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A EXISTENCIA DO TEMPO EM RELAÇÃO AO HOMEM EM


AGOSTINHO DE HIPONA E HENRI BERGSON

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Gabriel Anthunes Silva Barros
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Wesley Fernandes Fonseca

Resumo: O homem está inserido em uma dinâmica de constante mudança, em que lhe parece
tão inevitável e natural ao ponto de não a perceber completamente e definir diretamente o que
pode ser esse fator que o rodeia. O interesse do seguinte artigo é investigar o que é essa dinâmica
e como é possível que o intelecto humano também realize alterações nesse fator. A leitura de
Agostinho, filósofo da patrística latina, e de Henri Bergson, representante da corrente do
vitalismo, é a base para a resposta da seguinte problemática por meio da contraposição das duas
teorias formuladas por ambos a respeito do assunto.

Palavras-chave: Tempo. Ser humano. Ontológico.

Abstract: Man is inserted in a dynamic of constant change, in which it seems so inevitable and
natural to him that he does not fully perceive it and directly define what this factor that
surrounds him can be. The interest of the following article is to investigate what this dynamic
is and how it is possible for the human intellect to also make changes in this factor. The reading
of Augustine, a philosopher of Latin patristics, and Henri Bergson, representative of the current
of vitalism, is the basis for the answer to the following problem through the opposition of the
two theories formulated by both on the subject

Keywords: Time. Human. Ontological.

INTRODUÇÃO

A realidade na qual se insere o ser humano é dotada de inúmeros elementos que a


constitui. Dentre eles se encontra um de especial singularidade: o tempo. Este atributo curioso
é comum aos olhos de todos, já que desde a antiguidade são feitas mensuras do passar dos dias,
horas, minutos, instantes. No entanto, a questão levantada busca encontrar o que é contabilizado
nos relógios. Nesse momento, distingue-se o que é compreendido do conceito. No presente
artigo, não se analisou uma compreensão meramente numérica e antropológica da dinâmica

1- Aluno de graduação em Filosofia do IAF


2- Doutor em Ciências pela UNIFAL-MG e docente de Filosofia do IAF, Campus Franca-
SP. E-mail: wesley.fernandes.fonseca@uol.com.br
temporal, mas sim verificou-se há nesse objeto algum valor ontológico – algo que existe em si
e por si, sendo objetivo e realmente algo que existe independente de outro ser.
Adentrando nas questões a respeito do tema, é possível observar tanto o homem como
qualquer outro corpo em uma dinâmica de mutabilidade. Essa afirmação não passa de uma
simplificação do processo de mudança da qual todo ser é passível. O homem, mais
especificamente, pode chegar a essa conclusão ao olhar para si e seus semelhantes.
Desde que um indivíduo nasce, ou até mesmo é concebido, passa por etapas de formação
que perduram até o momento de sua morte. A criança será um adolescente, o qual será um
adulto que se tornará um idoso e isso não pode ser parado pela ação humana. Desta forma, vão
sendo vividas inúmeras experiências que se sucedem sem que seja previsto inteiramente pela
pessoa que os vive, revelando, desta forma, que há algo que a faz com que seu organismo passe
por uma maturação. Dentre isso, o próprio aprendizado se apresenta como um subordinado,
porque, quando se aprende ou ensina algo, o ato em questão se caracteriza pela sucessão de
momentos. A filosofia, ainda mais, tem por necessidade esse período de investigação e
exercício do intelecto em um contexto de demorar-se diante de um objeto de estudo.
É imprescindível saber o que está por detrás desses atos. Sem dúvida, não é incorreto
dizer que isso seja o tempo agindo na realidade. No entanto, a dificuldade de um pensamento
corriqueiro é definir o que realmente é isso. “De fato, o que é o tempo? Quem poderia explica-
lo fácil e brevemente? Quem o compreenderá para expressá-lo em palavras, na fala ou no
pensamento? ” (AGOSTINHO, 2017, p. 318), questiona Agostinho ao deparar-se com esse
fenômeno.
Há, portanto, algo que muda o ser humano. Há uma espécie de “devir”, ou seja, um
movimento contínuo dos seres que compõem o mundo, tal qual afirmava o filósofo pré-
socrático Heráclito de Éfeso (REALLE, 1990, 35-36) “Não se pode descer duas vezes o mesmo
rio e não se pode tocar duas vezes uma substância mortal no mesmo estado, pois, por causa da
impetuosidade e da velocidade da mudança, ela se dispersa e se reúne, vai e vem”. E o homem,
o qual aparenta estar à mercê desse movimento, não se contenta em vive-lo passivamente. Ele
vive e compreende todos esses instantes aplicando a eles certa mutabilidade de acordo com sua
vontade.
É possível concluir que, igualmente, o homem aplica a mesma mutabilidade à ação
temporal e é evidente que isso ocorra. Dependendo do nível de satisfação com um determinado

