessa Plataforma esta- ReCiclo enviam essas peças para a triagem que é realizada por pessoal treinado
belecemos metas até 2020 contemplando os três pilares de atuação. em um dos nossos centros de distribuição, resultando na separação entre peças
em boas condições e que podem ser usadas, e peças sem condições de uso, nor-
No pilar Produtos Sustentáveis, temos metas para oferecer produtos fabricados malmente avariadas, retalhos e sobras de tecidos.
com matérias-primas mais sustentáveis, contemplando a nossa atuação em ter
100% os produtos de algodão sendo de algodão mais sustentável e 67% de todos Essas peças terão dois destinos possíveis: peças em bom estado são enviadas ao
nossos produtos comercializados sejam oriundos de matérias-primas de fontes Centro Social Carisma, instituição que realiza bazares sociais e reverte a renda em
mais sustentáveis. Globalmente, estamos em 49% de produtos com matérias-pri- prol de projetos na comunidade onde está inserido. Já as peças sem condições
mas mais sustentáveis e continuamos trabalhando para aumentar esses índices de uso são enviadas à Retalhar, que realiza o processo de manufatura reversa, ou
até 2020. seja, higienização, retirada de aviamentos e encaminhamento para a desfibração,
cujo produto dessa última etapa é absorvido pela indústria para estofados de au-
Nesse pilar, também temos o compromisso com a economia circular, tanto no tomóveis mobiliários de escritório entre outras finalidades
desenvolvimento de produtos pensando no próximo ciclo de vida quanto em alter-
nativas para esses próximos usos. Diante disso e motivados por dados alarmantes
da geração e descarte incorreto de resíduos e o impacto ambiental que as roupas
112 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 113
Além de por si só ser uma alternativa para evitar descarte incorreto de roupas,
o Movimento ReCiclo possui parcerias com instituições que têm um viés social,
uma delas, o Centro Social Carisma, que realiza bazares cujo lucro é revertido em Infográfico com a mecânica do Movimento ReCiclo
benefício da organização que trabalha com crianças e jovens da comunidade. A
outra parceira, Retalhar, é um negócio social, certificado pelo Sistema B, que enx-
erga no processo de reaproveitamento de resíduos têxteis uma ferramenta para
valorizar as pessoas.
Entendemos que ações como essa são de extrema importância no setor de varejo
têxtil, impulsionando que outros players no setor se conectem a isso e passem a
oferecer a seus clientes alternativas como essas, fomentando uma sociedade que
valoriza cada vez mais práticas sociais e ambientais.
Para 2019, nosso plano é continuar a expansão para mais lojas, chegando a 130,
até o final do ano. Além de aumentarmos as opções de recebimento dessas peças,
o Movimento ReCiclo também representa uma forma de comunicar aos nossos cli-
entes e qualquer interessado nossa atenção com a sustentabilidade e a economia
circular e um convite a se conectarem com essa jornada.
114 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 115
O PAPEL DAS MÍDIAS SOCIAIS EM TEMPOS DE ATIVISMO DIGITAL OS NOVOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
Resumo: Este resumo expandido busca compreender como a hashtag #QuemFez- Recuero (2012, p. 128) entende que as redes sociais na Internet são percebidas
MinhasRoupas, criada pelo movimento Fashion Revolution, contribuiu para pressio- como representações, em que as interações entre os indivíduos são apontadas
nar as marcas de moda a se posicionarem em prol da sustentabilidade e de modos como representativas das conexões dos mesmos. É através do engajamento e
de produção mais éticos ao motivar os consumidores a questionarem as empresas das interações com as outras pessoas que os participantes são expostos a novas
antes de realizarem uma compra. ideias, diferentes pontos de vista e novas informações; as trocas sociais que cons-
troem conversações públicas, coletivas, permeando grupos e sistemas diferentes,
Palavras-chave: ativismo digital; mídias sociais; sustentabilidade; moda. migrando e espalhando-se, de modo a semear novos comportamentos, poderiam
ser, então, consideradas conversações em rede (2012, p. 121).
INTRODUÇÃO Ainda para Recuero (2012, p. 110), a hashtag é uma forma de criar microcontextos.
Funcionaria como uma etiqueta, capaz de classificar a mensagem dentro de ma-
Nos últimos anos, a discussão em torno da moda sustentável, aliada à exigência crocontextos específicos que não se referem apenas ao uso da hashtag, mas tam-
de que as empresas adotem modos de produção mais éticos, cresceu significativa- bém ao sentido construído e adaptado pelos próprios usuários.
mente. Em um mundo em que a conectividade é onipresente, podemos nos reunir e nos
organizar de maneiras geograficamente ilimitadas e altamente distribuídas, com
No dia 24 de abril de 2013, o edifício Rana Plaza, em Bangladesh, desabou e levou velocidade e alcance sem precedentes. O novo poder é feito por muitos; é aberto
inúmeros trabalhadores à morte, deixando outros feridos. A tragédia sensibilizou e participativo (TIMMS e HEIMANS, 2018, p. 10 e p. 15). Podemos pensar, então, em
profissionais de moda que, em um conselho global, decidiram criar o movimento uma democratização da informação.
Fashion Revolution.
ATIVISMO DIGITAL E O CONSUMO DE MODA
A campanha #WhoMadeMyClothes (#QuemFezMinhasRoupas) surgiu como uma
forma de aumentar a conscientização sobre o custo real da moda e seu impacto no Para discutir as questões de consumo de ativismo e moda sustentável, por outro
mundo, levando em conta todas as fases do processo de produção e consumo. lado, foram utilizadas as obras de André Carvalhal (2016), Lilyan Berlim (2012),
Em tempos de ativismo digital, o papel das mídias sociais na promoção de ideias é Izabela Domingues e Ana Paula de Miranda (2018).
de extrema importância. O uso das redes para tais fins, portanto, pode também ser
uma forma de nós, cidadãos, exercemos cidadania enquanto participantes de uma Domingues e Miranda (2018, p. 31) argumentam que o ato de consumir não se sepa-
sociedade. Dessa maneira, a discussão em torno do verdadeiro papel das mídias ra da cultura, estando intrinsecamente associado aos processos sociais. Cada vez
sociais na difusão de ideais específicos torna-se imprescindível. mais, o discurso ativista está presente para além das ruas.
Hoje, as práticas de consumo e os próprios produtos/serviços oferecidos dialogam
Originalmente escrito como um artigo, a metodologia utilizada para executar o tra- com posicionamentos pessoais, de maneira que são vivenciadas como uma afir-
balho foi a revisão bibliográfica de materiais que abordam o tema da moda susten- mação política da sociedade da cultura.
tável, além das questões do consumo consciente e do ativismo digital.
Foi realizada, também, a interpretação dos dados referentes à performance da Carvalhal (2016, p. 56 e p. 57) aponta que as ferramentas de autopublicação forne-
campanha #WhoMadeMyClothes de abril de 2018, disponibilizados no site do cidas pela internet deu poder às pessoas, de modo que o empoderamento social,
Fashion Revolution. tecnológico e conceitual teve a capacidade de ampliar nosso nível de consciência,
colocando-nos acima das marcas. O consumidor atual é mais do que público-alvo:
116 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 117
O PAPEL DAS MÍDIAS SOCIAIS NO PROCESSO DE INOVAÇÃO usadas a sua principal fonte de renda, enquanto outras perderam seus
DAS EMPRESAS DE MODA DE MADUREIRA empregos e viram o ramo de brechós como uma alternativa viável. E, por
fim, moradores de diferentes locais vão até Madureira aos sábados devido à
O CASO DAS BRECHOLEIRAS
grande oferta e baixo preço das roupas, tornando o evento mais um atrativo
cultural do bairro, bem como importante economicamente.
Anna Clara Paranhos Botto Maia; ESPM Rio; annaclarapbm@gmail.com
Para o desenvolvimento desse projeto foi realizada uma pesquisa bibliográ-
Orientador: Profa. Dra. Ana Erthal; ESPM Rio
fica com o objetivo de compreender questões conceituais relacionadas
aos modelos de negócio dos brechós e o processo de inovação e a moda,
assim como a influência das mídias digitais nas empresas. Concomitante-
Resumo: Esta pesquisa tem como objeto de estudo a investigação sobre
mente, a pesquisa consistiu no monitoramento do grupo do Facebook das
o uso das mídias sociais nas empresas de moda feminina participantes
Brecholeiras utilizado para as vendas, chamado Vitrine Virtual, para analisar
do Brecholeiras, evento semanal de venda de roupas usadas no bairro
como se dão as relações virtuais entre as expositoras e compradoras. E por
Madureira, subúrbio do Rio de Janeiro. Ademais, busca compreender
fim, foi adotada uma pesquisa de caráter qualitativo direcionada às expos-
qual é o papel desses meios de comunicação no processo de inovação
itoras e fundadoras do Brecholeiras para compreender suas percepções
desses negócios e o impacto da Economia Criativa no desenvolvimento
acerca do evento.
urbano do bairro.
Justifica-se a condução desta pesquisa pela importância que a economia
Palavras Chave: Brechós, mídias sociais, periferia, inovação, Economia
criativa tem no desenvolvimento econômico do Rio de Janeiro. O mercado
Criativa.
de moda de segunda mão possibilita a reintegração de peças da indústria
da moda ao comércio, ganhando um novo significado econômico e fazendo
parte da chamada Economia Circular. A economia criativa também é de
INTRODUÇÃO
suma importância no que tange à revitalização do espaço urbano. Visto que
Madureira sofre, assim como a cidade do Rio de Janeiro como um todo, com
Madureira, também conhecida como “Capital do Subúrbio”, é um bair-
a violência, tendo quatro vezes mais homicídios que a Zona Sul, a valori-
ro central da Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, sendo referência
zação de práticas criativas é importante no processo de transformação do
cultural e comercial para os bairros adjacentes. A dinâmica comercial
estado vigente.
de Madureira e sua importância cultural a tornam o bairro com maior
concentração de estabelecimentos formais da Zona Norte, e a presença
REFLEXÕES:
da população flutuante pode chegar a dobrar diariamente, visto que ele
dispõe de atrativos a moradores de diferentes bairros, sejam de lazer,
De acordo com Gambin (1998), ao inovar, uma empresa cria condições
trabalho ou serviços. Madureira, portanto, posiciona-se como um ter-
de sustentar o seu crescimento e a sua lucratividade. Da mesma forma,
ritório fértil para o negócio da moda.
Scott (2006) aponta a inovação como um caminho para os pequenos
negócios ampliarem suas perspectivas de crescimento, lucratividade
Esta pesquisa analisa o crescente segmento de roupas de segunda mão,
e competitividade, especialmente para o setor da moda, que apresenta
presente em Madureira no evento semanal Brecholeiras. Iniciado em 2016
desafios com a globalização e reestruturação do processo produtivo.
como apenas um grupo de trocas de roupas no Facebook entre mulheres
Apesar dos brechós não serem uma novidade, a forma como roupas de
em Madureira, atualmente acontece todos os sábados na Central Única das
segunda mão são vendidas hoje vem passando por mudanças significa-
Favelas (CUFA), embaixo do Viaduto Madureira, e reúne mais de 20 exposi-
tivas, graças aos adventos tecnológicos.
tores. Devido ao crescimento do evento, as organizadoras estão no proces-
so de patentear o nome Brecholeiras, pois perceberam que começaram a
Ao se referir ao crescimento da popularidade dos brechós, o cenário
surgir grupos pelo Brasil com o mesmo nome após delas. E o impacto dele
virtual é palco para a nova etapa do movimento que teve início há
foi tão grande que algumas das expositoras fizeram do comércio de roupas
120 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 121
dois séculos atrás e agora habita uma nova plataforma. No caso das As donas de brechós do Brecholeiras se assemelham às pequenas
Brecholeiras, a inovação ocorre não apenas pelo uso das redes sociais, marcas autorais da Zona Sul do Rio de Janeiro, do chamado circuito de
mas também pelo prolongamento do contato virtual, que acaba sendo ateliês (FGV, 2011), no que diz respeito à comunicação com suas com-
físico no dia do evento. As compradoras têm a opção de comprar no dia pradoras por meio das redes sociais. Possuem uma base de seguidoras
da feira aos sábados, ou de reservarem suas peças online pelo grupo engajadas com as postagens, e que fazem mídia espontânea do brechó
do Facebook e retirarem-nas no dia do evento. Nesse grupo (atualmente por se identificarem com o serviço prestado por ele. Além disso, a inter-
com 111.309 membros, 14 moderadores e 120 Brecholeiras) as exposi- ação com as clientes permite uma melhor curadoria das roupas a serem
toras postam fotos e valores das peças, e são responsáveis por admin- vendidas, já que as donas passam a entender o estilo e tamanho mais
istrar suas clientes. A administração do Brecholeiras tem como função utilizados pelas suas compradoras.
a coordenação geral do evento e do grupo virtual, mas as vendas são
responsabilidade individual das expositoras vendedoras. Devido ao preço baixo das roupas e pela ausência de preocupação com
tendências e grifes de moda, o Brecholeiras de Madureira é considerado
A importância das mídias sociais no caso do evento Brecholeiras faz-se um brechó popular. Sua finalidade é oferecer roupas baratas e em bom
presente desde o momento da sua concepção. A rede social mais utiliza- estado, e não necessariamente a um público-alvo específico. Ele desper-
da, o Facebook, foi decisiva em primeiro lugar para que o contato entre as ta interesse não apenas por preço, mas também pode fazê-lo pelo sig-
fundadoras fosse estabelecido no mundo virtual, em seguida culminando nificado de exclusividade que algumas consumidoras atribuem às peças
na criação do grupo. Não podemos afirmar que o Brecholeiras aconteceria encontradas. Quanto às motivações das compradoras, podem ser desde
se não fosse pelas redes sociais, mas comprovamos que, com elas, es- o preço baixo até a experiência de “garimpar”. As motivações para a
tabeleceu-se um cenário propício para o seu crescimento. Em seguida, o venda são aquecer o mercado e criar uma fonte primária de receita, con-
Facebook foi importante para dar visibilidade e divulgar o encontro que as siderando que muitas estavam desempregadas antes de se tornarem
Brecholeiras faziam. Serviu, e ainda serve, como a porta de entrada para empreendedoras nesse ramo. As vendedoras também não se limitam
futuras consumidoras e até mesmo vendedoras. E, por fim, o Facebook fun- apenas à venda, também são consumidoras do Brecholeiras, fomentan-
ciona como ferramenta de exposição das roupas, motivo pelo qual o grupo do ainda mais a comunidade.
é denominado Vitrine Virtual.
Em suma, as mídias sociais são, como já exposto ao longo do trabalho,
O processo de compras atualmente não necessariamente envolve a in- potentes ferramentas digitais. Cabe, então, saber utilizá-las de ma-
teração no Facebook, visto que, pelo seu reconhecimento e tamanho, o neira que sejam benéficas a todos os agentes envolvidos. No caso do
Brecholeiras já é um evento que atrai pessoas diretamente para a CUFA Brecholeiras, já beneficiam tanto as expositoras, quanto as clientes.
de Madureira. Entretanto, de acordo com uma organizadora, há “(...) uma Compreender como essas interações acontecem, portanto, nos dá es-
interação muito grande através dessas mídias.” que pode ser, dentre al- paço para explorá-las da maneira mais inteligente possível, a fim de
guns benefícios, justificada pela eficácia na comunicação entre a vende- melhorar ainda mais esse evento de moda de segunda mão. Por ele
dora e as potenciais consumidoras. agradar não apenas as compradoras e vendedoras, mas também a
economia local, a cultura, e o meio ambiente, promovendo a circulari-
Outras mídias sociais foram identificadas no processo de venda de algumas dade e ressignificação de peças de roupa, reafirma-se também a força
expositoras, como o WhatsApp e o Instagram, entretanto não são relevantes que a moda pode exercer sobre os territórios, sobretudo quando suste-
para o funcionamento do Brecholeiras em si, funcionando apenas paralela- ntável, como ocorre no Brecholeiras.
mente ao evento. A relevância das mídias sociais no caso das Brecholeiras
deve-se, portanto, totalmente ao Facebook, visto que foi ele o responsável REFERÊNCIAS:
pela criação, crescimento e manutenção do evento. O entendimento dessas
interações virtuais é importante não só para o estudo das novas formas de CARVALHO, Rodrigo da Silva. O processo de aprendizagem e inovação
comunicação e vendas, mas também para que sejam feitas melhorias nas das empresas de moda na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
estratégias das mesmas. UFRJ/COPPE, 2018.
122 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 123
CASTRO, Amanda. A construção carioca da categoria subúrbio e o PRÁTICAS COTIDIANAS PARA A OTIMIZAÇÃO
bairro de Madureira. 39º Encontro Anual da Anpocs GT09; De cidades a DA VIDA ÚTIL DE PRODUTOS DE MODA
cidade no Brasil: tempos e/ou espaços.
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Territórios da moda: a indústria da Nayara Chaves Ferreira Perpétuo; Instituto Federal do Maranhão; nayarachaves@ifma.edu.br
moda na cidade do Rio de Janeiro. Relatório de pesquisa. 2011. Dis-
ponível em: http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/1806097/DLFE- 230501.
pdf/Territoriosdamodaapresentacao.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2018. Resumo: Produtos de moda, especialmente roupas, quando projetados para terem
sua vida útil otimizada, são eficazes quando o consumidor é capaz de dar continuida-
GAMBIN, Anthony J. The Value of Innovation. Management Accounting. de às ações de design incutidas no produto durante o uso. Esta pesquisa visa, além
Montvale, setembro, 1998. estreitar as distâncias entre quem produz e quem consome, compreender como as
práticas cotidianas podem ser relevantes para a revolução da moda.
SCOTT, A. J. The changing global geography of low-technology, labor-inten-
sive industry: clothing, footwear and furniture. World Development. v. 34, n. Palavras-chave: moda, consumo, sustentabilidade.
9, pp. 1517-1536, 2006.
Salcedo (2014) nos diz que é uma percepção comum na indústria da moda a isenção
de responsabilidade por parte do designer no momento que o produto passa para
as mãos do consumidor. Tal distanciamento gera inúmeros problemas. Por acredi-
tar que uma mudança cultural perpassa pela transposição da linearidade para uma
relação cíclica, como são propostos os pensamentos sustentáveis, propusemos na
segunda edição da Semana Fashion Revolution em São Luís – MA uma roda de con-
versa intitulada “Moda para durar”, na qual participaram consumidoras e designers.
As trocas desse momento geraram a produção desse artigo que elenca ações coti-
dianas que direcionam para o consumo consciente de produto de moda.
A roda de conversa foi mediada pela designer que desenvolveu em 2017 uma disser-
tação na qual foi feita a adequação para produtos de moda das oito ações possíveis
dentro da estratégia de design para a otimização da vida de produto, proposta por
Manzini e Vezzoli (2008) e apontadas no banco de dados Eco.cathedra, desenvolvido
pelo Politécnico de Milano – POLIMI, sendo elas: projetar a duração adequada (1),
projetar a fidelidade(2), facilitar a atualização e adaptabilidade(3), facilitar a manu-
tenção(4), facilitar o reparo(5), facilitar o reuso (6), facilitar a re-fabricação (4) e in-
tensificar o uso(8).
124 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 125
Para uma mudança cultural na qual o maior vilão dos produtos de moda é a obsoles- Por fim, a ação de intensificar o uso (8) foi apresentada a partir dos Sistemas Produto
cência simbólica foram acionados os conceitos de slow fashion e fast fashion como Serviços (PPS), tais como aluguel de roupas, bazar e brechó. Durante a troca de infor-
ação para projetar a duração adequada (1). Foi explicitado pelas consumidoras que a mações foi possível rapidamente compartilhar a existências de brechós na cidade
aquisição de produto em uma loja de fast fashion nem sempre implica no descarte e instigar os participantes a conhecerem e passarem a considerar esta como uma
acelerado, outros aspectos como a identificação com o produto, acabamento, mate- fonte alternativa para a aquisição de roupas.
riais utilizados e preço também são considerados para dar continuidade no dia a dia
ao conceito atribuído. Por fim, percebemos que as consumidoras reconhecem as ações de design para a
otimização da vida útil de produtos de moda ao serem questionadas diretamente. No
A minimização do número de partes componentes e simplificação o produto como dia a dia, provavelmente, também são capazes de reconhecer e considerar o uso tais
forma de garantir a fidelidade (2), foram consideradas eficazes, pois oportunizam ações, mas apenas um estudo de observação dieta no cotidiano é capaz de validar
mais possibilidades de combinações e sobreposições, garantindo ao usuário o exer- discursos e práticas. Para essa pesquisa o momento de debate, diálogo e troca de
cício da individualidade. Para uma das consumidoras que também é consultora de experiências já sinalizou um ganho significativo para a mudança na moda, uma vez
imagem e estilo essa característica dos produtos costuma ser muito bem vinda para que conecta pessoas em prol de um interesse comum e mostra possibilidades reais
uma transição gradual comportamento, pois ao mesmo tempo que garante grande de mudança de comportamento para um movimento bubble-up.
quantidade de possibilidades de uso requer o exercício da criatividade e pouca quan-
tidade de produtos. Nesse sentido, é possível reconhecer como uma via de mão dupla entre designers e
consumidores o processo de transição em direção à sustentabilidade. Assim, o de-
A ação de facilitar a atualização e adaptabilidade (3) foi verificada em peças modifi- signer, deixa a função de desenvolvedor de produtos para ser intérprete de deman-
cáveis ou personalizáveis como forma de solucionar problemas, dentre eles: varia- das ambientais e sociais, mediando, valorizando e facilitando a emersão de novas
ção de tendências de moda ou mudanças corporais, além de peças multifuncionais maneiras de sociabilização, estilos de vida e identidade na moda. O consumidor,
ou reversíveis, diminuindo a necessidade de consumo de produtos distintos. Para por sua vez, também assume novo papel enquanto designer difuso, como nos diz
muitas consumidoras essa característica é vinculada diretamente a uma vantagem Manzini (2017), ao considerar todos capazes de projetar soluções para os problemas
econômica. que enfrentamos.
As características funcionais dos produtos também foram consideradas. A este fa- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
tor está intimamente ligada a ação de facilitar a manutenção (4) através do uso
de aviamentos em padrão comercial e acessível, tecidos ecológicos, tecnológicos e MANZINI, Ezio. Design, when everybody designs: An Introduction to Design for
inteligentes. A incompreensibilidade de etiquetas informacionais foi apontada como Social Innovation. Cambridge: MIT Press, 2015. 241p.
um entrave para a manutenção adequada dos produtos podendo, inclusive, invia-
bilizar o uso de um produto. As participantes apontaram: a necessidade de rever MANZINI, Ezio; VEZZOLI, Carlo. O desenvolvimento de produtos sustentáveis: os
os materiais que são confeccionadas as etiquetas, pois normalmente incomodam requisitos ambientais dos produtos industriais. São Paulo: Editora da Universi-
em contato com a pele, e, também, a educação do consumidor para a leitura dos dade de São Paulo, 2008.
códigos visuais ou alteração da forma de explicar como devem ser feitas a lavagem,
secagem e uso de ferro de passar. PERPÉTUO, Nayara Chaves Ferreira. No cabide: a percepção das digital influencers
sobre a estratégia de design para otimização de protudos. 2017. 150 f. Dissertação
As ações de facilitar o reparo (5), reuso (6) e re-fabricação (7) oportunizam a con- (Programa de Pós-Graduação em Design) - Universidade Federal do Maranhão, São
tinuidade do uso indo contra um modelo de descarte considerando as funções uti- Luís, 2017.
litárias dos produtos e aliando os consumidores no processo, desenvolvendo uma
corresponsabilidade. Assim, as consumidoras no bate papo evidenciaram a prática SALCEDO, Elena. Moda ética para um futuro sustentável. São Paulo: GGmoda,
de doação de peças, trocas entre pessoas conhecidas, ajustes e reparos e customi- 2014.
zações. Elas também comentaram a ignorância quanto à composição dos tecidos e
destinação correta das fibras.
126 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 127
A PRODUÇÃO ARTESANAL E O RESGATE movimento trabalhista contesta que as multinacionais estão arrochando os sa-
DA DIGNIDADE DO TRABALHADOR lários forçando os trabalhadores a competir com a mão de obra barata do tercei
mundo2.
Lara Veiras Collares; Universidade Federal de Pelotas; veirascollares@gmail.com Em uma sociedade de consumo, a “vida normal” é a dos consumidores preocupa-
dos em escolher entre a grande variedade de oportunidades, sensações prazerosas
e ricas experiências que o mundo oferece. Uma “vida feliz”, segundo a definição
Resumo: O macro modelo atual de produção de fast fashion não é capaz de manter dessa cultura, é uma vida assegurada contra o fastio, uma vida em que sempre
seus milhões de trabalhadores adequadamente. Um novo consumidor obriga as “acontece algo”: algo novo, excitante; e excitante, sobretudo por ser novo. Entretan-
empresas a repensarem o desenvolvimento social desses trabalhadores resgatan- to, temos, a infelicidade dos consumidores que deriva do excesso e não da falta de
do sua dignidade e indo na contramão deste macro modelo. escolha. “Vamos às compras” pelo tipo de imagem que gostaríamos de vestir e por
modos de fazer com que os outros acreditem que somos o que vestimos.3
Palavras-chave: trabalho, dignidade, fast fashion, slow fashion, produção artesanal
Mantem-se, dessa forma, um ambiente que se retroalimenta. Capitalistas buscan-
do lucro, investimento na cultura do consumo e trabalhadores necessitados de
O capitalismo, enquanto sistema econômico, encontra fundamento na geração, alguma opção de trabalho que lhe propicie – talvez - um mínimo de dignidade.
acumulação e reprodução do capital de forma ilimitada, por meio, principalmente, Chegamos, assim, a uma crise. Testemunhamos o esgotamento de um modelo de
da exploração do trabalhado humano. Estima-se que, atualmente, uma em cada organização econômica, produtiva e social, com suas respectivas expressões na
seis pessoas no mundo trabalha em algum setor da indústria mundial da moda, esfera ideológica, simbólica e cultural.4
fazendo dela a indústria mais dependente do trabalho da Terra.
No Brasil, de acordo com pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística
A produção globalizada é baseada na produção terceirizada para economias de e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), sobre as condições de trabalho de parte de
baixo custo. Aqueles que estão no topo da cadeia de valores escolhem onde esses mão de obra subcontratada, 45,5% dos “terceirizados” sem vínculo de emprego,
produtos serão fabricados. Assim, a fábrica muda para outro lugar onde possa também chamados de trabalhadores por conta própria entre 2000 e 2009, nas prin-
ter um menor custo. Quanto mais aumentam a competitividade e a concorrência, cipais regiões metropolitanas do Brasil, desenvolviam as atividades sem instala-
maiores são as suas consequências. Duas manifestações são mais graves: a pre- ções fixas. Desse montante, ¼ fazia da própria residência o local de trabalho, sendo
carização da força humana que trabalha e a degradação crescente na relação entre predominante a ausência de qualquer adaptação do ambiente, ou seja, a inobser-
homem e natureza conduzida pela lógica voltada prioritariamente para a produção vância de regras de ergonomia e de segurança do trabalho.5
de mercadorias sem responsabilidade social.
Apenas na região metropolitana da cidade de São Paulo, durante o ano de 2014,
Trata-se, portanto, de uma destrutividade que expressa uma crise estrutural con- foram atendidas seis ocorrências, nas quais libertadas noventa e nove pessoas,
temporânea: destrói-se a força humana que trabalha, destroçam-se os direitos so- oriundas da Bolívia, Peru e Haiti. Os trabalhadores encontravam-se presos em
pequenas oficinas, em precárias condições de alojamentos e sujeitos à jornada
ciais, torna-se predatória a relação produção/natureza, criando-se uma sociedade mínima de doze horas. Na maioria dos casos, a documentação pessoal foi retida
do descartável, mantendo-se, entretanto, o circuito reprodutivo do capital.1 pelo “patrão”, para evitar fugas, ocorrendo privação de alimentos e até agressões
físicas.6
Desde a Era Industrial, os trabalhadores ficam tão emaranhados nos ritmos da ma-
quinaria mecânica, que frequentemente descrevem sua própria fadiga em termos
de máquina – queixando-se de estarem “desgastados” ou passando por um “esgo-
tamento”. Nos países industrializados, a preocupação com a questão do emprego 2. RIFKIN, Jeremy. O Fim dos Empregos: o contínuo crescimento do desemprego em todo o mundo. São Pau-
tem levado a crescentes conflitos ideológicos entre grupos opostos. Os defensores lo: M. Books do Brasil, 2004, p. 288.
3. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 87.
do livre mercado acusam os sindicatos de obstruírem o processo de globalização 4. CANTOR, Renan Vega. Crisis Civilizatória. Disponível em: http://www.herramienta.com.ar/revista-
-herramienta-n-42/crisis-civilizatoria. Acesso em 1º de dez. 2017.
do comércio e de incitarem o povo com apelos xenofóbicos ao protecionismo. O 5. KROST, Oscar. O lado avesso da reestruturação produtiva: a “terceirização” de serviços por “fac-
ções”. Blumenau: Nova Letra, 2016, p. 120.
6. KROST, Oscar. O lado avesso da reestruturação produtiva: a “terceirização” de serviços por “fac-
1. ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as Metamorfoses e a Centralidade do Mundo do
ções”. Blumenau: Nova Letra, 2016, p. 170
Trabalho. 10 ed. São Paulo: Cortez, 2005, p. 176.
128 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 129
Essa realidade obrigou muitas marcas a reverem seu modo de produção e a rela- Essa nova cultura exige do homem contemporâneo uma consciência histórica, en-
ção com os trabalhadores. Na contracultura, surge hoje um consumidor que tem gajada em seu tempo, apta a compreender as exigências da vida presente local e
a vida nas próprias mãos, que não aceita mais se encaixar em padrões comporta- global e capaz de atuar solidária e responsavelmente nestes dois níveis.
mentais e de segmentação conhecidos. Não é somente público-alvo (ou compra-
dor).7 Um consumidor que está mais aberto para estabelecer relacionamentos com Estamos, de certa forma, conectados a todos esses trabalhadores que nos locais
marcas que ele respeita ou que se conectam com os valores percebidos, como a mais distantes e nas piores condições, fizeram nossas roupas. Assim, somos,
dignidade dos trabalhadores. também, responsáveis por eles. A produção artesanal, e não mais em larga escala,
mantém o trabalhador como parte viva da sociedade, como sujeito de direitos ca-
A dignidade da pessoa humana deve ser compreendida como vedação da instru- paz de viver dignamente.
mentalização humana, ou seja, da coisificação do outro, da completa disponibiliza-
ção do outro, no sentido de que se está a utilizar outra pessoa apenas como meio REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
para alcançar determinada finalidade. Explorar ou compactuar com tal prática é
atentar contra a dignidade do outro. ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as Metamorfoses e a Cen-
tralidade do Mundo do Trabalho. 10 ed. São Paulo: Cortez, 2005.
Entendendo-se a globalização como um fenômeno irreversível, e tendo-se a cons-
ciência das transformações ocasionadas em face da nova sociedade, por certo as BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
relações laborais serão também modificadas a fim de uma adequação exatamente
como ocorreu na passagem da sociedade pré-industrial para a sociedade indus- CARVALHAL, André. Moda com propósito: manifesto pela grande virada. São
trial. Vive-se um tempo de constantes mudanças, caracterizado pelas alterações Paulo: Paralela, 2016.
das estruturas sociais, não sendo diferente em relação ao processo produtivo.
CANTOR, Renan. Disponível em: http://www.herramienta.com.ar/revista-herramien-
A produção sob demanda alinhada ao slow fashion talvez seja uma das alternativas ta-n-42/crisis-civilizatoria. Acesso em 01/12/2017.
mais revolucionárias a favor do futuro da moda e do planeta. Ela viabiliza de forma
inteligente a mudança de cultura na relação quantidade/preço/qualidade e, sobre- RIFKIN, Jeremy. O Fim dos Empregos: o contínuo crescimento do desemprego
tudo, nas relações de trabalho.8 em todo o mundo. São Paulo: M. Books do Brasil, 2004.
A People Tree, por exemplo, moda de comércio equitativo que começou há 20 anos
no Japão, considera o desenvolvimento social dos trabalhadores e o meio ambiente
como algo essencial no que fazem. Uma forma de gerar crescimento econômico
mas sem pagar um preço tão alto.
