Dois Anos para Ficar Com Ela (F - TAY G

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Série Família Martinez

Livro um

Dois anos para ficar com Ela


Está é uma obra de ficção. Nomes, personagens e

acontecimentos descritos são frutos da imaginação

da autora. Nenhuma parte desse livro pode ser

utilizada ou reproduzida sob qualquer meio

existente, sem prévia autorização da autora.


Capítulo 1

Miguel Martinez

Madrid 2018

Quando entrei para a faculdade, não imaginava encontrar a garota


mais linda que meus olhos já viram. Negra, olhos de jabuticaba,
tinha um estilo diferenciado. Com seus cabelos pretos em um corte
bem curtinho, onde se conseguia ter uma bela visão de seu pescoço
fino.
Meu coração acelerou. Pensei que ele iria explodir, principalmente
quando ela me olhou e sorriu. Depois que dei o primeiro passo, me
entreguei de corpo e alma para aquela morena.
Ela me contou sobre sua vida no Brasil, uma garota carioca. Isso me
deixou ainda mais fascinado, pois já ouvi falar da beleza da mulher
brasileira. Pensei que encontrei o amor da minha vida. Estava feliz e
radiante, ela me parecia uma boa pessoa. Meiga, doce e diria até
mesmo inocente... não poderia estar mais enganado. Aquela
feiticeira me cegou, a pedi em casamento com dez meses de
namoro. Um garoto ingênuo e perdidamente apaixonado por uma
mulher esperta.
Meu casamento durou um ano, até eu flagrar aquela puta na cama
com um cara que eu jurava ser meu melhor amigo, além de ser da
família.
Na hora eu queria matar os dois, mas depois o nojo que senti me
fez afastar. O divórcio foi rápido, ela não quis nada. O que eu
considero justo. Depois do divórcio nunca mais vi aquela mulher.
Devo agradecer a ela, pois foi depois de conhecê-la de verdade,
que fiz de tudo para mudar minha vida. Antes eu era um cara idiota,
não pensava em crescer financeiramente, só queria ter uma vida
tranquila e confortável. Agora, o dinheiro é minha melhor
companhia.
Investi muito na minha pequena vinícola. Hoje sou um dos maiores
produtores de vinho da Espanha.
Não sou um homem caseiro, gosto de farra e festas. Sexo sempre é
bem-vindo, não importa quantas pessoas estarão envolvidas. Só
não transo com homens, nada contra, mas meu negócio é mulher.
Todos os tipos de mulheres. No entanto, mesmo gostando de farra,
quando estou na minha fazenda é onde fico em paz comigo mesmo.
Nesse momento estou no meu escritório, que fica no centro de
Madrid. Concentrado em uma pilha de documentos. – Sou um
homem que gosta das coisas a moda antiga, tecnologia não é
comigo.
Meu assistente bate na porta, atraindo minha atenção.
- Senhor Martínez, Greta está ao telefone. – disse Louis, meu
assistente de 1.60, um pouco acima do peso, mas que é um dos
poucos que atura meu jeito sistemático, até mesmo grosso de ser.
Ele está na empresa a dois anos. Deve ser o meu relacionamento
mais longo, nos últimos dez anos.
- Diga que não estou disponível.
Greta Hernández, filha de um bancário. Ela é gata, mas não passa
de uma garota mimada. E não tenho saco para isso.
Louis volta para sua mesa, me deixando sozinho na minha tarefa de
ganhar dinheiro.
Depois de um dia produtivo, vou para minha fazenda. Pego uma
taça de um dos meus vinhos um la excelência, 2007.
Sento na área, em um banco balanço de madeira que fica ao ar
livre. Hoje o céu está estrelado, a lua é minguante. Fico com a
cabeça erguida. Sentindo a brisa em meu rosto.
Quando meu celular começa a tocar. Automaticamente reviro os
olhos, se tem algo que me irrita é alguém atrapalhar meu momento
de paz.
Pego o aparelho.
- Oi?
- Martínez, aqui é o Aguiar.
Santiago Aguiar, um dos advogados da família, e meu advogado
pessoal.
- Diga.
- Tivemos um problema na exportação para o Brasil. A carga chegou
ao destinatário e uma das caixas continha duas garrafas quebradas.
E a nota fiscal, foi confiscada.
Merda.
Levanto irritado.
- Hoje mesmo irei ao Brasil.
- Senhor, já está tarde...
- Não quero saber Aguiar, ligue para o piloto imediatamente. Tempo
é dinheiro.
Encerro a ligação.

Caroline Costa

Rio de janeiro
Nunca fui uma pessoa de reclamar, mesmo com a vida que tenho,
tento ver o lado bom das coisas.
A dez anos atrás fui uma mulher casada... Isso ainda parece um
sonho distante. Meu ex marido, foi um dos homens mais bondosos
que conheci. Me apaixonei quando meus olhos o fitaram, ele era
lindo, com a aparência semelhante ao cantor latino Enrique Iglesias,
cabelos pretos volumosos e lisos, com um corte nas laterais. Queixo
definido e mandíbula marcante, para completar, belos olhos azuis,
tirando suspiro por onde passava.
Eu sempre tive um estilo diferente. Gostava do cabelo bem curto,
unhas pretas e até usava um piercing no nariz e outro na
sobrancelha... Infelizmente essa garota ficou para trás.
Quando Miguel me flagrou com seu melhor amigo e primo
Guilhermo, eu juro que não estava entendendo nada. Ele gritou, me
chamou de puta, e eu fiquei lá parada na cama tentando cobrir
minha nudez com o lençol, completamente perdida.
Sabe quando parece que você está em um pesadelo, e não
consegue acordar? Foi assim que me senti.
A única coisa que lembro foi que estava em casa, Guilhermo chegou
para entregar um documento, bebemos um copo de água, depois
tudo apagou.
Miguel não me deu o direito de ser ouvida, eu chorei, implorei para
ele deixar eu falar, eu precisava me explicar. Foi em vão. Saí de
casa no mesmo dia, não quis nada dele. O divórcio foi bem rápido.
E assim que saiu, voltei para o Rio de Janeiro, onde meus pais
moram.
Eles não me aceitaram de volta, a verdade é que eles nunca se
importaram comigo, quando me casei enxergaram como um lugar
para arrancarem dinheiro.
A família de Miguel é o oposto. Típica família bem grande e unida.
Ele é filho único, mas tem vários primos. Quando se reuniam era
uma festa. O tempo que ficamos juntos foram os mais felizes da
minha vida, até acontecer o que aconteceu. Depois disso fui
humilhada, tratada como uma prostituta.
Hoje tenho um barraco, na favela. Eu mesma construí. Moro
sozinha, mas Deus me abençoou e conheci uma pessoa incrível.
Minha melhor e única amiga. Trabalho em um restaurante cinco
estrelas a três anos. É o melhor emprego do mundo. Minha chefe a
renomada Cinthia Cruz, é uma pessoa maravilhosa. Nos
conhecemos por acidente, literalmente. Ela quase me atropelou.
Depois disso nos identificamos, e ela me contratou para trabalhar
em seu restaurante. E hoje, é a pessoa que mais amo.
Estou juntando dinheiro para comprar minha casa, e sair da favela.
Já tenho uma boa quantia, não vai demorar para ter minha casinha
de tijolos.
- Carol, o que acha de sairmos hoje? – perguntou Cinthia.
Quando saímos juntas, frequento os lugares da alta, por ela ser
conhecida é tudo por conta da casa.
- Vai ser ótimo, hoje estou a fim de relaxar.
Não sou uma pessoa que se mata de trabalhar e passa o fim de
semana trancada no quarto. Gosto de sair para dançar, paquerar e
as vezes terminar a noite com algum carinha, mesmo que a última
opção não aconteça com frequência.
- Vamos nos arrumar na minha casa. – Cinthia está na cozinha,
fazendo um de seus pratos famosos. – Risoto de Camarão – Ela
morre de medo de ir à favela. Do tempo que nos conhecemos nunca
foi no meu barraco.
- Combinado. – Respondo me afastando para atender uma mesa.
O restaurante sempre está lotado, tem reservas para o ano todo. É
um dos mais conhecidos do Rio.
Já se passava das dez horas quando o restaurante fechou. E
partimos para a casa dela. Cinthia mora em um apartamento no
Leblon.
Chegamos no apê, e começamos a nos arrumar. Ela optou por um
vestido preto justo. E eu por um azul soltinho.
Ao chegarmos na casa noturna, já se vê uma enorme fila. Mas
entramos direto para a área vip. Não demora para começarmos a
beber.
Cinthia me puxa para dançar. Está tocando música eletrônica.
Levanto os braços, curtindo o momento, deixando a música me
guiar. Estou com os olhos fechados.
Sabe quando você tem a sensação de que está sendo observada?
Foi essa sensação que me fez abrir os olhos. E naquele momento
eu queria não ter aberto.
Fico paralisada no lugar, respiração acelerada e o coração
disparado.
Capítulo 2

Miguel Martinez

Cheguei ao Rio a dois dias.


Resolvi o problema das garrafas quebradas e da nota fiscal, na
mesma noite que cheguei.
Já era para ter voltado, mas meu primo Henrico, me convenceu de
ficar até o fim de semana, para curtir a noite carioca.
Agora estou em uma casa noturna, onde está tocando música
eletrônica. Meu único objetivo é encontrar uma gata, e levá-la para o
meu abatedouro.
Estou rindo do idiota do meu primo, quando duas mulheres se
levantam e começam a dançar.
Uma delas me chama a atenção de imediato. A morena de cabelos
longos até na cintura. Ela usa um vestido azul soltinho, mesmo
assim consigo ter uma bela visão de suas curvas. Ela está de
costas, e eu a devorando com os olhos, até meu pau tá dando sinal
de vida em ver essa mulher. Já escolhi com quem irei passar
algumas horas de diversão.
E então, ela para de dançar.
Quando vira o corpo, e seu olhar encontra o meu, sinto um ódio. Um
ódio que só essa feiticeira me causa.
Não sei quanto tempo ficamos nos encarando, mas ela parece tão
espantada quanto eu. Ou está fingindo, já nem sei mais no que
acreditar.
A amiga dela para de dançar, e elas começam a conversar, noto o
momento que o olhar das duas cruza com o meu. A loira que a
acompanha, a puxa pela mão, a tirando da área vip.
Algo que não sei explicar, me faz levantar e ir atrás dela, um impulso
que não consigo controlar.
Elas passam pela porta, como se estivessem fugindo.
- Caroline! – A chamo antes que elas alcancem o carro.
Ela para, demora um pouco para se virar. Quando se vira meu
coração acelera. Ela está ainda mais linda que eu me lembre.
- Miguel? – Sua voz sai falhada.
- Conseguiu o que procurava?
Ela me olha confusa, fazendo aquele olhar que eu sei que é
fingimento.
- O que eu procurava?
- Alguém para te bancar. Casou?
- Você é um idiota.
Ela se vira, e novamente o impulso me faz segurar seu braço. Sinto
como se uma eletricidade percorresse meu corpo ao tocá-la.
- Me solta!
Olhando para ela, sinto raiva, ódio. Ela é a única que me desperta
esse sentimento. A puxo em minha direção.
Estamos com nossos rostos bem próximo, o cheiro dela continua o
mesmo.
- Eu te odeio, Caroline.
- Saiba que é recíproco.
Ficamos nos encarando, um silêncio tomou conta do lugar. Sempre
foi assim com Caroline, mesmo a odiando como nunca pensei odiar
alguém, ela me deixa desconcertado, mas se ela pensa que sou
aquele idiota de dez anos atrás, está enganada.
Solto seu braço.
Sem olhar para trás ela se afasta. Observo como entra desesperada
no carro. Passo a mão na cabeça. Então ela voltou a morar no rio...
Seus pais moram aqui, aqueles dois trambiqueiros. Pelo visto a
maçã não caiu longe do pé, já que ela veio correndo ficar com eles.
Devem rir da minha cara.

Caroline Costa
Não acredito que o vi, estou dentro do carro. Meu coração ainda
está acelerado, o modo como me olhou. Ele não é o mesmo, e isso
me faz sentir um aperto no peito.
– Está bem, amiga?
A voz de Cinthia chama minha atenção.
– Estou! Você me deixa na entrada do morro?
– Dorme na minha casa.
– Outro dia. – Dou um sorriso, a fazendo concordar.
Ela me deixa na entrada, desço do carro e começo a subir até meu
barraco.
Aqui, todos já me conhecem. Por isso, não sinto medo quando
passo pelas biqueiras.
– E aí, chef. – Um dos rapazes que cuida da biqueira me
cumprimenta. Eles me chamam de chef, por trabalhar em um
restaurante cinco estrelas, pensam que sou a chef da cozinha. Mal
sabem que sou péssima cozinheira, me arrisco em alguns pratos, no
entanto, nada que vale a pena ser colocado em um menu de
restaurante, muito menos um cinco estrelas.
– E aí. – Respondo simpática.
Continuo subindo, até parar no barraco de tábua verde. Entro e
tranco a porta.
Vou até minha cama, deito e me permito chorar.
Miguel pensa que sou uma interesseira, por me ver em um lugar
chique, já concluiu que estava sendo bancada por um homem.
Mal sabe ele, que minha vida hoje em dia, não tem nada a ver com
o passado que vivemos.
Conheci Miguel na faculdade.
Estava fazendo administração em Madrid. Com muito esforço
ganhei uma bolsa, estava tão feliz. Eu tinha tudo para ser uma
pessoa bem sucedida. Quando ele começou a dar em cima de mim,
algo me fez ver um futuro feliz ao lado daquele jovem lindo de olhos
azuis. Ele era engraçado, sempre me fazia rir. Não acreditava que
um dos top cinco do campus se interessou por mim.
Não demorou para me apaixonar.
Quando me pediu em casamento, foi mágico. Foi no dormitório,
havíamos acabado de fazer amor. Ele me surpreendeu, ao se
ajoelhar e cantar nossa música.
Acabo dormindo, com as lembranças de um passado distante.
Capítulo 3

Caroline Costa

Na manhã seguinte.

Acordo cedo, faço minha higiene matinal, e já me preparo para ir ao


trabalho. O restaurante abre cedo.
Assim que chego, já vou colocar meu uniforme, faço um coque no
cabelo, não uso maquiagem ou acessórios.
Ajudo a organizar tudo para abri-lo.
Cinthia chega na parte da tarde, quem cuida da cozinha no período
da manhã é o chef Vagner. Os primeiros clientes começam a
chegar.
O dia está movimentado, como sempre, as pessoas chegam tomam
café da manhã, ficam conversando. Eu apenas observo, e pensar
que um dia fui como essas pessoas. Frequentava os melhores
restaurantes de Madrid... mas isso é passado. Bora focar no meu
presente.
O horário do almoço é quando o restaurante fica com todas as
mesas ocupadas.
- Caroline, tem uma mesa com estrangeiros. Dois deles até fala
português, mas acho melhor você ir lá. – diz Leandro, um dos
garçons.
- Pode deixar, eu cuido deles.
Afasto e vou até a mesa de número dez, é uma das melhores
mesas do restaurante, com lugar para quatro pessoas.
- Bom dia, meu nome é Caroline, serei a responsável em atendê-los.
Na hora todos os olhares da mesa vêm em minha direção, minha
vontade é de cavar um buraco e me enfiar dentro.
- Que mundo pequeno. – diz o homem que me odeia, Miguel. –
Garçonete? – ele pergunta com um sorriso no rosto.
- Sim. – Respondo seca. – Já sabem o que vão querer? Posso
recomendar algo?
- Sim. – Responde Henrico, seu primo. – O que nos recomenda de
aperitivo?
Respiro fundo, ignorando o olhar de Miguel sobre mim.
- O chef Vagner faz uns cogumelos recheados muito bom, é um dos
mais pedidos.
- Vamos querer esse. – Um outro homem responde.
Começo a anotar os pedidos de todos. Durante o almoço, me senti
humilhada, Miguel me olhava satisfeito em me ver servi-lo. Quando
nos divorciamos ele disse que eu não seria alguém importante sem
abrir as pernas. Isso martela na minha cabeça cada vez que preciso
ir a mesa dele.
Estou atendendo a mesa ao lado, é um grupo de mulheres, que
estão bem interessadas nos homens da outra mesa. Miguel, seu
primo e os outros dois transpiram dinheiro, só de olhar para eles já
se nota o quanto são ricos.
- Não tem outra pessoa para nos atender? – Uma loira arrogante
pergunta.
Isso acontece sempre, uma pessoa preconceituosa que não aceita
ser atendida por uma mulher negra.
- Infelizmente não. – Respondo seca.
- Ela serve. – Outra responde.
Levanto o olhar e encontro Miguel encarando a cena, nesse
momento me sinto o ser mais insignificante do mundo.
Elas começam a fazer os pedidos, vou anotando tudo com atenção.
Retorno com o pedido delas, uma das moças começa a discutir
comigo, dizendo que não foi aquilo que pediu.
- Sinto muito por meu engano. – Mesmo sabendo que ela está
tentando me humilhar, já que seu pedido foi anotado corretamente,
não posso me alterar, o cliente sempre tem razão.

Miguel Martinez
Não acreditei quando meus olhos viram Caroline servindo as mesas,
não imaginava a encontrar como garçonete. Pensei que iria abrir as
pernas para algum ricaço.
Não consigo tirar meus olhos dela, ela atende todos com um sorriso
no rosto, até mesmo aqueles que a tratam mal.
Tento tirar ela do foco, e encaro a mesa ao lado, com cinco
mulheres gatas.
- A ruiva tá de olho em você. – diz meu primo Henrico.
Neste momento Caroline vai atendê-las, e noto o quanto estão
sendo rudes. Caroline levanta o olhar e me encara, sei que está se
sentindo humilhada, por mais que eu a odeie não fico feliz em vê-la
assim.
Todo o interesse que tinha na outra mesa se desfaz, quando a ruiva
começa a gritar com Caroline.
Ela não responde, fica de cabeça baixa, tentando acalmar a mulher
estúpida, que está tentando se aparecer.
- Não estou gostando disso. – Comenta João, um amigo brasileiro.
- Sei que Caroline não presta, mas não merece ser tratada assim. –
completa Henrico.
E então o pior acontece, a mulher joga o molho na roupa de
Caroline. Todos do restaurante se calam para olhar a humilhação
daquela que um dia eu amei.
Levanto bruscamente.
- Calma Miguel. – Nem sei quem disse isso.
Vou a passos firmes até ela, a ruiva me dá um sorriso.
- Chega! – grito atraindo todos os olhares. – O show acabou. – Pego
a mão de Caroline que não diz nada e a puxo para fora do
restaurante.
A levo até meu carro, abro a porta e a coloco dentro, dou a volta,
entro do lado do motorista e fecho a porta.
- Por que não fez nada? – pergunto sem acreditar que era a mesma
mulher que eu conheci.
A encaro, e vejo que está chorando.
- Ei, não chore. – Por um impulso inexplicável a abraço.
Ficamos abraçados por um longo tempo até ela se afastar.
- Estou bem, sinto muito que tenha visto isso.
- O que aconteceu com você? No passado não iria deixar isso
assim, iria gritar com ela.
- Não sou mais a pessoa que conheceu...
- Quer que eu a leve para a casa dos seus pais?
Ela ri sem vontade.
- Não, obrigada. – Abre a porta do carro. – Adeus, Miguel.
A vejo se afastar, retornando ao restaurante. Caroline não é a
mesma mulher que conheci a mais de dez anos, e mesmo assim,
ainda me preocupo com ela.

Caroline Costa
Não acredito que fui humilhada desse jeito. Na hora eu estava com
raiva, mas não podia reagir e perder meu emprego. O que me
surpreendeu foi Miguel interferir. Ele pareceu realmente preocupado
comigo, no entanto sei o quanto me odeia.
Ao retornar para o restaurante, fui direto para os fundos.
Todos meus colegas de trabalho ficaram preocupados comigo,
avisaram para Cinthia que está vindo furiosa. Ela queria o nome da
mulher que foi grotesca. Fui para o banheiro, tirei meu uniforme e
coloquei minha roupa.
Ao sair, sinto uma tontura. Apoio no armário, até tudo parar de rodar.
- Caroline, está se sentindo bem? – Pergunta Leandro.
- Só um mal estar, mas já está passando. – Dou um sorriso para o
tranquilizar.
Realmente, não demora para passar.
Quando Cinthia chegou, as coisas ficaram tensas, ela estava
nervosa. Queria ir atrás da mulher, chamou a polícia e mostrou as
gravações da câmera de segurança. Cinthia é a melhor amiga que
eu poderia ter.
Me dá uma carona até a entrada da favela.
– Vamos para o meu apartamento? Tem certeza de que vai ficar
bem? Não quero te deixar sozinha.
– Tenho sim, não se preocupe. Obrigada por me dar folga amanhã.
– Você trabalha muito, minha amiga. Merece um repouso.
Nos abraçamos se despedindo.
Desço do carro, vou caminhando até meu barraco.

