Admin, BJD 065
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ISSN: 2525-8761
DOI:10.34117/bjdv8n3-065
RESUMO
O presente trabalho refere-se ao projeto inicial de pesquisa de doutorado, iniciado em 2018 e
intitulado “O cotidiano escolar da educação infantil: o que dizem as crianças sobre as suas
vivências”, tem como objetivo identificar e analisar se as crianças da Educação Infantil são
ouvidas e participam ativamente da construção das práticas pedagógicas a elas destinadas, bem
como, compreender quais as percepções delas acerca das suas vivências no cotidiano escolar.
Para tanto, nos apoiamos teoricamente na literatura que discute as crianças e a infância na
Psicologia Histórico-Cultural, principalmente em VIGOTSKI e seus colaboradores. Para
alcançar nosso objetivo, utilizaremos como metodologia a pesquisa qualitativa do tipo
etnográfico, por possibilitar um diálogo permanente entre pesquisador e sujeitos pesquisados.
Acreditamos que pensar a escola de Educação Infantil como um espaço transmissão de
conhecimento, rico em experiências, de construção de cultura, de estabelecimento de laços
afetivos, significa compreender as crianças como sujeitos históricos, de direitos e produtores de
cultura. Entendemos que ouvir as crianças sobre o que elas pensam, dizem, gostam e criticam no
espaço escolar é fundamental para construirmos uma escola de Educação Infantil pautada nos
princípios da Psicologia Histórico-Cultural.
ABSTRACT
The present work refers to the initial doctoral research project, started in 2018 and entitled "The
school daily life of early childhood education: what children say about their experiences", aims
to identify and analyze whether children in early childhood education are heard and actively
participate in the construction of pedagogical practices for them, as well as understand their
perceptions about their experiences in everyday school life. To do so, we theoretically support
ourselves in the literature that discusses children and childhood in Cultural-Historical
Psychology, especially in VIGOTSKI and his collaborators. To reach our goal, we will use as
methodology the qualitative research of the ethnographic type, for making possible a permanent
dialog between researcher and researched subjects. We believe that to think of the Early
Childhood Education school as a space for the transmission of knowledge, rich in experiences,
for the construction of culture, for the establishment of affective bonds, means to understand
children as historical subjects, with rights, and producers of culture. We understand that listening
to children about what they think, say, like, and criticize in the school space is essential to build
a school of Early Childhood Education based on the principles of Cultural-Historical Psychology.
1 INTRODUÇÃO
Ao fazermos uma breve análise das pesquisas realizadas na Educação Infantil,
percebemos que a maioria delas é sobre as crianças e não com as crianças. É possível reconhecer
nelas as vozes dos profissionais, mas, em poucos casos há a escuta dos principais sujeitos, que
são as crianças.
Segundo Barbosa (2009), historicamente, as crianças nasciam e eram cuidadas
exclusivamente por suas famílias. As interações com outras crianças eram realizadas por meio
de brincadeiras de rua com os vizinhos ou parentes. Havia um processo hierárquico em que os
adultos eram superiores às crianças. Os adultos tinham o dever de apresentar o mundo às crianças
e não havia possibilidades de resistência das crianças a tal modelo.
Nas últimas décadas essa relação verticalizada começou a ser questionada. Ocorreram
mudanças sociais, científicas, tecnológicas, de costumes, que sinalizaram que as crianças não são
passivas, ao contrário, são ativas, históricas, produtoras de cultura, que interagem com o mundo
e com os outros.
Atualmente a escola de Educação Infantil é um dos principais espaços onde as relações
sociais das crianças acontecem, pois promove encontros de sujeitos pertencentes a diferentes
origens, faixas etárias, culturas e com experiências diversificadas.
Entender a dinâmica do mundo contemporâneo, carregada de incertezas e instabilidades,
significa pensar também em uma ação educativa para a Educação Infantil que seja dialógica e
reflexiva, que viva as contradições do contexto social amplo, bem como as construções culturais.
No que se refere à Legislação, foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –
LDB nº 9.394/96 que assegurou a Educação Infantil como a primeira etapa da educação básica.
Sendo assim, consideramos necessário pensar a especificidade da Educação Infantil para além
da preparação para a próxima etapa, o Ensino Fundamental.