No Brasil já existem modelos de negócios inovadores, que se relacionam com essa
nova era. A OSKLEN talvez tenha sido a primeira marca de moda brasileira a trazer
um propósito claro de usar a moda para conscientizar as pessoas sobre as ques-
tões ambientais mais graves.9
PUZZLE: AUMENTANDO AS POSSIBILIDADES desses bens. Outros pontos ora percebidos são a rapidez do descarte (ou
seja, o curto período de uso das roupas) e o papel do consumidor, mais
DE USO DO VESTUÁRIO INFANTIL
precisamente o poder de escolha deste.
ambiental e climática que temos vivido. Essa preocupação ambiental chegando ao As peças desenvolvidas fazem parte de um projeto de coleção intitulado de Puzzle,
universo infantil é comprovada pelos movimentos que crianças e adolescentes têm que significa quebra-cabeça em inglês, justamente por trazer uma atmosfera de
feito na Europa, liderados por Greta Thumberg que desde 2018 protesta todas as brincadeira para o momento de se vestir. Para as transformações das peças, as
sextas-feiras no parlamento de Estocolmo sobre as mudanças climáticas. crianças podem participar de forma ativa da montagem, criando um vínculo com o
que vestem. As roupas foram desenvolvidas utilizando diferentes tipos de moletons
Após a pesquisa de comportamento e de consumidor, o ponto seguinte de como base, para garantir o conforto e a liberdade de brincar, correr e pular, ao
análise foi focado em marcas e projetos de produtos que acompanham o ciclo mesmo tempo em que vestem cores vibrantes, vindas de fios desfibrados e com
de crescimento infantil. Um dos projetos pesquisados é o do designer Ryan Mario peças que as acompanharão por muito tempo. As funcionalidades foram obtidas
Yasin, que no seu projeto de conclusão da graduação na Royal College of Arts, através de botões de pressão de plástico, cordões, botões e caseados.
desenvolveu um tecido plissado que se expande e estica conforme a criança vai
crescendo. No campo do mobiliário, a empresa Meu Móvel de Madeira desenvolveu CONSIDERAÇÕES FINAIS
uma cama que ganha e perde elementos de acordo com a função necessária para
a idade da criança, como proteção lateral, cabeceira de urso e pés adaptáveis. A ideia do projeto foi criar alternativas que diminuam a necessidade constante
de troca de roupa dentro do guarda-roupa infantil. Além da preocupação com o
A partir das pesquisas realizadas foram desenvolvidas algumas propostas que aumento do tempo de uso das peças, que é fundamental para um design que siga
pretendem aumentar o tempo de uso das peças infantis, tanto através de ajustes os princípios de sustentabilidade, as roupas desenvolvidas prezam pela conexão
no comprimento e no tamanho da roupa, que pode ser usada por crianças das crianças com o vestir, de uma maneira lúdica, divertida e consciente, já que
de diversas idades, com peças intercambiáveis (Figura 1), quanto através da essa conexão é o que fará com que elas cuidem e usem suas roupas com carinho.
transformação na própria função da peça, como é o exemplo do casaco que pode
ser utilizado também como mochila (Figura 1). Foi fundamental fazer uma pesquisa aprofundada de consumidor, entendendo
critérios antropométricos e ergonômicos do vestuário infantil, e percebendo as
sutilezas e necessidades de uma infância ativa. Entretanto, percebeu-se também
a importância da experimentação de tecidos e aviamentos junto com as crianças,
ouvindo atentamente suas reações e reclamações, já que a proposta apresentada
aqui é uma novidade aos seus guarda-roupas. É apenas dando voz, ouvindo o
público infantil, e experimentando neles as peças que o resultado do projeto pode
ser positivo, já que, junto com o Planeta, eles são os principais interessados nas
peças que usarão.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
QUEM FEZ MINHAS ROUPAS? Além dos impactos ambientais, o trabalho escravo, criado desde os primórdios da
humanidade, ainda persiste no panorama social e se evidencia em fast fashion.
Pode ser descrito em dois pontos de vista: transmissão de capital humano e dis-
Igo Yossi Lima Fonseca; Centro Universitário Uninovafapi; igo.yossi@gmail.com criminação racial. Note-se que esses dois pontos não são mutuamente exclusivos:
Karla Cristina Fianco; Centro Universitário Uninovafapi; karla@uninovafapi.edu.br caminhos do desenvolvimento institucional e econômico podem ser interligados e
Karine Silva Tito; Centro Universitário Uninovafapi; karine@uninovafapi.edu.br
conjuntamente determinarem mais variáveis. Há estudos que mostram até a pró-
pria instituição da escola pública como um importante veículo de acumulação de
capital. Em articulações político-sociais, a educação (e o acesso à mesma) propor-
Resumo: O termo fast fashion surgiu do conceito de moda de baixo custo e atual. ciona segregação e distribuição de rendas (ACEMOGLU et al., 2012).
O presente trabalho aponta os efeitos negativos e impactos que a moda efêmera
exerce sobre meio ambiental e a sociedade. As atividades acadêmicas interdiscipli- Ao avaliar o mecanismo de transmissão de capital humano, observou-se que a hi-
nares resultaram em reflexões sobre as ações e responsabilidades do designer de pótese de que a influência do trabalho escravo, a longo prazo, afeta negativamente
Moda na prática da respectiva profissão. o desempenho educacional dos indivíduos. De acordo com essa hipótese, intima-
mente associada aos fatores como aspectos financeiros, os locais mais atingidos
Palavras-chave: moda, fast fashion, consumismo, sustentabilidade, mudanças. pela escravidão relacionam-se aos piores níveis econômico e de escolaridade (BAR-
RO, 2001).
INTRODUÇÃO IMPORTÂNCIA DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA
A moda atualmente vive momentos transformadores, cada vez mais se fixando em Na busca de promover o conhecimento por meio da coparticipação dos sujeitos
diferentes níveis de caráter coletivo, incorporando-se tanto numa infraestrutura imbuídos no processo ensino/aprendizagem, o envolvimento do acadêmico com a
como superestrutura de diferentes camadas sociais. Em contrapartida, a moda comunidade nas práticas extensionistas contribui para formação, desenvolvimen-
também incorporou na sua dinâmica uma certa valorização de produções efême- to humano e social. Contudo, essas práticas precisam ter caráter transformador.
ras. Não se pode negar que essa influência recria práticas e conceitos na essência Resultados mais satisfatórios surgem quando a extensão, além das práticas comuns
da sociedade (LIPOVETSKY, 2009). em pesquisas científicas, alcance a comunicação com a população externa à insti-
tuição de ensino. Esse diálogo resgata, além do pensamento crítico, o elo entre as
pessoas (FREIRE, 1996).
“Fast fashion” (moda rápida), termo associado à baixos custos de produção e am-
plamente disponível, mudou a maneira como as pessoas compram e descartam JUSTIFICATIVA E AÇÃO
roupas. No cenário da venda de grandes quantidades de roupas a preços baratos,
fast fashion emergiu como um modelo de negócio dominante, fazendo com que o Diante do exposto em bibliografia acerca do fast fashion e do que o fenômeno provo-
consumo de roupas disparasse. Mesmo que essa transição seja às vezes anunciada ca, surgiu o desejo profissional em evidenciar tais assuntos transversais no processo
como a “democratização” da moda, os riscos para a saúde humana e ambiental de formação acadêmica. Tanto a sustentabilidade quanto a ética na indústria da
associados a roupas baratas ficam ocultos durante todo o ciclo de vida de cada moda devem ser inseridas na extensão universitária e exercitadas na acessibilidade
peça de roupa (BICK et al., 2018). atitudinal.
METODOLOGIA
RESULTADOS
LUZ - Cláudio. Waste couture: environmental impact of the clothing industry. Envi- Resumo: Este trabalho pretende relatar como ocorreu o debate intitulado “Por de-
ronmental health perspectives, vol. 115, n.9,p.48-54, 2007. trás dos panos, histórias de costureiras” atividade que integrou a programação da
semana Fashion Revolution na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).
ACEMOGLU, Daron; NAIDU, Suresh; RESTREPO, Pascual; ROBINSON,James. Democ- O debate, realizado sob a configuração de uma roda de conversas, proporcionou às
racy, Redistribution and Inequality, vol 2. Massachusetts: Income Distribution, costureiras convidadas espaço para contarem as suas histórias com a costura, no
2015. intuito de propor a reflexão sobre as atuais práticas da indústria de Moda, design, e
do consumismo em prol da sustentabilidade.
BARRO - Robert J. Human Capital and Growth. American Economic Review, vol.
91, n. 2, p.12-17, maio 2001. Palavras-chave: Costureiras, Fashion Revolution, Sustentabilidade.
Dito isso, este trabalho visa relatar como ocorreu a semana Fashion Revolution na
Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), precisamente o debate “Por de-
trás dos panos, histórias de costureiras”, atividade organizada na disciplina A moda
no Contexto da Sustentabilidade, disciplina, que compõe a oferta optativa do Pro-
grama de Pós-Graduação em Design de Vestuário e Moda (PPGModa) da Udesc.
A atividade teve como objetivo encorajar mulheres a contar suas histórias, colo-
cando-as na posição de protagonistas. A roda de conversa propôs o diálogo entre
academia, comunidade e costureiras.
Uma versão completa deste artigo será publicada em revista científica da área, a
escolher pelos seus autores.
140 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 141
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Realizado no dia 22/04/2019, o debate foi iniciado com a fala da Professora Doutora
Cariane Weydmann Camargo, representante local do Instituto Fashion Revolution
Após a queda do Edifício Rana Plaza, no dia 24 de abril de 2013 em Bangladesh - Brasil. A professora apresentou o movimento às convidadas e aos participantes do
uma das maiores tragédias da Moda da atualidade, com a proposta de repensar as debate. Em seguida, um mediador e a professora Doutora Neide Köhler Schulte rea-
práticas do setor da moda, surge o Fashion Revolution. O movimento, que foi criado lizaram falas que contextualizaram o debate para o público presente.
no Reino Unido e que já conta com ações em mais de 90 países, alerta sobre o real
custo da produção de vestuário, as práticas adotadas com relação aos envolvidos Após as falas, cada costureira foi chamada, individualmente, para compor a roda
na fabricação das peças, condições de trabalho e questões acerca da sustentabili- de conversa pelo mediador, que as apresentou brevemente, e, em seguida, abriu-se
dade. espaço para que as mesmas pudessem continuar a se apresentar. Para ação foram
convidadas 7 costureiras atuantes em Florianópolis (SC) e região, que compartilha-
Apesar de, no senso comum, o desenvolvimento sustentável estar atrelado somen- ram o que a costura representa para elas, como a atividade entrou em suas vidas e
te à dimensão ambiental, a sustentabilidade abrange também as esferas econômi- momentos marcantes.
ca e social. Logo, sustentabilidade não é somente o cuidado com o meio ambiente,
mas também a interação da indústria de forma saudável com a sociedade que a Algumas das mulheres convidadas atuaram ou atuam dentro de fábricas de con-
cerca bem como, uma economia de forma consciente. (GWILT; RISSANEN, 2011 apud fecção de pequeno e grande porte. Outras trabalham de forma terceirizada ou por
ANICET; RÜTHSCHILLING, 2013). conta própria em casa ou estúdios e ateliers. Também haviam mulheres que ape-
sar de terem outro sustento, encontraram na costura o complemento de sua renda,
Com isso, também são questões essenciais à sustentabilidade: o tratamento igua- a independência financeira ou, ainda, uma nova profissão.
litário entre as pessoas, o trabalho justo (fairtrade), o bem-estar psicológico, a saú- Durante a conversa surgiram questões como a desigualdade na cadeia produti-
de, a segurança e o desenvolvimento daqueles que participam no ciclo produtivo. va, exploração, o tratamento da indústria às costureiras e a falta de diálogo entre
A moda deve-se ser pensada como parte de um só sistema, desde as atividades designers e costureiras, o que reforça a percepção de que esta profissão ainda é
necessárias para produção, distribuição, utilização, pós-consumo e descarte. desvalorizada.
Segundo o documentário The True Cost (2015, 92min), atualmente, 97% das roupas Quando questionadas como aprenderam o ofício da costura, uma delas mencionou
que vestimos são produzidas em países marcados pela pobreza e condições de- que aprendeu diretamente da indústria, na qual passou por diversos setores. As de-
sumanas, sob regimes que podem ser comparados a escravidão. Outro importante mais relatam ter aprendido o ofício ainda pequenas, seguindo os passos de algum
dado encontra-se na participação de mulheres no setor: cerca de 85% dos 40 mi- familiar, geralmente a mãe ou a avó.
lhões de empregados na indústria da moda em todo o mundo, são mulheres.
Portanto, repensar a cadeia produtiva da moda de maneira a permitir que as mulhe- As participantes falaram abertamente sobre a desvalorização da profissão e pedi-
res costureiras, tão envolvidas neste meio, tenham espaço de fala é primordial para ram mais consideração e consciência por parte dos designers com seu trabalho, do
provocar reflexões sobre a realidade do setor. qual todas possuem grande orgulho. Entre os relatos da noite, muitas foram as mu-
lheres que mencionaram que, apesar de muitas vezes a peça somente sair do pa-
RELATO DE EXPERIÊNCIA pel, efetivamente, por causa delas – quando tomam decisões sobre a modelagem,
ou a fazem por completo, por exemplo –, a remuneração não é compatível.
O debate “Por detrás dos panos, histórias de costureiras”, foi organizado pelos dis- No âmbito da sustentabilidade ambiental, foi possível perceber pelo relato das
centes regulares e especiais da disciplina A Moda no contexto da Sustentabilidade. costureiras que elas reaproveitam os materiais e trabalham com princípios rela-
A disciplina, que foi ofertada no primeiro semestre letivo de 2018, no Programa de cionados a economia circular, mesmo que de forma intuitiva e não técnica. Porém,
Pós-Graduação em Design de Vestuário e Moda da Udesc, foi ministrada pela Pro- muitas delas mencionaram ter uma grande quantidade de material e retalhos esto-
fessora Doutora Neide Köhler Schulte e teve como uma das atividades previstas, cados inapropriadamente, sem uso, por não saberem exatamente o que fazer com
a incumbência de elaborar uma ação no decorrer da semana Fashion Revolution eles.
Florianópolis 2019.
142 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 143
A roda de conversas enfatizou a importância das questões, especialmente sociais O RESGATE CULTURAL DO BORDADO DE SÃO JOÃO DOS PATOS - MA:
e trabalhistas, para a Sustentabilidade na moda. A partir da história oral de mulhe- DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO DESAFIO NA MODA.
res trabalhadoras no setor, foi possível refletir sobre o prejuízo causado na cadeia
produtiva têxtil e de confecção. A experiência oportunizou, também, valorizar a
trajetória de vida de costureiras que ocuparam a posição de protagonistas durante Márcio Soares Lima*; Instituto Federal do Maranhão – IFMA / São Joao dos Patos*; marcio.lima@ifma.edu.br
a atividade. Nayara Chaves Ferreira Perpétuo @ifma.edu.br; Instituto Federal do Maranhão – IFMA / Centro Histórico;
nayarachaves@ifma.edu.br
Raquel Gomes Noronha; Universidade Federal do Maranhão; raquelnoronha79@gmail.com
A vivência dessas mulheres, gerou sensibilização e agregou conhecimento para a
comunidade local e academia, que formavam o público presente na noite.
Por fim, observou-se que o debate também foi importante no que tange à semana Resumo: A revolução da moda está sendo construída a partir de pequenas revo-
Fashion Revolution Florianópolis 2019, pois reuniram-se em universidade pública, luções, e nesse sentido, objetivamos aqui apresentar as tentativas de resgate do
nas instalações da Udesc, histórias de vida que de outro modo poderiam continuar saber-fazer tradicional e cultural das mulheres que bordam em São João dos Patos
invisíveis, mesmo em um momento fértil à reflexão sobre trabalho justo no setor - MA. Numa roda de conversa, constatamos a importância de buscarmos alternati-
de moda. A universidade, inacessível na rotina de muitas dessas mulheres, aco- vas sustentáveis junto às bordadeiras aliando as tendências de moda ao bordado.
lheu-as em prol da construção de novos paradigmas para a indústria têxtil e de
confecção, entretanto, apesar de bastante difundido na academia, observou-se que Palavras-chave: Moda, bordado, desenvolvimento.
o Fashion Revolution não é amplamente conhecido para a maioria das participantes
convidadas.
INTRODUÇÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Quando falamos em revolução, o termo logo nos remete a algo grandioso, como por
ANICET, Anne; RÜTHSCHILLING, Evelise Anicet. Relações entre moda e sustenta- exemplo, Revolução Francesa, Revolução comercial e a própria Revolução do con-
bilidade. In: COLÓQUIO DE MODA, 9., 2013, Fortaleza. Anais [...] Fortaleza: Colóquio sumo, que procedeu a Revolução Industrial, um ingrediente central da modernidade
de Moda, 2013. Disponível em: http://www.coloquiomoda.com.br/anais/Coloquio%20 e modernização ocidental. A Revolução da Moda ou Fashion Revolution (FR) está
de%20Moda%20-%202013/ARTIGOS-DE-GT/Artigo-GT-Moda-e-Sustentabilidade/Rela- sendo construída a partir de pequenas revoluções, e nesse sentido, pretendemos
coes-entre-moda-e-sustentabilidade.pdf. Acesso em: 20 nov. 2018. entender inicialmente, como nos diz Barbosa (2008) que as nossas escolhas, sejam
elas de consumo, hábitos ou comportamentos, não são atos individuais e arbitrá-
Fashion Revolution Brasil: Semana Fashion Revolution 2019. 2019. Disponível em: rios, mas uma construção social.
http://novo.more.ufsc.br/homepage/inserir_homepage. Acesso em: 17 jun. 2019.
É nessa construção social que queremos adentrar quando, a partir do ano de 2018,
THE TRUE COST. Direção de Andrew Morgan. França: Michael Ross, 2015. (92 min.). manifestamos o interesse em somar às ações educacionais do FR, movimento esse
criado por um conselho global de líderes da indústria da moda sustentável que se
uniram depois do desabamento do tão famoso e emblemático edifício Rana Plaza
em Bangladesh, em 2013.
Especificamente neste resumo, focamos na apresentação e explanação de uma Apresentamos também o desenvolvimento relacionado ao bem viver, que questiona
pesquisa que trata de mulheres que bordam em São João dos Patos - MA, onde o conceito eurocêntrico de bem-estar. Questionamos neste modelo apresentado
objetivamos apresentar as tentativas de resgate do saber-fazer tradicional e cultur- por Acosta (2016), o estilo de vida dominante, onde nos prendemos a desejos per-
al dessas mulheres. manentes e muitas vezes desnecessários. Apresenta-nos uma abordagem contem-
porânea da ideia de consumo e da ideia de bem viver, que na verdade, segundo o
Numa roda de conversa sobre desenvolvimento sustentável em comunidades ar- autor acima, é uma oposição a ideia de viver bem.
tesanais, evento ocorrido dentro da programação do FR 2019 de São Luis, apresen-
tamos vieses diferentes em duas associações comunidades no Maranhão: (AMAC O bem viver, segundo o autor, tem relação com desenvolvimento, conhecimentos,
e Associação de bordadeiras da Comunidade Raposa), com o objetivo de mostrar códigos de conduta ética e espiritual em relação ao entorno, os valores humanos, a
o termo “resgate” ao qual o título nos convida, e que, de acordo com LIMA (2018), visão futura, entre outros.
encontra-se na crença de que a maioria das mulheres da cidade em questão possui
uma habilidade para o bordado, e entendemos essa disposição ao ofício de bordar Nesse sentido, Escobar (2016) viabiliza o fortalecimento das ideias de desenvolvi-
em virtude de uma construção social, que vai acontecendo ao longo da vida através mento local, fundado na participação social. Percebemos que a cultura passa a ser
da família, gênero, identidade e tudo que é construído pelos laços, pelo vínculo e convocada a cumprir seu papel frente às estratégias desenvolvimentistas e dis-
mais outras instâncias. solução das dicotomias.
A metodologia escolhida foi uma roda de conversa, mediada pela embaixadora A partir de tais reflexões, apresentamos a cadeia produtiva da AMAC, suas
do evento no Maranhão, onde pesquisadores puderam expor suas pesquisas para pequenas revoluções que a consideram sustentáveis e problematizamos as ade-
alunos do Instituto Federal e à comunidade interessada no tema, com o intuito de quações do desenvolvimento local, adaptado do desenvolvimento mundial.
disseminarmos informações sobre o FR, que se encontrava numa vasta progra- Tratamos de como a moda influencia os bordados e produção na Associação. A que
mação cultural e pedagógica, das associações em questão, além do principal, que ponto uma empresa de grande porte se apresentava como “grande” em relação a
era levar à tona a questão da moda ética e consciente, não como uma utopia, mas uma “pequena” associação numa simples cidade no Maranhão.
como algo próximo e possível.
Por fim, apresentamos o discurso de uma artesã, sobre o que ela considera desen-
Alguns autores nos ajudaram a embasar esses temas, e consideramos essenciais volvimento sustentável:
as abordagens de Acosta (2016) tratando da relação entre bem viver X viver bem;
Escobar (2016), noção de desenvolvimento, contribuições do Núcleo de Design, Ino- ... é uma conversa bem antiga, né? Eu sempre ouvi falar em jornal ou em outro
vação, Design e Antropologia – NIDA, além de outras importantes. lugar: país desenvolvido, subdesenvolvido... Sempre achei isso muito distante
da gente. Agora se me perguntar se a nossa cidade, nosso local aqui é de-
AS VISÕES E CONTRIBUIÇÕES DE COMPLEXIDADE E DESENVOLVIMENTO senvolvido, fico sem saber responder. É pelo modo que a ente ganha a vida?
É pela nossa família? Pelos nossos estudos? Se for assim, uma parte nós
Apresentamos inicialmente na roda de conversa a motivação dos autores pelo somos desenvolvidas e outras não, né? Mas pra dar uma resposta boa, Sim,
tema, sua contextualização e a relação do mesmo com o evento. somos pessoas de respeito, temos filhos saudáveis, tempo pra cuidar deles e
fazer nossos bordados, nunca faltou comida pra eles, eles êm colégio, temos
1
Apresentamos a Associação de Mulheres da Agulha Criativa – AMAC, uma comu- família, vamos pra igreja e somos valorizadas... é... Somos sim! “
nidade de mulheres que unem todos os dias com o intuito de resgatar a tradição
artesanal e fazer valer o título de “capital dos bordados”. E ainda sobre sustentabilidade, Cavalcante; Nascimento (2009) nos diz que sempre
fez parte do trabalho do artesão: as matérias-primas regionais; o modo de fazer
O termo desenvolvimento apareceu no início da conversa e imediatamente acio- tradicional, passado de geração a geração; e o respeito pelo meio ambiente.
namos Escobar (2016), que traz o desenvolvimento baseado no envolvimento das
pessoas.
SERRÃO, M.; ALMEIDA, A.; CARESTIANO, A.. Sustentabilidade: uma questão de todos
nós. 1.reimpr. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2014.
148 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 149
Autores de diversas áreas e regiões do globo começam a apontar para a mudança de PROJETO
pensamento e consumo como uma resposta alternativa e positiva para este proble-
ma. Manzini (2008) expoem e discorre sobre a “inovação social”, já que esta possui a Nas atividades participaram 3 artesãs ao todo. O enfoque é dado no processo e na
capacidade de “romper com o modo de fazer dominante através da mudança direcio- comunicação e relação dada com as artesãs, como o slowfashion nos ensina. Os tra-
nada no sistema local” (MANZINI, 2008). É o trabalho da comunidade em se adaptar e balhos ocorreram de Junho de 2018 até os dias atuais. A cada visita era realizada uma
responder de maneira criativa aos problemas locais com alternativas locais. Entede-se oficina com um objetivo prático em que se mediava com as artesãs quais as dúvidas,
que a inovação social é uma resposta “nova e socialmente reconhecida que visa e gera os pontos positivos e fragilidades daquela atividade.
mudança social” (ABREU; ANDRÉ. 2006) conectando e promovendo a inclusão social,
desenvolvimento e capacitação de atores que sofrem algum tipo de exclusão ou mar- O projeto visou trabalhar com os trançados utilizados na confecção de suas cestarias.
ginalização cultural ou social por meio de iniciativas e valorização locais. Essas ideias Estas são seu principal artefato de comercialização e representação cultural. Nelas
encontram-se dentro do movimento denominado Local vs. Global, que é a valorização aparecem os grafismos, cada um contendo uma simbologia e significado diferente de
do comércio local (comida, vestuário, serviços...) em detrimento da dependência do carater identitário da etnia Kaingang. Este processo manual foi reaplicado em tiras de
mercado global. A inclusão e transparência é mais fácil de se acontecer. tecido provindos de residuos têxteis de marcas parceiras locais, de diferentes tama-
nhos e largura, com o intuito de se experimentar e descobrir com elas quais geravam
Neste escopo o design é uma importante ferramenta para a difusão deste ideal e pro- melhores resultados para o uso dentro da moda. O trabalho com tecidos planos, por
moção de mudanças comportamentais e de pensamento. O designer possui a capa- exemplo, gerou melhores oportunidades de construção de diferentes peças. Pela dis-
cidade de associar e trabalhar com conceitos de qualidade e demanda com aspectos posição das diferentes cores por meio dos trançados, foi observada a representação
ambientalmente responsáveis e socialmente justos dentro de um único produto ou ser- gráfica dos simbolos anteriormente citados, garantindo ainda mais a autencidade de
viço. Manzini (2008) os coloca como parte da solução, “pois são justamente os agentes suas criações e representaçaõ cultural a ser disseminada.
que lidam com as interações entre os indivíduos e seus artefatos cotidianamente”. Sua
formação com a visão total e holística do projeto lhe garante essa potencialidade além
de ser o intermediário entre usuário e produto.
Dentro do contexto autóctone surge o Etnodesign que, segundo Nogueira (2005) pode
ser caracterizado como “um ramo de estudo do design que se propõe a resgatar pro-
cessos e tecnologias próprias a grupos étnicos brasileiros” e pode contribuir como
uma “ferramenta para agregar valor aos produtos indigenas”, principalmente por meio
de sua disseminação. Dentro deste ramo, o trabalho aprofundado e princiapalmente,
envolvendo o grupo presente é importante para que sejam respeitadas as simbologias
contidas nos objetos étnicos e que o design apenas seja o meio pelo qual se podem
fazer mais atrativos para a sociedade atual. A preservação, documentação e revitaliza-
ção de processos culturais é um ato social e que gera impacto social positivo à estas
comunidades e processos sociais passíveis de serem reaplicados em outros grupos
marginalizados. Figura 1: Peças de moda com aplicação dos paineis de trançado. Fonte : acervo próprio, 2018.
Na esfera do produto de moda, a aceitação e divulgação dessa nova “cadeia” de pensa- O produto final obtido passível de comercialização são os paineis de tecido, trança-
mento alcança patamares e grandes públicos, devido a sua forte presença e marketing dos com estas tiras de tecido reaproveitado e que podem ser aplicados em diversos
mundo afora. Enquanto designer de moda, é fundamental buscar-se trabalhar em cima produtos.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Palavras-chave: Fetichismo. Mercadoria. Consumo. Cadeia Produtiva Têxtil. Moda.
MANZINI, Ezio. Design para a Inovação Social e Sustentabilidade: comunidade Este trabalho tem como pretensão explorar questionamentos a respeito do fetiche
criativas, organizações colaborativas e novas redes projetuais. Rio de Janei- da mercadoria que ocasiona o desconhecimento diante dos processos e pessoas
ro: E-papers, 2008. que fazem parte do processo produtivo das mercadorias de moda. O conceito mar-
xiano de fetiche da mercadoria (MARX, 2016) explora a duplicidade do valor (de uso
NOGUEIRA, José Francisco Sarmento. Etnodesign: um estudo do grafismo das e de troca) dos objetos. Segundo Marx, a centralidade dada aos valores de troca
cestarias dos M’byá guarani de Paraty-Mirim. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia propicia que relações sociais presentes na produção fiquem invisibilizadas, bem
Universidade Católica, Rio de Janeiro. 2005. como as pessoas envolvidas em manufatura e consumo das mercadorias. Assim, a
mercadoria e o seu valor de troca se sobrepõe às relações de produção, que estão
LORENZETTI - Portal Tratamento de Água. A importância do Reaproveitamento por trás das mercadorias, havendo uma invisibilização entre quem compra e quem
de Resíduos Têxteis em São Paulo - 2018 – Disponivel em: https://www.trata- faz. Neste contexto, pode-se notar que dentro do universo da moda não é diferente;
mentodeagua.com.br/artigo/reaproveitamento- residuos-texteis-sp/ - Acesso em: seus produtos estão imersos em fetichismo, causando extrema falta de interesse
15 de Julho e ausência de olhar diante da cadeia de produtores. Portanto, este trabalho propõe
de 2019; discutir consumo, sociedade e moda, trazendo questionamentos a respeito das
pessoas envolvidas nos muitos processos produtivos dos artigos de moda, a fim
de subverter seu feitiço, dessa forma, trazendo à tona conhecimento a respeito das
nossas roupas.
dor, passa por diversos processos, afazeres e pessoas, que, em boa parte, não são novidade, para que traduzam tal interesse em mercadoria, para que uma pequena
identificados pelo consumidor, gerando uma omissão da cadeia de moda, caracteri- parcela da cadeia possa produzi-la. No segundo, a peça já foi lançada no mercado e
zando o que Marx (2016) chama de fetichismo da mercadoria. acontece o estágio de aceitação, onde a mídia – contemplada por jornalistas, revis-
tas, redes sociais, compradores, influenciadores num geral – legitima aquela moda,
A noção de fetichismo da mercadoria tem seu embrião na formulação de Marx nos influenciando consumidores para que exista um desejo por imitar o que encontram
chamados “Manuscritos Econômicos-Filosóficos de 1844” (1964). Nesses escritos, em seus veículos de comunicação, e, assim, possa ser democratizada, sendo pro-
Marx desenvolve a ideia da “alienação de si”, conceituada por Kangussu (2015) duzida em maiores quantidades. E por fim, o terceiro estágio – de desgaste –, os
como “O processo de escavação de sentido, que atinge o ápice ao transformar consumidores começam a receber outros estímulos, de forma a surgirem outros
quase tudo em mercadoria, começa através da alienação do indivíduo em relação interesses e desejos, para que a cadeia de moda renove seus produtos. Portanto,
a seu trabalho e culmina na reificação do homem e do mundo”. Não há reconhe- é possível perceber a grande complexidade da cadeia de moda, na qual o estilista
cimento do trabalhador por seu processo produtivo, assim como ele mesmo não sozinho não faz a moda acontecer.
reconhece aquilo que produz, dando origem a um objeto que é visto como um ser
estranho (MARX, 1964), distante. Além da distância entre trabalhador e objeto, há A cadeia têxtil trabalha de forma integrada, havendo vários pequenos núcleos
uma objetificação do trabalho. que colaboram entre si, em busca de um único objetivo: levar ao consumidor final
um produto de moda. Para que esta mercadoria seja bem-sucedida, é necessário
Sintetizando, o autor retrata uma grande problemática no mundo capitalista: o pro- “o reconhecimento constante do público a que se destina o objeto desenvolvido”
cesso de dominação do homem pela mercadoria é algo tão natural na sociedade (SABRÁ, 2016, p.56), levando em consideração que a sociedade influi diretamente
burguesa quanto o próprio trabalho produtivo. Assim, o ocultamento das relações nas decisões destes indivíduos, ou seja, os produtos de moda devem conversar
entre os seres humanos é ignorado. Há um processo de alienação dos trabalhos diretamente com os desejos de seus usuários, a fim de proporcionar a noção de
manuais que compõem os objetos, e essa alienação é dissimulada. pertencimento à sociedade que desejam adequar-se, afinal, as mercadorias são
elementos sociais. Assim como mostra Kangussu (2015), “a produção cria objetos
Sabrá (2016) também identifica tal problemática, propondo uma questão a ser para o consumo e o consumo cria os sujeitos para os produtos” (p.217). A alienação
respondida: “como identificar com clareza e objetividade a influência dos diversos social conserva o ritmo constante da moda, não há porquê conceber novos produ-
agentes sociais envolvidos no que normalmente chamamos de processo criativo tos se não existe uma demanda.
do desenvolvimento de produtos desta cadeia?” (p.24). Muito dessa omissão se dá
pela noção de um processo criativo individual concebido pelo estilista ou designer Sendo assim, o consumidor final é parte importantíssima da vida de um artefato,
de moda, que carrega o nome de uma marca, e suas criações são tidas como ge- pois a partir do momento em que o produto não pertence mais a quem o produziu,
nialidades, puramente elaboradas por ele. A roupa seduz a quem se identifica com ele se torna parte do universo pessoal de cada indivíduo, partindo para uma nova
símbolos presentes nela; quando isto é aliado à ideia da genialidade do criador, fase de sua vida-útil: o consumo. Até que, por fim, caia em obsolescência, surgindo
intensifica-se a noção de que uma única pessoa consegue traduzir os anseios e uma outra problemática da cadeia têxtil: o pós-consumo. O fetichismo da merca-
vontades do consumidor num produto final; mas, quando damos luz ao que real- doria pode acarretar num consumo frívolo e que rapidamente se esgota, de forma
mente acontece no processo criativo, é possível observar que “[...] diferentes prá- a haver o consumo pelo consumo. A questão pendente é: será que, caso haja um
ticas envolviam vários setores e interferiam, direta e indiretamente, na criação, no diálogo entre a cadeia têxtil e o usuário, ocorrerá uma maior desmistificação do
desenvolvimento, na produção e na distribuição de objetos têxteis” (SABRÁ, 2016, produto de moda? A roupa se tornando menos desconhecida influenciará na deci-
p.20). são de compra e no relacionamento entre consumidor e peça? Ela desmistificará o
estilista-criador?
A dinâmica de concepção de um novo artigo de moda se dá desta forma: através
de um diálogo constante entre a indústria e o público-alvo, envolvendo uma série CONSIDERAÇÕES FINAIS
de pessoas e setores para que novas modas sejam percebidas, criadas e esqueci-
das, para que outras surjam. Basicamente, no primeiro estágio – de renovação –, os Podemos observar que o endeusamento do criador acarretou na frivolidade dos
pesquisadores de tendências percebem um novo interesse vindo dos consumido- produtos de moda, tornando-os cada vez mais produtos desconhecidos, que não
res; logo, isto é introduzido às empresas, que transmitem aos seus estilistas esta criam conexões a respeito de sua história e seus colaboradores, com o consumidor
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final. O que é ainda mais problemático é a facilidade com que estes artigos serão TRÊS PAÍSES, UMA NAÇÃO: DESIGN E COSMOPOLITISMO
descartados por seus usuários. É neste ponto que o fetichismo da mercadoria deve EM PROCESSOS DE APRENDIZAGEM COMUNITÁRIA
ser pensado como uma problemática para os produtos de moda. É de responsa-
bilidade, social e ecológica da cadeia de moda, repensar sua dinâmica, de forma
que não sejam produzidos artigos que apenas atendam ao abastecimento de uma Maria Carolina Garcia; Centro Universitário Belas Artes de São Paulo; maria.garcia@belasartes.br
suposta demanda alienada, “cada vez mais abstratos e apartados da demanda de
uso, limitados apenas à reprodução frívola do valor de troca” (SABRÁ, 2016, p.35).