Miguel Martinez
Não consegui sair do estacionamento do restaurante. Algo me
prendeu naquele lugar, com o olhar fixo onde Caroline havia
entrado. Não vi o tempo passar, apenas observei a movimentação,
quando chegou a loira que a acompanhava na casa noturna, e
depois uma viatura da polícia.
Já estava entardecendo, quando finalmente Caroline saiu
acompanhada da loira.
Elas entraram no carro, e eu as segui. Algo dentro de mim, não me
deixava ignorar o alerta.
Mas não estava preparado para ver elas se dirigindo para a favela.
O carro para bem na entrada, e não demora para Caroline descer.
Logo a loira vai embora.
Estaciono o meu carro, desço e tento seguir os passos dela. Vejo
ela cumprimentar uns caras na esquina.
Continuo andando.
– E aí tio.... O que vai querer? – um garoto se aproxima.
– Nada! – Respondo com meu português arrastado.
– E o que tá querendo aqui, meu? É gringo?
Os outros notando que algo está errado começam a se aproximar.
– Vir atrás da mi esposa. – Isso saiu automático.
– E quem é sua mulher?
– A mulher que passar aqui. – Meu português está enferrujado.
Eles trocam olhares.
– Isso tá estranho.... Zé, vai lá ver com a chef, se esse sujeito tá
falando a verdade.
Chef? Acho estranho, mas prefiro ignorar.
Um garoto mais novo sobe o morro, enquanto fico sendo encarado
pelos demais. Não demora para ele retornar. Torço para que
Caroline continue minha mentira.
– Ele está falando a verdade.
– Sobe aí tio. O Zé vai te acompanhar.
Sigo o garoto.
Olhando ao meu redor, me sinto em outro mundo.
Mas quando o garoto para em frente uma casa de madeira, toda
destruída. E vejo Caroline parada na porta, meu coração se
despedaça.
Me aproximo dela, que abre espaço para mim. Assim que entro ela
fecha a porta.
– Você poderia ter sido morto. Está louco? Como descobriu onde
moro?
– Onde estão seus pais?
Ela me olha um pouco assustada.
– Miguel, estou cansada e com muita dor de cabeça. Diga o que
quer.
– Só fiquei preocupado.
Ela ri.
– Miguel, vamos ser sinceros um com o outro. Você me odeia, pode
dizer o quanto está feliz em ver que estou onde você sempre quis.
– Realmente, eu a odeio. Mas não desejo o seu mal. Por que está
aqui?
– Não tenho outro lugar... Mas em breve terei dinheiro para comprar
minha casa. Estou trabalhando muito para isso, ao contrário do que
você pensa, não estou abrindo as pernas para ser alguém
importante perante a sociedade.
Me sinto mal por ter dito essas palavras. Mas quando as pronunciei
eu estava irado, queria ver ela na sarjeta. No entanto, a ver na
situação que se encontra, não me alegra.
– Miguel?
Capítulo 4

Miguel Martinez
Dizem que o amor e o ódio andam lado a lado. Nunca acreditei
nisso... até agora. Quando vejo a pessoa que mais odeio vivendo
em uma casa de madeira, caindo aos pedaços. Nunca imaginei que
iria sentir algo além de raiva de Caroline.
Estou parado no pequeno cômodo que se nota ser toda a casa.
Uma pequena cama com edredom da Marvel, ao lado uma mesa
quadrada de mármore com quatro cadeiras de ferro branca, um
pouco mais a frente um fogão branco de quatro bocas e ao lado
uma geladeira velha também na cor branca. No fundo uma cortina
como porta, que aposto ser o banheiro.
Meu olhar encontra o dela, não sei se está envergonhada ou brava,
mas seus olhos estão lacrimejando.
- Como descobriu onde eu moro? – Sua voz sai forte.
- Segui você. – Sou direto.
Ainda estou tentando entender como uma pessoa inteligente, que
fala três idiomas, fez faculdade de administração, cheia de vida,
sempre alegre com seus piercing e seu cabelo curtinho... como a
pessoa que eu me apaixonei perdidamente veio parar aqui?
Estamos nos encarando em silêncio.
- Não consigo entender. – É a única coisa que digo.
- Você não precisa entender nada... para ser sincera, eu que não
estou entendendo o que você está fazendo aqui, veio caçoar de
mim?
A olho incrédulo.
- Como?
- Estou onde desejou, você ganhou Miguel.
Me aproximo dela irritado.
- Eu ganhei? – grito. – Encontrar a mulher que amo na cama com
meu primo, a mulher que queria dividir a vida. Não Caroline, eu não
ganhei porra nenhuma.
Seus olhos começam a lacrimejar, no fundo eu queria apenas
abraçá-la e a tirar deste buraco, mas toda vez que a olho, vem em
minha mente a imagem da traição, da punhalada nas costas que
recebi das duas pessoas que eram importantes na minha vida.
- Vamos embora daqui. – O lado que ainda se importa com ela, não
me deixaria viver em paz sabendo como está vivendo. – Vamos
Caroline!
- Você só pode estar louco. – Ela ri sem vontade. – Eu não vou a
lugar nenhum, não preciso de caridade e para você poder ir embora
com a consciência tranquila, logo irei comprar uma casa longe
daqui. Eu trabalho para isso.
Ando pelo pequeno cômodo.
- Droga, Caroline. Que porra.
Passo os dedos no meu cabelo. Eu a odeio, por que não estou feliz
em vê-la assim?
- Miguel, vá embora. Por favor.
Vejo que ela abriu a porta, ando em sua direção. Ela ergue o rosto
para me encarar, seus olhos estão vermelhos, sei que assim que eu
passar pela porta, ela irá desabar em lágrimas. Isso não deveria ser
problema meu, e mesmo assim não consigo sair daqui.
- Irei retornar para Espanha daqui dois dias.
- Desejo uma boa viagem.
Dou alguns passos para sair, e dois de volta.
- Éramos felizes. – Digo a olhando bem no fundo de seus olhos. –
Nos amávamos, por que ficou com ele?
Eu nunca a perguntei, nunca quis escutá-la, mas agora sinto todas
minhas barreiras derrubadas.
- Miguel, você era a pessoa que mais me conhecia, você foi meu
primeiro homem, primeiro amor e sim, éramos felizes. Mas você me
virou as costas em vez de me ouvir. Você acreditou no que viu, e
para ser honesta, se eu estivesse no seu lugar também iria acreditar
no que meus olhos estavam vendo. Do fundo do meu coração, eu te
amei e desejo que encontre alguém que o faça feliz. Você é um bom
homem, não deixe o ódio que sente por mim mudar o seu coração
bondoso. – Ela sorri e uma lágrima caí em seu rosto. – Mesmo me
odiando não consegue me ver mal. – Seus olhos negros como a
noite me encaram, - Adeus, Miguel.
Começo a me afastar, sem conseguir dizer uma palavra.
A vejo fechar a porta.
Com as duas mãos no bolso da calça, vou me afastando.
Passo pelo grupo de jovens armados, que me encaram. Continuo
caminhando até o carro.
Entro no veículo e fico parado, sentindo algo que não consigo
explicar.

Caroline Costa

Fecho a porta, deslizo minhas costas até o chão. Não consigo


controlar o choro.
Éramos felizes, eu era feliz. Eu o amava, amava sua família.
Tento levantar e sinto uma forte dor na cabeça, tudo começa a girar,
sinto o impacto do meu corpo no chão.
Abro os olhos, sentindo a cabeça doendo.
Escuto meu celular tocando, confusa o pego no bolso do meu jeans.
É o despertador. Chego à conclusão de que passei a noite no chão.
Vou levantando aos poucos, fico sentada no chão. Sinto um peso na
cabeça, minha visão está um pouco embaçada, só consigo lembrar
de Miguel aqui em casa.
Ele me seguiu, isso me fez sorrir, mesmo me odiando, ele se
preocupa.
O que aconteceu naquela noite? Lembro que Guilhermo precisava
entregar algo para Miguel, no entanto Miguel não estava. Eu ofereci
algo para ele beber, bebemos um copo de água e depois disso, tudo
se apagou. Mas o que aconteceu depois? Como fui parar nua na
cama?
Respiro fundo, ficar remoendo o passado não vai me levar a lugar
nenhum. Já estou me sentindo um pouco melhor, levanto e tomo um
banho.
Hoje Cinthia me deu o dia de folga, aproveito para lavar meu
barraco, e ir ao mercadinho.
Compro algumas coisas que acabaram e volto caminhando até o
ponto de ônibus. Estou passando em frente uma pracinha, ainda
está claro e como não estou me sentindo bem, decido me sentar em
um dos bancos de concreto.
- O que está acontecendo comigo?
Fecho meus olhos para diminuir um pouco a tontura. Quando os
abro já está escuro, e estou deitada sobre o banco. Não me lembro
como aconteceu isso. As sacolas estão no chão, pelo menos
ninguém me roubou.
Sento no banco, pego meu celular e fico assustada ao ver que já se
passa das oito horas da noite. Inspiro fundo várias vezes, pego as
sacolas, mas quando vou me levantar sinto novamente a tontura. O
melhor será pedir um Uber.
O motorista me deixou na entrada do morro, a maioria das pessoas
temem entrar aqui. Vou caminhando até o barraco, assim que entro,
me encosto na porta sem fechá-la.
Eu não me sinto bem.
Capítulo 5

Miguel Martinez

Hoje irei voltar para Madrid. Estou no apartamento do meu primo


Henrico.
- Vai conseguir seguir em frente? – Ele pergunta.
- Não sei do que está falando.
Na verdade eu sei, mas não gosto de falar sobre o assunto.
- Você deveria conversar com o Gui. Nunca pensou que pode haver
algo de estranho nessa história?
- Não começa com esse papo de teoria da conspiração.
- Estou falando sério. Ele falou para mim que foi na sua casa para
deixar um documento, disse que Caroline lhe deu um copo de água
e depois tudo se apagou. E o restante você sabe...
- Não caio nesse papinho, os dois me traíram esse é o ponto.
Levanto do sofá irritado.
- Só acho que deveria ver o que realmente aconteceu.
- Henrico, já se passou dez anos, estou fudendo para o que
aconteceu.
Vou até o quarto de hospedes preparar minha mala. O quanto antes
eu sumir daqui é melhor.
Estou guardando minhas camisas, quando meu telefone começa a
tocar. É um número aqui do Brasil.
- Alô. – Digo ao atender.
- Miguel Martinez? – É a voz de uma mulher.
- Sim, quem gostaria?
- Meu nome é Stephany, do hospital municipal do Rio de Janeiro.
Estou entrando em contato para informar que sua esposa deu
entrada ontem.
- Esposa?
- Sim, Caroline Costa Martinez.
Sinto meu coração acelerar.
- O que aconteceu? – Pergunto já abrindo a porta saindo às pressas
do quarto.
- O senhor é o contato de emergência dela, deve comparecer o mais
rápido possível para mais informações.
Assim que desligo, encaro meu primo que me encara de volta.
- Me leve ao hospital municipal.
- O que aconteceu, mano?
- Caroline.
Não precisei dizer mais nada, ele pegou a chave do carro e saímos.
***
Chegando no hospital, que logo na entrada se nota a lotação. A
passos largos caminho até a recepção.
- Sou o marido de Caroline Costa.
- Senhor, aguarde fim da fila.
- Como? – pergunto irritado.
- O senhor precisa aguardar na fila. – A mulher não teve a
capacidade de olhar na minha cara.
Aquilo me tira do sério. Afasto da recepção, começo a andar pelo
hospital.
- O senhor não pode entrar aí.
Ignoro a voz irritante da mulher, e continuo andando. Quero ver
quem vai me impedir. Henrico está ao meu lado e juntos procuramos
Caroline. Nos separamos para a encontrá-la mais rápido.
- Miguel.
Escuto meu primo gritar, vou até ele que está acompanhado de uma
enfermeira.
- Irei acompanhá-lo até o consultório do médico responsável pelo
caso de sua esposa.
Acompanho a enfermeira.
Na sala do médico fico mais nervoso ainda, ele não está com uma
expressão positiva.

Caroline Costa
Não me lembro como vim parar no hospital, mas sei que desde que
acordei estou deitada nessa cama, com uma agulha no meu braço
direito onde vejo o soro pingando lentamente. Não estou
entendendo o que está acontecendo.
A porta se abre e para me deixar ainda mais confusa, quem entra é
meu ex marido.
Eu devo estar sonhando. Ele se aproxima, noto que esteve
chorando, o que me deixa preocupada.
Miguel pega minha mão, sentando-se ao meu lado.
- Como você está? – Ele pergunta me encarando.
- Sinto como se um trator tivesse passado por cima de mim. – Dou
um sorriso para tentar amenizar toda situação. – Estou bem. O que
aconteceu?
- Um de seus vizinhos a encontrou desmaiada.
- Não me lembro.
Uma lágrima caí de seu rosto.
- Não chore... por que está chorando?
O aperto de sua mão fica mais forte, em silêncio fica encarando
meus dedos. Isso me lembra quando éramos um casal e ele fazia
esse mesmo gesto.
- Eu sou seu contato de emergência.
- Esqueci de retirar.
Ele levanta o olhar, vejo dor e muita tristeza.
- Está me deixando preocupada.
- Estive conversando com o médico que lhe atendeu... Caroline,
você está... com um nódulo cerebral.
Sabe aquelas cenas em que tudo parece acontecer em câmera
lenta? Neste momento, enquanto encaro Miguel e recebo essa
notícia, sinto que o tempo parou.
- Eu vou morrer? – é a única coisa que consigo perguntar.
- Não. – Ele fica de pé, debruçando o corpo na cama para me
abraçar, deixando um beijo no topo da minha cabeça. – Vou te levar
para o melhor hospital, lá vamos encontrar uma solução.
- Miguel... – sinto uma angústia muito forte, não consigo evitar as
lágrimas.
Eu nunca pensei que um dia iria ouvir essa frase “Caroline você está
com tumor”. As vezes pensava que era algo que nunca iria me
atingir. Já conheci pessoas com câncer, vi o sofrimento a luta para
sobreviver... mesmo assim, pensei que jamais iria passar por isso.
Fiquei dias no hospital.
Miguel não saiu do meu lado em nenhum momento. Agora estou
indo para o apartamento de seu primo Henrico.
Eu poderia não aceitar a ajuda dele, enfrentar tudo sozinha como
sempre fiz... mas pela primeira vez eu não quero ficar sozinha.
Entramos no apartamento de Henrico, e para minha surpresa sou
bem recebida.
Miguel me ajuda a sentar no sofá, ainda estou me sentindo fraca
para andar sozinha.
- Sua amiga, Cinthia irá vir hoje te ver. – Me informa Miguel.
- Eu não quero atrapalhar.
Ele segura minha mão.
- Não está. – Vejo sinceridade em seu olhar.
- Caroline, sinta-se em casa. Mi casa és tu casa. – diz Henrico.
- Obrigada.
- Irei dar uma saída, fiquem à vontade.
Henrico sai nos deixando a sós.
- Miguel...
Ele se aproxima, faz um sinal com o dedo indicador pedindo um
minuto.
- Caroline, antes de dizer qualquer coisa, quero que saiba... sei que
se passaram dez anos, e durante esse tempo eu nutri um ódio, um
ressentimento. Mas nunca, jamais desejei o seu mal. Sei o quanto
sofreu na infância e como não está sendo fácil agora, depois do
divórcio. Antes de sermos marido e mulher, fomos amigos. Estou
aqui como um amigo que quer o bem de sua amiga. Quero que vá
comigo para Madrid, onde irei ajudar encontrar o melhor tratamento.
Abaixo a cabeça, tentando esconder o choro.
- Não me deixe sozinha. – Abraço ele. – Não quero morrer sozinha.
- Você não vai morrer, não vou deixar isso acontecer.
Me afasto para encarar seu rosto.
- Eu nunca te traí. – é a primeira vez que falo isso em voz alta.
Ele passa o polegar no meu rosto.
- Vamos deixar isso para trás, o importante agora é cuidar da sua
saúde.
Apenas concordo com a cabeça.
Capítulo 6

Miguel Martinez

Dois meses se passaram.


Caroline aceitou minha ajuda, chegamos em Madrid a três semanas,
desde então já a levei para se consultar com o famoso
neurocirurgião doutor Tales Amaro. Ele pediu vários exames. E em
todos eu estive ao lado dela. Mesmo não querendo demonstrar,
Caroline se sente perdida. Ela tenta sorrir, mas noto por trás de seu
sorriso seu olhar triste. Nunca pensei que depois de dez anos a
odiando, não querendo a ver nem se estivesse coberta de ouro, hoje
estaria aqui. Segurando sua mão no consultório médico, esperando
ele dar sua análise sobre o caso dela.
Dr Amaro está sentado à nossa frente, com um olhar que está me
preocupando.
- Realmente, a senhora está com um nódulo cerebral. Esse glioma
está no estágio dois, ele tem um crescimento lento, mas
infelizmente consegue infiltrar no tecido cerebral. Você irá precisar
passar por uma cirurgia, mesmo com a retirada do glioma, vai
precisar passar por quimioterapia.
Sinto a mão dela apertar a minha.
- Quando ela poderá realizar a cirurgia?
- Iremos realizar uma ressonância magnética daqui três dias. E
depois de avaliar bem o resultado da ressonância, marcaremos a
cirurgia.
Ficamos conversando com o médico por quase meia hora, tirando
todas as dúvidas.
Dentro do carro, a caminho da fazenda, o silêncio dominou. Caroline
está com a cabeça encostada na janela, olhando o céu.
- Está tudo bem? – Pergunto, estou realmente preocupado.
- Está sim. – Me encara e sorri. – Eu nem sei como te agradecer.
Sem você iria estar sozinha, e... – Ela desvia o olhar. – Eu
realmente não quero ficar sozinha.
Tiro uma das mãos do volante, pego sua mão que repousa em sua
perna e a aperto.
- Não vou te deixar sozinha.
Sinto seu leve aperto, entre meus dedos.
- Gosto do clima daqui. – Ela solta minha mão e volta a encarar a
janela.

Chegando na fazenda, vou até a cozinha. Caroline me segue.


- Quer suco? – pergunto enquanto abro a geladeira.
- Quero sim. – Ela se senta no banco de madeira em frente o
balcão.
Pego a jarra de suco de limão, levo até ela.
- Contou para os seus pais?
Ela toma um pouco do suco. Me pego a observando. Seu nariz fino,
levemente arrebitado, seu queixo arredondado, seus olhos pretos...
- Não. – Ela me responde, fazendo eu voltar ao momento atual. – A
verdade é que mal conversam comigo.
- Sinto muito por isso.
Cresci em uma família unida, mesmo sendo filho único sempre fui
muito amado.
- Você não mudou nada aqui.
Tudo aqui na fazenda, toda decoração foi escolha dela a mais de
dez anos atrás. Aqui era nosso lar, onde a encontrei na cama com
meu primo. Só de pensar nisso, sinto uma raiva muito grande.
- Não tive tempo. – Respondo friamente. – Vou na vinícola, volto
tarde. Qualquer coisa que precisar, me ligue.
Passo por ela e por um costume beijo sua testa. Tal gesto que deixa
ambos sem reação. Me afasto, constrangido, me sentindo um idiota.
- Sinto muito, força do hábito.
Ando apressado, antes que ela possa me responder.
Na vinícola, não consigo parar de pensar nela.
- Está distraído hoje, Miguel. – Meu primo Ramirez diz com um
sorriso no rosto. – Fiquei sabendo que a Caroline está na fazenda,
pode começar a se explicar. Vocês voltaram?
Não comentei com ninguém, sobre a doença dela. Não tenho o
direito de dizer algo que não é comigo. Se ela quiser compartilhar
sua dor, sei que fará no momento certo.
- Não. Não voltamos. Somos amigos.
Ele começa a rir alto.
- Desde quando?
- É uma longa história.
- Tenho todo tempo do mundo.
- Outra hora.
- Você está de quatro por aquela traidora. – Ramirez presenciou de
perto todo meu sofrimento quando os flagrei.
Ele é irmão de Guilhermo, na cabeça dele Caroline armou para o
irmão.
- Não estou! Você não sabe de nada. – Sou curto e grosso.
- Se não está, como diz, vamos hoje para o bar. Beber e pegar
mulher. – Me desafia.
- Sabe que não nego uma mulher gostosa.
Ele sorri, como se tivesse vencido uma competição.
- É isso aí irmão. Deixe aquela puta sozinha, enquanto você se
delicia com bebida e muita buceta... nessa ordem.
No fundo, não gosto que ele fale dela assim, mas quantas vezes eu
mesmo a chamei de coisas piores. Eu a perdoei porque está doente
e não tem ninguém. Não tem outro motivo.
Ou tem?
Capítulo 7

Miguel Martinez
Madrid 2006

Estou no meu último ano de administração. Estudo na melhor


universidade de Madrid, juntamente com meus primos que também
são meus melhores amigos.
- Miguel, você vai? – perguntou Juan.
- Vou onde?
- Hoje vai ter luau, mano. Mulher gostosa até o sol nascer. –
Responde Ramirez.
- Sabe que não recuso mulher.
Começamos a rir.
- Vocês não prestam. – diz meu primo Guilhermo. Ele é o mais velho
de nós cinco e o mais cabeça e ajuizado.
Ramires o puxa pelo ombro.
- Maninho, já passou da hora de perder essa virgindade.
- Vai se ferrar.
- O negócio é o seguinte. – Começa Henrico. – Hoje quero pegar a
melhor e mais gata. E deixar vocês com inveja.
Começo a andar de costas, encarando eles.
- Você só pode pegar a mais gata, se ela não me vê primeiro... –
nesse momento bato as costas em alguém.
Me viro e vejo agachada no chão, uma moça de pele negra, cabelo
liso bem curtinho, em um tom azulado. Ainda não vi seu rosto,
porém só de ver sua nuca já me atraiu.
Abaixo para ajudá-la pegar seus livros.
- Desculpa, estava distraído.
Ela levantou o rosto e sinto um golpe ao encontrar seu olhar.
Fico tão atraído por seu olhar, que acabo não a ajudando. Ela se
levanta e eu a acompanho.
- Eu também estava distraída.
Ela fala um espanhol puxado. Fico a encarando, ela tem um piercing
de argola no nariz e um na sobrancelha. Sorri, o que faz meu
coração acelerar. Que merda está acontecendo comigo?
- Até mais. – diz já se afastando.
Acompanho seu andar com meu olhar. Que bunda.
Saio do transe com o comentário de Juan.
- Já sei quem eu vou pegar. – O encaro.
- Pode tirar seus olhos dela. Essa mulher vai ser minha.
Capítulo 8

Miguel Martinez
Madrid 2018

Chego na fazenda tarde, não bebi, mas transei com uma morena.
Abro a porta da sala notando a luz da cozinha acessa. Vou até lá e
encontro Caroline sentada no banco.
- Ah, você chegou. – diz virando o rosto para outra direção.
Vou me aproximando, quando ela me olha, vejo que estava
chorando.
- O que aconteceu?
- Cinthia me ligou.
- Está tudo bem no Brasil?
- Sim.
Ela está com uma xicara de chá na mão, encarando o conteúdo.
- Estava no bar da Aurora. – Senti a vontade de me explicar.
Ela me oferece um sorriso de lábios fechados.
- Miguel, você é um homem solteiro, tem que fazer o que sentir
vontade sem precisar se explicar. – Ela fica de pé. – Boa
madrugada.
Quando passa ao meu lado, novamente aquele impulso do caralho
me faz segurar seu braço.
- O que aconteceu?
Vejo ela inspirar fundo.
- Meus pais apareceram no restaurante, fizeram um escândalo.
Cinthia teve que chamar a polícia.
- O que eles queriam?
- Dinheiro, como sempre. Só me procuram para isso. Amanhã eles
vão ser soltos, pedi para Cinthia não falar onde estou.
- Fez certo, do jeito que são vão vir atrás te perturbar.
- É... hum... vou indo. – diz encarando minha mão que ainda está
em seu braço.
- Oh, me desculpe. – Solto rapidamente me afastando dela.
Ela sorri de lado, observo ela caminhar até o andar de cima. Sinto-
me incomodado por ter passado a noite com outra, enquanto ela
estava aqui aflita.