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acontecimento que passa, o intelecto pode viver aqueles instantes passando mais depressa ou
devagar.
Ao analisar a própria tripartição do tempo em passado, presente e futuro, a probabilidade
de que haja realmente uma influência subjetiva no tempo ganha maior embasamento. Quanto a
isso, Agostinho indaga: “passado e futuro, em que sentido eles são, se o passado não é mais, e
o futuro ainda não é? Mas o presente, se fosse sempre presente e não se tornasse passado, não
seria presente, e sim eternidade”. (AGOSTINHO, 2017, p. 319). Com isso, a natureza dessa
divisão é clarificada. O passado já não existe por ter passado e o futuro não ocorreu, sendo
impossível que ainda exista. Logo, o intelecto pode ser quem os sustenta. O presente, por outro
lado, não permanece.
A filosofia tem por afã investigar a realidade em prol de compreendê-la. Portanto, a
pesquisa realizada contribuirá para que haja uma melhor compreensão desse elemento tão
fundamental do contexto em que se encontra o ser humano, a temporalidade. Ao saber o que
realmente sustenta sua existência, pode-se desenvolver melhores estudos a respeito do tema e
do próprio ser humano, consequentemente.
Tendo em vista esses dois paradigmas opostos – o tempo movendo e mudando o homem
a todo momento e ele aplicando, reciprocamente, uma mutabilidade na forma como ele age – o
trabalho presente apresenta ao leitor qual dos dois sujeitos é quem sustenta essa relação e valida
se o tempo possui natureza ontológica. Isso se fez possível a partir da leitura de dois importantes
filósofos que contribuíram para a temática: Santo Agostinho e Henri Bergson. A interpretação
da obra de ambos foi o que possibilitou que fosse desenvolvida a hipótese que foi alvo dos
testes.
Quanto a ela, o que afirma é que o objeto do qual foi desenvolvida a pesquisa possui em
si natureza ontológica, mas não da forma como naturalmente se atribuiria. O primeiro ponto a
ser discutido é a compreensão da temporalidade como apenas aquilo que o ser humano vive e
experimenta no presente, já que o que seria reconhecido como passado e futuro são apenas
produtos do intelecto humano, compreendidos por Agostinho como uma distensão da alma e,
por Bergson, como uma mensuração qualitativa do que seria a duração de um acontecimento.
Desta forma, há igualmente partes do objeto de estudo que são subjetivas ao ser humano, o que
é o segundo ponto de compreensão. O tempo será bipartido naquilo que realmente é e aquilo
que o indivíduo apreende dele.

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As conclusões desenvolvidas têm por base a leitura das obras dos filósofos supracitados,
além de seus determinados comentaristas e, consequentemente, a interpretação das mesmas
levando em conta o contexto que estavam inseridos e suas motivações para desenvolverem suas
teorias. As obras bases dos dois autores usados são o livro XI das confissões, na parte de
Agostinho, e a Evolução Criadora, na de Bergson.
O método de associação dos dois pensamentos a fim de desenvolver o que foi formulado
é o da dialética, em que são expostos os dois pensamentos, um como uma tese inicial e o outro
na posição de uma antítese opondo a afirmativa primordial; tal processo deu origem à afirmação
hipotética que foi exposta anteriormente.