Resumo: Este artigo apresenta a Maratona Tory | Alegria, integrante das atividades
Portanto, deve-se haver discussão e divulgação diante da cadeia de processos, da São Paulo Design Weekend 2019, que propõe um desafio de design a partir do
para que o consumidor se torne mais incluso, de forma a deixar transparente a his- cosmopolitismo e da linguagem. Seu objetivo é tornar o idioma Guarani e a cultura
tória de cada produto, e, assim, possa tornar-se cada vez menos alienado. A cadeia pela qual ele zela (re)conhecidos, considerando que 2019 foi declarado pela UNES-
de produtores também sofre com a sua coisificação, não havendo sua valorização, CO o Ano Internacional das Línguas Indígenas. O encontro uniu estudantes brasilei-
deixando de lado o aspecto humano por trás das roupas. A moda vem discutindo ros, paraguaios e uruguaios, que criaram quatro coleções de camisetas para difun-
seus valores ao longo dos anos; enquanto se colocar de forma fria e efêmera, ela dir o idioma e as práticas da nação Guarani, originária do território que hoje integra
continuará dissimulando e omitindo seu aspecto humano e as consequências eco- parcialmente cada um desses três países.
lógicas que isto acarreta continuarão esquecidas.
Palavras-chave: Cultura Guarani; Cosmopolitismo; Design.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SABRÁ, Flávio Glória Caminada. Os agentes sociais envolvidos no processo MORIN (2005) nomeia como noosfera esse ambiente onde o homem interage com o
criativo no desenvolvimento de produtos da cadeia têxtil. São Paulo: Estação inconsciente coletivo de forma a criar pontes entre o imaginário, o mundo da vida
das Letras e Cores, 2016. e o mundo cultural. De acordo com ele, essa esfera que nos envolve e, ao mesmo
tempo, nos constitui, é tão importante quanto a biosfera que compõe o mundo a
nossa volta. Misto de cultura e imaginário, ao mesmo tempo em que se torna nosso
canal de comunicação com o mundo, também “serve de tela entre nós e o mundo”
(2005, p. 44). A noosfera engloba o domínio da imaginação, do homem e da criativi-
dade: compreende o desenvolvimento de ideias consensuais e conceituais acerca
da vida adotada pela coletividade e pelo indivíduo, na qual memória e tempo são
fundamentais.
na retransmissão de saberes e, portanto, numa visão cosmopolita, entendida con- com o universo do idioma guarani nos seus próprios termos e transformá-lo com
forme os preceitos de APPADURAI (2018). O estudioso abdica de uma visão voltada as suas aspirações por meio das camisetas, que dialogaram com um público mais
ao entendimento de que flanar por culturas distintas às próprias origens permite amplo, utilizando plataformas digitais.
uma compreensão ampla das tensões contemporâneas, em prol de uma variante
que entende como cosmopolita aquilo que começa no conhecimento do próprio DESENVOLVIMENTO
entorno e que se constrói nas práticas locais, cotidianas e familiares, imbuído da
esperança de estender fronteiras e construir pontes, ao invés de muros. Precisa- Conforme a UNESCO (2019), existem por volta de 6 a 7 mil línguas no mundo, a
mente, essa noção se grande maioria falada por povos indígenas. Muitas estão em situação de vulnerabi-
lidade e a história, as tradições e a memória associadas a elas poderão se perder.
“(...) constrói na direção de afinidades globais e solidariedades por meio de um Esse é precisamente o caso do idioma Guarani, hoje falado oficialmente apenas no
sortimento irregular de experimentações do próximo e do distante, sendo que Paraguai. Dada sua escassa disseminação nos demais territórios onde os Guarani
nenhuma assume ou nega o valor de sua universalidade – ou a universalidade de vivem, a perda do conhecimento de processos e materiais torna-se uma ameaça
seus valores. Seu objetivo é produzir uma geografia preferível do global pela exten- real.
são estratégica de seus horizontes culturais, não no intuito de dissolver ou negar
as intimidades do local, mas em prol de combater as indignidades e exclusões”. É possível notar inclusive que, entre as principais estratégias aplicadas na tarefa
(APPADURAI, 2018, p. 2) de domar um mundo considerado selvagem, está a aplicação de nomes cristãos e
familiares que, paulatinamente, “apagam”, pelo processo de tradução, o conheci-
No livro O fim do império cognitivo: A afirmação das epistemologias do Sul, Boa- mento tradicional. OLARTE (2008, p. 21) aponta que “o ato de nomear, como o pró-
ventura de Sousa Santos, por sua vez, parece corroborar nessa direção, partindo de prio batismo, é uma forma de criar um vínculo e torna possível a incorporação do
conhecimentos ancestrais para desenvolver o conceito de “epistemologias do Sul”. alheio num marco de referência familiar e único”. Os exploradores ibéricos, particu-
Tais epistemologias representam formas de conhecimento que são geralmente larmente assombrados com a exuberância do Novo Mundo, produziram relatos de-
desacreditadas, apagadas e ignoradas pelas culturas dominantes do Norte global. talhados sobre a flora nativa. Embora essas descobertas precisassem ser respal-
Assim, a ideia central desta discussão, inspirada por APPADURAI (2018) e SANTOS dadas com provas materiais, é óbvio que o mundo natural não pode ser facilmente
(2019), engloba o desafio de integração entre estudantes de design, comunicação extraído de seu entorno. Para traduzir a pujança de plantas, animais e paisagens
e artes visuais brasileiros, paraguaios e uruguaios, que têm um comum a raiz lin- foi necessário desenvolver um sistema imagético de representação e classificação
guística da nação indígena Guarani por meio do idioma e de uma maratona de de- que contou não apenas com descrições literárias, pinturas e desenhos, mas tam-
sign de moda patrocinada pela indústria de confecção paraguaia Tory, no contexto bém com amostras ilustrativas do modo de viver do Novo Mundo.
do desenvolvimento sustentável norteado pela cultura nativa sul americana. MEA-
DOWS (2008) considera que a linguagem é um soft skill fundamental para que o Nomear é dar sentido às coisas da noosfera. Quando um idioma se perde, também
design possa se converter em instrumento de transformação social. É por meio da o entendimento entre povos distintos fica comprometido e é preciso buscar uma
linguagem que traduzimos a noosfera, construímos o entendimento e permitimos linguagem acessível a todos para promover o entendimento. A Maratona Tory viu
que se estabeleça a empatia necessária para que o designer possa se concentrar no design ético esse potencial. MEADOWS (2008) entende que todo fluxo, se não for
no briefing de cada projeto. regado e reativado, tende a se extinguir, esgotando o recurso inicial. Nesse âmbito,
cabe resgatar que as representações sempre foram governadas por um conjunto
A Maratona Tory | Alegria é integrante do evento Ñande | Entre Nós - 1º Seminário de regras que determinavam aquilo cuja visibilidade é adequada – ou não - aos
Latino-Americano de Design, Linguagens e Ancestralidade, organizado pelo Gru- propósitos daquele que transmitia o conhecimento. As Cartas de Relação do con-
po de Pesquisa Design e Convergência do Centro Universitário Belas Artes de São quistador Hernan Cortez, por exemplo, colocam os mexicas, ou astecas, dentro da
Paulo, como parte das atividades da São Paulo Design Weekend 2019, em parceria imagem do bom selvagem de Rousseau.
com a feira de design colecionável MADE – Mercado de Arte e Design. O processo
foi acompanhado pelo Fashion Revolution Brasil e pela Comissão de Estudos em A Maratona Tory buscou reverter essa premissa, baseada no conceito de cosmopo-
Direto da Moda da OAB-SP, para que a transparência norteasse todas as etapas. Na litismo defendido por APPADURAI (2018) e nas preocupações de MEADOWS (2008)
Maratona Tory, que significa alegria em Guarani, os participantes puderam interagir com a restauração do fluxo que mantém vivo o patrimônio imaterial, integrante da
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noosfera de MORIN (2005). Inicialmente, por meio de edital, foram selecionados 40 tempo e especialmente quando concedida autonomia de atividades desenvolvidas
estudantes dos três países, com o apoio da Universidad ORT Uruguay e da Cámara no percurso, com o estudante traçando seu próprio plano de trabalho. Notadamen-
Paraguaya de Diseño e Innovación (PRODI). Paralelamente, também foram convida- te, observa-se que as diferenças de idioma não oferecem barreira ao trabalho em
dos quatro profissionais atuantes em negócios da moda, que assumiram o papel de equipe, pois todos os participantes valeram-se de seus conhecimentos em design
mentores dos grupos, conduzindo suas estratégias: Jorge Grimberg, jornalista de para trabalharem em conjunto, utilizando-se de vocabulário em guarani, português
moda; Gizela Falcão, consultora de imagem; Lorena Marín, empresária do ramo de e espanhol sem qualquer constrangimento. Cabe salientar que o projeto continua
confecção; e Ricardo Benucci, designer de produto. em atividade, agora na etapa de elaboração do catálogo da coleção e visita à aldeia
Guarani de São Vicente para inclusão de estudantes de Arquitetura e Urbanismo, no
PROJETO intuito de elaborar mobiliário infantil para os ambientes da aldeia, reforçando, na
prática, o conceito de cosmopolitismo de APPADURAI (2018).
Os participantes reuniram-se por três dias consecutivos (de 21 a 23 de agosto e
2019), durante a São Paulo DesignWeekend, nas dependências do Centro Universi- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
tário Belas Artes de São Paulo, podendo usufruir de todos os laboratórios da insti-
tuição de ensino, bem como na Fundação Bienal, por ocasião da feira MADE, onde APPADURAI, Arjun (2018): “The Risks of Dialogue”, Mecila Working Paper Series,
conviveram e dialogaram com designers consagrados que atuam no âmbito do No. 5, São Paulo: The Maria Sibylla Merian International Centre for Advanced Studies
design ético colecionável. Por meio de um briefing apresentado pelos mentores, os in the Humanities and Social Sciences Conviviality-Inequality in Latin America.
estudantes escolheram um aspecto da cultura guarani e desenvolveram estampas
e interferências têxteis, inspirados por essas vivências. Para tanto, contaram com MEADOWS, Donella (2008). Thinking in Systems. London: Sustainability Institute.
etapas distintas, a saber: a) seminário teórico com expoentes do setor de economia
circular, propriedade intelectual e patrimônio imaterial, no qual foram apresentados MORIN, Edgar (2005). O Método 5 - A humanidade da humanidade. Trad. de Jure-
e discutidos estudos de caso; b) visitas técnicas a museus, espaços comerciais e mir Machado da Silva. Porto Alegre: Sulina.
instalações industriais que dialogam com patrimônio imaterial de populações nati-
vas; c) workshops práticos de técnicas de tingimento natural, manualidades têxteis OLARTE, Mauricio Nieto (2008). “História Natural y política: conocimientos y repre-
e tecnologias digitais. sentaciones de la naturaleza americana” in OLARTE, Mauricio Nieto (org.) História
natural y política: conocimientos y representaciones de la naturaleza ameri-
Um aplicativo para Android foi desenvolvido exclusivamente para o evento e ofer- cana. Bogota: Universidad de los Andes/ Universidad EAFIT.
tado em caráter gratuito, propiciando o compartilhamento de dados capaz de faci-
litar o acesso às informações básicas sobre a cultura Guarani. Os grafismos e sua PI HUGARTE, Renzo (1993). Indios del Uruguay. Montevideo: Editorial Banda Orien-
simbologia, a música difundida nas rádios indígenas e outros aspectos do idioma tal.
Guarani foram resgatados a fim de garantir uma base de pesquisa aos participan-
tes. Todas as etapas foram documentadas na plataforma Instagram, propiciando SANTOS, Boaventura de Sousa (2019). O fim do império cognitivo: A afirmação
também que a população dos três países pudesse acompanhar o desenvolvimento das epistemologias do Sul. Belo Horizonte: Autêntica Editora.
das coleções e, ao final, votar na sua coleção favorita. Para que tais aspectos co-
municacionais fossem integrados à Maratona Tory, estudantes dos cursos de Foto- UNESCO (2019). International Year of Indigenous Languages. Disponível em ht-
grafia, Mídias Sociais Digitais, Relações Internacionais e Artes Visuais somaram-se tps://en.iyil2019.org. Acesso em 18.07.2019, às 20h15.
aos designers, fortalecendo a interdisciplinariedade e os principios da economia de
compartilhamento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
VARAL DO IF POR UM CONSUMO DE MODA SUSTENTÁVEL Os interessados em participar das trocas levam suas peças até o Instituto Fede-
ral de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de MG Campus Juiz de Fora. As
roupas são avaliadas, visando manter a qualidade das peças a serem trocadas e
Jacqueline Rodrigues Gonçalves da Costa; IF Sudeste MG Campus Juiz de Fora; jacqueline.costa@ifsudestemg.edu.br doadas posteriormente. Por fim, o participante recebe por cada item doado uma
Ludymila Ruffo Ribeiro Sávio; IF Sudeste MG Campus Juiz de Fora; ludymilaruffo@gmail.com certa quantidade de IFCoins, moeda social que permitirá a compra de outros itens
Lúcia Maria da Silva; IF Sudeste MG Campus Juiz de Fora; luciazlb@gmail.com
durante o evento. O valor varia de acordo com o tipo de item (exemplo: camisetas
Eliza Maria Brito de Oliveira; IF Sudeste MG Campus Juiz de Fora; itsbanner@gmail.com
custam 10 IFCoins, calçados 20 IFCoins, entre outros) e tudo é registrado em siste-
ma (http://sites.jf.ifsudestemg.edu.br/derconline/varaldoif), onde os valores podem
ser conferidos pelos participantes ao acessarem suas contas. No momento da
Resumo: Este resumo pretende apresentar o projeto de extensão Varal do IF. troca, utilizamos o sistema para descontar as moedas utilizadas. Tudo o que não é
Realizado pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de trocado é destinado às pessoas em situação de rua e instituições que mantém ba-
Minas Gerais Campus Juiz de Fora (IF Sudeste MG), este projeto promove a troca de zar com finalidade filantrópica.
roupas usadas entre os participantes. Essa prática, além de sustentável, permite
renovar um guarda-roupa sem utilizar dinheiro.
Participei da 7ª Edição. Dessa vez, eu apenas doei peças para o varal, mas REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
não quis pegar nada. É consumo consciente que c hama, né? Não estava pre-
cisando de nada, então passei meus IFCoins para dois bolsistas do setor onde SALCEDO, Elena. Moda ética para um futuro sustentável. Barcelona, ES: Editora
trabalho. (Rosana Porto, 2018, p.1). Gustavo Gili, 2014.
Participei da 7ª Edição. Como foi minha primeira vez participando do Varal,
DUQUE, Camila. Depoimentos. Varal do IF, 2016 – Disponível em: <http://sites.jf.if-
confesso que não estava tão animada (apesar de achar o máximo esse proje-
to). Mas quando cheguei e vi tantas opções fiquei bem empolgada. Sou uma sudestemg.edu.br/derconline/varaldoif/index.php/home – Acesso em: 20 de agosto
grande fã de bazares e brechós, então ter um em que posso somente trocar de 2019>.
por peças que não uso mais é ótimo! Parabéns pela iniciativa! (Cinthia Maria
De Oliveira Abreu, 2019, p.1) ABREU, Cinthia Maria de Oliveira. Depoimentos. Varal do IF, 2019. Disponível em:
<http://sites.jf.ifsudestemg.edu.br/derconline/varaldoif/index.php/home – Acesso
Participaram das setes edições realizadas do Varal do IF público de diferentes fai- em: 20 de agosto de 2019>.
xas etárias, entre 13 e 70 anos, sendo a maioria do gênero feminino, o que gera uma
discussão em torno do baixo índice de participação do gênero masculino: seriam PORTO, Rosana. Depoimentos. Varal do IF, 2018. Disponível em: <http://sites.jf.ifsu-
eles consumidores de moda mais conscientes, com poucas peças para trocar pelo destemg.edu.br/derconline/varaldoif/index.php/home – Acesso em: 20 de agosto de
fato de usarem suas peças até o limite? 2019>.
Nestes quatro anos, o Varal do IF realizou várias doações para instituições filantró-
picas que possuem bazar como Instituto Vitória, Fundação Ricardo Moysés Júnior,
Afrolata, Educandário Carlos Chagas, entre outras. Além disso, foram promovidas
doações para os transeuntes e pessoas em situação de rua na cidade de Juiz de
Fora.
Assim, o Varal do IF, deseja se apresentar como um bom exemplo para os consu-
midores, oferecendo uma escolha desejável e sustentável para o planeta, além de
promover a solidariedade. A moda tem o poder de influenciar muitas pessoas e o
Varal é uma oportunidade para que isso aconteça localmente.
164 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 165
MUDANÇAS NA
INDÚSTRIA
COMPLIANCE NA MODA: UMA MUDANÇA CULTURAL mento de Compliance trabalha para manter a empresa em conformidade com as
DAS ORGANIZAÇÕES leis, nacionais e internacionais, regulamentações do setor e regras internas da em-
presa. Significa, agir em conformidade. No Brasil, desde 2013 com o advento da Lei
Anticorrupção Brasileira nº 12.846/13, também conhecida como a Lei da Empresa
Mayra Collino Rodrigues dos Santos; mayra.collino2015@gmail.com Limpa, os olhares das organizações se voltaram para as melhores práticas da área
de Compliance. E a indústria da moda não poderia ficar fora dessa. Empresas de
todo mundo e das mais diversas áreas, inclusive da moda, estão atentas para esta
Resumo: Começamos a ver no Brasil os resultados dos esforços que as empresas mudança que o setor e seu consumidor estão passando. A imagem da empresa
da área de moda têm feito nas últimas décadas para negócios mais sustentáveis diretamente exposta nos mais diversos meios de comunicação por seu compor-
através de diversas iniciativas e novos modelos de negócios. Na última década o tamento antiético prejudicando seu maior bem: sua marca. Importante destacar o
tema combate a corrupção no Brasil virou pauta nas reuniões de muitos executivos olhar diferenciado que a Lei nº 12.846/13 traz sobre o tema punindo as empresas
e empresários de moda e o Compliance surge como um forte aliado para uma ges- que deixam de agir de forma preventiva no combate à corrupção entre seus subor-
tão mais sustentável. dinados, incluindo terceiros, elevando assim o risco de que a corrupção de fato se
concretize. No Brasil já existem grandes marcas do segmento de moda atentas ao
Palavras-chave: moda, compliance, transparência, risco, gestão sustentável. tema e que estão trabalhando para um mercado mais justo. A empresa Dudalina é
um bom exemplo desta mudança das empresas frente ao tema. Ela foi a primeira
empresa do segmento a receber o selo Pró-Ética em 2014 concedido pelo Ministério
O Compliance está na moda. E não é uma moda passageira. Na próxima estação da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU). Em 2016 a
veremos muito mais dele e a tendência é só aumentar. Sabidamente, todas as empresa Natura também recebeu a selo.
empresas devem respeitar as leis, regulamentações setoriais e cumprir com as
respectivas normas relativas aos seus negócios. Mas nem sempre é o que aconte- O Pró-Ética resulta da conjugação de esforços entre os setores público e privado
ce, não é mesmo? Por sua vez, o consumidor final está cada vez mais atento aos para promover no país um ambiente corporativo mais íntegro, ético e transparente. A
aspectos sustentáveis dos produtos e as ações de responsabilidade social que as iniciativa consiste em fomentar a adoção voluntária de medidas de integridade pelas
empresas devem contribuir para com a sociedade, forçando assim uma resposta empresas, por meio do reconhecimento público daquelas que, independentemente
das organizações. A qualidade e o preço final do produto não são mais fatores ex- do porte e do ramo de atuação, mostram-se comprometidas em implementar
clusivos suficiente para fidelizar o consumidor. Os produtos comercializados estão medidas voltadas para a prevenção, detecção e remediação de atos de corrupção e
diretamente conectados a imagem da empresa, imagem esta que reflete seus va- fraude. (site do Ministério da Transparência – Empresa Pró-Ética)
lores.
Ao longo dos anos pudemos acompanhar diversos casos de marcas que infringi-
Podemos observar uma forte mudança das indústrias voltadas ao coletivo e bem- ram as leis e tiveram sua imagem e reputação danificada. Um caso icônico de pro-
-estar social em toda a sua extensão da cadeia de moda. Na década 2000 os olha- blema de Compliance é o caso da marca Zara que teve seu nome adicionado à lista
res voltados para a sustentabilidade onde a moda teve papel de destaque na refle- de trabalho análogo escravo do governo brasileiro. Em agosto de 2011, fiscais do
xão do tema em todos os seus diferentes segmentos, seja através de seus tecidos trabalho, por três vezes, flagraram trabalhadores estrangeiros sendo submetidos
orgânicos, novas tecnologias ou novos modelos de negócio abrindo a oportunidade a condições análogas a trabalho escravo. Foram registrados contratações ilegais,
para a discussão e conscientização no mundo moda. As pessoas despertaram a jornada de trabalho exaustiva, trabalho infantil, condições insalubres e degradan-
consciência da importância e o impacto que a cadeia de moda tem sob o tema, tes, entre outras infrações em diferentes oficinas de costuras de subcontratadas de
profissionais da área e consumidores passaram a exigir não apenas produtos “eco” fabricantes de roupas da Zara.
mas também melhor condições para aqueles que o produzem.
Este e outros riscos inerentes a cadeia produtiva da moda como danos ambientais,
E onde entra o Compliance e sua relação com a Moda? Palavra de origem ameri- pirataria, dumping social, evasão de divisas, lavagem de dinheiro são algumas das
cana, o termo Compliance vem do verbo inglês “to comply”, significando cumprir, situações enfrentadas pelo segmento. Além de trazer problemas financeiros, estas
satisfazer ou realizar uma ação imposta (GIOVANINI, 2014). Na prática, o departa- provocam danos a reputação e imagem causando a desvalorização da marca além
168 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 169
de contribuírem com a corrupção. Desta forma, faz-se essencial estar preparado já não são mais aceitos. Estamos na era da vigilância onde todos observam e co-
para entender as adequações às leis e conformidades para obter continuidade nos bram melhores atitudes. O que a corrupção tem a ver com a moda? Iniciamos na
negócios e assim permanecer no mercado. concepção da empresa onde temos contato direto com órgãos públicos na obten-
ção das licenças necessárias para abrir o negócio, serviços estes prestados pelo
COMPLIANCE, MODA E OS PEQUENOS DESVIOS DE CONDUTA DE CADA DIA setor público que é considerado historicamente uma relação de risco. Ao longo dos
processos dos mais diversos segmentos da cadeia da moda, ainda temos riscos
Descarte incorreto de sobra de material, discriminação, assédio, fraude, entre ou- como propina, fraude, falsificação, direitos humanos, doação, antitruste, pagamen-
tros são riscos que alinhados a decisões de negócio não transparentes da gestão tos de facilitação entre outros. O Compliance como alicerce da governança corpo-
são frequentes em empresa de moda. Pequenos desvios de conduta no nosso rativa, ajuda a empresa a mapear e monitorar os riscos de Compliance inerentes ao
dia-a-dia profissional podem acarretar grandes consequências gerando problemas mercado e as operações da empresa.
para as organizações e ainda maiores para toda a sociedade. A transparência nos
negócios e na tomada de decisão nunca foi tão cobrada e necessária para sua a Organizações de todos os portes do ramo da moda precisam redesenhar seu rela-
continuidade. Ela é um passo essencial para uma real mudança na relação das cionamento com seus colaboradores, sua cadeia de fornecimento e consumidor
indústrias com negócios mais éticos. final para que os males causados sejam revertidos a longo prazo. Estamos apenas
no começo da mudança. Podemos ver que avanços vêm acontecendo na área, mas
O Código de Conduta ou Código de Ética, é o primeiro passo para combater os pos- ainda é difícil saber #quemfezminharoupa (FASHION REVOLUTION, 2108). A Lei nº
síveis desvios na empresa. O Código é o documento formal onde a empresa deve 12.846/13 veio para reforçar a necessidade em aprimorarmos a transparência nos
escrever aquilo que se espera de seus funcionários e terceiros demostrando para negócios em sua amplitude da palavra para que a mudança real e efetiva aconteça.
a sociedade de que forma irá atuar no mercado. Temas como respeito aos direitos
humanos, condições adequadas de segurança e saúde do trabalho, sustentabili- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
dade e tolerância zero à corrupção são temas mandatórios do Código, passando a
mensagem de acordo com os valores da empresa. O departamento de Compliance AULER, Daniela; SANCHES, Gabriela (Org.). Moda inclusiva. Barueri, São Paulo: Edi-
é o guardião do documento e, mas que isso, é o responsável por conscientizar e tora Estação das Letras e Cores, 2018.
agir de forma a garantir a mitigação dos riscos relacionados a ele.
COIMBRA, Marcelo de Aguiar; BINDER, Vanessa Alessi Manzi (Org.). Manual de com-
Um programa de compliance deve ser independe para ter sua autonomia de gestão, pliance: preservando a boa governa e a integridade das organizações. São
medidas de prevenção, detecção e investigação. Como atividades de prevenção pode- Paulo: Editora Atlas, 2010.
mos citar as políticas e procedimentos internos, treinamentos e comunicação aos fun-
cionários e sua cadeia produtiva. A conscientização de todos os envolvidos, direta ou GIOVANINI, Wagner. Compliance: a excelência na prática. 1 edição. São Paulo:
indiretamente, na empresa é a chave para se estabelecer uma relação justa e de con- [Editora Independente], 2014.
fiança com todas as partes interessadas. É necessário que todos saibam a importância
do seu papel dentro e fora das empresas. As atividades de detecção são os processos, MINISTÉRIO DA TRANSPARÊNCIA - Ministério da Transparência divulga empresas
ferramentas e controles estabelecidos a fim de mitigar os riscos, como por exemplo o aprovadas no Pró-Ética 2016 – 2016 - Disponível em: https://www.cgu.gov.br/noti-
due diligence, processo de levantamento de informações das partes interessadas ao cias/2016/11/ministerio-da-transparencia-divulga-empresas-aprovadas-no-pro-eti-
negócio para ajudar a tomada de decisão. E, em conjunto com demais áreas especia- ca-2016 - Acesso em: 01 de julho de 2019.
listas, realizam o plano de ação acordado a fim de mitigar os riscos identificados res-
guardando então a imagem e reputação da marca. A parte relacionada a investigação FASHION REVOLUTION. Índice de Transparência da moda Brasil. 2018
serve para dar a resposta adequada quando comprovado atos de desvio de leis e / ou
políticas internas, de forma deliberada ou não, conforme sua gravidade. REPÓRTER BRASIL - Especial Zara: flagrantes de escravidão na produção de
roupas de luxo – 2011 – Disponível em: https://reporterbrasil.org.br/2011/12/espe-
Por que o Compliance veio para ficar? O consumidor final também descobriu os cial-zara-flagrantes-de-escravidao-na-producao-de-roupas-de-luxo/ – Acesso em:
males relacionados a corrupção e a tolerância para estes atos nocivos a economia 28 de agosto de 2019.
170 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 171
COMPLIANCE PARA MODA SUSTENTÁVEL Diante da reforma trabalhista, da nova lei de terceirização e de novas ferramentas
como o compliance, buscamos apresentar diretrizes no sentido de alcançar níveis
satisfatórios de trabalho decente nesta cadeia produtiva.
Kele Cristina Schuller; OAB/SC 39.307; kele.schuller@gmail.com
O compliance é o conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integri-
dade e auditoria na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e
Resumo: Dumping social, subordinação estrutural, trabalho infantil, trabalho aná- diretrizes com objetivo de tornar a cadeia produtiva socialmente responsável, uma
logo ao escravo e fraudes tributárias desestabilizam varejistas de moda que veem estrutura múltipla que inclui pessoas, processos, sistemas, documentos, ações e
seu valor cair a cada escândalo e são responsabilizados pelas condutas e des- ideias, que são os pilares de um programa de compliance. Esse conceito pode ser
cumprimentos dos termos de ajustes de conduta nas suas cadeias produtivas. Há verificado na Lei nº 12.846/2013, conhecida como lei anticorrupção. Porém sua apli-
ferramentas para nortear ações no desenvolvimento de uma indústria de moda em cação é mais antiga. Vem desde a lei Sarbanes-Oxley (EUA) de 2002.
conformidade com a ética e a legislação?
Então devemos observar que se os comerciantes produzem e, portanto são tam-
Palavras-chave: Compliance, fast fashion, cadeia produtiva de moda, sustentabili- bém indústrias e se tornam “fabricantes sem fábrica”, conceito trazido por Jacques
dade, responsabilidade social. (2016, p. 165) deveriam ter a responsabilidade sobre os problemas encontrados na
produção, mas, as desculpas vêm acompanhadas de arrazoados sobre como os
fornecedores quarteirizaram a produção e o comerciante nada poderia fazer diante
Todas as empresas devem respeitar as leis e cumprir normativas no desenvolvi- de uma cadeia produtiva tão complexa, conforme nos ensina Bignami (2018).
mento dos seus negócios. Cada vez mais o consumidor está atento se os produtos
que adquirem são provenientes de produções que respeitam a dignidade humana O Ministério Público do Trabalho da 21ª Região em sua petição inicial na Ação Civil
na figura do trabalhador, se respeitam o ambiente e ainda se estão adequadas à Pública nº 0000694-45.2017.5.21.0007 explica queo varejista comercializa peças
responsabilidade social empresarial. que são produzidas por contrato de fornecimento. Este impõe as condições de
tempo, de produção, entrega os materiais e etiquetas e estabelece o preço. São
Atualmente, os negócios de moda podem sofrer processos cíveis em relação à res- assim, empresas criadas sob dependência econômica total da contratante, mas, os
ponsabilidade civil por “culpa in iligiendo ou vigilando”, em virtude dos fornecedo- empregados não recebem os mesmos valores salariais e não possuem as mesmas
res escolhidos; dano moral por downsizing que é a redução intencional da produção condições de trabalho que a contratante destina aos empregados de suas próprias
através de determinado parceiro de negócios; processos criminais por flagrante de fábricas.
trabalho análogo ao escravo ou por causar danos ambientais; e também, trabalhis-
tas por dumping social e dano coletivo. Podem ainda sofrer a restrição de crédito O instituto do dumping social é decorrente da prática concorrencial acima
bancário e financiamentos, suspensão de comercialização de produtos quando destacada e tem sido traduzida conforme assinala Souto Maior, Moreira, Severo
participante de cadeia produtiva e até, no caso de flagrante por trabalho análogo ao apud SANTOS, 2018:
escravo, no Estado de São Paulo, por exemplo, a suspensão por dez anos da inscri- ...“dumping social” constitui a prática reincidente, reiterada, de descumprimento da
ção no ICMS e o impedimento de criar novas empresas. legislação trabalhista, como forma de possibilitar a majoração do lucro e de levar
vantagem sobre a concorrência”.
Para o desenvolvimento de uma cadeia produtiva que concilie o trabalho decente
e com o desenvolvimento econômico é necessário observar as práticas legais que De acordo com Santos (2018), mesmo que Constituição Federal estabeleça em seu
devem ser adotadas por todos os elos desse cenário, sejam varejistas ou produto- Art. 170, IV o direito a livre concorrência, o princípio da boa-fé é que deve regê-lo.
res e prestadores de serviços. Ainda faz-se necessário observar que o Brasil ratificou a Convenção número 29 da
OIT e ainda prevê seu conceito no artigo 149 do Código Penal Brasileiro.
A sustentabilidade na indústria da moda tornou-se estratégia empresarial e de
marketing e meta da Organização das Nações Unidas (ONU, 2015) e o trabalho de- A Constituição Federal do Brasil de 1988 no artigo 7º, XXXIII e as Convenções 138 e
cente possui uma agenda específica na Organização Internacional do Trabalho (OIT, 182 da Organização Internacional do Trabalho foram ratificadas pelo Brasil e tam-
1999).
172 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 173
bém tratam da idade mínima para admissão ao trabalho e quais as piores formas Já a Lei 14.946/13, do Estado de São Paulo, conhecida como Lei Bezerra, que leva o
de trabalho infantil respectivamente. sobrenome do Deputado Estadual que a propôs, prevê punição àquelas empresas
Ora, o uso de trabalho infantil não é tipificado como crime em nosso ordenamen- que comercializarem produtos que fizeram uso do trabalho análogo ao escravo em
to jurídico. E a única punição para quem o utiliza, são as multas aplicadas pelo qualquer etapa de sua produção que é a suspensão da inscrição no cadastro de
Ministério do Trabalho e Emprego. Há que se observar ainda o Decreto 6481/2008, contribuintes do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e
a “Lista TIP” que traz a proibição para o trabalho de menores de dezoito anos de sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Co-
idade em determinados locais e atividades. municação (ICMS).
O emblemático Acordo de Bangladesh para Segurança Predial e Contra Incêndios BRASIL. Decreto 6481/2008. Lista TIP. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
(OIT, 2017), criado em razão da tragédia em Bangladesh em abril de 2013 (JEPPE- ccivil_03/_ato2007-2010/2008/decreto/d6481.htm> Acesso em 10 jun. 2018.
SEN, 2018). Após a criação do Acordo, as empresas de confecção em todo o mundo
são constantemente auditadas e certificadas por diversos órgãos e mesmo pelos DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do Trabalho. 15 ed. São Paulo: LTr,
próprios comerciantes, para reduzir as condições degradantes de trabalho. 2016.