Caroline Costa
Entro no meu quarto, me jogo na cama e fico encarando o teto.
Esse é um dos quartos de hospedes que eu decorei com carinho,
quis deixar ele bem neutro, em tons pasteis com uma cama de casal
confortável, a cabeceira de madeira rustica. E está exatamente
como eu me lembro. Miguel não mudou nada, eu pensei que isso
poderia significar algo.
Nas três semanas que cheguei, ele voltava cedo. Eu preparava um
jantar e ficávamos conversando sobre o cotidiano. Hoje quis fazer
algo diferente, preparei seu prato favorito. Fiquei esperando até
tarde.
Me senti uma patética em criar expectativas, sei que está me
ajudando por pena, não por algum sentimento secreto que nutri por
mim. Eu ainda tenho sentimentos por ele, um sentimento que esteve
escondido por todo esses anos que passou, mas desde que nos
reencontramos reacendeu tudo dentro do meu coração idiota.
Eu amo Miguel Martinez e ele me odeia, e por sentir pena da
pessoa fracassada que me tornei, está cuidando de mim. Para
deixar tudo ainda pior, meus pais decidiram me procurar depois de
nove anos, a última vez me humilharam, sai de casa sem nada.
Tenho medo de que descubram que estou na fazenda com Miguel,
tenho certeza de que iriam aparecer aqui.
Acabo dormindo em meio as lágrimas e preocupações.
Ao acordar, faço minha higiene matinal. Coloco uma calça jeans
com uma regata preta, amarro meu cabelo em um rabo de cavalo.
Depois de pronta caminho até a cozinha.
Encontro a mesa pronta, com um café da manhã de dar água na
boca, no entanto não vejo Miguel.
- Miguel? – ando pela casa e nada de encontrá-lo.
Vejo preso na geladeira um bilhete “Saí para trabalhar”, apenas isso.
Me sento a mesa sozinha. Pego uma torrada com geleia, suspiro
com o sabor maravilhoso.
Miguel está estranho desde ontem, penso que posso estar
atrapalhando. Sinto que ele está me evitando. Será que seu ódio por
mim está aumentando?
Depois de tomar meu café da manhã decido caminhar pela fazenda.
Está um clima fresco, vejo a vinícola logo a frente. Continuo minha
caminhada, em direção a vinícola, quando escuto vozes de homens,
reconheço na hora. Se trata de Ramirez e Miguel.
Algo que não sei explicar me faz parar, não sou de ouvir conversa
dos outros, mas pelo tom de Ramirez é algo sério e sinto que tem a
ver comigo.
- Quando vai mandar ela embora? – pergunta Ramirez. – Ainda não
entendi o motivo dela estar aqui.
- Ela está com problemas pessoais. – Responde Miguel.
- Agora está explicado, o nome disso é pena.
Sinto um aperto no peito.
- Aquela puta, jamais vou esquecer o que fez com o Gui.
Ele pensa que eu seduzi seu irmão. Miguel não diz nada, sinto como
se em nenhum lugar eu fosse bem-vinda.
Dou alguns passos para trás, nesse momento sinto uma forte dor na
cabeça. Tudo começa a escurecer, parecendo que estou perdendo
minha visão.
Capítulo 9

Miguel Martinez

Madrid 2006

O luau está bastante movimentado, meus primos estão animados


com a quantidade de mulher bonita. Já vi Juan e Ramires aos beijos
com duas calouras.
Henrico está mais exigente, disse que está esperando a mais gata
da noite aparecer.
Guilhermo, como todas as vezes que saímos, falou que vai apenas
curtir a noite, se aparecer alguém que o chame a atenção ele pega.
E eu? Ah, eu estou aguardando ansiosamente a chegada da
morena que não saiu da minha cabeça desde que a vi.
- Acho que a gostosa não vem. – Comenta Ramirez, assim que
voltou a se juntar a nós.
- Estou esperando também. – diz Henrico me provocando.
- Nem pense nisso.
Sei que nenhum dos meus primos iria mexer com a mulher do outro.
“mulher do outro” onde tirei essa ideia? Mas é isso que eu quero,
desde que meus olhos encontraram seu olhar, ela vai ser minha.
Juan também se aproxima, colocando o braço no meu ombro.
- Deixe ele. – O encaro desconfiado. – Ele tá gamado. Amor à
primeira vista que diz?
- Vê se me erra.
Começamos a rir.
O fato de nunca ter tido irmãos não me abala, crescer com meus
primos foi uma dadiva. Nunca brigamos, quando um não concorda
com o outro, sentamos, conversamos até encontrar um empasse.
Temos quase todos a mesma idade. Eu e Guilhermo somos os mais
velhos com vinte quatro. Depois vem Henrico com vinte e três. E os
caçulas dos homens Juan e Ramirez, por último a irmã de
Guilhermo e Ramirez, Paola ela tem treze anos. Crescemos
praticamente na casa da nossa avó. A matriarca da família Martinez,
mãe do meu pai Carlos, do meu tio Antony, da minha tia Rosemary
e do meu tio Ramon.
A família Martinez tem um legado muito grande em vinícolas,
mesmo com as vinícolas produtivas da família, eu optei em ter a
minha própria e crescer sozinho. Claro, que carregar o meu
sobrenome ajuda bastante, mas tudo que tenho hoje, foi eu que
corri atrás, bati a cara e estou onde queria chegar. Minha vinícola é
pequena, mas para mim é perfeita. Nunca fui ambicioso.
- Olha quem acaba de chegar. – comentou Guilhermo.
Henrico fica de pé.
- Partiu, dar uns beijos naquela boca gostosa.
Quando meus primos querem me infernizar conseguem. Henrico e
Ramirez são os piores.
Vejo o olhar dela encontrar o meu, na hora sinto algo diferente.
Nunca me apaixonei e nem acredito em almas gêmeas, no entanto,
o olhar dela me faz sentir o inexplicável.
- Pare de babar e vai lá, irmão. – Foi Ramirez quem falou.
- Ou eu posso ir...
Olho de cara feia para Henrico.
- Nem pense nisso. – Fico de pé. – Ela vai ser minha. – disse
decidido, já caminhando em sua direção.
Estranho quando noto que está acompanhada de três garotas, que
meus primos já pegaram. Não sei explicar, mas sinto que não são
amigas.
- Boa noite. – Cumprimento, com o olhar fixo na única que eu quero.
- Boa noite! – responde a loira, percebo que está tentando se jogar
para cima de mim.
- Oi. – Responde a única que tem minha atenção.
- Podemos conversar? Em particular. – Pergunto diretamente para
ela, para não rolar dúvidas com quem estou falando.
- Com ela? – novamente a loira se intrometi.
- Sim, com ela. – Sou seco e até mesmo um pouco grosso, o que
ela quis dizer com ela? Ela é a mais linda presente. Se eu não a
tivesse visto antes, meus primos já estariam marcando território em
cima dela. A única pergunta que tenho é... como nunca a vi no
campus?

Caroline Costa
Quando ganhei a bolsa para a faculdade de Madrid, não acreditei.
Mas então me lembrei de todo meu esforço, as noites em que
passei acordada, não consegui controlar minha risada, que se
tornou uma gargalhada.
Isso foi a três anos atrás, estou cursando administração, e mesmo
com meu estilo rebelde, sou invisível. A não ser quando recebo
algum olhar de discriminação, as vezes pelo meu tom de pele,
outras por ser brasileira. Esse é um dos motivos que não fiz
amizades, prefiro assim. Não quero que nada atrapalhe meus
estudos. Estou no auge dos meus vinte e dois anos, terei um futuro
para fazer amizades. No entanto essa semana se tornou a mais
bizarra, desde que trombei no popular Miguel Martinez.
Ele e seus primos são o desejo de consumo de qualquer pessoa
que goste de homem. Onde passam arrancam suspiros. Eles são
gatos, simpáticos e divertidos. São o verdadeiro significado de
pacote completo.
Estudei dois semestres com o Juan e o Guilhermo, e nunca me
cumprimentaram, porém essa semana toda vez que um dos top
cinco passava ao meu lado, eu recebia um “Bom dia”.
Já estava tudo muito estranho, jurava que não tinha como ficar
ainda mais louco... me enganei, pois Lalisa me convidou para o
famoso luau. Lalisa é a líder de torcida, nunca nem olhou na minha
cara. Desconfiei de sua aproximação, me notou quando o top cinco
começou a me dar atenção.
Minha desconfiança se confirmou, quando Miguel veio em nossa
direção, com o olhar fixo em mim. E agora para chocar a sociedade,
ele diz que precisa conversar comigo.
Lalisa se aproximou dele, pronta para dar seu bote de sedução.
- Miguel, o que acha de conversar comigo primeiro? – diz colocando
a mão sobre o peito dele. – Podemos nos diverti um pouco e... – Ela
sussurra algo no ouvido dele. O que me faz revirar os olhos.
O que estou fazendo aqui?
As duas amigas de Lalisa estão cochichando e rindo ao meu lado.
Inspiro fundo, dou meia volta me afastando. Mal consigo dar dois
passos, quando sinto a mão firme e quente de Miguel segurar a
minha. Primeiro encaro nossas mãos, os dedos estão entrelaçados.
Depois subo meu olhar,, encontrando olhar de desafio dele. Desvio
o olhar para as patricinhas que estão me encarando como se eu
fosse uma espécie de aberração.
Essa troca de olhares durou menos de trinta segundos.
Miguel está me desafiando a tomar uma atitude, ele não sabe o que
acontece quando desafia uma brasileira.
Puxo sua mão em minha direção, seguro sua nuca aproximando
nossas bocas. Quando nossos lábios se encostam, eu o beijo, mas
o beijo com vontade. Chega a ser pornográfico.
Ele puxa minha cintura com uma mão e a outra segura meu cabelo
pela nuca. Miguel está mostrando sua pegada, e que pegada.
Firme, sexy e gostosa.
Esqueço de tudo ao nosso redor.
Aquela boca, aquela língua são tudo que consigo focar.
Capítulo 10

Miguel Martinez

Madrid 2018

Escuto um barulho atrás de onde estou com meu primo. Fomos ver
o que era, encontramos Caroline caída no chão.
Na hora sinto um aperto no peito, um desespero acompanhado de
uma angústia.
Corro até ela.
- Caroline? – a pego em meus braços, tentando acordá-la.
- Vou buscar o carro. – Ramirez corre até onde está sua
caminhonete.
Caroline começa a abrir os olhos, parece confusa ao me encarar.
- Miguel?
- Sou eu. Vou te levar para o hospital.
Ela coloca a mão sobre a testa, ajudo levantar seu corpo, a
deixando sentada sobre a terra.
- Não é necessário. Estou melhor.
O carro de Ramirez para bem próximo de onde estamos. Ele desce
preocupado.
- Ela consegue andar? – pergunta para mim, evitando encará-la.
- Eu consigo. – Ela responde. – Irei retornar para a casa.
A ajudo ficar de pé. Ela fica um pouco tonta, segura firme meu
braço. Aos poucos noto ela recuperar o equilíbrio. Assim que
consegue ficar sobre os próprios pés, ela encara meu primo.
- Oi, Ramirez.
- Oi. – Ele é frio.
- Vou acompanhá-la até a fazenda. – disse para melhorar o clima
estranho entre eles.
- Obrigada.
Meu primo fica nos encarando. Ignoro quando balança a cabeça
inconformado.
Caroline segura no meu braço, enquanto caminhamos. Está um
silêncio constrangedor. Existe uma tensão quando estamos juntos,
sinto ela evitando me olhar.
- Sabe que não pode se esforçar. – Digo.
- Só queria andar um pouco, ficar em casa é sufocante.
Paramos na varanda, ela senta no banco.
- Você não tirou o banco.
Quando o colocamos, ela disse que seria o lugar onde ficaríamos
curtindo a velhice, com os filhos no trabalho e os netos correndo no
quintal.
- Irei retirar. – Respondo seco, algo em lembrar do passado que
vivemos me faz sentir raiva.
Ela estragou o futuro que idealizamos.
Caminho irritado até a porta, a deixando para trás.
- Eu nunca dormi com seu primo. – Ela sussurra, como se estivesse
afirmando para si mesma.
Paro de andar, processando o poder que aquelas palavras têm
sobre mim.
- Isso não importa mais.
- Importa sim! – ela me encara. – Não posso morrer, com você me
odiando. Eu não sei o que aconteceu naquele dia.
- Caroline, estou sendo sincero quando digo que não quero falar
deste assunto. Vamos cuidar da sua saúde, o que aconteceu a dez
anos atrás, ficou no passado.
Ela continua me encarando.
- Não quero sua piedade. – diz desviando o olhar.
- É melhor você descansar. – Abro a porta, a deixando sozinha.
Caroline mexe com a minha cabeça, sempre mexeu. Ela está certa,
sinto pena dela. Considerando tudo que já senti durante esse tempo
que passou, pena não é tão ruim.
Vou até meu escritório, fecho a porta.
Fico sentado na minha cadeira, tentando me concentrar nos
negócios, mas só consigo pensar no que ela disse “eu não sei o que
aconteceu naquele dia”. Ramirez falou que Guilhermo diz a mesma
coisa.
Reviro meus olhos, isso parece teoria da conspiração.
Meu celular começa a tocar, me tirando dessa nuvem de
pensamentos que não fazem logica com o que eu vi.
- Oi, Juan. – Atendo no segundo toque.
- Mano você voltou com aquela mentirosa?
Caroline se tornou a pessoa mais odiada entre meus primos. Eles
insistem em dizer que ela drogou Guilhermo. Meu primo tentou
conversar comigo várias vezes durante os anos, mas todo o lugar
que ele estava eu evitei, suas ligações rejeitei. Pior que ser
enganado pela mulher que se ama, é ser enganado pela pessoa do
seu sangue, a que você mais confiava, que o considerava um irmão.
- Ramirez já deu com a língua nos dentes?
- Sabe que só queremos o seu bem, e Caroline está longe de ser
boa para você.
- Só estou ajudando uma pessoa que precisa.
- Ramirez contou que ela desmaiou, Henrico não quis dizer o que
aconteceu no Rio.
Henrico é um túmulo, ele não abrirá a boca. Pedi para manter tudo
em sigilo, Caroline é a única que pode contar algo.
- Vocês estão se preocupando demais. Preciso desligar.
- Se cuide, irmão. E não a deixe te enganar.
Desligo.
Fico um tempo apenas olhando a paisagem da fazenda, do meu
escritório vejo minha vinícola.
Decido ir ver como Caroline está, depois do mal estar que sentiu,
não fui ver se está bem.
Vou para a cozinha, sala e varanda e não a encontro. Subo até o
quarto, dou duas batidas na porta.
- Entre. – Sua voz sai baixa lá de dentro.
Abro a porta a encontrando deitada enrolada na coberta.
- Está se sentindo melhor? – pergunto preocupado.
- Sim. Só um pouco cansada, o médico disse que é normal.
- A cirurgia está chegando.
- Está... e a quimio também.
Tomo a liberdade de sentar ao seu lado na cama, passo a mão em
sua testa para sentir sua temperatura.
- Não está com febre. – Afirmo. – A quimio te preocupa?
- Um pouco, acho que os efeitos colaterais.
Encaro seu rosto.
- Você ficou bem com os cabelos longos, mas sei que fica ótima de
cabelo curto.
Ela levanta o rosto e me encara com um brilho no olhar.
- Lembra quando pintei de platinado?
Dou risada com a lembrança.
- Sim. Você queria ficar parecida com a Halle Berry como
tempestade. E ainda me fez pintar também.
- Ah, você gostou, e ficou muito mais bonito.
O elogio faz ambos ficarem em silêncio.
- O que acha se eu fizer aquele ensopado? Lembro o quanto
gostava.
- Não quero incomodar. Estou bem, de verdade. Pode ir descansar.
– diz com um sorriso de lado.
Fico de pé.
- Boa noite, Caroline. – disse já me retirando.

Caroline Costa

Faz meia hora que Miguel veio ver como estou.


As dores cessaram, fisicamente me sinto bem, já mentalmente,
nunca me senti pior. Ser chamada de puta, quando sei que não sou,
me faz sentir um ser menor que uma formiga. Passei a vida sendo
humilhada por todos a minha volta.
Pego meu celular e mando uma mensagem para a única pessoa
que me trata por igual durante um bom tempo. Minha única e melhor
amiga. Cinthia.
“QUERIA QUE A VERDADE VIESSE À TONA.”
Não demora para ela me responder.
“VOCÊ DEVERIA CONTAR O QUE SABE”
“NÃO POSSO CONTAR UM SEGREDO QUE NÃO É MEU”
“VAI CONTINUAR SENDO ODIADA ATÉ QUANDO?”
Respondo com uma carinha triste.
“AMIGA, UM DIA A VERDADE VAI VIR À TONA. VOCÊ É A
PESSOA MAIS DOCE, GENTIL E HONESTA QUE CONHEÇO. UM
DIA TODOS VÃO TE PEDIR PERDÃO DE JOELHOS, POR TUDO
QUE FALARAM E A MAGOARAM. SINTO MUITO POR TUDO QUE
ESTÁ ENFRENTANDO. VOCÊ NÃO MERECE PASSAR POR
ESSAS CRUELDADES DA VIDA. SE SENTIR QUE ESTÁ DIFICIL
FICAR AI, VENHA PARA MINHA CASA. IREI CUIDAR DE VOCÊ,
COMO MUITAS VEZES VOCÊ CUIDOU DE MIM. TE AMO.”
Essa mensagem era o que eu precisava ler.
“TE AMO, OBRIGADA POR TUDO.”
Coloco o celular no criado mudo.
Alguns minutos depois, escuto uma batida na porta.
- Entre!
A porta se abre, revelando um Miguel segurando uma bandeja.
Automaticamente dou o meu melhor sorriso.
Sento na cama, com as costas apoiadas na cabeceira. Ele coloca
no meu colo a bandeja.
É o ensopado com legumes e carne.
- Obrigada. – Sussurro embargada com uma vontade enorme de
chorar.
Ele senta ao meu lado.
- Coma tudo.
Dou a primeira colherada.
- Hum... está perfeita, como me lembrava.
- Ainda consigo me virar na cozinha.
- Não vai comer?
- Depois.
- Ah, não. Aqui tem bastante para nós dois. – Pego uma colher
cheia. – Vamos dividir.
Miguel abre a boca, coloco a colher entre seus lábios, encarando
seus movimentos.
Levanto o olhar para o encontrar o seu ainda mais escuro que o
normal, fixos em mim.
Tiro a colher de sua boca, desviando a atenção para o ensopado.
Coloco uma colher cheia na minha boca, depois outra para ele.
Faço isso até o prato estar completamente vazio.
- Comemos tudo. – Comento com um sorriso.
Miguel continua me encarando.
- Miguel?
Ele pega a bandeja.
- Vou deixá-la dormir. – diz levantando as pressas. – Boa noite. –
Mal consigo responder, já vejo a porta se fechar.
Capítulo 11

Miguel Martinez
Dia da cirurgia.

Caroline está sendo preparada para entrar em cirurgia.