Em 2013 a Lei nº 12.796 enfatizou a obrigatoriedade da matrícula de crianças de 4 e 5
anos de idade, na Educação Infantil. Um ganho no que se refere aos direitos das crianças, mas,
por outro lado surge-nos uma preocupação: A escola e os profissionais que atuam no referido
nível de ensino conseguem entender que mesmo se tornando obrigatória a matrícula dessa faixa
etária, a Educação Infantil não pode perder sua especificidade para transformar-se em uma
preparação para o Ensino Fundamental, com uma escolarização precoce, focando na construção
da habilidade da leitura e da escrita? Outra preocupação é que as crianças sejam reduzidas a
alunos, excluindo as experiências específicas da infância, como a brincadeira, que segundo a
Psicologia Histórico-Cultural é atividade principal das crianças no período dos 3 aos 6 anos de
idade das crianças.
No texto “A brincadeira e o seu papel no desenvolvimento psíquico da criança” Vigotski
(2008) nos chama a atenção de que, para entendermos a gênese da brincadeira e o seu papel no
desenvolvimento da criança é necessário compreendê-la como a atividade principal que a criança
realiza no período pré-escolar. O autor enfatiza que atividade principal não está relacionada à
que traz mais prazer à criança, ou aquela que ela mais realiza em termos quantitativo, mas o
principal aparece no sentido de que é a atividade que desenvolve as funções psíquicas e culturais
da criança.
Leontiev (2018) define atividade principal como:
Kishimoto (2010, p.1) enfatiza que a brincadeira é importante para a criança explorar o
mundo, entendê-lo e tentar se expressar por meio das diferentes linguagens.
Ao brincar, a criança experimenta o poder explorar o mundo dos objetos, das pessoas,
da natureza e da cultura, para compreendê-lo e expressá-lo por meio de variadas
linguagens. Mas é no plano da imaginação que o brincar se destaca pela mobilização
dos significados. Enfim, sua importância se relaciona com a cultura da infância, que
coloca a brincadeira como ferramenta para a criança se expressar, aprender e se
desenvolver (KISHIMOTO, 2010, p.1).
Para não correr o risco de fazer da Educação Infantil uma preparação para o Ensino
Fundamental é imprescindível pensar em uma proposta pedagógica que tenha como foco as
crianças como um seres históricos e produtores de cultura.
Segundo Barbosa (2009) foi criado um estereótipo de aluno há mais de duzentos anos,
em que para aprender, era preciso que a criança estivesse concentrada, imóvel e em silêncio.
Assim, a criança teria que negar seu corpo para ter concentração e prestar atenção no que o (a)
professor (a) estava ensinando.
Entendemos que as crianças são seres históricos, sociais e produtores de cultura, possuem
ainda um corpo que sente, pensa, emociona, imagina, transforma, inventa, cria e etc. Mas, para
tornarem-se sujeitos sociais precisam relacionar e interagir com seus pares.
Para nós, a escola de Educação Infantil precisa ser repensada como um espaço rico de
experiências, de construção de cultura, de estabelecimento de laços afetivos, como um tempo de
aprendizagem e de prazer, o que significa entender as crianças como sujeitos históricos, de
direitos e produtores de cultura.
O interesse pelo tema infância, crianças e cotidiano escolar na Educação Infantil foi
construído ao longo da nossa trajetória profissional como professora e coordenadora pedagógica
de escolas municipais de Educação Infantil desde 2008. Nesse percurso, sempre observamos as
crianças durante o tempo de permanência na escola, atentando-nos para seus gostos e
preferências, as brincadeiras, a rotina de atividades, a organização do tempo, do espaço e dos
materiais, dentre inúmeras outras situações.
Percebemos ao longo dos anos de experiência que a Educação Infantil é pensada e
planejada por adultos e que as crianças não são ouvidas. Cabe a elas seguirem a rotina, como
entrar na fila para as refeições e para ir ao banheiro, fazer as atividades, cumprir combinados e
obedecer aos adultos.
Em vários momentos pensávamos, se tal modelo de Educação Infantil era uma situação
isolada, ou se acontecia nas demais instituições públicas de educação infantil. Durante as
reuniões e formações com os pedagogos de outras escolas, sempre trocávamos experiências
acerca da temática e percebíamos pelo relato dos colegas de profissão, que na maioria das vezes
a opinião das crianças não era considerada para o planejamento das atividades, uma situação que
nos incomodava muito.
Com o convite para fazer parte da assessoria pedagógica da Educação Infantil da rede
municipal de ensino, assumindo com os demais membros da equipe, o acompanhamento
pedagógico de todas as escolas municipais de Educação Infantil, foi possível realizar visitas
interventivas, conversar com crianças e profissionais, observar os espaços e “o que diziam” as
paredes das escolas. Foi assim que nossas inquietações se intensificaram no sentido de pensar
como as crianças têm participado da construção das propostas pedagógicas a elas destinadas e
como a escola de Educação Infantil é percebida pelas crianças que ali estão, do que elas gostam
e do que não gostam.
