Proinfancia
Proinfancia
Proinfancia
CDD 370.981
1
Portanto, pode-se dizer que é a partir da Constituição de 1988 que a criança é reconhecida como
um sujeito de direito, tema esse que tem motivado profundas mudanças a respeito do ponto de vista que
se tem da escola e das políticas para a infância.
2
De acordo com Barbosa (2009), em relação à Educação Infantil, ao Ensino Fundamental e ao Ensino Médio,
“um importante marco foi a diferenciação entre eles ocorrer pelo uso da palavra educação, e não ensino, demons-
trando uma visão mais ampla dos processos pedagógicos necessários nessa faixa etária” (p. 16) [grifo nosso].
58 implementação do proinfância no rio grande do sul
como a primeira etapa da Educação Básica, por meio de uma seção autônoma e não mais em
posição subordinada às demais etapas. Assim, indicaram-se seus objetivos e finalidades, a
fim de refletir sobre a sua articulação com as outras etapas escolares. Pela primeira vez, as
crianças com menos de seis anos foram reconhecidas como sujeitos com direito à educação.
A novidade das chegadas dos bebês na escola desencadeia novas perguntas aos
pesquisadores e estudiosos da área, assim como provoca reflexões peculiares para as
políticas públicas para a Educação Infantil. Pedrosa (2009) lembra que
Motivados por isso, desde a década de 70, conforme destaca Pedrosa (2009),
sociólogos, psicólogos, antropólogos, educadores e diversos estudiosos vem refletin-
do acerca da vida coletiva das crianças, perguntando-se como estas vivem longe das
famílias, de que forma se relacionam, aprendem, e também sobre como as escolas de
Educação Infantil devem ser organizadas. Nesse sentido, é possível observar que, no
curso da história, esses espaços, que, por sua vez, estão atravessados por representações
do entendimento sobre a criança, marcam os modos de como as escolas e a própria
sociedade se organizam para atender a e se relacionar com esse sujeito.
Nessa perspectiva, a escola vem se constituindo um “privilegiado lugar das crianças”
(BARBOSA; FOCHI, 2012, p. 2), ocasionando um diferencial no estudo das crianças e
especialmente dos bebês e crianças bem pequenas. Isso pôde ser observado pela cres-
cente notoriedade que esse campo vem ganhando no cenário da pesquisa e também
das atuais discussões políticas nos últimos anos.
É por isso que, segundo o Parecer 20/2009, que trata da revisão das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, a especificidade dos bebês e crianças
pequenininhas deve ser considerada na organização do currículo. Isso significa dizer
que o tempo para as experiências de aprendizagens, os materiais que são ofertados a
eles e os espaços que esses meninos e meninas habitam precisam ser construídos, tendo
em vista o percurso de aprendizagens que cada sujeito poderá construir.
Assim, conforme esse mesmo parecer, no que diz respeito às aprendizagens das
crianças, “devem ser abolidos os procedimentos que não reconhecem a atividade criadora
e o protagonismo da criança pequena, que apenas promovam atividades mecânicas, de
treinamento, e não significativas para as crianças” (2009, p. 14). Portanto, ao pensarmos
os bebês no berçário: ideias-chave 59
3
“Critérios para um atendimento em creches que respeite os direitos fundamentais das crianças” é o
nome de importante documento construído nos últimos anos no Brasil pelas autoras Maria Malta Campos e
Fúlvia Rosemberg, sendo a primeira edição de 1995, que trata das práticas concretas adotadas no trabalho
com as crianças e das diretrizes para a organização de políticas públicas para crianças bem pequenas.
60 implementação do proinfância no rio grande do sul
Essa noção de imagem como uma metáfora sobre a representação social e indivi-
dual que temos sobre a criança é revelada de distintas formas no cotidiano de adultos
e crianças. Deixarmos um aparelho de som sintonizado em uma rádio, ao fundo de uma
sala de berçário, indica, por exemplo, a imagem de bebê sem voz que, por não “falar”,
não compreende e, por isso, não se importa com o som. Ou, ainda, que as palavras do
rádio ocupam o espaço da voz dos adultos e das crianças. Outro exemplo dessa mesma
ideia move muitos professores a higienizar os bebês como se estivessem embalando um
pacote de mercado, ou a colocá-los apoiados em uma barra para começar a dar alguns
passos, ou, ainda, a antecipar e acelerar outros processos de desenvolvimentos. Se,
ao contrário, tivermos a imagem de bebês que sentem, compreendem, comunicam-se
e são capazes, ações como as descritas não podem estar presentes no repertório do
professor, por maior dificuldade ou menor formação que possa ter. A convicção de que
o bebê é um ser humano, assim como os adultos, não autorizaria práticas como essas.