Estou aguardando na sala de espera, estou nervoso. Ando de um
lado para o outro. Se ela morrer durante a cirurgia? Só de imaginar
isso, meu coração dispara.
Tenho vontade de vomitar.
Sento em uma das cadeiras, coloco minhas mãos no rosto, e os
cotovelos nos joelhos. Começo a fazer uma prece silenciosa.
Se passou quatro horas, continuo com a cabeça abaixada. Um
medo que nunca senti antes. Caroline é a única mulher que já
amei... amei? O que sinto ainda? Depois de dez anos, depois de
sofrer a pior das traições, por que sinto medo de perdê-la
novamente?
- Senhor Martinez? – Doutor Amaro me chama.
Rapidamente fico de pé.
- Como ela está?
Ele parece tenso, sinto meu coração apertar. Nem percebi que
estava chorando, quando sinto as lágrimas molharem meu rosto.
- Podemos conversar na minha sala?
- Ela... – minha voz embarga. – Ela está?
- Viva. – Sinto como se o ar voltasse aos meus pulmões.
Acompanho o médico até sua sala.
- Durante a cirurgia, descobrimos que infelizmente o glioma se
espalhou no tecido cerebral.
- O que isso quer dizer?
Ele parece querer encontrar as palavras.
- O tumor evoluiu para o estágio três. Não conseguimos prosseguir
com a cirurgia. Recomendo que ela comece com a quimio...
- Quanto tempo? – corto a explicação dele.
- De seis meses a dois anos.
Sinto como se um filme passasse na minha cabeça, vejo Caroline
cheia de vida, com seu estilo único, sorridente, mesmo com a
família que tinha.
Passo os dedos entre os cabelos.
- Ela acordou? Já sabe?
- Ainda está sedada.
- Eu conto, quando ela acordar.
Levanto, não estou me sentindo bem. Não falo mais nada, apenas
me retiro da sala.
Meus olhos estão embaçados, ando a passos largos para fora do
hospital. Coloco as duas mãos na cabeça, eu a humilhei disse
coisas horríveis. É minha culpa ela está assim, tudo que desejei na
hora da raiva. Eu não queria isso.
Pego meu celular, ligo para Henrico que atende no terceiro toque.
- E aí, irmão.
- Ela vai morrer.
- Merda... como ela está?
- Sedada, a cirurgia não aconteceu. O tumor evoluiu para o estágio
três.
- Irei viajar hoje para a Espanha. Não sai do lado dela, ela precisa
de você.
- Não irei sair, eu...
- Eu sei. Você nunca deixou de amá-la. Quanto tempo ela tem?
- De seis meses a dois anos.
- Cuide dela, irmão. Essa garota já sofreu demais.
Assim que desligo, sento em uma praça em frente ao hospital.
Começo a pensar em tudo, até quando os flagrei. O olhar dela era
de confusão.
Estou segurando firme meu celular. Encaro a tela, começo a discar
um número que jamais pensei entrar em contato novamente.
Chama quatro vezes até escutar a voz do outro lado da linha.
- Miguel?
- Precisamos conversar, Guilhermo.
Capítulo 12

Miguel Martinez

Madrid, 2006

Depois do beijo que demos no luau, tudo fluiu naturalmente. A


amizade que se formou, o sentimento que começamos a nutrir um
pelo outro. Caroline é uma pessoa de alma leve, gentil e carinhosa.
Logo de cara se deu bem com meus primos.
Ela é uma pessoa solitária, não entendo como e o porquê. Ela é
linda e simpática, deveriam fazer fila para ser amigo de uma pessoa
assim.
- Carol, diz ai, sou ou não, o primo mais bonito? – Brinca Ramirez.
- Se você diz depois do Miguel, podemos pensar nesse top cinco.
- Miguel o mais bonito? – Juan começa a rir.
Guilhermo se junta a nós, dá um abraço em Caroline, depois passo
o braço no meu ombro.
- O que estão discutindo?
- Segundo a cega da Carol, Miguel é o top um de nós cinco. – diz
Henrico.
Guilhermo começa a rir.
- Diria que no máximo ele seria o top três.
- E por que não fazemos uma eleição? – sugeriu Juan.
- Eleição? – perguntamos ao mesmo tempo.
- Vamos fazer uma eleição pelo campus, a votação é para escolher
o top cinco.
- Aí sim. Tô dentro.
- Vocês vão passar vergonha. – Henrico diz.
- Vou fazer uma urna. – Caroline fala, enquanto todos concordamos.
– Os votos serão contados no pátio, para quem quiser comprovar.
Balanço a cabeça rindo desses loucos e da Carol.
- Vou espalhar para todos meus fãs. – Ramirez se afasta, caminha
em direção a um grupo de garotas, que parecem cair no papinho
dele.
***
O campus se tornou um alvoroço, foram mais de quinhentos votos.
Nesse momento estamos no pátio, Caroline contou os votos na
frente de todos, agora estamos esperando para saber quem
ganhou.
Não vou mentir, estou ansioso com o resultado. Não quero ficar em
último, quem for o quinto lugar vai ser a zoeira da família por muito
tempo.
- Em quinto lugar... – Caroline faz um suspense. – O top cinco é
você... RAMIREZ!
- O QUE? – ele grita.
Caímos na gargalhada.
- Exijo uma recontagem.
- Aceite perder, maninho.
Ramirez fica bicudo, enquanto não paramos de rir.
- Em quarto é você... HENRICO!
Não consigo parar de rir.
- Os dois que estavam se achando, ficaram em último. – Falo aos
risos.
- Em terceiro lugar é você... JUAN!
- Pelo menos estou no top três. – Comemora na frente dos dois
últimos.
- Isso tá errado. – Comenta Henrico.
- Agora vamos ao top dois. – Caroline olha para mim e para
Guilhermo. Encara o resultado. – Em primeiro lugar é você...
GUILHERMO!
Guilhermo comemora como se tivesse ganhado na loteria.
Caroline se aproxima.
- Segundo lugar não é de todo ruim. – Digo.
- Você continua sendo meu top um. – Sussurra no meu ouvido.
Capítulo 13

Caroline Costa

A escuridão ainda é presente, escuto passos ao lado da cama onde


estou, mesmo com os olhos fechados sei que esses passos
pesados são de Miguel. Ele está aqui, não me abandonou.
Isso é o que me dá coragem de abrir os olhos.
Lentamente a claridade vai invadindo minha vista, pisco várias
vezes, até o brilho da luz do sol diminuir.
- Miguel? – o chamo, minha voz saí bem fraca. Mesmo assim ele
conseguiu me ouvir.
Vejo ele se aproximar, seus olhos estão vermelhos. Ele puxa a
cadeira ao lado da cama, senta, pegando minha mão.
Beija minha palma, inspira, então levanta o olhar para me encarar. O
modo como me olha, me diz que não saiu como o esperado.
Seguro a enorme vontade de chorar que surge. Antes mesmo dele
dizer algo, sinto que não será boas notícias.
- Não deu certo, né?
Ele balança a cabeça confirmando minha pergunta.
Desvio o olhar do dele, fixo no teto branco do hospital.
- Vai doer? – pergunto ainda encarando o teto.
Escuto o baixo soluço dele, ele aperta ainda mais minha mão.
- Me perdoe. – Sussurra.
Volto a encará-lo.
- Você é a pessoa que está ao meu lado, Miguel. Mesmo depois de
todos esses anos, acordar sabendo que está aqui, trouxe calmaria
para minha alma.
Segurando minha mão entre seu rosto e sua palma firme, ele me
encara.
- Quanto tempo tenho?
- De seis meses a dois anos.
- É bastante tempo. – Dou um sorriso de lado.
- A quimio pode prolongar. Até mesmo reduzir o tamanho, para
tentarmos uma nova cirurgia.
- Não quero fazer quimio.
- Não?
- Miguel, não quero que tudo acabe comigo enfiada dentro de um
hospital, eu quero aproveitar cada dia como se fosse o último.
Quero rir e fazer as pessoas sorrirem. Irei usar minhas economias
para ajudar quem precisa. É assim que quero partir.
Ele fica de pé, beija minha testa.
- Estarei ao seu lado.
Nesse momento não consigo controlar as lágrimas.
- É tudo que preciso.
Eu ainda o amo, é o que queria dizer. Nunca nem por um momento
deixei de amá-lo.
- Obrigada. – é o que consigo falar.
***
A saída do hospital foi tranquila.
O doutor Amaro me convenceu a tentar outros tratamentos, na
fazenda mesmo, sem precisar vir ao hospital. Ele me explicou que
sem a quimioterapia, o tumor irá se espalhar por todo meu corpo,
assim não viverei nem um mês. Com o tempo algumas coisas irão
começar a acontecer. Vou começar a delirar, perder o raciocínio e
posso até me esquecer das pessoas. A cada alteração devo ir
imediatamente até o hospital e entrar em contato com ele.
Liguei para Cinthia, ela virá em um mês. Vai deixar o restaurante
com uma pessoa de confiança e ficar ao meu lado.
Nesse momento estou sentada no banco da varanda, com uma
coberta cobrindo minhas pernas. E uma xicara de chá nas mãos.
Enquanto aprecio a paisagem e degusto do meu chá, escuto uma
caminhonete se aproximar.
Ela para.
O motorista desce e sinto um pouco de receio a cada passo que ele
da em minha direção.
- Ramirez? – pergunto. – Miguel está na vinícola.
Ele parece sem jeito.
- Vim ver como você está. Desmaiou aquele dia, fiquei
preocupado... e... hum... meu primo está estranho, sei que não
somos mais amigos como um dia a considerei. Mas se está
acontecendo algo gostaria de saber.
Ramirez já foi meu amigo, como todos os primos. Eles cuidaram de
mim na faculdade, foram nossos padrinhos de casamento. Sei que
hoje eles me odeiam, ainda mais por pensar que droguei Guilhermo.
Mesmo assim, sei que são boas pessoas.
Me ajeito no banco, dando espaço para ele sentar ao meu lado.
Encaro a xicara em minhas mãos.
- Estou com um tumor cerebral estágio três. Tenho de seis meses a
dois anos de vida.
Sinto seu olhar em mim, mas não consigo o encarar.
- E... eu... eu sinto muito.
- Estou bem. – Levanto o rosto para encontrar seu olhar
preocupado.
- Doí?
- Agora não, mas irá doer.
- O que aconteceu aquele dia, Carol?
Sei de que dia ele se refere.
- Miguel foi na vinícola. Guilhermo apareceu para entregar um
documento. Começou uma forte chuva. Ofereci algo para ele beber,
peguei a jarra de água, servi uma para cada um. Depois disso não
lembro o que aconteceu... A última coisa que me recordo é Miguel
gritando, a confusão que se formou. Eu nua ao lado de Guilhermo. –
Respiro fundo, dói lembrar daquele dia. – Ramirez, eu jamais iria
enganar Miguel, e muito menos dopar Guilhermo. O que eu
ganharia com isso? Ser odiada pelas únicas pessoas que se
importavam comigo? Eu amo o seu primo.
Ele me encara em silêncio por alguns segundos.
- Acredito em você, não por estar... você sabe. Acredito porque
ouvindo o seu lado, realmente não faz sentido. Você foi a que mais
perdeu com tudo. Mas quando vi toda a situação envolvendo meu
primo e meu irmão, foi mis fácil culpá-la.
- Eu entendo, também não iria acreditar se fosse o contrário.
- Você me perdoa pelas vezes que a humilhei? E pelo que eu disse
na vinícola aquele dia e sei que escutou.
Seguro sua mão.
- Só se me fizer aquele café local.
Ele ri.
- Continua viciada no meu café.
Estico os braços em volta dele e o abraço.
- Senti sua falta. Senti falta do meu top cinco.
Ele retribui o abraço.
Nos afastamos.
- Saiba que foi uma votação roubada. Como pode? Eu o Martinez
mais atraente ficar em último.
Dou uma gargalhada.
Como senti falta disso.
Capítulo 14

Miguel Martinez

Estou na minha caminhonete a caminho da casa de Guilhermo.


Estou nervoso, parece que o tempo não passou. E se ele falar que
Caroline o seduziu? Mesmo assim não irei sair do lado dela.
Estaciono em frente o edifício.
O porteiro liberou minha entrada. Guilhermo mora na cobertura.
Assim que ele abre a porta e vejo o homem de um metro e noventa,
cabelos loiros quase grisalhos, uma barba bem aparada, custo a
reconhecer meu primo.
- Está diferente.
Ele abre a porta me dando passagem.
- Se passaram dez anos, Miguel.
O apartamento é moderno e minimalista, com os moveis neutros e
sofisticados.
- Legal seu apartamento.
Ele senta na poltrona bege, tomo o assento do sofá.
- Ramirez comentou que Caroline voltou.
Ver ele pronunciar o nome dela, me sobe um ódio.
- É. Guilhermo não irei enrolar aqui. Quero saber o que aconteceu
naquele dia, diga sua versão.
- Não existe minha versão, apenas fatos. Eu não conversei com
Caroline depois do ocorrido, mas sei que ela disse exatamente o
que vou te dizer. Ela me ofereceu algo para beber, aceitei um copo
de água, ela encheu dois copos. Bebemos, minutos depois
apagamos. Acordamos com você aos gritos e ambos estávamos
nus.
Me encosto no sofá o encarando.
- O que supõe que aconteceu?
Ele respira fundo.
- Alguém queria prejudicar Caroline, e eu acabei caindo junto.
- O que está insinuando?
- Não faço insinuações, como disse são fatos. Caroline sempre foi
muito inocente.
Ele se levanta, vai até uma gaveta, pega um envelope branco. Me
entrega.
- Aqui está o que aconteceu.
O encaro sem entender.
Abro o envelope que contém apenas um papel. É o resultado de um
exame.
- O que é isso?
- Depois da confusão que se formou, eu peguei a jarra de água que
ela nos serviu. Levei até um laboratório. Encontraram flunitrazepam.
É um medicamento que induz o sono. Tenho certeza de que foi
usado para prejudicá-la. Infelizmente eu estava no lugar errado e na
hora errada.
- Porque não me procurou, porra? Se passaram dez anos.
- Eu o procurei, Miguel. Incontáveis vezes. Você chegou a me
ameaçar em uma delas. Então decidi guardar a prova, caso um dia
você me procurasse. Miguel você conhecia Carol. Foi um cego ao
pensar que faríamos algo nas suas costas. Ofendeu nós dois. Eu
deveria deixar você viver pensando que foi enganado. Mas Caroline
não merece, sei que ela voltou, não quero sua raiva sobre ela.
- Dez anos a odiando, a ofendendo.
Passo a mão na cabeça.
- Agora tenta se redimir.
Encaro ele, com os olhos lacrimejando.
- Ela está morrendo.
- Como?
- Caroline está com tumor cerebral.
- Caralho...
- Estou cuidando dela.
- Eu, sinto muito... sinto muito por ter perdido dez anos afastado
dela.
- Guilhermo, quero te pedir perdão, por tudo o que eu disse.
Principalmente por não ter te escutado, se eu não tivesse sido tão
cabeça dura, tudo seria diferente.
- Não podemos voltar no tempo, no entanto podemos mudar o
futuro.
Vou até ele, sem ser preciso dizer qualquer coisa, nos abraçamos.
Um abraço significativo.
Vou embora do apartamento de Guilhermo me sentindo o pior ser
humano desse planeta. Eu magoei duas pessoas. Não deixei se
defenderem, mesmo que meus olhos enxergavam o espanto e a
confusão que eles estavam. Eu preferi ignorar isso.
Caroline, a garota doce da faculdade, que eu amei desde que
coloquei meus olhos nela, como me deixei ser enganado? Como
pude deixar ela sair da minha vida?
Estou dirigindo, sou obrigado a parar no acostamento, dou vários
socos no volante, não consigo controlar as lágrimas, a raiva de ter
sido um completo idiota.
Na minha mente vem a imagem de Caroline sendo humilhada no
restaurante, dela morando sozinha naquele barraco.
Ligo o carro, dirijo até a fazenda. As luzes da varanda estão
acessas, desço do carro envergonhado.
Consigo vê-la sentada no banco. Seus cabelos longos estão soltos,
ela parece um anjo.
Subo os quatro degraus da varanda, caminho em sua direção.
Capítulo 15

Caroline Costa

Madrid 2006

Se estou me apaixonando perdidamente por Miguel Martinez? A


resposta é SIM, completamente.
Ele é gentil e carinhoso, me tira os melhores e mais espontâneos
sorrisos. É a primeira vez na vida que me sinto acolhida, por ele e
por seus primos.
Ainda não conheci seus pais e nem sua avó, mas sinto que está
perto disso acontecer.
Neste momento Miguel está jogando futebol, e eu na arquibancada
eufórica, gritando o nome dele. Quando Lalisa senta ao meu lado,
viro meu rosto a encarando, sem entender tal aproximação.
- Você sabe que logo ele irá enjoar?
Quem essa garota pensa que é?
- Nossa... muito obrigada Lisa, por me abrir os olhos. Vou
imediatamente terminar com ele.
Ela revira os olhos.
- Você não faz o tipo dele.
- Você faz? – pergunto arqueando uma das sobrancelhas.
- Faço! – ela me encara com um olhar de pura maldade. – Olhe para
mim, olha meu cabelo. Vê como ele é sedoso? Vê o brilho? Agora
olhe os meus olhos, como são de um tom verde invejável. Sem
contar minha pela clara.
Dou uma risada já entendendo onde ela quer chegar.
- O problema está no meu cabelo e na cor da minha pele?
- Você entendeu onde quero chegar.
- Entendi sim. – Fico de pé. – Por ser preconceituosa, pensa que
todos deviam ser. Sinto lhe informar, mas você está errada. Seu
cabelo e seu tom de pele, não tem valor algum, quando se tem um
caráter de merda. Ainda dá tempo de mudar Lisa. De coração,
desejo que no futuro suas atitudes sejam diferentes, para que no
seu coração encontre a felicidade e tire essa amargura.
Me afasto, sem deixar ela responder. Caminho até onde Miguel
está, saindo do campo, também andando em minha direção.
- Está tudo bem? – pergunta ao se aproximar.
- Sim. – Passo os braços em volta de seu pescoço, ele coloca as
mãos na minha cintura.
- O que acha de dormi no meu apartamento hoje?
Miguel e seus primos dividem um apartamento próximo ao campus.
- Pode ser. – respondo um pouco insegura.
Ele beija minha testa, passa o braço sobre o meu ombro,
caminhamos juntos.
Ao anoitecer, Miguel me buscou no dormitório.
Quando chegamos no apartamento, seus primos estavam jogando
vídeo game. É a primeira vez que venho aqui.
Por morar apenas homens, esperava encontrar uma bagunça, não
podia estar mais enganada. O apartamento é bem organizado.
A sala e a cozinha são separadas por uma copa, em volta bancos
de ferro com estofado de couro preto. Está tudo tão limpinho.
- Olha quem veio nos agraciar com sua presença. – Henrico diz
atraído a atenção dos demais em minha direção.
Juan se levanta, dá um beijo na minha bochecha.
- Seja bem vinda, Carol.
Todos levantam e me cumprimentam com um beijo no rosto.
- Tá bom. – Miguel segura minha mão. – Vamos para o meu quarto?
– ele pergunta.
Concordo com a cabeça.
- Não façam nada que eu faria. – brinca Ramirez.
Dou risada, enquanto sou guiada por Miguel para mais dentro do
apartamento.
O quarto tem duas camas.
- Quem dorme aqui com você? – pergunto.
- Guilhermo. Os outros três dividem o outro quarto.
- Entendi.
Ele fecha a porta, mal consigo processar o próximo movimento,
quando ele segura meu rosto entre suas mãos e me beija.
É um beijo de tirar o folego, sua língua invade minha boca. Sinto ele
me puxar até a cama da direita.
- Miguel... – me afasto, antes do meu corpo encostar na cama.
- Tudo bem? – ele analisa meu rosto, que está levemente corado.
- É que, eu nunca fiz.
Ele se afasta, droga, estraguei tudo.
- Você nunca fez? – vejo a surpresa no seu rosto quando tem sua
resposta na expressão do meu rosto. – Você é virgem?
- Uhum. – Abaixo a cabeça.
Sou surpreendida por seus braços em volta da minha cintura, seu
rosto no vão do meu pescoço.
- Nunca liguei se a garota era virgem, ou com quantos já dormiu. No
entanto, neste momento, estou feliz em saber que nunca ninguém a
tocou. – Ele se afasta e me encara. – Soou muito possessivo?
- Um pouco. – Começo a rir. – Gosto desse seu lado.
- Caroline, desde que coloquei meus olhos em você, eu disse que
seria minha, assim como serei seu. – Ele me dá um breve selinho. –
Não vamos fazer nada hoje, só quando se sentir pronta.
- Estou pronta. – Respondo rápido. Rápido até demais – Só estou
nervosa.
- Vamos fazer assim. – ele passa o polegar na minha bochecha. –
Ficamos aqui, nos beijamos, conversamos, nos beijamos
novamente... e se acontecer vou ser o homem mais feliz do mundo.
E se não acontecer, vou continuar sendo o homem mais feliz do
mundo, sabe por quê? – nego com a cabeça. – Porque você está
aqui comigo.
Tem como não me apaixonar?
E assim fizemos. Ele colocou um filme de ação, comemos pipoca de
micro-ondas. Nos beijamos. Peguei ele me olhando várias vezes
durante o filme. No fim acabamos dormindo.
Acordo com uma batida na porta. Estou nos braços de Miguel, com
o rosto colado em seu peito. Uma coberta cobre metade dos nossos
corpos. Olho para a janela, vejo que já amanheceu e está nublado.
Lentamente Miguel vai abrindo os olhos. Ele sorri ao me ver o
encarando. As batidas na porta continuam.
- Sinto muito que tenha acordado com essas batidas. – diz
sonolento, ele levanta e vai abrir a porta. Vejo ele conversar com um
de seus primos, pela voz é Guilhermo.
- Droga. – Escuto ele dizer.
Ele volta na minha direção, dessa vez não fecha a porta.
- Minha linda, precisamos ir.
Fico sentada, ainda estou sonolenta e confusa.
- Por quê?
Ele senta na minha frente,, segura minha mão.
- Minha avó está vindo aqui. Ela faz isso as vezes, ver como os
netos estão se comportando.
- E você não quer que ela me veja. – Afirmo o obvio.
- Não... não é isso. – Ele passa a mão no meu rosto. – Minha avó é
um pouco difícil. Se ela chegar aqui e encontrar uma mulher, vai
fazer disso um caso. Vai te tratar mal, e eu não aceito isso. Quero
muito que conheça minha família, mas em um almoço, em uma
ocasião formal. Não nessas circunstâncias.
- Entendo. – Ele quer que eu conheça sua família no futuro. Foi a
única coisa que ouvi, isso me faz rir. Levanto da cama, coloco meu
tênis all-star. - Vamos, antes que ela chegue.
Miguel segura minha mão, juntos caminhamos para fora do quarto.
Sinto quando ele diminui os passos, até parar de andar. Acabo
batendo meu corpo em suas costas. Saio de trás dele, dando de
cara com uma senhora de cabelos brancos como a neve, olhos zuis,
mais claros que os de Miguel. Usando um vestido verde, com um
terninho da mesma cor por cima. Seu olhar... ah, aquele olhar causa
medo até mesmo na pessoa mais corajosa do mundo. E é com esse
mesmo olhar que me avalia dos pés a cabeça.
- Quem é essa? – sua voz potente me causa arrepios.
Capítulo 16