É neste contexto que surge o nosso problema com algumas questões a serem respondidas:
as crianças são ouvidas e participam ativamente da construção das práticas pedagógicas a elas
destinadas? Como tem sido as vivências das crianças na Educação Infantil? O que os
espaço para as crianças construírem suas aprendizagens por meio das brincadeiras e interagindo
com os pares. Assim, consideramos imprescindível ouvir a criança, o que ela espera da escola e
o que lhe é prazeroso.
Vigotski (2007) afirma que a teoria histórico-cultural compreende o processo de
desenvolvimento humano a partir da relação dialética entre as dimensões biológica e social.
Segundo o autor, os processos de internalização ocorrem das relações interpessoais para as
intrapessoais, ou seja, do social para o individual.
Vigotski (2018) ressalta que esse processo de desenvolvimento é construído
dialeticamente a partir das interações e comunicações estabelecidas com os outros sujeitos ao
longo da história. As funções psicológicas superiores não podem ser consideradas como funções
biológicas relacionadas ao “amadurecimento” ou evolução das estruturas cerebrais. Ao contrário,
essas funções originam-se nas relações interpessoais (sociais) para posteriormente se manifestar
em intrapessoal (individual).
Entendemos que a escola de Educação Infantil deve pensar e propor formas de valorizar
a brincadeira como atividade principal a ser desenvolvida, pois é por meio dela que as crianças,
não apenas interpretam os elementos da cultura, mas também experimentam, aprendem,
interagem, socializam e definem papéis, símbolos e posições sociais que representam modos de
organização social e, além de tudo, são felizes.
A esse respeito Vigotiski (2008) afirma que a brincadeira é uma atividade humana que
está situada social, cultural e historicamente e cria uma zona de desenvolvimento iminente
porque a criança age acima do seu comportamento cotidiano na brincadeira. Sendo assim, a
brincadeira amplia as possibilidades de aprendizagens das crianças.
Para tanto, os espaços das instituições de Educação Infantil devem ser organizados com
o objetivo de estimular a brincadeira, o desenvolvimento e a curiosidade das crianças,
proporcionando experiências variadas para que elas se apropriem dos conceitos socialmente
construídos e atribuam sentido e significado ao que aprendem e realizam.
Assim, em lugar de encurtar a infância por meio de práticas educativas que antecipam
a escolarização, é preciso aperfeiçoar o conteúdo e os métodos educativos para
assegurar em cada idade da criança as vivências necessárias para o desenvolvimento da
personalidade e da inteligência em formação já na infância pré-escolar. A compreensão
de que a criança é capaz, desde que nasce, de estabelecer relações com o entorno e o
entendimento de que o acesso rico e diversificado à cultura permite a reprodução das
máximas qualidades humanas devem estimular o enriquecimento máximo das vivências
propostas às crianças (MELLO, 2007 p. 91).
É importante que o profissional que atua junto às crianças observe o seu fazer
pedagógico, como ele acontece, quanto tempo dura, onde as crianças preferem ficar, o
que mais as agita, e o que as deixa tranquilas, para poder, deste modo, fazer uma
organização do tempo. Esse conhecimento é fundamental, caso contrário corre-se o
risco de ter uma rotina sem nenhum significado e muitas vezes até autoritária, tirando a
autonomia das crianças (CAVASIN, 2008, p. 50).
1
Enxergar a infância nessa perspectiva é reconhecer que: A infância é uma construção social, elaborada para e pelas
crianças, em um conjunto ativamente negociado de relações sociais. Embora a infância seja um fato biológico, a
maneira como ela é entendida é determinada socialmente. A infância, como construção social, é sempre
contextualizada em relação ao tempo, ao local e à cultura, variando segundo a classe, o gênero e outras condições
socioeconômicas, por isso não há nenhuma infância natural, nem universal, mas muitas infâncias e crianças; As
crianças são atores sociais, participando da construção e determinando suas próprias vidas, mas também a vida
daqueles que as cercam e das sociedades em que vivem, contribuindo para a aprendizagem como agentes que
constroem sobre o conhecimento experimental. (DAHLBERG; MOSS; PENCE, 2003, p. 71 acréscimos nossos).