O registro que Malaguzzi (1989 apud HOYUELOS, 2004a, p.75) faz sobre esse
aspecto é de nos alertar de que “o ponto de vista sobre a criança é o ponto de vista
sobre o homem, e a imagem de criança é uma imagem de unidade e inteireza da vida”.
Em outras palavras, ao falarmos em crianças, estamos igualmente falando sobre
homens e mulheres, sobre seres humanos. Por isso que, em uma relação de extrema
complexidade e sutileza, a docência é constituída por essa imagem da criança que,
complementarmente, vai construindo a imagem de professor.
Ao destacarmos a imagem de professor, vale lembrar que “as atribuições e as funções
do professor de Educação Infantil ainda têm pontos de controvérsias” (BRASIL, 2009, p.
36), sobretudo, na docência de turmas de bebês, as discussões sobre o que compreende
a atividade pedagógica, que muitas vezes parece estar pautada nos moldes que outras
etapas de educação têm constituído para a docência. No entanto, conforme destacamos
neste texto, as implicações, para as crianças, de suas vivências na creche são profundas,
e as conquistas e aprendizagens que acontecem durante esse período são intensas,
assim, não há atividade em um berçário que não possa ser considerada pedagógica.
Ademais, todos os momentos do dia a dia são plenos de descobertas e aprendizagens.
Por esse motivo, o interesse no planejamento de um professor de crianças bem
pequenas parece estar centrado, sobretudo, em quatro grandes eixos: os relacionamen-
tos, os materiais, os espaços e os tempos. Concomitante a esses aspectos, cabe-lhe o
desafio de pensar os modos de observar, registrar e interpretar as ações das crianças
na Educação Infantil.
exploram os materiais, como interagem entre elas e com os adultos (p. 8)”. Essas são, pois,
as pistas que as crianças nos deixam para pensar o planejamento. Apostamos que essa
possa ser uma ideia-chave da docência, em que o interesse seja centrado nos processos de
construção de conhecimento das crianças, e não no produto em que isso possa resultar.
Nesse sentido, encontramos elementos importantes a serem considerados pelo
professor, pois, como se pode perceber, a oferta de materiais possibilita que as crianças
escolham e tornem possíveis suas ações para descobrir e interpelar o mundo. Tonucci
(2008) vai dizer que, por material, podemos entender “tudo aquilo com que se faz algo,
que serve para produzir, para inventar, para construir” (p. 11). O investigador italiano
nos ajuda a pensar que a ideia de material ofertada para as crianças vai muito além de
brinquedos ou dos materiais didáticos: “[...] deveríamos falar de tudo o que nos rodeia,
desde a água até a terra, das pedras aos animais, do corpo às palavras... ‘incluindo as
plantas e as nuvens’” (idem).
A seleção de materiais é também uma forma de dar condições para as crianças
explorarem o seu entorno, e nesse exercício os meninos e meninas olham, manipulam,
colocam, tiram, deixam cair, encaixam, acoplam, surpreendem-se, choram, repetem,
desistem, retomam ações que garantem a possibilidade da construção de sentidos
pessoais e significados coletivos.
Assim, as distintas possibilidades que os materiais oportunizam às crianças, prin-
cipalmente quando são diversificados, provocam explorações potentes para aprender,
pois geram oportunidades surpreendentes. Por isso, para além dos “brinquedos e mate-
riais didáticos”, a variedade de texturas, formas, cores, sons, cheiros e tamanhos pode
provocar ricas experiências, além de ofertar a possibilidade de os bebês conhecerem
outros materiais que não aqueles com que, geralmente, têm contato: os industrializados.
Quanto aos espaços, os consideramos importantes aliados e parceiros do professor,
pois, conforme Cabanellas e Eslava (2005), podem ser pensados como o “entorno vital”
de onde submergem emoções, aprendizagens, descobertas, especialmente quando são
seguros e do tamanho adequado, podendo proporcionar aos bebês a exploração e o
surgimento de relações com os outros, consigo e com o mundo.