Caroline Costa
Madrid 2018

Depois que Ramirez foi embora, continuei sentada no banco. Estou


feliz em ter a amizade de Ramirez de volta. Houve um tempo que o
considerei meu melhor amigo.
A caminhonete de Miguel estaciona, me assusto com a freada
brusca, fico ainda mais assustada quando ele caminha em minha
direção, com um olhar triste e perdido.
Minha respiração se torna ofegante. Tenho medo do que possa ter
acontecido.
Seus passos ficam mais lentos, conforme ele vai ficando cada vez
mais próximo. No entanto, seu olhar está fixo em mim.
Finalmente ele para na minha frente, mas não estava preparada
para o que acontece em seguida.
Ele se ajoelha, coloca a cabeça no meu colo, e os braços ao redor
da minha cintura, escuto seu choro.
- Miguel? – pergunto assustada, não entendo o que está
acontecendo.
- Me perdoe. – Pede em meio as lágrimas. – Me perdoe?
- Te perdoar?
- Eu fiz tudo errado. Perdi a mulher que amo, junto com meu melhor
amigo. Tudo, porque quis acreditar no que meus olhos estavam
vendo. Na hora da raiva, eu fiquei cego. Não quis ver os sinais. O
olhar de confusão que estavam, Guilhermo negando que tinha
acontecido algo. Eu deveria ter escutado vocês no outro dia. Eu te
conhecia como ninguém. Você era pura, inocente, boa de coração.
Precisei ver a prova para acreditar. Nunca irei me perdoar.
Ele levanta o rosto, seus olhos estão vermelhos e inchados.
- Que provas? – pergunto, ainda não estou entendendo a sua
atitude.
- Guilhermo, fez exame com a água que beberam. Ele sempre
tentou falar comigo. Uma vez, chegou a dizer que eu estava cego,
eu o ameacei. E depois disso, ele se afastou, desistindo de querer
provar a inocência de vocês. Guardou o exame por todos esses
anos.
Estou em choque com essa informação.
- Finalmente acredita em mim? – pergunto, com a voz embargada.
- Sim.
Passo a mão delicadamente em seu rosto.
- Isso é bom. – Por fim digo.
Abaixo o corpo, o envolvendo em uma abraço apertado.
- Eu nunca, jamais iria trair você. – disse com a cabeça no vão de
seu pescoço.
- Me perdoe, por não ter enxergado isso?
- Você cuidou de mim, mesmo magoado. Não tenho que te perdoar.
Apenas agradecer.
Ele fica de pé.
- Eu irei descobrir quem fez isso.
Fico de pé em sua frente, passo a mão em seu rosto perfeito. O
polegar desliza pelo seu nariz fino, parando em seus lábios. Sinto
sua respiração se tornar ainda mais pesada. Ele me encara
profundamente.
Fico sobre as pontas do pé, colocando minhas mão em seu peito,
toco delicadamente seus lábios. É um selinho. Um selinho bem
demorado, de olhos abertos.
Me afasto, coloco os dedos sobre meus lábios, em um sorriso de
boca fechada. Encaro Miguel, que está estático, sem mover.
Será que fiz errado? Confundi tudo? Dou um sorrisinho sem graça,
preciso entrar no meu quarto, esconder minha cara no travesseiro
urgentemente.
Que vergonha.
Ando, quase correndo até a porta, mal alcanço a maçaneta, quando
sinto a mão forte e quente de Miguel puxar meu braço, aproximando
meu corpo do dele. Ele segura meu cabelo pela nuca. Mal tenho
tempo de dizer algo, sinto seus lábios nos meus.
É um beijo com vários significados. Saudades, culpa, paixão e
necessidade. A língua dele explora minha boca. Chupo com vontade
sua língua, ele solta um gemido.
Sinto meus pés saírem do chão, minhas pernas cruzam sua cintura.
Meus braços estão em volta de seu pescoço, suas mãos seguram
firme minha bunda.
Não desgrudamos nossas bocas, ele caminha comigo, abre a porta
e entramos na sala.
Novamente sou surpreendida, quando ele se senta no chão, com as
costas apoiada no sofá, estamos sobre o tapete felpudo.
- Nosso cantinho. – Digo entre nossos lábios.
- Você sempre gostou de fazer amor aqui, com pouca luz, sobre um
tapete felpudo. No fundo, acho que foi por isso que nunca troquei
nada. Eu sentia que um dia você estaria aqui.
Ele volta a tomar meus lábios.
Levanto os braços, para ele tirar meu vestido. Fico apenas com
minha lingerie preta. Ajudo ele tirar sua blusa azul.
Seus lábios beijam meu pescoço, sua mão vai até meu sutiã o
abrindo nas costas.
Sinto seus dedos deslizarem pela minha coluna, amo a sensação
que esse gesto causa no meu corpo.
Miguel deixa uma mordida no meu queixo. O que me faz sorrir. Os
dedos dele mergulham no meu cabelo. Dando um leve aperto.
Novamente nossas bocas se unem. Uma de suas mãos vai parar no
meio das minhas coxas.
Seu dedo passa pela lateral da minha calcinha, que já está
enxarcada. Sinto ele afastar minha calcinha para o lado, e
mergulhar seu grande dedo do meio dentro de mim. O que me faz
soltar um gemido. Ele movimenta o dedo, saindo e entrando,
fazendo movimentos circulares, até atingir meu clitóris.
- Aaaaah... – Seguro firme seus ombros, rebolo em seu dedo. –
Estou...ah...tão perto. – Ele aumenta o ritmo, sinto meu corpo vibrar.
Um grito rouco e alto sai da minha garganta. O orgasmo me atinge
em cheio.
Ainda ofegante, Miguel deita meu corpo sobre o tapete. Beija minha
boca, em um beijo cheio de urgência. Sinto sua ereção grande e
grossa abrir caminho na minha vagina.
- Como senti... falta dele. – digo entre gemidos. Miguel sorri
satisfeito.
Os movimentos de vai e vem aumentando, entrelaço minhas pernas
em volta da sua cintura.
- Eu te amo, Miguel. – Acabo dizendo quando estou prestes a atingir
mais um orgasmo.
Miguel solta um gemido alto, sinto seu corpo tremer, junto com meus
espasmos.
Ele me encara, passa a mão no meu rosto, deixa um beijo na minha
testa.
- Você sempre será a única mulher que me tem por inteiro, meu
coração é, e sempre foi seu.
Uma lágrima caí de seu olho, pinga na ponta do meu nariz. O que
nos faz rir.
- Te amo, minha princesa.
- Te amo, meu príncipe.
Capítulo 17

Miguel Martinez
Madrid, 2006.

Minha avó está encarando Caroline, a mão dela que segura a minha
está começando a ficar gelada.
- Vó, essa é nossa amiga. – diz Juan.
- Caroline Costa. – Completa Henrico.
- Carol, essa é nossa avó, dona Maria Dulce. – Apresenta
Guilhermo.
Mesmo com a tentativa dos meus primos de apaziguar as coisas,
sinto que não funcionou.
Caroline tentou a cumprimentar, chegou a estender a mão, mas
minha avó continua encarando nós dois, com cara de poucos
amigos.
- Por que a amiga de vocês está de mãos dadas com Miguel? – A
pergunta pode não ter sido ofensiva, porém o modo como a
pronunciou fez se tornar.
Chega! Não vou mais deixar ninguém humilhar Caroline na minha
frente, essa é uma promessa que faço para mim mesmo.
Aperto a mão dela, a colocando na frente do meu peito.
- Carol é amiga dos meus primos e minha namorada.
Todos estão encarando dona Maria Dulce.
- Namorada? Hum... – é o que ela diz, quando quer, minha vó se
torna bem desagradável. – Podemos conversar? – pergunta me
encarando.
- Sim. – Olho para Caroline. – Me espera? – ela concorda com a
cabeça. – Já volto.
Vou até meu quarto, acompanhado de minha avó. Assim que fecho
a porta começa.
- Isso é brincadeira?
- Por que seria? Caroline é linda e inteligente, não vejo onde possa
parecer uma piada.
- Você pelo menos conhece a família dessa moça? Já percebi que
não é espanhola.
- Ela é brasileira. E ainda não conheci seus pais.
Minha Avó me encara.
- O que sente por ela?
- Ainda estou descobrindo, mas ela é diferente. Gosto demais de
sua companhia.
Dona Maria Dulce pode ser difícil, desagradável e as vezes cruel
com as pessoas que não conhece, acima disso tudo ama e cuida da
família como uma verdadeira matriarca.
- Irei marcar um jantar. Não me faça arrepender.
Vou até ela e a abraço.
- Te amo, vó.
Voltamos para a sala, dessa vez minha avó cumprimentou Caroline,
simpática do jeito dela durão de ser.
Quando vai embora, meus primos começam a rir.
- Cara, no começo pensei que a vó iria matar você. – Comenta
Ramirez.
- Sou seu neto predileto.
- Ah, vai sonhando. Todos sabemos que sou eu. – diz Juan.
- Querem fazer uma eleição? – comenta Caroline aos risos.
- Deixa quieto. – Ramirez diz, fazendo todos cair na gargalhada.
Levei Caroline de volta para o dormitório. A deixei lá, nos
despedimos com um beijo.
Estou no carro voltando para o apartamento, quando meu celular
toca.
Vejo o nome do meu pai.
- Oi pai. – Atendo no viva voz.
- Oi, meu filho.
- Já sei o assunto dessa ligação. A vovó falou sobre meu namoro. –
Afirmo.
- Sim. Estou ansioso para conhecê-la. Você nunca nos apresentou a
nenhuma moça, essa deve ser especial.
Meu pai é um homem incrível, meu velho tem um coração que não
cabe no peito.
- Ela é, muito.
- Mamãe irá marcar o jantar o mais rápido possível. Preciso
conhecer a mulher que roubou o coração do meu filho.
Converso mais um pouco com meu pai, desligo ao estacionar.

Na manhã seguinte, minha avó ligou. O jantar ficou marcado para


daqui duas noites. Ela avisou que vai estar toda família presente.
Capítulo 18

Miguel Martinez

Madrid 2018

Estamos deitados sobre o tapete, ela acariciando meu peito,


enquanto mexo em seu cabelo.
Não sabia o quanto me fazia falta fazer amor. Sexo é bom, mas
quando se tem sentimento é muito melhor. E esse tipo de sexo com
sentimento, só tenho com ela. Caroline Costa, a mulher que mesmo
quando a odiava, ainda a amava. E agora... eu posso perdê-la daqui
alguns meses. Saber que temos no máximo dois anos esmaga meu
coração.
- Você sabe que as coisas irão piorar? Não quero que fique triste. –
Ela diz como se pudesse ler meus pensamentos. As vezes acredito
que possa.
- Me culpo por ter perdido tantos anos longe de você.
- A culpa não é sua, não é minha. A culpa é de quem colocou
sonífero na água.
Levanto meu corpo até me sentar.
- Tem alguma suspeita? – pergunto.
- Não. – Responde ela, ao se sentar.
Olho dentro de seus olhos.
- Iremos descobrir, princesa.
Ela sorri, sobe no meu colo.
- Princesa... amava quando me chamava assim.
- Não ama mais?
- Saiba que tem o mesmo efeito de antes. – diz olhando no fundo
dos meus olhos, fico completamente hipnotizado. – Nunca deixei de
amar você.
Seguro seu rosto, beijo sua boca.
- Não me deixe. – Sussurro.
Ela segura minha mão que está sobre sua bochecha. Beija minha
palma.
- Vamos ter tempo, quero aproveitar cada segundo. – Diz me
envolvendo em um abraço apertado.
- Farei com que o tempo que tivermos sejam eternos na minha
memória.
A vida é mesmo cheia de reviravoltas. Quando conheci Caroline, me
apaixonei à primeira vista, com o tempo fui me encantando ainda
mais.
O dia que fiz o pedido de casamento, foi o dia em que chorei ao
ouvir ela dizer “sim”. O tempo em que estivemos juntos foi
maravilhoso. Brigas? Não havia. Era como viver em uma comédia
romântica.
E mesmo assim, com tudo isso, toda nossa história, tudo o que
sentimos um pelo outro... eu não quis ouvir o seu lado, quando o
pior dia da minha vida acontecia diante dos meus olhos.
Eu duvidei da mulher que me mostrava todos os dias o quanto me
amava. Eu duvidei do cara que cresceu ao meu lado. E por não
querer enxergar que aquelas duas pessoas podiam sim, terem sido
vítimas de uma armação.
Por que eu não os ouvi? Por que não questionei toda aquela
situação? Eu precisava de respostas, precisava entender o que era
tudo aquilo... em vez disso, fiz o que qualquer um, que nunca teve o
que eu tinha faria. Os humilhei. E agora, depois de dez anos, ainda
amando loucamente minha mulher eu irei a perder novamente.
Passo a mão no rosto de Caroline, que me encara com suas duas
jaboticabas. Ela abre um sorriso, aquele sorriso que fazia meu
coração disparar todas as vezes que era direcionado para mim.
- Estarei aqui, ao seu lado. Até o fim.

Caroline Costa
Uma semana depois.
Estou em um sonho, onde o homem que amo, diz todos os dias que
me ama. Se eu parar e olhar para trás, a alguns meses atrás. Nunca
iria imaginar que hoje estaria aqui, sentada no banco, em um dia
nublado. Ao lado do único homem na minha vida. Mesmo com a
doença, só encontro motivos para agradecer.
- Hoje vamos jantar fora. – Afirma Miguel.
- Sei que não foi uma pergunta, no entanto saiba que aceito. – disse
com um enorme sorriso no rosto.
Miguel fica de pé, estende a mão em minha direção, claro que
aceito sua mão e a seguro firme. Ele me puxa em sua direção,
colando nossos corpos. Encosto meu rosto em seu peito.
Ele segura uma mão minha, enquanto sua outra mão aperta minha
cintura.
Seu corpo começa a balançar de um lado para o outro, seguindo o
ritmo de uma música imaginária.
- Essa noite... – ele começa a sussurrar próximo ao meu ouvido. –
Iremos jantar no restaurante de gusta. No fim da noite dançaremos
ao som da nossa música. Enquanto direi no seu ouvido te amo,
repetidas vezes.
Ergo meu rosto, encontrando seu olhar. Sinto vontade de chorar e rir
ao mesmo tempo.
- Responderei, repetidas vezes que também amo você.
Fico na ponta dos pés, para alcançar sua boca. O beijo é calmo e
gostoso. Afasto nossos lábios para atender meu celular que não
para de tocar.
Na tela vejo o nome de Cinthia.
- Oi, Cinthia.
- Oi Carol, como você está?
- Melhor impossível. – Respondo encarando Miguel que sorri.
- Isso tem cheiro de amor e sexo.
Acabo rindo.
- É... você me conhece.
- Não quero atrapalhar vocês. Liguei para dizer que daqui três dias
chego em Madrid. Serei toda sua.
- Ah, fico tão feliz que você estará aqui. Não vejo a hora. Me
mantém informada.
- Pode deixar. Agora vai lá curtir seu boy.
- Obrigada por tudo. Até logo.
Assim que desligo, conto para Miguel que Cinthia está chegando.
Ele ficou feliz, agora terei companhia quando ele não estiver aqui.

Ao anoitecer.
Coloco um vestido longo preto, com uma fenda na perna direita.
Solto o cabelo, o deixando ainda mais liso com a chapinha.
Capricho na maquiagem, com um delineado de gatinho marcando
bem meus olhos, e um batom bordo.
Minhas coisas continuam no quarto de hospedes, mesmo que
minhas noites terminam sobre a cama de Miguel.
Saio do quarto, o encontrando no corredor.
- Uau. – Ele diz, me encarando dos pés à cabeça. – Você está
maravilhosa. – diz se aproximando, pegando minha mão e a
levando aos lábios. – Não quero borrar seu batom. – Beija o dorso
da minha mão.
- Eu não me importaria. – disse com meu melhor olhar sedutor.
- Não olhe assim, ou não sairemos para jantar.
Dou um último olhar fatal em sua direção, em seguida dou um
sorriso largo.
- Não me arrumei atoa, vamos!
Ele ri, estende o braço, onde apoio o meu.
Chegamos no de gusta quarenta minutos depois.
Estamos sentados de frente uma mesa quadrada, em lados
opostos. Fizemos nosso pedido, agora estamos nos encarando.
- Você está muito bonito.
Miguel parece realmente um príncipe, usando um terno azul
marinho, uma camisa preta, com os primeiros botões abertos. Para
completar seu rosto perfeitamente desenhado, com um pouco de
barba para fazer. Os cabelos bem alinhados. Realmente, tenho na
minha frente, o homem mais lindo desse restaurante. Diria até
mesmo de Madrid.
- Obrigado. – Agradece com um sorriso de lado.
O jantar foi maravilhoso. A comida estava uma delícia, do jeito que
eu me lembrava.
E pensar que á um tempo atrás, era eu quem servia. Mesmo agora,
estando do outro lado, sinto falta do meu emprego. Claro, tinha
vezes que atendia clientes mesquinhos e mal educados, no entanto
existia as exceções, clientes gentis e educados.
Estamos no carro a caminho da fazenda. Estou com a cabeça
encostada na janela, olhando o céu que hoje está incrivelmente
estrelado. A lua está brilhante, se destacando e iluminando tudo a
sua volta.
Continuo concentrada, admirando o céu, que mal notei que
havíamos chegado.
Miguel desce, abre a porta do passageiro, me ajudando a descer.
Em vez de me guiar para a direção da casa, ele começa a dar a
volta no carro.
- O que está fazendo?
- Te prometi uma dança, sabe que não quebro uma promessa.
Noto que ele deixou o farol aceso. Paramos bem em frente a luz
forte do veículo.
Ele tira seu celular do bolso, digita algo. E então começa a tocar
uma música no som do carro. Quando escuto a melodia, meus olhos
se enchem de lágrimas.
Chasing Cars – Snow Patrol.
- Lembra? – ele pergunta.
- Sim. – Respondo com um sorriso no rosto banhado em lágrimas.
Miguel se aproxima, repetindo o mesmo movimento dessa manhã.
Com a cabeça apoiada em seu peito, uma de suas mãos na minha
cintura, e a outra acariciando meus cabelos. Acompanhamos o ritmo
da música.
“Se eu deitasse aqui, se eu apenas me deitasse aqui, você deitaria
comigo e apenas esqueceria do mundo?”
Ele sussurra a música em meu ouvido, me fazendo chorar ainda
mais.
“Eu não sei bem como dizer como me sinto, aquelas três palavras,
são faladas demais, elas não são o suficiente”
A música continua, e naquele momento só existe nós dois nesse
mundo.
“Eu preciso de sua graça, para me lembrar, para encontrar a mim
mesmo”
A cada verso, sinto a música entrar no mais profundo da minha
alma.
“Tudo que sou. Tudo o que sempre fui, está aqui em seus olhos
perfeitos. Eles são tudo o que posso ver. Eu não sei onde. Confuso
sobre como também, só sei que essas coisas nunca mudarão para
nós de jeito nenhum. Se eu deitasse aqui, se eu apenas deitasse
aqui. Você deitaria comigo e simplesmente esqueceria do mundo?”
Nesse momento, Miguel se ajoelha. Retira do bolso de seu terno
uma caixinha preta de veludo. Abre, revelando um anel de
diamante. Mas não era qualquer anel, era o meu anel. O mesmo
que o devolvi no divórcio.
- Esqueça o mundo. Esqueça quanto tempo temos, apenas me dê
sua mão e me guie ao seu lado. – Ele diz a mesma frase que usou
no pedido de casamento que me fez no último dia do ano de 2006.
Coloco as duas mãos sobre minha boca. O choro aumentou, sinto
que irei explodir por dentro.
- Andaremos lado a lado... – digo com a voz embargada. – Até o fim.
Ele coloca o anel em meu dedo, beija minha mão. Fica de pé,
segura meu rosto entre suas mãos.
- Até o fim! – diz.
Capítulo 19

Miguel Martinez
Madrid 2006

Hoje é o dia que iremos jantar na casa da minha avó.