1 A TRIPARTIÇÃO DO TEMPO PARA AGOSTINHO

O pensamento Agostiniano pode ser tido na história da Filosofia como um verdadeiro


marco para o desenvolvimento de uma resposta para o problema do tempo e qual sua relação
com o homem. Esse destaque se dá de forma mais intensa ao considerar que o ilustre tratado
do tempo, contido no XI livro das confissões, foi o primeiro a oferecer ao mundo uma análise
que considerasse a subjetividade do indivíduo na compreensão da natureza temporal.
Antes de apresentar realmente o que diz o autor a respeito do tema, é válido considerar
o que o motivou realizar as posteriores reflexões filosóficas.
No referido livro, o interesse era interpretar o que viria a ser o significado da narrativa
inicial da criação, a qual descreve como foram as primeiras ações divinas para ao criar a
realidade. Os maniqueus – seita cristã contemporânea do pensador, da qual havia sido membro
– faziam, no entanto, a indagação do que faria Deus antes do momento em fizera a criação.
Para responder tal problemática, são levantados os conceitos de eternidade – própria
de Deus para Agostinho – e tempo – algo referente às criaturas que participam da realidade
criada, da qual participa também o homem.
É reconhecido na obra a mutabilidade própria da criação, como é afirmado pelo autor:
“Aqui estão o céu e a terra, eles declaram que foram feitos: mudam e variam, enquanto naquilo
que não foi feito, mas é, nada há que não fosse antes, quer dizer, que mude e varie”.
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(AGOSTINHO, 2017, p. 310). Com isso, é sustentada, inicialmente, uma determinada
existência ontológica do tempo que age na criação a tornando alvo de mudanças em sua
constituição e também se torna compreensível que não é defendida completamente a
existência da temporalidade na subjetividade.
O pensamento avança, no entanto, ao ser analisada a habitual tripartição realizada desde
a antiguidade do tempo em passado presente e futuro. A investigação é iniciada ao ser proposta
a seguinte indagação:

Logo, aqueles dois tempos, passado e futuro, em que sentido eles são, se o passado não
é mais, e o futuro ainda não é? Mas o presente, se fosse sempre presente e não se
tornasse passado, não seria presente, e sim eternidade (AGOSTINHO, 2017, p. 319).

Nesse momento, é posta à prova a validade da existência dos dois tempos dos quais
Agostinho analisa.
A começar pelo passado, é concluído que ele depende de um fator determinante para
subsistir: a memória. Este componente humano realiza, para o autor, o registro das
experiências vividas. Esse processo de compreensão de realidade é tido como imprescindível
para a relação com o mundo, pois, para que realmente conheça algo, é necessário ou ter contato
com a coisa material ou informar-se com o verbo interior que rege a inteligência humana,
segundo o pensamento agostiniano. Ele firma que:

Não aprendemos as palavras que conhecemos, nem podemos afirmar que tenhamos
aprendido as que não conhecemos, a não ser depois de percebermos o seu significado,
o que não ocorre pelo fato de ouvirmos as vozes proferidas, e sim pelo conhecimento
das coisas significadas” (AGOSTINHO, 2017, p. 194).

Desta forma, pode-se sustentar que, para que o ser humano tenha em si a ideia de um
tempo que passou em seu intelecto, precisou ter contato com algo que o impactou, o qual
causou a imagem mental da qual diz o autor no caso descrito. Nele, mais especificamente, se
dirige não exatamente à ideia de tempo diretamente como o faz no trecho das confissões no
qual se sustenta a pesquisa, mas revela com ele o que é o processo de “tradução” vivido pelo
ser humano ao gerar uma compreensão do contexto que participa realizada por sua
sensibilidade.

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O passado, não existe, senão na mente humana por meio das lembranças que foram
descritas. Para o pensamento do autor, portanto, não haveria como ele existir em si mesmo,
pois já teria passado e, assim, não é.
O “outro tempo”, o futuro, também seria inconsistente para se afirmar que ele possua
esse valor existencial. A dúvida que sustenta essa compreensão é a consideração da própria
forma como ele se desenvolve. Diz-se um futuro tudo aquilo que ainda não veio a acontecer.
Essa análise feita na obra revela que esse tempo não pode existir fora do intelecto,
pois, por si, ele já indica que é algo que virá a existir e que depende das conjecturas do ser
humano que, analisando a realidade, pressupõe como pode ser que se sucedam os
acontecimentos.
Esse caso é exemplificado pelo ato de cantar ou ouvir uma canção dito pelo autor.
Nele se pressupõe os versos posteriores pelo conhecimento da letra, o que leva o sujeito a ir
criando em sua mente o que serão as cenas futuras, que, no entanto, podem ou não se suceder
da forma como está concluindo.
O último constituinte a ser observado é o presente, o qual é tido como algo sem extensão,
como é afirmado quando Agostinho se propõe a encontrar um referencial para determina-lo. Se
se considera cem anos como o sendo, enquanto o sujeito “estiver no primeiro ano deles, este é
o presente, mas noventa e nove são futuros, logo não são ainda”. (AGOSTINHO, 2017, p. 320).
Da perspectiva de um ano, o mesmo acontece ao se considerar os meses, os quais sofrem do
mesmo caso por conta dos dias.
A conclusão que chega é que “Os tempos são três, passado, presente e futuro, mas talvez
se devesse dizer propriamente: os tempos são três, o presente do passado, o presente do presente
e o presente do futuro”. (AGOSTINHO, 2017, p. 324). Desta forma, todos os tempos se
encontram unidos no momento presente vivido pelo indivíduo, por mais que seja infinitamente
divisível na alma ao tentar compreendê-lo, pois é esse o único que se tem clara certeza de que
se vive.
Nesse ponto do tratado do tempo agostiniano, a questão que se leva em conta é como
é realizada a mensuração do tempo se os dois tempos que subsistem na alma não existem e o
presente não possui extensão, tal qual já foi exposto.
Dessa forma, o que o autor compreende do problema é que a forma como se entende o
tempo comumente é um movimento da alma, a qual considerando essa visão, mede o tempo em