No caso dos bebês, não podemos esquecer que os espaços ocupam papel importante
no que diz respeito ao alcance da marcha. A oportunidade de estarem livres pelo chão
para poder deslizar, rolar, engatinhar e ensaiar os primeiros passos contempla a especifi-
cidade dessa faixa etária, demonstrando que as grandes atividades que as crianças bem
pequenas fazem no berçário não cabem na folha de papel. Nesse sentido, a sala-referência
deve promover desafios e criar condições para que as crianças possam experimentar essa
conquista tão importante: caminhar. Assim, barras para apoiar-se, pequenos caixotes de
madeira para promover outros níveis de deslocamento, espelhos para reconhecerem seu
corpo são exemplos de organizações que podem ser oferecidas aos bebês.
64 implementação do proinfância no rio grande do sul
ocidental atual de não deixar aos bebês o tempo suficiente de ser bebê” (GOLSE, 2011,
p. 15). É preciso garantir-lhes o tempo de viver esse momento tão importante, intenso
e passageiro; dar-lhes tempo é também permitir que vivam o “seu tempo de ser bebê”.
O professor tem três compromissos fundamentais com as crianças pequenas
para que elas tenham tempo e aprendam a se relacionar com o tempo: compartilhar
a vida, brincar e narrar – esses são três modos não lineares de viver e contar o tempo
(BARBOSA, 2013), que comentamos a seguir.
a) Compartilhar a vida
Assim, é na vida cotidiana que as crianças aprendem aquilo que é fundamental para
viver, para serem ativas protagonistas da sua vida e do mundo: cuidarem-se, cuidarem dos
demais, estarem atentas, calmas e ativas, fazerem escolhas; agirem no mundo, criarem,
copiarem, inventarem um estilo de ser. Cabe aos adultos, em seu papel de acompanhantes
mais experientes, ofertar tempo para se escutar uma poesia, uma música, uma voz; se
explorarem imagens, ideias que ampliem as sensibilidades infantis. O cotidiano como o
lugar do ritual, do repetitivo, do recursivo, mas que escuta o extraordinário que existe no
dia a dia. O cotidiano é onde se aprende a ver a beleza das pequenas coisas (BARBOSA,
2013). O cotidiano é onde as crianças propõem inícios, fazem suas investigações, pes-
quisas, num espaço de segurança e desafio, pluralidade e diferença.
b) Brincar e jogar
aprender a brincar, em que a cultura da brincadeira será transmitida por colegas maio-
res ou pelos professores. Cada vez há menos espaço nas cidades e nas famílias para a
brincadeira, e por esse motivo as escolas se tornaram importante ponto de apoio para
que a cultura da brincadeira não venha a ser esquecida.
Além das brincadeiras menos estruturadas, também as crianças pequenas adoram
aprender as canções com movimentos, as brincadeiras cantadas, as rodas e os jogos
que tenham regras passíveis de serem compreendidas e tenham desafios motores
próximos às habilidades das crianças, como o esconde-esconde, o pega-pega, o ovo
podre, a amarelinha, etc. Brincar e jogar exigem tempo, e, como diz o poeta, não é
perder tempo, é ganhá-lo. As crianças brincam todos os dias durante muito tempo,
repetem brincadeiras, aprendem novas, inventam variantes, criam roteiros, constro-
em e reconstroem casas, cidades, estradas e castelos. É preciso tempo para preparar,
combinar, realizar, concluir e contar sobre a brincadeira.
c) A narrativa
Para concluir, é fundamental lembrar que não bastam espaços, materiais e repertórios
adequados, há a necessidade da presença de adultos sensíveis, atentos para transformar o
ambiente institucional em um local em que predomine a ludicidade. A postura do professor
deve ser a de organizador, mediador e elaborador de materiais, ambientes e atividades
que permitirão às crianças construírem ações sobre objetos e formas de pensamento.
Numa nova perspectiva, compreende-se o papel do professor como o de um orientador
da busca do conhecimento, principalmente quando ela surge como necessidade para
desenvolver o projeto do grupo e as necessidades e desejos individuais das crianças.