Não vou negar que estou nervoso, preocupado em como minha
família irá receber Caroline.
Estou no carro, dirigindo a caminho da casa da minha avó. Caroline
está ao meu lado. Linda, como todas as vezes que a vejo. Ela tirou
os piercings. Está com uma maquiagem leve. Usando um vestido
branco, que se destaca no seu tom de pele. Pela primeira a vejo de
salto alto. Ela sempre usa tênis, e mesmo gostando do seu estilo,
hoje ela me surpreendeu. Está incrivelmente sexy.
Coloco minha mão em sua coxa, se ela soubesse o quanto a
desejo. Acho que se assustaria. Cada célula do meu corpo clama
por ela.
- Será que vão gostar de mim?
Tento parecer tranquilo ao respondê-la.
- E quem não gostaria? – dou o meu melhor sorriso a tranquilizando.
Assim que chegamos no condomínio onde minha avó mora.
Caroline me encara.
-Vocês são milionários? – pergunta com as sobrancelhas franzidas.
- Minha família tem uma boa condição.
- Agora estou mais nervosa, eles vão pensar que estou atrás do seu
dinheiro.
- Minha linda, eu não tenho dinheiro. Eles que tem.
- Típico de filho de gente rica dizer. – Ela começa a morder o lábio,
algo que reparei que faz quando está nervosa.
- Ei. – Aperto sua mão. – Vai dar tudo certo.
Ao estacionar, beijo sua testa, ela não responde. Apenas balança a
cabeça.
Já identifico os outros veículos estacionados. Desço, abro a porta
para ela.
- Pensei que seria um jantar em família. – diz enquanto caminhamos
até a porta.
- Minha família é um pouco grande.
Quando abro a porta, caminho segurando firme sua mão. A levo até
os fundos. Que sei que será onde todos estarão.
Quando minha avó reuni a família ela gosta que nos sentemos na
área de lazer, em volta de uma mesa retangular cumprida com
lugares em excesso.
Como esperado, estão todos espalhados pelo quintal. Assim que
entro, consigo atrair toda a atenção. Um silêncio se instala no
ambiente, os olhares vão em direção Caroline.
- Seja bem vinda. – diz minha avó ao se aproximar, beijando cada
lado do rosto de Caroline. – Estou feliz que esteja aqui.
- Agradeço o convite.
Noto meus primos se aproximarem, isso me deixa mais tranquilo,
sei que irão tratar bem Caroline.
- Infelizmente é Miguel quem está acompanhando essa noite, saiba
que estou aqui se cansar dele. – brinca Juan ao se aproximar e
beijar a bochecha dela.
- Largar um mala por outro? Não parece uma troca justa. – diz
Ramirez.
- Seja bem vinda Carol. – Guilhermo a beija no rosto. – Saiba que
estamos aqui. – Ele sussurra em seu ouvido, mas consigo ouvir.
Henrico faz o mesmo.
Assim que meus primos conseguem tirar os melhores sorrisos da
minha garota, a levo até o restante da família.
- Mãe, pai, essa é Caroline Costa. Minha namorada.
Meu pai abre um largo sorriso.
- Que bela moça, meu filho.
Caroline sorri com timidez. Suas mãos estão suando.
Estou encarando minha mãe, que está com as sobrancelhas
franzidas, encarando Caroline dos pés à cabeça. Meu pai notando,
lança um olhar em sua direção. A fazendo dar um sorriso forçado.
- Oi, sou Carmelita.
- Oi, Caroline. – diz estendendo a mão, minha mãe demora a
aceitar, causando um desconforto, tanto em mim como em meu pai.
Felizmente ela pega a mão de Caroline, que está completamente
sem graça.
- Muito bom conhecer uma amiga do meu filho. – Ela fala, com um
tom mais alto a palavra amiga.
- Caroline é minha namorada. – Trato logo de corrigi-la. Sei que
ainda não oficializei um pedido, no entanto Caroline não me corrigiu
nenhuma das vezes em que me referi a ela como namorada.
- Ah, claro. Devo ter me confundido.
Não gosto o modo que minha mãe está falando. Minha família
percebendo o desconforto com a atitude de dona Carmelita,
começam a se aproximar. Primeiro meus tios Anthony e Ramon.
- Vejo que meu sobrinho tem muito bom gosto. – Comenta meu tio
Anthony. – Seja bem vinda, minha jovem.
Meu tio Ramon também a cumprimenta.
Não demorou para o mordomo anunciar que o jantar seria servido.
Todos nos sentamos a mesa. Caroline sentou entre mim e minha tia
Martina, esposa do meu tio Anthony. Ela é uma pessoa maravilhosa.
Na verdade, todos os irmãos do meu pai são. Sem exceções.
O jantar está sendo agradável, meus primos deixam tudo mais leve.
No entanto, minha mãe que está sentada na minha frente, do lado
oposto da mesa, não tira os olhos de Caroline. Eu sempre soube
que minha mãe era uma mulher difícil, pensava que minha avó era
mais... agora olhando minha avó tratar Caroline como um novo
membro da família e minha mãe a encarando como uma intrusa.
Vejo que nunca estive mais enganado.
No final do jantar, Caroline queria ajudar tirar os pratos da mesa,
minha prima Paola explicou que os empregados fazem isso.
Caroline sussurrou em meu ouvido “Vocês são tão ricos”. Dei um
sorriso. Ela é toda meiga e humilde. Não me arrependo nem um
pouco por apresentá-la a minha família.
Estamos nos despedindo de todos. -Todos, com exceção da minha
mãe. – Estão encantados pelo jeito de ser de Caroline.
Já dentro do carro, sinto que ela está pensativa.
- Gostou do jantar? – pergunto preocupado de alguém ter a deixado
triste.
- Sua mãe não foi muito com a minha cara.
Droga!
- Sinto muito, por ter se sentido mal com ela. Eu realmente não
entendi por que ela foi tão desagradável. Irei conversar com ela.
Caroline colocou a mão sobre meu joelho.
- Não precisa. Estou feliz em ter conhecido sua família. Todos foram
amáveis.
Sua mão que está no joelho, começa a subir, parando sobre minha
coxa. Estou sem sexo, desde que a vi pela primeira vez. E esse
simples contato, me excita pra caralho.
A olho pela minha visão periférica. Ela me oferece um sorriso, e
para piorar minha situação, sua mão sobe mais um pouco. Parando
próxima a minha virilha. Coloco minha mão sobre a dela.
- Se continuar subindo, não vou conseguir me controlar.
E para ferrar com todo o meu auto controle, ela sobe a mão,
parando sobre minha ereção, dando um leve aperto.
Quase perco o controle do carro. Tento me concentrar na direção.
- Não quero que se controle. – Sussurra no meu ouvido. Seus dedos
começam a abrir minha calça jeans.
Minha respiração se torna pesada. Encarando a estrada, tento
pensar em outras coisas, para não parar no acostamento e me
enterrar dentro dela.
“Parece que vai chover”. “Amanhã tenho prova”. “Preciso pagar o
seguro do carro” ... escuto a risada dela ao meu lado.
- O que você está falando?
- Ah, que merda. Falei em voz alta?
- Sim. Amanhã também tenho prova.
Sua mão aperta ainda mais minha ereção. Seus dedos abrem de
vez o zíper, liberando meu membro para fora.
- Uau... é bem grande.
Queria rir disso, mas estou excitado demais e muito tenso para ter
qualquer reação.
Minhas mãos apertam o volante, deixando as pontas dos dedos
brancas.
- Se eu fizer errado, me fala. Vi em alguns vídeos.
- Viu o que... – mal término de falar, quando sinto sua boca no meu
pau. – Porra...
Ela passa a língua na cabeça, depois o abocanha. Chupando até
onde consegue.
Aperto ainda mais o volante, preciso me segurar. Faz tempo que
não transo, só de sentir sua boca gostosa, já sinto um orgasmo
violento se aproximar.
- Se você... ah... não parar... vou gozar na sua boca.
Ela levanta o dedão, fazendo um sinal de positivo.
Estou em alguma pegadinha? Ela quer que eu goze na sua boca? É
isso mesmo?
Ela aumenta o ritmo, usa uma das mãos para me masturbar,
enquanto chupa a glande. FODA-SE. Seguro sua cabeça, solto um
gemido alto, parecendo um animal, quando sinto minha porra ir
direto para sua boquinha. Ah, como queria ver essa cena. Mas não
posso tirar os olhos da direção do carro.
- Ah.. nossa.. isso foi... – estou sem ar. – Gostoso.
Ela levanta o rosto, limpando o canto dos lábios com o dedão. Se
ajeita no banco, com um sorriso de alguém que está muito satisfeita.
Passo a mão em seu rosto.
- Te amo, princesa.
Ela me encara. Primeiro com um olhar de susto, depois suaviza.
- Também te amo, príncipe.
Capítulo 20

Caroline Costa
2018

O médico veio me examinar, disse que vou ter que fazer a


quimioterapia no hospital, para garantir uma melhora.
Depois que as coisas se acertaram com Miguel, pela primeira vez
sinto medo de morrer. Por esse motivo, aceito fazer a quimio no
hospital.
Miguel ficou todo empolgado, cheio de esperança.
A primeira sessão me deixou cansada. Passei a tarde toda deitada
na cama.
Na terceira sessão, quando voltei para a fazenda, tive diarreia e
ânsia de vomito.
Eu já estava sentindo o meu corpo diferente. As dores na cabeça
diminuíram, porém as vezes sinto que sou outra pessoa.
No entanto, foi hoje, na quarta sessão, que não consegui controlar
as lágrimas. Encarando meu reflexo no espelho, passando a escova
pelo cabelo, vi uma grande quantidade de fios na escova.
Passei a mão pelos longos fios pretos, e uma quantidade ficou na
minha mão.
Miguel correu em minha direção ao escutar meu grito. Me
abraçando ao ver meu estado.
Não consegui entender as palavras que saiam de sua boca, sei que
era algo para me confortar. O grito que saia da minha garganta, era
alto. Cinthia que já estava em Madrid. Também se aproximou.
Ela passa o dia comigo, mas preferiu ficar em um hotel a noite.
Depois que consegui me acalmar um pouco, enxuguei meu rosto.
- Quero cortá-lo. – Digo decidida.
Sentada em uma cadeira no banheiro, encarando meu reflexo no
espelho. Vejo o momento em que Cinthia começa a cortar meu
cabelo. As longas mechas caiam sobre meu ombro, deslizavam até
o chão.
Depois que os fios estavam no chão, ela ligou a maquininha. O
barulho me causava uma sensação de perda. Mesmo tentando
segurar as lágrimas, não consegui.
Encarei Cinthia, - que também estava chorando - passar a
maquininha na minha cabeça.
Ela segurou minha mão.
Quando decidi cortar o cabelo, pedi para Miguel ficar do lado de fora
do banheiro.
- Está linda. – diz ela ao acabar.
Fiquei de pé, encarando o espelho. Meu rosto estava mais fino,
minha cabeça raspada fazia contraste com meu tom de pele.
Viro, recebendo um abraço de Cinthia.
- Obrigada por estar aqui. – disse chorando.
- Não irei sair do seu lado. – Ela responde.
Respirei fundo.
- Hora do Miguel me ver. – digo.
- Você vai ter uma surpresa.
Não entendi o que ela quis dizer com surpresa.
Mas ao abrir a porta, tive a resposta.
Do lado de fora estavam Miguel, Juan, Henrico, Ramirez e até
mesmo Guilhermo. E para me surpreender ainda mais, todos
estavam carecas. Coloquei as mãos sobre a boca, segurando o grito
que queria sair da minha garganta. Escuto o barulho da maquininha
atrás de mim. Quando me viro, vejo Cinthia passando em sua
cabeça.
- Não! – grito entre as lágrimas.
- Sim! – ela responde rindo. Guilhermo entra no banheiro, passando
por mim e a ajuda raspar o restante de seus fios loiros, que vão até
o ombro. Fico parada, olhando essa cena. Meu corpo treme com
meu choro.
Sinto os braços de Miguel me envolverem. Isso me faz desabar
ainda mais. Todos se aproximam me dando um abraço grupal.
- Obrigada... Obrigada. – Agradeço com a voz rouca.
Miguel segura meu rosto.
- Eu te amo, princesa. – Recebo um selinho em meus lábios. – Você
está linda.
- Sua cabeça é linda, Carol. – diz Ramirez, o que me faz rir.
- Já não podemos dizer o mesmo da sua. – Brinca Henrico.
O que antes eram lágrimas se torna uma risada.
Fomos até a sala, onde nos sentamos. Guilhermo sentou ao meu
lado. Enquanto todos riam um do outro, ele colocou sua mão sobre
a minha.
- Você é incrível. – diz. – Mesmo com tudo o que passou, as
acusações que fizeram. Você não contou meu segredo. O levou
com você. Obrigado.
- Eu não iria contar algo que você guarda em segredo. Sei que
quando descobri, você ficou com medo. Mas te prometi que jamais
iria revelar, nem mesmo para Miguel. E eu cumpro o que prometo.
Ele me abraça.
- Obrigado. – Escuto seu fungar. – Você não merecia passar por
tudo aquilo, e muito menos pelo que está passando agora. – Seu
choro fica mais alto, atraindo a atenção de todos. – Me perdoe
Carol? Eu poderia ter forçado Miguel ver a prova, eu poderia ter
gritado para todos que era impossível termos transado.
- Gui...
Ele se afasta, se colocando de pé encarando os primos e seu irmão.
- Eu nunca trairia você Miguel, primeiro, porque amo você e a Carol.
E... porque tenho um companheiro a mais de quinze anos. – Todos
ficam chocados ao receber a notícia. – Uma vez Carol nos viu em
um restaurante. Ela flagrou o momento em que ele me dava um
beijo rápido. Então contei tudo para ela. Eu sou gay!
Encaro os Martinez, que estão literalmente com a boca aberta.
- Por que não nos contou? – pergunta Juan.
- Tive medo de tudo mudar entre a gente.
Ramirez fica de pé, se aproxima de seu irmão e o envolve com os
braços, em um abraço afetuoso.
- Sempre soube. Pensou que eu não iria estranhar que meu irmão,
que já foi considerado o mais bonito dos cinco, nunca ser visto com
mulher.
Ambos dão risada.
Os outros se aproximam e o abraçam. Enquanto eu e Cinthia
estamos com um sorriso enorme, é a cena mais linda que já vi.
- Agora é a hora que você nos apresenta seu companheiro. – diz
Miguel.
Guilhermo ri, eu sei o motivo.
- Bom... vocês já se conhecem.
Os quatro trocam olhares confusos. Miguel me encara, ele sabe que
eu sei. Seu olhar começa a mudar, de confusão para certeza. Ele
sabe a resposta.
- Não acredito! – ele grita. – Santiago?
Guilhermo confirma.
- Sempre soube da preferência de Santiago. Isso é muito louco.
Agora ele é meu primo. – Ele ri da própria análise que chegou.
Vai até Guilhermo e o abraça novamente.
- Parabéns, irmão.
Ver eles se entendendo é tudo que sempre desejei.
Minha visão começa a ficar embaçada, coloco a mão na cabeça.
- Está se sentindo bem? – Cinthia que está ao meu lado pergunta.
- Minha... cabeça.
Miguel se aproxima ao notar que algo está errado.
- Amor? – sua voz vai se tornando um sopro em meu ouvido.
- Precisamos levá-la ao hospital.
- Chamem a ambulância.
- Corre!
Escuto várias vozes ao meu redor, sei quem são, mas é como se
fosse uma alucinação. E então minha visão apaga, e estou
novamente na solidão da escuridão.
Capítulo 21

Miguel Martinez
Caroline passou por muitas emoções em um único dia.
Primeiro, a queda do seu cabelo, junto com a decisão de raspá-lo.
Em seguida encontrando todos com a cabeça raspada. Em forma de
solidariedade com sua dor. A revelação da homossexualidade de
Guilhermo, o fato dele estar em um relacionamento sério a mais de
quinze anos, com o advogado da família. Caroline já sabia, mesmo
com as sete pedras que recebeu não revelou a ninguém o segredo
do meu primo. Isso me faz a admirar ainda mais.
Ela guardou sua dor, as humilhações para não causar desconforto
em Guilhermo ao ter seu segredo revelado.
Sou grato por esse dia ter terminado sem uma tragedia. Caroline
ficou em observação, passamos a noite no hospital. Agora, estamos
voltando para casa.
Cinthia a ajuda tomar banho, enquanto preparo um ensopado.
- Ela vai ficar bem? – pergunta Ramirez.
Meus primos estão aqui, falaram que só vão embora quando tiverem
certeza de que Caroline está bem.
- O médico disse que ela não pode passa por estresse, ou fortes
emoções.
- A culpa é minha. – diz Guilhermo cabisbaixo.
- Não fala merda, irmão. – Aperto seu ombro.
Juan que estava cortando legumes, para o que estava fazendo e me
encara.
- Chegou a hora de investigarmos a fundo, quem queria prejudicar a
Carol.
- Concordo. – diz Henrico.
- O que vocês têm em mente? – pergunto.
- Voltar a dez anos atrás. Refazer todos os passos. Descobrir quem
esteve aqui. – Juan explica.
Começamos a conversar. Guilhermo contou passo a passo do que
fez naquele dia.
Sei que descobrir quem foi o responsável pelo meu divórcio, não irá
trazer de volta os dez anos que perdemos longe um do outro, mas
eu quero entender o porquê. Qual o objetivo, em destruir um amor
como o nosso.
Assim que todos foram embora, deitei ao lado de Caroline. Ela
comeu bem pouco, pois seu estomago está doendo.
Ela está com os olhos fechados, seu rosto está sereno e tranquilo.
Seus dedos entrelaçados aos meus.
Cinthia a ajudou enrolar um lenço florido na cabeça. Sua amiga já
encomendou algumas laces(peruca). Tanto para Caroline, quanto
para ela, que também exibia sua careca.
Juan a levou embora. Ele está encantado com sua beleza.
Fico observando a respiração da mulher que tem todo o meu
coração. É como se eu precisasse garantir que ela está respirando.
Não sei quanto tempo se passou, senti meus olhos pesarem. E sem
perceber acabei dormindo.
Acordo notando a ausência da minha mulher na cama, sinto um
desespero, uma angústia.
- Amor? – Sento-me na cama.
Escuto um barulho no banheiro, corro às pressas até la. Respiro
aliviado ao vê-la de frente ao espelho. Ela não está usando o lenço.
Vejo seu lábio se curvando em um sorriso.
Ver ela sorrir, me faz sentir um alívio. Como se minha felicidade
dependesse disso. Como pude viver tanto tempo longe dela?

Caroline Costa
Acordei com o braço de Miguel em volta da minha cintura. Ele ficou
muito bonito careca, passo a mão sobre sua cabeça. Não acredito
que todos eles fizeram isso, é muita loucura, no entanto nunca me
senti mais amada e acolhida. Sem eles, provavelmente estaria
sozinha, deitada na cama, deixando a doença se espalhar, apenas
aguardando a chegada da morte.
Ter cada uma dessas pessoas, faz tudo se tornar mais leve. Cinthia
se mostra ser muito mais que uma amiga. Vê-la raspar seu lindo
cabelo loiro, me fez chorar. Porque foi aí, que entendi, desde que a
conheci não estou sozinha.
Levanto da cama sem fazer movimentos bruscos. Vou até o
banheiro, encaro meu reflexo no espelho.
O lenço que estou usando é bonito, com estampa florais. Cinthia me
ajudou a colocar e por incrível que possa parecer, eu me sinto bem.
Vou tirando o lenço. Passo a mão na minha cabeça, onde antes
havia uma longa cabeleira. No início foi doloroso, no entanto, agora,
olhando o formato fino do meu rosto, como meu pescoço se
destaca, estou gostando do que vejo.
Agora vou poder ficar loira, ruiva e morena. Usar laces de vários
tamanhos e texturas. Também vou curtir minha bela cabeça sem
cabelos, principalmente no calor. Acabo sorrindo.
Nesse momento, sinto os braços de Miguel em volta da minha
cintura. Seu rosto surge no vão do meu pescoço.
- Você está linda. – Sussurra no meu ouvido.
- Você também! – encaro seu reflexo atrás de mim. – Ficou ótimo.
Ele passa a mão sobre a própria cabeça.
- Talvez, eu mantenha assim.
Acabo rindo.
- Acho melhor não.
- Você disse que ficou bom assim, dona Caroline.
Ele ri, beija meu rosto.
- Eu disse a verdade. – Ele diz. – Gosto da visão que tenho do seu
pescoço. – Ele beija minha nuca. – Te amo, minha bela.
- Também amo você.
Capítulo 22

Miguel Martinez

Madrid 2006/2007

Faz exatos dez meses que estou com Caroline. Ainda não rolou um
pedido oficial de namoro, irei pular essa etapa.
Hoje é dia 30 de dezembro, amanhã é véspera de ano novo. Tudo
que mais quero, é começar o ano novo com a mulher que ocupa
meus pensamentos quando acordo, e quando vou dormir.
Eu a amo, loucamente. Tive uma conversa com meu pai sobre meu
desejo de pedir a mão de Caroline. Ele ficou empolgado, me
aconselhou a comprar a fazenda de um amigo dele.
Minha vinícola é pequena. Os vinhos são comercializados aqui na
região mesmo, porém, consigo um bom lucro. Nunca fui ganancioso.
O importante é ter dinheiro para o sustento e uma vida confortável.
É o que quero oferecer a Caroline.
Ela está me ajudando na administração. Se tornando minha parceira
nos negócios e na vida.
Planejei com meus primos como será o pedido. Vai ser no momento
da contagem regressiva.
Está sendo bem difícil esconder essa surpresa dela. Desde que
estamos juntos ela tem sido minha confidente, meu ponto de
equilíbrio.
Estou na casa da minha avó. Reunido com meus primos, ajudando
a desmontar a arvore de Natal. É uma tradição. Nós montamos e
desmontamos.
- Sua cara não engana. – Começa Henrico.
- Que cara? – pergunto enquanto subo na escada para retirar a
estrela do topo.
- Essa cara de apaixonado, que está prestes a ser abatido. – brinca
Ramirez.
- Estou apaixonado e não é segredo. Espero que um dia sintam o
que estou sentindo.
- Credo, vira essa boca pra lá. – Ramirez bate na madeira.
- Vocês não estão imunes a se apaixonar. – Comenta Guilhermo,
atraindo a atenção de todos.
- Você diz, parecendo que está apaixonado. – diz Juan desconfiado.
Guilhermo dá de ombros.
-Ah, que merda. Meu irmão está de quatro por alguma mulher.
- Não comento minha vida amorosa. – Responde bravo. – Vamos
terminar logo, antes que a vovó venha aqui.
Terminamos de desmontar a arvore. Conversei um pouco com
Caroline pelo telefone. Irei buscá-la amanhã as 20hrs. Só de
imaginar, sinto minhas mãos tremerem.
E se ela disser NÃO.