No Brasil, a Associação Brasileira do Varejo Têxtil conhecida como ABVTEX, criou o ELKINGTON, John. Sustentabilidade, canibais com garfo e faca. São Paulo: M.
programa de Certificação de Responsabilidade Social e monitoramento da cadeia Brooks do Brasil Editora Ltda., 2012.
produtiva têxtil. São associadas à ABVTEX a maioria dos varejistas de moda
conhecidos no Brasil. Desde redes de fast fashion, até marcas de luxo como Calvin ESTADO DE SÃO PAULO. Lei nº 14.946, de 28/01/2013. Disponível em <https://
Klein, Dudalina, Le Lis Blanc e outras. www.al.sp.gov.br/norma/169311> Acesso em: 25 mai. 2018.
Há ainda ações que podem nos indicar um caminho a ser seguido. A Levi Strauss JACQUES, Caroline da Graça. Precarização e Trabalho Decente nas Cadeias Pro-
marca internacional que vende principalmente produtos em jeans, pagou às sub- dutivas Globais. Florianópolis: Em Debate / UFSC, 2016.
contratadas para manter crianças até quatorze anos de idade na escola, conforme
nos informa Elkington (2012, p. 179-180). O autor ainda indica que para criar riqueza JEPPESEN, Helle. O que mudou na indústria têxtil de Bangladesh cinco anos
é necessário ter valores condizentes com o que a sociedade impõe. após tragédia. Disponível em: <https://p.dw.com/p/2wYXo> Acesso em: 23 jul.
2018.
O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) está previsto na Lei da Ação Civil Publi-
ca, Lei nº Lei n. 7.347/85: “§ 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos MOREIRA, Reinaldo Costa. Estudo Comparativo das Cadeias de Abastecimento
interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, na Indústria do Vestuário. 2011. 121 f. Tese (Doutorado) - Curso de Engenharia
mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.” Industrial, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Porto, 2011. Disponí-
vel em: <https://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/62034>. Acesso em: 18 out.
2017.
174 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 175
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. COMPROMISSO DE TER UMA REDE
Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento DE FORNECIMENTO SUSTENTÁVEL NA C&A
Sustentável. ONU, 2015. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/wp-content/
uploads/2015/10/agenda2030-pt-br.pdf> Acesso em: 04 mar. 2018
Donatti, C&A Brasil; francislei.donatti@cea.com.br
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Trabajo decente. Memória do Dire- Rodrigo Lasalvia; C&A Brasil; rodrigo.lasalvia@cea.com.br
tor Geral apresentada à 87ª Conferência Internacional do Trabalho. Genebra: Thailla Calabrez; C&A Brasil; thailla.calabrez@cea.com.br
1999. Disponível em: <http://www.ilo.org/public/spanish/standards/relm/ilc/ilc87/ Leandro Ito; C&A Brasil; leandro.ito@cea.com.br
rep-i.htm> Acesso em: 05 nov. 2017.
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. 2017 Accord on Fire and Building Resumo: Desde 2006 a C&A Brasil tem um programa de monitoramento de sua
Safety in Bangladesh: May 2017 <http://bangladeshaccord.org/wp-content/up- rede de fornecedores, do ponto de vista social e ambiental. A empresa foi a pri-
loads/the_accord.pdf> Acesso em: 05 nov. 2017. meira de seu segmento, no Brasil, a auditar e desenvolver seus fornecedores para
garantir melhores condições de trabalho àqueles que produzem as roupas comer-
SANTOS, Enoque Riberio dos. O Dumping nas relações de trabalho – Formas de cializadas na C&A.
Combate. Disponível em: <https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/85659>
Acesso em: 25 mai. 2018. Palavras-chave: cadeia de fornecedores, sustentabilidade, responsabilidade so-
cial.
Com essa mudança, também unificamos nosso “Código de Conduta para o Forne-
ci- mento de Mercadorias da C&A”, que traz o padrão de conduta comercial que es-
peramos nas negociações com nossos fornecedores, e as “Diretrizes de Suporte ao
Código de Conduta da C&A para Fornecedores de Mercadoria”, ambos disponíveis
publicamente para consulta. Apesar de cada local trazer cultura, normas e valores
176 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 177
diferentes, acredi- tamos que certos padrões sejam universalmente válidos e que CONTRIBUIÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DA SOCIEDADE E DA EMPRESA
devam ser aplicados a todas as nossas atividades comerciais. Com isso, todos os
fornecedores passam a ser avaliados sob a mesma ótica e de forma comparável Ao monitorar nossa rede de fornecimento, podemos colaborar para a melhoria do
com outras regiões. Ao final das auditorias, realizadas sem agendamento prévio, os setor e fomentamos que eles busquem melhores padrões de relações de trabalho,
fornecedores são classificados com uma nota que vai de A a E (sendo “A” a melhor), saúde, segurança e respeito ao meio ambiente. Assim, evitamos riscos, consoli-
e dependendo do resultado pode ser gerado um plano de ação, que passa a ser damos nossa posição de liderança no setor, além de ser um dos fatores de enga-
acompanhado por um time dedicado. jamento interno, ge- rando orgulho em pertencer, pois, mensalmente, oferecemos
aos nossos funcionários a oportunidade de conhecerem o processo de auditoria
Já foram realizadas mais de 17 mil auditorias até 2018, que acontecem pelo menos feito por meio da Jornada de Aprendizagem. A Jornada é uma oportunidade em que
uma vez ao ano. O protocolo de auditoria contém uma lista com mais de 130 itens profissionais de diferentes áreas da C&A acompanham um auditor, vendo in loco a
e algumas infrações são inaceitáveis, como por exemplo a eventual ocorrência de importância desse trabalho.
trabalho infantil.
RESULTADOS SIGNIFICATIVOS DESSE COMPROMISSO
GOVERNANÇA E MONITORAMENTO 1
Em 2018 , auditamos mais de 700 unidades de produção entre fornecedores e sub-
O monitoramento dos nossos fornecedores faz parte da nossa estratégia global con- tratados, o que representa cerca de 1.400 auditorias no ano e mais de 130
de sus- tentabilidade, que é acompanhada diretamente por um Comitê Global de itens verifi- cados. Ao fazer o monitoramento em nossa rede de fornecimento quer-
Sustentabili- dade. Essa estratégia está estruturada em três pilares: Produtos; Rede emos, mais do que garantir que os produtos são feitos de forma íntegra, garantir
de Fornecimento e Vidas Sustentáveis. O pilar de Rede de Fornecimento engloba as que os trabalhadores tenham seus direitos respeitados, que tenham condições de
questões ambientais e também de saúde, segurança e condições de trabalho em trabalho justas e seguras e que o impacto ao meio ambiente seja minimizado.
nossos fornecedores.
No assunto meio ambiente os monitoramentos seguem padrões globais, como por
Para a C&A o monitoramento da rede de fornecedores não é só uma estratégia exemplo ZDHC (Descarte Zero de Produtos Químicos Perigosos) e dos Requisitos de
de ne- gócio, mas sim um valor, pois queremos oferecer aos nossos consumi- Referência Ambiental do Programa Global de Conformidade Social (GSCP).
dores uma moda com impacto positivo. E essa moda só é possível quando os tra-
balhadores que nela atuam são respeitados e têm condições dignas de trabalho; ENGAJAMENTO DA REDE DE FORNECIMENTO PARA UM OBJETIVO
quando o meio ambiente é cuidado e garantimos que nossas ações causem menor
impacto a ele; e quando ofere- cemos aos nossos clientes produtos que foram Nossos fornecedores e seus subcontratados são visitados ao menos uma vez ao
feitos nesse ambiente de respeito e cui- dado, e que passaram por rigorosos pro- ano. Por meio de relacionamento próximo com eles, nos dedicamos a melhorar as
cessos de avaliação e monitoramento, sem cus- tos adicionais. As áreas de negócio condições de trabalho das pessoas e as questões ambientais dessas unidades pro-
também estão alinhadas aos compromissos e con- sideram um dos passos im- dutivas, de forma que, em 2020, nos ajudem a alcançar nosso objetivo de comer-
portantes do desenvolvimento de produto na C&A. Com o nosso programa global cializar 100% de nossos produtos vindos de fornecedores com as melhores notas
de auditoria, passamos a ter uma célula de Desenvolvimento de Fornecedores, que (A e B). Para isso, acreditamos na corresponsabilidade e engajamento. Nosso
tem como objetivo assessorar as unidades de produção no cumpri- mento dos pla- sistema de auditorias funci- ona da seguinte forma: todas as unidades produtivas
nos de ações corretivos gerados nas auditorias. recebem uma nota ao final do processo, que varia de A a E. No caso dos subcon-
tratados, quando recebem nota E, automaticamente o fornecedor relacionado a ele
Após toda essa trajetória de monitoramento, avaliação e desenvolvimento de nossa recebe a mesma nota, pois acredita- mos que, desta forma, somamos forças para
rede de fornecimento, demos um passo além rumo à transparência: desde 2017, melhorar as condições desses locais.
divulgamos nossa lista de fornecedores e seus respectivos subcontratados.
O monitoramento de nossa rede de fornecimento é acompanhado pelo time glob-
al de sustentabilidade da C&A e, para ajudar a alcançar nossa meta, critérios de
sustentabili- dade constituem 20% da avaliação do fornecedor global, juntamente
com preço, quali- dade, entrega e execução do produto. Além disso, contamos com O FUTURO DE NEGÓCIOS RESPONSÁVEIS:
o apoio de uma em- presa terceira para avaliar a qualidade da implementação da UMA ANÁLISE SOBRE O SLOW FASHION
nossa estratégia de rede de fornecimento sustentável e nosso Código de Conduta.
Esse processo acontece por meio da revisão de documentos e auditorias que são
acompanhadas por terceiros que, ao final, nos dá bons conhecimentos sobre nossos Lucas Phelipe Gusmão Mulim; Universidade Federal do Rio de Janeiro - COPPEAD; lucas.mulim@me.com
pontos fortes e as áreas de melhoria. Paula Castro Pires de Souza Chimenti; Universidade Federal do Rio de Janeiro - COPPEAD; paula.chimen-
ti@coppead.ufrj.br
COMPARTILHAMENTO E PARCERIAS
Em 2010, quando já tínhamos nosso programa de monitoramento implementado, Resumo: O slow fashion é um movimento que visa trazer responsabilidade social e
cola- boramos com a ABVTEX na criação do Programa de Certificação de Fornece- sustentabilidade para a produção e o consumo da moda. Contudo essa forma de se
dores AB- VTEX, que tem como principal objetivo permitir ao varejo certificar e produzir esbarra com alto custo – que dificulta seu desenvolvimento no mercado.
monitorar seus for- necedores quanto às boas práticas de responsabilidade social e Este trabalho se propõe a por meio da construção e análise de cenários, analisar o
relações do trabalho. Além disso, divulgamos diversas informações sobre o nosso futuro deste mercado e discutir possíveis estratégias para as marcas.
programa global, com o objetivo de fomentar e incentivar que a indústria conheça
nossas práticas. Palavras-chave: Cenários; Slow Fashion; Estratégia
Também fomos a primeira empresa do varejo de moda a assinar o Pacto pela Erradi-
ca- ção do Trabalho Escravo; somos a primeira empresa do varejo de moda que ob- INTRODUÇÃO
teve classificação verde no Aplicativo Moda Livre, desenvolvido pela ONG Repórter
Brasil que combate o trabalho escravo no Brasil. O slow fashion (FLETCHER, 2008, 2010; POOKULANGARA; SHEPHARD, 2013; JOHANS-
SON, 2010) é um recente movimento na indústria da moda, principalmente a têxtil,
Recentemente, revisamos nosso “Manual de Boas Práticas de Trabalho”. Direciona- marcado por uma troca de padrões de consumo e produção. Pela via do consu-
do à rede de fornecimento, é mais uma forma de disseminar essas boas práticas e mo, esse movimento busca mudar a forma com que os indivíduos consomem
orientar as unidades produtivas que fabricam direta ou indiretamente nossos pro- vestuário – de forma a trocar volume por qualidade. Em seu outro eixo, promove
dutos a se co- nectarem com nosso propósito. produções sustentáveis; reduzindo resíduos e utilizando recursos naturais de for-
ma menos nociva ao meio ambiente. Contudo, essa forma responsável de gerir
negócios esbarra com a relação lucro versus ética; visto que operar dessa forma
envolve muitos custos; o que encarece o produto final e por consequência, diminui
a competitividade destas empresas.
Posto esta problemática, este trabalho visa por meio da metodologia de construção
de cenários (SCHOEMAKER, 1995) promover uma análise do setor do slow fashion,
visando compreender possíveis futuros; considerando como incertezas críticas
dois fatores que implicam no custo e na sustentabilidade; e por fim, discutir estra-
tégias que possam contribuir para o aumento da competitividade de marcas slow e
maior inserção no mercado consumidor.
MÉTODO
se qualitativa buscando aprofundamento nas nuances do movimento e exploratória mesmo com o cenário 2, onde parte do discurso que diferencia o movimento do
(MALHOTRA, 2006). Para a coleta de dados, foram consultados os materiais insti- resto da indústria, virou um padrão, as marcas ainda conseguiam apostar em cap-
tucionais das marcas Ahlma, Narooma e Re-Roupa; e também profissionais que tar consumidores conscientes com discursos que se aproveitem da ideia de produ-
trabalham nestas empresas. ção limpa e responsabilidade social.
A metodologia de construção e análise de cenários, conforme Garvin e Levesque
(2006) visa explorar possíveis futuros para empresas com base em possibilidades e O elevado custo da produção, continua sendo um dos grandes rivais no que se
fatores macro ambientais; onde se mapeia um número de possíveis futuros – com diz respeito ao aumento da competitividade; entretanto, os achados da análise de
narrativas para descrevê-los; após esse processo, discute-se possíveis estratégias Pokulangara e Shephard (2013), indicam que os consumidores não possuem conhe-
para que as organizações estejam aptas a lidar com as possíveis realidades (GAR- cimento adequado sobre slow fashion para tomar decisões de compras conscien-
VIN; LEVESQUE, 2006, p. 1) tes e que quanto mais informado, o consumidor tende a considerar opções mais
éticas e sustentáveis. Portanto; investir em transparência e conscientização parece
RESULTADOS, CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES ser um dos caminhos mais eficazes a se seguir.
A partir do cruzamento da revisão de literatura com as entrevistas coletadas em A metodologia empregada na confecção deste trabalho se torna importante neste
campo, duas incertezas foram identificadas como críticas para as marcas; como contexto para mapear futuras possibilidades e tendências; abrindo caminho para
o comportamento do consumidor com relação a sustentabilidade – no sentido de análises mais profundas sobre o comportamento do consumidor. Conforme Kapfe-
aumento da consciência ambiental; e o avanço de tecnologias de reciclagem. Ao rer (2003) esse tipo de estudo ajuda a definir quais inovações irão ser úteis no futu-
combinar as duas incertezas críticas, formam-se quatro cenários futuros para o ro para a sobrevivência da marca; conforme os cenários indicaram, talvez o futuro
mercado do slow fashion para o futuro, descritos a seguir: não seja se basear fortemente em discursos ambientais – visto que a tendência é
que o ecológico de hoje vire o status-quo daqui a anos.
O futuro pode estar mais atrelado às tendências de tornar os negócios mais so-
ciais como é previsto em linhas de raciocínio como o capitalismo consciente
(MACKEY; SISODIA, 2014). Grandes empresas nacionais do ramo da moda já estão
se atentando à essas tendências e criando projetos inspirados nessas ideias, se
preparando para um consumidor do futuro – como é o caso da Farm.
Já é possível se deparar com empresas que estão totalmente inseridas nessa futu-
ra lógica; como é o caso da Dobra; que não abandona o discurso ambiental – mas
que coloca como prioridade a responsabilidade social; inclusive tomando posturas
radicais se comparadas aos modelos de gestão atuais, como gestão horizontal
sem chefes, supervisores e coordenadores e participação direta nos lucros da em-
presa para todos os funcionários.
Essas evidencias indicam que o próximo desafio para a indústria da moda, não seja
ainda o ambiental; mas sim a participação das marcas diretamente na sociedade.
Quadro 1: Matriz de cenários
Fonte: Elaborado pelos autores REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Nesta pesquisa foram identificados quatro cenários que ressaltam possibilidades FLETCHER, Kate. Sustainable Fashion and Textiles: Design Journeys. Londres:
que interferem na competitividade de marcas slow. Indicando principalmente que Earthscan, 2008.
essas marcas precisam investir cada vez mais em conscientizar pessoas; pois
182 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 183
_____________ – Slow Fashion – an invitation for system change. Fashion Practice, A INDÚSTRIA EM NOVO CENÁRIO DE CONSUMO:
Reino Unido, v. 2, n. 2, p. 259-266, abril 2010. PROPOSIÇÕES DE ESTRATÉGIAS DE SUSTENTABILIDADE.
GARVIN, David A.; LEVESQUE, Lynne C. Considerações práticas sobre planejamento
com cenários. Havard Business School, 2006. Fátima de Carvalho. Universidade Positivo, fatima.carvalho@up.edu.br
Ana Claudia Lafraia. Universidade Positivo,anaclaudiabezeruska@gmail.com Henrique Fumaneri.Univer-
JOHANSSON, Eleonor. Slow Fashion – an answer for a sustainable fashion in- sidade Positivo,henriquefumaneri@gmail.com
dustry? 2010. 94 f. Dissetação (Mestrado em Applied Textile Management) – The
Swedish School of Textiles, University of Borås.
Resumo: Este trabalho propõe um modelo de desenvolvimento de coleção susten-
KAPFERER, Jean N. As marcas, o capital da empresa: criar e desenvolver marcas tável sob um aspecto holístico. Através de uma coleção de moda praia, são propos-
fortes. Porto Alegre: Bookman, 2003. tas soluções que interliguem três níveis, o de produto, o de modelo de negócios e o
das práticas da indústria em relação ao comportamento do consumidor.
MACKEY, John; SISODIA, Raj. Capitalismo consciente: como libertar o espírito
heroico dos negócios. São Paulo: HSM, 2014. Palavras-chave: sustentabilidade, abordagem holística, moda praia.
POOKULANGARA, Sanjukta; SHEPHARD, Arlesa – Slow Fashion Movement: under- Mesmo com os esforços de diminuir-se o conflito do conceito temporal entre moda
standing consumer perceptions – an exploratory study. Journal of retailing and e sustentabilidade (BLY et al. 2015), sua abordagem é mais abrangente e neces-
Consumer Services, Reino Unido, v. 20, n. 2 p. 200-206, março 2013. sita de um entendimento holístico, desde a consideração das matérias primas e
processos produtivos até um nível mais intangível, relativo ao comportamento de
SCHOEMAKER, Paul J. H. – Scenario Planning: a tool for strategic thinking. Sloan consumo (NIINIMÄKI, 2013). Esse é um cenário rumo à mais maturidade em relação
Management Review, Massachusetts, v. 36, n. 2, p. 25-40, dezembro 1994. à sustentabilidade (PERES e SANTOS, 2016), onde a Indústria da Moda deve se posi-
cionar de forma cada mais interconectada, observando além dos aspectos mate-
riais, novos modelos de negócios que reflitam o aumento da vida útil dos produtos,
bem como o consumo consciente (MARTINS et al. 2011; FLETCHER e GROSE,2011;-
GWILT, 2012). Nesse contexto, é importante considerarem-se aspectos dentro de
um sistema de circularidade, ou seja, como materiais, relação com consumidores e
fornecedores e alinhamento a políticas públicas são considerados ao longo de todo
o ciclo de vida do produto. Com isso, a Análise de Ciclo de Vida (ACV) comparece
como a ferramenta mais adequada, utilizada tanto para avaliar quanto para estimar
os impactos ambientais de um produto, ao longo de sua vida ( WOOLRIDGE et al.
2006; WOLF et al. 2012). Por outro lado, o segmento de moda praia no Brasil é repre-
sentado por cerca de 700 empresas formais, e é o principal item de exportação da
moda nacional, representando US$ 10,8 milhões em exportação ( ABIT, 2018). Nes-
se sentido, abordar a sustentabilidade para um mercado mais atento à essa questão
torna- se também uma oportunidade de negócio. Assim, o objetivo deste trabalho
foi o de propor estratégias de sustentabilidade rumo a um cenário de consumo
consciente ( PERES e SANTOS, 2016) adequadas à uma confecção de moda praia,
considerando as abordagens de produto, modelo de negócios e do comportamento
do consumidor (FLETCHER e GROSE, 2011) ao longo do ciclo de vida.
184 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 185
ROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.
RESULTADOS E DISCUSSÃO.
WOLF. O. et al. (Ed.) Environmental improvement potential of textiles (IMPRO- Para alcançar o objetivo da pesquisa, múltiplas fontes para a coleta de dados e evidên-
Textiles).Disponível em cias foram usadas (YIN, 2010). O intuito foi o de realizar a triangulação dos dados: site,
http://susproc.jrc.ec.europa.eu/textiles/docs/120423%20IMPRO%20Textiles_Publica-
notícias, documentos e etc.; pesquisa bibliográfica sobre o tema e entrevistas semies-
ti on%20draft%20v1.pdf. Acesso em: 15 mai. 2012.
truturadas com os executivos das empresas fabricantes e que utilizam os tecidos. As
WOOLRIDGE, A.; WARD, G.D.; PHILLIPS, P.S.; COLLINS, M.; GANDY, S. Life cycle entrevistas foram realizadas no evento “Brasil Eco Fashion Week 2018” que aconteceu
assessment for reuse/recycling of donated waste textiles compared to use nos dias 15 e 17 de novembro de 2018, na cidade de São Paulo. Todas as entrevistas
of virgin material: an UK energy saving perspective. Resources, Conservation foram transcritas, ao todo, 16 páginas e mais 4 páginas de anotações, totalizando 20
and Recycling, v. 46, n. 1, p. 94-103, 2006. páginas. Os dados foram analisados com o auxílio do software MAXQDA.
188 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 189
DESENVOLVIMENTO DO TEMA: OS TECIDOS tura surgiu em 2010 e trabalhava com o reaproveitamento de resíduos de malharia
retilínea e fazendo moulagens e, atualmente, trabalha com malharia circular, tex-
Os tipos mais comuns de tecidos, considerados eco-friendly (ecologicamente cor- turas visuais e táteis (estampa com tinta certificada e colagem têxtil; Cotton Move,
reto ou ecos-amigáveis, ou seja, algo não prejudicial ao meio ambiente) são três: fundada em 2008, produz jeans por meio da técnica de reciclagem e; A Natural Cot-
Desfibrados; EcoSimple e Mãos Que Tecem (Daterra) (COLERATO, 2016). Os tecidos ton Color nasceu em 1995, com algodão colorido natural.
Desfibrados são os que seus fios são obtidos utilizando material desfibrado de
retalhos de tecidos. Depois de pesquisas e novos desenvolvimentos permitiram que Com as entrevistas foi possível verificar que as empresas não utilizam da gestão
o mercado da moda começasse a usá-los para produção de novos produtos. Os de projetos na criação e produção dos tecidos. Os entrevistados indicaram que não
tecidos desfibrados possuem resistência, são confortáveis e com aparência atra- possuem uma pessoa para cuidar, especificamente, de projetos. Todo o processo
tiva (COLERATO, 2016). A malha de jeans tem uma aparência rústica e de mescla está muito ligado ao dono da empresa, que conduz as etapas conforme a sua expe-
azulada. Também são feitos com PET reciclado – Poli (Tereftalato de Etileno) que é riência e conhecimento na área. E tudo é realizado de maneira informal.
um poliéster, polímero termoplástico (ABIPET, 1995). E, ou matéria-prima virgem,
como o algodão. Uma das proposições encontradas na literatura é a de que o tema inovação verde
é muito importante no ambiente empresarial (TARIQ et al., 2017). Devido à pressão
Já o EcoSimple foi fundado em 2010. Ele oferece uma diversidade de tecidos feitos imposta às empresas com o cuidado para com a sustentabilidade, e a necessidade
a partir da reciclagem de garrafas pets, retalhos e aparas da indústria têxtil. Os de se organizarem em relação a esse novo desafio, acredita-se que a gestão de
tecidos são múltiplos e servem para decoração, moda e produção de acessórios. projetos possa contribui para isso. Até porque os projetos inovadores verdes podem
As empresas que trabalham com este tipo de tecido usam um método de produção colaborar com o crescimento econômico, possibilitando qualidade de vida sem pre-
que não usa químicos e tem emissão zero de carbono (COLERATO, 2016). judicar o meio ambiente (BOTKIN & KELLER, 2011). Apesar de a teoria indicar esta
prática, este estudo de múltiplos casos mostrou que as empresas não usam for-
Mãos Que Tecem (Daterra): Localizada em uma pequena cidade no interior de malmente da gestão de projetos. A gestão de projetos é usada de forma intuitiva.
Pernambuco que vem o nome “Daterra”. A proprietária e artesã enxergou na quase
extinta arte do cipó e nas ourelas de jeans uma oportunidade de resgatar uma tra- Outra indicação encontrada na literatura é a de que a inovação verde pode melhorar
dição e reaproveitar resíduos. Assim, surgiu o tecido “Mãos Que Tecem” fabricados a imagem geral de uma empresa e, como consequência, pode levar a um melhor
com as ourelas descartadas dos tecidos jeans. Mãos Que Tecem é um tecido múl- desempenho no mercado (TARIQ et al., 2017). E, realmente, isso foi comprovado
tiplo que serve para produção de acessórios, bijuterias e roupas, mas foi no sapato nas entrevistas. As empresas percebem que trabalhar com a inovação verde é uma
que o tecido encontrou caminho para entrar no mercado de moda (COLERATO, estratégia excelente dentro de um mercado tão concorrido. E isso colabora com
2016). Majumdar e Marcus (2001) que explicam que a reputação positiva associada à ino-
vação verde aumenta o valor de mercado da empresa. Vai ao encontro também da
REFLEXÕES SOBRE A PESQUISA afirmação de que um melhor desempenho ambiental pode facilitar novas oportuni-
dades de mercado, melhorar a imagem geral ou o prestígio, aumentar a fidelização
O mercado da moda fast fashion cresceu rapidamente, a partir dos anos de 1990. dos clientes e apoiar os esforços de vendas (AMBEC e LANOIE, 2008; TRIEBSWETTER
Com esse modo de fazer moda, essa indústria ocupou o segundo lugar no ranking e WACKERBAUER, 2008).
das mais poluentes do mundo, segundo a BBC (JORNALISMO NIC, 2018). A preocu-
pação com a conscientização de um mundo melhor está despertando novos hábi- Essa relação se justifica por se tratar de empresas voltadas ao desenvolvimento
tos na população. Surge então, a moda sustentável ou eco fashion. Mesmo perce- de tecidos de inovação verde. Colerato, (2016) explica que os tecidos de inovação
bendo esta necessidade de mudança no setor da moda, a moda sustentável ainda verde estão cada vez mais crescendo e conquistando o mercado. Esse crescimento
é tímida e abrange, aproximadamente, 5% da população brasileira (JORNALISMO pode ser visto também pela criação de dois programas de certificação de matérias-
NIC, 2018). -primas desenvolvidos no Brasil. Um é o “Selo Origem Sustentável”, desenvolvido
em 2013 pela Assintecal, em parceria com a Abicalçados, o Sebrae e o Instituto By
O estudo foi realizado em 4 empresas: A movin® nasceu em 2011, com matérias- Brasil sob coordenação do Laboratório de Sustentabilidade da USP. Certifica empre-
-primas utilizadas são orgânicas, recicladas, alternativas e tecnológicas; Contex- sas da cadeia produtiva de calçados, com 52 indicadores acerca dos pilares social,
190 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 191
econômico, ambiental e cultural. O outro é a CSCB (Certificação de Sustentabilidade TARIQ, A., BADIR, Y.F., TARIQ, W.; BHUTTA, U.S. Drivers and consequences of green
do Couro Brasileiro) que audita os processos sustentáveis do setor coureiro no product and process innovation: A systematic review, conceptual framework, and
Brasil e se trata de uma iniciativa pioneira no mundo. São 173 indicadores como: future outlook, Technology in Society, v. 51, p. 8-23, 2017.
eficiência energética, consumo de água, relacionamentos com colaboradores e
gestão (BOSCOLO, 2018). TRIEBSWETTER, U.; WACKERBAUER, J. ‘Integrated environmental product innovation
in the region of Munich and its impact on company competitiveness’, Journal of
Uma das considerações parciais que se pode chegar com este estudo é que as em- Cleaner Production, v. 16, n. 14, p. 1484-1493, 2008.
presas que trabalham com inovação verde podem estar perdendo a oportunidade
de incluírem a gestão de projetos formal no seu dia a dia. Porque uma boa gestão YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 4. ed. Porto Alegre:
de projetos é essencial para os negócios que querem inovar, uma empresa que es- Bookman, 2010.
teja gerenciando bem seus projetos não terá dificuldades de gerenciar bem as suas
inovações (BARNES, 1991).
REFERÊNCIAS
AMBEC, S.; LANOIE. PWhen and why does it pay to be green? Academy of Manage-
ment Perspectives, v. 23, p. 45-62, 2008.
BOTKIN, D. B.; KELLER, E. A. Ciência Ambiental: Terra, um Planeta Vivo (7ª edi-
ção). Rio de Janeiro: Gen/LTC, 2011.
METODOLOGIAS ATIVAS NO ENSINO DE DESIGN DE MODA METODOLOGIAS ATIVAS PARA O PROJETO DE MODA
As ementas das disciplinas de ateliê baseiam-se em teoria e prática, com seu desen-
volvimento a partir de “competências e objetivos de aprendizagem”. Esses critérios
ajudam a contemplar as necessidades do mercado de moda, como por exemplo, a
resolução de problemas de forma rápida, trabalhar em equipes de projeto, aprender
a autodesenvolver-se, administrar, gerir projeto e executar projetos. Para o Projeto de
Moda com desenvolvimento de superfícies têxteis realizam-se experimentações com
diversos materiais além de tecidos, sendo esses materiais de downcycling, recycling
ou upcycling. O principal critério usado para o desenvolvimento de coleção é a susten-
tabilidade e a consciência projetual nas etapas metodológicas, sendo critério relevante
para desenvolvimento do projeto e confecção das peças finais. Os autores que auxiliam
no decorrer do projeto para criar novas bases têxteis são Bonsiepe (1984), Lobo (2014), Figura 1: Metodologia traçado por docente e discentes. Fonte: autor, 2019.
Udale (2010; 2015), Chataignier (2006), De Carli e Lenita (2015), e Vezzoli (2008).
194 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 195
A partir dos levantamentos realizados pelos alunos, são traçados possíveis REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
públicos que o projeto visa atender, e as possibilidades de materiais que podem ser
usadas para as criações, respondendo assim a “Problematização” traçada na me- PROJETO EM AÇÃO – Sobre o Projeto em ação – 201? https://projetoemacao.com/
todologia “O que?, Porque? Como? e Para quem?” (BONSIEPE, 1984; TREPTOW, 2013). site/fichaTecnica - Acesso em: jul. 15, 2019.
Posterior a isso, segue a etapas de “Inspiração”, em que é realizada a pesquisa de
inspiração e moodboard criativo, podendo utilizar de três possíveis autores elenca- BONSIEPE, Gui. Metodologia experimental: desenho industrial. Brasília: CNPq,
dos pelos alunos, para posteriormente chegar a etapa “Piração total” que consiste 1984.
na análise de materiais similares e seus usos. Para isso é utilizada a metodologia
de Bonsiepe (1984) com análises diacrônica, sincrônica, estrutural, morfológica e HATAIGNIER, Gilda. Fio a fio: tecidos, moda e linguagem. São Paulo: Estação das
de uso. Com as análises finalizadas inicia-se a etapa de testes de materiais, nessa Letras, 2006.
etapa cada aluno deve coletar os materiais seguindo os critérios da sustentabilida-
de para menor impacto ambiental utilizando de tecidos ou materiais descartados DE CARLI, Ana Mery Sehbe e LENITA, Bernardete S. Moda, Sustentabilidade E
(DE CARLI e LENITA, 2015). Emergências [e-book]. Educs; n.d. 2015.
São criadas gerações de alternativas e escolhidos os croquis da coleção, as carte- LOBO, Renato Nogueirol. Fundamentos da tecnologia têxtil da concepção da
las de cores, e possibilidades que deram certo sobre o uso dos materiais que irão fibra ao processo de estamparia. São Paulo Erica 2014
contemplar a coleção. Para a etapa “Mão na massa” busca-se a realização final do
projeto, os discentes desenvolvem os croquis finais, confecção das peças, editorial MÓRAN, José. Mudando a educação com metodologias ativas. Coleção Mídias
de moda e vídeo fashion. Contemporâneas. Convergências Midiáticas, Educação e Cidadania: aproximações
jovens. Vol. II - Carlos Alberto de Souza e Ofelia Elisa Torres Morales (orgs.). PG: Foca
Uma das práticas para o projeto de 2019/01 foi o uso da plataforma online “Projeto Foto-PROEX/UEPG, 2015.
em Ação”, desenvolvida por Meurer. Segundo o site (201?) “O Projeto em Ação é um
sistema de gerenciamento de projetos acadêmicos que auxilia em seu planeja- PEZZOLO, Dinah Bueno. História, Tramas, Tipos e Usos. São Paulo: Editora SENAC,
mento e desenvolvimento, através de recomendações de conteúdo, inteligentes e 2007. SORGE, Richard e UDALE, Jenny. Os fundamentos do design de moda. Porto
colaborativas”. Essa plataforma ajuda na postagem das atividades de aula, cadas- Alegre: Artmed, 2009
tramento das entregas das atividades com os prazos finais e o que será solicitado
para cada entrega. A cada avaliação o professor pode solicitar revisão de etapas e TREPTOW, Doris. Inventando moda: planejamento de coleção. 5. ed. Brusque: Ed.
entregas, e também pontuar o desenvolvimento de cada etapa concluída. A plata- do autor, 2013
forma também tem um ranking em que os alunos podem acompanhar seu desen-
volvimento, e ainda podem acompanhar cada um dos projetos desenvolvidos e em UDALE, Jenny. Tecidos e Moda. Porto Alegre: Bookman Editora, 2010.
andamento.