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si por meio do processo de distensão. Nele são desenvolvidos movimentos ao passado e ao
futuro para trazê-los ao presente ou o momento no qual se vive para que se possa medi-lo.
Esse processo – a distentio –se trata de uma medida extensiva que não se dá no material
como expressa no verbete a respeito do tempo da enciclopédia a respeito do pensamento
agostiniano:

Originalmente, distensão tem uma referência física, mas seu sentido físico primário
não impede de ser concebido psiquicamente para apreender a natureza do tempo,
como o uso original de quantidade para significar grandeza não nos impede de falar
da quantidade ou poder espiritual que a alma manifesta (FITZGERALD, 2019, p.
912).

Desta forma, entende-se que o movimento do qual o autor diz se trata de uma tradução
do que seria um processo que ocorre no mundo material quando se tenta definir a extensão de
algo. O objeto considerado é, no entanto, uma decorrência de uma produção intelectual.
A teoria Agostiniana oferece ao mundo, como foi dito inicialmente, um convite para
a consideração do sujeito como real participante na relação com o tempo, o qual possui
importância para sustentar a existência de partes determinantes do objeto do qual se
desenvolveu a presente pesquisa. O indivíduo imprime uma influência no tempo que apreende
pela mente.
A questão que fica em aberto, no entanto, é entender o que pode ser o tempo em si,
pois Agostinho aparenta mudar suas dúvidas a fim de não mais entender o que é o foco de
suas indagações, mas como o ser humano mede o tempo. Resta saber, logo, o que é o tempo
presente que o autor acusa como sendo o que existe embora não tenha extensão.

2 BERGSON E OS INTERVALOS TEMPORAIS

Localizado em um contexto de guerra e mudanças profundas na sociedade, o filósofo


francês trouxe com seu pensamento uma nova compreensão de tempo para a filosofia no geral.
Bergson viveu em um período de transformação no método de como era enxergada a
realidade, sendo o advento do método científico o motivo desse processo. Desta forma, todo o
conhecimento que se era produzido só era tido como eficaz se atendesse aos critérios que a