Para Vigotski (1988), o bom ensino é aquele que estimula o desenvolvimento infantil,
aquele que se adianta ao que a criança já sabe, desafiando-a a fazer atividades que só conseguiria
realizar com a ajuda da professora ou de um parceiro mais experiente.
Dessa forma, defendemos uma prática pedagógica que seja pensada a partir da escuta
ativa feita com as crianças, valorizando suas culturas, suas experiências, estando sempre atentos
ao que as crianças falam e gostam e, principalmente, respeitando-as enquanto sujeito de direitos
e produtores de cultura.
Para Freire (1996) é necessário que o (a) professor (a) esteja disposto (a) a ouvir, a
dialogar, a fazer de suas aulas momentos de liberdade para falar, debater, refletir e estar
disponível para compreender o que as crianças desejam.
Para construirmos uma educação infantil fundamentada na humanização é essencial
ouvirmos os principais sujeitos desse processo que são as crianças, não mais pensar em uma
escola sobre as crianças, mas sim com as crianças.
2 DESENVOLVIMENTO
Entendemos que as investigações com crianças, exigem uma metodologia de pesquisa
que possibilite a participação ativa e direta do pesquisador no contexto em que a investigação
será realizada, bem como promover uma interação com os sujeitos.
Neste sentido, propomos uma investigação de abordagem qualitativa, por possibilitar uma
ação reflexiva do pesquisador, tanto no que se refere aos dados coletados, quanto à busca teórica
constante, para construir novos significados e sentidos ao que será descoberto no decorrer da
pesquisa.
Segundo Menga e André (1986) a abordagem qualitativa está relacionada “[...] a obtenção
de dados descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza
mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes”
(p.13).
Neste sentido, entendemos que a proposta de investigação de ouvir as crianças para
compreender suas percepções acerca das vivências na educação infantil requer uma imersão e
dedicação no campo pesquisado. Por esse motivo, realizaremos a investigação em duas escolas
municipais de educação infantil distintas Em cada escola será selecionada apenas uma turma de
crianças do segundo período, que atende crianças de aproximadamente cinco anos de idade. Os
sujeitos serão as crianças e seus respectivos professores.
Entendemos que nossa pesquisa, por envolver crianças pequenas na educação infantil,
exige um trabalho colaborativo e requer que o pesquisador seja ativo no processo de investigação.
Assim, optamos por uma orientação etnográfica de pesquisa, por acreditar que imergir em um
campo de investigação, requer um diálogo permanente entre pesquisador e sujeito pesquisado.
No caso das crianças, a lógica da comunicação com elas, para conhecer seu ponto de
vista, não pode centrar-se na oralidade, muito menos de forma exclusiva escrita. Por
isso há necessidade de cruzar fala ou diálogos em grupo com desenhos, com fotografias
– feitas pelas próprias crianças, por exemplo, a respeito do que elas privilegiam na
creche, do espaço que elas gostam de ficar, do que elas gostam de fazer – em vez de
formular apenas uma pergunta genérica e direta (CRUZ, 2008, p. 90).
reflexões junto aos professores para que repensem uma prática pedagógica em que as crianças se
sintam acolhidas, respeitadas e contempladas.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como já foi mencionado, nossa pesquisa encontra-se na fase inicial, de levantamento
bibliográfico e ainda não temos considerações pontuais. Mas no que se refere ao mapeamento
teórico feito até o momento acerca da infância, crianças, cotidiano escolar e educação infantil,
percebemos as crianças têm ganhado cada vez mais lugar nos estudos sobre a infância, sendo
consideradas como sujeitos históricos, sociais e produtores de cultura.
Os autores e autoras têm utilizado nas suas publicações o termo infância, pois grande
parte defende que não existe uma ideia de criança universal e sim infância e crianças - vistas no
plural, que devem ser tratadas como sujeitos históricos, únicos, sociais e culturais.
Acreditamos na construção de uma educação infantil que seja pensada e planejada
juntamente com as crianças, não mais pensar em uma escola sobre as crianças, mas sim com as
crianças. Respeitar o que elas dizem, preferem e gostam significa pensar em uma prática
pedagógica em que elas se sintam acolhidas, respeitadas e contempladas.
REFERÊNCIAS
CAVASIN, R. F. A Organização das Rotinas com Crianças de 0 a 3 Anos e sua Relação com
o Referencial Curricular Nacional Para Educação Infantil – RCNEI. Joaçaba, SC.
Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade do Oeste de Santa Catarina, 2008.
CRUZ, S. H. V. A criança fala: a escuta de crianças em pesquisas. São Paulo: Cortez, 2008.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43. ed. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.