UDALE, Jenny. Tecidos e moda. 2. Porto Alegre Bookman 2015. recurso online
CONSIDERAÇÕES FINAIS (Fundamentos de design de moda).
Percebe-se que todos os processos documentados na plataforma Projeto em Ação, VEZZOLI, Carlo. O cenário do design para uma moda sustentável. In: Pires, Dor-
são de extrema relevância para o desenvolvimento de cada participante, pois além otéia Baduy (Org.). Design de Moda: olhares diversos. Barueri: Estação das Letras e
do ranking na plataforma, tem-se as devolutivas semanais do professor a cada Cores, 2008.
entrega. Isso, auxilia no desenvolvimento do discente e em seu autodesenvolvi-
mento pois a cada feedback, realiza melhorias no projeto, tornando assim seu po-
sicionamento no ranking geral da turma melhor, e auxiliando no desenvolvimento
das competências e objetivos traçados na ementa. Percebeu-se que a partir da
autonomia projetual e do feedback contínuo sobre consciência das etapas para a
sustentabilidade durante o semestre mostrou-se de grande valia.
196 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 197
La Madeleine se auto-define como uma startup que oferece um espaço de compar- Parte dos dados é obtida de maneira automatizada, com a utilização de robôs que
tilhamento de roupas. Escolhemos a análise da marca pela facilidade de acesso seguem links e extraem das páginas visitadas dados públicos e não identificáveis.
aos processos internos e pelo caráter experimentativo da empresa. Importante Em seguida, os dados são limpos e armazenados em bases de dados para futura
salientar que a empresa é composta por quatro funcionários, sendo o fundador da mineração.
marca um dos autores do presente artigo: Wilame Vallantin.
Em relação ao tamanho do investimento feito para montar a estrutura informática,
a resposta foi que nenhum investimento em especial foi feito em material informá-
tico físico. Parte dos dados é armazenada e processada em serviços distantes (nu-
1. Graduado em Jornalismo pela Universidade Federal de Sergipe e Especializado em Ciência de Dados vem), o que dispensa a necessidade de investimento em uma estrutura própria de
pela Faculdade de Informática e Administração Paulista. E-mail: wilamelima@gmail.com
2. Graduada em Jornalismo pela Universidade Católica de Santos (UNISANTOS) com pós-graduação em Comu-
armazenamento e tratamento de dados. No entanto, para a escolha deste modelo,
nicação Organizacional pela Fundação Cásper Líbero. E-mail: silviacurado11@gmail.com
198 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 199
foi importante ter uma pessoa interna (sócio) com habilidades de programação e CONCLUSÕES
conhecimentos técnicos.
Pudemos entender que o material usado para o trabalho de coleta e análise con- Após a entrevista, entendemos que apesar de acessíveis, muitas das técnicas usa-
siste em um computador com configuração para utilização pessoal conectado à das no negócio exigiram tempo de preparação educacional e investimento em um
internet. curso de nível universitário. Algumas ferramentas são economicamente acessíveis
para pequenos negócios, mas ainda possuem elevada curva de aprendizagem.
A marca também usa fontes de dados gratuitas para o desenvolvimento do negó- Em menor escala, dados podem ser usados por pequenos negócios no mercado de
cio. Uma destas ferramentas é a ferramenta de Analytics do Google. O serviço é moda para automatizar processos internos, a cadeia logística e identificar clientes
gratuito e é usado para sustentar a tomada de decisões em relação à navegação em potencial. Dentro do mercado de Second Hand, enxergamos o uso de dados
no site da empresa e na formatação de campanhas institucionais, com base nos como a possibilidade de adicionar valor a uma peça e expandir o interesse pela
dados demográficos dos visitantes do site. marca por clientes da cadeia tradicional de moda.
Uma outra metodologia usada pela marca é o Growth Hacking. De acordo com a A análise de dados permite reação rápida e maior inteligência no momento de ad-
agência MLT Creative (2019), a técnica consiste em usar programação e tecnologia quirir e precificar peças, evitando erros de precificação inerentes ao mercado de
para expandir uma marca no mínimo de tempo possível. Percebemos que a em- usados. Ao analisar o potencial de venda de uma peça antes da compra, a marca
presa usa técnicas ligadas a esta metodologia para atrair mais clientes através de reduz o risco e aumenta a margem de lucro.
seus perfis em redes sociais, principalmente pelo Instagram, ou através do chama-
do marketing de indicação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
RETORNO SOBRE O INVESTIMENTO AFZALUL AFTAB, Md; YUANJIAN, Qin; KABIR, Nadia; BARUA, Zapan. Super Respon-
sive Supply Chain: The Case of Spanish Fast Fashion Retailer Inditex-Zara.
A respeito do retorno sobre o investimento em análise de dados, pode-se notar uma International Journal of Business and Management, 2018.
melhora:
SANDERS, Nada R. How to Use Big Data to Drive Your Supply Chain. California
1. Na evolução do perfil social da marca na rede Instagram. Através das
Management Review, 2016.
técnicas apresentadas, certos processos puderam ser automatizados e foi
facilitada a identificação do perfil do cliente mais propenso a se interessar
GANDHI, Preet. Data Science in Fashion. Disponível em: https://www.kdnuggets.
pela marca, permitindo a concentração de esforços de conversão neste de-
com/2018/03/data-science-fashion.html. Acesso em: 2 de junho de 2019.
terminado tipo de consumidor.
2. No processo de classificação de preço. O processo é semi-automatizado GREAT LEARNING. How The Fashion Industry Is Using Data Science. Disponível
e conta com um algoritmo que avalia dados como procura, marca, cor etc. em: https://medium.com/datadriveninvestor/how-the-fashion-industry-is-using-
para decidir qual o valor de mercado atual da peça usada. -data-science-33c9b2739ef6. Acesso em: 2 de junho de 2019.
Como pontos de melhoria, citou-se durante a entrevista:
1. Os algoritmos de processamento de imagem precisam de muitos dados MLT CREATIVE. B2B Marketing Buzzwords: Growth Hacking Vs. Inbound Marke-
para funcionarem corretamente e de pré-classificação manual. Até o mo- ting. Disponível em: https://www.mltcreative.com/blog/b2b-marketing-buzzwords-
mento, a marca conseguiu um grau de certeza de 10% a mais em relação à -growth-hacking-vs-inbound-marketing/. Acesso em: 18 de agosto de 2019.
decisão aleatória.
2. A análise de dados toma tempo, apesar de ser uma tarefa semi-automati-
zada. É necessária coleta constante e reação rápida para se adaptar ao que
os clientes procuram.
200 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 201
PRODUÇÃO MAIS LIMPA NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO Este estudo foca no processo de desenvolvimento de produtos (PDP) de moda, sob
DE PRODUTOS NO ÂMBITO DO ENSINO DE DESIGN DE MODA a ótica dos princípios projetuais do desenho industrial e das diretrizes da PmaisL.
Para isso, busca compreender como se realiza a aplicação da metodologia de
PmaisL em um PDP no âmbito experimental do ensino de design de moda. Assim,
Eleonora Alves Baptista; Universidade Veiga de Almeida; eleonora.baptista@uva.br esta pesquisa se desenvolve a partir das seguintes questões específicas: (1) Quais
as fontes propensoras de geração de resíduo sólido identificadas no PDP jeans em
um laboratório acadêmico?; (2) Quais as oportunidades para gerar uma produção
Resumo: O estudo investiga a aplicação da metodologia da Produção Mais Limpa mais limpa no PDP de moda no âmbito do ensino de design de moda? e, (3) Como
no processo de desenvolvimento de produtos no âmbito do ensino de design de se implanta a PmaisL em projetos de produtos de vestir no âmbito do ensino de
moda. Um estudo de caso serve para diagnosticar etapas do PDP geradoras de design de moda?.
resíduos sólidos, identificar oportunidades de aplicação e atividades fundamentais
para implantação da metodologia no PDP que, além de minimizar danos ao ecossis- DESENVOLVIMENTO DE TEMA
tema, pode gerar soluções inovadoras para produtos de vestir.
De acordo com Montemezzo (2003), o PDP de moda comporta 5 etapas com ati-
Palavras-chave: PDP; moda; produção mais limpa; design responsável vidades específicas, a saber: (1) preparação do projeto; (2) geração de idéias e concei-
tos visuais; (3) avaliação das propostas ; (4) concretização com a prototipagem; (5)
documentação dos aspectos técnicos para produção. Uma vez definida a estratégia
INTRODUÇÃO sustentável do projeto (etapa 1), o produto deve adotar uma abordagem que con-
sidere o ciclo de vida (a partir da etapa 2) e, com isso, as dimensões de prestação
Em média, os brasileiros chegam a consumir 9 novos produtos jeans por ano (MUN- de serviço, tecnologia, economia e aspectos culturais, estéticos e legais para sua
DODOMARKETING, 2017), ofertados por uma indústria mundial de confecções de avaliação (MANZINI e VEZZOLI, 2011). Essas estratégias fundamentam o conceito de
vestuário que se tornou a principal produtora de bens finais do complexo têxtil (MI- ecoeficiência: redução de materiais e energia e escolha de recursos e processos de
LAN et al., 2010). Como produto de moda, uma calça jeans consome 11 mil litros de baixo impacto ambiental que criem valor para a empresa e a sociedade, além de
água e cerca de 660 gramas de fibras de algodão, original do cultivo que causa sé- atender metas de melhorias de longo prazo e associar-se a excelência empresarial
rios danos ao solo e aos trabalhadores agrícolas e de lavanderias industriais. Esse e ambiental (id, 2011).
produto tem um curto ciclo de vida comercial, orientado por gostos e tendências
efêmeras (MILAN et al., 2010), o que faz com que, alinhado com os demais produtos Por meio da não-geração, minimização ou reciclagem de resíduos gerados em um
da indústria da moda tradicional, colabore para a elevada utilização de recursos processo produtivo [no caso de empresas têxteis e de confecções, considera-se os
naturais e posterior geração de resíduos, impactando em toda a biosfera (id., 2010). sólidos e semi-sólidos (SENAI, 2007)], aumenta-se a eficiência no uso de materiais
e energia e o conceito de PmaisL tende a ser fortalecido no PDP e em todo ciclo de
No final da década de 1980, a Greenpeace propôs os princípios para Produção Lim- vida dos produtos (FERNANDES et. al., 2001 apud WERNER, BACARJI e HALL, 2009).
pa, em que se utiliza matérias-primas renováveis, preserva energia, água e solo e
não usa compostos químicos tóxicos. Em 1989, PNUMA (WBCSD/UNEP, 1997) propõe A implantação da PmaisL se dá em 11 fases: (1) pré-avaliação; (2) capacitação e
um conceito ampliado, chamado Produção Mais Limpa (PmaisL), com “aplicação sensibilização dos profissionais; (3) elaboração do diagnóstico ambiental e de pro-
contínua de uma estratégia ambiental integrada e preventiva a processos, produtos cessos; (4) elaboração do balanço ambiental, econômico e tecnológico do processo
e serviços, para aumentar a ecoeficiência e reduzir riscos para o homem e para o produtivo; (5) avaliação do balanço elaborado e identificação de oportunidades de
meio ambiente”. Essa definição, que surge em resposta à mudança de atitude que produção mais limpa; (6) priorização das oportunidades identificadas na avaliação;
as organizações industriais têm de demonstrar na atualidade, no sentido de se (7) elaboração de estudo de viabilidade; (8) formatação de plano de monitoramen-
buscar práticas produtivas mais sustentáveis, tem sido utilizada para os programas to; (9) implantação de oportunidades de produção mais limpa (10) definição dos
relacionados à promoção da P+L e ainda permanece válida (UNEP, 2016 apud SILVA indicadores do processo produtivo (11) documentação dos casos de PmaisL (SENAI,
e SILVA, 2017). 2007). Esta metodologia e os conceitos norteiam as reflexões sobre a pesquisa
apresentadas na próxima seção.
202 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 203
REFLEXÕES SOBRE A PESQUISA dades de PmaisL na reciclagem externa e nos ciclos biogênicos, o que ainda não
aconteceu neste projeto piloto; abordar melhorias associadas aos ciclos biogênicos
Este estudo reflete a análise do caso de um projeto de roupas jeans desenvolvido demanda recursos de controle químico e físico e poderão ser realizadas com ativi-
pelo grupo de pesquisa do denimLAB, na Universidade Veiga de Almeida, no Rio de dades interdisciplinares nos próximos estudos.
Janeiro, entre os meses de fevereiro de 2018 e maio de 2019, sob a orientação do
professor-tutor. O grupo criou e desenvolveu coletivamente 21 produtos (13 roupas A implantação do programa se dá em 5 etapas após a análise técnica do projeto e
e 8 calçados) com materiais de pós-consumo (jeans, tricôs e peças de seda) que do ambiente (SENAI, 2007). Certifica-se do comprometimento dos envolvidos nas
foram coletados de diversas fontes, higienizados, desacoplados e manuseados decisões do projeto, forma-se um Ecotime (os alunos-pesquisadores) e identifi-
em novas modelagens. O PDP completou as cinco fases descritas por Montemezzo ca-se barreiras de abrangência do programa. Neste estudo, as barreiras estavam
(2003) e adotou o ferramental de Produção mais Limpa (SENAI, 2007) a fim de al- presentes na sistematização dos dados por parte dos alunos, com a pesagem dos
cançar melhores parâmetros de ecoeficiência. materiais e solução para substituir materiais e tecnologias de modo sistematizado.
Inicialmente, estudantes foram capacitados para analisar, desacoplar e armaze- A 2a etapa é o reconhecimento do ambiente, realizado duas vezes consecutivas,
nar materiais, bem como para otimizar o uso das matérias-primas nos produtos durante realização de outros projetos de produto no mesmo laboratório, nos anos
criados, formando o ‘Ecotime’. Com base na literatura sobre resíduos provenientes de 2016 e 2017. A 3a etapa compreende o balanço dos materiais, definição de indi-
do ciclo de vida de produtos (MILAN et al., 2010) e com os resultados de pesquisas cadores e identificação dos geradores de resíduos no PDP para que, em seguida se
empíricas realizadas no denimLAB (ALVES, 2015; NASCIMENTO e SOARES, 2015), identifique as opções para PmaisL. Esse trabalho foi realizado ao longo do ano de
identificou-se fontes geradoras de resíduos sólidos na base do projeto e no próprio 2017 e os indicadores de geração de resíduos (peso de fios ao final de cada desa-
ambiente físico do laboratório: MATERIAL TÊXTIL; LIMPEZA E ORGANIZAÇÃO; PAPÉIS coplagem, por exemplo) foram novamente averiguados na etapa de prototipagem
EM GERAL; EQUIPAMENTOS E TECNOLOGIA. do PDP deste projeto. A 4a etapa faz uma avaliação técnica das alternativas viáveis
para a produção mais limpa, para que o plano, na etapa final, possa ser implantado
A metodologia da PmaisL indica oportunidades para minimizar resíduos em dois com continuidade melhorada no processos seguintes. Os dados são cruzados com
níveis do programa e sugere alteração nos produtos e nos processos. O nível 1 é as informações registradas na 5a etapa do PDP e um novo desenho de processo
aplicado nas etapas 1, 2 e 3 do PDP, com medidas que identificam a geração de melhorado e mais ecoeficiente é preparado para ser aplicado no próximo desenvol-
resíduos, incorporam boas práticas, substituem materiais e modificam o uso de vimento de produto.
tecnologia. Após revisão dos esboços de produto, ferramentas de ecoeficiência
são aplicadas: descarta-se o uso de aviamentos de metais e beneficiamentos de Os 21 produtos desenvolvidos possuem um histórico de criação, desenvolvimento
lavanderia; otimiza-se a seleção dos jeans que serão reutilizados; acrescenta-se e produção que refletem o avanço na aplicação das ferramentas de ecoeficiência
recortes no desenho dos produtos para incluir pequenos pedaços de tecido resi- e ilustram a redução de materiais e energia, redesenho dos itens e substituição de
dual; aloca-se aviamentos residuais de outros projetos de moda; tinge-se tecidos e componentes e materiais, reciclagem interna, reuso de resíduos e atenção para
fios - com tingimento de índigo natural e biodegradável - para harmonizar a colora- com afluentes, conforme ilustrado na figura 1.
ção dos materiais e criar diferencial nos produtos; a escassez do índigo levou à sua
substituição por repolho roxo, com o qual se obteve pigmento azul claro. Mudança
tecnológica: uso de software para ampliação e registro das modelagens, eliminan-
do papéis e liberando espaço físico no denimLAB.
MUNDO DO MARKETING. Brasileiras são as que mais compram jeans no mundo – Ly-
cra pesquisa sobre consumo de jeans em cinco países. 2017. Disponível em: https://
www.mundodomarketing.com.br/ultimas-noticias/37497/brasileiras-sao-as-que-
-mais-compram-jeans-no-mundo.html . Acesso em 17 de junho de 2019.
206 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 207
PROJETO REFERÊNCIAS BRASILEIRAS – VALORIZAÇÃO A cada edição do RB é escolhido um polo produtivo para fazer-se vasta pesquisa
DA CULTURA REGIONAL E DA SUSTENTABILIDADE histórica e iconográfica, não apenas compreendendo toda a cultura do local, mas
estabelecendo um levantamento inspiracional dos “saberes” produtivos regionais,
traduzidos em texturas, padronagens, acabamentos e formas. Assim, em parceria
Julia Webber; Universidade de Caxias do Sul; julwebber@hotmail.com com empresas convidadas, realiza-se o desenvolvimento dos componentes, tradu-
zindo os conceitos da pesquisa – para então serem criados os produtos finais junto
às empresas do polo. Essa prática é realizada através de visitas às empresas em
Resumo: Este artigo pretende mostrar como o Projeto Referências Brasileiras é um um processo colaborativo de criação, valorizando o ambiente cultural do entorno e
instrumento de educação cultural para a Indústria de moda nacional e plata- promovendo o empoderamento socioeconômico das comunidades.
forma de pensamento sustentável ao promover a valorização das comunidades e
materiais inovadores. Analisa-se a edição realizada no Sertão Baiano e exibida no A região brasileira escolhida foi o Sertão do Estado da Bahia, mais precisamente, os
Salão Inspiramais. municípios de Ipirá e Conceição do Coité. A escolha deveu-se ao fato de Ipirá pos-
suir uma tradição secular em trabalho coureiro, e de Coité, por sua vez, se destacar
Palavras-chave: Cultura brasileira, Sertão baiano, Sustentabilidade, Valorização. no cultivo do sisal. Ambas as cidades, portanto, são produtoras de matéria-prima e
também contam com fábricas de produto final. Contudo, tais fábricas encontram-
-se viciadas num sistema de produção de artigos-commodities e cópias das gran-
INTRODUÇÃO des marcas com preços ínfimos, sem contar a desvalorização cultural dos habitan-
tes exercida por eles mesmos como herança exploratória nordestina.
De acordo com Lipovetsky(1989), desde os primórdios da moda recebemos como
premissa a ideia de copiar a forma de vestir de uma elite. Com o passar do tem- Em Ipirá, uma sinfonia de marteladas se faz ouvida em cada canto. Basta olhar
po, mudou-se apenas a elite – pois o ímpeto de imitação permaneceu, inclusive para dentro das casas que se vê homens e mulheres, nas mais diversas idades,
ampliando-se: não nos limitamos mais a imitar apenas o vestuário, mas todo o lixando, costurando e cortando o couro. Evidencia-se o papel de cada um na ca-
comportamento de consumo. Trata-se de um padrão reproduzido desenfreada e deia produtiva: indivíduos conectados aos saberes da tradição, trabalhando na
efemeramente, desprovido de qualquer perspectiva simbólica de profundidade real confecção de vestimentas de vaqueiros, selarias e sandálias. A partir dessa ins-
e vinculado à valores de alto consumo, sem nenhuma preocupação de sustentabi- piração, uma superfície lisa em couro foi levada para ser marcada manualmente
lidade. Com efeito, no que tange à realidade brasileira, essa situação é ainda mais pelo artesão Diniz Alves de Oliveira, que trabalha confeccionando bainhas de facas
acentuada, tendo em vista nossa herança colonial paradigmaticamente submissa com tradicionais padronagens sertanejas. A superfície, então, foi trabalhada para
à moda europeia (Dalprá, 2019). Esse fator afeta não apenas questões identitárias a criação de uma bolsa ampla e uma sandália de linhas simples, mas composta
mas também, pode limitar o pensamento na busca de outras formas de produção de maneira a deixar bastante área para exaltar os desenhos sequenciais produzi-
mais sustentáveis, ao considerar-se incapaz de sair de sistemas pré-estabelecidos. dos pelo artesão. Nesse sentido, a colaboração entre o artesanato e a indústria foi
muito apreciada pelas empresas que participaram do processo, tendo em vista que
PROJETO REFERÊNCIAS BRASILEIRAS nunca haviam cogitado revisitar esse costume secular. O artesão viu seu trabalho
valorizado de forma inédita.
O Inspiramais é um salão de design, que acontece semestralmente em São Paulo,
com exposição de componentes para produtos de moda. Realizado pela Associação Conceição do Coité, por sua vez, pertence a uma região onde há o cultivo do sisal
Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assin- – conhecido pelos sertanejos como “ouro em palha”. Trata-se de uma fibra têxtil
tecal), o salão promove o encontro entre marcas e fornecedores, e aproveita para extraída das folhas de um vegetal resistente à aridez e ao sol intenso. Na região,
nutrir o mercado com informações relacionadas às tendências da moda através de essa fibra é vendida nas mais diversas formas mas sempre com viés funcional
exposições, palestras e projetos. Nesse contexto, o Referências Brasileiras (RB) visa e atrelado à preços baixos. Ademais, o sisal é biodegradável: em poucos meses,
fomentar a sustentabilidade através da valorização da cultura nacional e da busca quando em contato com o solo, torna-se um fertilizante natural. Assim, para for-
por inovações tecnológicas com vistas à criação de produtos mais sustentáveis. matar uma linguagem de moda para o sisal, as fibras foram tingidas e tramadas
de forma intrincada em uma fita (por meio de uma máquina 17 fusos), expressando
208 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 209
a complexidade e o entrelaçamento dos indivíduos nas cadeias produtivas locais. dades brasileiras. Por isso, iniciativas como a do RB assumem vital importância não
Além de ser aplicada como alça para a bolsa, a fita foi utilizada na sandália em apenas para a indústria de moda, mas sobretudo, para articular no pensamento
couro e numa almofada, apontando possibilidades para o setor de decoração. Tin- estratégico das empresas um viés de sustentabilidade socioambiental. Faz isso ao
gida em outro tom, uma outra trama foi confeccionada em crochê manual junto a conectar empresas de grande e pequeno porte, além de artesãos locais. Também,
um cordão de couro, criando uma estrutura que pode facilmente montar bolsas e segue este viés ao valorizar as culturas regionais utilizando-as como inspiração na
peças de vestuário, exaltando as diversas etapas da cadeia, as matérias-primas e criação de produtos. Proporciona aos envolvidos o contato com técnicas e mate-
os saberes manuais. riais diferenciados, sustentáveis e novas metodologias produtivas. Alcança, assim,
polos e empresas que dificilmente teriam esse acesso e vivência, que acabam tra-
No intuito de valorizar o solo seco e árido – comumente visto como fonte de escas- balhando na criação de produtos com estes materiais e inspirados no seu entorno.
sez, não “inspiração” – foram realizadas fotografias aéreas da vastidão sertaneja,
retratando as padronagens do território. Formados pela ação do tempo sobre a Finalizados, os objetos ficam expostos no salão Inspiramais, exibindo uma narrativa
paisagem, esses padrões deram origem a texturas rugosas e manchas orgânicas contextual por meio de amostras dos componentes produzidos, e aplicados em
gravadas sobre o couro, o qual foi utilizado na confecção de bolsas. De outra parte, produtos de design. Neste momento, acontece um intercâmbio de ideias com os
um tecido de fibra de garrafas PET e algodão reciclado foi trabalhado com estampa visitantes – que, em geral, são profissionais do setor. Assim, além de promover a
a base d’água, e aplicado em calçados, almofadas e num vestido construído sob cultura nacional dentro do universo da moda – indicando formas de se destacar no
a técnica de zero waste (modelagem que não produz resíduos na hora do corte). mercado através da identidade –, o projeto acaba por fomentar informação sobre
Além disso, bases de biocelulose foram criadas através do cultivo de bactérias novos materiais mais ecológicos e promover o interesse no trabalho das empre-
Gluconacetobacter xylinus, cultivadas em água e alimentadas com açúcar. Este sas e artesãos do polo, neste caso o sertão baiano. Essas empresas e artesãos,
cultivo cria sedimentações de fibras celulósicas biodegradáveis, que despontam ao verem seu trabalho e sua região exaltados numa exposição de moda (mercado
no mercado como alternativa para a substituição do couro no mercado vegano. As no qual estão inseridos), redescobrem seu próprio valor e identidade, mudando a
superfícies foram trabalhadas de modo a ficarem mais rugosas e, então foram tin- forma como produzem e interpretam moda, valorizando o local, as pessoas e a
gidas e utilizadas para a confecção de tags, bijuterias e um cinto. natureza.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CALANCA, Daniela. História Social da Moda. São Paulo, Editora SENAC São Paulo.
2008
CONSIDERAÇÕES FINAIS LIPOVETSKY, Gilles. A Cultura-Mundo. São Paulo, Companhia das Letras. 2011.
ROUPAS MODULARES COMO ALTERNATIVA PARA designers introduzem a nova moda; popularidade ocorre à produção em massa;
O CONSUMO CONSCIENTE NA MODA todos desejam e usam, e o fim, todos se cansam, então ocorrem às liquidações e
as vendas caem. Esse processo geralmente acontecia em torno de um ano ou seis
meses agora algumas marcas lançam coleções novas a cada semana, isso aumen-
Camilla de Cássia Miranda; Universidade de Sorocaba, UNISO; camillamiranda882@gmail.com ta o volume de compras e consequentemente o de descarte de peças. A modulari-
Miranda, Camilla de Cássia; Universidade de Sorocaba, UNISO; camillamiranda882@gmail.com dade vem como uma alternativa para a indústria da moda, pois consegue ter uma
coleção com poucas peças, estas se transformando em outras, o que aumenta seu
tempo de uso e diminui o seu descarte.
Resumo: A presente pesquisa visa mostrar o conceito de peças modulares e seus
modos de desenvolvimento no vestuário, tendo assim, como consequência o au- Segundo pesquisas feitas pela ONU (Organização Das Nações) Meio Ambiente em
mento da vida útil das peças, promovendo um envolvimento maior por parte do 2019, com o aumento do consumo de moda as pessoas em média compram 60 %
usuário e roupa e promovendo um consumo mais lento e durável, possibilitando o mais artigos e produtos de moda do que há 15 anos, estas peças ficam guardadas
consumo consciente. nos armários por menos do que a metade do tempo daquele período. Outro dado
importante feito pela ONU Meio Ambiente é que cerca de 500 bilhões de dólares por
Palavras-chave: Moda modular, consumo consciente, usuários, designer. ano são desperdiçados em descarte de peças que vão para lixões e aterros sem
nenhum método de reciclagem. Estas pesquisas mostram que itens de moda, prin-
cipalmente roupas, são comprados usados algumas vezes e jogadas fora sem ter
INTRODUÇÃO um destino correto.
Na sociedade atual o consumo de moda se tornou algo tão importante que move De acordo com Lee (2009, p. 22) Devido a este comportamento de consumo a moda
economias ao redor do mundo, segundo uma pesquisa em 2014 da Associação vem buscando novas alternativas para diminuir o descarte e criar melhores for-
Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção - ABIT, o Brasil é o quinto maior produ- mas de usabilidade de peças, com isso novos projetos e negócios vêm ganhando
tor têxtil do mundo, este dado mostra quão importante é a indústria da moda. Com espaço, como por exemplo, as peças modulares. A modularidade, em um de seus
base no grande consumo de artigos têxteis, algumas preocupações são motivos de conceitos de design, baseia-se na solução de problemas, sendo eles estéticos ou
debate, por exemplo, como o descarte de peças é feito e se é correto, pois devido ao ergonômicos, as peças modulares podem usar menos insumos na produção, pois
consumo abundante as peças são descartadas com mais rapidez e frequência, se as podem ser feitas coleções menores, aumentando o tempo de uso, sendo transfor-
peças são produzidas respeitando o meio ambiente e as leis trabalhistas. Pensando máveis o usuário tem a liberdade de adequar a peça as suas necessidades e ao seu
em formas para diminuir o descarte de peças e incentivar um consumo consciente estilo como desejar.
na moda, uma alternativa são peças modulares transformáveis em que cada parte
complementa a outra, aumentando a durabilidade, promovendo um uso consciente e A moda modular e o consumo consciente têm como ponto em comum o pensa-
aumentando o envolvimento do usuário com a customização das peças. mento na durabilidade, promovem o duradouro e a versatilidade, isso faz com que o
usuário consiga se tornar também o designer, se uma peça se adapta aos estágios
O CONCEITO DE VESTUÁRIO MODULAR do dia e noite com uma boa qualidade o usuário terá um maior apreço por ela e a
usará por mais tempo.
O conceito de vestuário modular está vinculado a duas palavras: Versatilidade e
multifuncionalidade são sinônimos de adaptação e multiplicidade, ambas se en- O consumo consciente traz uma nova mentalidade sobre os processos industriais
caixam no vestuário modular através de designs para aumentar a eficiência dos da moda e sobre o consumo dos usuários, devido á necessidade de se pensar no
produtos. De acordo com Fletcher e Grose (2011) o design modular não só permite o meio ambiente muitas marcas adotam esta ética em sua missão e valores, utili-
melhor uso de matéria-prima, como também envolve o consumidor fazendo o par- zando tecidos sustentáveis e tendo processos de produção que tenham um menor
ticipar do design do produto criando algo que se encaixa melhor em seu momento impacto no meio ambiente. A modularidade colabora com a diminuição destes
de vida, como consequência aumentando o tempo de uso das peças. processos produtivos pois promove um produto com uma quantidade de variações,
Atualmente os ciclos da moda segundo (Sigbol, 2013, p.4) baseiam-se em: Inicio, também o baixo descarte das peças, criando assim um artigo de qualidade, durável
212 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 213
que respeita o conceito de repensar e reutilizar a peça com novos meios, promo- criando uma conexão entre a peça e o usuário através de suas possibilidades de
vendo uma economia circular que utiliza estes princípios, diferente da economia variação.
linear usada pelas industrias.
REFLEXÕES SOBRE A PESQUISA
Como conclusão desta pesquisa a moda modular pode ser uma opção para o con-
sumo consciente e durável, pois promove um pensamento sustentável e de pouca
Figura 11 - Exemplos de economia linear e circular de produção produção de resíduos, já que as peças modulares se transformam, tendo assim
Fonte: Circular Economy Portugal (2019). uma gama maior de funções e também promovem o próprio usuário como designer
da peça.
Esse processo de mudança de consciência do consumo permite novos meios de
negócios e viabiliza novas formas de relacionamento entre marca e cliente. Peças REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
modulares envolvem o cliente em seus processos, pois a customização será feita a
partir da variedade de customizações permitidas nas peças e também irá aumentar ABIT, Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção. Perfil do Setor Da-
o seu tempo de uso. Novos meios de produção e utilização de artigos de moda pro- dos gerais do setor referentes a 2017 (atualizados em outubro de 2018). Itu,
movem o questionamento e interesse por parte dos consumidores: São Paulo, 5 fev. 2018. Disponível em: https://www.abit.org.br/cont/perfil-do-setor.
Acesso em: 30 maio 2019.
“Os produtos fabricados em escala industrial [...] são fisicamente estáticos. As
peças multiuso tratam de lidar com essa inércia, construindo uma relação mais AGENDA 2030 ODS, Plataforma Agenda 2030. Os 17 Objetivos de Desenvolvimen-
sólida e duradoura entre produto e consumidor, por meio de múltiplos níveis de to Sustentável. [S. l.], 1 set. 2015. Disponível em: http://www.agenda2030.org.br/
envolvimento” (FLETCHER E GROSE, 2011, P.78). ods/12/. Acesso em: 30 maio 2019.
A moda modular traz novas possibilidades suprimindo funções que geralmente CHAPMAN, Jonathan. Emotionally Durable Design Objects, experiences and
utilizam mais de uma peça, otimizam espaços no guarda roupa e envolvem o con- empathy. Reino Unido: Routledge, 2015. E-book.
sumidor.
FLETCHER, Kate; GROSE, Lynda. Moda e Sustentabilidade - Design para Mudança.
Um conceito que a moda modular e o consumo consciente trazem é o usuário- São Paulo: Senac, 2011.
designer, ou seja, o usuário é envolvido em todas as fases do desenvolvimento do
produto até a utilização. Segundo Chapman (2015, p. 87) este tipo de design tem LEE, Matilda. Ecochic: O guia de Moda Ética para a Consumidora Consciente.
como principal meio a experiência com foco no consumidor, incentivando a maior São Paulo: Larousse, 2009.
usabilidade possível do produto e promovendo a utilização por completo. A moda
modular segue este principio de usuário-designer, pois tem um processo de utiliza- NAÇÕES UNIDAS BRASIL, Nações Unidas Brasil. Objetivo 12. Assegurar padrões
ção interativo, permitindo que a peça esteja sempre em transformação. A partir do de produção e de consumo sustentáveis. [S. l.], 5 fev. 2015. Disponível em: ht-
momento em que o designer cria a peça já está permitindo novos meios de trans- tps://nacoesunidas.org/pos2015/ods12/. Acesso em: 30 maio 2019.
formação desta por intermédio dos usuários, prolongando o tempo de utilização e
214 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 215
PORTUGAL, Circular Economy Portugal. Sobre Economia Circular. Lisboa, 23 jan. SLOW FASHION, SUSTENTABILIDADE E VEGANISMO:
2011. Disponível em: https://www.circulareconomy.pt/sobre-economia-circular/. OS IMPACTOS DO CONSUMO CONSCIENTE
Acesso em: 30 maio 2019.