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ciência estabelecia naquele momento. Diz Germano Passoello: “tal foi à repercussão gerada
pelo progresso ao seu redor, que a filosofia, na figura de seus pensadores, passou a procurar no
método utilizado pelas ciências uma fórmula para atingir igual sucesso” (PASSOELLO, 2021,
p. 15). Com isso, o cenário que se estabeleceu foi de um pensamento filosófico completamente
empedrado e limitado ao que era possível se ser comprovado e medido fisicamente.
Não foi diferente para a ideia de tempo, a qual passou a ser limitada a algo absoluto tal
qual prevê a teoria newtoniana, desconsiderando o que poderia ser algo de cunho metafísico. O
objeto de estudo se tornou prisioneiro do mecanicismo.
Tal efeito gerado é então criticado veementemente pelo autor e sua motivação para a
criação de uma nova teoria que fugisse dos moldes até então estabelecidos.
Observa que “a nossa liberdade cria pelos próprios movimentos com que se afirma, os
hábitos nascentes que virão asfixiá-las se não se renovar graças a um esforço constante: o
automatismo espreita-a” (BERGSON, 2010, p. 145). Com isso, compreende-se que a razão
humana, ao se deparar com os movimentos, cria em si, por influência do mecanismo no qual se
insere, previsões por conta de uma subordinação que realiza do tempo em relação a si. Por um
lado, é possível enxergar nessa situação uma associação errônea do tempo e do espaço.
Com isso se pode concluir que os seres – tanto a partir dos movimentos que realizam
enquanto estão em sua própria dinâmica material, como também pela apreensão do que
experimentam e do impacto que esse processo realiza – fazem com que ou o tempo exista
somente em suas mentes por meio das conclusões que realizam ou que ele seja sustentado por
convenções tal qual são as estruturas que quantificam o tempo que passa.
Bergson propõe, diante disso, um verdadeiro resgate da metafísica, começando pela
dissociação do tempo da ideia de algo que se subordina a medidas quantitativas, tal qual se faz
na realidade material. O autor enfrenta dois extremos: um que enquadra a temporalidade como
algo inteiramente subjetivo e outro que o faz ser uma estrutura absoluta no mundo.
O autor afirma que “a inteligência é caracterizada pelo poder indefinido de decompor
de acordo seja com que lei for e de recompor seja em que sistema for” (BERGSON, 2010, p.
176). Portanto, seja na própria capacidade de criação de coisas seja na interpretação da
realidade, o homem tem em si uma alta capacidade de transformação. Assim, não é correto
afirmar que se deva atribuir a conceitos mais complexos e quase imperceptíveis como o tempo
a mesma rigidez com que se aplicaria a algo corpóreo. Desta maneira, é necessário entender

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esse fator de um ponto de vista qualitativo. Confirma isso o comentador ao dizer que “é
precisamente neste equívoco de interpretação, quando trocamos duração por extensão, e
buscamos nas condições de análise desta última as formas de tocar o absoluto, que toda a
metafísica fracassa” (PASSOELLO, 2021, p. 23).
Discordando de Agostinho que via a distensão como a solução da mensuração temporal,
o filósofo francês entende que o ponto de extensivo dela não é o correto para que se chegue a
um verdadeiro encontro com a natureza temporal.
A duração, em Bergson, diz respeito à inteligência humana que, ao estar liberta de
qualquer pressuposto mecanicista, apreende os muitos instantes dos quais se formam a
realidade. Nisso, Bergson ousou muito mais que o filósofo anterior em encontrar com o que, de
fato, é o objeto do qual se propõe a entender. Ele afirma que o tempo é composto de intervalos
que, para a inteligência, são tão semelhantes entre si que não se torna possível a diferenciação
imediata entre eles, os quais dão origem à duração, que não se trata de somente uma transcrição
de uma medida material para algo não material, mas uma medida própria para esse fator.
Assim, o que se compreende é que o tempo em si, para o autor tem em si uma existência
em si mesmo, a qual não se resume nas medidas desenvolvidas pelo ser humano durante os
séculos, mas sim algo que tem sua existência garantida pela pelo impulso vital que dá ao ser
humano e todos os seres a vida.

3 RELAÇÕES ENTRE AGOSTINIANISMO E BERGSONIANISMO

As duas formas de enxergar o objeto de estudo levantado no seguinte artigo, embora


não se referenciem diretamente, seja pelo contexto em que estejam inseridos, seja pela própria
motivação que as levaram a serem postuladas, ainda possuem uma profunda relação. A
contraposição desses dois pensamentos propostos pela dialética é a fonte para a solução do
problema da natureza do tempo.
A teoria proposta por Agostinho possui, além do valor histórico, contribui para a
compreensão da temporalidade. O argumento de Agostinho é sustentado pela tentativa de testar
se o que normalmente se conhece é verdadeiramente dessa forma – dividido em passado,
presente e futuro. Nesse ponto, ele chega à conclusão, como foi descrito, que existem dois
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tempos que são sustentados apenas pelo exercício do intelecto. O presente, por outro, lado, por
mais que não possua extensão pode existir facilmente, pois de onde é dele que partem as
construções da mente que foram apontadas anteriormente. Quanto a isso, o próprio autor afirma
que é correto dizer que “esses três, de fato, estão na alma, de alguma maneira, e não os vejo em
outro lugar: a memória presente no passado, a visão presente do presente, a expectativa presente
do futuro”. (AGOSTINHO, 2017, p. 324).
Isso não faria, no entanto que tudo seja resumido ao ser humano, pois também é dito na
obra um argumento contrário à ideia de que o tempo seja inteiramente subjetivo:

Com efeito, se um corpo, variando, às vezes se move, às vezes permanece parado,


medimos pelo tempo não apenas seu movimento, mas também sua imobilidade e
dizemos: ‘Ficou parado pelo mesmo tempo em que se moveu” (AGOSTINHO, 2017,
p. 328-329).