É importante destacar que acreditamos que “as ações das crianças demarcam um
processo inaugural de aprendizagem e relação com o mundo” (FOCHI, 2013, p. 158),
evidenciando a necessidade de ser assumida dentro das escolas a garantia de que as
crianças possam agir no mundo a partir de sua iniciativa em um tempo e espaço privi-
legiado para a construção de sentidos.
os bebês no berçário: ideias-chave 67
Referências
ALBANO, Ana Angélica. Prefácio. In: HOLM, Anna Marie. Baby-art: os primeiros passos com
a arte. São Paulo: MAM, 2007.
BARBOSA, Maria Carmen Silveira. Tempo e cotidiano – Tempos para viver a infância. Leitura:
Teoria & Prática, Campinas, v.31, n.61, p.213-222, nov. 2013.
BARBOSA, Maria Carmen Silveira. Por Amor e por força: rotinas na Educação Infantil. Porto
Alegre: Artmed, 2009.
BARBOSA, Maria Carmen Silveira; FOCHI, Paulo Sergio. O desafio da pesquisa com bebês
e crianças bem pequenas. In: FÓRUM SUL DE COORDENADORES DE PROGRAMAS DE
PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO, 2012, Caxias do Sul. Anais. Caxias do Sul: AnpedSul,
2012. CD-ROM
BIESTA, Gert. Para além da aprendizagem: educação democrática para um futuro humano.
Belo Horizonte: Autêntica, 2013.
BRASIL. Práticas cotidianas na Educação Infantil: bases para reflexão sobre as orientações
curriculares. Projeto de Cooperação Técnica MEC/Universidade Federal do Rio Grande do
Sul para Construção de Orientações Curriculares para a Educação Infantil. Brasília, MEC/
Secretaria de Educação Básica/UFRGS, 2009a. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/
dmdocuments/relat_seb_praticas_cotidianas.pdf>. Acesso em: 04 nov. 2011.
CABANELLAS, Isabel; ESLAVA, Clara (org.). Territorios de la infancia: diálogos entre arqui-
tectura y pedagogia. Barcelona: Graò, 2005.
68 implementação do proinfância no rio grande do sul
CAMPOS, Maria Malta; ROSEMBERG, Fúlvia. Critérios para um atendimento em creches que
respeite os direitos fundamentais das crianças. 6. ed. Brasília: MEC / SEB, 2009.
DAHLBERG, Gunilla; MOSS, Peter; PENCE, Alan. Qualidade na educação da primeira infância:
perspectivas pós-modernas. Porto Alegre: Artmed, 2003.
FOCHI, Paulo Sergio. Mas os bebês fazem o que no berçário, heim? Documentando ações de
comunicação, autonomia e saber-fazer de crianças de 6 a 14 meses em contextos de vida
coletiva. 171 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, Porto Alegre, 2013.
GOLSE, Bernard. Prólogo. In: SZANTO-FEDER, Agnes. Una mirada adulta sobre el niño en
acción: el sentido del movimiento en la protoinfancia. Buenos Aires: Ediciones Cinco, 2011.
HOLM, Anna Marie. Baby-art: os primeiros passos com a arte. São Paulo: MAM, 2007.
______. Loris Malaguzzi: biografia pedagógica. Azzano São Paolo: Edizioni Junior, 2004b.
______. Prólogo. In: CABANELLAS, Isabel et al. Ritmos infantiles: tejidos de un paisaje
interior. Barcelona: Octaedro, 2007.
KUHLMANN JR., Moysés. Infância e Educação Infantil: uma abordagem histórica. Porto
Alegre: Mediação, 1998.
MALAGUZZI, Loris. Histórias ideias e filosofia básica. In: EDWARDS, Carolyn; GANDINI,
Lella; FORMAN, George. As cem linguagens da criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999a.
PEDROSA, Maria Isabel. A surpreendente descoberta: quem é e o que pode aprender uma
criança de até três anos. Brasília: MEC. 2009. Disponível em: <http://tvbrasil.org.br/fotos/
salto/series/18165615-Educriancascreches.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2011.
SZANTO-FEDER, Agnes. Una mirada adulta sobre el niño en acción: el sentido del movimiento
en la protoinfancia. Buenos Aires: Ediciones Cinco, 2011.
______; TARDOS, Anna. O que é a autonomia na primeira infância? In: FALK, Judit (org.).
Educar os três primeiros anos: a experiência de Lóczy. Araraquara: Junqueira&Marin, 2011.