NO MERCADO DA MODA NO BRASIL
SIGBOL. Ciclos da Moda. In: SIGBOL FASHION. Apostila a Arte de Vestir. São Paulo:
Sigbol, 2013.
ANDRADE, Lara Costa1
SLATER, Don. Cultura do Consumo e Modernidade. São Paulo: Nobel, 2002.
Resumo: O presente trabalho busca a reflexão acerca dos movimentos slow
fashion, da sustentabilidade e veganismo dentro do mercado da moda brasileira.
Nesse sentido, busca-se evidenciar como esses movimentos passaram a atuar
como agentes essenciais promovidos pelo consumo consciente, que tem crescido
tanto no Brasil, como no mundo todo.
INTRODUÇÃO
A busca por soluções que minimizem os impactos ambientais tem gerado reflexos
no mundo da moda, fazendo com que seja necessário repensar toda a cadeia pro-
dutiva. Sendo assim, aspectos como a sustentabilidade, tem feito consumidores
questionarem os produtos que compram, e empresas a repensarem o modo de
produção de suas mercadorias, tudo isso visando uma preocupação ambiental e
social.
Desta forma, o fast-fashion passa a ser confrontado por novos mecanismos que
pregam por um consumo consciente, como por exemplo, o slow fashion, o qual
defende um processo de produção mais respeitosa e cautelosa, gerando por con-
sequência, um produto mais durável e mais sustentável.
Ademais, o veganismo passa a ser abordado dentro da mercado da moda, fazendo
com que empresas busquem atingir aqueles que buscam um estilo de vida livre de
exploração animal e ambiental.
Diante disso, esses fatores passam a exigir uma mudança no mundo da moda, ge-
rando assim, impactos no setor no Brasil, evidenciando também a grande necessi-
dade de estudar-se a presente temática, sobretudo como mecanismo de busca de
soluções sustentáveis, além de propagar o conhecimento obtido.
1. Discente do curso de direito da UNESP- Universidade Estadual “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de
Franca. Email: laracostandrade@gmail.com.
216 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 217
O SLOW FASHION origem animais, artigos de pele, lã, seda, pérolas, plumas entre outros são excluí-
dos do seu guarda-roupa, e trocados por couro sintético e tecidos orgânicos (BER-
O slow fashion concebe um novo conceito dentro do mundo da moda, colocando NARDES, 2016, p. 17).
em pauta temas essenciais e urgentes como forma de repensar o consumo diante
de mudanças climáticas e naturais vistas no mundo inteiro. Nesse diapasão, segundo uma notícia veiculada pelo jornal Estadão, em 2017, o
mercado vegano apresentou um crescimento de 40%. Ademais, calcula-se que há
Nesse sentido, o slow fashion passa a ser observado dentro do mercado da moda aproximadamente, 5 milhões de veganos no Brasil. Constata-se, portanto, que isso
no Brasil, movimento cada vez mais evidente. Assim, este trabalho objetiva verifi- afeta a economia brasileira, atingindo também o setor vestuário do país. Assim,
car a existência de verdadeiros impactos do slow fashion gerados no mercado de como forma de abranger o consumo dos veganos, marcas passaram a apostar nes-
moda existente no Brasil, já que observa-se no país uma intensa conscientização se setor, havendo já no Brasil, diversas marcas veganas, que não exploram animais
sobre os problemas mundiais e que estão presentes na indústria da moda também, e voltam seu lema para o consumo consciente.
como o trabalho nas condições análogas à de escravos, o desperdício, o consumo
da água, a poluição, dentre outras problemáticas. Elenca-se, nesse aspecto, a Insecta Shoes, marca vegana que busca atrelar o vega-
nismo e sustentabilidade no mercado na moda. Além disso, em uma busca no site
O modelo proposto pelo slow fashion indica produções em pequenas escalas, a da marca, há a informação que já reciclaram cerca de 6.640,16 garrafas plásticas;
utilização de técnicas tradicionais de confecção e de matérias disponíveis na região 391,69 m² de roupas e tecidos; e 2.120,70 kg de borracha2. Resta evidente, pelo
e mercados locais. Esta nova cultura desafia a obsessão da moda rápida pela pro- caso em tela, que o veganismo atrela-se para uma maior sustentabilidade na moda
dução em massa e o estilo globalizado, propondo a diversidade (FABRI; RODRIGUES, brasileira.
2015, p. 08)
Constata-se também que estudos recentes tem se voltado para a buscas de novos
Diante disso, o slow fashion propõe mudar a ótica da moda atual, buscando assim, meios de produção, nesse sentido, cita-se a utilização de partes do abacaxi que
um consumo consciente no mercado da moda. são inutilizadas na produção, como o caule e folhas, na elaboração de tecidos pelo
Piñatex (SILVA; PAULA; LUZ; 2017, p. 163).
A SUSTENTABILIDADE
METODOLOGIA
A sustentabilidade entra em voga na moda quando passa-se a questionar toda a
cadeia produtiva, buscando assim a possibilidade de utilizar-se dos recursos aufe- O método utilizado nesta pesquisa foi o dedutivo, priorizando-se o levantamento
ridos na natureza, contudo sem prejudicar o futuro da sociedade (ALMEIDA, 2017, p. de informações por meio de leitura de inúmeras bibliografias para alcançar os ob-
124). Ademais, a sustentabilidade prega por uma “moda ecológica”, a qual se fun- jetivos delimitados. Ademais, utilizou-se de pesquisa quantitativa, tendo natureza
damenta pelo “respeito pelo meio ambiente, a utilização de fibras e tintas naturais aplicada, em que os objetivos foram explanatórios.
e a reciclagem de roupas e objetos usados” (SCHULTE; LOPES, 2008, p. 35).
Nesse sentido, a busca por meios que provoquem menos impacto tem levado à RESULTADOS E REFLEXÕES
adoção de mecanismos de reciclagem, como por exemplo, em detrimento do uso
do algodão, que provoca intoxicações, principalmente para aqueles que exercem Diante a elaboração do trabalho, observou-se que o slow fashion torna-se uma alter-
atividade relacionada ao seu cultivo. Assim, utilizando-se da reciclagem torna-se nativa viável para o mercado da moda seguir diante das necessidades e reivindica-
possível a recuperação de matérias já existentes e utilizados, além de propiciar ções de mudanças para que se consiga um desenvolvimento sustentável do mundo,
economicamente as empresas (SCHULTE; LOPES, 2008, p. 36) não só do Brasil. Ademais, não somente o slow fashion, mas como também a sus-
tentabilidade e o veganismo atuam de modo eficaz em propor uma nova perspectiva
O VEGANISMO à moda brasileira, dando soluções para uma indústria que ainda sofre com a explo-
ração de recursos naturais. A exemplo de soluções para a mudança, nesse aspecto,
O veganismo estende-se também para o mercado da moda, pois prega um estilo de cita-se a reciclagem, que além não exigir a produção de novos materiais, busca dar
vida pelo qual não se explora os animais. Nesse sentido, tem-se: nova finalidade aos materiais já existentes, diminuindo também a produção de lixo.
Os Veganos são contra qualquer produto de vestuário e aviamentos que sejam de
2. Informação retirada do site da Insecta Shoes: https://www.insectashoes.com/p/sobre
218 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 219
Assim, visando a conscientização em minimizar o consumo e os impactos ambien- SCHULTE, Neide Köhler; LOPES, Luciana. Sustentabilidade ambiental: um desafio
tais, esses setores viabilizam uma mudança consciente para a moda, pois como para a moda. Moda palavra e-periódico: ano 1, n.2, ago-dez. 2008. Disponível em:
observado no caso da Insecta Shoes, o impacto ambiental trazido por essa marca < http://www.periodicos.udesc.br/index.php/modapalavra/article/view/7601/5107>.
é muito diferente e inferior se comparado as que não trazem a sustentabilidade Acesso em jul. 2019.
como pauta e que não tem como preocupação principal cessar a exploração do
meio ambiente. SILVA, Camile de Paula; PAULA; Maria Gelci Soares de; LUZ, Felipe Ferreira. Fruta
na passarela: utilização da folha de abacaxi como tecido sustentável. Dis-
Ante o exposto, aufere-se que o slow fashion, a sustentabilidade e o veganismo tor- ciplinarum Scientia. Série: Naturais e Tecnológicas, Santa Maria, v. 18, n. 1, 2017.
naram-se ferramentas essências e necessárias para o cenário da moda atual, para Disponível em: <https://periodicos.ufn.edu.br/index.php/disciplinarumNT/article/
que assim, atinja-se um consumo consciente e ecologicamente menos danoso ao view/2212/1990>. Acesso em 28 ago. 2018.
meio ambiente.
BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, Marianne Freitas de; ALMEIDA, Jeane Alves de; ALMEIDA, Severina Alves
de; CUNHA, Tatiana Ramirez; NOGUEIRA, Cássio Cipriano. A influência da moda
sustentável no consumo de acessórios femininos de origem não animal.
Disponível em: <http://revistas.faculdadefacit.edu.br/index.php/JNT/article/
view/171/187>. Acesso em jul. 2019.
CARREIRO, Juliana. Mercado Vegano cresce 40% ao ano no Brasil. Estadão. Publica-
do em 06/02/2017. Disponível em: < https://emais.estadao.com.br/blogs/comida-de-
-verdade/mercado-vegano-cresce-40-ao-ano-no-brasil/>. Acesso em jul. 2019.
FABRI, Hélcio Prado; RODRIGUES, Luan Vallotto. Slow Fashion: perspectivas para
um futuro sustentável. 11º Colóquio de Moda- 8ª Edição Internacional. 2º Con-
gresso Brasileiro de Iniciação Científica em Design e Moda, 2015. Disponível em:
<http://www.coloquiomoda.com.br/anais/Coloquio%20de%20Moda%20-%202015/
COMUNICACAO-ORAL/CO-EIXO8-SUSTENTABILIDADE/CO-8-SLOW-FASHION.pdf>.
Acesso em jul. 2019.
A TECNOLOGIA APLICADA A TRASPARÊNCIA: BLOCKCHAIN Neliana Fuenmay fundadora da “A Transparent Company” defende que o blockchain
NAS EMPRESAS DE MODA SUSTENTÁVEIS BRASILEIRAS é importante parceiro quando desejamos saber sobre a rastreabilidade da cadeia
inteira de valor, permitindo transparência e governança para todos os stakeholders,
sobretudo para os consumidores, que poderão saber a origem de suas roupas.
Andréa dos Anjos Moreiras; Universidade Nove de Julho; andrea@universoeco.com.br O setor têxtil tem operado com sistemas proprietários e centralizados para aqui-
Eduardo Espinola Pimazzoni; Universidade Nove de Julho; epimazzo@outlook.com sição e conformidade com parceiros comerciais externos, e desta forma que a
Isabel Cristina Scafuto; Universidade Nove de Julho; isabel@universoeco.com.br informação é trocada, impossibilita total transparência e confiança. Ao substituir
esse sistema tradicional pelo blockchain é possível promover a responsabilidade
compartilhada e a aprovação de todos os envolvidos a partir de um único ponto
Resumo: O blockchain permite registrar transações com transparência, rastrea- de informação. Esta abordagem descentralizada possibilita ver as reivindicações
bilidade, confiabilidade, imutabilidade, ecossistema e governança. Neste estudo é de sustentabilidade de todos os parceiros de negócios prontamente, evitando au-
apresentado a aplicação desta tecnologia em quatro empresas brasileiras de moda ditorias duplicadas e fomentando uma diretriz para condutas mais sustentáveis.
sustentável. (HACKLING, 2019)
Palavras-chave: Blockchain; Inovação; Industria Têxtil; Moda Transparente. REFLEXÕES SOBRE A PESQUISA
objetivo da empresa é tornar todos atores da cadeia da moda conectados e intera- comercializam produtos responsáveis. A empresa é signatária do Pacto Global e é
gindo entre si, por meio da tecnologia blockchain. O uso do software com os forne- certificada como Empresa B “Pendente” e deseja ser uma empresa melhor para o
cedores permite ver a rastreabilidade do produto em todas as etapas de produção, mundo, respeitando pessoas e planeta.
promovendo transparência e sustentabilidade para a marca.
A tecnologia blockchain é a base da Rastra, com ela a empresa verifica e autentica A experiência com o uso do blockchain é feita com os smart-contracts, contratos
a rastreabilidade dos produtos que são fabricados até o pagamento que é feito. To- auto-executáveis e auto-gerenciáveis, em parceria com a plataforma OriginalMy.
das as interações no sistema são geradas pela tecnologia, para ter a confiabilidade Trata-se de um modelo de contrato que valida o acordo entre a empresa e os lojis-
tecnológica. tas por meio de assinatura digital usando blockchain.
O valor agregado percebido foi a diminuição de burocracia. O valore agregado per-
O valor agregado percebido pela Rastra vai muito além da tecnologia, a plataforma cebido pelos parceiros foi a facilidade para validar o contrato. A lacuna preenchida
conecta a forma com o setor hoje atua, facilitando processos para ambos os lados, foi ter encontrado uma alternativa mais simples e sem burocracias para essa vali-
fornecedores, marcas e certificadores, com toda confiabilidade precisa. dação.
A Rastra já percebe um grande retorno das pequenas e grande empresas que que-
rem fazer parte e usufruir dos benefícios da plataforma com intuito de desburocra- Conclui-se neste estudo que todas as empresas estão satisfeitas com o uso do
tizar processos e facilitar interações entre a cadeia. blockchain e as empresas Flavia Amadeu e movin® já têm pesquisado sobre outras
aplicações que serão suportadas pela plataforma. O blockchain conecta e disponi-
A lacuna que a Rastra propõe solucionar é facilitar por meio da tecnologia, as inte- biliza todas as informações de cada processo durante a cadeia de valor promoven-
rações entre os elos da cadeia, a rastreabilidade dos produtos com confiabilidade e do mais transparência na indústria da moda. É notório que a tecnologia blockchain
a desburocratização de processos que dependem hoje de capital humano. confere confiança e economicidade às transações, acaba por revolucionar o univer-
so da moda.
Flavia Amadeu Desing Sustentável fundada pela artista e PhD em Design e Sus-
tentabilidade Flavia Amadeu, que desde 2001 pesquisa e desenvolve produtos com REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
novas tecnologias como a borracha colorida do tipo Folha Semi-Artefato, que é ma-
téria-prima para as biojoias da marca. As ações da empresa promovem tecnologia BECKWITH, Charles — Fashion Blockchain Startups — A Survey of Players In The
social e geração de renda na floresta Amazônica. Field, Q1 2018 https://medium.com/@fashiontechguru/fashion-blockchain-start-
ups-a-survey-of-players-in-the-field-q1-2018-36727660bb14. Acesso em: 22 de
A experiência com o uso do blockchain foi na Art Basel Miami 2018 - Fashion Ino- junho de 2019
vation, em parceria com a Blockchain of Things. Para a aplicação foi utilizado um
chip exclusivo para cada peça que autentica a obra de arte original, como se fosse HACKLING, Celia. SITE GLOBAL FASHION AGENDA. Blockchain: Unlocking the value
a validação de uma assinatura. Era possível informar qual a comunidade e em que chain for better traceability (2019). Disponível em: https://www.globalfashionagen-
localização que tinha sido produzido a peça, sobre o material usado, a origem do da.com/blockchain-unlocking-the-value-chain-for-better-traceability-2/# Acesso
produto e os processos. em: 20 de junho de 2019.
O valor agregado percebido pela empresa é na facilidade que o registro e patentes FUENMAYOR, Neliana. Introducing Blockchain Technology - A Transparent Company.
para todo o tipo de obra são feitas. Os parceiros da empresa têm pouco conheci- (2017) Palestra Sustainable Brands São Paulo.
mento sobre blockchain, mesmo assim perceberam como um benefício. A empresa
pretende utilizar a aplicação do uso como ferramenta de vendas e deseja que a MOUGAYAR, William — Blockchain para negócios — Promessas, Prática e Aplica-
prática seja incorporada. ção da Nova tecnologia da Internet, Ed. Alta Books, 1ª. Edição, 2017
UPCYCLING COMO ESTRATÉGIA PARA A MODA SUSTENTÁVEL: Desta forma, os objetivos deste trabalho são: (i) analisar ,por meio de um estudo
ESTUDO DE CASO DA MARCA ENROUPE de caso da marca Enroupe, como esta utiliza o upcycling na produção de peças de
moda; (ii) compreender o processo de arrecadação, seleção e produção dos resí-
duos têxteis, identificando as oportunidades e pontos de gargalos para a criação de
Ana Cecília Colaço da Nóbrega Santos; Universidade de Fortaleza; cecila.colaco@hotmail.com produtos.
Raquel Viana Gondim; Universidade de Fortaleza; raquelgondim@unifor.br
MODA E SUSTENTABILIDADE
Resumo: A indústria da moda é uma das mais poluentes, o que vem causando Para além dos impactos negativos ambientais, sociais e culturais gerados pela
grandes impactos ambientais e sociais. O presente estudo apresenta o caso da indústria da moda, há empresas no setor da moda que buscam uma otimização
marca Enroupe que utiliza a estratégia de upcycling na promoção de uma moda da produção e do consumo a fim de gerar um menor impacto ambiental e, conse-
mais sustentável. quentemente, provocar um consumo mais lento. Para Martins (2009), há uma per-
manente necessidade de desenvolver novos modelos de produção e consumo para
Palavras-chave: Moda Sustentável. Upcycling. Marca Enroupe. o setor da moda, visto que ele tem um significativo impacto econômico, ambiental
e social. Assim, a sustentabilidade surge nesse setor como uma possibilidade de
inovação dentro de um mercado competitivo, podendo servir de orientação do agir
INTRODUÇÃO humano e fazendo com que os produtores e os consumidores repensem todo um
modelo capitalista de se fazer moda.
Segundo o relatório A New Textiles Economy (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, É preciso ressaltar que muitas vezes o consumidor acredita usar um produto
2017), o atual sistema da moda opera de forma linear. Grandes quantidades de sustentável por ser oriundo de fibras naturais, mas pouco se pensa na procedência
recursos não renováveis são extraídas para produzir roupas que são utilizadas daquela fibra e os impactos daquela produção, muito menos nos impactos que
por um curto período, sendo elas rapidamente descartadas, indo parar em aterros aquele produto causará durante sua utilização. Percebe-se que há uma visão muito
e incinerações. Esse sistema linear pressiona os recursos, polui e degrada o inocente da sustentabilidade, que acaba sendo uma utopia, uma fantasia utilitarista
ambiente natural e seus ecossistemas, criando impactos sociais negativos em prol de todo um sistema capitalista. Segundo Berlim (2012, p.32):
significativos em escala local, regional e global.
É pouco provável que ao comprar uma camiseta de algodão convencional o
Visto que o ritmo da cadeia produtiva de moda é intenso, as chamadas empresas consumidor pense que está comprando um produto que, ate chegar às suas
fast fashion, caracterizadas por uma produção, consumo e descarte rápidos, mãos, consumiu 160 gramas de agrotóxicos, uma determinada quantidade de
crescem cada vez mais por oferecerem roupas de menor preço de forma rápida, energia e que causou danos sérios ao solo, à água e àqueles que trabalham
consequentemente de menor qualidade e quase nenhuma preocupação ambiental no cultivo do algodão.
com o impacto gerado. Por causa de suas dimensões, especificidades e da
tendência a uma moda cada vez mais rápida, a indústria têxtil é uma das que mais O movimento da sustentabilidade é um grande desafio para o homem, pois implica
contribuem com a insustentabilidade do sistema (SALCEDO, 2014). em repensar toda as suas atitudes durante a vida, perante o local e a economia
de onde vive e também perante o outro, o que acaba se tornando muito difícil,
Em Fortaleza - Ce, o cenário da moda tem vivenciado mudanças de consumo que pois nota-se, cada vez mais, o individualismo como uma grande característica do
levam em consideração às preocupações ambientais e sociais, surgindo assim homem moderno. Desta forma, este acaba se vendo diante de uma encruzilhada:
novos negócios tendo como norte a sustentabilidade. Esse é o caso da marca cea- viver na utopia, sob o modismo da sustentabilidade ou assumir a sustentabilidade
rense Enroupe que faz uso de uma estratégia de produção de vestuário conhecida como realmente um vetor de desenvolvimento para as economias. O mercado de
como upcycling, uma forma de ressignificar resíduos têxteis, reintroduzindo-os ao moda tem uma característica imediatista muito forte. Como consequência disso, há
ciclo produtivo da moda por meio de criações de peças com valor agregado (MOREI- um ritmo desenfreado de produção e consumo, a fim de alimentar o consumismo
RA ET. AL., 2018). das pessoas.
226 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 227
O propósito do estudo de caso da empresa Enroupe foi de analisar o processo de Para que a sustentabilidade deixe de servir ao sistema antropocêntrico e capitalista
desenvolvimento dos produtos da marca utilizando o upcycling. da moda, onde ela aparece quando convém a fim de sustentar um grande modis-
mo, ela precisa ser pensada tanto pelas pequenas marcas, como a Enroupe, como
A Enroupe foi criada em março de 2018 quando saiu vencedora do Startup Weekend pelas grandes e esse processo deve ser liderado por pessoas comprometidas em
Fortaleza, evento voltado para a promoção do empreendedorismo. Como premia- mudar e em propagar essa mudança. Ela também precisa ser pensada em aspec-
ção, os sócios receberam mentorias jurídicas e de gestão do Senac-Ce, Sebrae-Ce tos jurídicos, ou seja, é necessário a criação de regras e normas para que as ações
para efetivamente montar o negócio. A marca nasceu a partir da observação dos pessoais, empresariais e governamentais sejam guiadas abrangendo os aspectos
sócios acerca da grande deficiência de uma moda mais consciente em Fortaleza – ecológico, ambiental, social, econômico, cultural, espacial e politico.
Ce e, com propósito fazer a roupa circular, apresentam no seu portfólio os serviços
de closet compartilhado e mala de viagem, além do uso do upcycling na confecção REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
de sapatos.
BERLIM, Lilyan. Moda e sustentabilidade: uma reflexão necessária. São Paulo:
A adesão da marca ao upcyling foi devido à quantidade de peças de roupa doadas Estação das letras e cores editora, 2012.
com defeitos, rasgos e manchas destinadas ao closet compartilhado. Como não
era uma opção descartá-las, houve a iniciativa de produzir sapatos com os tecidos ELLEN MACARTHUR FOUNDATION. A New Textiles Economy: Redesigning
oriundos dessas peças que não seriam mais utilizados. Ressignificando o resíduo Fashion’s Future. 2017. Disponível em: <http://www.ellenmacarthurfoundation.org/
que seria descartado, a empresa evita a geração de um impacto ambiental negati- publications>. Acesso Jun, 2019.
vo.
MARTINS, Et. Al . Moda e Sustentabilidade: proposta de sistema produto-serviço
O processo de criação e confecção dos sapatos inicia na busca por matéria-prima, para Setor de Vestuário. Revista Científica de Design, Universidade Estadual de
que acontece em brechós e por meio de doações de clientes, além da observação Londrina, v. V.2, n. N.1, jun. 2011. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/
do próprio acervo da marca, detectando peças com avarias. Após esse processo, index.php/projetica/article/view/10532/9259>. Acesso em: 19 mai. 2019.
ocorre a separação e seleção do material, por meio da observação das caracterís-
ticas dos tecidos disponíveis. Durante esse processo, há a separação por grupos, MOREIRA, R. N. et al. O Modelo de Produção Sustentável Upcycling: o Caso da
ou seja, separa-se os tecidos por combinações de cores, estampas e tipo, a fim de Empresa TerraCycle. Rev Setor de Cie. Agr. e Amb, [S.L], p. 1-13, jan./abr.
facilitar o processo de criação. A próxima ação é a abertura de todas as costuras 2018. Disponível em: <https://revistas.unicentro.br/index.php/ambiencia/article/
e junção das partes para a visualização do tecido como um todo para verificar as view/4035/pdf>. Acesso em: 05 fev. 2019.
possibilidades. Como passo seguinte, ocorre o desenvolvimento dos modelos com
base nos tecidos selecionados e com a participação de um sapateiro local. SALCEDO, Elena. Moda ética para um futuro sustentável. Barcelona: Gustavo Gili,
2014.
A marca oferece produtos comerciais, com design e preocupação ambiental,
sendo necessário o cuidado na escolha dos materiais, com o intuito de criar uma
unidade na coleção (atividade complexa visto o processo de coleta de materiais).
O processo de produção da Enroupe gera em média 30 pares de sapatos, que
são colocados à disposição do consumidor durante as feiras de rua das quais
a empresa participa, além de também serem trabalhados na plataforma digital
Instagram.
228 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 229
Tal informação mostra que o Brasil possui um mercado promissor na indústria da funcionam se os consumidores entregarem os produtos que não querem mais de
moda, através da economia circular e de processos sustentáveis. Sendo assim, é volta para o fabricante. Porém, infelizmente muitas pessoas ainda não se importam
possível afirmar que o upcycling é uma das técnicas potencial de transformação na com o descarte correto de produtos e embalagens, ou não possuem conhecimento
indústria têxtil, por alguns motivos que devem ser destacados, tais como: pode ser sobre isso. Uma alternativa seria a implantação do sistema de blockchain para
menos cara, pois os materiais empregados para a produção das peças custam me- conseguir rastrear e acompanhar o ciclo de vida e o eventual descarte dos pro-
nos que os materiais normalmente utilizados na indústria. Além disso, tal técnica dutos e mercadorias. O blockchain, apesar de pouco conhecido pela maioria das
diminui sobras têxteis, reutilizando os tecidos para a criação de novos produtos. pessoas, é uma importante ferramenta para trazer transparência ao mercado da
moda e carrega consigo diversas considerações organizacionais importantes, a
Entretanto, é elevado o preço das roupas desenvolvidas com o upcycling, pois as saber: possibilidade de rastreamento, descentralização organizacional, permitindo
mesmas tendem a ter preços equivalentes às peças de marcas de luxo. O custo instituir esquemas de organização autogerenciáveis, que poderão ser rastreados
elevado pode estar relacionado com o processo criativo, visto que existe uma limi- através de códigos, QR-Codes, entre outros conceitos que estão sendo estudados e
tação para desenvolvimento das peças (design por restrição), já que as mesmas desenvolvidos.
são criadas a partir de uma matéria-prima limitada. Uma outra possibilidade é
considerar que o custo elevado objetiva evitar compras compulsivas, priorizando o Espera- se que essa tecnologia irá se interligar e oferecer subsídios de todas as
consumo consciente. A marca paga um salário melhor para seus funcionários, pois fases da produção, o que tornará toda a cadeia o mais transparente e, obrigará as
seus produtos são mais complicados de serem produzidos, já que existem diferen- marcas a serem realmente responsáveis por seus fornecedores e mão de obra
tes etapas de projeto e produção das peças e esses processos tomam mais tempo contratadas. Assim sendo, embora a indústria da moda encontre alternativas para
de produção, aumentam o custo, o valor e a importância do produto final em com- diminuir os impactos negativos que provoca no meio ambiente, tais soluções são
paração à produção industrial. caras e ainda acessíveis a uma parcela pequena de consumidores, fato que precisa
ser revisto com urgência, pois disso depende a sobrevivência do planeta.
2. LOGÍSTICA REVERSA, ECONOMIA CIRCULAR E BLOCKCHAIN
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A própria prática da técnica de upcycling é um exemplo de economia circular, pois
sugere que resíduos e descartes sejam utilizados como matéria-prima para a pro- O modelo de produção industrial atual é responsável por um grande prejuízo
dução e o desenvolvimento de novos produtos. Destaca-se no upcycling o desen- ambiental e precisa mudar, pois a matéria-prima é extraída, transformada e
volvimento de produtos pensados a partir de um possível retorno ao seu fabricante, descartada quando não é mais necessária. O planeta não possui mais condições
seguindo o modelo de economia circular. de aguentar um impacto ambiental tão grande, sendo que, se todos os produtos
desperdiçados fossem realmente utilizados, os mesmos seriam mais do que
suficientes para abastecer todas as demandas de consumo4.
O livro Cradle to Cradle3 faz uma crítica ao modo industrial de criação e desenvolvi-
mento de produtos, explicando que tal modo linear é o caminho para o mundo co- Seguindo essa linha de pensamento e a partir de tudo o que foi exposto na pesquisa,
lapsar. As teorias apresentadas levam à uma reflexão sobre como transformar esse é possível observar que a técnica de upcycling é uma opção viável do slow fashion
processo industrial do berço à cova em um processo cíclico. O design é pensado para o design de Moda, em oposição ao fast fashion e sua produção efêmera e des-
para reproduzir o produto de modo que não perca qualidade ou valor e não gaste cartável. É imprescindível focar no consumo consciente, através de ações que consi-
mais recursos para seu novo ciclo, uso e descarte. gam atingir os consumidores, para que estes desenvolvam um senso ético e saibam
que também são responsáveis pelo consumismo desmedido e seus reais impactos.
A discussão sobre economia circular vem ganhando mais espaço entre as empresas Além disso, é necessário que a indústria da moda assuma processos transparentes,
brasileiras desde 2010, ano em que foi publicada a lei sobre a Política Nacional de Resí- éticos e responsáveis, que não se limitem, somente, a construção de estratégias de
duos Sólidos, que objetiva dividir a responsabilidade sobre o ciclo de vida dos produtos, venda, mas sim, de efetivo posicionamento sustentável. De um modo geral, grande
parte da população mundial está preocupada e engajada com questões sobre sus-
junto com seus fabricantes, e uma das opções de destaque é a logística reversa. Atual-
tentabilidade e meio ambiente. Porém, ainda há um longo caminho a se percorrer.
mente, é possível destacar algumas marcas que trabalham com a política reversa.
Vale destacar que os conceitos de economia sustentável e de política reversa só
4 Disponível em: <http://www.fashionbubbles.com/comportamento/a-moda-na-contemporaneidade-e-o-dese-
3. BRAUNGART, M.; MCDONOUGH, W. Cradle to Cradle: criar e recriar ilimitadamente. 1. ed. - São Pau- jo-de-desejar/>. Acessado em 29 Jan. 2019.
lo: Editora G. Gili, 2013, 192 p. Tradução: Frederico Bonaldo
232 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 233
LIPOVETSKY, G.; CHARLES, S. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Atlas, 2003. O setor industrial da moda atinge o indivíduo em diferentes âmbitos de sua escala
social, não somente em aspectos relativos à vivência em seu cotidiano entre os
NAGUIB, D. As novas alternativas de busca da sustentabilidade na moda brasi- espaços público e privado, mas em uma constante exposição frente a um consumo
leira. Monografia (Pós-graduação) - Universidade de São Paulo, ECA USP, São Paulo, desenfreado de bens e, consequentemente, ao seu descarte despreocupado com
2017, 30f. relação ao meio ambiente.
POLLINI, D. Breve História da Moda. 5.ed. São Paulo: Claridade, 2007, Coleção Saber Segundo dados do relatório Global Fashion Industry Statistics (Estatísticas da In-
de Tudo, 96 p. dústria Global de Moda) de 2018, são produzidas anualmente cerca de 80 bilhões de
peças novas de roupas. Avaliado em cerca de três trilhões de dólares, a produção
PUCCINI, C.; ROBIC, A. Lowsumerism: o consumo consciente no mercado da moda. é responsável por cerca de 2% do PIB (Produto Interno Bruto) mundial em diversos
XI SEMANA DE EXTENSÃO, PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – SEPesq UniRitter - Centro segmentos como moda masculina, feminina, esportiva, entre outros.