Caroline Costa
Encarando meu reflexo no espelho. Satisfeita com o resultado.
Estou usando um vestido longo branco de cetim, com um decote em
V. As costas, faz uma trança com correntes douradas. Nos pés,
calcei um salto alto dourado. Fiz um coque bagunçado no topo da
cabeça. Meu cabelo cresceu bastante nos últimos meses. Já está
no ombro. Optei por uma maquiagem forte e marcante. Um batom
vermelho, um delineado de gatinho, com uma sombra branca e um
esfumado preto.
Estou sozinha no dormitório. A garota que divido o quarto – Sabrina
– está na casa dos pais a alguns dias. Ela é uma boa colega de
quarto. Conversamos o essencial, sempre respeitando o espaço da
outra.
Como meus pais não ligam se estou viva, não havia motivos para
juntar dinheiro e ir visitá-los. É melhor assim, não aguento ser
desprezada por eles. É doloroso, eu sei.
Três batidas na porta, me tiram dos meus pensamentos. Abro a
porta e encontro um Miguel de calça caqui, camisa social branca,
com as mangas dobradas até o cotovelos. O cabelo preto levemente
molhados e bagunçados, o que o deixa muito sexy. O encaro dos
pés à cabeça. Ele é perfeito. Me faz perder o ar.
- Uau... você está linda. – Diz se aproximando, uma mão envolve
minha cintura, a outra passa delicadamente em meu rosto.
- Saiba que tirou as palavras da minha boca. Uau... você está lindo.
Ele sorri.
- Queria te beijar. Ah, sim, como queria.
- E por que não beija? – mordo o lábio inferior.
- Seu batom, está lindo. Não quero borrar.
Passo os braços em volta de seu pescoço.
- E se, quem quiser borrá-lo for eu?
Ele me dá um de seus sorrisos maliciosos.
- Não me responsabilizo por tal ato.
Afundo meus dedos em seu cabelo pela nuca, o puxo em minha
direção, grudando nossas bocas.
Minha virgindade está intacta, entre aspas. Porque já rolou vários
orais. Tanto em mim, quanto nele. No entanto, eu quero mais. E
agora o vendo todo sensual, não consigo mais esperar. Eu o quero.
Com as duas mãos espalmadas na minha bunda ele a aperta. Sinto
sua ereção me pressionando.
- Precisamos ir. – Ele diz entre nossos lábios.
Separo minha boca da dele.
- Se eu disser, que quero terminar o ano com você, especificamente,
com você dentro de mim. Mesmo assim, precisamos ir?
Ele aperta ainda mais minha bunda, com muita força.
- Vou te mostrar o que eu preciso.
Ele termina de entrar no quarto, se afasta, trancando a porta. Depois
de garantir nossa privacidade, ele caminha em minha direção.
- Você tem certeza? Depois que eu começar, não irei parar.
- Não quero que pare.
Levo um pequeno susto, quando suas mãos vão parar atrás das
minhas coxas, erguendo-me do chão. Passo as pernas em volta de
sua cintura.
Ele devora minha boca, em uma urgência. Chupo sua língua com
vontade. Sinto minhas costas encontrarem a parede fria. Solto um
pequeno gemido.
A mão dele começa a subir minhas coxas, parando sobre minha
calcinha.
- Você está molhadinha, amor. – diz com a mão sobre o tecido da
minha calcinha branca. – Prontinha para mim.
Seus dedos fazem movimentos circulares sobre o tecido, causando
uma sensação prazerosa.
- Ah...
- Amor, hoje não consigo fazer preliminares. Preciso urgentemente
estar dentro de você.
- É tudo que quero.
Ele me ajuda tirar o vestido. Se ajoelha na minha frente, coloca meu
pé esquerdo em cima do seu joelho, retirando uma das minhas
sandálias. Faz o mesmo processo com o outro pé, dessa vez ele
beija minha panturrilha. Seus lábios vão subindo, deixando um
rastro de beijos até minha coxa. Olhando para cima, encarando meu
rosto. Ele puxa o tecido da calcinha com os dentes. Vejo ela
deslizando, até estar no chão.
Seu rosto para em frente minha vagina, onde ele respira fundo,
inspirando meu cheiro. O que me deixa ainda mais excitada.
Ele fica de pé, com os olhos ainda fixos em mim, retira a camisa.
Aquele corpo, parecendo ter sido esculpido pelos Deuses, deixa
qualquer um babando – eu não disse por onde – Meu olhar
acompanha ele abrir o zíper da sua calça. Abaixando a calça com
sua cueca boxer preta junto.
Ele está duro como uma pedra.
Passo a língua pelos lábios ao me lembrar do gosto do seu pau na
minha boca.
Notando meu olhar, ele se aproxima, como um felino, sexy e
gostoso.
Não demora para minhas costas deitarem sobre o colchão.
Ele se afasta, apenas para pegar sua carteira. Retirando um
preservativo.
Fico observando ele abrir a embalagem, cobrir seu pau com o látex.
Em seguida volta, deitando seu corpo sobre o meu.
Ele beija minha boca, nesse momento sinto seu membro passando
na minha entrada. Miguel, fica passando ele por minha lubrificação.
O sinto abrindo caminho nos meus lábios vaginais, no começo é um
pouco dolorido e incomodo. Ele parece grande demais para mim. No
entanto, depois, conforme vou o sentindo cada vez mais profundo, a
sensação vai se tornando prazerosa.
Meu gemido se mistura com o dele, quando o sinto me preencher
por completo.
- Porra... – ele geme. – Estou te machucando?
Nego com a cabeça, estou sem condições de formular frases.
Ele começa a se movimentar. A dor vai desaparecendo, dando
espaço ao prazer.
A cama começa a ranger. Meus gemidos não consigo mais
controlar. Sinto o orgasmo me atingir com força. Meu corpo treme,
meu coração dispara. Ele continua se movimentar, até atingir o
próprio clímax.
Ainda com o corpo em cima de mim, ele toma meus lábios, em um
beijo carinhoso.
Estamos suados, o rosto dele vermelho de batom.
- Te amo. – Ele diz.
- Também amo você. – Respondo.
Ele levanta, começa a vestir a cueca.
O que me deixa tensa. Será que agora é o momento que ele diz,
que tudo acabou?
Vejo ele vestir a calça. Começo realmente a ficar preocupada. Puxo
o lençol, para cobrir minha nudez. Ele veste a camisa, tudo de
costas para mim.
Minhas mãos estão tremendo.
Ele passa os dedos sobre o cabelo, parece nervoso.
Miguel, pega seu celular, começa a mexer. E então o ambiente é
invadido por uma música. Reconheço nas primeiras melodias.
Snow Patrol – Chasing Cars
Noto ele respirar fundo antes de me encarar. E é aí que o choque
acontece, quando vejo em sua mão uma caixinha de veludo.
Arregalo os olhos, cubro minha boca com a mão.
Ele se aproxima.
“Nós faremos tudo isso sozinhos. Nós não precisamos de nada ou
de ninguém. Se eu deitasse aqui. Se eu apenas me deitasse aqui.
Você deitaria comigo?”
Nesse momento ele fica de joelhos, abre a caixinha, revelando um
anel de diamante.
Meu rosto está todo molhado, não consigo e nem quero controlar as
lágrimas.
E então ele continua.
“Eu não sei bem como dizer como me sinto. Aquelas três palavras
são ditas demais. Elas nãos são suficientes. Se eu deitasse aqui. Se
eu apenas me deitasse aqui.. Você deitaria comigo e apenas se
esqueceria do mundo?”
Seus olhos estão vermelhos.
- Dividi esse mundo louco comigo? Faça ser mais divertido, bonito e
apaixonante. Esqueça tudo. Esqueça quanto tempo temos, apenas
me dê sua mão e me guie ao seu lado. Caroline Costa, minha linda,
meu amor... aceita se casar comigo?
Começo a sacudir a cabeça freneticamente.
- Sim! Sim! – Jogo meu corpo sobre o dele. – Eu aceito!
- Deixa eu colocar o anel.
Começo a rir.
- Claro. – Estendo a mão, e o anel cabe perfeitamente. – Eu amei.
- E eu amo você.
Capítulo 23

Miguel Martinez
Madrid 2019

Se passou quatro meses, desde que Caroline raspou a cabeça. Ela


fez a última sessão de quimioterapia a alguns dias, agora o
tratamento consiste em uma terapia de suporte. Em breve ela irá
realizar mais exames, para saber o resultado das sessões de
quimio.
Hoje é o primeiro dia do ano. Estamos sentados na área da minha
fazenda. Com algumas pessoas. Meus primos, meus tios e tias,
Cinthia e meu pai. Por alguma razão que desconheço, minha mãe
não apareceu.
- Quero fazer um brinde. – Começa meu pai. Todos direcionamos a
atenção para ele. – Um brinde ao retorno da minha querida Caroline
a família, estou feliz em tê-la novamente conosco. Um brinde a
nossa família, que não é perfeita, temos nossas falhas, mas acima
de tudo nos amamos. E um brinde a nossa mama. Que está no céu,
olhando por todos nós. A família Martinez.
- A família. – Todos brindam.
Minha avó faleceu a seis anos atrás. Aos noventa e um anos. Antes
de morrer, ela pediu para procurar Caroline, e pedir perdão por tudo
o que eu havia lhe dito. Eu não quis ouvi-la. Minha avó sabia das
coisas, ela disse que minha mulher era boa e não merecia ser
humilhada como foi. Ela era a única que falava para mim ir atrás
dela. Os demais sempre demonstraram ódio por Caroline.
Ela está linda. Usando uma lace azul até a cintura. Suas
sobrancelhas foram bem desenhadas, nem se nota a perda. Ela
sorri ao conversar com a melhor amiga e com minha tia Martina.
Me pego sorrindo ao vê-la bem.
Os últimos meses não foram fáceis. Ela sentiu muitas dores, teve
duas convulsões, perdeu o equilíbrio várias vezes. Ficou internada
por duas semanas. Ir ao hospital é quase uma rotina.
Rotina que não me importo de seguir. Tudo que mais quero é vê-la
recuperada. O médico deu de seis meses a dois anos. Os seis
meses já se passaram. Está fazendo quase um ano que ela
descobriu a doença. Isso me dá esperança.
Sinto uma mão tocar meu ombro. Olho para o lado, e vejo meu pai.
- Ela vai ficar bem. – Ele diz.
Ultimamente escuto muito isso. Mas, para o meu pai não consigo
esconder, viro de costas para os demais. Encaro o rosto do meu pai
e deixo as lágrimas derramarem em meu rosto.
- Eu... não posso perdê-la de novo.
- Tenha fé, meu filho. – Ele aperta meu ombro. – Ela senti dores,
mesmo assim está sorrindo. – Diz olhando em direção de Caroline.
– Ela é forte.
Limpo as lágrimas.
- Ela é.
- Vá lavar o rosto. Volte para sua mulher com o seu melhor sorriso.
Se ela com todas as dores pode sorrir, você também pode.
Concordo com a cabeça.
Vou até o banheiro social. Jogo água no rosto, encaro meu reflexo
no espelho. Respiro fundo, repetidas vezes.
Escuto uma leve batida na porta.
- Já vou. – Passo a toalha no rosto.
Ao abrir a porta, encontro uma Caroline com o rosto úmido e olhos
avermelhados.
- Não gosto de te ver assim. – ela diz, com a voz embargada.
- Oh, meu amor. – A abraço.
Ela afunda o rosto no meu peito.
- Você precisa ser forte. Sinto que a qualquer momento pode ser o
último.
- Não fale isso. – Seguro as lágrimas que inundam meus olhos. – O
tratamento pode ter tido um efeito positivo, e ainda não acabou. O
Dr Amaro disse que ainda a chances de o tratamento ter tido bons
resultados. Se o tumor diminuir, você poderá passar pela cirurgia.
Logo tudo isso vai passar. – Não percebi que as lágrimas que tanto
segurava, saíram.
Ela se afasta, passa a mão em meu rosto, limpando a umidade que
ficou.
- Você ainda acredita em Deus? – ela pergunta.
- Sim. E é nele que deposito minhas esperanças.
- Vamos deixar ele fazer o que for melhor.
Concordo, discordando.
O melhor é ela ao meu lado, juntos recuperando o tempo que
perdemos longe.
Depois que todos foram embora, restaram apenas meus primos –
menos Juan, que foi levar Cinthia. – Caroline está dormindo, os
remédios a deixam sonolenta e cansada.
Estou servindo uma dose de whisky para nós.
- Eu estava esperando você voltar. – diz Henrico ao ver Juan
entrando.
Eles estão sérios.
- Aconteceu algo? – pergunto.
Juan e Henrico trocam olhares.
- Sabemos quem esteve aqui no dia que Guilhermo veio entregar os
documentos. – diz Juan.
- Não foi difícil descobrir, foi até fácil. Fomos atrás de um antigo
empregado da casa, que afirmou com toda certeza quem esteve
aqui. Ele lembra bem daquele dia, já que foi o dia que Caroline foi
embora. – Explica Henrico.
- Também conseguimos acesso as gravações de uma câmera de
segurança, daquele dia. Confirmando o que o empregado disse. –
Completou Juan.
É a minha vez e de Guilhermo de trocar olhares confusos.
- Quem porra? – grito com o coração acelerado.
Capítulo 24

Caroline Costa
Madrid 2008

Um ano e três meses de uma união maravilhosa. As vezes sinto que


estou em um sonho.
Miguel é um marido incrível. Um verdadeiro príncipe.
Nossa fazenda é linda, quando Miguel a comprou, ela estava caindo
aos pedaços. Lembro como se fosse hoje, quando estávamos
pintando os cômodos.
Ele quis que eu a deixasse do meu gosto. Optei em deixar tudo
neutro, nada extravagante.
Em um dia de compra para a escolhas dos móveis, vi um banco que
também era um balanço, de madeira rustica. Eu me apaixonei.
- Será nosso banco para a velhice. – disse.
Miguel riu, e claro que quis o banco tanto quanto eu. Hoje é nosso
cantinho, terminamos o dia, sentados olhando o céu e contando
como foi nosso dia.
Miguel começou a plantação de uva no nosso terreno. Ele quer
trazer sua vinícola aqui. Assim, passamos mais tempo juntos. Eu o
ajudo na parte administrativa, formamos uma bela dupla.
Infelizmente, recentemente recebi a visita dos meus pais.
Quando descobriram do meu casamento, deram um jeito de vir até
aqui. Queriam dinheiro. E para os afastar, Miguel deu uma boa
quantia da nossa poupança. Raramente eles ligam. Não para saber
como estou, mas para informar que em breve vão precisar de mais
dinheiro. É decepcionante, ter pais que não dão a mínima, que só
pensam em si próprios.
Hoje Miguel teve que ir até a vinícola.
Fica um pouco longe da nossa fazenda. É provável que ele chegue
aqui só ao anoitecer.
Estou na cozinha, fazendo uma receita brasileira que Miguel adora.
Bolo de fubá cremoso.
Quando estou retirando o bolo do forno, escuto alguém chamar.
Vou até a porta da sala, dou um largo sorriso ao reconhecer meu
amigo.
- Gui. – Digo ao abraçá-lo. Desde que descobri sua
homossexualidade, nos tornamos grandes amigos.
- Oi Carol. Sinto cheiro de bolo.
- Entre! – abro espaço para ele passar. – Bolo de fubá. Sei que você
gosta, em.
- Desta vez irei recusar. Vim aqui, apenas deixar esses documentos
para o meu primo. – Ele me mostra um envelope branco.
- É o que estou pensando?
- Sim. A licença, para finalmente inaugurar a vinícola aqui.
Começo a dar pulinhos de alegria.
- Agora você terá Miguel pertinho.
- Sim! – dou risada. – Espere ele. Logo ele está chegando. Essa
notícia é maravilhosa, ele está aguardando isso a um tempo.
- Irei aguardar.
- Quer beber algo?
- Um copo de água.
Vou até a cozinha, pego a jarra de vidro, coloco sobre o mármore do
balcão. Encho dois copos.
Entrego um para Guilhermo e bebo o outro.
- Mexer com comida me dá sede. – Digo. Vou até a pia e deixo o
copo sobre, quando vou retornar até Guilhermo, sinto tontura.
- Ei... você está bem?
Guilhermo coloca a mão em sua cabeça. Ele também não parece
bem.
Meu corpo fica dormente, sinto o impacto quando caio no chão. A
escuridão invade meus olhos.

Miguel Martinez
Estou na minha caminhonete, a caminho da fazenda, quando
recebo uma ligação da minha mãe.
- Oi mãe.
- Filho, tem como você vim aqui? Não estou me sentindo bem.
Paro o carro, estou próximo da fazenda. Mas fico preocupado com a
saúde da minha mãe.
- Estou indo.
Faço o retorno, de volta para a cidade.
Em trinta minutos estou na casa da minha mãe. Assim que chego, a
vejo sentada na varanda tomando chá.
- Como a senhora está? – pergunto.
- Melhor. Foi só um mal-estar.
- Quer ir ao médico?
- Não preciso de médico, só do meu amado filho. Seu pai está no
escritório. Como sempre. Só pensa em trabalho, como se já não
fossemos ricos o suficiente.
Acabo rindo do drama de dona Carmelita.
- Mãe, preciso ir. Caroline está fazendo bolo de fubá, é algo que
amo.
- Agora só a comida dela que é boa.
Respiro fundo, hoje minha mãe está se superando.
- Qualquer coisa é só ligar. – Beijo o topo de sua cabeça. Saio com
seus protestos dramáticos.
Quarenta minutos depois, chego na fazenda. Noto o carro do meu
primo, espero que ele traga boas notícias.
Guilhermo se formou em direito, juntamente com Santiago cuidam
da parte jurídica da família.
Entro em casa estranhando o silêncio.
- Amor? – grito. Vou até a cozinha, vejo o bolo no balcão. Dou um
sorriso, já sentindo o sabor na minha boca.
- Caroline? – grito no corredor.
Subo a escada, abro a porta do quarto... sinto meu mundo desabar.
No chão estão as roupas espalhadas, e sobre a cama... Caroline e
Guilhermo, enrolados no lençol.
- QUE PORRA É ESSA?
Guilhermo é o primeiro a acordar.
- O que aconteceu? – ele tem a ousadia de me perguntar.
E então seu olhar vai para o próprio corpo, depois para a mulher ao
seu lado.
- Que merda é essa? Miguel, não é o que... – ele não termina de
falar, interrompo com um soco em seu rosto.
A vadia acorda, me encarando com seu olhar doce que me enganou
todo esse tempo.
- Miguel... o que está acontecendo?
Puxo o lençol da cama.
- SUA PUTA! Vadia de merda!
- Não fale assim dela! – grita Guilhermo.
- Vocês dois me dão nojo.
Saio do quarto transtornado. Ligo para Ramirez. Alguém precisa vir
aqui ou irei matar esses dois.
Como ela pode?
Sento no chão da cozinha, com as mãos na cabeça.
Juan é o primeiro a chegar.
Ele e Guilhermo conversam na sala, escuto eles falarem de água.
- Ela te drogou.
- Pare de falar merda. – Grita o filho da puta.
Levanto irritado, possesso.
- Quero você longe daqui! E leve aquela puta com você.
Caroline desce a escada, teve a decência de se vestir.
- Miguel... me escute, por favor.
- Cale a sua maldita boca, não quero escutar sua voz. Você não
passa de uma vadia. Quero você longe daqui.
Ramirez e Henrico entra nesse momento.
- O que você fez com meu irmão. Caralho? – Grita Ramirez a
assustando.
- Eu... não.. – Ela coloca a mão na cabeça, corre para cima de novo.
- Vocês precisam ouvir o que aconteceu. Foi a água que bebemos.
- Ela pode ter colocado algo. – Comenta Henrico. – Mas com qual
objetivo?
- Eu não quero mais olhar na sua cara. Você morreu para mim. –
Grito para Guilhermo.
Ele não diz nada, se afasta, e vai até a cozinha.
- Tirem ela daqui. – Peço com o coração despedaçado.
- Vou levar ela. – diz Juan.
Caroline desce com apenas uma mala.
- Você não vai mesmo me ouvir? – ela pergunta parada na minha
frente. A encaro com ódio. – Adeus, Miguel.
Depois que eles saíram, coloquei fogo na cama, rasguei nossas
fotos que estavam espalhadas em porta retratos.
Por que ela fez isso comigo?
Por que ela tinha que destruir meu coração? Isso poderia ser
apenas um pesadelo. Quero acordar e ver que não foi real.
Irei odiar eles pelo resto da minha vida. É uma promessa!
Capítulo 25

Miguel Martinez
Madrid 2019

Estou encarando meus primos. Processando a informação, ainda


não consigo acreditar.
Mas aí vem os sinais que sempre estiveram na minha cara.
- Como deixei isso acontecer? – digo passando os dedos entre
meus cabelos.
- Eu sei que é difícil acreditar que a tia Carmelita possa ter feito algo
assim. – diz Juan.
- Minha própria mãe, eu só quero entender o que a levou a agir
assim. Caroline sempre foi doce e gentil com ela.
- E por que me envolver nisso? Miguel, precisamos de respostas. –
Guilhermo está nervoso, com razão.
- Vai contar para Carol? – pergunta Ramirez.
- Claro! Antes irei conversar com a minha mãe, quero ver ela tentar
se explicar. Caroline não pode ficar nervosa.
- Se você quiser ir agora, eu fico cuidando dela. – Comenta Henrico.
- Nós ficamos aqui esperando você voltar. – Diz Juan.
- É... preciso resolver isso imediatamente. Não iria conseguir dormir
sem entender essa merda toda. Guilhermo vai comigo?
- Sim. – Responde.
- Eu vou dirigindo, vocês não estão com cabeça para isso. –
Ramirez diz já pegando as chaves da minha mão. Não discordo,
estou completamente aéreo a tudo. Estou decepcionado com a
minha mãe.
Henrico e Juan, descobriram que ela esteve na fazenda, antes da
chegada de Guilhermo. Caroline não comentou comigo, foi tantas
humilhações, que deve nem ter passado pela cabeça dela a
maldade da mulher que me deu a vida.
Ramirez estaciona em frente à casa dos meus pais quarenta
minutos depois.
Desço, caminho a passos largos até a porta. Não bato, não anúncio
minha chegada. Sei que já passa das quatro da manhã, e é o
primeiro dia do ano. Foda-se. Eu quero respostas. Mas quando abro
a porta, sou surpreendido pela minha mãe ainda acordada, na
companhia dos pais de Caroline.
- Que merda está acontecendo aqui? – grito, assustando eles.
Minha mãe se aproxima.
- Filho, o que está fazendo aqui uma hora dessa?
Dou uma risada irônica.
- É sério que vai me perguntar isso? – passo a mão na cabeça,
bagunçando meu cabelo. – Espera... – algo começa a passar pela
minha cabeça. Antes de chegar na fazenda, minha mãe me ligou,
dizendo que não estava bem. Voltei para a cidade e a encontrei
tranquila degustando seu chá. Se minha mãe estava em sua casa
quando armaram para Caroline e Guilhermo, quem os colocou na
cama? Para carregar os dois, subir a escada, tem que ter sido duas
pessoas. Duas pessoas. Caralho... duas pessoas tranqueiras. Como
Fernando e Luciana Costa. Os pais que nunca se importaram com a
própria filha. Que extorquiram meu dinheiro, sem nem um pingo de
vergonha. Eles viviam ligando para querer mais.
- Cadê meu pai? – pergunto, porque me nego a acreditar que ele
possa ter participado disso.
Infelizmente tenho minha resposta, quando ele entra na sala, com
uma taça de vinho na mão. Ele me olha assustado. Como se tivesse
sido pego no flagra. E foi exatamente isso que aconteceu. Eu flagrei
meus pais na companhia dos meus sogros, planejando algo. Sim,
tenho certeza disso.
- Filho?
Guilhermo e Ramirez se aproximam. Guilhermo coloca a mão sobre
meu ombro.
- Irmão, mantenha a calma. Caroline precisa de você.
Ouvir o nome dela é como um calmante. Não tenho como eu estar
mais decepcionado.
- Vou dar a chance de vocês se explicarem.
Eles trocam olhares.
- Sua mãe só queria o melhor para você, filho.
- Filho? FILHO É O CARALHO. Não me chame assim. De todos,
você é o que mais me decepcionou. Eu não consigo entender.
Carmelita sempre foi transparente, quando o assunto era minha
mulher. Esses dois... – aponto para Fernando e Luciana. – São dois
lixos humanos, agora você... Porra, você sempre nos ajudou. Dizia
que gostava dela, me apoiou a comprar a fazenda. Hoje mesmo,
você fez um brinde. Caralho, que merda de universo paralelo é esse
que estou? Não pode ser. Meu pai, que sempre admirei.
Me assusto com a risada de Luciana.
- Você é ingênuo, garoto.
Encaro a mulher que lembra minha esposa mais velha. Pele negra,
cabelos pretos e lisos, bem curtinho. No entanto, seu olhar é de
pura maldade.
- Sou ingênuo?
- Seus pais são dois racistas de merda.
Ouvir aquilo foi como levar um soco. Encaro aqueles que me deram
a vida, e no momento sinto vergonha.
- Isso é verdade?
- Não podíamos deixar vocês terem um filho e mancharem o sangue
da nossa família.
- Filho, infelizmente Caroline já está no leito de morte. Não iremos
interferir em nada. – O homem que eu admirei a vida toda, que
chamava de meu herói. Não passa de um ser humano horrível.
Desvio o olhar, e encaro Guilhermo. Preciso do seu apoio, ou irei
cometer a maior loucura da minha vida.
- Abrirei um processo contra os quatro. – diz meu primo.
Carlos começa a rir.
- Você? A vergonha da família, acha mesmo que iriamos te envolver
sem o consentimento dos seus pais? – diz Carlos.
Guilhermo se altera, parte para cima de Carlos, com um soco
certeiro no queixo dele. Que cai no chão.
- FAMILIA DE MERDA. – Grita Guilhermo, que é contido por
Ramirez. – Filho da puta!
- Respeita a memória da sua avó.
- Ela sabia? Quem mais sabia? – pergunto.
Carmelita encara meu pai no chão, vendo que o melhor é dizer logo
a verdade... e então ela começa. Mas é interrompida por Carlos.
- Deixa que eu conto a ele.
Capítulo 26