O tempo não pode ser sustentado apenas pelos corpos ou pela compreensão do homem,
pois há uma espécie de realidade em que se move o objeto que é descrito por Agostinho no
livro das confissões.
O problema que resta dessa teoria é a natureza do presente e descobrir como poderia
algo que não possui sequer extensão existir na realidade? O problema é respondido a partir das
contribuições de Bergson à discussão.
Como dito, a realidade não pode ser, na visão do autor, algo descrito apenas a partir de
um caráter extensivo, visto que existem coisas que não podem ser quantificadas quanto ao seu
impacto no ser humano, e sim qualificadas. O tempo presente, portanto, está contido nesse
grupo.
Desta maneira, o bergsonianismo, não assume em si a compreensão de um tempo que
não é em si completamente absoluto, tal qual diz Gurgel: “a duração para Bergson não se
constitui como uma sucessão de instantes; se assim fosse, não haveria prolongamento do
passado no atual, a evolução” (GURGEL, 2012, p. 78). Com isso, não é correto afirmar que
seja sustentada a ideia de algo imóvel, mas que existe um movimento que envolve o mundo
proporcionado pelas experiências vividas no presente e tudo que é possível de ser apreendido
por ele.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho desenvolvido buscou, portanto, investigar a natureza do tempo e,


principalmente, sua relação com o ser humano.
Agostinho, foi a base para a compreensão de que há sim uma a importância do homem
para que passado e futuro possam existir, sendo ele, no entanto, capaz de fazer tal criação em
seu intelecto a partir do impacto realizado pelo presente.
O presente sendo assumido como o verdadeiro tempo que subsiste é confirmado com a
contraposição realizada com o pensamento de Bergson, o qual entende que o tempo existe por
meio da duração, algo que se trata de uma medida qualitativa da inteligência humana.
Dentro daquilo que foi apresentado a respeito da visão dos dois autores que serviram
para o desenvolvimento do trabalho, Agostinho e Bergson, a conclusão que foi desenvolvida é
que o tempo possui em si objetividade, existindo por si e em si, sendo, no entanto incorreto
afirmar que ele o seja fielmente da maneira como o ser humano entende.
O problema iniciado por Agostinho se relaciona quase diretamente com Bergson e sua
compreensão qualitativa das coisas. O presente que se apresenta como plano de fundo para que
o passado e futuro residam na alma, ao ganhar essa nova medida proporcionada por Bergson
não se torna eterno, como problematizava as confissões, mas encontra uma forma de subsistir
no indivíduo, o qual faz em si uma tradução do que vive.
Por conseguinte, o tempo possui em si um valor ontológico que independe do ser
humano para que possa existir, o que não faz com que haja ainda uma curiosa relação entre
esses dois sujeitos.

REFERÊNCIAS

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AGOSTINHO. Coleção Patrística; 24. São Paulo: Paulus, 2008.

AULA Inaugural 2023. A eternidade e o tempo no livro XI das Confissões de Agostinho.


[S. l.]: ISTA, 01 mar. 2023. 1 vídeo (110 min). [Live]. Disponível em:

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https://www.youtube.com/watch?v=D2GXgYh208o&t=2985s. Acesso em: 05 de março, 2023.
Participação de Frei Hélton Pimenta Fernandes.

BERGSON, Henri. A evolução criadora. São Paulo: Editora UNESP, 2010.

BRACHTENDORF, Johannes. Confissões de Agostinho. São Paulo: Edições Loyola, 2020.

FITZGERALD, Allan D. Agostinho através dos tempos: uma enciclopédia. São Paulo:
Paulus, 2019.

GURGEL, Adriana. A coexistência entre passado e presente na duração de Henri Bergson.


São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), 2012.

PASSOELO, Germano Antonio da Paixão. Bergson e o resgate a Metafísica: a intuição como


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REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média.


São Paulo: Paulus, 1990.

SOUZA, Camila Cristina de; PEREIRA, Crislene Silva. O tempo e a Eternidade em Santo
Agostinho. Minas Gerais: Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri
(UFVJM), 2012.

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