Universitário Ritter dos Reis. Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Extensão –
ProPEx. Rio Grande do Sul, 2015. De acordo com a revista de economia Forbes (2015), o setor de vestuário também é
responsável por aproximadamente 10% das emissões de carbono. Segundo Conca
SILVA, C. A. A moda na contemporaneidade e o desejo de desejar. Disponível (2015), essas emissões são decorrentes da produção de peças de roupas usadas
em: <http://www.fashionbubbles.com/comportamento/a-moda-na-contemporanei- menos de 5 vezes, que são mantidas em uma curta estação, ao contrário de peças
dade-e-o-desejo-de-desejar/>. Acessado em 29 Jan. 2019. que são usadas recorrentemente e mantidas em uso por um período maior.
um produto desenvolvido por meio de um processo criativo, atende aspectos mais designer conectar o consumidor a um consumo mais ético. Para isso, Crane (2011)
sustentáveis, de qualidade superior, que infere em produtos de maior durabilidade ressalta que é de extrema importância que o produto contenha um diferencial, um
e maior valor agregado. Suas produções são realizadas em pequenas e médias valor agregado, para que esse consumidor sinta um apego emocional pela peça,
escalas, usando técnicas mais tradicionais de confecção e materiais disponíveis não a descartando rapidamente.
na região. Valoriza os mercados regionais, fortalecendo o tecido social, oferecendo
uma possibilidade de produção mais sustentável (FABRI e RODRIGUES, 2015). Os dados apresentados sobre os movimentos de consumo industriais, consideran-
do o conceito híbrido e as questões relativas ao público a respeito de um consumo
Numa tentativa de associar os dois modelos de consumo, encontramos um mode- consciente, ocasionaram na proposta da construção de três protótipos de peças
lo experimental com um conceito de consumo mais híbrido, que procura atender, com características multifuncionais e intercambiáveis, que se “desmontam” e se
simultaneamente, ao mercado em uma escala de fabricação mais abrangente, no transformam, de acordo com as necessidades do indivíduo, possibilitando, assim,
formato defendido pelo fast fashion, mas atrelado ao conceito de consumo susten- a composição de diversos looks, adequados ao clima ou à ocasião social, com um
tável, proveniente do slow fashion. As origens do termo não são de pleno conheci- design atemporal. Através da técnica moulage, a construção dos protótipos cons-
mento. Cietta (2010), consultor de moda e sócio-diretor da Diomedea – empresa ita- tituiu-se com base na modelagem modular. Foram criados um casaco, uma saia e
liana de pesquisa e comunicação –, afirma que “As empresas que foram capazes de um macacão, com o objetivo de viabilizar ao usuário diversas formas de uso, facili-
explorar a natureza híbrida dos produtos de moda, mudando o modelo de negócio tando ergonomicamente a manipulação dos módulos, estimulando criativamente o
e a organização criativa, produtiva e distributiva, tem tido grande sucesso” (CIETTA, usuário na combinação dos mesmos, estabelecendo, assim, vínculos afetivos com
2010, p. 35). Em seu estudo o autor aborda como um produto transita sobre o viés o vestível.
industrial de forma híbrida, analisando as características dos produtos culturais e
a sua relação com o consumo e os processos produtivos e criativos empregados, Este projeto foi desenvolvido durante pesquisa para trabalho de conclusão do Curso
finalizando sua cadeia de produção. Ele tece também uma relação entre caracterís- de graduação em Moda. Os protótipos foram projetados para se ajustarem aos am-
ticas de produtos híbridos que não possuem característica estritamente industrial, bientes climáticos e de mudanças de temperatura e ainda a diferentes ambientes
e que consideram as características locais da produção destes itens. sociais, sejam aqueles que exigem roupas mais casuais, ou ocasiões que pedem
um traje mais social. Os módulos dos trajes são conectados através do zíper invisí-
Em âmbitos gerais, as empresas do segmento híbrido oferecem produtos de boa vel, que depois de estudos ergonômicos constatou-se melhor encaixe ao processo
qualidade, com um preço mais acessível. Com grades mais extensas, possui uma de uso. Infelizmente, a oferta de tecidos provenientes de meios sustentáveis escas-
multiplicidade de cores, estampas e numerações, roupas com um design mais sa na região e com alto custo para deslocamento, a melhor alternativa foi utilizar
atemporal e também multiuso. A fabricação tem características locais, e respeita somente um tipo de tecido, de lado luminoso e fosco para acentuar os recortes e
as leis trabalhistas e ambientais. Usa tecnologias e matérias-primas sustentáveis diminuir a quantidade de retalhos na produção. A modelagem dos recortes foi pen-
por meio de uma produção de médio à grande porte, colabora com o emprego de sada para se adequar futuramente aos retalhos de grandes produções em estudos
mais pessoas em relação ao slow fashion. O custo de produtos nesse modelo, no posteriores.
entanto, é maior e o número de coleções é mais reduzido, emprega menos mão-de-
-obra em relação ao fast fashion (FLETCHER; LYNDA, 2012). Ainda assim, esse sis- O projeto proporcionou contemplar as possibilidades de avanço e as limitações
tema (o modelo híbrido) é uma alternativa melhor em conjunto com o modelo slow, nas tentativas de se criar uma moda que contemple a sustentabilidade. Ao ampliar
promovendo consumo sustentável em comparação com o Fast Fashion. o olhar, é possível pensar e promover alternativas de criações que contemplem o
lado mais humanizado do consumo da moda, tanto no setor industrial como em
Uma pesquisa online (2015) realizada pela Nielsen, empresa global de medição e seu objeto final, o consumidor.
análise de dados, constatou uma disposição elevada dos consumidores a pagar
mais por produtos que aderem ao conceito sustentável. Dos entrevistados, 66%
dizem estar dispostos a pagar mais por produtos e serviços de empresas que estão
comprometidas com aspectos sociais e ambientais. Os consumidores atualmente
são incentivados cada vez mais a pensar no coletivo, reconhecendo, que as suas
escolhas têm consequências sociais e ambientais em nível global. Assim, cabe ao
236 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 237
Figura1: Peça saia e suas conjugações de uso FILIPPO, Gabriela. Fast fashion e o modo de produção capitalista. 2016. Disponí-
Fonte: Da autora, 2018 vel em:<https://www.em.com.br/app/noticia/especiais/educacao/enem/2016/06/20/
noticia-especial-enem,774749/fast-fashion-e-o-modo-de-producao-capitalista.sht-
ml >. Acesso em 05 fev 2018
FLETCHER, Kate; LYNDA, Grose. Moda & sustentabilidade : Design para mudança.
São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2012.
FLÜGEL, J. C. A psicologia das roupas. Trad: Antonio Cardoso. São Paulo: Mestre
Jou, 1966.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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on global warming. 2015. Disponível em: <https://www.forbes.com/sites/jamescon-
ca/2015/12/03/making-climate-change-fashionable-the-garment-industry-takes-
-on-global-warming/#33ec895a79e4>. Acesso em: 03 out. 2018.
CRANE, Diana. Ensaios sobre moda, arte e globalização cultural. São Paulo:
Senac São Paulo, 2011.
ZERO WASTE DESIGN EM DESIGN DE VESTUÁRIO: ZERO WASTE DESIGN EM DESIGN DE VESTUÁRIO
REQUISITOS PARA PROJETO DE COLEÇÃO DE MODA
Para Breve (2018), o Zero Waste Design (ZWD) pode ser compreendido como mé-
todo projetual. Segundo o autor, com o objetivo de projetar e gerenciar produtos,
Dr. Lucas da Rosa; Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc); darosa.lucas@gmail.com materiais e recursos, o método projetual ZWD promove a minimização do impacto
Valdecir Babinski Júnior; Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc); vj.babinski@gmail.com advindo dos resíduos industriais comumente destinados à aterros sanitários ou
Dra. Dulce Maria Holanda Maciel; Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc); dulceholanda@gmail.com à incineração. Nesse sentido, englobam-se quesitos de projeto que perpassam a
Dra. Icléia Silveira; Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc); Icleiasilveira@gmail.com responsabilidade de produtores e consumidores, estratégias de ecodesign e medi-
das para a redução de resíduos ou para sua reutilização. Já para Vieira, Iervolino e
Stadler (2019, p. 510), o termo Zero Waste Design possui relação com o movimento
Resumo: Este artigo aborda o método projetual Zero Waste Design no contexto de ascendente pró-sustentabilidade e que “incentiva [a sociedade] a repensar os mo-
Design de Vestuário. Com o objetivo de elencar requisitos para o projeto de coleção dos de produção e de consumo na intenção de gerar menos desperdício”.
de moda, realizou-se pesquisa qualitativa, descritiva e bibliográfica. Como resul-
tado, apresenta-se um score (pontuação) que indica o emprego de dez requisitos, Percebe-se que a união entre o método projetual ZWD e o Design de Vestuário pode
observados na literatura investigada, quanto ao projeto de coleção de moda. fornecer subsídios para modos de trabalho mais sustentáveis, criativos e viáveis.
Diante disso, Firmo (2014) aponta para a necessidade de se estabelecerem requi-
Palavras-chave: Zero Waste Design, Design de Vestuário, Coleção de moda. sitos para o projeto de coleção de moda, com o objetivo de facilitar o desenvolvi-
mento de novos produtos. Corroboram com esse entendimento de Firmo (2014), os
estudos de: Fletcher e Grose (2011), Anicet e Rüthschilling (2013), Rissanen (2013),
INTRODUÇÃO Gwilt (2014), Saraiva (2014), Rüthschilling e Anicet (2014), Binotto e Payne (2016),
Freitas (2016), Martins (2016, 2017, 2018), Breve (2018), Moraes e Koch (2018) e Rizzi
Estima-se que a indústria de moda – entendida como o somatório dos setores têxtil e (2018).
de confecção – descarta, a cada 100 metros de tecido manufaturado, cerca de 15 até
20 metros (FIRMO, 2014; MARTINS, 2016, 2017; BREVE, 2018). Diante desse expressivo Para tanto, com o intuito de se estabelecer os requisitos necessários para imple-
descarte, muitas estratégias pró-sustentabilidade estão emergindo e sinalizando mu- mentar o método projetual ZWD em projeto de coleção de moda – que, resumida-
danças na indústria. Entre tais estratégias está o método projetual Zero Waste Design mente, pode ser entendido com base nas etapas de criação, modelagem e confec-
(ZWD – Design para nenhum desperdício, em tradução livre para a língua portuguesa). ção (GWILT, 2014) – elaborou-se o Quadro 1, a seguir. Para cada requisito observado
foi estabelecida uma pontuação (score)1 que varia em função da importância do
Este artigo foi elaborado a partir de uma pesquisa qualitativa, descritiva, bibliográfica respectivo requisito2 no contexto do método projetual.
e pura/básica, com o objetivo de elencar requisitos para o método projetual ZWD em
consonância com o Design de Vestuário, em especial, no que se refere ao projeto de Conforme é possível observar no Quadro 1, para cada item há uma pontuação es-
coleção de moda. pecífica que pode chegar até 130 pontos em um cenário ideal no qual todos os re-
quisitos são empregados. Por fim, ressalta-se que, para elaboração desse score, foi
Vale destacar que este artigo é fruto de debates e orientações ocorridas na disciplina fundamental a contribuição realizada por Vieira, Iervolino e Stadler (2019), quanto
Inovação em Materiais Têxteis, ministrada no primeiro semestre de 2019 pela profes- ao projeto de uma calça legging em ZWD. Os autores produziram um checklist com
sora Doutora Dulce Maria Holanda Maciel, docente do Programa de Pós-Graduação atributos obrigatórios e desejáveis no projeto desenvolvido, sendo eles: (i) matéria-
em Design de Vestuário e Moda (PPGModa), na Universidade do Estado de Santa Cata- -prima, (ii) antropometria, (iii) modelagem, (iv) viabilidade técnica e (v) qualidade
rina (Udesc). Ressalta-se ainda, que o texto aqui apresentado é parte da dissertação estética.
de mestrado de Valdecir Babinski Júnior, aluno regular do programa supracitado.
1. Utilizou-se como referência a Escala Likert, elaborada pelo psicólogo americano Renis Likert, em
1932, quando da invenção de um método para medição de atitudes individuais de pessoas.
2. Aos requisitos compreendidos como obrigatórios ao ZWD, mediante a literatura investigada, foi es-
tabelecida pontuação que flutua entre 20 (mínimo) e 30 pontos (máximo). Aos requisitos entendidos como
desejáveis, segundo os autores consultados, foi firmada flutuação entre 5 (mínimo) e 15 pontos (máximo).
240 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 241
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BINOTTO, Carla; PAYNE, Alice. The Poetics of Waste: Contemporary Fashion Prac-
tice in the Context of Wastefulness. Fashion Practice, [s.l.], v. 9, n. 1, p.5-29, 13 out.
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cos. Gramado: Blucher Design Proceedings, 2014. p. 1 - 13. Disponível em: http://
Quadro 1: Score para requisitos de projeto de coleção de moda em Zero Waste Design pdf.blucher.com.br.s3-sa-east-1.amazonaws.com/designproceedings/-11ped/00668.
Fonte: elaborado pelos autores (2019) com base em Fletcher e Grose (2011), Anicet e Rüthschilling pdf. Acesso em: 01 fev. 2018.
(2013), Rissanen (2013), Firmo (2014), Gwilt (2014), Saraiva (2014), Rüthschilling e Anicet (2014), Binotto e
Payne (2016), Freitas (2016), Martins (2016, 2017, 2018), Breve (2018), Moraes e Koch (2018) e Rizzi (2018). FLETCHER, Kate; GROSE, Lynda. Moda e Sustentabilidade: design para mudança.
São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2011. Tradução de: Janaína Marcoantonio.
MARTINS, Cláudia Regina. Sustentabilidade nos processos produtivos de de- ZERO WASTE: PROPOSTA DE MODELAGEM PARA VESTIDO DE GALA
sign de moda: abordagem zero waste em tecnologias tradicionais e novas tecno-
logias. In: FÓRUM FASHION REVOLUTION, 1., 2018, São Paulo. Anais eletrônicos. São
Paulo: Instituto Fashion Revolution Brasil, 2018. p. 50 - 54. Disponível em: https:// Tainara Joaquim Salvaro; UNESC/SENAI; tainarasalvaro@gmail.com
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SARAIVA, Cátia Vanessa Madaleno. Modelagem: Zero-waste. 2014. 78 f. Disser- É possível afirmar que o setor da indústria que mais gera resíduos é a seção de
tação (Mestrado em Design de Moda), Faculdade de Engenharia, Universidade modelagem e corte. Quando se trabalha com corte de peças de vestuário, é notável
da Beira Interior, Covilhã, 2014. Disponível em: https://ubibliorum.ubi.pt/bits- observar os resíduos que sobram entre os moldes, muitas vezes é a falta de uma
tream/10400.6/5556/1/3914_7554.pdf. Acesso em: 18 ago. 2019. proposta de encaixe2 perfeito com o sentido certo do tecido e, para agilizar o tempo,
acaba-se cortando do modo mais rápido, gerando mais desperdícios devido as so-
VIEIRA, Milton Luiz Horn; IERVOLINO, Fernanda; STADLER, Thaís Espezin. Design zero bras entre os moldes encaixados.
waste para a produção sustentável de uma calça legging. In: ENSUS - ENCONTRO DE
SUSTENTABILIDADE EM PROJETO, 7., 2019, Florianópolis. Anais eletrônicos. Floria- Se a produção gera resíduos sem aproveitamentos, pode-se dizer que esse produto
nópolis: Virtuahab/UFSC, 2019. v. 5, p. 509 - 522. Disponível em: http://ensus2019. é falho em nível ambiental, por gerar substâncias inutilizáveis. A modelagem é uma
paginas.ufsc.br/files/2019/05/VOLUME-5.pdf. Acesso em: 02 jul. 2019. das etapas da confecção que merece uma atenção especial quando se vislumbra
um horizonte mais longínquo, onde a questão da preservação ambiental é com-
promisso de todos, sem esquecer que resíduos de tecidos também fazem parte do
material investido pela empresa, para confecção das peças de vestuário.
Nesta perspectiva, a modelagem zero waste é a proposta deste projeto, que visa
1. Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento.
2. Distribuição dos moldes que compõem um modelo sobre uma metragem de tecido para melhor aprovei-
tamento do tecido.
244 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 245
contribuir com uma produção onde os resíduos sejam mínimos quando se trata de De acordo com o SEBRAE (2016) o Brasil produz cerca de 170 mil toneladas de resí-
produtos de moda. duos por ano e 80% desse material se tornam rejeitos e são descartados incorre-
Dessa forma, tem-se como objetivo geral aplicar a técnica de modelagem zero tamente, uma pequena parte é recolhida por catadores e o restante acaba parando
waste para a criação de um vestido na perspectiva de um novo luxo, contribuindo em lixões ou aterros sanitários. Esse fato merece ser repensado, pois a longo prazo
para um olhar acerca da sustentabilidade. pode gerar um grande problema socioambiental trazendo prejuízos.
METODOLOGIA Por conta dos desperdícios gerados nas indústrias, ideais com foco na sustenta-
bilidade começaram a surgir. Muitas marcas estão se transformando e buscando
A presente pesquisa é de natureza aplicada e o problema é analisado de forma questões ambientais e sociais. A ideia de que uma empresa preza por ser susten-
qualitativa. No decorrer da pesquisa foi confeccionado um traje de gala utilizando tável contribui positivamente sua imagem e incentiva as pessoas a questionarem
as técnicas de modelagem zero waste, o que define uma pesquisa exploratória, a origem de seus produtos que estão habituadas a consumir. Para Berlim (2014), a
bem como descritiva. Nos procedimentos técnicos a pesquisa é bibliográfica e qua- moda consegue se tornar sustentável ao adotar métodos mais éticos na criação
se-experimental. de seus produtos. Fletcher e Grose (2011, p.48), escrevem que “conceitos de design
com foco na sustentabilidade que vão desde usar os restos de pano em peças
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E DISCUSSÃO feitas de retalhos até reciclá-los como novos fios. Essas ideias prometem e estão
ajudando a desacelerar o fluxo de resíduos na indústria da moda”.
A roupa sempre serviu como um diferenciador social através das épocas e lugares.
Vemos pessoas utilizando roupas que não estavam acostumadas a usar, somente Tendo como base a pesquisa bibliográfica do presente estudo, se observou a falta
por considerarem “estar na moda”, afirma Feghali et al (2013) que, a moda tem um de atenção à produtos de moda que geram altíssimas quantidades de resíduos têx-
jeito de persuadir as pessoas sugerindo padrões culturais com formas e cores que teis. Com isso, a pesquisadora apresenta uma proposta de negócio, na qual foi cria-
devem estar em voga naquele momento. Segundo Castilho e Villaça (2008), o que da com a intenção de minimizar os gastos de tecidos e reduzir os resíduos gerados
leva ao desejo de comprar é uma angustia existencial e um pequeno escape de na produção de vestidos de gala, prezando por sustentabilidade e consumo ético.
problemas. Completa Berlim (2014) que, o consumo de produtos materiais ou ima- A peça foi desenvolvida para abordar uma técnica sustentável relacionada ao mer-
teriais, significa para o indivíduo mais do que simples conquistas, isso faz com que cado de roupas de gala, pois este pode ser considerado um dos segmentos que
o indivíduo consuma produtos cada vez mais. mais gastam e geram sobras de tecidos. Após uma breve pesquisa de mercado, foi
possível perceber que dificilmente se encontra uma roupa de gala com a aplicação
Segundo Schulte (2015) o ciclo da moda pode ser dividido em cinco etapas, isso se do método zero waste. O diferencial de mercado da peça se dá no seu desenvolvi-
refere à entrada de um novo produto no mercado, assim que é consumido, o produ- mento, trazendo princípios de sustentabilidade, sendo construída com modelagem
to sai de moda para que outro surja, pois o mesmo deixou de ser novidade, e assim zero waste, como também na escolha de materiais com uma vida útil maior que
sucessivamente gerando um ciclo de vida curto. Com o intuito de haver um grande permite aproveitamentos em outros trajes ao invés de descartá-los.
consumo, a moda propõe vários estilos, para conseguir atingir um amplo número
de indivíduos, e incentivá-los a comprar peças com diferentes cores e modelos. O tecido utilizado para confeccionar a peça deste projeto, foi o shantung 97% po-
Quanto mais a indústria têxtil cresce, mais as marcas necessitam de pessoas que liéster e 3% elastano, na cor azul-marinho. Tecidos de poliéster não são considera-
produzam seus produtos. E para conseguir tornar os produtos cada vez mais bara- dos 100% sustentáveis, mas são os primeiros a serem pensados e comprados para
tos a mão de obra precisa ser mais barata. Para Fletcher e Grose (2011), a maioria a confecção de vestidos de gala, por serem mais leves e terem aparências clas-
dos trabalhadores de indústrias têxteis são imigrantes que desconhecem seus sificadas como mais “sofisticadas”. A escolha do tecido partiu em utilizar tecidos
direitos trabalhistas e que nunca reclamam das condições precárias por medo de de poliéster, para se assemelhar à produtos já existentes no mercado, mas tentar
perder seu emprego, assim são facilmente exploradas. Schulte (2015) complemen- torná-los mais sustentáveis, através do não desperdício de corte, e, ressaltar que
ta ainda que, por trás de uma roupa ou objeto considerado de grife, pode se escon- o objetivo se firma em não alterar drasticamente o produto, mas a maneira de ser
der uma realidade de exploração, como mão-de-obra infantil, poluição ambiental produzido.
criminosa ou até desrespeito ao ser humano.
246 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 247
Para conseguir um encaixe perfeito sobre o tecido, foi elaborado um plano de corte, FEGHALI, Marta Kasznar et al. O ciclo da moda. Rio de Janeiro: Senac, 2013. 168 p.
conforme pode-se observar na figura 1. Neste plano de corte, é possível analisar
onde cada molde se posiciona sobre o tecido como um quebra-cabeça, e, como FLETCHER, Kate; GROSE, Lynda. Moda & sustentabilidade: Design para mudança.
cada parte da peça é pensada estrategicamente para seu encaixe não gerar resí- São Paulo: SENAC, 2011. 192 p.
duos. Já na figura 2 é possível observar o resultado de uma peça produzida com
princípios sustentáveis utilizando o plano de corte. SEBRAE, Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. Retalhos de
tecidos: no lugar do desperdício, negócios sustentáveis. 2016. Disponível em: <
http://www.sebraemercados.com.br/retalhos-de-tecidos-no-lugar-do-desperdicio-
-negocios-sustentaveis/>. Acesso em: 25 mar. 2019.
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS
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CASTILHO, Kathia; VILLAÇA, Nízia. O novo luxo. 2. ed. São Paulo: Anhembi Morumbi,
2008. 223 p.
248 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 249
MUDANÇAS
POLÍTICAS
#OQUENINGUÉMDIZSOBREMODA: UM ESTUDO SOBRE MODA, (MOURA, 2014, p. 150), foram utilizados relatos coletados do dia 20 de maio ao dia
ATIVISMO ON-LINE E GESTÃO DE PESSOAS 23 de maio de 2019, onde se dá o maior alcance da hashtag. Os relatos foram ana-
lisados de forma qualitativa, a fim de analisar os relatos com a visão da área de
gestão de pessoas.
Laleska Viegas Vieira; Instituto Federal Sul-Rio-Grandense; lkvieira1@gmail.com
GESTÃO DE PESSOAS NO MERCADO DE MODA
Resumo: Este estudo visa analisar os problemas de gestão de pessoas em Muito se fala sobre fidelização de clientes para as marcas no mercado de moda,
ambientes de trabalho do mercado de moda brasileiro, envolvidas na hashtag mas pouco se fala de fidelizar colaboradores para as empresas, e isso pode ser
#oqueninguémdizsobremoda, que viralizou no mês de maio de 2019, assim como percebido na pesquisa. Devido ao desemprego crescente dos últimos dois anos,
também a importância do ativismo on-line para a discussão do trabalho decente no causado pelo retrocesso de crescimento da indústria têxtil1, nota-se um turnover
mercado de moda brasileiro. significativo nos ambientes de trabalho do ramo de moda e vestuário, ou seja, a
alta rotatividade de profissionais.
Palavras-chave: ativismo, gestão de pessoas, moda, trabalho.
A área de gestão de pessoas vai além da contratação, registro e demissão de fun-
cionários: ela é composta por diferentes tipos de processos, que visam garantir um
INTRODUÇÃO ambiente saudável de trabalho. Os tipos de processos envolvidos consistem em:
agregar pessoas, aplicar pessoas, recompensar pessoas, desenvolver pessoas,
O mercado de moda e vestuário brasileiro é um dos maiores do mundo. Uma es- manter pessoas e monitorar pessoas (CHIAVENATO, 2010). A alta rotatividade faz
trutura como a brasileira, que segundo dados da ABIT (Associação Brasileira da com que haja um retrabalho nessa cadeia de processos, além de alterar o fluxo
Indústria Têxtil) de 2017, é a maior cadeia integrada do Ocidente, é sustentada por produtivo da empresa.
milhares de trabalhadores dos mais diversos setores e níveis de escolaridade.
Contudo, especialmente no ramo de confecção de roupas, um ambiente de trabalho Um ambiente saudável de trabalho é fundamental para um sistema de moda mais
saudável nem sempre é garantido pelos empregadores, ainda que este seja um di- justo, em todos os níveis da cadeia produtiva, pois esta é como um ecossistema
reito dos trabalhadores. Além dos problemas característicos do setor, junto a estes muito delicado que pode desestruturar-se com atitudes não saudáveis, como assé-
são registrados casos de sobrecarga de trabalho, desvio de função, discriminação, dio, abuso, remuneração inadequada e discriminação. Por isso,
remuneração injusta e assédio.
É importante valorizar um ambiente de trabalho favorável (...) onde as pessoas são
O estudo a respeito de gestão de pessoas no mundo da moda é importante para felizes, participam de ações internas de motivação, têm liberdade de associação e
desmistificar a visão superficial geral desse mercado e de seus trabalhadores, negociação, com estímulo à comunidade, à meritocracia (distribuição de lucros) e
silenciados por uma visão não realista do mercado de moda, esta que se desvela ao cumprimento de fato das leis e dos códigos de conformidade (com pagamento
através do ativismo gerado pela hashtag #oqueninguemdizsobremoda. de hora extra, cumprimento de folgas, salários e benefícios) (CARVALHAL, 2016, p.
191).
METODOLOGIA
A IMPORTÂNCIA DO ATIVISMO ON-LINE: ANÁLISE DE RESULTADOS
Este trabalho é composto por uma pesquisa de caráter exploratório, que consiste
na análise de relatos postados na rede social Twitter marcados com a hashtag O A Internet possibilitou uma revolução gigantesca no mercado de moda, especial-
mente no que tange ao consumo, possibilitando o acesso a informações e notícias
Que Ninguém Diz Sobre Moda (#oqueninguemdizsobremoda) e por uma pesquisa
que geraram uma maior preocupação relacionada às questões éticas dos produtos.
bibliográfica sobre gestão de pessoas e ativismo on-line para embasamento teóri- Segundo Camargo (2019), o ativismo aplicado ao setor da moda oferece novos
co dos relatos. Por ser baseada em uma hashtag, que é uma ferramenta utilizada caminhos, apresentando-se como uma ferramenta de engajamento, muitas vezes
“para marcar mensagens individuais como pertencente a um grupo específico, ou colaborativa e com um sentido de urgência.
marcar as mensagens como relevantes para determinados tópicos ou assuntos”
1. Segundo os dados mais recentes da ABIT (2017), a indústria têxtil sofreu retrocesso de 1,8% nos
últimos dois anos.
252 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 253
MODA CONTRA A FOME: ALGODÃO AGROECOLÓGICO MODA COMO CAMINHO PARA ENFRENTAR A FOME
E SEGURANÇA ALIMENTAR
O modelo agrícola convencional está centrado no uso abusivo de recursos naturais
e de agroquímicos e permitiu aumentar a produção e a produtividade de alguns
Iara Cristina Vidal Mendes cultivos em certas regiões. Por outro lado, causa forte agressão ao ambiente e é
insustentável a longo prazo. Esse modelo prioriza a produção de commodities e
responde mais ao mercado do que às reais necessidades alimentares da popula-
Resumo: Este artigo avalia o papel do designer de moda como agente político no ção. No Brasil, as commodities corresponderam à metade do valor das exportações
enfrentamento à fome, com a escolha de algodão agroecológico como matéria-pri- brasileiras em 2018 e renderam US$ 120,3 bilhões ao país, 50,2% do total exportado
ma, atuando para a segurança alimentar de agricultores e agricultoras familiares (VALOR, 2019). Ainda assim, 2,5% da população passou fome em 2017. Isso corres-
que cultivam a fibra. A análise foi feita a partir da perspectiva do programa Além do ponde a 5,2 milhões de pessoas (FAO, 2019).
Algodão, do Centro de Excelência contra a Fome do Programa Mundial de Alimentos
(PMA), da Organização das Nações Unidas (ONU). O algodão está entre as 20 commodities mais importantes do mundo, é cultivado
em mais de 60 países, nos cinco continentes, em cerca de 35 milhões de hectares.
Palavras-chave: designer, moda, segurança alimentar, agroecologia, orgânico, algodão A demanda mundial aumenta em torno de 2% por ano desde a década de 1950. O
seu comércio mundial movimenta por ano cerca de US$ 12 bilhões e sua produção
envolve mais de 350 milhões de pessoas. A fibra representa 30% de todos os mate-
INTRODUÇÃO riais têxteis consumidos no planeta. (ABRAPA, 2016). A opção de designer de moda
pelo algodão agroecológico pode ser um caminho do meio nessa transição para
O designer de moda pode atuar em causas políticas, sociais e ambientais por meio um modelo de produção responsável do segmento têxtil e de confecção. Em escala
das escolhas de material e modo de produção para seus projeto. Pode ir além das mundial, o cultivo de algodão agroecológico cresceu 10% em 2018 em relação a
necessidades do mercado e dar visibilidade para questões relacionadas a direitos 2017. No Brasil, o número de agricultores de algodão agroecológico passou de 232
humanos, trabalho digno, equidade de gênero, inclusão social, redução das desi- para 308. (TEXTILE, 2018)
gualdades, preservação da biodiversidade, crise climática, uso de recursos hídri-
cos, poluição química, geração de resíduos, efeitos negativos sobre a saúde huma- Estão no semiárido brasileiro, tradicional área cotonícola, várias experiências de
na e sociais nocivos para comunidades produtoras. produção de algodão agroecológico, com venda para o mercado orgânico. O algo-
dão agroecológico é produzido em sistemas sustentáveis, mediante o manejo e a
Qualquer que seja o material escolhido pelo designer de moda haverá algum im- proteção dos recursos naturais, sem a utilização de agrotóxicos, organismos gene-
pacto nos sistemas ecológicos e sociais que diferem de uma fibra para outra quan- ticamente modificados, adubos químicos ou outros insumos prejudiciais à saúde
to ao tipo e à escala. O resultado é um conjunto complexo de compensações entre humana, animal e ao meio ambiente (BELTRÃO, 2009). Esses empreendimentos
determinadas características materiais e questões específicas de sustentabilidade ocorrem em sistema de consórcio ou policultivo, que envolve o crescimento simul-
que têm de ser negociadas para cada tipo de fibra. (FLETCHER e GROSE, 2011) tâneo de duas ou mais culturas na mesma área e possibilita redução de custos,
diversificação da dieta de agricultores e agricultoras, estabilidade de produção,
O designer de moda pode ser agente político no enfrentamento à fome com a diminuição dos riscos, eficiência no uso da mão-de-obra, intensificação da produ-
escolha de algodão agroecológico como matéria-prima e atuar para a segurança ção com recursos limitados, diminuição no uso de insumos externos e uso eficiente
alimentar de famílias de agricultores e agricultoras que cultivam a fibra. Segurança da terra. (ALTIERI, 1989).
alimentar, de acordo com a Lei nº 11.346/2006, consiste na realização do direito de
todos e todas ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quan- O aumento significativo de agricultores de algodão agroecológico no Brasil ocorreu,
tidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, em especial, graças ao trabalho Esplar ー Centro de Pesquisa e Assessoria, sedia-
tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a di- do em Fortaleza (CE), e a antiga Empresa Estadual de Pesquisa Agropecuária da
versidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis. Paraíba (Emater), atualmente Empresa Paraibana de Pesquisa e Extensão Rural e
Regularização Fundiária (Empaer). Merece registro o trabalho do Instituto C&A em
256 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 257
O MOVIMENTO REVOLUÇÃO DA MODA COMO O movimento ambientalista possui quatro temas principais: a) relação estreita e
MOVIMENTO AMBIENTALISTA DE JUSTIÇA AMBIENTAL ambígua com a ciência e tecnologia; b) o ambientalismo é um movimento com
base na ciência; c) os conflitos sobre a transformação estrutural são sinônimos
as luta pela redefinição histórica das duas expressões fundamentais e materiais
Vanessa de Mello Seibel, vaneseibel@gmail.com da sociedade: o tempo e o espaço; e d) o controle sobre o tempo está no jogo na
Jerônimo Siqueira Tybusch, jeronimotybusch@ufsm.br sociedade em rede, e o movimento ambientalista é provavelmente o protagonista
Isabel Christine Silva de Gregory, isabelcsdg@gmail.com do projeto de uma temporalidade nova e revolucionária (CASTELLS, 2018). Ainda,
indica-se que o movimento ambientalista deve boa parte do seu sucesso ao fato
demonstrar notável capacidade de adaptação às condições de comunicação e
Resumo: O presente estudo tem por objetivo analisar a possibilidade de identifi- mobilização apresentadas pelo novo paradigma tecnológico (CASTELLS, 2018).
cação do movimento Fashion Revolution como um movimento ambientalista de
justiça ambiental/social. No que se refere à ideia justiça, Amartya Sen, a partir dos conceitos de niti e nyaia,
busca uma teoria de justiça que seja capaz de orientar uma reflexão que estimule
Palavras-chave: Movimento ambiental. Justiça. Fashion Revolution. um engajamento efetivo das pessoas não apenas no cumprimento das leis, mas na
transformação da sociedade para que ela se torne mais próxima da própria justiça,
ao menos com uma exclusão das injustiças sentidas em um determinado momen-
INTRODUÇÃO to como inaceitáveis (SEN, 2011).