Carlos Martinez
2008

Se existe algo nessa vida que prezo, é minha família. Minha mãe
soube como criar os filhos. Eu por ser o primogênito, me sinto
honrado por tudo que aprendi com ela. No entanto, meu pai Ramiro
Martinez, não foi um bom homem, ele tinha uma linha de
pensamento preconceituosa, e isso ele passou para os filhos. Cresci
com a crença que tudo que foge do padrão, ou seja diferente é
errado.
Quando meu único filho, Miguel, apareceu com a garota de pele
negra e brasileira, na hora senti raiva. Era como se ele quisesse nos
envergonhar ou sujar o nome da nossa família. Mas aí, eu a
conheci, e ela me lembrava alguém do passado. Meiga, gentil,
educada e carinhosa. Todas as vezes que eu me encontrava com
Caroline Costa, ela me fazia rir. O olhar que ela e meu filho trocam é
de paixão, como se um completasse o outro.
Até mesmo minha mãe se encantou pela garota.
- Não façam nada com a menina. – diz a matriarca da família.
Estamos reunidos em sua casa. Caroline é a pauta, juntamente com
meu sobrinho Guilhermo. Seu gosto por homens não é segredo para
nós.
Ramon parece levar numa boa, já sua esposa Laurinda está furiosa.
Estou quieto, observando eles discutirem.
Fui criado para odiar, mas no fundo não consigo. Sinto empatia pelo
próximo. Para ser honesto, já me apaixonei no passado. Betty. Uma
garota linda, americana. De pele negra e cabelos cumpridos.
Fantasiei várias vezes estar com ela. Tocar sua pele delicada.
Betty era filha do jardineiro. Quando aparecia em casa para ajudar
seu pai, eu inventava qualquer desculpa, só para estar em sua
presença.
Um dia, meu pai me flagrou a olhando encantado. Apanhei muito
naquela noite. Fiquei trancado no quarto por três dias.
Uma semana depois, meu noivado com Carmelita foi anunciado. Eu
tinha apenas quinze anos na época.
Hoje suporto minha esposa, até gosto de sua companhia. Mas
quando a conheci, a odiei. Era branca demais, lábios finos demais.
Tudo nela era o oposto do que me encantava em Betty.
Casamos e não demorou para ela engravidar.
Tinha vezes que até sua voz me irritava, isso me fez mergulhar no
trabalho, era a solução. Foi o que ajudou a me acostumar e aos
poucos ir criando um afeto por ela.
Rosemary, minha irmã está em discussão com Anthony. Meu irmão
não aceita essas merdas que nos foi ensinada.
Tanto ele quanto sua esposa, Martina são contra o preconceito que
gira em torno dessa família.
- Se meu filho gostar de homem, não irei interferir. Henrico pode
fazer o que o deixar feliz. – Grita Anthony.
- Espero que ele apareça com um homem negro. – Rosemary grita
do outro lado.
- Eu vou amar se isso acontecer. – respondeu Martina, visivelmente
irritada.
- Querida, vamos embora. Deixar essa família tóxica. – Anthony
pega a mão de sua esposa, sai batendo a porta.
No meu canto quieto, encaro minha mãe. Sinto que ela se cansou
de viver assim. Sinto a culpa em seu olhar, por ver que criou um
bando de idiotas.
Ela se levanta. Já de idade e cansada.
- Não façam nada, é o que peço. Ou vão viver se condenando como
eu. Sinto muito por ter sido tola ao ouvir Ramiro. Não sou a favor de
nada que sair daqui.
Ela se retira.
- Não vai dizer nada, Carlos? – pergunta Carmelita.
- Você deixou essa moça entrar na família, isso já foi longe demais.
Está esperando ela te dar um neto? – Minha irmã está me tirando do
sério.
Eu queria gritar “NÃO FAZEM NADA CONTRA ESSA GAROTA,
ELA NÃO MERECE”. Mas acabo fazendo o mesmo que minha mãe.
Fico de pé.
- Não me envolva nisso. – Digo antes de me retirar.
***
No fim, Carmelita pagou uma grande quantia aos pais da pobre
garota.
Planejaram tudo. Carmelita fez uma rápida visita na fazenda. Onde
colocou sonífero na jarra de água. Assim que preparou tudo, ela
saiu. Primeira parte concluída. Agora era aguardar Caroline beber a
água.
Depois que Carmelita chegou em casa, já comemorando. O telefone
tocou. Era Fernando Costa, informando que Guilhermo havia
chegado e os dois beberam água. Ambos estavam apagados no
chão da cozinha.
Carmelita ligou para Laurinda, ouvi elas comemorarem. Na cabeça
delas era um motivo para “concertar” Guilhermo.
Com o peso de Guilhermo, mais o de Caroline o tempo para levá-los
até o quarto e criar toda uma cena seria mais longo que o esperado.
O rapaz que foi contratado para dormir com Caroline, ajudou a
carregá-los. Carmelita ligou para nosso filho inventando uma
desculpa, enrolando e ganhando mais tempo.
Eu estava suando, me sentindo sufocado. Pego meu terno e deixo
Carmelita falando sozinha.
O flagra ocorreu como planejaram. Miguel brigou com o primo,
humilhou a garota, e agora todos diziam que foi Caroline que drogou
Guilhermo. Os pais dela receberam uma boa quantia para
simplesmente desaparecerem do mapa.
E eu vivi com a culpa, incapaz de me olhar no espelho.

2019

A garota que destruímos a vida, agora está morrendo. Me sinto o


pior ser humano da terra. Saber que a privei de dez anos felizes ao
lado do meu filho, me corroem por dentro.
Hoje é o primeiro dia do ano. Fiz um brinde de coração, queria gritar
que aquela garota não merecia passar por tudo que passou e está
passando, encorajei meu filho a ser forte ao lado dela.
Estou chegando em casa, quando abro a porta da sala, vejo aqueles
dois vermes, que não via a mais de dez anos.
- Fernando e Luciana? – pergunto.
- Eles querem mais dinheiro, ou vão contar o que aconteceu
naquele dia. – Carmelita é direta.
- Porra! – respiro fundo. – Resolva essa merda.
Me retiro, vou até a cozinha. Pego uma taça, a completo com vinho
branco. Quando escuto uma gritaria vindo da sala,
Vou em direção as vozes, e então vejo meu filho. O ódio em seu
olhar.
- Filho?
Começamos uma discussão. Depois de levar um soco do meu
sobrinho, Carmelita decide confessar. Mas a interrompi.
Conto tudo.
Sei que Carmelita também sente a culpa por seus atos. Por isso
quis contar quem são os envolvidos.
- MORRI PARA VOCÊS. – Grita Miguel. – ESQUEÇAM QUE EU
EXISTO. – Saí batendo a porta, seguido por Ramirez e Guilhermo.
Fico de pé, limpo a boca que saiu um pouco de sangue.
Encaro os pais de Caroline.
- Vocês não tem mais nada a ganhar aqui. É melhor irem embora,
ou chamarei a segurança.
Sabendo que a casa caiu, eles vão embora sem protestos.
- Por que disse aquelas coisas? Você nunca foi a favor de tudo que
fiz. – Pergunta Carmelita.
- Mesmo você sendo esse ser desprezível, não vou tirar minha culpa
nisso. Sou tão ruim quanto você, agora o nosso fim vai ser sozinhos.
Com a merda do preconceito e a amargura que nos envolve. Seja
bem vinda a realidade horrível que iremos viver de agora em diante.
Capítulo 27

Caroline Costa

2019

Quando Miguel me contou o que descobriu de sua família se unir


para nos separar, com a ajuda dos meus pais. Primeiro fiquei em
choque, sem reação. Mas depois que parei para analisar toda a
situação, Carmelita nunca gostou de mim. O espanto foi pelo senhor
Carlos. Ele sempre me tratou bem.
Saber que no fundo eu era indesejada por ele, machuca.
Passei duas horas, querendo chorar sem lágrimas. Querendo me
lamentar sem vontade.
Agora estou vivendo um dia por vez, a qualquer momento pode ser
o último. Por que passar meus últimos dias ou meses me
lamentando por pessoas ruins? Meus pais ao saberem da minha
doença, tiveram a capacidade de perguntar se já fiz meu
testamento. Isso me fez rir.
Eles foram assim a vida toda, não iriam mudar agora.
O importante são as pessoas a minha volta. Miguel, Cinthia, Juan,
Henrico, Guilhermo e Ramirez. Até mesmo Paola vem me visitar
com frequência.
Os pais de Henrico, Anthony e Martina, aparecem de vez em
quando. Vou me apegar ao carinho e afeto dessas pessoas ao meu
redor.
Não irei guardar rancor ou qualquer mágoa, isso não vai trazer os
dez anos que perdi longe de Miguel, o amor da minha vida. Ou o
tempo que fiquei morando em um barraco de madeira. Mesmo com
tudo para dar errado, eu era feliz. Sempre vivi um dia de cada vez.
Não vai ser agora que será diferente.
Todos ficaram preocupados em como eu iria reagir. O medo de que
eu passasse mal era visível em seus rostos.
Acabei os surpreendendo. Ao não ter nenhuma reação.
Neste momento estou sentada no tapete da sala, com a cabeça no
colo de Miguel. Não estou usando lace ou lenço. Estou com minha
careca amostra. Isso não me incomoda, aprendi a gostar dela.
- Está pensativa. – Diz Miguel acariciando meu rosto.
- Só agradecendo. – Dou um sorriso, levanto meu corpo ficando
sentada. – Amor, o que acha de viajarmos? – pergunto empolgada.
- E onde você quer ir?
Mordo o lábio inferior.
- Essa sua cara... o que quer aprontar?
- Uma viagem sobre rodas. Eu e você.
Ele me encara sério por alguns segundos, penso até que ele não
tenha gostado... mas logo ele abre aquele sorriso perfeito
mostrando todos os seus dentes.
- O que você quiser, meu amor. Vamos amanhã mesmo alugar um
motorhome. Com cama e tudo mais que vamos precisar. Partiremos
quando você desejar.
- Daqui a dois dias?
Ele ri.
- Será daqui dois dias então.
Abraço ele, respiro fundo. Esse momento sim me dá vontade de
chorar.
E se for nossa última aventura juntos?
Ao amanhecer, a primeira coisa que fiz, foi falar com o Dr Amaro.
Ele entendeu que é algo importante para mim. Antes de ir, preciso
fazer alguns exames. Hoje mesmo.
Os medicamentos serão os mesmo que já venho tomando a um
tempo.
Miguel foi alugar o motorhome, estou na companhia de Cinthia,
Juan e Ramirez.
Faço vários exames de sangue e uma ressonância magnética.
Saindo do hospital, fomos ao encontro de Miguel na concessionária.
Vejo um motorhome da cor preta. Meu sorriso se torna um riso.
Preto é minha cor favorita.
O interior é lindo, e confortável. É como estar em uma mini casa.
Havia uma pequena pia do lado direito, e um cooktop, com armários
embutidos. Do lado esquerdo um sofá branco, com almofadas. Todo
empolgado Miguel quis mostrar como o sofá se tornava uma cama
de casal, ocupando quase todo o espaço. Ao fundo uma porta
estreita, onde fica o banheiro.
- O que achou? – ele pergunta cheio de expectativas.
- Estou apaixonada. É melhor do que eu havia pensado.
O envolvo em um abraço. – Te amo, príncipe.
- Também amo você, princesa.
Saímos da concessionária já no nosso motorhome.
- É bem confortável aqui. – Comento.
- Sim, quis o melhor que tinham. Por sorte encontrei na sua cor
favorita.
- Precisamos ver no mapa onde iremos passar e nossas paradas.
Quero um tour pela Espanha.
- Já até comprei um mapa.
- Sabe que existe GPS?
- GPS não tem graça. Vamos ter aquela emoção de parar, olhar o
mapa e no fim descobrir que não sabemos ver mapa e estamos
perdidos.
Dou uma gargalhada.
- Essa é a experiencia que quero adquirir.
- Fez os exames?
- Sim. Ficaram prontos em alguns dias.
Ele estende a mão segura a minha.
- Sabe, que pode ter uma boa notícia?
- Sim... não quero pensar nisso agora. Vamos apenas viver.
- Até o fim.
- Até o fim.
Capítulo 28

Miguel Martinez
Estamos a três dias na estrada. Já passamos por Saragoça, Borja,
Sória, paramos em Burgos.
Onde fizemos uma caminhada pela cidade e pontos históricos.
Fomos a um restaurante cinco estrelas. Na hora de pedir o vinho, vi
um dos meus no catálogo. Isso me fez sorrir. Claro que pedimos. O
ponto principal da noite foi sentar na praça com Caroline, e ficar
observando as pessoas.
Neste momento estamos em Santander, nossa parada desde
Burgos.
Em três dias de estrada nos perdemos duas vezes, Caroline usou
todo seu charme para pedir informações para algum carro que
parasse.
Parar em Santander não estava nos planos, mas ao passar pela
baia e ver a bela paisagem, que parecia ter sido pintada a mão. Não
resistimos.
Estamos sentados na grama, olhando o nascer do sol. Caroline está
no meio das minhas pernas com a cabeça apoiada em meu peito.
Enrolados em uma manta.
- Gostei daqui. – diz olhando o mar a nossa frente. - Foi legal todas
as cidades que passamos. Por mais próximas que elas ficam de
Madrid, nunca havia visitado. Algumas nunca ouvi o nome. Achei
todas encantadoras.
- Acredite, mas eu que sou um legitimo espanhol também não
conhecia aquelas cidades. Já tinha escutado falar, mas nunca parei
para visitar.
- A ideia do mapa foi genial.
Beijo o topo de sua cabeça. Somos interrompidos pelo toque de seu
celular.
Ela se ajeita, pega o aparelho.
- É o Dr Amaro. – Ela me olha assustada. – Você atende?
Concordo com a cabeça.
Ela estende o aparelho. Respiro fundo antes de colocar o aparelho
no ouvido.
- Sra Martinez?
- É o Miguel.
- Ah, Miguel. Tenho notícias.
Encaro Caroline que me encara de volta. Meu coração está
acelerado.
- Os exames ficaram prontos... e por mais impossível que possa
aparecer, porque existe coisas que até mesmo nós médicos nos
surpreendemos. A ressonância mostrou que o tumor diminuiu, ele
está o tamanho certo para realizarmos novamente uma cirurgia.
Sinto que vou ter um infarto.
- Quando? Quando ela pode operar?
- Preciso que retornem imediatamente.
- Estamos em Santander, em quatro horas estaremos aí.
- Irei preparar tudo para a chegada de Caroline.
Assim que encerro a ligação, olho o rosto da mulher da minha vida.
- Cirurgia... você disse cirurgia?
- O tumor teve uma redução no tamanho. O tamanho certo para
retirá-lo.
Ela coloca as duas mão sobre a boca.
Fico de pé e a ajudo levantar.
- Vamos.
- Agora?
- Agora!
Capítulo 29

Caroline Costa

Chegamos no hospital quase cinco horas depois. Na entrada


encontramos Cinthia, Guilhermo, Juan, Henrico e Ramirez.
Miguel ligou para eles, dando a notícia.
Cinthia corre em minha direção, me abraçando.
Caminhamos para dentro do hospital, tentaram impedir que eles
entrassem até o quarto comigo, mas foi impossível.
No quarto, fui até o banheiro, com ajuda de uma enfermeira. Me
preparar. Depois deitei na cama, aguardando o médico.
Quando Dr Amaro entrou no quarto, levou um susto com a
quantidade de pessoas a minha volta, mas em seguida sorriu.
- Você é bem querida.
- Sim! – Concordo com um sorriso no rosto.
Ele começa a mostrar os exames, e falar sobre a cirurgia. Todos
prestamos bastante atenção.
- Como se trata de uma cirurgia cerebral, a riscos.
- Que tipos de riscos? – pergunta Cinthia.
- Pode ter sequelas, perda dos movimentos, fala, audição. E... óbito.
Nesse momento todos ficam assustado. Eu e Miguel sabemos dos
riscos. Dr Amaro sempre nos informou.
Ele termina de explicar e tirar as dúvidas de todos. Sai do quarto
para que eu possa me despedir.
Cinthia é a primeira. Que está chorando muito.
Ela me abraça.
- Te amo, muito. Você é minha melhor amiga. – diz.
- Obrigada por tudo, por estar sempre ao meu lado. Você é minha
família. Te amo.
Ela se afasta, dando lugar para Guilhermo.
- Vamos estar aqui, quando você sair daquela sala.
- É com isso que estou contando.
Juan se aproxima.
- Vai dar tudo certo, pequena. – Ele beija minha testa.
- Vai sim.
Abraço Henrico.
- Vamos estar em oração.
- Obrigada.
Quando vou abraçar Ramirez, ele está em prantos.
- Você tem que voltar... me perdoa por tudo que essa minha boca
disse. Você é incrível.
- Ei... pare, quero ver o meu top cinco rindo.
Ele ri.
- Você sabe que essa votação não valeu.
Ele beija minha testa.
- Volta ou o Miguel vai pirar.
Dou um sorriso.
- Voltarei.
Seguro a mão de Miguel, ele está quieto e sua mão gelada. Todos
saem para nos dar um momento a sós.
Ele me encara, com os olhos vermelhos. Sim, eu estou com medo,
com medo de não voltar. De daqui em diante ser minha partida
dessa vida. De nunca mais ver as pessoas que amo, principalmente
aquele que fizeram de tudo para tirar de mim. Quero chorar, gritar.
Mas em vez disso dou o meu melhor sorriso.
Se talvez essa seja a última vez que ele me vê, que seja o meu
sorriso.
Ele passa a mão no meu rosto, encosta sua testa na minha.
Começa a cantar baixinho com a voz embargada.
“Esqueça o que nos foi dito. Antes de nos tornarmos muito velhos.

Me mostre um jardim que esteja explodindo em vida. Vamos perder

tempo perseguindo carros ao redor das nossas cabeças. Eu preciso

da sua graça. Para me lembrar. Para encontrar a mim mesmo. Se

eu deitasse aqui. Se eu apenas me deitasse aqui. Você deitaria

comigo e simplesmente esqueceria o mundo?”


Epílogo

Miguel Martinez
15 ANOS DEPOIS

Estou sentado no banco que mais parece um balanço, mas que se


tornou meu canto preferido na fazenda.
Hoje está um tempo nublado, quando o tempo fica assim eu me
lembro do passado. Onde eu conheci uma brasileira linda, que se
tornou o amor da minha vida.
Me apaixonei quando trombei com a garota de cabelo curto e olhos
de jaboticabas.
Se eu fechar os olhos, consigo imaginar aquela cena. O nosso
primeiro beijo, nossa primeira vez.
Acabo rindo ao me lembrar das loucuras que fizemos.
Respiro fundo, encaro o motorhome, que acabei comprando. Não
dava para devolver algo cheio de recordações.
As viagens que fizemos, os lugares que conhecemos. Mesmo frágil
e com dores, ela sempre estava sorrindo.
A porta da sala se abre.
- Papai, a mamãe está te chamando para comer. – disse minha filha
mais velha, Isabelle. Hoje com seus dez anos.
Ah, esqueci de mencionar que sou pai de três lindas garotas.
Isabelle, Sophia e Valentina.
Eu que cresci rodeado de marmanjos, deixei a família mais
feminina.
Não voltei a conversar com meus pais. Eu os perdoei, mas conviver
é algo que evito.
Meus primos, os vejo quase todos os dias. Alguns constituíram suas
famílias, outros ainda estão na farra. Todos são apaixonados pelas
minhas filhas. Morrem de ciúmes. Isabelle disse que tinha
namorado, nós cinco fomos até sua escola, confrontar o garoto. Mas
quando vimos, o que ela quis dizer com “namorado” acabamos
rindo. Eles basicamente fazem lição de casa juntos. E para ela isso
já é um relacionamento bem sério.
Levanto quando Sophia de seis anos vem me chamar.
- Mamãe disse que vai comer tudo.
A pego em meus braços.
- É melhor eu ir agora, antes que ela coma tudo.
Ao entrar sinto o cheiro que me faz sorrir. Bolo de fubá cremoso.
Abraço minha esposa, a mulher da minha vida. A dona do meu
coração. Beijo seu cabelo curto, que me permite ter uma bela visão
de sua nuca.
- Se demorasse mais um pouco iriamos comer sem você. – diz
Caroline.
Sentamos em volta da mesa.
Caroline ajuda Valentina a comer. Ela tem um ano.
Falam que as três parecem índias. Pela mistura que ficou, pele
morena, cabelos lisos e pretos, todas com olhos pretos como
jaboticabas.
Minhas meninas.
Não foi fácil a recuperação de Caroline, depois da cirurgia. Mas ela
foi forte, e venceu mais um obstáculo.
Ela me encara com um sorriso no rosto do outro lado da mesa.
- Te amo. – Ela diz.
- Até o fim.
FIM

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