Os movimentos ambientalistas de justiça ambiental nascidos nos anos 60 foram Com efeito, a reivindicação por justiça ambiental – compreendida como tratamen-
inspiração para a promoção de uma contracultura de preservação ambiental. Nes- to justo e o envolvimento pleno dos grupos sociais, independentemente de sua
se cenário, apresenta-se os movimentos ambientalistas e analisa-se a possibilida- origem ou renda, nas decisões sobre o acesso, a ocupação e o uso dos recursos
de de identificação do movimento Revolução da moda (Fashion Revolution) como ambientais em seus territórios – alterou a configuração de formas envolvidas nas
movimento ambientalista de justiça ambiental e social e, assim, um gerador de lutas ambientais ao considerar o caráter indissociável de ambiente e sociedade
contracultura também na indústria da moda. politizando a questão do racismo e das desigualdades ambientais. Desse modo, a
noção de justiça ambiental implica, pois, o direito a um ambiente seguro, sadio e
MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS DE JUSTIÇA AMBIENTAL: BREVE ANÁLISE preditivo para todos, onde o “meio ambiente” é considerado em sua totalidade, in-
cluindo suas dimensões ecológicas, físicas construídas, sociais, políticas, estéticas
O movimento ambientalista multifacetado surgiu a partir dos anos 60 na maior e econômicas (ACSELRAD, MELLO e BEZERRA, 2009).
parte do mundo, especialmente, nos Estados Unidos e no norte da Europa, está
relacionado em grande medida com o núcleo de uma reversão de pensamento em Através das lutas fundamentais sobre apropriação da ciência, tempo e espaço,
relação à economia, sociedade e natureza, propiciando o surgimento de uma nova os ecologistas inspiram a criação de uma nova identidade, a identidade biológica,
cultura (CASTELLS, 2018). como uma cultura da espécie humana como componente da natureza. Trata-se de
uma busca por uma única identidade global proposta a todos os seres humanos
As ações coletivas, políticas e discursos ambientalistas são bastante independente de seus vínculos sociais, de gênero ou de religião (CASTELLS, 2018).
diversificados, de modo que o movimento não pode ser considerado único. Desse
modo, faz-se necessário indicar que ambientalismo pode ser conceituado como FASHION REVOLUTION COMO MOVIMENTO AMBIENTALISTA
“todas as formas de comportamento coletivo que, tanto em seus discursos como
em sua prática, visam corrigir formas destrutivas de relacionamento entre o Nos dias atuais, o mercado da moda dita quase que diariamente novas tendências,
homem e seu ambiente natural, contrariando a lógica estrutural e institucional modas sazonais e produz novas coleções que alimentam o consumo desenfreado.
atualmente predominante” (CASTELLS, 2018, p. 225). Ainda, com relação ao Trata-se do movimento mundial da indústria da moda chamado fast fashion.
ambientalismo, importante definir que os movimentos sociais se caracterizam por Contudo, o modelo de produção capitalista de moda rápida, em razão da aceleração
três elementos constitutivos: identidade, adversário e objetivo (CASTELLS, 2018). da cadeia de produção, tem severos impactos ambientais. Segundo a Forbes, a in-
260 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 261
dústria da moda é a 2º maior poluidora mundial e aproximadamente 70 milhões de Segundo Manuel Castells, o movimento ambientalista se caracteriza pela introdução
barris de petróleo são usados a cada ano para produzir poliéster, que hoje é a fibra de uma nova temporalidade, na qual a relação entre o homem e a natureza seja um
mais utilizada em roupas e cuja decomposição leva em torno de 200 anos (FORBES, processo de evolução a longo prazo (CASTELLS, 2018). Assim, o movimento Fashion
2019). Revolution ao lançar a Semana da Revolução da Moda, em que se fomenta o debate
de formas de inserção de sustentabilidade no sistema de moda com respeito ao meio
Somando-se a esse cenário, o desabamento do edifício Rana Plaza em Bangladesh, ambiente e gerações futuras, promoção da proteção aos trabalhadores da indústria
em 24 de abril de 2013, o qual causou mais de mil mortes de trabalhadores da da moda em toda a cadeia de produção, introduz essa nova temporalidade.
indústria de confecção e deixou mais de 2.500 feridos, os quais trabalhavam para
marcas globais, em condições análogas à escravidão (CALEIRO, 2019). CONCLUSÃO
Assim, foi criado o movimento global Fashion Revolution com o objetivo mostrar
que a mudança na indústria da moda é possível e encorajar todos aqueles que Não há dúvidas de que o movimento Fashion Revolution pode ser indicado como um
estão em busca de um futuro mais ético e sustentável para a moda. De pronto, movimento ambientalista de justiça ambiental e social, conforme as características
e os principais temas de movimento ambientalista acima indicados. O engajamento
verifica-se que o Fashion Revolution atende as características determinantes de
do movimento pela inserção de sustentabilidade na indústria da moda e a promoção
movimento social, eis que possui a) Identidade: cidadãos preocupados com os da transparência na cadeia de produção, como por exemplo o movimento #quemfez-
impactos ambientais da indústria da moda; b) Adversário: exploração na indústria minhasroupas, transformam a sociedade cada vez mais atenta aos impactos causa-
da moda; c) Objetivo: transparência na indústria da moda. (CASTELLS, 2018). dos pelo consumo desenfreado.
Com efeito, o movimento foi inserido em uma sociedade de consumo, na qual o REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
acesso à informação a partir da popularização da internet e tecnologias de infor-
mação promoveram a participação dos consumidores no ciberespaço, os quais ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecilia Campello do Amaral; BEZERRA, Gustavo das Neves.
deixaram de ser apenas receptores de informações e passaram a produzir e com- O que é Justiça Ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009
partilhar informações e conteúdo. A partir disso, Manuel Castells observou o papel
das mídias nas mudanças de atitude em relação a natureza diante dos estudos CALEIRO, João Pedro. 5 anos após desabamento, o que mudou nas fábricas de Ban-
científicos acerca das mudanças climáticas e, consequentemente, a mudança de gladesh? Revista Exame. Disponível em: https://exame.abril.com.br/economia/
5-anos-apos-desabamento-o-que-mudou-nas-fabricas-de-bangladesh/. Acesso
atitude do mundo empresarial, para transformar a cultura da natureza (CASTELLS,
em: 24 jun. 2019.
2015).
CASTELLS, Manuel. O poder da Comunicação. Trad. Vera Lúcis Mello Joscelyne;
Desse modo, ao lançar o manifesto “pró-moda” nas redes sociais através da rev. da trad. Isabela Machado de Oliveira Fraga. 1ª Ed. São Paulo/Rio de Janeiro: Paz
hashtag - #whomademyclothes, na tradução livre #quemfezminhasroupas, o e Terra, 2015.
Fashion Revolution incentiva a transparência no mundo da moda com o fim
de evitar novas tragédias como no Rana Plaza e valorizar os trabalhadores da CASTELLS, Manuel. O poder da identidade (A era da informação: economia, socie-
indústria moda, bem como promover uma produção com viés sustentável (FASHION dade e cultura, v.2). Trad. Klauss Brandini Gerhardt. São Paulo: Editora Paz e Terra,
REVOLUTION, 2019). Ainda no contexto da transparência, o movimento se utiliza das 2018.
tecnologias de informação para inserir na grande mídia informação dos problemas
CONGA, James. Making Climate Change Fashionable - The Garment Industry Takes
ambientais e sociais com o fim de promover mudanças nos hábitos de consumo da
On Global Warming. Forbes. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/james-
sociedade. conca/2015/12/03/making-climate-change-fashionable-the-garment-industry-
-takes-on-global-warming/#58bb127679e4. Acesso em 26 mai. 2019.
Ademais, a convergência entre a preocupação com os trabalhadores da indústria
da moda, por vezes submetidos a condições de trabalho extremas, e o inquietante FASHION REVOLUTION. About us. Disponível em: https://www.fashionrevolution.org/
impacto ambiental da cadeia de produção têxtil, ambos geralmente localizados em about/. Acesso em 24 jun. 2019
países em desenvolvimento, estão no âmago do movimento Fashion Revolution.
Desse modo, a promoção do ambientalismo pode impactar a sociedade não apenas SEN, Amartya. Uma ideia de justiça. Traduzido por Denise Bottmann e Ricardo
local, como a global, em busca de justiça social e ambiental. Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
262 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 263
AS NUANCES DA SUSTENTABILIDADE NAS RELAÇÕES Sabe-se que não é exclusividade da indústria da moda a toxicidade das relações e
INTERPESSOAIS NA MODA as condições de trabalho, mas é preciso atentar-se para o que acontece por trás
do glamour dos lançamentos e desfiles. Em 2006, foi lançada a comédia dramática
intitulada “O Diabo Veste Prada”, inspirada no livro homônimo da escritora Lauren
Marina Seif, Senac Minas, marinaseif@yahoo.com.br Weisberger, que retrata a rotina de trabalho em uma renomada revista de moda.
Ficção ou não, o filme chama a atenção para uma série de abusos que, embora
retratados de maneira exagerada, geram identificação em algumas pessoas da
Resumo: Este artigo tem por objetivo promover uma reflexão sobre as nuances da área da moda, principalmente naquelas que tiveram a oportunidade de trabalhar
sustentabilidade na moda no que diz respeito às relações interpessoais nos am- em grandes empresas ou com estilistas renomados.
bientes de trabalho. Para tal, foi proposta uma reflexão sobre como a tratativa entre
pares de trabalho pode ser nociva ao bem-estar dos indivíduos e a necessidade de Não é incomum ouvirmos relatos de profissionais da área apresentarem condutas
se agir de forma ética, com o intuito de promover uma moda verdadeiramente sus- questionáveis com seus funcionários e parceiros, principalmente quando estes
tentável. encontram-se em relação de subordinação a eles. Gritos, grosserias, questiona-
mentos e comentários depreciativos são disparados sem cerimônias. As relações
Palavras-chave: Moda ética; Sustentabilidade; Ambiente de trabalho são estabelecidas de uma forma hierárquica, em que aquele, que já conquistou seu
espaço no mercado, se sente no direito de não medir palavras, quase parafrasean-
do o referido filme, com a crença de estar fazendo a sua equipe um favor, pois acre-
Quando falamos em sustentabilidade, é comum pensarmos nos meios de produção ditam que “milhões de meninas se matariam por esse emprego”.
e no descarte, e quando pensamos no componente humano envolvido, quase sem-
pre a atenção é voltada para aqueles que se encontram em condições de trabalho A prova de que os abusos cometidos pelos profissionais da área de moda são tão
análogas ao escravo, em que crianças e adultos trabalham em condições insalu- comuns, é que em 2017 foi criado no Instagram um perfil chamado “Fashion As-
bres por uma remuneração ínfima. A ideia não é ignorar tais situações e diminuir sistants” cujo objetivo inicial era compartilhar memes relacionados à rotina dos
sua gravidade, mas chamar a atenção para outro tipo de comportamento tóxico nas profissionais que trabalham com moda e em pouco tempo se tornou veículo de
relações de trabalho da moda e mostrar como estas podem ser também extrema- denúncia. Não demorou para, no início de 2018, surgir uma versão brasileira da con-
mente incoerentes aos princípios da sustentabilidade. Segundo o Sebrae, ta, a “Muódas”. A página reúne dezenas de relatos que poderiam muito bem ter sido
retirados do filme “O Diabo Veste Prada”, mas, infelizmente, não foram.
A moda sustentável é aquela que, em todas as suas etapas, preza pelo respei-
to ao meio ambiente e à sociedade, valorizando as pessoas. (...) O conceito de E, se no filme o assédio moral acontece de forma explícita e inquestionável, na vida
sustentabilidade aplicado à moda propõe produção mais humanizada, sem a real o mesmo é muitas vezes naturalizado, como um padrão de comportamento
exploração da mão de obra, com remuneração mais justa. Além de produzir intrínseco à indústria da moda, levando as pessoas a se sujeitarem a tais com-
peças cujo design e funcionalidade favoreçam o uso duradouro.1 portamentos em troca de viver aquela experiência “única”. Os impactos disso no
profissional são imensuráveis, principalmente quando o abuso é proferido por um
Assim sendo, é preciso ter atenção à qualidade das relações no ambiente profissional. estilista ou representante de uma marca que, antes, aquele profissional já admira-
Para promover um local de trabalho coerente com os princípios da sustentabilidade, é va e almejava ter a oportunidade de trabalhar em conjunto. Esse profissional pode
preciso ir além de oferecer ao funcionário uma remuneração justa e cumprir com as ter sua autoestima seriamente comprometida, criando bloqueios emocionais que
exigências da legislação trabalhista, é importante que o indivíduo se sinta motivado e podem vir a prejudicá-lo em outros setores de sua vida.
valorizado. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), “um ambiente de
trabalho negativo pode levar a problemas de saúde física e mental de trabalhadores, Naturalizada, essa relação pejorativa e abusiva acaba sendo perpetuada, em um ciclo
além do uso abusivo de drogas ou álcool, faltas e perda de produtividade”2. de abusos sem fim. Não é incomum vermos o oprimido adotar o discurso ideológico
e o comportamento do opressor, em um ciclo mimético, perpetuando a cultura da
1. Disponível em <http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/conheca-detalhes-e-potencialidades- insalubridade emocional nas relações de trabalho. Segundo Burton (2010),
-da-moda-sustentavel,97488b88ba73e410VgnVCM1000003b74010aRCRD> Acesso em julho de 2019.
2. Disponível em <https://nacoesunidas.org/oms-empresas-devem-promover-saude-mental-de-funcionarios-no-
-ambiente-trabalho/> Acesso em julho de 2019.
264 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 265
Um ambiente de trabalho saudável é aquele em que os trabalhadores e gesto- dos naquele ambiente. Um bom local de trabalho aumenta também as chances de
res colaboram para o uso de um processo de melhoria contínua da proteção e o funcionário desenvolver uma identificação com a empresa e de fato “vestir sua
promoção da segurança, saúde e bem-estar de todos os trabalhadores e para camisa” e se dedicar inteiramente para seu crescimento, pois compreende que faz
a sustentabilidade do ambiente de trabalho. (BURTON, 2010, p.11), parte daquele lugar e que ambos podem crescer juntos.
Para que haja um ambiente de trabalho saudável é preciso prezar pelas relações Da mesma forma que tem sido fomentadas reflexões sobre outras formas de
interpessoais, para que as mesmas ocorram sempre primando pelo respeito e pela produzir moda, é preciso lembrar sempre da importância de se instigar uma ma-
ética. Sendo a ética o ideal para o comportamento humano, ela é a reguladora do nutenção de valores que, para ser ético, não basta não poluir, é preciso cuidar das
agir, orientando os homens sobre o que é bom, correto e moralmente aceito. Para pessoas que o cercam. Que é preciso ser um profissional dedicado, criativo, com
tal, o homem deve ser orientado sobre esses valores, para que possa, de forma excelência técnica, mas também humano, respeitoso e cortês no trato com seus
consciente, tomar as decisões mais adequadas (NEVES, 2019). O Ethical Fashion colaboradores no dia a dia, quando não se é avistado pelos holofotes.
Forum (EFF) traz uma definição de moda ética, em que é possível perceber a
importância de um ambiente de trabalho saudável: REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Para o EFF, a moda ética representa uma abordagem à concepção, forneci- BURTON, Joan. Ambientes de trabalho saudáveis: um modelo para ação: para
mento e fabricação de roupas que maximiza benefícios para as pessoas e empregadores, trabalhadores, formuladores de política e profissionais. OMS; tradu-
comunidades, minimizando o impacto sobre o meio ambiente. A moda ética ção do Serviço Social da Indústria. Brasília: SESI/DN, 2010.
é um processo de produção que não tem impacto negativo sobre o ambiente
ou sobre as pessoas envolvidas na produção. Ela engloba um sentido de res- Conheça detalhes e potencialidade da moda sustentável. Disponível em <http://
ponsabilidade social que se relaciona com os materiais utilizados, o ambiente www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/conheca-detalhes-e-potencialida-
onde eles são produzidos e as pessoas envolvidas na produção, que rece- des-da-moda-sustentavel,97488b88ba73e410VgnVCM1000003b74010aRCRD>
bem um salário justo e boas condições de trabalho.3 Acesso em julho de 2019.
E embora seja possível encontrar pesquisadores que tracem diferenças entre moda OMS: empresas devem promover saúde mental de funcionários no ambiente de traba-
ética e moda sustentável, observamos que são conceitos intimamente ligados e lho. Disponível em <https://nacoesunidas.org/oms-empresas-devem-promover-saude-
que ambos buscam a valorização e o cuidado com o homem e com o meio ambien- -mental-de-funcionarios-no-ambiente-trabalho/> Acesso em julho de 2019.
te. Assim sendo, não conseguimos pensar em uma forma de se pensar em uma
produção de moda sustentável sem que esta seja ética e vice-versa. Sabendo que o NEVES, Michele de Jesus. Ética nas relações pessoais no ambiente de trabalho.
ser humano é afetado por fatores ligados ao meio, é necessário atenção em como Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 04, Ed. 01, Vol. 07,
se dão as relações nos ambientes profissionais. Dejours (2012, apud NEVES, 2019) pp. 11-46. Janeiro de 2019.
afirma
Moda ética x moda sustentável: qual é a diferença? Disponível em <http://www.
que o impacto da organização do trabalho sobre o indivíduo faz emergir, em stylourbano.com.br/moda-etica-x-moda-sustentavel-qual-e-a-diferenca/>. Acesso
determinadas condições, um sofrimento que pode ser atribuído ao choque em julho de 2019.
entre a sua história individual, portadora de esperanças, projetos e desejos, e
a de uma organização do trabalho que o ignora. (DEJOURS, 2012, apud NEVES,
2019, p. 24).
A REDE DE EXPLORAÇÃO HUMANA NA CADEIA PRODUTIVA A questão de gênero é um fator decisivo para a análise dessa cadeia de produção,
DA INDÚSTRIA TÊXTIL pois a maioria de trabalhadores nas fábricas é composta por mulheres. De acordo
com o relatório do Worker Rights Consortium, Made in Vietnam: Labor Rights Viola-
tions in Vietnam’s Export Manufacturing Sector1, de maio de 2013, mulheres jovens
Alice Vieira Lima constituem impressionante maioria de trabalhadores nas indústrias de exportação
Ana Paula Lima manufatureiras no Vietnam, compreendendo cerca de 80% da força de trabalho no
setor de vestuário.
Resumo: O trabalho tem a finalidade de expor as etapas da produção da rede glo- Aproximadamente 60% das trabalhadoras das indústrias têxteis na Índia são mu-
bal de produtos têxteis e suas consequências econômicas, sociais e ambientais. lheres (Kane 2015) [...], trabalham longas horas, em condições perigosas, com
Em um mundo desigual em que há países que se especializam em ganhar e outros falta em serviços básicos como primeiros socorros, poder beber água e ter um
que se especializam em perder (Galeano, 1994), partiremos do pressuposto dos saneamento básico, o que afeta trabalhadoras mulheres mais fortemente do que
termos utilizados na teoria da dependência e utilizaremos a teoria dos sistemas- homens. (Chen 2007). Trabalhadoras também estão mais particularmente vulnerá-
-mundo como forma de análise. veis a comentários obscenos, insultos sexistas e outras formas de assédio de su-
pervisores e empregados homens. Extensas horas no setor têxtil informal também
Palavras-chave: moda; exploração; indústria têxtil; desigualdade colocam as mulheres trabalhadoras em cenários perigosos e precários. Elas devem
percorrer a noite por áreas mal iluminadas onde enfrentam crescentes incidentes
de estupros, agressões sexuais e violência física. As mulheres trabalhadoras tam-
O presente artigo objetiva expor as etapas que perpassam a produção da rede glo- bém raramente recebem licença por doença e negam a elas o pagamento durante
bal de produtos têxteis e suas consequências econômicas, sociais e ambientais, a licença de maternidade, em violação da Lei de Benefício de Maternidade de 1961.
utilizando a teoria dos sistemas-mundo como forma de análise. Para isto, em razão (ILO, 2016) 2
de considerarmos as dicotomias “pobres x ricos”, “desenvolvidos x subdesenvolvi-
dos” pejorativas, iremos nos apropriar dos termos cunhados no contexto da teoria Ademais, as maiores empresas que terceirizam a produção se isentam da respon-
da dependência para nos referirmos aos países ditos “mais desenvolvidos” como sabilidade de acidentes como o desabamento do Rana Plaza em 2013 e mantêm
“centrais” e “menos desenvolvidos” como “periféricos”. o sistema tal como é. Não podemos ignorar, também, o fato de que essas grandes
marcas continuam agindo dessa forma, pois não são devidamente punidas, há de-
Atualmente temos um padrão de produção e consumo, no qual os produtos têxteis sinformação por parte dos consumidores, em razão do distanciamento com essas
são fabricados, consumidos e descartados de forma rápida, conhecido como Fast realidades, visto que não há divulgação suficiente sobre as marcas que compõem
Fashion (ou Moda Rápida). Esse sistema requer coleções compactas e modelos no- esse modo de cadeia de produção e, consequentemente, a demanda por produtos é
vos frequentemente. Para que se consiga atender essa alta demanda, apresentan- cada vez mais crescente.
do baixos preços, a produção é terceirizada em países com leis trabalhistas mais
frágeis ou com menos fiscalização, como Bangladesh e Camboja. As empresas do A indústria da moda também atinge o meio ambiente e a agricultura. As empresas
topo da cadeia passam a ter uma produção de baixo custo, podendo decidir o local que adotaram o modelo da Fast Fashion passaram a utilizar materiais com qualida-
mais barato para a fabricação do produto e consequentemente aumentam os seus de inferior, minimizando seu ciclo de vida. Assim, os clientes descartam as roupas
lucros. com mais rapidez. Essas roupas são descartadas, quase na sua totalidade, de ma-
neira despreocupada, sem um destino ideal para reaproveitamento ou reciclagem,
Dessa forma, países periféricos, como os do sudeste asiático, não seguem as leis tra- e na maioria das vezes, voltam para os países periféricos na forma de lixo têxtil. A
balhistas com o receio de que essas empresas procurem outro lugar para produzir. Tal maior parte desse lixo não é biodegradável e ficam por mais de 200 anos nos li-
situação gera um ambiente precário com condições péssimas de trabalho, que muitas xões, enquanto liberam gases perigosos no ar.
vezes pode ser definido como trabalho escravo. Esses lugares são conhecidos como
sweatshops (Fábricas de Suor), no qual as pessoas que trabalham – em sua maioria
mulheres – recebem salários muito baixos, como será explanado ao decorrer do artigo. 1. Em tradução livre: Consórcio dos Direitos dos Trabalhadores: “Produzido em Vietnã: Violação dos
Direitos Trabalhistas no Setor de Exportação de Manufaturas do Vietnam” (2013)
2. Tradução livre do trecho retirado de INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION (ILO), Precarious Work
in the H&M Global Value Chain. 2016
268 FÓRUM FASHION REVOLUTION - 2019 269
A agricultura é a primeira parte da cadeia produtiva da moda. O algodão produz a Para que se dê um bloco histórico nos termos de Gramsci é necessária uma cons-
fibra que é responsável pela maioria das roupas produzidas atualmente. Assim, tituição de uma estrutura sólida entre Estado e sociedade. O Estado manteria uma
o algodoeiro está sendo recriado com novos modos de plantação à medida que a coesão dentro deste por meio da propagação de uma cultura em comum, e para
demanda de roupas cresce. Em substituição aos métodos tradicionais de cultivo, que se entrasse em um processo revolucionário a estrutura deveria estar esgotada.
está havendo a industrialização da agricultura, com o algodão Bt (semente gene- Uma ordem hegemônica nesse sentido representaria uma ordem política incontes-
ticamente modificada, em português GM) e roundup ready (semente tolerante a tada, e em uma perspectiva de ordem mundial.
herbicidas).
No nível exclusivo da política externa, as grandes potências têm uma liberdade
Essas sementes GM além de causarem impactos no solo, tornam o agricultor de- relativa de determinar suas políticas externas em resposta a interesses nacionais;
pendente de grandes empresas, como a Monsanto, pois essas sementes não se as potências menores têm menos autonomia (Gramsci, 1971, p. 264). [...] A vida
reproduzem naturalmente e o agricultor tem sempre que comprar mais. Essa é econômica das nações subordinadas é invadida pela vida econômica de nações po-
uma das formas dessas empresas controlarem o mercado de sementes, assim a derosas, e a ela se entrelaça, processo que se complica ainda mais pela existência
maioria dos agricultores se endivida por conta do alto custo e da falsa promessa de de regiões estruturalmente diferentes no interior dos países, regiões essas que têm
controle das pestes, que os fazem ter que comprar mais pesticidas, tendo em vista tipos distintos de relações com as forças externas (COX,2007,p. 182)
que as sementes não combatem as pragas.
Para mudar tal situação, a conscientização dos consumidores e o surgimento de
Os produtos químicos utilizados no campo além de causarem efeitos ecológicos, empresas orgânicas (como o novo movimento Slow Fashion ou Moda Lenta, em
afetam, também, a saúde dos moradores da comunidade rural. Houve um dra- tradução livre) são apenas medidas paliativas e não solucionam o real problema. O
mático aumento do número de defeitos congênitos, cânceres e doenças mentais boicote a grandes marcas pode levar à falência de algumas empresas, mas o siste-
nessas regiões. E as empresas que fazem as sementes GM e os químicos são as ma exploratório presente na cadeia produtiva continuará.
mesmas empresas que fazem os remédios para a cura dessas doenças. Todo esse
cenário ilustra que essas empresas priorizam o lucro, sendo negligentes com as Dessa forma, responsabilizar as instituições reguladoras internacionais e delas es-
vidas afetadas por essa produção nos países periféricos. perar mudanças e fiscalizações mais rigorosas não é o suficiente. É preciso romper
com o sistema em que vivemos hoje. Assim, a única saída seria o surgimento de
Utilizando como meio de análise a teoria dos sistemas-mundo, é possível explicar um novo bloco histórico, onde haveria uma reunião das classes operárias, a priori-
como se dá essa relação. A definição de sistema-mundo, de acordo com Wallers- dade deixaria de ser o capital e o eixo produtivo deveria ser repensado, colocando
tein, é “[uma] divisão territorial do trabalho multicultural na qual as produções e em primeiro plano o bem-estar social de todos os trabalhadores.
intercâmbio de bens básicos e matérias-primas é necessária para a vida de seus
habitantes todos os dias.” (VELA, 2001 apud PENNAFORTE, 2011 p. 41) BIBLIOGRAFIA
Entretanto, nem sempre essas relações são equilibradas. No caso das indústrias
têxteis, os países menos desenvolvidos são os mais impactados nessa relação de- COX, Robert. Gramsci, hegemonia e relações internacionais: um ensaio sobre
sigual. Os países pobres sofrem desvantagens qualitativas na troca entre produtos método. In: GILL, S. Gramsci: materialismo histórico e relações internacionais. Rio
de pouco valor agregado (por exemplo, matéria-prima) por produtos de alto valor de Janeiro: Editora UFRJ, 2007. p. 101-124.
agregado (industrializados) das nações mais desenvolvidas dentro do sistema capi-
GALEANO, Eduardo. As Veias Abertas da América Latina. Tradução de Galeano de
talista. Dessa forma, há um certo desnível tecnológico que contribui para a manu-
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tenção do status quo.
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PENNAFORTE, Charles. Análise dos Sistemas-Mundo: Uma pequena introdução
ao pensamento de Immanuel Wallerstein. Rio de Janeiro: CENEGRI - Centro de Estu-
dos em Geopolítica e Relações Internacionais, 2011. Disponível em: <https://www. Resumo: apresenta-se o panorama do ensino em sustentabilidade nos cursos vol-
academia.edu/29110331/An%C3%A1lise_dos_Sistemas-Mundo_-_Uma_Pequena_In- tados à Moda e vestuário no sul do Brasil e propõe reflexões acerca da transforma-
trodu%C3%A7%C3%A3o_ao_Pensamento_de_I._Wallerstein>. Acesso em: 29 de abril ção através da educação.
2017.
Palavras-chave: Educação. Moda. Sustentabilidade.
WORKER RIGHTS CONSORTIUM. Made in Ventam: Labor Rights Violations in Viet-
nam’s Export Manufacturing Sector. 2013. Disponível em: <http://www.usfashionin-
dustry.com/pdf_files/WRC-Report-Vietnam.pdf>. Acesso em: 25 de abril 2017. INTRODUÇÃO
O ENSINO DA SUSTENTABILIDADE NA MODA Para Fletcher e Grose (2011) os designers de moda passam do trabalho na cadeia
de fornecimento para o trabalho no “centro” de mudança. O novo papel do Designer
Os cursos superiores em moda surgem no Brasil no contexto da aceleração da é como facilitador, desenvolvendo estratégias para transformar a indústria e o ne-
indústria têxtil e do vestuário ao final da década de 1980, segundo Pires (2002, p. gócio da moda.
4), a fim de atender à demanda por profissionais da área. Contudo, a pessoa egres-
sa desses cursos obtinha formação com foco artístico e estilístico, distante dos Em muitos contextos, esse papel é mais complexo que as atividades de design
parâmetros técnicos necessários à indústria. Assim, acredita-se que a criação dos tradicionais e requer negociação intensa e manobras perante os interesses dos
cursos superiores estaria mais vinculada a uma diferenciação de classes, a fim de investidores, além de ações práticas. É, também, imprevisível, e produz resulta-
ampliar a diferença de status entre costureira e estilista, técnico e bacharel. dos que podem não se adequar às normas de design tradicionais. Pois o papel de
facilitador tende a enfatizar o processo, em detrimento do resultado, e redesenha
as fronteiras do ego dos designers, por entender o “sucesso” como consequência
Ao longo da década de 1990 houve um expressivo crescimento dos cursos de moda de esforço coletivo, não de talento isolado (FLETCHER; GROSE, 2011, p. 162)
no Brasil. Ao mesmo tempo, o campo do design conquistou grande espaço e noto-
riedade, tornando-se, no âmbito educacional, o principal responsável pela criação Logo, se o designer está localizado no centro da mudança, essa se inicia na for-
de produtos, inclusive os de vestuário. Em 2004, o Ministério da Educação publicou mação dele. Sendo assim, nota-se a importância do ensino da sustentabilidade na
parecer estabelecendo diretrizes curriculares que aproximavam os criadores do graduação, e evidencia-se o papel político do professor para que se formem de-
vestuário ao campo do design. signers conscientes de seu papel frente à sociedade e à transformação da cadeia
produtiva.
Passados 26 anos, desde a criação do primeiro curso de Moda no Brasil, que
se ocupava da formação do estilista, houve alternância do campo e a forma-
ção em Moda passou a constituir o campo do Design de Moda ou, na termino- CONSIDERAÇÕES FINAIS
logia de Christo (2013), o campo de produção de objetos do vestuário, no qual
se legitima e consagra o designer, não mais o estilista. (QUEIROZ, 2014, p.79) A imperatividade do novo nas sociedades modernas e a crescente aceleração da
produção gera consequências catastróficas, tanto para a sociedade, quanto para o
De acordo com o site do MEC (BRASIL, 2019), o Brasil conta com 157 cursos tecnoló- meio-ambiente. Em Santa Catarina, apesar da forte influência nacional no âmbito
gicos voltados à moda, 86 cursos de bacharelado, também o mestrado acadêmico produtivo têxtil e de confecção, no quesito educacional nota-se a baixa preocupação
em Têxtil e Moda da Universidade de São Paulo (USP) e o mestrado profissional em com a sustentabilidade, evidenciada pelo pequeno número de disciplinas voltadas a
esta nos cursos de graduação. Um terço dos cursos credenciados apresentam uma
Design de Vestuário e Moda, da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).
única disciplina relacionada à sustentabilidade.
Em dados divulgados pela Associação Brasileira da Industria Têxtil e de Confecção
(ABIT, 2018), o Brasil possui o quarto maior parque de confecção e o quinto maior
Tendo o designer enquanto agente facilitador da transformação, ressalta-se a impor-
parque industrial têxtil. tância da formação deste por um viés crítico e socialmente compromissado, para
que possa atuar não somente na transformação dos produtos, mas principalmente
Ainda segundo o e-mec (BRASIL, 2019), o estado de Santa Catarina possui 33 cur- na mudança da própria estrutura do sistema. Assim é dado, também, o papel político
sos em atividade voltados à moda, somando-se bacharelados e tecnológicos. Fo- do professor enquanto facilitador dessa formação.
ram pesquisados nos sites das instituições de ensino os componentes curriculares
dos 33 cursos, dos quais apenas 22 foram encontrados. Destes somam um total de Nesta comunicação, nota-se a importância da inserção da sustentabilidade na for-
11 disciplinas relacionadas à sustentabilidade, distribuídas em 11 cursos sendo que mação do profissional da indústria do vestuário. E fica o convite àqueles que deseja-
5 pertencem a uma mesmo grupo educacional. Comparando a um estudo realizado rem realizar mapeamento semelhante em outros estados no território nacional.
através da mesma metodologia em 2017, houve um crescimento de 5 cursos no Neste campo de poder que compreende a transformação da sociedade, tão
estado. Além disso, só haviam sido encontradas 4 disciplinas voltadas à sustenta- importante quanto pensar em novos modos de consumo e de produção, é
bilidade (SCHULTE, et al., 2018, p. 48). pensar em novos modos de ensinar àqueles que vão produzir – tanto o produto,
quanto o conhecimento acerca deste.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
possamos evoluir
FLETCHER, Kate; GROSE, Lynda. Moda e Sustentabilidade: Design para a mudança.
São Paulo: Editora Senac, 2011.
PIRES, Dorotéia Baduy. A história dos cursos de design de moda no Brasil. Revista
e construir futuros
Nexos: Estudos em comunicação e educação, São Paulo, ano VI, n. 9, pp. 1-13,
2002.
mais prósperos,
SCHULTE, Neide; OLIVA, Gabriela Costa; FONSECA, Felipe; ZARPELÃO, Maria Julia
Hernandes. Sustainability and Fashion in undergraduate teaching. In: VI encontro de
sustentabilidade em projeto, 2018, Florianópolis. Anais ENSUS. Florianópolis: Ufsc,
2018. Pp 44-54. Disponível em: <http://ensus2018.paginas.ufsc.br/files/2017/08/
justos, igualitários
ANAIS-ENSUS-2018-Volume-IV.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2019.
e sustentáveis”
– Universidade Federal do Ceará, Programa de Pós-graduação em Educação Brasi-
leira, Fortaleza (CE), 2014.
ELOISA ARTUSO
Diretora Educacional Fashion Revolution Brasil
Ilustração: Camila Gadotti
SEJA
O Fashion Revolution é um movimento global, presente em CURIOSO.
DESCUBRA.
100 países, que incentiva maior transparência, sustentabilidade
e ética na indústria da moda através da conscientização,
mobilização e educação.